Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
333/14.9TELSB-A.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: MANUEL AUGUSTO DE MATOS
Descritores: RECURSO PENAL
CONFLITO DE COMPETÊNCIA
ARGUIDO
FORO ESPECIAL
JULGAMENTO
TRIBUNAL DA RELAÇÃO
JUIZ NATURAL
DESAFORAMENTO
Data do Acordão: 11/11/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: JULGADO O RECURSO IMPROCEDENTE E DECLARADA A COMPETÊNCIA DO JUIZO CENTRAL CRIMINAL DE LISBOA - JUIZ ...
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - A competência em matéria penal, tal como está definida e estabelecida nas leis de processo e de organização dos tribunais, delimita a medida da jurisdição em matéria penal dos diversos tribunais, isto é, de cada um dos tribunais. A delimitação é estabelecida na lei de organização em função de critérios objectivos e prefixados, tanto segundo normas de distribuição territorial - competência em razão de território, como, dentro desta, por conformação organizatória dos tribunais em tribunais de competência territorial alargada e tribunais de comarca (23 comarcas) - artigo 33º da LOS].

II - As regras sobre a competência em matéria penal têm uma finalidade essencial que preside e tem de conformar a organização: permitir determinar ex ante o tribunal que há-de decidir uma causa penal, respeitando o princípio do juiz natural, com dimensão constitucional na formulação do artigo 32º, nº 9, da Constituição, evitando-se o risco de manipulação da competência, e especialmente que a acusação possa escolher o tribunal que lhe parecer mais favorável.

III - A competência material de cada tribunal em questões penais está regulada no CPP, e subsidiariamente nas leis de organização judiciária, e determina-se em razão da natureza das causas e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e, ao mesmo tempo, de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial.

IV - Existirão, nesta sequência, três critérios para determinar tal atribuição: o objectivo, o funcional e o territorial, sendo que a conjugação dos mesmos dá lugar a outros tantos tipos de competência. Importa, assim, precisar que a distinção de critérios para a delimitação da competência do tribunal abrange a competência em razão da fase do processo (competência funcional); b. A competência em razão da espécie ou gravidade do crime, ou então da qualidade do arguido (competência material); c. A competência em razão do lugar (competência territorial).

V - A competência material pode estar ordenada e delimitada no que respeita ao desenvolvimento do processo dentro de cada instância, mediante competências diversas conforme as fases da promoção e desenvolvimento processual: é o que se designa por competência funcional. No processo penal, designadamente, as diversas fases do processo (ou os actos normativamente delimitados) estão referidas a competências funcionais diversificadas: o inquérito; a instrução; o julgamento, estas sem possibilidade de cumulação funcional do juiz (artigo 40º do CPP).»

VI - No caso sub judice, o recorrente já foi julgado no foro comum porquanto à data do início da fase do julgamento não detinha a qualidade de magistrado pelo que não «beneficiou» do foro especial previsto no citado artigo 92.º do Estatuto do Ministério Público.

VII - A competência material e funcional do juízo da 1.ª instância fixou-se então definitivamente, ou seja, sem possibilidade de ser alterada sob pena de violação do princípio do juiz legal ou natural.

VIII -– A determinação normativa vertida no artigo 92.º do Estatuto do Ministério Público e na disposição homóloga do Estatuto dos Magistrados Judiciais, abrange a fase do inquérito, de instrução e de julgamento dos processos penais o que, aliás, no que respeita à fase do julgamento, é coerente com a competência das relações enunciada no artigo 12.º, n.º 3, alínea a), do CPP: julgar processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos» (sublinhado agora).

IX - Embora o julgamento do recorrente já tenha sido realizado, o processo mantém-se em fase de julgamento pelo que a competência material e funcional para praticar os actos do processo nessa fase está, em definitivo, atribuída ao juiz do julgamento enquanto se mantiver nesse estádio.

X - Não obstante a mudança da situação funcional do recorrente na sequência de deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, a verdade é que nestes autos, tal alteração não poderá ter as consequências que o arguido veio invocar, no que respeita à competência (já fixada) do Tribunal de 1ª instância.

XI - Para uma causa não há dois ou mais Tribunais competentes, mas apenas um – o que for determinado no momento processualmente relevante, tribunal que irá então manter-se competente até terminar a causa. Não pode ver a sua competência fugir-lhe em razão de o arguido vir invocar uma determinada qualidade que, depois de estabelecida a tal competência, adquiriu ou readquiriu.

XII - A comprovada cessação da licença sem vencimento do arguido decidida pelo C.S.M.P. não possui a virtualidade de alterar essa mesma competência, já anteriormente fixada, nomeadamente para efeitos da tramitação dos autos, em momento posterior ao do julgamento (na fase dos recursos).

XIII - Deverá pois esse Tribunal de 1ª instância pronunciar-se sobre todos os requerimentos do arguido que dêem entrada no processo enquanto o mesmo se encontrar nessa fase de recurso (enquanto o mesmo não subir ao Tribunal superior competente para apreciação dos recursos, depois de devidamente instruídos estes).

XIV - Neste entendimento, considera-se que a competência para a tramitação dos autos até à distribuição no Tribunal da Relação de Lisboa pertence e permanece no tribunal do julgamento – o Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz -, improcedendo, assim, o recurso interposto.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:



I - RELATÓRIO


No Tribunal da Relação de Lisboa, foi proferida pela Exma Desembargadora Relatora, em 28 de Novembro de 2019, no processo n° 333/ 14.9TELSB do Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz …, a decisão que se transcreve:

«1 - Nos presentes autos, na sequência de requerimento entrado em juízo da parte do arguido AA (fls 14310 e 14310-A), e não obstante oposição deduzida pelo M.P à pretensão do arguido (cfr se pode ler a fls 14355 onde o M.P veio defender que a competência para tramitar o processo, continuava a ser do Tribunal da 1ª instância, argumentando nomeadamente que o arguido AA já havia sido julgado) o Sr. Juiz do Juízo Central Criminal de … - Juiz …, decidiu por meio de despacho lavrado nos autos em 9.5.2019 (fls 14366 a 14368) que o Tribunal de 1ª instância deixava de ser competente para tramitar os presentes autos, sendo competente para esse efeito o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art° 12°/3 al a) do C.P.P.

