Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
841/21.5T8ENT-A.C1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: FREITAS NETO
Descritores: INTERRUPÇÃO DA PRESCRIÇÃO
CITAÇÃO
AÇÃO EXECUTIVA
EFEITOS
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
PENHORA
VENCIMENTO
DESERÇÃO DA INSTÂNCIA
INÍCIO DA PRESCRIÇÃO
PRINCÍPIO DA SEGURANÇA JURÍDICA
EMBARGOS DE EXECUTADO
Data do Acordão: 06/21/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I. Sendo a certeza ou segurança jurídicas um dos fundamentos do instituto da prescrição, a interrupção da prescrição reveste carácter excepcional.

II. Contudo, nos termos do nº 1 do art.º 323 do CC, a citação do devedor para a execução em que o credor procura a satisfação do seu direito de crédito, exprimindo a intenção de este exercer o direito, interrompe sempre o prazo de prescrição que se encontre em curso, tendo essa interrupção um efeito permanente ou continuado até à decisão que ponha termo ao processo (art.º 327, nº 1, do CC).

III. Enquanto se mantiver esse efeito permanente ou continuado – até à decisão que põe termo ao processo – não só não se inicia o novo prazo prescricional decorrente da citação, como não pode haver nova interrupção por qualquer outra causa.

IV. A penhora do vencimento do executado, materializada nos descontos em que se desdobre ao longo da execução, não tem qualquer efeito na interrupção da prescrição já operada com a citação, nem aqueles descontos constituem actos autónomos pelos quais o credor/exequente expressa a intenção de exercer o direito.

V. Por força do disposto no art.º 327, nº 2 do CC, sobrevindo a deserção da instância, o novo prazo prescricional passa a contar-se do acto interruptivo, isto é, da citação.

Decisão Texto Integral:

ACORDAM NO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

(1ª SECÇÃO)




1 - RELATÓRIO


AA deduziu embargos à execução para pagamento de quantia certa que lhe move BB, alegando, em síntese:

O titulo executivo é uma sentença condenatória no pagamento de determinada quantia de 16 de Novembro de 1998; em 15 de Dezembro de 1998 foi intentada a respectiva execução; o Executado foi citado em 14 de Fevereiro de 2000; a instância foi declarada deserta, o que motivou o indeferimento do requerimento do Exequente para a renovação da instância executiva; desta forma, no dia 15 de Fevereiro de 2020 consumou-se a prescrição do crédito do Exequente, não podendo este requerer a execução da sentença; sem prescindir, os juros vencidos nos cinco anos anteriores à citação do executado encontram-se sempre prescritos; a factualidade descrita é do conhecimento do Exequente que, por isso deverá ser condenado como litigante de má-fé e responder pelos danos culposamente causados ao Embargante.

                                                                  

Recebidos os embargos e notificado o Exequente/Embargado para contestar, veio o mesmo aduzir que posteriormente à citação do Executado (14.02.2000) foram concretizados actos de penhora (descontos) do respectivo vencimento em 08 de Fevereiro de 2002, 05 de Abril de 2002, 12 de Junho de 2002, 7 de Agosto de 2002, 07 de Outubro de 2002, 10 de Outubro de 2002, 08 de Novembro de 2002, 13 de Novembro de 2002 e 16 de Dezembro de 2002; tal factualidade interrompeu o prazo da prescrição e é do conhecimento do Executado, que a omite, devendo por isso ser condenado como litigante de má-fé.

                                                        

O Embargante respondeu à matéria de exceção e pediu a condenação do Embargado como litigante de má-fé.

 

O Exequente reduziu a quantia exequenda para € 15.275,00, nela englobando o montante de € 2.546,00 respeitante aos juros dos últimos 5 anos por reconhecer que estavam prescritos os que haviam sido reclamados no período precedente.


A final proferida sentença na qual se julgaram embargos de executado totalmente improcedentes, e, em consequência, se determinou o prosseguimento da execução para pagamento do capital de 12.729,00 euros, acrescido de juros vencidos até 22 de março de 2021 no montante de 2.546,00 euros e juros vincendos desde 23 de março de 2021 até integral pagamento à taxa de juros civis sucessivamente vigente, sem prejuízo dos juros à taxa de 5%/ ano, nos termos do artigo 829.º-A, n.º 4 do Código Civil, desde 22 de março de 2016 até integral pagamento.


