Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
824/24.3T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 4ª SECÇÃO
Relator: DOMINGOS JOSÉ DE MORAIS
Descritores: CONTRATO DE TRABALHO
RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR
FACTOS CONCLUSIVOS
Data do Acordão: 11/12/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: REVOGADO O ACÓRDÃO, ENVIANDO-SE À RELAÇÃO
Sumário :
I. - Distinguindo o legislador os termos do conteúdo da comunicação escrita da resolução do contrato de trabalho - indicação sucinta dos factos que a justificam - e do conteúdo da nota de culpa de despedimento - a descrição circunstanciada dos factos – não pode, não deve, o interprete igualar.

II. - A possibilidade de no decurso do processo (observados os limites marcados pelo objecto do litígio), se proceder à concretização de expressões conclusivas/genéricas (ou, noutra formulação, de factos jurídicos) e, em geral, ao suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada, consubstancia um princípio geral de direito processual, com afloramentos, designadamente, nos artigos 5.º, n.º 2, a) e b); 590.º, n.º 2, b), e 4 a 7, e 602.º, n.º 1, in fine, do CPC.

III. - Neste contexto processual, e tendo em conta os imperativos de unidade e coerência do sistema jurídico, afigura-se-nos que nada obsta a que a “indicação sucinta dos factos” que deve integrar a comunicação escrita dirigida pelo trabalhador ao empregador, para efeitos de resolução do contrato de trabalho (artigo 395.º, n.º 1, do CT), inclua – para além de factos estritamente materiais – expressões desprovidas de adequada densificação, embora suscetíveis de concretização no decurso do processo, maxime, na petição inicial, incluindo o seu aperfeiçoamento.

IV. - No tocante ao processo laboral, o artigo 72.º, n.ºs 1 e 2, do CPT, prevê ainda um mecanismo tendente a tomar em consideração na sentença factos essenciais tidos por relevantes para a boa decisão da causa que, embora não articulados, surjam no decurso da produção da prova.

Decisão Texto Integral:
Processo n.º 824/24.3T8FAR.E1.S1

Recurso de revista


I.Relatório

1. - AA intentou acção declarativa comum, contra

Portway - Handling de Portugal, S.A., peticionando: “a Ré condenada a pagar ao Autor a quantia de 66.623,10€ acrescida de juros até efetivo e integral pagamento, declarando-se verificada e lícita a justa causa invocada pelo Autor, aquando da resolução contratual.”.

2. - A Ré contestou, concluindo:

1. Deverá ser declarada a caducidade do direito do autor em resolver o seu contrato de trabalho com justa causa ao abrigo do disposto no artigo 395.º, n.º 1, do Código do Trabalho;

2. caso assim não se entenda, o que apenas por mero dever de patrocínio se equaciona, deve:

a) a presente ação ser julgada totalmente improcedente e não provada, devendo a ré ser absolvida de todos os pedidos do autor, com todas as consequências legais daí decorrentes.”.

3. - No despacho saneador/sentença foi decidido:

“(J)ulgar totalmente improcedente a presente acção e, em consequência, absolve-se a R. Portway - Handling de Portugal, S.A. de tudo o peticionado.”.

4. - O Autor apelou e o Tribunal da Relação acordou:

“(A)cordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora em julgar o recurso improcedente e, em consequência, confirma-se a decisão recorrida.”.

5. - O Autor interpôs recurso de revista excepcional, concluindo, em síntese:

(…).

5. O tribunal “a quo” decidiu que ao despacho saneador que conhece imediatamente do mérito da causa não se aplica o artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, mas, antes, o artigo 595.º, n.º 1, alínea b), do mesmo compêndio legal.

6. E que no saneador-sentença o tribunal de 1.ª instância elencou os factos assentes relevantes e explicou as razões por que os considerou provados, cumpriu o dever de justificação da decisão da matéria de facto exigido pelo artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa.

7. Salvo o devido respeito que é muito andou mal o tribunal “a quo”, pois não se pode fazer tábua rasa das omissões de pronúncia constantes da sentença proferida em 1.ª instância.

