Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA BEM IMÓVEL DOCUMENTO ESCRITO CONFISSÃO FORÇA PROBATÓRIA PLENA PAGAMENTO PREÇO ADMISSIBILIDADE DE PROVA TESTEMUNHAL OCUPAÇÃO DE IMÓVEL INDEMNIZAÇÃO CASO JULGADO MATÉRIA DE FACTO REAPRECIAÇÃO DA PROVA PODERES DA RELAÇÃO NULIDADE DE ACÓRDÃO | ||
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Data do Acordão: | 04/29/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : | I - Tendo o STJ revogado o acórdão recorrido e determinado que a Relação apreciasse a impugnação da decisão de facto, de molde a formular o seu próprio juízo crítico e a explicitar as razões da sua convicção, não estava a Relação impedida de, contrariamente ao acórdão primeiramente emitido (em que apenas declarara a sua concordância com a decisão de facto da primeira instância), alterar a decisão de facto. II - A força probatória plena de confissão contida em contrato (in casu, confissão do recebimento da totalidade do preço, constante em contrato-promessa de compra e venda de imóvel) só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, onde se mostre não ser verdadeiro o facto que dela foi objeto (art. 347.º do CC). III - Em princípio, a prova do contrário, referida em II, não pode ser efetuada com recurso a prova testemunhal ou a presunções judiciais (arts. 393.º n.º 2, 394.º, n.º 1, 351.º, do CC). IV - A proibição referida em III não tem caráter absoluto. A prova testemunhal (assim como a prova por presunções judiciais) será admissível quando se destine a complementar a convicção do tribunal, esclarecendo-a, quando esta já está parcialmente formada com base em circunstâncias objetivas ou documentos que tornam verosímil a convenção contrária ou adicional ao conteúdo do documento, constituindo um “princípio de prova”. V - O STJ apenas interferirá na matéria de facto se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados. VI - Tendo a parte impugnante da confissão referida em II apresentado, como documento consubstanciador do “princípio de prova” referido em IV, uma cópia de um documento particular, alegadamente contendo a assinatura da contraparte, que foi impugnada por esta, e cuja autenticidade não pôde ser avaliada por prova pericial, por falta do original, não cabe ao STJ ajuizar acerca da avaliação efetuada pela Relação acerca da valia probatória de tal documento, tendo concluído (a Relação) que o mesmo não tinha a virtualidade de abrir o caminho à produção de prova testemunhal tendo em vista a prova do contrário mencionada em II, III e IV. VII - A decisão de facto proferida numa determinada ação, isto é, a enunciação dos factos aí dados como provados (e não provados) não produz efeitos fora do âmbito da própria ação. Isto é, o caso julgado (arts. 580.º e 581.º, 619.º a 621.º do CPC) não abrange os factos adquiridos na ação. VIII - Tendo a autora peticionado uma indemnização pela privação do uso do seu imóvel, alegadamente decorrente de ocupação ilícita deste por parte da ré, mas provando-se que a ocupação do imóvel, pela ré, se fundava em contrato-promessa de compra e venda celebrado com a autora, que se manteve em vigor até à execução específica do contrato operada judicialmente, falece a pretensão indemnizatória deduzida pela autora, por falta de facto ilícito fundamentador da responsabilidade civil. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2898/17.4T8CSC.L1.S1 Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Em 20.9.2017 Gavepart – Imobiliário e Turismo, S.A. instaurou ação declarativa de condenação com processo comum (ação de reivindicação) contra AA. A A. alegou ser proprietária de uma determinada fração autónoma, que identificou, localizada em ..., concelho de .... Em 25.11.2011 a A., então denominada “C..., S.A.”, celebrou com a R. um contrato-promessa de compra e venda da dita fração autónoma. Após a A. ter dado conta de que o contrato-promessa padecia de um erro, por nele constar que a A., no momento da assinatura do contrato-promessa, havia dado quitação total do preço, acordou com a R. substituir aquele documento por um contrato de arrendamento com opção de compra, celebrado em 30.12.2011 e com produção de efeitos reportada a 01.12.2011. Esse contrato permitiu legitimar a ocupação do imóvel pela R., enquanto não fosse transmitida a propriedade da fração, uma vez verificadas as condições refletidas no contrato-promessa, nomeadamente o pagamento do preço acordado. Na altura foi acordado afetar o valor de € 25 000,00, já liquidados pela R., a título de cinco anos de rendas. Mais foi clausulado que a A. poderia opor-se à renovação do contrato para novo período de vigência, com uma antecedência mínima de um ano sobre a data do termo. A A. fez uso dessa faculdade, tendo enviado à R. carta de oposição à renovação em 07.8.2015, cessando o contrato de arrendamento com opção de compra todos os seus efeitos em 30.11.2016, devendo a R. restituir o imóvel à A.. Em 14.10.2016 a A. reiterou o que já havia comunicado à R.. Não tendo a R. restituído o imóvel à A., esta intentou uma ação de despejo no Balcão Nacional de Arrendamento, a qual veio a correr os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, Juízo Local Cível de .... Nessa ação, a A. não logrou provar a existência do dito contrato de arrendamento com opção de compra. Assim, restou à A. intentar a presente ação de reivindicação e peticionar indemnização pelos danos que o comportamento da R. lhe causou e causa, que a A. especificou. A A. terminou peticionando a declaração de que a A. é dona e legítima proprietária da fração autónoma que a A. identificou, a condenação da R. a reconhecer o direito de propriedade da A. sobre o aludido imóvel e a restituí-lo à A. completamente limpo, livre e devoluto de pessoas e bens, a condenação da R. a ressarcir a A. do prejuízo pelo não arrendamento do imóvel, que a A. computou, em 30.12.2017, em € 5 400,00, acrescidos de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa legal, a contar de 30.11.2016, até à efetiva entrega do imóvel reivindicado, sendo que à data da propositura da ação os mesmos, segundo a A., ascendiam a € 179,90, a condenação da R. a pagar à A. uma indemnização por todos os danos que a R. viesse a provocar no imóvel, a liquidar em execução de sentença, a condenação da R., a título de sanção pecuniária compulsória, no pagamento da quantia diária de € 50,00, desde 30.11.2016 até que o imóvel fosse definitivamente entregue à A.. 2. A R. contestou e reconveio. Muito em síntese, negou ter outorgado o invocado contrato de arrendamento, alegando que o mesmo foi forjado pela A.. Mais alegou a veracidade do que consta no contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes, nomeadamente o que diz respeito ao pagamento integral do respetivo preço, no valor de € 125 000,00. Em reconvenção, a R. invocou a celebração do contrato-promessa de compra e venda da aludida fração, para reclamar a execução específica desse contrato e, subsidiariamente, a condenação da A. no pagamento do sinal em dobro, isto é, a quantia de € 250 000,00, ou, caso assim se não entendesse, a condenação da A. a restituir à R. o montante de € 125 000,00, acrescido dos juros vencidos e vincendos. Mais alegou que a A. litigava com má-fé. A R. terminou concluindo pela sua absolvição do pedido e pela procedência da reconvenção, peticionando, consequentemente, que fosse “proferida sentença substitutiva da declaração da A. faltosa proveniente do contrato da promessa de compra e venda da fração identificada” e, subsidiariamente, que a A. fosse condenada a devolver à R. em dobro o sinal recebido em virtude do incumprimento definitivo que lhe é imputado do contrato promessa de compra e venda da fração, no valor de € 250 000,00 ou, caso assim se não entendesse, que a A. fosse condenada a restituir à R. o valor por esta prestado, no montante de € 125 000,00, acrescido dos juros vencidos e vincendos. Mais pediu a R. que a A. fosse condenada, como litigante de má-fé, em multa a fixar pelo tribunal e em indemnizar a R. a título de danos patrimoniais e não patrimoniais no montante global de € 7 000,00 – acrescidas, as quantias, de juros à taxa legal em vigor. 3. A A. replicou, pugnando pela improcedência da reconvenção e da alegada litigância de má-fé. 4. Foi admitida a reconvenção, fixou-se à causa o valor de € 193 779,90, foi proferido saneador tabelar, identificado o objeto do litígio e enunciados os temas da prova. Realizou-se audiência final. Em 12.4.2021, na sequência de despacho judicial, a R. depositou à ordem dos autos, ao abrigo do disposto no n.º 5 do art.º 830.º do Código Civil, a quantia de € 125 000,00. Em 15.10.2021 foi proferida sentença, que culminou com o seguinte dispositivo: “Nos termos supra expostos, julga-se a presente acção parcialmente procedente, por provada, e reconvenção totalmente procedente, e em consequência, decide o Tribunal: A. Declarar que a A. GAVEPART – IMOBILIÁRIO E TURISMO, S.A. é dona e legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada no piso zero ao nível do rés-do chão, com arrecadação da cave -2, identificada com a letra C, e 2 lugares de estacionamento localizados na cave -2, identificados com os números 55 e 56, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...33/20010313-C e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo...15, condenando a R. a reconhecer tal direito; B. Condenar a Ré AA no pagamento à A. de uma indemnização de € 540,00 por mês, calculada desde Dezembro de 2016 até à data da prolação da presente sentença, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data do seu vencimento e até efectivo e integral pagamento; C. Absolver a R. do demais contra si peticionado; D. Decretar a execução específica do contrato-promessa celebrado entre a A., GAVEPART – IMOBILIÁRIO E TURISMO, S.A., e a R., AA, referido no ponto C. da factualidade provada, pelo que, suprindo a declaração de vontade da A., declaro vendido por esta à R. a fracção referida em A), pagando-se a A. do preço mediante o levantamento de € 125 000,00 depositado à ordem dos autos pela R.; E. Absolver a A. do pedido de condenação como litigante de má-fé; F. Condenar A. e R. nas custas devidas, na proporção de 1/3 para a A. e 2/3 para a R..” Registe e notifique. * Configurando-se a possibilidade de condenar a R. como litigante de má-fé, ao abrigo do disposto no artigo 3.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, notifique as partes para, querendo, se pronunciarem no prazo de 10 dias”. 5. Em 03.11.2021 e 06.11.2021 as partes pronunciaram-se acerca da eventual condenação da R. como litigante de má-fé, tendo a A. sufragado tal condenação e a R. pugnado pela inexistência de má-fé da sua parte. 6. Em 11.12.2021 a R. apelou da sentença. 7. Em 13.12.2021 foi proferida decisão, na qual se condenou a R., como litigante de má-fé, na multa de 10 UC. 8. A R. apelou da decisão referida em 7, a qual foi recebida e tramitada separadamente da apelação referida em 6. 9. Em 06.01.2022 a A. contra-alegou na apelação referida em 6. 10. Tendo os autos subido à Relação de Lisboa, em 30.6.2022 o Exm.º relator proferiu decisão sumária, na qual julgou a apelação da sentença improcedente e confirmou a decisão recorrida. 11. Em 01.9.2022 a recorrente reclamou da decisão sumária, para a conferência. 12. Em 29.11.2022 a Relação de Lisboa julgou procedente a apelação suprarreferida em 7 e 8 (condenação da R. como litigante de má-fé), e consequentemente, revogou a decisão recorrida. 13. Em 25.5.2023, a Relação confirmou, em conferência, a decisão sumária referida em 10 e 11, julgando a apelação improcedente. 14. A R. interpôs recurso de revista do acórdão referido em 13 e, por acórdão datado de 28.11.2023, este Supremo Tribunal de Justiça revogou o acórdão recorrido e determinou que os autos retornassem à Relação recorrida, a fim de que aí se apreciasse a impugnação da decisão de facto, nos termos expostos no acórdão, e se aplicasse o direito em conformidade. 15. Na sequência de convite do relator (na Relação), dirigido a ambas as partes, a A. pronunciou-se acerca da relevância do acórdão referido em 12 (acórdão que revogou a sentença no que concerne à condenação da R. como litigante de má-fé, tendo para esse efeito, nomeadamente, apreciado a decisão de facto no que concerne à prova do pagamento do preço atinente ao contrato-promessa objeto destes autos), no âmbito do julgamento da apelação, concluindo (a A.) pela improcedência da apelação. 16. Em 04.7.2024 a Relação de Lisboa julgou procedente a apelação referida em 6, emitindo o seguinte dispositivo: “Termos em que se decide julgar totalmente procedente o recurso e, consequentemente, revogar a sentença recorrida: i.- no segmento em determinou que a Autora/Recorrida fosse paga do preço acordado no contrato-promessa que serve de fundamento à ação, designadamente fazendo sua a quantia depositada a esse título nos autos, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 5 do CC; ii.- no segmento em que condenou a Ré/Recorrente ao pagamento da indemnização devida pela ocupação do imóvel objeto mediato do contrato-promessa. Custas da apelação pela Autora/Recorrida”. 17. A A. interpôs recurso de revista contra este acórdão, rematando com as seguintes conclusões: 1. Vem o presente recurso interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 04.07.2024 (ref.ª ...70) que, julgando totalmente procedente o recurso interposto pela ré, revogou a sentença recorrida. 