Interposto pelo Embargante recurso de apelação, proferiu a Relação de Coimbra acórdão, pelo qual, revogando a decisão recorrida, julgou procedentes os embargos e, com fundamento na prescrição do crédito do Embargado, declarou extinta a execução para pagamento dos valores constantes do título executivo.


Agora inconformado, vem o Embargado e Exequente pedir revista do acórdão da Relação, rematando a sua alegação recursiva com as seguintes conclusões:

1ª - Na decisão proferida pela 1ª Instância fez-se uma correcta interpretação e aplicação do Direito e da Lei, designadamente dos artigos 323º e 327º do CC.

2ª - Efectivamente um prazo prescricional pode ser interrompido múltiplas vezes, o que é desde logo reconhecido pela nossa Jurisprudência mais avisada, conforme adiante se verá.

3ª - Os actos de penhora concretizados nos autos de ação executiva podem ser equiparados à citação ou notificação conforme se retira expressa e inequívocamente do disposto no Art. 323º do CC.

4ª – A referência à intenção directa ou indirecta de vir a exercer o direito a que o citado art. 323º alude no seu nº 1 traduz a regra de que bastará uma diligência judicial que seja incompatível com o desinteresse pelo direito de cuja prescrição se trate (cfr. Menezes Cordeiro, ob. Cit., T IV, p. 197).

5ª - Dos Acórdãos favoráveis à tese do recorrente :

http://www.dgsi.pt/jtrl.nsf/33182fc732316039802565fa00497eec/504a22bfb229a47f802582730036142a?OpenDocument

•    “ocorreram várias causas de interrupção da prescrição (...) nos termos das quais demonstraram os exequentes, inequivocamente, a sua intenção de exercer o seu direito de crédito”

http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/-/2b1d41a152b699bd802583f500585bc9

•   “confirmando-se o acórdão recorrido” (acórdão acima referido, em detrimento do Acórdão do STJ de 05.11.2013)

  http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383 2/9166eb55429093ad8025822d003ff48d?OpenDocument

As sucessivas penhoras do salário (de que sempre teria conhecimento através dos recibos de vencimento) evitariam a criação no devedor da segurança de que o credor não pretenderia mais exercer o seu direito.

   http://www.dgsi.pt/jtrg.nsf/86c25a698e4e7cb7802579ec004d383 2/81d1884a17612fb8802586af00500c42?OpenDocument

6ª - A tese do Recorrido desconsidera em absoluto o disposto no Art. 323º do CC, que, não sendo aplicado, resultaria em grande injustiça, caso se entendesse como aquele pretende que os depósitos feitos pelo empregador são actos praticados por um terceiro, não promovidos directamente pelo titular do direito, ora, se aceitássemos este raciocínio como válido também a citação ou notificação judicial de qualquer acto, nunca poderiam interromper a prescrição, pois tratam-se de actos praticados pelo Tribunal que também é um terceiro na relação credor/devedor,

7ª - Os sucessivos actos de penhora ao interromperem o prazo prescricional, apagaram todo o tempo decorrido desde o acto de citação até à concretização da penhora, daí a sua importância.


Caso não se entendesse assim apenas a citação seria susceptível de interromper a prescrição e far-se-ia tábua rasa de todos os outros actos judiciais que decorrem da tramitação normal dum processo (in casu, executivo).

8ª - De acordo com o disposto no Art. 323º do CC o que releva é que o exercício do direito se faça através de acto com carácter judicial.

Conferir neste sentido, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, Vol. I, 4ª edição revista e actualizada, Coimbra Editora, pág. 290

Vide também Rita Canas da Silva, em Código Civil Anotado, Vol. I, 2ª Edição Revista e Actualizada, Coord. De Ana Prata, Almedina, pág. 428.

9ª - Os factos interruptivos provêm de acto do credor, por meio de notificação judicial de qualquer acto que exprima a intenção de exercício do direito, ainda que praticado por um representante, legal ou voluntária.

“O efeito interruptivo tem lugar quando o obrigado tem ou deve ter conhecimento (oficial) do exercício do direito “- AC Relação de Coimbra de 24 de Abril de 2012, em www.dgsi.pt.

10ª - A penhora é acto de carácter judicial.

Cada desconto de 1/3 do vencimento do executado expressa, não apenas uma intenção de exercer o direito, exterioriza o exercício do direito de crédito pelo exequente.

O executado tem conhecimento do exercício desse direito pelo acto judicial de penhora de 1/3 do seu vencimento.