8. Da sentença proferida em 1.ª instância constam dos factos dados como provados os factos A) a L), porém não há qualquer referência aos factos dados como não provados.

9. Desconhecendo-se em bom rigor qual a seleção da matéria de facto realizada pelo tribunal “a quo” e o motivo pelo qual os restantes factos alegados pelas partes não constam nem dos factos dados como provados, nem dos factos dados como não provados.

10. Pelo que se conclui que estamos perante uma omissão de pronúncia, o que consubstancia uma causa de nulidade da sentença proferida em 1.ª instância e a mesma deverá ser revogada por omissão de pronúncia, nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

11. Deste modo, com a omissão das formalidades referidas, previstas no artigo 607.º, n.º 4, do CPC, cometeu-se uma nulidade processual prevista no artigo 195.º, n.1, do CPC.

12. Termos em que deverá o acórdão recorrido ser revogado nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

13. No que respeita à não realização da audiência de discussão e julgamento o ora Recorrente não se conforma com o decidido desde logo porquanto somos do entendimento que os presentes autos não permitem sem mais que seja proferido despacho saneador-sentença.

(…).

16. O acórdão recorrido na esteira da decisão proferida em 1.ª instância viola assim o disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 595.º do Código de Processo Civil no sentido de que o tribunal “a quo” não poderia ter proferido decisão de mérito in casu sem a produção de prova nos termos requeridos.

17. Termos em que e face ao supra exposto deverá o acórdão recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser ordenada a produção de prova.

18. Caso assim não se entenda e sem prescindir, somos do entendimento que o tribunal “a quo” andou mal ao extrair da carta remetida pelo trabalhador que não foram indicados devidamente os factos que fundamentam a resolução.

19. Motivos esses que foram devidamente comunicados à Ré em obediência ao preceituado no artigo 395.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho.

(…).

22. No que respeita à alegada caducidade do direito do Autor ora Recorrente em resolver o seu contrato de trabalho com justa causa a mesma não se verifica, pois pese embora os factos se tenham perpetuado no tempo, a verdade é que desde aquele que o Autor ora Recorrente considerou o derradeiro facto que justifica a justa causa não decorreram mais de 30 dias.

(…).

24. Termos em que e por violação do disposto no artigo 395.º, n.º 1 do Código de Processo de Trabalho deverá o acórdão recorrido ser revogado e consequentemente deverá ser ordenada a realização da audiência de discussão e julgamento.

6. - Por Acórdão da Formação, de 18 de junho de 2025, foi admitida a revista, por considerado verificado o requisito do artigo 672.º, n.º 1, alínea a) do C.P.C., quanto:

A questão de saber se, ao despacho saneador que conhece do mérito da causa, se aplica o art. 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil”;

A questão de saber se os factos descritos na comunicação de resolução do contrato de trabalho se encontram suficientemente concretizados, para efeitos do disposto no art. 395º, nº 1, do Código do Trabalho.”

7. - O Ministério Público emitiu parecer no sentido de que “o presente recurso de revista deverá ser considerado procedente, devendo os autos baixar ao Tribunal da Relação.”.

8. - Cumprido o disposto no artigo 657.º, n.º 2, ex vi do artigo 679.º, ambos do CPC, cumpre apreciar e decidir.

II. - Fundamentação de facto

1. - Com relevância para a decisão, há a considerar os seguintes factos:

A) O Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da Ré no dia 01 de Outubro de 2000 e sempre exerceu a categoria profissional de operador de assistência em escala, desempenhando as operações de: a) carregamento e descarregamento de aeronaves e de contentores de transporte; b) Movimentação e controlo de bagagens e volumes; c) Transporte de pessoas incapacitadas; d) Condução e operação de veículos e equipamentos de assistência a aeronaves; e) Reboque de aeronaves com recurso a equipamento trator; f) Condução de veículos de transporte dentro do perímetro do aeroporto; g) Execução e desmontagem de paletas de carga; h) Utilização de equipamentos ou instrumentos auxiliares de apoio ao exercido das suas funções; i) Organização, encaminhamento e preparação de documentação de apoio às atividades desenvolvidas nas plataformas; j) Carregamento e descarregamento das aeronaves; k) Formação técnica dos TAE’ S e OAE’S nas fases iniciais da carreira; l) Coordenação das atividades exercidas pelas áreas operacionais, tendo em vista a rentabilização dos meios humanos e materiais disponíveis;