2. A propósito da alínea K), como facto assente – “O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A.” –, a fundamentação e respetiva decisão da 1ª instância foi devidamente considerada e confirmada, quer pela decisão singular de 30.06.2022 (ref.ª Citius ...14), proferida no âmbito do recurso de apelação interposto pela ré/recorrida, quer pelo acórdão da Relação de 25.05.2023 (ref.ª Citius ...67). 3. Inexistindo, com referência ao acórdão da 8ª Secção da Relação de Lisboa, datado de 29.11.2022, caso julgado atendível, única «questão nova» que poderia justificar a alteração do facto vertido na referida alínea K), apenas cabia à Relação vir dar «a conhecer as razões por que, afinal, concluía pela mesma forma que o tribunal a quo», uma vez que esta ter-se-ia limitado «a reproduzir o texto da fundamentação da decisão de facto, acrescentando que estava de acordo com ela…», estando-lhe vedado alterar a sua decisão a este respeito e o que, por 3 (!) vezes, já havia sido decidido, sempre no mesmo sentido, de forma unânime – realce e sublinhado nossos (cf. acórdão do STJ de 28.11.2023, com a referência Citius ...52). 4. Ao decidir alterar tal decisão, nos termos em que o fez, o acórdão recorrido extravasou, por completo, o determinado pelo STJ, o que consubstancia manifesta nulidade, ao abrigo do disposto na alínea d) do n.º 1 do art.º 615º, aplicável ex vi art.º 674, n.º 1, alínea c), ambos do CPC. 5. Por outro lado, as alterações introduzidas pela Relação à matéria de facto motivaram contradição entre a mesma e de molde a poder dizer-se que foi cometida a nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 615° do CPC, uma vez que a fundamentação constante do acórdão recorrido é totalmente contrária à decisão da Relação que, confirmando a sentença de 1ª instância e a referida decisão singular proferida em 30.06.2022, considerou provado o facto vertido na alínea K), ocorrendo manifesta nulidade. 6. Ao ter entendido que o tribunal estava impedido de valorar a prova testemunhal produzida, abstendo-se de proceder, como lhe é imposto, a uma apreciação crítica daquela prova, e ao ter decidido modificar a decisão da matéria de facto, designadamente quanto ao nuclear ponto vertido na alínea K), o Tribunal “a quo” incorreu em erro de interpretação e de aplicação das respetivas normas aos factos provados, em erro de julgamento da matéria de direito e em erro na determinação das normas aplicáveis, não tendo procedido a uma correta apreciação do aspeto factual e jurídico da causa, infringindo e violando, entre outras, as normas de direito probatório material contidas nos artigos 217º, 341º, 346º, 347º, 352º, 358º, n.º2, 368º, 374º, n.º1, 376º, n.ºs 1 e 2, 392º, 393º, 394º, 396º e 405º do Código Civil, cuja interpretação, ao contrário do decidido no acórdão recorrido, justifica e impõe que, admitindo-se e valorando-se a prova testemunhal produzida nos autos, se declare a presente ação procedente por provada nos termos constantes da sentença proferida em 1ª instância. 7. Ao ter entendido inexistir nos autos princípio de prova por escrito, que justificou e justifica a prerrogativa de valoração da prova testemunhal e outros escritos juntos aos autos, o acórdão recorrido desrespeitou, ainda, normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos no sistema jurídico, incorrendo em violação da lei substantiva, em violação e errada aplicação da lei do processo e em erro na apreciação da prova e fixação dos factos materiais, tendo violado, entre outros, o disposto nos artigos 5º, n.º 2, 410º, 413º, 414º, 421º, 444º, 607º, n.ºs 4 e 5, 607º, n.ºs 4 e 5, 662º e 663º, n.º2, todos do CPC. 8. Mostrando-se violadas as aludidas regras probatórias de direito material contidas, entre outros, nos artigos 393.º, n.º 2 e 394.º, n.º 1, bem como o disposto nas acima referidas normas do Código Civil, que são fundamento de revista nos termos da previsão das alíneas a) e b) do n.º 1 e n.º 3 do art.º 674.º do CPC, impõe-se a intervenção desse Colendo Tribunal, em ordem a determinar como provado o facto vertido na alínea K) dos factos provados (cf. n.º 2 do art.º 682.º do CPC). 9. In casu, existem nos autos documentos a constituir princípio de prova permissiva do recurso à prova testemunhal, designadamente o contrato de arrendamento com opção de compra celebrado pelas partes em 30 dezembro de 2011 (cuja cópia constitui o doc.5 junto com a Petição Inicial) e, bem assim, o recibo cujo original foi junto aos autos em 18.10.2018 (cf. requerimentos com as referências Citius ...99 e ...40). 10. Tais documentos, isolados ou em conjunto, permitem formular um juízo no sentido da verosimilhança do facto controvertido e impugnado, ou seja, que, ao contrário do que consta do documento que formalizou o contrato de compra e venda em causa nos autos, no sentido do recebimento do preço acordado, a autora/recorrente, de facto, não recebeu o preço estipulado nesse contrato. 11. O aludido contrato de arrendamento com opção de compra, com data de início de produção de efeitos em 1 de dezembro de 2011, permitiu à ré/recorrida ocupar o imóvel reivindicado a título de arrendatária, ao passo que o montante de 25.000,00 Euros afeto a título de antecipação de cinco anos de rendas é demonstrado pelo referido recibo cujo original foi junto aos autos em 18.10.2018. 12. Não obstante constar do aludido contrato contrato-promessa de compra e venda consta, por lapso, ter existido quitação total do preço no momento da sua assinatura, a força probatória plena deste documento abrange apenas a existência da declaração, mas já não a veracidade do conteúdo da mesma, no caso concreto que a autora/recorrente recebeu efetivamente a quantia indicada a título de preço, facto que pode ser impugnado sem necessidade de arguição da falsidade do documento, designadamente, através de prova testemunhal. 13. A autora/recorrente logrou fazer prova, de forma inequívoca, que nunca recebeu o preço, ao contrário do que, em erro, fez constar do aludido contrato-promessa, o que levou a cabo, também, através da prova testemunhal, sendo de censurar a conclusão constante do acórdão recorrido segundo a qual o contrato de arrendamento com opção de compra junto aos autos não tem qualquer valor probatório formal ou material. 14. Tal contrato foi celebrado em 30.12.2011, com início de produção de efeitos em 01.12.2011, ou seja, apenas cerca de 1 (um) mês após a assinatura do referido contrato-promessa de compra e venda, ocorrida em 25.11.2011, tendo ainda ficado acordado afetar o valor de € 25.000,00 a título de antecipação de rendas, demonstrado pelo recibo cujo original foi junto aos autos em 18.10.2018 (cf. requerimentos com as referências Citius ...99 e ...40). 15. Nos termos de tal documento, de 31.01.2012, a autora/recorrente expressamente declarou ter recebido tal quantia relativa ao contrato de arrendamento para habitação permanente com prazo certo e opção de compra celebrado com a ré/recorrida em 30.12.2011. 16. Estes documentos (um é original e o outro uma cópia do original) teriam, necessariamente, de ser apreciados pelo Tribunal “a quo”, constituindo princípio de prova da inveracidade da declaração confessória da autora/recorrente constante do contrato-promessa de compra e venda, impondo-se que seja atribuído o necessário relevo à prova testemunhal produzida em julgamento. 17. O Tribunal “a quo”, que deveria ter afastado a norma do art.º 393º, n.º 2, do Código Civil, mantendo a decisão de 1ª instância, a qual já havia sido confirmada pela Relação através do referido acórdão proferido em 25.05.2023, descurou, relativamente a esta matéria controvertida, a correta interpretação das normas do artigo 392º, do n.º 2 do artigo 393.º, e do art.º 394º, todos do Código Civil. 18. Ainda que o referido contrato-promessa de compra e venda faça prova das declarações dele constantes, não é menos certo também que já «não prova nem garante, nem podia garantir, que as declarações não sejam viciadas por erro, dolo ou coacção ou simuladas.» (vd. Código Civil Anotado de Pires de Lima e Antunes Varela, anotação ao artigo 393º do Código Civil). 19. Tendo a autora/recorrente invocado que, embora do contrato conste a quitação total do preço, tal deveu-se a manifesto erro, este podia ser dilucidado, como foi pela 1ª instância, através da prova testemunhal. 20. Uma das exceções apontada para a admissibilidade da prova testemunhal reside, também, na perda sem culpa do documento que fornecia a prova (no mesmo sentido, cf. Acórdão do STJ, 23.10.2008, processo nº 08B2018), situação que também se verificou no caso em apreço, uma vez que não foi possível à autora/recorrente encontrar o original do referido contrato de arrendamento, apenas tendo localizado uma cópia, que juntou aos autos, para além do original do referido recibo. 21. Para além da prova testemunhal, a Relação também não valorou o documento que constitui o referido recibo cujo original foi junto aos autos em 18.10.2018, incumprindo os poderes-deveres que lhe são cometidos pela lei processual civil e violando as normas disciplinadoras da reapreciação da matéria de facto contidas nos artigos 607.º, n.ºs 4 e 5, 662.º e 663º, todos do CPC. 22. O Tribunal “a quo” não procedeu a um exame autónomo da prova, não dando sequer a conhecer as razões por que, afinal, concluía que tal documento não constituía princípio de prova que justifique a prerrogativa de valoração da prova testemunhal, impondo-se, portanto, a repristinação da decisão da 1ª instância, no segmento decisório aqui em causa, o mesmo é dizer que não há motivo algum para alterar a decisão relativa ao facto constante da alínea K), que deve ser julgado provado. 23. O Tribunal “a quo” deveria ter concluído pela interpretação dos artigos 393° e 394º do Código Civil de forma a que, nos autos, fosse valorada a prova testemunhal, conforme fez a 1ª instância e o Tribunal da Relação de Lisboa no referido acórdão que proferiu em 25.05.2023, inexistindo quaisquer razões válidas para que a autora/recorrente não seja paga do preço – que nunca recebeu – mediante o levantamento do montante de 125.000,00 EUR depositado à ordem dos autos pela ré/recorrida. 24. Carece de justificação e/ou de fundamentos válidos a conclusão do Tribunal “a quo” nos termos da qual a ocupação da fração por parte da ré/recorrida aos longo dos anos se estriba num acordo tácito de tradição do imóvel, no que, considera a autora/recorrente, constitui uma errada interpretação e aplicação da Relação das normas contidas nos artigos 217º e 405º do Código Civil. 25. O único contrato que legitimou a ocupação por parte da ré/recorrida foi o referido contrato de arrendamento celebrado entre ambas e não, como resulta evidente, o contrato-promessa de compra e venda ou qualquer outro acordo tácito. 26. O Tribunal “a quo” entendeu que «a autora/recorrida, em 2016, já deveria ter transmitido a propriedade da fração autónoma para a Ré/Recorrente», conclusão que também não tem suporte na prova documental junta aos autos, nem sequer nas declarações de parte da própria ré/recorrida, a qual referiu expressamente ao tribunal «que não chegou a pedir um empréstimo bancário porque a escritura final não aconteceu». 27. Não estando reunidas as condições para a outorga da escritura no prazo referido na cláusula 3ª do contrato-promessa de compra e venda, a ocupação da fração por parte da ré/recorrida ocorreu, precisamente, por força do contrato de arrendamento que constitui o doc.5 junto com a petição inicial. 28. O contrato de arrendamento com opção de compra, com data de início de produção de efeitos em 1 de dezembro de 2011, permitiu à ré/recorrida, desta forma, ocupar a fração a título de arrendatária (posse precária), ocupação essa que não resulta, por isso, de tradição emergente do contrato de promessa de compra e venda, que não a previa. 29. Tendo resultado provado que, até à prolação da sentença de 1ª instância, a ré/recorrida ocupou sem autorização da autora/recorrente a fração melhor identificada nos autos, dúvidas inexistem de que aquela praticou um facto ilícito e culposo, do qual resultou um dano para a autora/recorrente. 30. Mostrando-se verificados os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, conclui-se pela correspondente obrigação da ré/recorrida de indemnizar a autora/recorrente pelos danos sofridos, nos termos e pelos montantes constantes da sentença de 1ª instância. 31. Por tudo quanto acima se deixa exposto, deverá, assim, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que, julgando a presente revista procedente, confirme a sentença proferida em 1ª instância. 32. Subsidiariamente, e porque a Relação não cumpriu os poderes-deveres que lhe são cometidos pelo art.º 662.º do CPC, deverá o acórdão recorrido ser revogado, determinando-se, em consequência, que os autos regressem à Relação, a fim de que conheça da impugnação da decisão de facto relativa ao facto vertido na alínea K) (“O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A.”), para o que deverá valorar, quer a prova testemunhal produzida, quer todos os documentos juntos aos autos. Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas., Venerandos Conselheiros, doutamente suprirão, deverá o presente recurso de revista ser julgado procedente e, em consequência, o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que confirme a sentença proferida em 1ª instância. Subsidiariamente, e caso assim não se entenda, deverá a presente revista ser julgada procedente e, consequentemente, o acórdão recorrido ser revogado, determinando-se que os autos regressem à Relação recorrida a fim de que conheça da impugnação da decisão de facto relativa ao facto vertido na alínea K) (“O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A.”), para o que deverá valorar, quer a prova testemunhal produzida nos autos, quer o contrato de arrendamento com opção de compra (datado de 30.12.2011), com data de início de produção de efeitos em 1 de dezembro de 2011, que constitui o doc.5 junto com a Petição Inicial da petição inicial, quer, ainda, o recibo cujo original foi junto aos autos em 18.10.2018 (cf. requerimentos com as referências Citius ...99 e ...40), os quais constituem princípio de prova de que o referido preço não foi pago pela ré/recorrida à autora/recorrente, aplicando o direito em conformidade. Assim se decidindo, será uma vez mais feita a costumada JUSTIÇA!” 18. A R. contra-alegou e ampliou o objeto do recurso, rematando com as seguintes conclusões: I. Veio a A./recorrente interpor o presente recurso de revista do douto acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação, que julgou procedente o recurso interposto pela Ré/recorrida, revogando a sentença recorrida: “i.- no segmento em determinou que a Autora/Recorrida fosse paga do preço acordado no contrato-promessa que serve de fundamento à ação, designadamente fazendo sua a quantia depositada a esse título nos autos, nos termos do disposto no art.º 830.º, n.º 5 do CC; ii.- no segmento em que condenou a Ré/Recorrente ao pagamento da indemnização devida pela ocupação do imóvel objeto mediato do contrato-promessa.», II. Peticionando a A./ Recorrida, em total desacerto argumentativo e sem qualquer fundamento nem de facto nem de direito, a revogação do douto acórdão recorrido e a repristinação da decisão de 1.ª instância. III. Contra-alegou a A. debatendo-se pela manutenção do Acórdão recorrido, por não merecer este qualquer reparo ou censura, nem padecer do rol de vícios e violações que a A./recorrente lhe assaca. Sem conceder IV. A Ré/recorrida, requereu, subsidiariamente, para o caso de se revelar necessária essa apreciação, a ampliação do recurso nos termos do art. 636.º do CPC, no que se reporta ao fundamento em que decaiu, a julgada improcedente exceção de caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado que argui junto do Supremo Tribunal de Justiça. V. E que no ver da Ré/recorrente se verifica e decorre do acórdão proferido nos mesmos autos no apenso D, datado de 29.11.2022. VI. Tendo o Supremo Tribunal de Justiça, determinado, por se tratar de “questão nova”, de conhecimento oficiosa, que cabia ao Tribunal da Relação “ajuizar da relevância do acórdão” (da 8.ª Secção) na determinação do conteúdo da matéria de facto a considerar na resolução do litígio.” VII. Pronunciando-se sobre a invocada exceção, o V. Tribunal da Relação entendeu que não se verifica, que não existia caso julgado atendível, nem formal nem material, nem na vertente de autoridade de caso julgado, com o que não se conformou a Ré/recorrente. VIII. Pese embora, o mérito do decidido, revelando, para além do mais que o V. Tribunal da Relação ajuizou da relevância do Acórdão na determinação do conteúdo da matéria de facto a considerar na resolução do litígio, e que a projetou na decisão proferida, alterando a decisão de facto da 1.ª instância e aplicando o direito em conformidade revogou o segmento decisório da 1.ª instância referido no ponto (i) que a condenava ao pagamento do preço referido no contrato promessa de compra e venda. IX. Decisão que, no modesto entender da Ré/recorrente e a propósito da questão nele tratada, esgotou o o efeito útil pretendido pela Ré/recorrente com a invocada exceção, a verdade é que a A./recorrente dela recorreu, colocando-a em crise. X. Daí que, subsidiariamente, por dever de patrocínio, para o caso de se revelar necessária a sua apreciação, se imponha à Ré/recorrida e aqui recorrente, reiterar a invocada exceção e os fundamentos expendidos que a suportam, na vertente de autoridade do caso julgado. XI. E, porque, nom seu modesto entender e, com todo o respeito devido, ao contrário do decidido entende que se verifica e merece provimento. XII. Desde logo, com o entendimento de que não é necessária a existência de total identidade de objecto entre os acórdãos em confronto, quando esteja em causa a exceção de caso julgado na vertente de autoridade de casa julgado, como se defende no Acórdão recorrido, salvo melhor ver. XIII. Com efeito, defendeu em suporte do decidido, o Acórdão recorrido, que “ é pela decisão final que o caso julgado formado se exprime,” e não nos fundamentos invocados em suporte dela, e ainda que estes, quando muito, servem apenas de instrumento de definição do conteúdo e do alcance decisivos daquela decisão.” XIV: Prosseguindo, mais refere, que “no caso em análise as decisões finais nos dois acórdãos não são coincidentes, que as questões decididas são distintas, no apenso D) decidiu-se a questão de saber se a Ré agiu ou não de má fé e no acórdão de que recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, a questão a decidir, [é] saber se o facto vertido na alínea k) deveria ou não ser julgado provado.” XV. Fundamento com o qual não pode a Ré/recorrente, com todo o respeito, deixar de discordar, antes, no seu ver, não é necessária a coincidência total do objecto nos dois acórdãos em confronto, para além de que, se dirá ainda que a decisão em crise proferida pelos dois acórdãos em sentidos opostos, se projetou efectivamente na decisão final, determinou-a nos dois acórdãos. XVI. Pelo que, entende a Ré recorrente que neste âmbito, com todo o respeito, discorda do entendimento do V. Tribunal da Relação, devendo esta considera-se verificada, na vertente de autoridade do caso julgado. XVII. A questão é tão mais sensível e pertinente quando se atente ao facto dos acórdãos em confronto terrem sido proferidos nos mesmos autos, versarem exactamente sobre a mesma questão fundamental de direito, movendo-se e agindo precisamente no mesmo quadro jurídico, estando em causa, uma questão prejudicial, um pressuposto que determinou o desfecho da acção em ambos os Acórdãos, irrelevando, no modesto entender da Ré/apelante, para a verificação de caso julgado na vertente da autoridade de caso julgado, que tenham os acórdãos versado sobre objecto decisório diverso. XVIII. Ao que acresce, que não consegue, a Ré Recorrente, ver, o que diz com toda a humildade, como aceitar que o direito, no caso a autoridade do caso julgado não dê resposta a esta situação que no mínimo coloca em causa a segurança e certeza do direito e em última análise a justiça. XIX. Dai se impor também reiterar e manter o entendimento já expendido no recurso de revista que interpôs para o Supremo Tribunal de Justiça, por entender que a exceção de caso julgado, na vertente de autoridade de caso julgado se verifica. XX. O que aqui novamente invoca, com todo o respeito, que a exceção do caso julgado, na sua vertente de autoridade de caso julgado, não tem de obedecer a uma total identidade entre o objecto dos acórdãos em confronto, bastando-se pela verificação dos seus “fundamentos decisórios”. XXI. Razão pela qual, a Ré/recorrente, não ter invocado, como não poderia, que, nos acórdãos em confronto, existia uma total identidade de objecto. XXII. O que a Ré/recorrente invocou foi que se verificava uma total identidade quanto às questões resolvidas entre os seus fundamentos, concretamente a resolução nos dois acórdãos da questão aqui em crise, a atribuição ou não de valor probatório a documento como “ principio de prova documental”, para contrariar facto plenamente provado através da admissão de prova testemunhal para afastar a proibição do disposto nos artigos 393.º e 394.º do Código Civil. XXIII. Mais alegou, que da fundamentação dos dois acórdãos em análise, resulta que para decidirem sobre o valor probatório a atribuir ou, não ao documento particular utilizada como válido “começo ou principio de prova documental pela Primeira instância e acolhido no douto acórdão recorrido, se debruçaram e alicerçaram na resolução deste precedente lógico à decisão que vieram a proferir, nas disposições do Cód. Civil sob os artigos 374.º, n.º 1, 376.º, n.ºs 1 e 2, 387.º, n.º 2, 352.º, 358.º, n.º 2, 346.º, 393.º e 394.º, tendo sido proferidas em ambos os acórdãos decisões totalmente opostas. XXIV. Situação em que ambos os acórdãos para decidirem esta questão de direito interpretaram e aplicaram aos factos dados por provados as mesmas disposições legais sob os artigos 374.º, n.º 1, 376.º, n.ºs 1 e 2, 352.º, 358.º, n.º 2, 346.º, 387.º, n.º 2, 393.º n.º 2, todos do Código Civil. XXV. Não estando em causa a exceção dilatória do caso julgado, estamos perante a autoridade do caso julgado formado pelo acórdão antes proferido no apenso D, o qual se mostra transitado em julgado e cuja ofensa também pode fundamentar a interposição de revista ao abrigo do citado art.º 629.º, n.º 2, al. a), na sua parte final, conforme entendeu já o STJ em acórdão de 11/11/2020 (processo 214/17.4 T8MNC.G1.C1, Sr.ª C.ª Graça Trigo). XXVI. A chamada autoridade do caso julgado “implica o acatamento de uma decisão proferida em ação anterior cujo objeto se inscreva, como pressuposto indiscutível, no objeto de uma ação posterior, obstando a que a relação jurídica ali definida venha a ser contemplada, de novo, de forma diversa” (cf. acórdão do STJ de 26/11/2020, processo 7597/15.9 T8LRS.C1.S1, em www.dgsi.pt). XXVII. Visa, portanto, “(…) garantir a vinculação dos órgãos jurisdicionais e o acatamento pelos particulares de uma decisão judicial transitada, na circunstância de se verificar diversidade entre os objectos processuais e funcionar o objecto processual anterior como condição prejudicial dependente para a apreciação do objecto processual posterior (efeito vinculativo à não repetição e à não contradição da decisão anterior em processo subsequente com diverso objecto) (acórdão do STJ de 9/3/2921, processo 1242/05.8TBBCL-Y.G1.S1, acessível no memo sítio). XXVIII. No acórdão de que agora se recorre considerou-se, secundando o juízo feito pela 1.ª instância, que o denominado contrato de arrendamento com opção de compra junto pela recorrida, apesar do reconhecimento de que a autora não tinha cumprido o encargo probatório que sobre ela recaía, não tendo logrado convencer da genuinidade e autoria do mesmo documento, autorizava ainda assim, quando sujeito ao princípio da livre apreciação da prova, a produção de prova testemunhal, permitindo que se desse como provado que a ora recorrente não tinha pago o preço, contrariando declaração confessória da recorrida constante de documento com força probatória plena – vide a já muito falada al. K) dos factos provados. XXIX. E com base na afirmada realidade desse facto, foi a agora recorrente condenada como litigante de má fé na multa de 10 Ucs já depois de proferida se sentença final, por se ter então considerado que alegara falsamente ter a autora recebido, aquando da assinatura do contrato promessa de compra venda, sinal no montante de €125 000,00, que correspondia à totalidade do peço convencionado, tendo deduzido pretensão cuja falta de fundamento não devia ignorar (vide decisão proferida em 12/12/2021). XXX. Tendo a agora recorrente interposto recurso dessa decisão, veio a ser proferido pelo TRL o acórdão de 29/11/2022, transitado em julgado (apenso D) destes autos. XXXI. E para o que aqui releva, considerou-se no acórdão proferido naquele apenso D, que se mostra transitado em julgado, que estando assente por documento particular dotado de força probatória plena (arts. 374.º, n.º 1, e 376.°, n.ºs 1 e 2, do Código Civil), no caso o contrato-promessa reduzido a escrito no documento particular assinado pelo legal representante da Autora e pela Ré em 25-11-2011, dado por integralmente reproduzido na al. C) dos Factos considerados Provados na sentença final, que a autora, promitente vendedora, confessara ter recebido o preço da fracção, de que dava a competente quitação, era inadmissível a prova testemunhal dum facto contrário ao conteúdo desse documento, nos termos do art.º 394.°, nº 1, do Código Civil, irrelevando a excepção à regra geral, reconhecida pela doutrina e que a jurisprudência tem seguido, uma vez que “no caso em apreço, o documento invocado pelo tribunal "a quo" como constituindo um princípio de prova documental do facto contrário a um facto de índole confessória plenamente provado por documento particular (…) “é um documento particular cuja autoria e genuinidade não foi minimamente provada” pelo que “ nunca poderia invocar-se um tal documento para considerar que já existe, no caso dos autos, um princípio de prova documental que toma verosímil o facto contrário à declaração confessória contida na cláusula 2ª do contrato-promessa (quanto ao recebimento, pela promitente-vendedora, da totalidade do preço estipulado para a venda do imóvel). XXXII. Concluindo-se no mesmo acórdão que “A esta luz, o segmento da decisão sobre matéria de facto contida na sentença que considerou provado que "O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela Autora" (alínea K) dos factos tidos por provados) sempre teria de considerar-se "não escrito". XXXIII. A mesma questão -saber se podia ser validamente considerada a prova testemunhal para efeitos da demonstração do facto vertido em K) face ao documento apresentado como princípio de prova escrita, sendo este um documento particular impugnado, sem estar demonstrada a sua genuinidade- que se colocava como precedente necessário da decisão a proferir no apenso D) e também nos autos principais, colocou-se exactamente nos mesmos termos em cada um dos acórdãos, apesar dos diferentes themas decidendum, tendo recebido respostas contraditórias. XXXIV. Assim sendo, e verificando-se que o acórdão proferido no apenso D) se mostrava transitado em julgado aquando da prolação do acórdão agora recorrido, impunha-se, no entender da recorrente, o acatamento nos autos principais do ali decidido, sob pena de violação da autoridade do caso julgado. XXXV. Tendo o acórdão sob recurso decidido divergentemente a mesma questão em violação do caso julgado que se formara, verifica-se nos autos a inexplicável situação de o mesmo facto se ter simultaneamente como provado e não provado no mesmo processo: não provado para efeitos de condenação da agora recorrente como litigante de má fé; provado para efeitos de a obrigar ao depósito do preço como condição da substituição da declaração da promitente faltoso, resultado que não pode manter-se. XXXVI. Como não se manteve por ter o Venerando Tribunal a Relação revogada a decisão de 1.