11ª - O acto judicial de penhora de 1/3 do vencimento não se esgota num acto isolado pois renova-se por cada vencimento ou salário auferido pelo executado.

O último acto de penhora sobre o vencimento ocorreu em Outubro de 2002.

12ª - Quando a instância seja julgada deserta o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo – nº 2 do artigo 327º do CC.

Pelo que, o prazo de prescrição de 20 anos (artigos 309º e 311º do CC) começou a contar a partir de Outubro de 2002 e só se completaria em Outubro de 2022!

13ª - A execução a que os presentes autos estão apensos foi intentada em 22 de Março de 2021 e o executado foi citado em 5 de Julho de 2021 e portanto, muito antes de decorrido o referido prazo prescricional.


É assim notório que o direito de crédito do Exequente não está prescrito.

NESTES TERMOS E NOS MELHORES DE DIREITO, INVOCANDO O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXCIAS VENERANDOS CONSELHEIROS, DEVERÁ SER DADO PROVIMENTO A ESTE RECURSO DE REVISTA, REVOGANDO-SE O ACÓRDÃO RECORRIDO E MANTENDO-SE INCÓMULE A DECISÃO DA PRIMEIRAINSTÂNCIA,         EM CONFORMIDADE           ÀS       ANTECEDENTES CONCLUSÕES, COMO É DE DIREITO, E DE JUSTIÇA!

Respondeu o Embargante pugnando pela confirmação do acórdão recorrido.

                                                                        *


II – FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO.

São os seguintes os factos que vêm fixados pelas instâncias:

a) O Exequente apresentou como título executivo a sentença proferida em 16 de Novembro de 1998, no âmbito da ação ordinária n.º 151/...8, que correu termos no ... Juízo do Tribunal do Circulo e Comarca ..., que condenou AA a restituir a BB a quantia de 2.552.000$00 (contravalor 12.279,32 euros), acrescido de juros.

b) Em 15 de Dezembro de 1998 BB intentou ação executiva contra AA, a qual correu termos sob o n.º 57-A/...9, do ... Juízo do Tribunal Judicial ....

c) AA foi citado no âmbito dessa ação executiva em 14 de Fevereiro de 2000.

d) Foi ordenada a penhora de 1/3 do vencimento de AA e foram efectuados descontos no vencimento em Novembro de 2001, Março de 2002, Maio de 2002, Junho de 2002, Julho de 2002, Setembro de 2002 e Outubro de 2002.

e) Em 26 de Fevereiro de 2003 o Exequente foi notificado, além do mais, para impulsionar a execução sem prejuízo do disposto no artigo 51.º, n.º 2, al. b) do CCJ.

f) A execução de que os presentes autos são apenso foi intentada em 22 de Março de 2021 e o Executado foi citado em 05 de Julho de 2021.


 *



III – FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO.

São duas as questões que vêm colocadas pelo recorrente e Embargado nas conclusões com as quais encerra a alegação da presente revista (conclusões que, como é sabido, balizam o objecto do recurso, nos termos do art.º 635, nºs 3 e 4 do CPC).

A saber:

1º - Se, apesar de a citação do Embargante/Executado operada na Execução nº 57-A/...9 do ... Juízo da ... em 14 de Fevereiro de 2000, ter interrompido o prazo de prescrição do crédito exequendo, este prazo podia voltar a ser objecto de novas e sucessivas interrupções;

2º - Se a penhora consumada no desconto do vencimento do executado operado em Outubro de 2002 na referida execução interrompeu o curso do aludido prazo, impedindo que ele estivesse esgotado ou decorrido quando em 5 de Julho de 2021 se verificou a citação para a Execução a que respeitam os presentes embargos de executado.


Respondeu a Embargada/Exequente batendo-se pela integral manutenção do acórdão recorrido.


Apreciando agora as questões acima enunciadas.

Sobre a possibilidade de sucessão de várias causas de interrupção a partir da citação do Embargante como Executado na Execução nº 57-A/99… do ... Juízo da ....

Deflui dos autos que o crédito objecto de execução pelo Embargado é um crédito de natureza pecuniária resultante da condenação do Embargante no pagamento da quantia de 2.552.000$00 (contravalor 12.279,32 euros), acrescida de juros, constituindo o título executivo a sentença de 16 de novembro de 1998 proferida no âmbito da acção ordinária n.º 151/98..., que correu termos no ... Juízo do Tribunal do Círculo e Comarca ....