(…)

D) No dia 08 de Abril de 2016 o Autor foi vítima de um acidente de trabalho, quando se encontrava ao serviço da entidade empregadora (…);

(…)

H) No dia 21.07.2018 pelas 11h30 o Autor voltou a ser vítima de novo acidente de trabalho (…);

I) O A. esteve de baixa médica com incapacidade para o trabalho entre 03 de março de 2022 e 03 de abril de 2022, entre 21 de abril de 2022 e 28 de dezembro de 2022;

J) Em 25-01-2023 foi sujeito a exame de saúde e resulta da ficha de aptidão para o trabalho que se encontrava inapto temporariamente;

K) No dia 05-01-2024 o Autor enviou à Ré carta regista com aviso de receção com o seguinte teor:

“(…) ..., 05 de Janeiro de 2024.

Assunto: Resolução do Contrato com Justa Causa.

Exmos Senhores,

Venho Comunicar a imediata resolução, com justa causa do contrato de trabalho celebrado no dia 15 de Outubro de 2000, nos termos do artigo 394º., nº. 1 e nº. 2, alíneas d) e e) do Código de Trabalho. Por motivo de acidente de trabalho quedei-me com uma incapacidade parcial permanente e deixei de estar apto para as funções que desempenhava, após a baixa a entidade patronal não acautelou a minha reintegração tendo em conta a minha incapacidade e fui colocado a carregar malas que agravaram ainda mais os problemas. Logo após um dia de trabalho senti-me automaticamente incapacitado para realizar as tarefas a mim adstritas e fui mandado para casa de baixa, recebendo um valor inferior ao que teria direito a receber, encontrando-me apto para realizar várias tarefas que são desempenhadas por outros trabalhadores da empresa. Durante vários anos tenho sido impedido de realizar várias tarefas laborais por vontade exclusiva da entidade patronal. Determinando a entidade patronal que seja sujeito a várias baixas sistemáticas pelo mesmo motivo, não procurando tendo em conta a minha capacidade produtiva para o desempenho de várias tarefas nomeadamente de organização dos próprios trabalhos realizados pela empresa, preferindo trabalhadores precários mais jovens, tendo a empresa promovido o despedimento de vários colegas e optando no que a mim concerne em empurrar uma pessoa que se julga ainda produtiva para uma situação de inércia profissional e pessoal impossibilitando o desenvolvimento do trabalhador impossibilitando a obtenção de diuturnidades, consolidação e aumento da carreira e consequência de aumento da retribuição. A colocação sistemática do trabalhador em baixa médica além de esforçar os cofres da Segurança Social do qual deveria ser tratado conforme dispõe a lei oi seja reintegração do trabalhador na tarefa adequada à sua situação. O trabalhador como eu vendo a sua força de trabalho em prol das satisfações das necessidades estatais, essa venda num estado social não pode ser desprovido de regras de funcionamento sociais e adequadas ao trabalhador enquanto pessoa. Vossas ex. enquanto entidade patronal violaram grosseiramente as normas jurídicas pelo que deverão ser responsabilizados nos termos do artigo nº. 58 da Constituição da República pelo despedimento justa causa que ocorre em virtude de a não colocação do trabalhador na tarefa adequada e vem assim por quanto não assegura a realização efetiva do trabalho o que determina sequelas graves ao trabalhador considerando-se o mesmo com uma idade que ainda permite trabalhar e vê-se confrontado com a inércia da qual também é ilegitimamente provocada pela entidade patronal. Fica vossa excelência para providenciar pelo envio, no prazo de cinco dias úteis, da Declarações Modelo 5044 da Segurança Social e do certificado de Trabalho, sem prejuízo do pagamento dos créditos emergentes da cessação do contrato, acrescida da indemnização de antiguidade, nos termos do nº. 1 do artigo 396º. do Código do Trabalho. (…)”.