ª instância nos segmentos impugnados pela Ré/recorrida, como se impunha e se impôs ao Venerando Tribunal da Relação. XXXVII. Ao decidir do modo descrito, julgando improcedente a exceção de cado julgado, na vertente de autoridade de caso julgado o douto Acórdão recorrido, fez errada interpretação e aplicação dos artigos 619.º, 620.º, 621.º, 580.º e 581.ºdos do Código Processo Civil. Termos em que, e nos mais de Direito que V. Exas., Exmos Conselheiros, doutamente suprirão, deverá o presente recurso de revista ser julgado improcedente e, em consequência, o acórdão recorrido ser mantido na íntegra. Subsidiariamente, para o caso de assim não se entender, revelando-se necessária a apreciação da exceção de caso julgado, na vertente de autoridade do caso julgado, deverá esta ser julgada procedente. Assim se decidindo, será uma vez mais feita a costumada e sã JUSTIÇA”. 19. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. As questões suscitadas neste recurso são as seguintes: nulidades do acórdão recorrido; violação das regras que determinam a apreciação da prova e consequente fixação da matéria de facto; direito da A./recorrente ao pagamento do preço de € 125 000,00 correspondente à venda do imóvel objeto destes autos; direito da A./recorrente a indemnização por indevida ocupação do imóvel por parte da R.; subsidiariamente, a violação de caso julgado invocada pela recorrida, em sede de ampliação da revista. 2. Primeira questão (nulidades do acórdão recorrido) 2.1. As instâncias, após alteração introduzida pela Relação no acórdão recorrido, deu como provada a seguinte Matéria de facto A. Mostra-se registada a aquisição a favor da A. da fracção autónoma para habitação designada pela letra “C”, situada no piso zero ao nível do rés-do chão, com arrecadação da cave -2, identificada com a letra C, e 2 lugares de estacionamento localizados na cave -2, identificados com os números 55 e 56, do prédio urbano descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...33/20010313-C e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo ...15, pela AP ... de 2001/06/15, cfr. doc. 1 e 2 juntos com a petição inicial e cujo teor se dá integralmente por reproduzido. B. A A. teve, em tempos, a denominação social de “C..., S.A.”, cfr. doc. 3 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais. C. Do documento particular datado de 25 de Novembro de 2011 e denominado “Contrato Promessa de Compra e Venda”, outorgado entre C..., S.A., na qualidade de promitente vendedor e a R., na qualidade de promitente compradora, junto como doc. 4 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, consta, designadamente que: CONSIDERANDO QUE: A) A PROMITENTE VENDEDORA é legítima proprietária da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada no piso zero ao rés-do-chão, com arrecadação na cave -2, identificada com a letra C, e 2 lugares de estacionamento, localizados na cave -2, identificados com o n.º 55 e 56 do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...34, e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo...22, adiante designada por fracção; B) A PROMITENTE COMPRADORA manifestou interesse em adquirir a FRACÇÃO e a PROMITENTE VENDEDORA intenção de a vender, tendo a PROMITENTE COMPRADORA liquidado integralmente, na presente data, o preço convencionado para a compra e venda da fracção. C) Não foi possível celebrar, na presente data, a escritura pública de compra e venda da fracção em virtude de as não terem conseguido obter toda a documentação necessária para a outorga da mesma, designadamente as declarações fiscais exigíveis, tendo as partes acordado que a mesma seria celebrada assim que tal fosse possível. Cláusula Primeira (Objecto) 1. Pelo presente contrato, a PROMITENTE VENDEDORA promete vender, e a PROMITENTE COMPRADORA promete adquirir para si ou para quem vier a indicar para o efeito, pelo preço e demais condições previstas no presente contrato promessa, a fracção autónoma identificada no Considerando A) supra. 2. A prometida venda será efectuada livre de quaisquer ónus, hipotecas ou quaisquer outros encargos e/ou responsabilidade quer particulares quer ao estado. Cláusula Segunda (Preço e pagamento) O preço acordado para a venda da fracção é de EUR 125 000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), que a Promitente vendedora declara ter recebido na presente data e do qual o presente contrato dá a competente quitação. Cláusula Terceira (Escritura Pública) 1. A escritura pública de compra e venda da FRACÇÃO será celebrada assim que as partes obtenham toda a documentação necessária e exigível, não podendo a mesma ser outorgada depois de decorridos 180 (cento e oitenta) dias a contar da data da celebração do presente contra promessa, competindo à promitente vendedora notificar a promitente compradora da data, hora e local da sua celebração, com a antecedência mínima de 10 (dez) dias sobre a data da sua realização. (…) Cláusula Quarta (Incumprimento) 1. A Promitente vendedora poerá resolver o presente contrato promessa se a promitente compradora faltar à outorga da escritura pública de compra e venda do prédio ou por outro modo impossibilitar a sua realização. 2. No caso do incumprimento ser imputável à promitente vendedora, terá a promitente compradora direito a exigir a execução especifica do presente contrato promessa nos termos do artigo 830.º do Código Civil, ou em alternativa à restituição da quantia liquidada no âmbito do presente contrato. (…) Cláusula Sétima (Notificações) 1. As notificações ou comunicações a efectuar nos termos do presente Contrato considerar-se-ão validamente efectuadas por correio registado para as moradas das Partes constantes do presente Contrato ou para o endereço que tenha sido comunicado pelo destinatário ao remetente. (…) D. Por missiva datada de 7 de Agosto de 2015 enviada e recebida pela R., junta como doc. 6 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a A. comunicou, designadamente, que: Ao abrigo do disposto na cláusula segunda do contrato de arrendamento acima identificado (de que se anexa cópia), e ainda no uso da faculdade expressamente prevista no art. 1097.º do Código Civil e respeitando o período de pré-aviso legal, a sociedade GAVEPART – Imobiliário e Turismo SA, na qualidade de senhoria, vem, pela presente, proceder à denúncia de tal contrato com efeitos a partir de 30 de Novembro de 2016, opondo-se, ainda, a que o mesmo se renove automaticamente por um novo período de vigência. Deste modo, tal contrato cessará, impreterivelmente, todos os seus efeitos no próximo dia 30 de Novembro de 2016, deve devendo, nessa mesma data, o locado ser-nos entregue em perfeitas condições, totalmente limpo e integralmente devoluto de pessoas e bens. E. Por missiva datada de 14 de Outubro de 2016 enviada e recebida pela R., junta como doc. 8 com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a A. comunicou, designadamente, que: Destina-se a presente a reiterar a comunicação por nós enviada em 7 de Agosto de 2015, na qual denunciámos, e nos opusemos a renovação para novo período de vigência, o Contrato de arrendamento celebrado com a sociedade “C..., S.A.”, actualmente com a denominação GAVEPART - IMOBILIÁRIO E TURISMO, S.A., melhor identificada em epígrafe. Assim, reitere-se, no próximo dia 30 de Novembro de 2016, data de cessação do Contrato, deverá o Imóvel ser-nos entregue em perfeitas condições, totalmente limpo e integralmente devoluto de pessoas e bens. F. Por missiva datada de 8 de Setembro de 2015 enviada pela R. e recebida pela A., junta como doc. 1 com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a R. comunicou que: Na sequência da comunicação que me foi dirigida relativa a contrato de arrendamento alegadamente por mim celebrado sociedade C..., S.A., venho solicitar a V, Exas se dignem confirmar se têm em seu poder o respectivo original. Com efeito, não tendo jamais outorgado tal contrato, impõe-se o apuramento da respectiva falsidade com a responsabilização dos seus autores. Elo exposto, desejando alcançar a instauração de procedimento criminal e requerer perícia de letra e assinatura, muito agradeço a prestação da informação ora solicitada com a brevidade possível. G. Por missiva datada de 26 de Outubro de 2016 enviada pela R. e recebida pela A., junta como doc. 4 com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a R. comunicou, designadamente, que: (…) Face ao que não posso deixar de reiterar a minha comunicação de 8 de Setembro e recepcionada por V. Ex.ªs em 9 de Setembro de 2015, conforme A/R que me foi devolvida pelos CTT, informando novamente V.Ex.as que não outorguei com a V/representada qualquer contrato de arrendamento. Bem como, a solicitada comunicação, para que V.Exas se dignem informarme se têm em vosso poder o original do contrato em causa, de nodo a ser apurada a sua falsidade e a consequente responsabilização dos seus autores, solicitação que apesar de ter sido solicitada com a brevidade possível, continuo a aguardar para poder instaurar o competente procedimento criminal. H. Por missiva datada de 11 de Novembro de 2016 enviada pela R. e recebida pela A., junta como doc. 11 com a contestação e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, a R. comunicou que: Na sequência do contrato promessa de compra e venda da fracção sita na Quinta do ..., Rua ..., ..., que celebrei com a sociedade C..., S.A., que passou a designar-se GAVEPART- IMOBILIÁRIO E TURISMO, S.A, conforme apresentação n,° .../20141104 do registo comercial, venho proceder à interpelação da v/ representada e à fixação do prazo de 15 dias para proceder à marcação da respectiva escritura pública, dado estarem reunidas as condições para a sua realização. I. Da decisão proferida no processo n.º 1139/17.9... que correu termos no Juízo Local Cível de ..., Juiz ..., junta como doc. 10 e cujo conteúdo se dá por integralmente por reproduzido para todos os efeitos legais, consta que: 1. No presente procedimento especial de despejo que Gavepart – Imobiliário e Turismo, SA intentou contra AA, veio esta opor-se, alegando não ter celebrado qualquer contrato de arrendamento. Requereu ainda a condenação da Requerente como litigante de má fé. 2. Notificada da oposição, a Requerente defendeu a sua improcedência. 3. Procedeu-se a inquirição de testemunhas. * O tribunal é competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia. O processo mostra-se isento de nulidades que o invalidem. As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, são legítimas e estão devidamente patrocinadas. Não há outras nulidades, excepções ou outras questões prévias que cumpra conhecer e obstem ao conhecimento do mérito da causa. * Dos elementos constantes dos autos, resultam assentes os seguintes factos: 1. Desde data não concretamente apurada mas anterior a 2010, foi cedida à Requerida, para sua habitação, o gozo e fruição da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada no piso zero ao nível do résdo chão, com arrecadação da cave -2, identificada com a letra C, e 2 lugares de estacionamento localizados na cave -2, identificados com os números 55 e 56, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de... sob o n.