Fundamentou-se para tanto no facto de a licença sem vencimento de longa duração de que beneficiava aquele arguido desde …-…-2012 ter cessado por Acórdão da Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Público de …-...-2019, já transitado em julgado, com efeitos a partir de …-...-2019 considerando-se aquele magistrado na situação de disponibilidade a partir de …-…-2019 (nos termos do disposto no art° 161°/1/c) do Estatuto do Ministério Público e com os efeitos do n° 2 do mesmo preceito) e ainda na argumentação que subscreveu, constante do Acórdão do S.T.J de 7.5.2003 publicado em www.dgsi.pt, relatado pelo Sr. Conselheiro Silva Gaspar no processo n° 03P1208, onde se salientam as razões que estão por detrás da competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição, como “foro especial" no sentido de que constitui uma garantia não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função, concluindo assim que na nova situação em que se encontra (após cessação da sua licença de longa duração sem vencimento) o arguido AA tem direito a um foro especial, deixando de ser competente o Tribunal de 1 ª instância para tramitar os presentes autos, sendo competente para o efeito o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art° 12°/3 a) do C.P.P, sendo também este Tribunal de 2.ª instância o competente para a tramitação do processo dos outros arguidos que se encontram em conexão nos presentes autos de acordo com o art° 27° do C.P.P.


2 - Esse despacho transitou em julgado e por despacho proferido em 18.6.2019 foi ordenada a remessa dos autos ao Tribunal da Relação de Lisboa.


3 - A Digna Procuradora Geral Adjunta teve vista dos autos e emitiu parecer (fls 14549 a 14559) pronunciando-se no sentido de que o Tribunal da Relação de Lisboa é incompetente para o caso destes autos devendo declarar-se como tal e subsequentemente a questão ser decidida por via da resolução do conflito negativo de competência.


4 - Cumpre agora apreciar e decidir.

Quid Juris?

Na sequência do requerimento apresentado pelo arguido AA de fls 14310, o Tribunal da Relação de Lisboa passou a ser competente para tramitar os presentes autos, nos termos do art° 12° /3 al a) do C.P.P.?


Em 9.5.2018 foi proferido na 1.ª instância o despacho ora controvertido que a seguir se transcreve:

"Fls. 14310 a 14311

Importa ter em atenção, que no âmbito destes autos já o arguido AA havia interposto recurso de decisão que lhe foi desfavorável, no sentido de não lhe reconhecer o direito da atribuição de foro especial, tendo essa decisão sido confirmada por acórdão proferido pelo tribunal da Relação de Lisboa, mantendo a competência processual para a tramitação dos autos na 1ª instância criminal.

Efectivamente, sobre a competência do TRL o arguido AA, entendia que os factos imputados compreendiam o período temporal em que exercia as funções de magistrado … . Sendo magistrado, não só o inquérito haveria de ter sido dirigido por magistrado de categoria superior à de Procurador da República, como os actos jurisdicionais o haveriam de ter sido por um juiz desembargador, conforme artigos 12°, n°s. 3, al. a) e 6 e 265°, n° 1, do C.P.P., 91° e 92° do Estatuto do Ministério Púbico.

Como referido, esta questão, contudo, foi objecto de apreciação pelo Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu (cfr. fls. 2899 a 2942 do 10 Volume dos autos principais), "...sendo a função que aqui se tutela e não o agente que a exerce, é a situação profissional existente à data em que contra o mesmo agente começa a correr um inquérito que vai determinar as regras de competência do tribunal e a aplicação, ou não, do preceituado no atrás citado artigo 91°.".

Diga-se, também, que esta questão foi apreciada no quadro do gozo de licença sem vencimento de longa duração, em que o arguido AA se encontrava.


Agora, suscita novamente a questão, e invoca a aplicação das regras de foro especial, tendo em consideração que foi declarada cessada a referida licença sem vencimento de longa duração, e decorrente de tal cessação, nos termos invocados, importa:

"a) Considerar o magistrado na situação de disponibilidade, a partir de ………... de 2019, nos termos do disposto no art° 161°, n° 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público e com os efeitos do n° 2 do mesmo artigo;

b) Deliberar, nos termos do n° 5 do art° 281 ° da LTFP e do art° 138°, n° 1 do EMP, o destacamento provisório do magistrado requerente para a área da jurisdição cível de …, da Comarca de …, como …, a partir da data indicada no número anterior a até à eventual atribuição de um outro lugar no quadro em resultado do próximo movimento de magistrados do Ministério Público ou de alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho;

c) Considerar o magistrado em causa suspenso de funções, ao abrigo do disposto na alínea a) do art° 152° do Estatuto do Ministério público, desde … … .de 2019 e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo n° 333/ 14.9TELSB ou até alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho K.

Junta documentos comprovativos do alegado.

Em situação similar, importa considerar o acórdão proferido pelo STJ, datado de 7.05.2003, sendo Relator o Exm°. Sr. Conselheiro Silva Gaspar, proc. 03P1208, in www.dgsi.pt, quando refere:

A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como 'foro especial", constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.

A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções (cfr., v. g., os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 24 e Maio de 1989, no "Boletim do Ministério da Justiça", n° 384-490, e de 12 de Outubro de 2000, na "Colectânea de Jurisprudência", ano VIII, tomo III, pág. 202).

Mas, se os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados se radicam na qualidade funcional, sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela prática dos factos que esteja em causa, nomeadamente das circunstâncias de tempo, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos

O critério da determinação da competência não é, assim, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante.

Por isso, se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda a qualidade e seja incompatível com o exercício de funções (como, v. g., a aposentação como medida disciplinar, pendente de recurso - acórdão de fixação de jurisprudência n° 2/2002, de 19 de Fevereiro de 2003, no "Diário da República", I série-A, de 23 de Abril de 2003), cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade do arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado.

E, simetricamente, com base na aplicação dos mesmos princípios, idêntica conclusão tem de ser formulada para a situação inversa: se alguém praticar determinados factos quando não detinha (ou quando suspensa) a qualidade de magistrado, as normas sobre a competência determinada pela qualidade das pessoas aplicar-se-ão, apenas, a partir do momento, processualmente relevante, em que o autor dos factos assuma a qualidade de magistrado, valendo, antes desse momento, as regras gerais quanto à competência. (sublinhado nosso).

Na verdade, qualquer limitação resultante da anterioridade dos factos em relação ao início do exercício de funções, «sacrificaria, sem justificação, desnecessária e desproporcionadamente, as referidas garantias de interesse público fundamento da atribuição imperativa de foro próprio (cfr., neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Outubro de 2002, publicado na "Colectânea de Jurisprudência", ano X, tomo III, pág. 205).