L) Por missiva datada de 08.02.2024, a Ré não aceitou a resolução do contrato com justa causa e enviou a declaração de situação de desemprego na qual assinalou como motivos de cessação do contrato de trabalho – Denúncia do contrato de trabalho/demissão.

III. – Fundamentação de direito –

1. - Nulidade da sentença

1.1. - O Autor arguiu uma nulidade processual, prevista no artigo 195.º, n.º 1, do CPC, por a omissão das formalidades previstas no artigo 607.º, n.º 4, do mesmo diploma, pelo que o acórdão recorrido deverá ser revogado nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d) do Código de Processo Civil.

1.2. - No despacho saneador/sentença consta:

2- CONHECIMENTO DE MÉRITO:

Atendendo ao estado em que o processo se encontra e ao facto da questão a decidir ser apenas de natureza jurídica, afigura-se-me possível, desde já e sem necessidade de mais prova, proceder à apreciação do mérito da causa, em conformidade com o permitido pelo disposto na alínea b) do nº 1 do artigo 595º do Código de Processo Civil.”.

1.3 - No Acórdão do Tribunal da Relação foi consignado:

O recorrente arguiu a nulidade da decisão recorrida, ao abrigo do artigo 615.º, n.º 1, alíneas c) e d), do Código de Processo Civil.

Para tanto, referiu que na seleção da matéria de facto realizada pelo tribunal a quo não há qualquer referência aos factos dados como não provados, nem se menciona o motivo pelo qual os restantes factos alegados pelas partes não foram tidos em consideração nos factos dados por provados, nem constam como factos não provados.

Acrescentou, ainda, que, por violação do disposto no artigo 607.º, n.º 4, do mesmo compêndio legal, foi cometida uma nulidade processual, nos termos previstos pelo artigo 195.º, n.º 1 do referido Código.

(…).

As nulidades processuais resultam de atos ou omissões que foram praticados antes de ser proferida a sentença e que implicaram um desvio da tramitação prevista pela lei, podendo traduzir-se na prática de um ato proibido, na omissão de um ato prescrito na lei ou na realização de um ato que a lei prevê, mas sem o cumprimento do formalismo exigido.

Já as nulidades da sentença derivam de atos ou omissões que o juiz pratica na sentença.

No caso que nos ocupa, é manifesto que o recorrente quando referiu que a decisão recorrida incumpriu as formalidades previstas no artigo 607.º, n.º 4, do Código de Processo Civil, está a reportar-se ao saneador-sentença prolatado.

Assim sendo, não está a invocar, em sentido próprio, uma nulidade processual.

Toda a sua argumentação se insere, pois, no âmbito da arguida nulidade da sentença e assim será apreciada.

(…).

No que respeita à situação inserida na alínea d), (artigo 615.º do CPC) a mesma assenta, se bem compreendemos, na omissão de pronúncia sobre os restantes factos alegados pelas partes (seja como provados ou como não provados) e na falta de apresentação das razões que determinaram a decisão de facto, com a especificação dos concretos meios probatórios decisivos para a formação da convicção.

São precisamente as apontadas omissões que, no entender do recorrente, violam o disposto no artigo 607.º, n.º 4 do Código de Processo Civil.

Porém, adianta-se, não lhe assiste razão.

Desde logo, porque este último preceito legal não se aplica ao saneador sentença.

No acórdão desta Secção de 27-06-2024, relatado pela mesma Relatora, relativo ao processo n.º 7639/22.1T8STB.E1, escreveu-se:

«Eis o que estipula o mencionado artigo 607.º:

(transcrição do artigo 607.º).

Depreende-se da norma citada que a mesma visa regular a peça processual “sentença”, que sucede à realização da audiência final.

Por tal motivo, tem-se defendido que este artigo não se aplica ao despacho saneador que conheça do mérito da causa, aplicando-se-lhe, antes, o artigo 595.º n.º 1, alínea b) do mesmo compêndio legal.»

Não vislumbramos qualquer razão válida para alterar a posição anteriormente assumida, pelo que a mantemos.”.