Não é objecto de controvérsia pelo recorrente o postulado pelas instâncias de que o prazo de prescrição aplicável ao direito do Exequente é o prazo ordinário de 20 anos (art.º 309 do CC).

Como também não é alvo de qualquer objecção do recorrente o igualmente postulado pelas instâncias de que se deu interrupção desse prazo com a citação do Embargante para a execução da aludida sentença – a Execução nº n.º 57-A/99…, do ... Juízo do Tribunal Judicial ... – ocorrida em 14 de Fevereiro de 2000.

Um e outro postulado traduzem uma aplicação da disciplina do instituto da prescrição que este tribunal de revista tem por correcta e adequada aos factos.

Onde as instâncias já divergiram foi na relevância conferida a certas ocorrências processuais no âmbito do aludido processo executivo, uma vez que a 1ª instância entendeu que elas funcionaram como novas e sucessivas causas interruptivas da prescrição, enquanto o acórdão da Relação ora recorrido, além de negar a possibilidade de sucessão de causas interruptivas da prescrição, desqualificou as ditas ocorrências como tais, negando dessa forma sua influência no decurso do prazo prescricional interrompido e reiniciado na aludida data de 14 de Fevereiro de 2000.

Divergência que conduziu a 1ª instância a ter por não decorrido (porque interrompido) o mencionado prazo de prescrição de 20 anos quando em 05 de Julho de 2021 o Embargante e Executado foi citado para execução a que respeitam os presentes embargos de executado; e que levou a Relação a considerar o mesmo prazo integralmente esgotado nessa data por entender que os aludidos 20 anos se haviam então completado sem qualquer interrupção.   

Como se vê, o recorrente procura agora fazer vingar a tese da 1ª instância.

Ela foi aí alicerçada na atribuição da natureza de causas interruptivas da prescrição aos sucessivos actos de penhora que se seguiram à citação do Executado em 14 de Fevereiro de 2000. Como se constata da seguinte passagem da sentença:

“(…) A penhora é um ato de carácter judicial. Releva, para o caso, a penhora do vencimento ou salário, nos termos do artigo 824.º do CPC pretérito, fixada pelo Tribunal da execução em 1/3 do vencimento / salário do Executado.

A penhora de créditos concretiza-se através na notificação ao devedor de que o crédito fica à ordem do Tribunal da execução – artigo 856.º do CPC pretérito.

Deste modo, cada desconto de 1/3 do vencimento / salário do executado expressa, não apenas uma intenção de exercer o direito; exterioriza o exercício do direito de crédito pelo Exequente.

(…) o executado tem conhecimento do exercício desse direito pelo ato judicial de penhora de 1/3 do seu vencimento/salário. O ato judicial de penhora de 1/3 do vencimento ou salário não se esgota num ato isolado pois renova-se por cada vencimento ou salário auferido pelo Executado.

O último ato de penhora sobre o vencimento ocorreu em outubro de 2002.

Sendo a penhora um meio judicial pelo qual se dá conhecimento do exercício do direito, consideramos que o último facto interruptivo da prescrição, nos termos conjugados dos artigos 323.º, n.º 1 e 4 do Código Civil, ocorreu em outubro de 2002. (…) o prazo de prescrição de 20 anos (artigos 309.º e 311.º do Código Civil) começou a contar a partir de outubro de 2002.

A execução de que os presentes autos são apenso foi intentada em 22 de março de 2021 e o Executado foi citado em 05 de julho de 2021.

É assim notório que o direito de crédito do Exequente não está prescrito”.   


Por seu turno, a Relação rejeitou esta interpretação, optando pela contagem contínua do prazo prescricional em curso desde a citação do Embargante em 14 de Fevereiro de 2000.

Para o carácter ininterrupto do prazo prescricional desde a citação do Executado na referida data aduziu a seguinte argumentação:

“(…) Advogamos este entendimento, desde logo, por a prescrição assentar em razões de certeza e de segurança nas relações jurídicas impondo que a inércia prolongada do credor envolva consequências desfavoráveis para o exercício tardio do direito, nomeadamente em defesa da expectativa do devedor de se considerar libero de cumprir e até da dificuldade que ele poderia ter passado muito tempo, fazer prova de um cumprimento que, porventura, tivesse feito. Ora, permitir sucessivas interrupções da prescrição seria atentar contra todas aquelas razões que constituem o fundamento daquele instituto jurídico. Aqui chegados, podemos afirmar, que acompanhamos o entendimento do recorrente, quando afirma não ser possível haver sucessivas interrupções da prescrição, até por no caso em apreço, os autos estarem ainda a coberto pela interrupção da citação (cfr. art.º 323. n.º 1, do C.C.)”.