A conclusão não é, de nenhum modo, afectada pela injunção do artigo 22°, n° 1, da LOFTJ, ao dispor que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente. Esta norma, com efeito, pela sistemática de sua inserção, é uma norma de organização e de sucessão no tempo de normas sobre organização, onde tem o seu espaço justificado de intervenção: modificação da competência territorial; reorganização judiciária com a criação ou desdobramento de tribunais. E, de todo o modo, sendo subsidiária em relação às normas sobre competência material e funcional dos tribunais em matéria penal (artigo 10° do CPP), sempre teria de ceder perante regras do processo que disponham diversamente, como são as normas relativas a competência em casos de conexão, ou quanto a competência própria relativamente a crimes praticados por magistrados.

Em suma, pois, critério de qualidade funcional - as razões de prestígio e de garantia da integridade da função - e não critério temporal ligado ao momento da prática dos factos".

Por estas razões, que subscrevemos integralmente, entendemos que o arguido AA beneficia de foro especial, deixando este tribunal de ter competência para tramitar os presentes, sendo competente o Tribunal da Relação de Lisboa nos termos do art°. 12°, n° 3, a/. a) do Código de Processo Penal, e que por força do disposto no art°. 27° do mesmo Diploma Legal é também competente para a tramitação dos outros arguidos que se encontram em conexão nos presentes autos.


*


Pelo exposto, declaro-me incompetente para os ulteriores trâmites processuais, sendo competente o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art° 12°, n° 3, al. a) do Código de Processo Penal.


Após trânsito remeta os autos ao Tribunal da Relação de Lisboa. Lisboa, d.s.”


Em resumo, na sequência de requerimento do arguido AA dando conhecimento que o C.S.M.P. o considerou, a partir de .../.../2019 na situação de disponibilidade, o destacou provisoriamente para a área cível de …. e o considerou suspenso de funções até trânsito em julgado da decisão penal nestes autos ou até alteração da sua situação em resultado de nova deliberação do C.S.M.P., o Sr. Juiz do Juízo Central Criminal entendeu que o arguido beneficia, agora, de foro especial e que o Tribunal que o julgou deixou de ter competência para tramitar os autos.

Como melhor explicaremos adiante, não podíamos estar mais em desacordo com esta posição sustentada pelo Sr. Juiz da 1 ª instância.

E acompanhamos aqui a argumentação que o M.P nesta Relação com clareza e coerência de exposição, apresentou no seu parecer junto aos autos.

em dúvida, importa ter presente, tal como ficou sublinhado nesse parecer, que "As regras em matéria de competência, penal ou outra, têm como finalidade principal permitir saber antecipadamente, ou seja, ex ante, qual o tribunal que há-de decidir ou julgar uma determinada causa. Só assim será possível respeitar o princípio do Juiz Natural (consagrado no art° 32° n° 9 da C.R.P.) e evitar os riscos da "escolha" ou manipulação da selecção do tribunal.

Por sua vez, uma vez determinado o Tribunal de acordo com os critérios legais existentes, a causa não lhe poderá ser retirada, sob pena de desaforamento.

Atentar nas regras da competência do Tribunal é assim importante, ou antes, determinante, pois que a violação de tais regras constitui nulidade insanável, excepto no que respeita à competência territorial (que apenas pode ser arguida até ao início da audiência).

Importará ainda atentar que, no que para aqui releva, a competência material e funcional dos tribunais em matéria penal é regulada pelas disposições do C.P.P. e subsidiariamente pelas leis de organização judiciária.

De igual modo importa ter presente que, no que ao caso respeita, a competência, seja do Supremo, das Relações, do Tribunal Colectivo ou Singular, é a competência para "julgar" - veja-se os artigos 11° n °4 al. a), 12° n° 3 al. a), 14° n° 1 e 2 e 16° n° 1, 2 e 3, todos do C.P.P. Cabe ainda ao Supremo e às Relações exercer as demais atribuições conferidas por Lei (artigos 110 n° 4 al.1) e 12° n° 3 al. e), também do C.P.P. (...)"

Na verdade, vejam os o que dispõe o art° 12° do C.P.P sob a epígrafe "Competência das Relações" no seu n° 3 al a):

"Compete às secções criminais das relações, em matéria penal: a) Julgar processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos."

E preceitua ainda o art° 92° do Estatuto do M.P (aprovado pela Lei 47/86 de 15.10) sob a epígrafe "Foro":

"O Tribunal competente para o inquérito, a instrução e o julgamento dos magistrados do Ministério Público por infracção penal, bem como para os recursos em matéria contra-ordenacional, é o de categoria imediatamente superior àquele em que o magistrado se encontra colocado, sendo para o Procurador-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da República e os procuradores-gerais-adjuntos o Supremo Tribunal de Justiça."

E por sua vez o art° 38° da Lei da Organização do Sistema Judiciário (doravante LOSJ) - Lei n° 62/2013 de 26.8- preceitua o seguinte:


Artigo 38.°

Fixação da competência



1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.

E por último o art° 39° da LOSJ dispõe o seguinte:


Artigo 39.°

Proibição de desaforamento



Nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal ou juízo competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.


Analisemos então o caso concreto.

Importa antes de mais sublinhar que neste processo já anteriormente o arguido AA havia requerido a atribuição de um foro específico em razão da sua qualidade funcional de magistrado do M.P, mas essa pretensão fora-lhe indeferida nos termos referidos pelo Acórdão da ...ª secção de Lisboa proferido em … . … 2016, cfr passagem a seguir transcrita […]:

"(...) Efectivamente, sendo o recorrente embora, magistrado do M.P, não se encontra o mesmo no exercício das respectivas funções desde …...2012, por lhe haver sido concedida licença sem vencimento de longa duração, na sequência de pedido por si formulado ao Conselho Superior do Ministério Público.

Por outro lado, a partir do referido dia …….2012, após inscrição no respectivo Conselho Distrital, passou o arguido/ recorrente a exercer a actividade de Advogado.

Ora pretender o arguido acolher-se à "sombra" de dois Estatutos, invocando, conforme as circunstâncias, aquele que melhor satisfaz as suas pretensões, é um privilégio que a lei não tutela nem as regras do bom senso permitem compreender.

Assim, se o recorrente exerce a actividade de advogado não pode vir invocar o foro especial que o art° 92° do Estatuto do Ministério Público reserva para os respectivos magistrados, os quais haverão de estar necessariamente, em exercício de funções.

Como bem salienta o Exm° Sr. Procurador Geral Adjunto no seu parecer, o referido no art° 92° não deixa qualquer dúvida na sua redacção, quando diz que o Tribunal competente é o da categoria imediatamente superior àquele em que o magistrado se encontra colocado.