[No mesmo sentido, cfr. os acórdãos do TRL de 03.12.2020, proc. n.º 4711/18.6T8LRS-A.L1-2, e de 26.09.2024, proc. n.º 5294/21.5T8FNC.L1], in www.dgsi.pt.]

1.4. - O artigo 607.º - sentença -, n.º 4 do Código de Processo Civil (CPC), prescreve:

4 - Na fundamentação da sentença, o juiz declara quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, analisando criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção; o juiz toma ainda em consideração os factos que estão admitidos por acordo, provados por documentos ou por confissão reduzida a escrito, compatibilizando toda a matéria de facto adquirida e extraindo dos factos apurados as presunções impostas pela lei ou por regras de experiência.”.

Por sua vez, o artigo 595.º - Despacho saneador –, n.º 1, alínea b), do CPC, dispõe:

1 - O despacho saneador destina-se a:

(…);

b) Conhecer imediatamente do mérito da causa, sempre que o estado do processo permitir, sem necessidade de mais provas, a apreciação, total ou parcial, do ou dos pedidos deduzidos ou de alguma exceção perentória.

2 - O despacho saneador é logo ditado para a ata; quando, porém, a complexidade das questões a resolver o exija, o juiz pode excecionalmente proferi-lo por escrito, suspendendo-se a audiência prévia e fixando-se logo data para a sua continuação, se for caso disso.”.

Tais normativos regulam realidades jurídico-processuais diferentes.

O artigo 607.º regula a elaboração da sentença, concluída a produção da prova na audiência de julgamento, devendo o juiz declarar quais os factos que julga provados e quais os que julga não provados, depois de analisar criticamente as provas, indicando as ilações tiradas dos factos instrumentais e especificando os demais fundamentos que foram decisivos para a sua convicção.

O artigo 595.º, n.º 1, alínea b), prevê a possibilidade de o juiz conhecer imediatamente do mérito da causa, aquando da elaboração do despacho saneador, sempre que o estado do processo o permitir, sem necessidade de mais provas, isto é, quando a questão jurídica a decidir não necessita de mais prova do que aquela plenamente acordada pelas partes.

Como escreveu o Sr. Procurador Geral Adjunto no seu Parecer, “Admite-se, assim, como natural e razoável que a exigência dessa fundamentação no saneador-sentença possa ser, naturalmente, mais leve, nomeadamente dispensando a descrição dos factos não provados – que, obviamente, não interessam para aquela decisão –, mas que sempre resultam por contraponto aos que foram dados como provados.”.

Decorre do artigo 61.º, n.º 2, do Código de Processo do Trabalho, que “Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir, pode o juiz, (…) decidir do mérito da causa.”. (negrito nosso)

De notar, que os factos dados como provados foram objecto de Motivação na 1.ª instância.

Nesta parte, o acórdão recorrido não merece, pois, qualquer censura.

2. - Da fundamentação da carta de resolução do contrato de trabalho.

2.1. - Na sentença da 1.ª instância pode ler-se:

No caso concreto, tratando-se de declaração negocial conducente a fazer cessar o vínculo laboral, tendo ela um destinatário, apenas será eficaz quando é conhecida ou chega ao poder desse destinatário.

(…).

Volvendo ao caso vertente, verificamos que, não obstante aludir à sua incapacidade parcial permanente e ao facto de ter deixado de estar apto para as funções que desempenhava e ao facto de após a baixa a entidade patronal não ter acautelado a sua reintegração tendo sido colocado a carregar malas que agravaram ainda mais os problemas, não concretiza o momento ou data em que tal ocorreu.

O Autor deveria ter localizado no tempo os ditos comportamentos que imputa à Ré, o que não faz. Desconhece-se quando foi colocado pela R. a carregar as malas, em que circunstâncias e o que lhe foi determinado e por quem.

Muito menos alega qualquer facto susceptível de assacar à R. um juízo de culpabilidade.

Pese embora invoque falta culposa das condições de segurança e saúde no trabalho, não imputou qualquer facto concreto que permita alcançar tal conclusão.