Contra este posicionamento se rebela o recorrente com a defesa da tese da sentença de que após a citação do Executado na Execução nº 57-A/99… (citação de 14 de Fevereiro de 2000) houve sucessivas interrupções do prazo prescricional então interrompido.

Vejamos se assim é.

Ensina Manuel de Andrade (Teoria Geral da Relação Jurídica, Almedina, 1972, V. II, pág.s 445-446) que “ (…) o fundamento específico da prescrição reside na negligência do titular do direito em exercitá-lo durante o período de tempo indicado na lei. Negligência que faz presumir ter ele querido renunciar ao direito, ou pelo menos, o torna (o titular) indigno da protecção jurídica (“dormientibus non succurrit ius)”. Num plano que chama de secundário, refere ainda o mesmo Professor que são também invocadas como razões para justificar o instituto a “certeza ou segurança jurídica”; a “protecção dos obrigados, especialmente os devedores, contra as dificuldades da prova”; e o exercício de uma “pressão ou estímulo educativo sobre os titulares dos direitos no sentido de não descurarem o seu exercício.”

Perante esta panóplia de fundamentos da prescrição não é difícil intuir que, provocando a interrupção da prescrição a inutilização ou perda de todo o tempo decorrido anteriormente, começando a correr novo prazo a partir do acto interruptivo (art.º 326, nº 1, do CC), as causas de interrupção tipificadas na lei, ou seja, no Código Civil, são efectivamente factos excepcionais.

Querendo com isto dizer-se que as causas de interrupção da prescrição não podem repetir-se ou suceder-se ao ponto de, na prática, desvirtuarem os próprios fundamentos da prescrição, designadamente negando a certeza ou segurança jurídicas e a estabilização das situações de facto entretanto criadas. Neste sentido pode ver-se o Ac. do STJ de 05.11.2013, p. no P. nº 7624/12.1TBMAI.S1, onde a propósito da interrupção da prescrição por meio da notificação judicial avulsa promovida pelo titular do direito, se exarou que “ (…) não pode admitir-se sucessivas interrupções através de notificação judicial avulsa, sob pena de se criar enorme insegurança na ordem jurídica, e, sobretudo, sem se destruir a razão de ser do próprio instituto da prescrição.

A ser como quer o recorrente, estava descoberta a maneira de defraudar a lei, ignorando-se os prazos prescricionais, que, por via de sucessivas notificações judiciais avulsas, se renovariam periodicamente, à vontade do titular do direito, sem nunca se esgotarem.

Uma tal interpretação, além de violar o Art.º 300º do C.C., contrariaria o espírito da lei, sem encontrar qualquer apoio na sua letra.

(…)”.    

Também no acórdão recorrido, após se reproduzir fundamentação extraída do Acórdão da Rel. do Porto de 14.07.2003, p. no P. nº 0313320,[1] se perfilhou o entendimento de que “(…) permitir sucessivas interrupções da prescrição seria atentar contra todas aquelas razões que constituem o fundamento daquele instituto jurídico (…)”.

E que, por conseguinte, nunca poderia ser sucessiva ou consecutivamente interrompido o prazo de prescrição já em curso com a citação do Executado.

Concordamos, em princípio. com o acórdão recorrido quando este afirma que admitir sucessivas (podem ser duas ou mais) inutilizações do prazo de prescrição, com a inerente superveniência de novos prazos (art.º 326, nº 1, do CC), redunda numa insegurança jurídica que o instituto da prescrição visa evitar ou prevenir.

Seria tornar incerto o que se pretendia certo.

O obrigado ou devedor nunca saberia quando findava o prazo de prescrição; e podia ser compelido a cumprir muito tempo após o transcurso do prazo imperativamente fixado na lei, inderrogável em conformidade com o art.º 300 do CC.

É, todavia, particularmente importante para a questão que nos ocupa a distinção entre causas interruptivas de efeito instantâneo e de efeito permanente, duradouro ou continuado: “nas primeiras, no próprio momento em que se realiza o acto interrompe-se a prescrição, mas começa, de imediato, a correr um novo prazo prescricional, enquanto nestas últimas a prescrição interrompe-se durante um certo período de tempo.” (cfr. Comentário ao Código Civil, Fac. De Direito, U. Católica Editora, 2014, Parte Geral, anot. ao art.º 326, p. 775).