O arguido porém não se encontra colocado em qualquer Tribunal, não exerce quaisquer funções enquanto magistrado, fazendo-o antes, como advogado, na sequência de uma licença sem vencimento de longa duração que lhe foi concedida.

(...) os direitos especiais consagrados nos art°s 91° e 92° do mesmo Estatuto, os quais são reservados aos magistrados que estejam no exercício pleno de funções, naquela que não poderá deixar de ser entendida como uma forma de defesa exclusiva, não só das mesmas funções, como da imagem e prestígio da própria magistratura.

Consequentemente (...) sendo a função que aqui se tutela e não o agente que a exerce, é a situação profissional existente à data em que contra o mesmo agente começa a correr um inquérito que vai determinar as regras da competência do Tribunal e a aplicação ou não do preceituado no citado art° 91° (do Estatuto do M.P).

Deste modo, (...) não se reconhece enfermar a decisão recorrida da imputada ou de qualquer outra nulidade (...)".

Posteriormente aquando do recebimento da acusação e realização do julgamento nestes autos, foi mantida a competência no Tribunal de 1.ª instância, por não se ter alterado a situação de facto e de direito em que se fundara a decisão referida anteriormente proferida pela ...ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em ……..2016.

Por outro lado, é verdade que a situação de licença sem vencimento de longa duração em que este arguido AA se encontrava desde …….2012 foi cessada (a pedido do próprio) por decisão do C.S.M.P - isto é, cfr se mostra documentado nos autos, foi cessada por Acórdão da Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Público de …….219 já transitado em julgado, produzindo essa cessação da sua licença, efeitos a partir de …...2019.

Resulta também desse Acórdão de ……..2019 do C.S.M.P, que o arguido AA foi destacado como … para a área da jurisdição cível de … na Comarca de … a partir de …….2019.

Contudo é duvidoso ainda assim, que essa alteração da sua situação profissional possa consubstanciar uma alteração de relevo que lhe atribua de per si o direito a um foro especial.

Isto porque o arguido AA apesar de ter passado à situação de disponibilidade e de ter sido destacado para a jurisdição cível de … na Comarca de … como … a partir de ……..2019, não se encontra no exercício pleno das suas funções uma vez que o Conselho Superior do Ministério Público no mesmo Acórdão de ……….2019, considerou ser de suspender as funções do referido magistrado, conforme ficou expressamente mencionado no referido Acórdão "Considerar o magistrado em causa suspenso de funções, ao abrigo do disposto na alínea a) do art° 152° do Estatuto do Ministério público, desde ………… de 2019 e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo n° 333/ 14.9TELSB ou até alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho.

Ora a exigência de o arguido ter que se encontrar em exercício de funções para poder vir invocar o foro especial a que alude o art° 92° do Estatuto do Ministério Público, já fora sustentada no Acórdão da …ª secção da Relação de Lisboa conforme vimos supra.

E tal exigência é aliás sublinhada também na própria decisão do Tribunal de 1ª instância de …….2019 ora em análise, quando aí se citou a Jurisprudência do S.T.J conforme passagem a seguir transcrita […]: "A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como 'foro especial", constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.

A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções (cfr., v. g., os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 24 e Maio de 1989, no "Boletim do Ministério da Justiça", n° 384-490, e de 12 de Outubro de 2000, na "Colectânea de Jurisprudência", ano VIII, tomo III, pág. 202).

Todavia, mesmo que assim não se entenda e se aceite pacificamente que por força desse Acórdão da C.S.M.P de …….2019, a situação de facto e de direito no que respeita ao arguido AA mudou, no sentido de o mesmo passar a poder beneficiar para o futuro de um foro específico, ao abrigo do art° 92° do Estatuto do M.P, a verdade é que nestes autos, tal alteração não poderá ter as consequências que o arguido veio invocar, no que respeita competência (já fixada) do Tribunal de 1ª instância.

No seu requerimento de fls 14310 e 14310-A, veio o arguido invocar que por força do Acórdão do C.S.M.P de ……..2019, já transitado em julgado, o Tribunal de 1ª instância deixava de poder proferir qualquer outro despacho nos presentes autos, cabendo a competência às secções criminais do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, à luz do art° 12°/3 a) do C.P.P

Não lhe assiste porém qualquer razão.

Com efeito, no caso presente o arguido AA já havia sido julgado e condenado nestes autos numa pena de 6 anos e 8 meses de prisão por Acórdão proferido em …….2018 pelo que aquando da entrada em juízo desse seu requerimento não se poderia colocar, por não estar já em causa, a competência do Tribunal para efectuar o seu julgamento, o qual fora já realizado em 1a instância e havia terminado com a prolação de decisão condenatória em …….2018 - não havendo assim lugar para a aplicação do preceituado no art° 12° n° 3 al a) do C.P.P.

Por outro lado, como já vimos, face ao preceituado no art° 38° da LOSJ a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as subsequentes modificações de facto ou de direito, a não ser nos apertados casos que são mencionados nesta disposição legal isto é, a competência uma vez fixada, não mais pode ser alterada, salvaguardadas as excepções ai previstas, nas quais não se engloba naturalmente a situação descrita relativa ao arguido AA.

Tal como aliás, ficou bem esclarecido no parecer do M.P neste Tribunal da Relação (fls 14549 e segs), já acima mencionado:

"(...) a competência não cessa nem se retoma conforme se deixe de ter ou se passe a ter a qualidade em razão da qual se afere, a não ser do ponto de vista abstracto e teórico para uma dada situação. Assim se determinado sujeito não tem a qualidade de magistrado e passa a tê-la e depois volta a deixar de ter, teoricamente passou por três diferentes situações em relação ao Tribunal competente para o julgar.

Na prática pode não ter passado por nenhuma, se contra ele não for activado num determinado momento processualmente relevante um concreto procedimento criminal.

É que embora a competência possa ir variando teoricamente de acordo com o critério em causa, há que aferi-la em concreto num determinado momento temporal que há-de ser o relevante.

E assim, uma vez determinada a competência no momento temporal relevante, ela irá manter- se ou fixar-se ao longo do processo.

Uma vez fixada temporalmente, não mais irá variar, pois que a causa não poderá mais ser retirada ao Tribunal que foi determinado como competente.

Por isso é que a Lei fala no art° 38° da LOSJ que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, linguagem aliás mais adequada a competência em matéria cível do que penal.

Nesta área penal pode aliás haver mais do que um momento temporalmente relevante.