Tudo o mais referido pelo A. na sua carta de resolução é vago e genérico, com recurso a conceitos e conclusões jurídicas, ou seja, constitui uma invocação vaga e genérica do comportamento ilícito do empregador.

Donde, considerarmos que fica em causa a aferição da caducidade da resolução e, ainda que viesse a provar-se, sempre com o devido respeito, seria manifestamente insuficiente para justificar a invocada resolução.”.

2.2. - E no acórdão do Tribunal da Relação foi consignado:

Retornando ao caso dos autos, atento o teor da carta de resolução não é possível descortinar quando e em que circunstâncias ocorreu a imputada falta culposa das condições de segurança e saúde no trabalho e qual a temporalidade da invocada lesão culposa dos interesses patrimoniais sérios do trabalhador.

O trabalhador limitou-se a utilizar expressões genéricas, vagas e conclusivas relativamente ao comportamento do empregador.

Por conseguinte, o trabalhador ao não cumprir a exigência da indicação sucinta dos factos que fundamentam a justa causa invocada, incumpriu uma condição essencial da licitude da resolução.

Bem andou, pois, o tribunal a quo ao decidir pela improcedência do pedido no que respeita à visada declaração da licitude da resolução contratual e dos pedidos relativos aos créditos laborais que emergiam, todos eles, dessa resolução e da sua fundamentação.”.

2.3. - O artigo 394.º - Justa causa de resolução – n.º 1 e 4, do Código do Trabalho de 2009 (CT/2009), prescreve:

1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.

(…).

4 - A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações.”.

O artigo 351.º - Noção de justa causa de despedimento -, n.º 3, estabelece:

3 - Na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes.”.

E o artigo 395.º - Procedimento para resolução de contrato pelo trabalhador – n.º 1 do CT/2009, estatui:

1 - O trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos.

(…).”

Por sua vez, o artigo 398.º - Impugnação da resolução –, n.º 4, do mesmo diploma, determina:

4 - No caso de a resolução ter sido impugnada com base em ilicitude do procedimento previsto no n.º 1 do artigo 395.º, o trabalhador pode corrigir o vício até ao termo do prazo para contestar, mas só pode utilizar esta faculdade uma vez.”.

2.4. - O artigo 353.º - Nota de culpa – do mesmo diploma determina:

1 - No caso em que se verifique algum comportamento susceptível de constituir justa causa de despedimento, o empregador comunica, por escrito, ao trabalhador que o tenha praticado a intenção de proceder ao seu despedimento, juntando nota de culpa com a descrição circunstanciada dos factos que lhe são imputados.”. (negritos e sublinhados nossos).

2.5. - Dos normativos citados, uma conclusão se impõe: distinguindo o legislador os termos do conteúdo da comunicação escrita da resolução do contrato - indicação sucinta dos factos que a justificam - e do conteúdo da nota de culpa de despedimento - a descrição circunstanciada dos factos – não pode, não deve, o interprete igualar.

[cfr. artigo 9.º - Interpretação da Lei - do Código Civil].

2.6. - Neste sentido, pode ler-se no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 11.12.2024, proc. n.º 1794/23.0T8MTS-A.P1.S1, Conselheiro Mário Belo Morgado (Relator), in www.dgsi.pt:

A possibilidade de no decurso do processo (observados os limites marcados pelo objeto do litígio) se proceder à concretização de expressões conclusivas/genéricas (ou factos jurídicos, no dizer do processualista antes citado) e, em geral, ao “suprimento das insuficiências ou imprecisões na exposição ou concretização da matéria de facto alegada” – cfr. art. 590º, nº 4, do CPC - consubstancia, na nossa ordem jurídica, um princípio geral de direito processual, com afloramentos, designadamente, nos arts. 5º, nº 2, a) e b), 590º, nº 2, b), e 4 a 7, e 602º, nº 1, in fine, do CPC, e, quanto ao processo penal, no art. 358º, do CPP, que prevê e regula a alteração não substancial dos factos descritos na acusação e na pronúncia, entendidos os factos aí imputados no seu conjunto, enquanto “pedaço da vida”, “acontecimento da vida”, “acontecimento histórico” ou “facto histórico” - Cfr. Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos no Processo Penal Português, Almedina, 1992, pp. 79 – 84 - (será o caso, por exemplo, da alteração do condicionalismo de tempo ou lugar constante da acusação ou pronúncia).