Serão de efeito instantâneo a notificação judicial avulsa em que o direito é exercido pelo respectivo titular ou este exprime a intenção de o exercer (aparentemente enquadrável no art.º 323, nº 4, do CC), e o reconhecimento do direito previsto no art.º 325 do CC.

Serão de efeito permanente, duradouro ou continuado a citação, notificação ou acto equiparado em processo pendente e o compromisso arbitral, causas interruptivas a que alude o nº 1 do art.º 327 do CC.

O efeito é permanente, duradouro ou continuado porque o novo prazo prescricional não começa a correr enquanto não passar em julgado a decisão que puser termo ao processo onde se dá o facto interruptivo.

No seu estudo sobre Prescrição extintiva e caducidade, publicado no BMJ 106, fornece Vaz Serra (págs. 248-249) a explicação para a eficácia permanente de algumas causas de interrupção: 

Eficácia permanente têm os actos interruptivos judiciais, dado que dão início a um processo, durante o qual pode admitir-se que o titular não está inactivo (…) A prescrição só recomeçará correr a partir do momento em que transite em julgado a sentença que põe termo ao processo (…). É evidente que, se a sentença julgar improcedente o pedido não há que falar em prescrição, visto que se decidiu não existir o direito. Se, pelo contrário, o julgar procedente, começa, a partir dela novo prazo prescricional.”

Estas causas interruptivas de efeito duradouro ou continuado integram-se em processos nos quais, de alguma maneira, o titular do direito visa termo à sua inércia, pela declaração do direito ou pela sua exigência ao obrigado. Por este motivo, as causas interruptivas com esse efeito, ainda que sucessivas, não podem – como é evidente – ter-se por contraditórias com o já apontado fundamento da prescrição ligado à ideia de certeza ou segurança jurídicas.

Aceita-se, no entanto, que as causas de interrupção de efeito instantâneo não possam suceder-se ou repetir-se, sob pena de com isso se prolongar ou modificar o prazo fixado pela lei para além do que seria razoável.

Todavia, sempre que a nova interrupção pertença a um processo em que o titular do direito quer exercê-lo de algum modo, seja por via de acção declarativa seja por via de uma acção executiva, processo em que a citação tem o efeito de interrupção permanente ou continuada do nº 1 do art.º 327 do CC, não há justificação para se negar a sucessão de interrupções. É que o legítimo exercício do direito pelo titular supõe necessariamente uma nova interrupção proveniente da citação do demandado. E até correrá novo prazo de prescrição a partir da decisão final transitada para desencorajar nova inércia do titular do direito, salvo se essa decisão for no sentido da não existência do direito discutido em acção declarativa (sentença de absolvição do pedido) ou implicar a sua extinção (satisfação do direito do credor em acção executiva).

Isto é: a citação do Embargante para a Execução nº 55-A/99 não era por si só, em abstracto, e no enquadramento aludido, obstáculo à intervenção de novas causas interruptivas. 

Ponto é que os factos pretensamente interruptivos do prazo da prescrição fossem subsumíveis ao conceito de causas interruptivas.


A subsunção da penhora ao conceito de causa de interrupção do nº 1 do art.º 323 do CC.

Escreveu-se no acórdão recorrido:

“(…) o facto gerador de interrupção, nos presentes autos, foi a citação, já não os atos de penhora do vencimento.

Dito isto, voltemos ao caso em apreço.

Diga-se, desde já, que ao caso em apreço se aplica o n.º 2, do art.º 327.º, do diploma citado, o que nem é posto em causa, pelo recorrido, desde logo, por a instância ter sido julgada deserta, como o mesmo refere, que preceitua “Quando, porém, se verifique a desistência ou a absolvição da instância, ou esta seja considerada deserta, ou fique sem efeito o compromisso arbitral, o novo prazo prescricional começa a correr logo após o acto interruptivo”.

Da matéria de facto provada resulta que o exequente em 15/12/98 intentou ação executiva contra o executado (AA), que correu termos no ... Juízo do Tribunal Judicial ..., com o n.º 57-A/99…, para a qual foi citado em 14/2/2000 (facto interruptivo da prescrição), em 26 de fevereiro de 2003 o Exequente foi notificado, para além do mais, impulsionar a execução sem prejuízo do disposto no artigo 51.º, n.º 2, al. b) do CCJ

e que a execução de que os presentes autos são apenso foi intentada em 22 de março de 2021 e o Executado foi citado em 05 de julho de 2021.