Se se iniciar um inquérito e houver necessidade de levar a cabo actos jurisdicionais, o momento será o de tais actos. Mas tal competência já poderá sofrer alteração na fase de instrução após ter sido deduzida a acusação e se mostrar definido o objecto do processo (cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 9/2/2017).

Seguramente que, em matéria penal, pode haver outro momento relevante e tal momento é aquele em que o processo é remetido para julgamento.

Desde logo, o Juiz de Instrução não tem competência para o julgamento e o momento da aferição da competência há-de ser agora outro. É no momento em que o Juiz recebe o processo para julgamento (a acção) que há-de aferir da sua competência.

Mas, uma vez determinada a competência de acordo com tal momento, ela não irá cessar ou reiniciar-se de novo. Simplesmente mantém-se, dando estabilidade à instância. A Lei refere que se fixa, termo que é, por si, bem significativo.

(...) É por isso que o citado artigo (art° 38° da LOSJ refere também que são irrelevantes as subsequentes modificações de facto ou de direito, a não ser nos apertados casos que menciona.

E se assim não fosse, poderíamos estar perante situações em que o arguido poderia, eventualmente, ter possibilidade de dificultar ou mesmo impedir o seu julgamento ao fazer saltitar a competência de um tribunal para outro, e assim levar também ao desaforamento, proibido no artigo 39° da citada LOSJ.

Com efeito, para uma causa não há dois ou mais Tribunais competentes, mas apenas um.

E esse Tribunal é aquele que for determinado no momento processualmente relevante.

Esse Tribunal irá então manter-se competente até terminar a causa. Não pode ver a sua competência fugir-lhe em razão de o arguido vir invocar uma determinada qualidade que, depois de estabelecida a tal competência, adquiriu ou readquiriu.

Como se viu aliás no acórdão do CSMP que o arguido trouxe aos autos, a variação de tal qualidade até se mostrou tão-somente dependente de si próprio.

Requereu a cessação da licença sem vencimento que solicitara.

Ora, tal vontade não pode ter a virtualidade de alterar a determinação da competência, a qual se encontrava já determinada e como tal fixada. (...)"

Por fim, importa ainda atentar no seguinte: resulta dos autos que na sequência da prolação do Acórdão condenatório proferido em ……..2018 na 1ª instância, o arguido AA veio interpor recurso, o qual foi já recebido por despacho proferido em 28.2.2019 na 1ª instância.

A resposta do M.P ao recurso deste arguido, entrou em juízo em 25.5.2019 (a fls 14382 e segs) ainda antes do processo ser remetido a esta Relação.

Contudo sobre tal resposta não houve qualquer pronúncia do Tribunal de julgamento, e por despacho de fls 14528 proferido em 18.6.2019 o Sr. Juiz da 1ª instância ordenou a remessa do processo a este Tribunal da Relação, na sequência do seu despacho anterior de 9.5.2019 onde se declarara incompetente para tramitar os autos.

Assim sendo, resulta claramente dos elementos do processo que a competência para tramitar os autos, na fase de recurso, permanece no Tribunal da 1ª instância, uma vez que ficou determinado ser esse o Tribunal competente para a realização do julgamento, tendo essa decisão transitado em julgado, por não haver sofrido qualquer impugnação e não existir uma competência "autónoma", para "tramitar os autos" a seguir ao julgamento.

Por outro lado, como já vimos, a comprovada cessação da licença sem vencimento do arguido AA, decidida pelo C.S.M.P em ……..2019 não possui a virtualidade de alterar essa mesma competência, já anteriormente fixada, nomeadamente para efeitos da tramitação dos autos, em momento posterior ao do julgamento (na fase dos recursos).

Deverá pois esse Tribunal de 1ª instância pronunciar-se sobre todos os requerimentos do arguido AA que dêem entrada no processo enquanto o mesmo se encontrar nessa fase de recurso (enquanto o mesmo não subir ao Tribunal superior competente para apreciação dos recursos, depois de devidamente instruídos estes), nomeadamente os requerimentos de fls 14529/14530 - pedido de desentranhamento da resposta do M.P ao seu recurso - de fls 14591 a 14594 - pedido de subida dos seus recursos já interpostos ao STJ- e de fls 14.600 a 14 602 - pedido de alteração das medidas de coacção), não sendo este Tribunal da Relação o competente para esse efeito.


Por tudo o acima exposto, se decide:

A) Este Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos supra expostos, declara-se incompetente para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1ª instância, sendo competente para o efeito o Tribunal de julgamento, isto é o Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz ... .

B) Notifique e após trânsito remeta ao Digno Procurador-Geral Adjunto nesta Relação por ser o competente para a promoção do conflito negativo de competência junto do S.T.J

C) Sem Custas.»


2. Desta decisão interpôs o arguido AA recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.


No enquadramento aí feito e que se transcreve:

«I - ENQUADRAMENTO:

O ora recorrente foi julgado e condenado por Ac. proferido no dia … . ... de 2018, no Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 3 pela prática dos seguintes crimes:           

- Um CRIME DE CORRUPÇÃO PASSIVA PARA ACTO ILÍCITO, NA SUA FORMA QUALIFICADA, p. e p. pelos arts.373º, nº 1 e 374º-A, nº 2 do Cód. Penal, com referência aos arts.386º, nº 3, alínea a) e 202º, alínea b) do mesmo diploma legal, na qualidade de autor material, na pena de QUATRO ANOS E OITO MESES DE PRISÃO;

- Um CRIME DE BRANQUEAMENTO, p. e p. pelo art.368º-A, nº 1, 2 e 3 do Cód. Penal, em co-autoria com o arguido BB, na pena de CINCO ANOS DE PRISÃO;

- Um CRIME DE VIOLAÇÃO DE SEGREDO DE JUSTIÇA, p. e p. pelo art.256º, nº 1, alínea d) do Cód. Penal, na qualidade de autor material, na pena de UM ANO E DOIS MESES DE PRISÃO;

- Um CRIME DE FALSIFICAÇÃO DE DOCUMENTO, p. e p. pelo art.256º, n.º 1, alínea d) do Cód. Penal, em co-autoria com o arguido BB, na PENA DE UM ANO E QUATRO MESES DE PRISÃO na PENA ÚNICA DE SEIS ANOS E OITO MESES DE PRISÃO.


Recorde-se que, segundo esse Acórdão, o corruptor activo teria sido o…, o CC.

Segundo esse Acórdão, nos factos dados como provados há muitas outras pessoas envolvidas nesses actos ilícitos mas sobre os quais o Colectivo não se pronunciou, nada disse…

Na data em que os factos terão sido praticados o recorrente exercia as funções de … no … - …. -.