º ...34, e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo ...22; 2. A Requerida não paga qualquer quantia pela cedência da fracção autónoma referida em 1.; 3. Entre o proprietário da fracção referida em 1. e a Requerida foi celebrado, em 2011, contrato-promessa de compra e venda da mesma fracção. * Não se lograram provar quaisquer outros factos com interesse para a discussão da causa. * Para dar como assente a factualidade descrita fundou-se o Tribunal na conjugação dos documentos constantes dos autos com as declarações de parte da Requerida e com o depoimento das testemunhas inquiridas, as quais depuseram com isenção. Assim, de todo este conjunto probatório ficou o Tribunal esclarecido quanto à permanência da Requerida na fracção em causa nos autos em virtude de uma cedência do seu anterior proprietário e no âmbito da relação laboral existente entre aquele e o pai da Requerida. Mais ficou o Tribunal esclarecido que a mesma reside na referida pagamento sem efectuar nem nunca ter efectuado o pagamento de qualquer quantia a título de renda ou outra. Com efeito, estes factos foram relatados de forma credível e coincidente pelas testemunhas BB, CC, ambos trabalhadores da empresa cedente, e DD, mãe da Requerida. Refira-se que as testemunhas EE e FF não tinham qualquer conhecimento concreto sobre a matéria dos autos, não tendo, por esse motivo, sido valorados pelo Tribunal. De igual modo, as declarações de parte da Requerida revelaram-se inúteis, por não terem contribuído em nada para a matéria a provar. Importa ainda referir que o Tribunal não deu como assente a existência de um contrato de arrendamento entre as partes, porquanto não ficou inteiramente esclarecido quanto à existência do mesmo. Na verdade, e considerando a situação anómala de vida trazida aos autos, incumbia à A., no âmbito do ónus da prova que sobre si incumbe, trazer elementos de prova bastantes da existência de um contrato de arrendamento celebrado com a Requerida, o que não fez. Na verdade, e pese embora as declarações das testemunhas BB e CC quanto à existência do mesmo, não foi trazido aos autos o respectivo original ou qualquer recibo comprovativo, apenas sabendo o Tribunal que a Requerida ali tem residido, há mais de seis anos, sem efectuar o pagamento de qualquer quantia. Acresce ainda que a celebração de um contrato promessa de compra e venda relativo à fracção dos autos se mostra peculiar face à existência de um contrato promessa, não sabendo o Tribunal qual a verdadeira vontade das partes. Assim, e na ausência de outros elementos de prova, não deu o Tribunal como assente a celebração de um contrato de arrendamento, a qual se mostrava impugnada. O Tribunal não deu como assentes quaisquer outros factos com interesse para a discussão da causa por não ter sido feita prova sobre os mesmos. * Nos termos do art. 15º, nº 1 do Novo Regime do Arrendamento Urbano (NRAU), o procedimento especial de despejo destina-se a efectivar a cessação do arrendamento, quando o arrendatário não desocupe o locado na data prevista na lei ou fixada por convenção entre as partes. Como decorre da Lei, a existência do procedimento especial de despejo pressupõe a existência de um contrato de arrendamento. Ora, nos presentes autos, constata-se que a Requerente não logrou provar, tal como lhe competia nos termos gerais de repartição do ónus da prova constantes do art. 342º do CC, provar esse mesmo contrato, pelo que não pode o presente procedimento especial de despejo prosseguir. Importa ainda referir que, embora resulte da matéria de facto assente a inexistência de um título para a Requerida residir na fracção dos autos, tal situação apenas poderá ser resolvida através de uma acção de reivindicação, não podendo o Tribunal extrair quaisquer consequências dos factos provados. Consequentemente, conclui-se pela procedência da oposição deduzida. * Da condenação das partes como litigantes de má fé: Por se entender que os factos alegados e provados não permitem concluir pela existência dos requisitos legais previstos no art. 542º do CPC, indefere-se tais condenações. * Pelo exposto, julga-se a presente oposição procedente e, consequentemente, determina-se o arquivamento dos autos. Custas pela Requerente. Registe e notifique. Valor do presente incidente nos termos do art. 315º, nº 2 do CPC e para efeitos de custas: € 12 500,10. J. A R. ocupa a fracção referida em A) pelo menos, desde Novembro de 2011. K. O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A. (eliminado pela Relação) L. A fracção referida em A) tem um valor de mercado de arrendamento mensal de, pelo menos, € 540,00. M. A A. não procedeu à marcação da escritura de compra e venda da fracção. M. A A. não procedeu à marcação da escritura de compra e venda da fracção. A 1.ª instância, sem dissentimento por parte da Relação, enunciou os seguintes Factos não provados 1. A A., tendo-se apercebido de um erro no Contrato Promessa de Compra e Venda que referia ter existido quitação total do preço no momento da sua assinatura, acordou com a Ré substituir aquele documento, pelo Contrato de Arrendamento com Opção de Compra, celebrado em 30 Dezembro de 2011, cfr. doc. 5 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos. 2. Pelas mesmas razões, e porque a Ré bem sabia nada ter pago no momento de celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, acordaram as partes em afectar o valor de €25.000 já liquidados pela Ré a título de antecipação de cinco anos de rendas, conforme disposto na cláusula terceira, n.º 2 do Contrato de Arrendamento com Opção de Compra. 3. No termos da cláusula 2.ª, n.º 3 do identificado Contrato de Arrendamento com Opção de Compra, à A. era facultada a possibilidade de se opor à renovação do contrato para novo período de vigência, mediante carta registada com aviso de receção dirigida à Requerida, com uma antecedência mínima de um ano sobre a data do termo. 4. Por outro lado, tem vindo a A. a suportar o pagamento de todos os impostos inerentes ao imóvel, bem como outros custos de propriedade, designadamente, o prémio do seguro do imóvel, sem qualquer contribuição por parte da Ré. 5. A Ré contactou várias vezes telefonicamente os representantes legais da A. para saber se já era possível procederem à realização da escritura pública, recebendo sempre a resposta de que se estava a tratar da situação. 6. A A. fez passar por documento original uma simples fotocópia, vem A. utilizar nos presentes autos novamente a mesma fotocópia para sustentar a sua pretensão, fazendo também “tábua rasa” da decisão judicial. 7. Sofreu ainda a Ré em consequência do comportamento da A. danos não patrimoniais, passando a viver constantemente em sobressalto e angustiada, passou a dormir mal e sempre em pânico, tendo perdido a paz e o sossego. 2.2. O Direito A recorrente imputa ao acórdão recorrido as nulidades previstas na alínea d) e na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. No que concerne à alínea d), que comina com nulidade a sentença ou acórdão (cfr. art.º 666.º n.º 1 do CPC) que conheça de questões de que o tribunal não poderia tomar conhecimento, a recorrente considera que o tribunal a quo, ao alterar a decisão de facto no que concerne à alínea K) dos factos provados, extravasou o que fora determinado pelo Supremo Tribunal de Justiça. Vejamos. Na apelação, a R. impugnara a decisão de facto em relação a diversos aspetos. Primeiramente e no essencial, a recorrente (R. /apelante) pugnou pela não prova do facto dado como provado sob a alínea K), que tem a seguinte redação: “O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A.” Para tal, a recorrente apelante invocou a força probatória plena da declaração constante do contrato-promessa que constitui o documento referido em C), onde os outorgantes fizeram constar que a promitente vendedora dava quitação, por o ter recebido, do preço do imóvel objeto do contrato, no valor de € 125 000,00. E, além de invocar esse elemento documental e a sua força probatória, a recorrente concatenou-o com o teor das declarações de parte da R. e, bem assim, com o teor do depoimento das testemunhas BB, GG, HH e II. É incontroverso que, na sua impugnação da decisão de facto, a apelante cumpriu os ónus previstos no art.º 640.º do CPC. E, conforme foi realçado pelo Supremo Tribunal de Justiça no acórdão proferido nestes autos em 28.11.2023, “Cumpridos os referidos ónus que impendem sobre a parte que impugne a decisão de facto, a Relação procederá à apreciação da decisão de facto recorrida, para o que deverá analisar os elementos probatórios (necessariamente constantes dos autos, incluindo o registo dos depoimentos gravados) indicados pelo recorrente e, se houver resposta ao recurso, pelo recorrido, assim como, oficiosamente, aqueloutros que para o efeito se mostrem relevantes (cfr. alínea b) do n.º 2 do art.º 640.º). No exercício desse poder-dever, a Relação deverá ordenar a renovação da produção de prova, se considerar haver “dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento” (alínea a) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC). Deverá, também, ordenar a produção de novos meios de prova, se se deparar com “dúvida fundada sobre a prova realizada” (alínea b) do n.º 2 do art.º 662.º do CPC). Para tal, a Relação atuará como tribunal de instância, que, conhecendo a matéria de facto, deve analisar criticamente as provas (art.º 607.º n.º 4 do CPC, ex vi art.º 663.º n.º 2 do CPC), apreciando-as livremente, segundo a sua prudente convicção, ressalvados “os factos para cuja prova a lei exija formalidade especial”, bem como “aqueles que só possam ser provados por documentos ou que estejam plenamente provados por documentos ou que estejam plenamente provados, quer por documentos, quer por acordo ou confissão das partes” (n.º 5 do art.º 607.º do CPC), de tudo dando conta de forma especificada. Exige-se, assim, que, dentro do quadro delimitado pelo recurso, a Relação analise criticamente as provas, de forma a formular um juízo próprio acerca da matéria de facto em questão, assim confirmando ou infirmando, total ou parcialmente, a decisão de facto alvo do recurso, e disso dando conta, no julgamento do recurso. Conforme é jurisprudência reiterada do Supremo Tribunal de Justiça, não corresponde ao padrão supra descrito uma mera declaração de adesão à fundamentação da decisão de facto recorrida, mesmo que acompanhada da asserção de que se apreciou a prova” (negritos nossos). E, tendo passado à apreciação da forma como a Relação, no julgamento da apelação, havia exercido os seus poderes/deveres de apreciação da impugnação da decisão de facto, o Supremo Tribunal de Justiça considerou que a Relação havia violado os seus deveres, rematando pela seguinte forma: “Cremos ser patente que, no que concerne à impugnação da decisão de facto que versou o facto dado como provado sob a alínea K) (“O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A.”) a Relação não cumpriu o que se lhe exigia, nos termos do art.º 662.º do CPC. Com efeito, a Relação limitou-se a reproduzir o texto da fundamentação da decisão de facto, acrescentando que estava de acordo com ela. Não procedeu a um exame autónomo da prova, não deu a conhecer as razões por que, afinal, concluía pela mesma forma que o tribunal a quo, na apreciação desse relevantíssimo ponto da matéria de facto.” (negrito nosso). A apelação da R. também versara, em sede de impugnação da decisão de facto, a relevância dada pela 1.ª instância aos factos dados como provados na sentença supramencionada na alínea I) dos factos provados (sentença proferida em sede de procedimento especial de despejo). Reproduzimos o que a esse respeito foi ajuizado pelo STJ, no mencionado acórdão proferido nestes autos em 28.11.2023: “Também no que concerne aos factos dados como provados pela 1.ª instância a partir da sentença proferida em sede de procedimento de despejo, a Relação ficou aquém da indagação que lhe era exigível, atento o objeto da apelação. É certo que, como se diz no acórdão recorrido, na alínea I) da matéria de facto apenas se procede à transcrição da sentença que julgou improcedente o procedimento especial de despejo que havia sido instaurado pela ora A./recorrida contra a ora R./recorrente. Porém, na sentença recorrida, em sede de “Enquadramento Jurídico”, e reportando-se à aludida sentença proferida no procedimento especial de despejo, a dado passo exarou-se o seguinte: “Não obstante não se tratar da repetição de uma causa, sobre os factos que naquela acção judicial foram apreciados, está o Tribunal impedido de sobre eles novamente se debruçar. Trata-se, pois, da autoridade de caso julgado que determina que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20-12-2012, processo n.º 374/2000.E1, disponível em www.dgsi.pt. Com efeito, o Tribunal deve proferir uma decisão, obstando, contudo, a situações em que se encontre na posição de contradizer o anteriormente decidido por outro Tribunal. Por assim ser, ocorrendo autoridade de caso julgado, os factos relativos à relação obrigacional que subjaz entre as partes devem ser acatados neste processo – neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-07-2011, processo n.º 129/07.4TBPST.S1, disponível em www.dgsi.pt.. Face ao exposto, constitui ponto assente que a A. entregou à R. a fracção em causa nos autos em data não concretamente apurada mas anterior ao ano de 2010 para sua habitação, gozo e fruição, sem que tenha pago qualquer quantia sobre tal cedência.” (sublinhado nosso). Isto é, a 1.ª instância não se limitou a dar como reproduzida a aludida sentença, invocou-a como fundamento para dela extrair a prova de factos. Ora, sobre este aspeto da decisão de facto a Relação também nada disse, apesar de para tal ter sido solicitada pela recorrente. (….) Nestes termos, conclui-se que a Relação não cumpriu o disposto no art.º 662.º do CPC, com as consequências que adiante se determinarão.” E, face ao exposto, o STJ, no acórdão proferido nestes autos em 28.11.2023, emitiu o seguinte dispositivo: “Pelo exposto, julga-se a revista procedente e, consequentemente, revoga-se o acórdão recorrido e determina-se que os autos retornem à Relação recorrida, a fim de que aí se aprecie a impugnação da decisão de facto, nos termos supra expostos, e se aplique o direito em conformidade”. Assim, o STJ determinou que a Relação apreciasse, na sua plenitude, a impugnação da decisão de facto deduzida pela apelante. É mais do que evidente que, contrariamente ao ora pretendido pela A./recorrente, a Relação não estava vinculada a manter a decisão de facto proferida pela primeira instância, tudo se resumindo, na tese da A., a uma mera explicitação das razões por que a Relação concordaria com a decisão da primeira instância. Revogado que foi o primeiro acórdão da Relação (e, necessária e consequentemente, a decisão sumária que o antecedera – n.