Ora, tendo sido a execução n.º 57-A/99…, julgada deserta, como o próprio recorrido refere, e como resulta da matéria provada (cfr. facto e)) e defendendo nós, pelas razões supra explanadas, que ao caso não se aplica interrupções sucessivas, a data da interrupção a ter em conta é a da citação, desde logo, por força do n.º 2, do art.º 327.º, do C.C. (…)”.


Contra isto se insurge o Embargado e ora recorrente clamando pelo acerto do decidido na 1ª instância no que concerne à consideração do último acto da penhora do vencimento do Embargante (de Outubro de 2002), como um acto judicial que exprimiu a intenção do Exequente de, como credor do Embargante, exercer o respectivo direito, por isso se integrando na definição e conceito de causa interruptiva do art.º 323, nº 1, do C. Civil.

Mas não tem razão.

Integrando-se num processo executivo, a penhora requerida pelo credor não é certamente uma causa interruptiva à luz do conceito de interrupção que está plasmado no nº 1 do art.º 323 do CC.

Em si mesma, a penhora (ou o seu requerimento) não é sequer um meio judicial directo ou indirecto de exprimir a intenção de exercício do direito do credor: é antes a concretização desse exercício cuja intenção já foi manifestada.

O requerimento de penhora do então Exequente e aqui Embargado – para a sua efectivação mediante descontos que foram efectuados no vencimento do Embargante no final de 2021 e durante o ano de 2002 na Execução nº 57-A/...9 – não tinha, portanto, a autonomia necessária para poder ser tomado como expressão da intenção do direito do credor/exequente.

Ao invés do que propugna o recorrente, tão pouco os actos de penhora consubstanciados nos descontos do vencimento do executado se reconduzem a actos que exprimem a intenção do exequente de exercer o seu direito.

A realização de uma penhora sobre os bens ou direitos do Executado é uma consequência da instauração da execução e da citação do executado. Concretizando-se a penhora do vencimento do Executado (como crédito do executado sobre terceiro) em múltiplos descontos, estes são actos processuais destinados à satisfação do crédito exequendo que se inserem num processo (executivo) já desencadeado pelo credor. É a citação do Executado que exprime directamente a intenção de exercício do direito pelo credor aí Exequente.


No Ac. da Rel. de Coimbra de 24.04.2012, no P. 1952/10.8T2AVR.C1 – citando-se Vaz Serra, em RLJ 103, p. 415 e 112, p.290 – é dada elucidativa notícia de várias formas que pode revestir a manifestação da intenção de exercer o direito pelo seu titular: “ O meio normal de expressão directa da intenção de exercício do direito é a propositura de acção em que se pede a condenação do devedor no pagamento da prestação ou no reconhecimento do direito ou a formulação do pedido por via reconvencional, e, como meios indirectos, têm sido indicados os de pedido de intervenção do devedor na causa, de chamamento de garantes, de reclamação de créditos em execução ou falência, de exercício da compensação no processo, de dedução de acusação em processo criminal ou de intervenção nesse processo como assistente, pois esses actos são praticados também com a intenção de exercer o respectivo direito”.

E como esclarece Vaz Serra no estudo supracitado (p. 189), nem se torna necessário “(…) para que a citação judicial interrompa a prescrição, que a acção seja uma acção de condenação (…)”.

Como foi pertinentemente relevado no acórdão recorrido, o facto que gerou a interrupção da prescrição do direito do Embargado e Exequente foi unicamente a citação do Embargante em 14 de Fevereiro de 2000 para a anterior execução que correu pelo ... Juízo da ... sob o nº 57-A/99....

Interrompida nessa data a prescrição, e por essa via inutilizado o tempo até aí decorrido, a interrupção perduraria ou prolongar-se-ia, sem o início de novo prazo de prescrição, até ao trânsito em julgado da decisão que pusesse termo ao processo (art.º 327, nº 1, do CC).

É que até passar em julgado a decisão que põe termo ao processo os efeitos da interrupção já desencadeada perduram, não podendo funcionar ou intervir outras causas de interrupção.

É o que resulta do nº 1 do art.º 327 do CC.

Ou seja, ainda que porventura a penhora do vencimento do Embargante ou os descontos subsequentemente efectuados no final de 2001 e durante o ano de 2002 tivessem o valor de causas interruptivas nos termos do nº 1 do art.º 323 do CC – e não tinham – nenhuma consequência daí adviria para a interrupção continuada em que o prazo prescricional se encontrava.