Na data daquele julgamento e daquela condenação, o recorrente encontrava-se de licença sem vencimento de longa duração, desde … . … de 2012.

Daquele Acórdão condenatório, o recorrente interpôs o competente recurso composto por 1729 (mil setecentas e vinte e nove) folhas, onde, além do mais, suscita a nulidade do julgamento por Violação do Princípio do Acusatório, previsto nos artºs 40º CPP e 32º, nº 1 e 5 do CPP e, como veremos adiante, põe em causa toda a tramitação do processo.

Por Acórdão da Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Púbico de … . … de 2019, transitado em julgado, foi determinado que “ em face da declaração de vontade manifestada pelo … Lic. AA de fazer cessar a sua licença sem vencimento de longa duração, que vigorava desde … ... de 2012, produzindo efeitos a partir de … . … de 2019:

a) Considerar o magistrado na situação de disponibilidade, a partir de … . … de 2019, nos termos do disposto no artº 161º, nº 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público e com os efeitos do nº 2 do mesmo artigo;

b) Deliberar, nos termos do nº 5 do artº 281º da LTFP e do artº 138º, nº 1 do EMP, o destacamento provisório do magistrado requerente para a área da jurisdição cível de …, da Comarca de …, como …, a partir da data indicada no número anterior a até à eventual atribuição de um outro lugar no quadro em resultado do próximo movimento de magistrados do Ministério Público ou de alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho;

c) Considerar o magistrado em causa suspenso de funções, ao abrigo do disposto na alínea a) do artº 152º do Estatuto do Ministério público, desde … …. de 2019 e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo nº 333/14.9TELSB ou até alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho “.


Em consequência, por despacho datado de 09 de Maio de 2019, o Sr. Juiz do Juízo Central de …, Juiz …, declarou-se incompetente para os ulteriores trâmites processuais e remeteu, após trânsito em julgado, os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do artº. 12º, nº 3, al. a) do Código de Processo Penal.

           

Recebidos os autos no Tribunal da Relação de Lisboa, no dia 5 de Julho de 2019 a Srª Desembargadora profere um despacho onde, aderindo à promoção do Mº Pº determina “ que se dê baixa na espécie de distribuição efectuada nestes autos (recurso em processo penal) e se proceda à distribuição na espécie correcta mencionada pelo MP enviando-se para o efeito os autos à secção central.” – […].


Nesse ínterim, o recorrente apresentou requerimentos junto da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, entre os quais a subida urgente dos recursos que se encontram pendentes ao Supremo Tribunal da Justiça para apreciação e decisão, que não obtiveram resposta…


O recorrente salienta que tem todo o seu património apreendido à ordem dos presentes autos, está condenado e tem toda a sua vida suspensa e dependente destes autos e, por conseguinte, tem a máxima urgência na resolução deste processo.


No dia 28 de Novembro de 2019, a Srª Desembargadora profere um despacho onde “ se decide:

A) Este Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos supra expostos, declara-se incompetente para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1a instância, sendo competente para o efeito o Tribunal de julgamento, isto é o Juízo Central Criminal de … — Juiz … . “ - Itálico nosso.


É deste despacho de que se discorda e de que se vem interpor o presente recurso.»,


Remata a respectiva motivação com as seguintes:


«III- CONCLUSÕES:

I. No dia 28 de Novembro de 2019, a Mmª Desembargadora proferiu um despacho onde “ se decide:

A) Este Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos supra expostos, declara-se incompetente para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1.ª instância, sendo competente para o efeito o Tribunal de julgamento, isto é o Juízo Central Criminal de … — Juiz … . “ – […].

II. É deste despacho de que se discorda e de que se vem interpor o presente recurso.

III. Num verdadeiro grito de desespero, de socorro e de alerta, o recorrente não pode deixar de lamentar, profundamente, que há meses que os autos aguardam despacho, tendo sido proferido um despacho a declarar-se incompetente o Tribunal da Relação para a tramitação dos autos quando é certo que, sublinha-se, o recorrente tem todo o seu património apreendido à ordem dos presentes autos, está condenado e tem toda a sua vida suspensa e dependente destes autos há quase quatro anos.

IV. E não se diga, como se poderia ser tentado a fazê-lo, que “ se não quisesse ser lobo, não lhe vestisse a pele “.

V. É que, como se demonstrou, à saciedade, no recurso interposto do acórdão final condenatório, esta decisão constituiu uma verdadeira denegação de justiça desde logo pela nulidade manifesta do julgamento, de que falaremos adiante e, por outro lado, face a toda e à abundante prova produzida e que apontava, claramente, em sentido contrário ao decidido, como se verá, de certeza, quando esse recurso for apreciado e decidido e, finalmente, sabe-se hoje, que o recorrente foi apanhado no meio dos jogos sujos da conquista do poder político em …, sendo um mero dano colateral.

VI. Mas passemos às razões da nossa discordância com a Mmª Desembargadora “ a quo “, por se ter declarado incompetente e ter ordenado a remessa dos autos à 1ª Instância.

VII. À data em que os factos denunciados nestes autos ocorreram - 2011 e inícios de 2012 - o recorrente exercia as funções de … no … .

VIII. No dia … . … de 2012, o recorrente entrou de licença sem vencimento de longa duração.

IX. Os presentes autos tiveram origem numa denúncia anónima e foram mandados instaurar por despacho da Srª Conselheira Procuradora-Geral da República de então, em 08.07.2014.

X. O recorrente já suscitara a questão da competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada por "foro especial”, logo no início do inquérito por entender, em suma, que os factos imputados que lhe eram compreendiam o período temporal em que exercia as funções de magistrado do MP.

XI. E sendo magistrado, não só o inquérito haveria de ter sido dirigido por magistrado de categoria superior à de Procurador da República, como os actos jurisdicionais o haveriam de ter sido por um juiz desembargador, conforme dispunham os artigos 12º, nºs. 3, al. a) e 6 e 265º, nº 1, do C.P.P., 91º e 92º do Estatuto do Ministério Púbico.

XII. Esta questão foi objeto de apreciação pelo Tribunal da Relação de Lisboa que decidiu “…sendo a função que aqui se tutela e não o agente que a exerce, é a situação profissional existente à data em que contra o mesmo agente começa a correr um inquérito que vai determinar as regras de competência do tribunal e a aplicação, ou não, do preceituado no atrás citado artigo 91º.”. - vd. fls. 2899 a 2942 do 10 Volume dos autos principais -.

XIII. Nessa altura, repete-se, o recorrente encontrava-se de licença sem vencimento de longa duração, desde … . … de 2012.