Acresce, no tocante ao processo laboral, que o art. 72º, nºs 1 e 2, do CPT, prevê um mecanismo tendente a tomar em consideração na sentença factos essenciais tidos por relevantes para a boa decisão da causa que, embora não articulados, surjam no decurso da produção da prova.

Neste contexto, e tendo em conta os imperativos de unidade e coerência do sistema jurídico, afigura-se-nos que nada obsta a que a “indicação sucinta dos factos” que deve integrar a comunicação escrita dirigida pelo trabalhador ao empregador, para efeitos de resolução do contrato de trabalho (art. 395º, nº 1, do CT), inclua – para além de factos estritamente materiais – expressões desprovidas de adequada densificação, embora suscetíveis de concretização no decurso do processo, maxime, na petição inicial.

Neste sentido aponta ainda, muito significativamente, o disposto no art. 398º, nº 4, do mesmo diploma, segundo o qual, “[n]o caso de a resolução ter sido impugnada com base em ilicitude do procedimento previsto no n.º 1 do artigo 395.º, o trabalhador pode corrigir o vício até ao termo do prazo para contestar” (embora só possa utilizar esta faculdade uma vez).

Nesta perspetiva, impõe-se conexamente concluir que o nº 3 do mesmo art. 398º, ao dispor que “[n]a ação em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395.º”, não obsta a que no processo (mormente na petição inicial) sejam usados factos instrumentais, complementares e concretizadores das fórmulas constantes daquela comunicação.

Para além de dogmaticamente adequada, esta solução figura-se como a mais consentânea com os imperativos de justiça material que em primeira linha devem estar presentes na aplicação do direito, mormente quando estão em causa situações em que a efetividade da tutela judicial se revela particularmente premente.”.

E mais recentemente, no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de maio de 2025, proc. n.º 3884/23.0T8VLS.C1.S1, Conselheiro Júlio Gomes (Relator), in www.dgsi.pt, foi consignado:

O artigo 395.º n.º 1 do Código do Trabalho exige que o trabalhador resolva o contrato por escrito “com indicação sucinta dos factos” (o sublinhado é nosso) que justificam a resolução, sendo que, de acordo com o n.º 3 do artigo 398.º do mesmo Código “[n]a ação em que for apreciada a ilicitude da resolução, apenas são atendíveis os para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º 1 do artigo 395.º”. Antes de mais sublinhe-se que este regime não é, ou não é inteiramente, simétrico em relação ao procedimento a adotar pelo empregador para proceder a um despedimento disciplinar em que a lei exige que na nota de culpa se faça uma descrição circunstanciada dos factos imputados ao trabalhador (n.º 1 do artigo 353.º do Código do Trabalho), sendo que na decisão não poderão ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem da defesa do trabalhador, salvo se atenuarem a responsabilidade.

Escrita por um leigo, num momento em que não tem frequentemente (e não é legalmente obrigado a ter) qualquer apoio jurídico, o sentido da carta é, de acordo com a própria impressão do destinatário, o de uma resolução do contrato com justa causa, (…), é bem diversa a situação da nota de culpa uma vez que esta deve conter uma descrição circunstanciada dos factos de que o trabalhador é acusado, até porque o trabalhador no processo disciplinar tem uma faculdade (que não é um dever) de se defender e só poderá fazê-lo perante uma acusação circunstanciada e não genérica.”.

3. - Assim, nesta parte, o recurso de revista procede.

IV. - Decisão

Atento o exposto, acorda-se, concedendo a revista, em revogar o acórdão recorrido, remetendo-se o processo ao Tribunal da Relação para nos termos tidos por adequados, prosseguir ou determinar a sua subsequente tramitação.

Custas a cargo da Ré.

Lisboa,12 de novembro de 2025

Domingos José de Morais (Relator)

José Eduardo Sapateiro

Mario Belo Morgado