º I-10 do Relatório supra), a Relação devia, conforme expressamente determinado pelo STJ, proceder à reapreciação das provas constantes nos autos, à luz do teor da apelação e da contra-alegação e dos seus poderes oficiosos, formulando fundamentadamente o seu próprio juízo crítico, que tanto poderia desembocar na confirmação da decisão da primeira instância, como na sua parcial ou total alteração. Assim, ao reapreciar a decisão de facto e proceder à alteração desta no que concerne à alínea k) dos factos provados (sua eliminação) a Relação não incorreu na nulidade prevista na parte final da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. Quanto à nulidade prevista na alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC, também assacada pela recorrente ao acórdão recorrido. A alínea c) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC reporta-se a um vício que, nos termos da lei, ocorre quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão ou ocorra alguma ambiguidade ou obscuridade que torne a decisão ininteligível”. A nulidade da sentença (ou do acórdão) por contraditoriedade entre os fundamentos e a decisão ocorre quando o teor dos fundamentos aponta para um determinado sentido do veredito do tribunal e, afinal, o tribunal envereda por um resultado que não tem conexão lógica com essas premissas. Trata-se, pois, de um vício lógico que compromete a sentença. Quanto a este vício, a recorrente apenas tece a seguinte alegação (conclusão 5.ª da revista): “Por outro lado, as alterações introduzidas pela Relação à matéria de facto motivaram contradição entre a mesma e de molde a poder dizer-se que foi cometida a nulidade prevista na alínea c) do n° 1 do artigo 615° do CPC, uma vez que a fundamentação constante do acórdão recorrido é totalmente contrária à decisão da Relação que, confirmando a sentença de 1ª instância e a referida decisão singular proferida em 30.06.2022, considerou provado o facto vertido na alínea K), ocorrendo manifesta nulidade”. Isto é, a recorrente não aponta um vício intrínseco ao acórdão recorrido, uma incompatibilidade lógica entre aspetos internos do aresto, mas, antes, invoca, como se de vício se tratasse, a existência de contraditoriedade entre o acórdão ora recorrido, proferido pela Relação em 04.7.2024, e o acórdão proferido pela Relação em 25.5.2023 e, bem assim, a decisão sumária que antecedeu este, emitida em 30.6.2022. Não consegue este Supremo Tribunal de Justiça lobrigar como é que o acórdão proferido pela Relação de Lisboa em 04.7.2024 pode enfermar da nulidade invocada pela recorrente, ou qualquer outra por confronto com o acórdão proferido pela Relação em 25.5.2023 e, bem assim, com a decisão sumária emitida em 30.6.2022 quando, como já explicitado, estas duas últimas decisões foram revogadas. Assim, sem necessidade de mais considerações, declara-se que o acórdão recorrido não enferma das nulidades que a recorrente lhe imputa. 3. Segunda questão (violação, pela Relação, das regras que determinam a apreciação da prova e consequente fixação da matéria de facto) Conforme já exarado nestes autos pelo STJ (acórdão de 28.11.2023) na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8) anuncia-se que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito” (art.º 46.º). Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Em consonância, no julgamento da revista o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido” (n.º 1 do art.º 682.º do CPC) e, reitera-se no n.º 2 do art.º 682.º, “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”. À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC. Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ. O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1). Efetivamente, nesses casos estará em causa exclusivamente uma questão de direito, isto é, a aplicação e interpretação de regras jurídicas que regem a prova. A Relação não só pode, como deve, na apreciação da prova, formular o seu próprio juízo, do que poderá decorrer divergência face à apreciação livremente (ou não) efetuada pelo tribunal a quo. E, na medida em que na formação desse juízo não se mostrem desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como não se mostre ofendida norma legal na ilação de factos por presunção judicial, nem se mostre que o juízo probatório da Relação padece de evidente ilogismo ou assenta em factos não provados, o Supremo Tribunal de Justiça não pode interferir, pois tal não lhe é permitido por lei. Ora, in casu, não se mostra que a Relação tenha violado as mencionadas normas legais de apreciação da prova e de fixação da matéria de facto. Vejamos o ajuizado pela Relação quanto à alínea K) dos factos dados como provados pela 1.ª instância. Está provado que entre a A. e a R. foi outorgado um contrato-promessa de compra e venda de um bem imóvel, que se mostra transcrito na alínea C) dos factos provados. Nesse contrato está exarado, na alínea B) dos considerandos iniciais, o seguinte: “B) A PROMITENTE COMPRADORA manifestou interesse em adquirir a FRACÇÃO e a PROMITENTE VENDEDORA intenção de a vender, tendo a PROMITENTE COMPRADORA liquidado integralmente, na presente data, o preço convencionado para a compra e venda da fracção” (negrito nosso). E, na cláusula segunda do aludido contrato-promessa está escrito o seguinte: “Cláusula Segunda (Preço e pagamento) O preço acordado para a venda da fracção é de EUR 125 000,00 (cento e vinte e cinco mil euros), que a Promitente vendedora declara ter recebido na presente data e do qual o presente contrato dá a competente quitação.” (negrito nosso). Constata-se, pois, que cumprindo o estipulado na lei (artigos 410.º n.º 2 e 875º do Código Civil), a A. e a R. reduziram a escrito o contrato-promessa de compra e venda do prédio identificado nos autos. Nesse ato consignaram que o preço acordado para a venda era de € 125 000,00 e que o mesmo fora recebido pela promitente vendedora naquela data, dando do mesmo quitação. A autenticidade formal do contrato-promessa não foi posta em causa pelas partes. Assim, a declaração de que a A. recebeu o aludido preço vale como confissão por parte daquela, considerando-se tal pagamento como provado, nesses termos (artigos 376.º, n.ºs 1 e 2, 352.º, 355.º n.º 4). Tal confissão, feita à parte contrária, tem força probatória plena (358.º n.º 2 do Código Civil). A força probatória plena dessa confissão só pode ser contrariada por meio de prova do contrário, onde se mostre não ser verdadeiro o facto que dela foi objeto (art.º 347.º do Código Civil). A A. alegou, como decorre do Relatório supra, que a menção ao pagamento do preço resultara de erro, e que as partes haviam acordado em substituir o contrato-promessa por um contrato de arrendamento com opção de compra. Põe-se a questão de saber se a prova do alegado pela A., que contraria o teor do contrato-promessa e da declaração de quitação do preço aí contida, pode ser feita por via testemunhal, atento o disposto no art.º 393.º n.º 2, do Código Civil (“…não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena”) e 394.º n.º 1 do mesmo código (“É inadmissível a prova por testemunhas, se tiver por objecto quaisquer convenções contrárias ou adicionais ao conteúdo de documento autêntico ou dos documentos particulares mencionados nos artigos 373º a 379º, quer as convenções sejam anteriores à formação do documento ou contemporâneas dele, quer sejam posteriores”). Impossibilidade essa extensível às presunções judiciais (art.º 351.º do CC: “As presunções judiciais só são admitidas nos casos e termos em que é admitida a prova testemunhal”). A doutrina e a jurisprudência têm entendido, cremos que com razão, que a proibição contida nestes preceitos não tem carácter absoluto (cfr., v.g., Vaz Serra, RLJ, 103º, pág. 10 e seguintes e RLJ, 107º, pág. 309 e seguintes; Mota Pinto, Col. Jur, ano X, tomo 3, pág. 11 e ss; STJ, 29.11.2005, processo 05A3283; STJ, 19.2.2004, processo 03A4457 – ambos os acórdãos na internet, dgsi-itij), sob pena de conduzir a resultados iníquos. A prova testemunhal (assim como a prova por presunções judiciais) será admissível quando se destine a complementar a convicção do tribunal, esclarecendo-a, quando esta já está parcialmente formada com base em circunstâncias objetivas ou documentos que tornam verosímil a convenção contrária ou adicional ao conteúdo de documento. Nessa situação, em que as aludidas circunstâncias e documentos consubstanciam um “princípio de prova”, a prova testemunhal não encerra os perigos que o disposto nos artigos 393.º e 394.º do Cód. Civil visa evitar (a sua falibilidade), pois o juízo do tribunal sobre a matéria de facto não assentará exclusivamente, nem principalmente, nesses depoimentos. De tudo isto as instâncias mostraram estar cientes. Porém, enquanto a 1.ª instância considerou que, in casu, fora produzido um “princípio de prova” que sustentava o recurso à prova testemunhal a fim de se aquilatar da (in)veracidade da aludida confissão exarada no contrato-promessa e, nessa sequência, considerou que se fizera prova de que o preço não havia sido pago, a Relação concluiu de forma contrária: para a Relação, não se tinham reunido as condições excecionais que admitiriam a produção de prova testemunhal contrária ao conteúdo do contrato-promessa. Vejamos. A 1.ª instância ajuizou que a cópia do contrato de arrendamento apresentada pela A. (documento n.º 5 junto com a petição inicial) constituía um princípio de prova que autorizava o recurso à prova testemunhal para, em conjugação com a restante prova, concluir, como concluiu, pela prova da alínea K) dos factos provados (“K. O preço de compra do imóvel constante do documento referido em C) nunca foi recebido pela A.”). Leia-se a transcrição do que, a este respeito, se exarou na sentença: “Quanto ao facto vertido em K) detenhamo-nos com mais pormenor. Nos termos dos artigos 374.º, n.º 1 e 376.º do Código Civil, o documento particular cuja autoria não seja impugnada pela parte contra quem o mesmo seja apresentado faz prova plena quanto às declarações atribuídas ao seu autor e, tratando-se de declaração confessória – como é a do recebimento do preço – a mesma faz prova plena contra o confitente (artigo 352.º e 358.º do Código Civil), cabendo ao mesmo a prova do facto contrário nos termos do artigo 347.º do Código Civil. Por seu turno, dispõe o artigo 392.º, n.º 2 do Código Civil que Também não é admitida prova por testemunhas, quando o facto estiver plenamente provado por documento ou por outro meio com força probatória plena. Porém, A jurisprudência dos tribunais superiores tem entendido, maioritariamente, que quando houver determinado circunstancialismo, por exemplo um começo ou princípio de prova por escrito, que tornem verosímil o facto a provar, contrário à declaração confessória, ficará aberta a possibilidade de complementar esse circunstancialismo, mediante testemunhas, de modo a fazer a prova do facto contrário ao constante dessa declaração, ou seja, no caso, a prova de onde resulte não corresponder à realidade o afirmado recebimento da totalidade do preço – Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 28-05-2019, processo n.º 56/16.4T8CBR.C1, disponível em www.dgsi.pt. No presente caso, foi junto o doc. 5 com a petição inicial, que foi impugnado pela R. daí resultando o ónus a cargo da A. apresentante de convencer o Tribunal da sua genuinidade, nos termos do artigo 445.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, ou seja, a coincidência entre a pessoa que, no momento da sua apresentação a juízo, consta ser o seu autor – autor aparente – e aquela que o formou ou por conta de quem foi formado – o autor real – Salvador da Costa, Os Incidentes da Instância, Almedina, 2008, pág. 324. Como resulta do teor do relatório pericial do LPC e da informação da Faculdade de Ciências da Universidade ..., dado tratar-se de uma cópia, não se logrou apurar por via da prova pericial a autoria da assinatura aposta no mencionado documento, em concreto se o mesmo foi subscrito pela R. Nem a demais prova produzida foi apta a convencer o Tribunal, com um grau de certeza razoável, de que a assinatura aposta no mencionado documento era da R. Sem prejuízo, Impugnada a veracidade da letra ou da assinatura do documento particular, e não demonstrada pelo apresentante a sua genuinidade, é insusceptível de relevar como meio de prova plena, passando a ser objecto de livre apreciação – Salvador da Costa, ibidem, pág. 326. Deste modo, diferentemente do que parece ser o entendimento da R., a circunstância de a A. não ter logrado convencer o Tribunal da genuinidade do contrato de arrendamento junto como doc. 5 com a petição inicial não tem como consequência a sua inadmissibilidade como prova documental, mas tão somente o afastamento do seu valor probatório pleno nos termos do artigo 376.º, n.º 1 do Código Civil para ser livremente apreciado pelo Tribunal. Assim sendo, cremos ser de admitir o referido documento como princípio de prova documental do facto contrário de um facto confessório provado plenamente por documento particular. Com efeito, o referido documento tem uma data aposta posterior ao contrato de promessa de compra e venda, pressupondo, então o não pagamento do preço deste, ou seja, o seu conteúdo contraria o conteúdo do contrato-promessa em análise nos autos, o que constitui um princípio de prova, sujeito, como já vimos, à livre apreciação do Tribunal. Assim sendo, na esteira da jurisprudência dominante, é admissível a produção de prova testemunhal sobre o mencionado facto contrário à declaração confessória. Posto isto, avancemos.” E, avaliando positivamente o depoimento de duas testemunhas arroladas pela A., levando em consideração o depoimento, oficiosamente determinado, do pai da R., e desvalorizando as declarações de parte prestadas pela R., o tribunal de 1.