O nº 1 do art.º 327 – preceito que contem a regra do efeito permanente ou duradouro da interrupção – reporta-se inequívocamente às causas de interrupção dos art.ºs 323 (citação, notificação judicial ou acto equiparado pelo qual se exprima a intenção de exercer o direito) e 324 do CC (compromisso arbitral).

Esta regra comporta, contudo, as excepções dos nº 2 e 3 do artigo.   

Sobrevindo alguma das quatro hipóteses do nº 2 do citado artigo 327 do CC – desistência da instância, absolvição da instância, deserção da instância ou se ficar sem efeito o compromisso arbitral – o efeito continuado ou duradouro da interrupção como que é anulado, correndo o novo prazo prescricional desde o acto interruptivo.  

Sendo o desfecho do processo a deserção da instância, ele é sempre tido como imputável ao titular do direito e então o prazo prescricional começa a contar logo após o acto interruptivo. E tudo se passa então como se a causa de interrupção fosse de efeito instantâneo, correndo o prazo desde a citação se esta tiver sido o acto interruptivo nos termos do nº 1 do art.º 323.

É nesta hipótese que a situação dos autos se enquadra, uma vez que sobreveio a deserção da instância na execução em que ocorreu o facto interruptivo.

E, como se afirma no acórdão recorrido, verificando-se a deserção da instância, passa aplicar-se o nº 2 do art.º 327 do CC, contando-se o novo prazo prescricional desde o acto interruptivo.

“Ex vi” do aludido nº 2, o efeito permanente ou continuado da interrupção da prescrição deixa de funcionar com a deserção da instância (como se não tivesse existido), passando o novo prazo prescricional a ser contabilizado desde o acto interruptivo.

No caso dos autos, o (novo) prazo de prescrição do direito do credor Exequente passou a correr (e a contar-se) logo desde o acto interruptivo materializado na citação do Executado para a Execução em 14 de Fevereiro de 2000.    

No acórdão recorrido, em face o facto constante da al.ª e) dos factos provados, asseverou-se que a Execução nº 57-A/...9 – aquela onde ocorrera o acto interruptivo da citação do Executado – terminara com a deserção da instância.

Esta forma de extinção da instância executiva não é contrariada ou posta em crise pelo recorrente. Está, de resto, confirmada, pelo facto de a renovação da instância executiva requerida pelo Exequente, aqui Embargado, ter sido indeferida por despacho de 20.01.2021 proferido no âmbito da execução nº 55/21.... – que proveio da primitiva execução nº 57-A/99... do ... Juízo da ... – exactamente com o fundamento de que, por falta de impulso processual, a instância executiva ficara deserta[2] (cfr. a certidão junta ao requerimento de embargos de executado).

Está, pois, adquirido que aquela execução nº 57-A/98 terminou com a deserção da instância respectiva.

Daí decorrendo que, por virtude do disposto no nº 2 do art.º 327 do CC, o prazo de prescrição de 20 anos se tinha de contar desde o acto interruptivo que aí se produziu (ou seja, da citação do Embargante verificada em 14.02.2000).

Nesta conformidade, é apodítico que nas datas da instauração da execução a que se reportam os presentes embargos e da citação do Embargante – em 22 de Março de 2021 e 5 de Julho de 2021, respectivamente – o prazo prescricional de 20 anos se achava completado.                

Donde que o acórdão recorrido não mereça crítica e seja de manter.


IV – DECISÃO

Pelo exposto, nega-se a revista.

Custas pelo recorrente.


Lisboa, 21 de Junho de 2022


Freitas Neto (Relator)

Aguiar Pereira

Maria Clara Sottomayor

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[1] Salientou-se neste aresto que o elemento teleológico aponta claramente “no sentido de que a interrupção da prescrição só pode ocorrer uma vez.” E que “Tal conclusão não é repudiada pela letra da lei e podemos mesmo dizer que nela tem algum apoio, uma vez que a interrupção a que a lei se refere parece ser inequivocamente a interrupção do prazo inicial e não a interrupção do novo prazo de prescrição (vide artigos 323.º a 327.º do CC) (…)”.
Mas a letra dos preceitos não exclui nova interrupção do novo prazo de prescrição.
[2] Nos termos do nº 1 do art.º 291 do CPC, na redacção ao tempo aplicável, considerava-se deserta a instância, independentemente de qualquer decisão judicial, quando estivesse interrompida durante dois anos.