XIV. Contudo, esta situação alterou-se pelas razões que aduziremos adiante:

XV. O recorrente fez cessar essa licença sem vencimento de longa duração que vigorava desde … . … .2012, com efeitos a partir de … . … de 2019.

XVI. Na verdade, por Acórdão da Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Púbico de … . … de 2019, transitado em julgado, foi determinado que “ em face da declaração de vontade manifestada pelo … Lic. AA de fazer cessar a sua licença sem vencimento de longa duração, que vigorava desde … . … de 2012, produzindo efeitos a partir de … . … de 2019:

a) Considerar o magistrado na situação de disponibilidade, a partir de … . … de 2019, nos termos do disposto no artº 161º, nº 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público e com os efeitos do nº 2 do mesmo artigo;

b) Deliberar, nos termos do nº 5 do artº 281º da LTFP e do artº 138º, nº 1 do EMP, o destacamento provisório do magistrado requerente para a área da jurisdição cível de ……., da Comarca de …, como …, a partir da data indicada no número anterior a até à eventual atribuição de um outro lugar no quadro em resultado do próximo movimento de magistrados do Ministério Público ou de alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho;

c) Considerar o magistrado em causa suspenso de funções, ao abrigo do disposto na alínea a) do artº 152º do Estatuto do Ministério público, desde … . … de 2019 e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo nº 333/14.9TELSB ou até alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho “.

XVII. Saliente-se, antes de mais, que o recorrente fez cessar a licença sem vencimento de longa duração em que se encontrava, sendo reintegrado na magistratura a partir de … . … 2019, não com o escopo de vir a beneficiar de um “ foro especial “, andando a saltitar ou jogando com os tribunais que irão apreciar o seu caso, como se pretende fazer crer mas por uma razão de necessidade;

XVIII. O recorrente tem todo o seu património apreendido à ordem dos presentes autos, desde 23.02.2016, há quase quatro anos; durante o julgamento que decorreu entre … .01.2018 e … .12.2018 o Sr. Juiz autorizou que lhe fosse disponibilizado desse património alimentos provisórios na quantia mensal de cerca de € 1.550,00 para poder acudir às suas necessidades básicas de sobrevivência; a sua … que lhe tem prestado ajuda económica desde o início desta tragédia esgotou, também ela, as suas possibilidades económicas para o continuar a fazer; o recorrente encontrava-se numa situação de verdadeira indigência e miséria.

XIX. Com quase 60 anos de idade, tendo toda a sua vida suspensa e para poder sobreviver e evitar transformar-se num sem-abrigo, fez cessar a sua licença sem vencimento de longa duração e, desde então, tem vindo a receber o vencimento mensal.

XX. Mas mesmo nesta parte, convém salientar, a talhe de foice, o seguinte:

XXI. Nesse vencimento mensal é descontado mensalmente pela entidade pagadora, a Direcção Geral da Administração da Justiça, 1/3 desse vencimento para pagamento coercivo da quantia de € 130.000,00 acrescida de juros ao exequente Banco … .

XXII. E pasme-se, porque o tribunal do julgamento deu como provado que esta quantia de € 130.000,00 se tratava de um pagamento corrupto, ilícito, que o corruptor CC teria feito ao ora recorrente, camuflado num empréstimo bancário…

XXIII. Claro que tudo isto é matéria que consta do recurso que foi interposto da decisão final condenatória e que há-de ser apreciado em sede própria.

XXIV. Voltando àquela penhora, verifica-se que um tribunal, o de execução, está a dar execução a um acto alegadamente ilícito, o contrato de mútuo falso (assim declarado por outro tribunal, o criminal), e tendo o recorrente, nem sede própria, por embargos de executado, explicado este contra-senso e requerendo, pelo menos, a suspensão da instância executiva, foram indeferidos esses embargos porque, diz o Sr. Juiz de execução “ a execução vale por si “…

XXV. Note-se que enquanto o recorrente teve o apoio económico da sua … e o Sr. Juiz da 1ª Instância autorizou que lhe fossem pagos alimentos provisórios (retirados, obviamente, dos seus bens apreendidos), nunca o recorrente fez cessar a licença sem vencimento de longa duração em que se encontrava e poderia tê-lo feito.

XXVI. Ora, se nunca adotou este comportamento e poderia tê-lo adotado, é porque nunca foi sua intenção saltitar, jogar ou escolher o tribunal que o iria julgar.

XXVII. Feito este desabafo que é mais um grito de desespero de quem está inocente e que tem a sua vida suspensa há quase quatro anos, voltemos atrás, ao momento em que o recorrente fez cessar a sua licença sem vencimento de longa duração e regressou à magistratura.

XXVIII. Em consequência desta reintegração, por despacho datado de 09 de Maio de 2019, o Sr. Juiz do Juízo Central de …, Juiz …, declarou-se incompetente para os ulteriores trâmites processuais e remeteu, após trânsito em julgado, os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do artº. 12º, nº 3, al. a) do Código de Processo Penal.

XXIX. Salienta-se que no passado dia … . … de 2019, pela Deliberação nº …/2019, do Conselho Superior do Mº Pº, publicada no dia … . … 2019, no DR, 2ª Série, Parte ..., nº …., pág. ….., o recorrente foi colocado como … no Tribunal de … de …, …, como … .

XXX. Por outras palavras, neste momento o recorrente foi reintegrado na magistratura do Mº Pº; está colocado como … no Tribunal de … de …, …, como …, mas está suspenso de funções, ao abrigo do disposto na alínea a) do artº 152º do Estatuto do Ministério Público - EMP - desde … . … de 2019 e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo nº 333/14.9TELSB (os presentes autos).

XXXI. Sublinhe-se, porém que, neste momento, apesar de suspenso, o recorrente detém a qualidade de magistrado; está vinculado à função; é titular dos direitos e deveres inerentes à categoria de …; recebe a retribuição correspondente a essa categoria (embora seja descontada da penhora do valor de 1/3 acima referida e explicada); o tempo entretanto decorrido releva para efeitos de contagem do tempo para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação.

XXXII. E tanto assim é que, repete-se, recentemente, no dia … . … de 2019 foi colocado como …. no Tribunal de …. de …, …, como … .

XXXIII. Apenas está temporariamente afastado de funções até à decisão definitiva do processo-crime em que o envolveram mas, saliente-se, é titular da qualidade de magistrado mas beneficia dos mesmos direitos e está sujeito aos mesmos deveres que qualquer outro magistrado.