ª instância fixou a já mencionada alínea K) dos factos provados. Na sequência da apelação interposta pela R. e decorridas as vicissitudes processuais já acima relatadas, a Relação, como se indicou, apreciou a impugnação da decisão de facto, tendo concluído de forma diversa da 1.ª instância. Segundo o acórdão ora recorrido, a A., no ataque à força probatória plena da declaração confessória contida no contrato-promessa, não lograra ultrapassar a barreira obstativa do recurso à prova testemunhal, não cumprindo esse papel o aludido documento n.º 5, mencionado na sentença. Vejamos o que, a este propósito (ressalvadas as considerações abstratas e genéricas sobre o tema) se exarou no acórdão recorrido: “Temos, pois, e em suma, que, para prova da inveracidade da declaração confessória, está vedada a produção de prova testemunhal e por presunções judiciais; mas havendo prova documental que torne verosímil a inveracidade da declaração, já será admissível a prova por testemunhas ou por presunções a título de complemento dessa prova documental. Reportando-nos ao caso dos autos, não está em causa o ‘valor probatório formal’ do documento que contém a declaração confessória da Autora, já que esta reconheceu a autoria da sua assinatura nele aposta. Assim, e porque tal declaração envolve o reconhecimento de um facto que lhe é desfavorável, tem ela força probatória plena, incumbindo à Autora o ónus de provar a sua inveracidade. Ora, para este efeito, a Autora alegou que, posteriormente à celebração do contrato-promessa do qual constava a declaração confessória, celebrou com a Ré, visto que aquela declaração constituiu um erro, um contrato de arrendamento com opção de compra, com o qual visaram as contratantes substituir o contrato-promessa inicialmente celebrado. Com tal documento, pretendeu a Autora carrear para os autos um princípio de prova da inveracidade da declaração confessória constante do contrato-promessa, por forma a que, por via dele, pudesse evidenciar essa mesma inveracidade por prova testemunhal. A Autora, contudo, impugnada, pela Ré, a autoria e a genuinidade desse documento, não logrou provar essas mesmas autoria e genuinidade (v. factos não provados n.ºs 1, 2 e 3), pelo que o documento em causa não tem qualquer ‘valor probatório formal’. E não tendo valor probatório formal, os factos compreendidos nas declarações nele vertidas (no contrato de arrendamento) não se podem considerar provados sem mais, já que o documento não tem qualquer ‘valor probatório material’. Não havendo, por conseguinte, documento que constitua princípio de prova da inveracidade da declaração confessória da Autora de recebimento do preço constante do contrato-promessa, essa inveracidade não poderia ser provada por testemunhas, nem por presunções judiciais. Argumentou-se na sentença recorrida que, apesar de não atestada a genuinidade do documento (do contrato de arrendamento) e, por isso, de afastada a sua força probatória plena, sempre o mesmo poderia ser livremente apreciado pelo tribunal. Neste pressuposto, isto é, com base nessa livre apreciação da prova, considerou que porque o documento tivesse “uma data aposta posterior ao contrato-promessa em análise nos autos”, constituía princípio de prova da inveracidade da declaração confessória da Autora e atribuiu relevo à prova testemunhal produzida em julgamento. Esta posição é, todavia, e salvo o devido respeito, inaceitável, já que intrinsecamente contraditória. Na verdade, se, como reconhecido na sentença recorrida, não se provou a genuinidade e a autoria do documento, este – pura e simplesmente – não tem qualquer valor probatório formal. Não vemos, assim, como que é que o documento em causa, não se tendo provado sequer que foi assinado pela Ré, pode firmar a convicção do tribunal de que o mesmo indicia a inveracidade de uma declaração confessória constante de documento anterior. Acresce que, na mesma sentença, na parte da motivação da decisão da matéria de facto atinente aos factos não provados, foi dito expressamente que inexistiam “outros meios probatórios que pudessem convencer o Tribunal” quanto à genuinidade do contrato de arrendamento. O próprio tribunal a quo afasta, assim, a possibilidade de o documento em causa poder relevar enquanto meio de prova apreciado de acordo com o princípio da livre convicção do juiz, já que, na sua perspetiva, não há outros meios de prova suscetíveis de o “convencer” da genuinidade do documento. E se não há quaisquer elementos de prova que convençam da respetiva veracidade, não se vê como possível que dele se extraia uma sugestão, um indício ou um princípio de prova que seja de que a declaração confessória constante do contrato-promessa não era verdadeira, a ponto de se poder complementar esse indício com a prova testemunhal. Em suma, a inveracidade da declaração confessória não poderia, nos termos legais, ser atestada por via testemunhal, nem por presunções judiciais. Ora, a respeito do facto em apreço, desconsiderando-se a prova testemunhal e por presunções judiciais, nenhuma prova foi produzida assim como que a Ré não tenha pago o preço acordado no contrato-promessa dos autos. Na verdade, a Ré/Recorrente, nas declarações de parte que prestou, não o reconheceu. Segundo a própria, e ouvidas integralmente as suas declarações, tudo o que esteve na origem da celebração do contrato-promessa dos autos foi acordado e negociado entre os seus pais e o “Eng. JJ” e o preço nele acordado teria sido pago, embora não soubesse precisar como, isto é, se antes ou depois da celebração do contrato e se com recurso a empréstimo bancário ou de que modo. Ou seja, a declarante pôs em causa que a declaração confessória de recebimento do preço aqui em causa pudesse não responder à verdade. Por outro lado, independentemente de se poder questionar ou não a consistência das declarações prestadas quanto ao facto em apreço, o certo é que a declarante não atestou positivamente a inveracidade da declaração confessória, o que inviabiliza a possibilidade de se estribar nelas a consideração como provado do facto em apreço. O próprio tribunal a quo, de resto, assim o concluiu, reconhecendo ausência de relevo probatório às declarações, não só ao ordenar oficiosamente a inquirição, como testemunha, do pai da declarante, como fundamentando a consideração como provado do facto da alínea K com base na prova testemunhal produzida em julgamento. Pelo exposto, não sendo aqui legalmente permitido o recurso à prova testemunhal e às presunções judiciais, não tendo a Ré, nas declarações que prestou, confirmado a inveracidade da declaração confessória da Autora e não havendo outro elemento de prova admissível com a virtualidade de atestar essa inveracidade, forçoso é concluir que o facto constante da alínea K só pode ser considerado não provado, como tal devendo ser considerado. Procede, assim, nessa medida, a impugnação da decisão da matéria de facto na parte aqui em consideração”. Do supra transcrito resulta que, à luz dos poderes de fiscalização do Supremo Tribunal de Justiça do exercício jurisdicional da Relação em termos de fixação da matéria de facto, o acórdão recorrido não merece censura. Não se vislumbra que a Relação tenha ofendido disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência de um facto (nem tal foi alegado pela recorrente) ou que fixe a força de determinado meio de prova (cfr. art.º 674.º n.º 3 do CPC). Pelo contrário, a Relação invocou adequadamente a força probatória plena decorrente da confissão, por parte da A., de recebimento do preço, formalizada no contrato-promessa subscrito pelas partes e junto aos autos, para, aqui no uso dos seus poderes de avaliação de meios probatórios sujeitos a livre apreciação (entre os quais a alegada fotocópia de um documento particular, cuja genuinidade, uma vez impugnada pela parte contra o qual foi apresentado, não foi possível fixar, tendo mesmo sido considerado inapto para sujeição a prova pericial e, bem assim, as declarações de parte da R.- art.º 466.º n.º 3 do CPC), concluir pela prevalência da força probatória de tal declaração confessória. E, reconhecida essa força probatória, a Relação eliminou o facto contido na alínea k) dos factos provados, o qual contrariava o teor desse meio de prova. A recorrente defende que nos autos existe um outro documento que também constitui um “princípio de prova”, um início credível para o caminho da impugnação da aludida confissão do recebimento do preço por parte da A.. Esse documento, segundo a A., é o recibo cujo original foi junto aos autos em 18.10.2018 (fls 147 do processo em papel). Tal documento, segundo a recorrente, foi indevidamente desconsiderado pela Relação. Vejamos. Em 25.6.2018 a A. juntou aos autos um documento n.º 1, consubstanciado numa declaração, com data de 31.01.2012, assinada por “JJ”, dirigida às sociedades “C..., S.A.” e “H..., S.A.”, na qual aquele declara ter recebido da ora R., naquela data, a quantia de € 25 000,00, relativa ao contrato de arrendamento invocado pela A. nos autos. Notificada da junção desse documento, a R. impugnou-o, aduzindo, além do mais, que se tratava de uma fotocópia, ostentava uma assinatura ininteligível e era apresentado pela A. como tendo decorrido de um acordo entre JJ e o pai da R., o que não era verdade. Em 18.10.2018 a A. juntou aos autos o original do mencionado “recibo”. Ora, no que diz respeito a este alegado pagamento da quantia de € 25 000,00, respeitante ao invocado contrato de arrendamento, a sentença, sem impugnação de nenhuma das partes, deu-o como não provado, nos termos dos n.ºs 1 e 2 dos factos não provados, que aqui se transcrevem: “1. A A., tendo-se apercebido de um erro no Contrato Promessa de Compra e Venda que referia ter existido quitação total do preço no momento da sua assinatura, acordou com a Ré substituir aquele documento, pelo Contrato de Arrendamento com Opção de Compra, celebrado em 30 Dezembro de 2011, cfr. doc. 5 junto com a petição inicial e cujo conteúdo se dá por integralmente reproduzido para os legais efeitos. 2. Pelas mesmas razões, e porque a Ré bem sabia nada ter pago no momento de celebração do Contrato Promessa de Compra e Venda, acordaram as partes em afectar o valor de €25.000 já liquidados pela Ré a título de antecipação de cinco anos de rendas, conforme disposto na cláusula terceira, n.º 2 do Contrato de Arrendamento com Opção de Compra”. E a 1.ª instância justificou a falta de prova desses factos, na “total ausência de actividade probatória no sentido da sua verosimilhança”. De resto, a 1.ª instância não incluiu o aludido “recibo” nos elementos documentais que poderiam constituir “princípio de prova” para desacreditar a mencionada confissão de recebimento do preço do imóvel objeto do prometido contrato de compra e venda. E, assim sendo, não vislumbramos por que razão deveria a Relação fazê-lo, tanto mais que, como emerge dos autos, o documento em causa é um simples documento particular, alegadamente emitido por terceiro nos autos e não dirigido à R., não contendo força probatória que se imponha ao tribunal. No mais, a recorrente invoca que sempre seria possível demonstrar que a declaração confessória decorrera de erro, dolo, coação ou simulação (cfr. conclusões 18 e 19 da revista). Ora, a isto basta apontar que a A., na sua petição inicial, apenas invocou erro, e este foi expressamente dado como não provado, conforme decorre da transcrição do n.º 1 dos factos não provados. A recorrente também invoca a admissibilidade de prova testemunhal para suprir situações de perda, sem culpa, do documento que forneceria a prova (cfr. conclusão n.º 20). Também a este respeito não se justificam mais dilatadas considerações, uma vez que em parte alguma da sentença ou do acórdão da Relação se mostra demonstrada essa suposta perda não negligente do original do documento. Em suma, a revista é improcedente, no que concerne à impugnação da matéria de facto. 4. Terceira questão (direito da A./recorrente ao pagamento do preço de € 125 000,00 correspondente à venda do imóvel objeto destes autos) Sobre esta questão, mantida que foi a alteração à matéria de facto introduzida pela Relação no acórdão recorrido, nada mais resta do que confirmar a absolvição da R. do pagamento do preço fixado no contrato-promessa. Atentemos no que, a esse respeito, se verteu no acórdão recorrido: “A Autora/Recorrida e a Ré/Recorrente, como é um dado adquirido nos autos, celebraram entre si, por documento escrito de 25-11-2011, um contrato-promessa de compra e venda, pelo que a primeira declarou vender à segunda e esta declarou comprar à primeira, pelo preço de € 125.000,00, a fração autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada no piso zero ao rés-do-chão, com arrecadação na cave -2, identificada com a letra C, e 2 lugares de estacionamento, localizados na cave -2, identificados com o n.º 55 e 56 do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o n.º ...34, e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo ...22. Por via da sentença recorrida, foi decretada a execução específica de tal contrato-promessa, suprindo-se, assim, a declaração de vontade da promitente vendedora e declarando-se vendida por esta à promitente compradora a fração autónoma, sendo que este segmento da sentença recorrida não foi posto em causa no recurso. Transferida a propriedade do imóvel da promitente vendedora para a promitente compradora, tem a primeira, nos termos acordados, direito a que lhe seja pago o valor do preço estipulado, de € 125.000,00. Na sentença recorrida, tendo-se julgado provado que a Ré/Recorrente, como promitente compradora, não efetuara o pagamento do preço à Autora/Recorrida, determinou-se que esta se pagasse dele mediante o levantamento dos € 125.000,00 que a Ré/Recorrente, em 12-04-2021, depositara à ordem dos autos ao abrigo do disposto no art.º 830.º, n.º 5 do CPC. O facto em questão (isto é, o facto em que se referia que a Ré/Recorrente não pagara o preço acordado, constante da alínea K dos factos provados da sentença recorrida) não resultou, contudo, e como se viu, provado. Do contrato-promessa dos autos consta, sob a ‘Cláusula Segunda’, a declaração da promitente vendedora de que, na data da sua subscrição, recebera o preço acordado de € 125.000,00, do qual dava a competente quitação. Tal declaração constitui, como acima se disse e aqui se reproduz, uma declaração confessória de recebimento do preço pela Autora/Recorrida, que, constituindo prova plena quanto ao efetivo recebimento do preço, só poderia ser contrariada pela demonstração de que o facto dela objeto (o recebimento do preço) não era verdadeiro, como dispõe o art.º 347.º do CC. Tal prova, cujo ónus recaía sobre a Autora/Recorrida, enquanto confitente do facto que lhe era desfavorável, não foi feita, pelo que se impõe considerar provado que a Ré/Recorrente procedera, de facto, ao pagamento do preço devido. E se procedeu a esse pagamento, carece de fundamento o segmento da sentença recorrida que determinou que a Autora/Recorrida se pagasse desse preço mediante o levantamento do depósito de € 125.000,00 efetuado nos autos, ao qual se fez referência supra. Procede, pois, a pretensão da apelante em apreço, com a consequente revogação da sentença recorrida nessa parte”. Efetivamente, constando no contrato-promessa, outorgado pela promitente-compradora e pela promitente-vendedora, que o preço se encontrava integralmente pago e não se tendo demonstrado o contrário, nada mais restava do que absolver a R. do peticionado pagamento do preço, pese embora a execução judicial do contrato de compra e venda prometido. Nesta parte, pois, a revista também improcede. 5. Quarta questão (direito da A./recorrente a indemnização por indevida ocupação do imóvel por parte da R.) A primeira instância condenou a R. no pagamento à A. de uma indemnização de € 540,00 por mês, calculada desde dezembro de 2016 até à data da prolação da sentença, acrescida de juros de mora à taxa de 4% desde a data do seu vencimento e até efetivo e integral pagamento. Tal condenação assentou na invocação do instituto da responsabilidade civil extracontratual, decorrente do dano decorrente da privação do uso do imóvel por parte da A., alegadamente causado pela R. Com efeito, na sentença exarou-se o seguinte: “No presente caso, tendo resultado provado que a R. ocupa sem autorização da A. a fracção melhor identificada nos autos, dúvidas inexistem de que aquele praticou um facto ilícito e culposo. Por outro lado, resultou apurado que a A. encontra-se privada do seu bem, por força da conduta da R. – a ocupação do prédio –, o que constitui um dano nos termos do entendimento supra acolhido. Assim sendo, teremos que considerar como verificados todos os pressupostos da responsabilidade civil extracontratual, concluindo-se, pois, pela correspondente obrigação de indemnizar a A. pelos danos sofridos. Importa, assim, fixar o quantum indemnizatório. Nesta sede, resultou apurado que o valor da renda mensal da fracção de que a A. é proprietária é de, pelo menos, € 540,00. Deste modo, deve a R. ser condenada ao pagamento de uma indemnização no valor de € 540,00 por mês, calculada desde Dezembro de 2016 (com respeito pelo princípio do pedido, nos termos do artigo 609.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) até à data da prolação da presente decisão (e não até à efectiva entrega do locado, considerando a procedência do pedido reconvencional), acrescida dos respectivos juros de mora à taxa de 4%, devidos desde a data do seu vencimento e até integral pagamento.” A sentença foi buscar o suporte factual da invocada ocupação abusiva do imóvel por parte da R. ao teor da sentença proferida no procedimento especial de despejo, transcrita na alínea I) da matéria de facto. Com efeito, na sentença recorrida, em sede de “Enquadramento Jurídico”, e reportando-se à aludida sentença proferida no procedimento especial de despejo, a dado passo exarou-se o seguinte: “Não obstante não se tratar da repetição de uma causa, sobre os factos que naquela acção judicial foram apreciados, está o Tribunal impedido de sobre eles novamente se debruçar. Trata-se, pois, da autoridade de caso julgado que determina que a decisão de determinada questão não pode voltar a ser discutida - Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, de 20-12-2012, processo n.º 374/2000.E1, disponível em www.dgsi.pt. Com efeito, o Tribunal deve proferir uma decisão, obstando, contudo, a situações em que se encontre na posição de contradizer o anteriormente decidido por outro Tribunal. Por assim ser, ocorrendo autoridade de caso julgado, os factos relativos à relação obrigacional que subjaz entre as partes devem ser acatados neste processo – neste sentido, Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 12-07-2011, processo n.º 129/07.4TBPST.S1, disponível em www.dgsi.pt.. Face ao exposto, constitui ponto assente que a A. entregou à R. a fracção em causa nos autos em data não concretamente apurada mas anterior ao ano de 2010 para sua habitação, gozo e fruição, sem que tenha pago qualquer quantia sobre tal cedência.” (sublinhado nosso). Isto é, a 1.ª instância não se limitou a dar como reproduzida a aludida sentença, invocou-a como fundamento para dela extrair a prova de factos. Tais factos são os que foram dados como provados na sentença transcrita na alínea I) da matéria de facto, que têm a seguinte redação: “1. Desde data não concretamente apurada mas anterior a 2010, foi cedida à Requerida, para sua habitação, o gozo e fruição da fracção autónoma designada pela letra “C”, para habitação, situada no piso zero ao nível do rés-do chão, com arrecadação da cave -2, identificada com a letra C, e 2 lugares de estacionamento localizados na cave -2, identificados com os números 55 e 56, do prédio urbano sito na Rua ..., freguesia de ..., concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...34, e inscrito na matriz predial urbana da citada freguesia sob o artigo ...22; 2. A Requerida não paga qualquer quantia pela cedência da fracção autónoma referida em 1.; 3. Entre o proprietário da fracção referida em 1. e a Requerida foi celebrado, em 2011, contrato-promessa de compra e venda da mesma fracção.” Essa opção foi alvo de crítica na apelação, e a Relação deu razão à recorrente, em termos que merecem o nosso acolhimento. Aqui se transcreve o a esse respeito expendido pelo acórdão recorrido (os sublinhados constam no texto transcrito): “Na verdade, os fundamentos de facto constantes de uma sentença transitada em julgado não formam, como constitui posição, senão unânime, pelo menos maioritária na doutrina e na jurisprudência, autoridade de caso julgado no âmbito de outro processo em que estejam sob apreciação. Como se referiu no Acórdão do STJ de 02-03-2010, “a problemática do respeito pelo caso julgado coloca-se, sobretudo, a nível da decisão, da sentença propriamente dita e, quando muito, dos fundamentos que a determinaram, quando acoplados àquela”; os “fundamentos de facto, nunca por nunca, formam, por si só, caso julgado, de molde a poderem impor-se extraprocessualmente” (sublinhado nosso; Acórdão disponível na internet, no sítio supra referenciado; neste sentido, v., ainda, os Acórdãos do STJ de 08-10-2018 e de 11-11-2021, disponíveis no mesmo local, bem como, na doutrina, Remédio Marques, in “Acção Declarativa à Luz do Código Revisto”, Coimbra, 2007, p. 447; Antunes Varela, in “Manual de Processo Civil”, Coimbra, 1984, p. 697; e Miguel Teixeira de Sousa, In “Estudos Sobre o Novo Processo Civil”, Lex, 1997, p. 580, todos citados no segundo dos arestos mencionados). Um facto em discussão num determinado processo, que, porventura, possa ter sido apreciado noutro já decidido definitivamente, tem de ser apreciado no quadro da produção de prova feita naquele processo e não em função da decisão proferida neste quanto a eles. Os factos em causa não podem, pois, ser valorizados neste processo, pelo que saber se a ocupação da fração autónoma dos autos pela Ré/Recorrente constituiu-a ou não na obrigação de indemnizar a Autora/Recorrida deve ser aferido em face da restante factualidade apurada”. Efetivamente, ressalvados casos excecionais como os decorrentes da previsão dos artigos 623.º e 624.º do CPC (efeitos das sentenças penais nas ações cíveis), a decisão de facto proferida numa determinada ação, isto é, a enunciação dos factos aí dados como provados (e não provados) não produz efeitos fora do âmbito da própria ação. Isto é, o caso julgado (artigos 580.º e 581.º, 619.º a 621.º do CPC) não abrange os factos adquiridos na ação. Estes, fora do respetivo processo, não valem por si mesmos quando desligados da respetiva decisão (neste sentido, cfr., v.g., além dos mencionados no acórdão recorrido, os acórdãos do STJ de 20.11.2019, processo n.º 62/07.0TBCSC.L3.S1; de 03.03.2021, proc. n.º 11661/18.4T8PRT.P1-A.S1; e de 29.10.2024, processo n.º 2985/20.1T8FNC.L1.S1). Na apreciação do direito indemnizatório reclamado pela A. haverá, assim, que levar tão-só em consideração os factos apurados na sequência da atividade instrutória produzida nesta ação, cujo fruto é o que consta na enunciação da matéria de facto supra enunciada, com a alteração introduzida pela Relação (eliminação da alínea K) dos factos provados). Ora, cabia à A. o ónus da prova de que a R. se encontrava a ocupar ilicitamente o imóvel objeto da causa (art.º 342.º n.º 1 do Código Civil). Tal prova não foi feita. Com efeito, e como bem entendeu o tribunal a quo, a presença da R. no imóvel foi autorizada pela A., no âmbito da celebração do contrato-promessa de compra e venda celebrado entre as partes. Transcreve-se o a esse respeito exarado no acórdão recorrido: “Na verdade, nos termos do contrato-promessa dos autos (v. a Cláusula Terceira), contrato-promessa esse celebrado em 25-11-2011, o negócio definitivo nele previsto deveria ser celebrado nos 180 dias subsequentes e competiria à promitente vendedora notificar a promitente compradora da data, hora e local da sua celebração, com a antecedência mínima de 10 dias. Temos, assim, que, à data de dezembro de 2016, a partir da qual, na sentença recorrida, se computou o início da indemnização devida pela Ré/Recorrente pela suposta ocupação indevida do imóvel, a Autora/Recorrida se encontrava em mora e, portanto, em inadimplemento há mais de 4 anos. Tal circunstância é, aliás, assumida expressamente na sentença recorrida, que, com esse fundamento (com fundamento na mora da Autora/Recorrida), decretou a execução específica do contrato-promessa a favor da Ré/Recorrente. Assim sendo, se, por força do programa negocial estabelecido entre as partes no contrato-promessa dos autos, a Autora/Recorrida, em 2016, já deveria ter transmitido a propriedade da fração autónoma para a Ré/Recorrente, não vemos como possível concluir que, nessa data, estivesse privada do seu uso por decorrência de ato imputável à Ré/Recorrente. Acresce que, como flui dos factos provados, a Ré ocupa a fração autónoma dos autos desde, pelo menos, novembro de 2011 (v. facto provado constante da alínea J)) e a celebração do contrato-promessa em questão ocorreu, como também flui dos factos provados (v. facto provado constante da alínea C)), naquele mês de novembro de 2011. Ou seja, a data da ocupação da fração autónoma pela Ré/Recorrente é antecedente ou, no máximo, coincidente com a da celebração do contrato-promessa. Não vemos, assim, como não concluir que a ocupação da fração se estriba num acordo tácito de tradição do imóvel (v. art.ºs 217.º e 405.º do CC), o qual, como salienta a Ré/Recorrente na motivação do seu recurso, surge “conexionado com a celebração do contrato-promessa”, a título de “antecipação legítima de um dos efeitos do contrato” prometido. Não há, pois, privação ilegítima de uso da fração autónoma decorrente da sua ocupação pela Ré/Recorrente, o mesmo é dizer que não há dano passível de ressarcimento. Procede, consequentemente, a pretensão da Ré/Recorrente em apreço, com a consequente revogação da sentença recorrida também nessa parte”. Fundando-se a ocupação do imóvel, pela R., em contrato-promessa de compra e venda celebrado com a A., que se manteve em vigor até à execução específica do contrato operada judicialmente, falece a pretensão indemnizatória deduzida pela A., por falta de facto ilícito fundamentador da responsabilidade civil (art.º 483.º do Código Civil). Nesta parte, pois, a revista também improcede. Uma vez que a revista é totalmente improcedente, devendo manter-se o acórdão recorrido, fica prejudicada a apreciação da questão subsidiariamente suscitada pela recorrida em sede de ampliação da revista, isto é, a violação de caso julgado (artigos 608.º n.º 2 e 636.º n.º 1 do CPC). III. DECISÃO Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido. As custas da revista, na vertente das custas de parte, são a cargo da recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.º s 1 e 2, 533.º, do CPC). Lx, 29.04.2025 Jorge Leal (Relator) Maria João Vaz Tomé António Magalhães |