XXXIV. Tal como estão temporariamente afastados de funções os (as) magistrados (as) do Mº Pº doentes, em gravidez de risco, com licença parental, etc.

XXXV. Ora, nestes casos, também estes magistrados continuam a gozar dos mesmos direitos e estão sujeitos aos mesmos deveres enquanto magistrados que o são, embora não estejam a exercer funções.

XXXVI. A sua qualidade funcional de magistrados mantém-se!

XXXVII. Na primeira situação, a suspensão de funções mantém-se até à decisão definitiva do processo, no segundo exemplo a suspensão de funções mantém-se até ao final da doença, da gravidez ou da licença parental.

XXXVIII. Em qualquer uma das situações, o magistrado mantém e conserva a categoria, o cargo, a qualidade de magistrado, com todos os direitos e deveres que lhe estão inerentes, ou seja, mantém e conserva a sua qualidade funcional de magistrado.

XXXIX. De salientar que esta suspensão prevista no artº 152º, al. a) do EMP em que o recorrente se encontra não se pode confundir com a sanção de suspensão de exercício prevista no artº 166º, nº 1, al. d) do EMP.

XL. Neste último caso, e à luz do disposto no artº 175º, nº 1 do EMP:

“A pena de suspensão de exercício implica a perda do tempo correspondente à sua duração para efeitos de remuneração, antiguidade e aposentação. “

XLI. Cumpre, ainda, salientar que a suspensão prevista no artº 152º, a. a) do EMP também não se pode confundir com a suspensão preventiva do arguido a que alude o artº 196º do EMP.

XLII. E não se diga, como o faz a Mmª “Desembargadora “ a quo “ que a esta argumentação se opõe o disposto no artº 38º da Lei de Organização do Sistema Judiciário, LOSJ, - L. 62/2013 de 26.08, na redação dada pela L. 107/2019 de 09.09 que dispõe:

XLIII. A competência fixa-se no momento em que a ação se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei. “

XLIV. E se fosse assim, como entende a Mmª Juíza “ a quo “, dir-se-ia que como o recorrente se encontrava de licença sem vencimento de longa duração quando o processo se iniciou na 1ª instância, em Julho de 2014, continuaria a ser a 1ª instância a competente para a tramitação do processo apesar de, no ínterim, o recorrente ter regressado à magistratura.

XLV. Salvo melhor opinião, não tem razão este entendimento.

XLVI. Como bem salienta e explana o douto Ac. do STJ datado de 7.05.2003, sendo Relator o Exmº. Sr. Conselheiro Silva Gaspar, proc. 03P1208, in http://www.dgsi.pt/jstj.nsf/0/eb4a52f3dddcfda680256dc5004dd44c?OpenDocument

XLVII. Aquele normativo 38º, nº 1 da LOSJ, “ pela sistemática de sua inserção, é uma norma de organização e de sucessão no tempo de normas sobre organização, onde tem o seu espaço justificado de intervenção: modificação da competência territorial; reorganização judiciária com a criação ou desdobramento de tribunais. E, de todo o modo, sendo subsidiária em relação às normas sobre competência material e funcional dos tribunais em matéria penal (artigo 10º do CPP), sempre teria de ceder perante regras do processo que disponham diversamente, como são as normas relativas a competência em casos de conexão, ou quanto a competência própria relativamente a crimes praticados por magistrados.”

XLVIII. E continuando a citar o douto Aresto, verifica-se que ele reforça o nosso entendimento que temos vindo a defender que a competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como “ foro especial ", constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função:

“ 10. A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como "foro especial", constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.

A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções (cfr., v. g., os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 24 e Maio de 1989, no "Boletim do Ministério da Justiça", nº 384-490, e de 12 de Outubro de 2000, na "Colectânea de Jurisprudência", ano VIII, tomo III, pág. 202).

Mas, se os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados se radicam na qualidade funcional, sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela prática dos factos que esteja em causa, nomeadamente das circunstâncias de tempo, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos

O critério da determinação da competência não é, assim, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante.

Por isso, se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda a qualidade e seja incompatível com o exercício de funções (como, v. g., a aposentação como medida disciplinar, pendente de recurso - acórdão de fixação de jurisprudência nº 2/2002, de 19 de Fevereiro de 2003, no "Diário da República", I série-A, de 23 de Abril de 2003), cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade do arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado.

E, simetricamente, com base na aplicação dos mesmos princípios, idêntica conclusão tem de ser formulada para a situação inversa: se alguém praticar determinados factos quando não detinha (ou quando suspensa) a qualidade de magistrado, as normas sobre a competência determinada pela qualidade das pessoas aplicar-se-ão, apenas, a partir do momento, processualmente relevante, em que o autor dos factos assuma a qualidade de magistrado, valendo, antes desse momento, as regras gerais quanto à competência. Na verdade, qualquer limitação resultante da anterioridade dos factos em relação ao início do exercício de funções, «sacrificaria, sem justificação, desnecessária e desproporcionadamente, as referidas garantias de interesse público fundamento da atribuição imperativa de foro próprio (cfr., neste sentido, o acórdão deste Supremo Tribunal de 16 de Outubro de 2002, publicado na "Colectânea de Jurisprudência", ano X, tomo III, pág. 205).

A conclusão não é, de nenhum modo, afectada pela injunção do artigo 22, nº 1, da LOFTJ (actual artº 38º, nº 1 da LOSJ), ao dispor que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente. Esta norma, com efeito, pela sistemática de sua inserção, é uma norma de organização e de sucessão no tempo de normas sobre organização, onde tem o seu espaço justificado de intervenção: modificação da competência territorial; reorganização judiciária com a criação ou desdobramento de tribunais. E, de todo o modo, sendo subsidiária em relação às normas sobre competência material e funcional dos tribunais em matéria penal (artigo 10º do CPP), sempre teria de ceder perante regras do processo que disponham diversamente, como são as normas relativas a competência em casos de conexão, ou quanto a competência própria relativamente a crimes praticados por magistrados.

Em suma, pois, critério de qualidade funcional - as razões de prestígio e de garantia da integridade da função - e não critério temporal ligado ao momento da prática dos factos. “

XLIX. Donde, neste momento, sendo o recorrente …, colocado no Tribunal de …. de …, …, e encontrando-se na plenitude dos seus direitos e deveres inerentes a essa qualidade funcional - remuneração, contagem do tempo de serviço para efeitos de antiguidade, movimentos e aposentação, com exceção do afastamento temporário de funções, tal como aconteceria se estivesse doente ou de licença parental, é evidente que nos termos do disposto no artº 12º, nº 3, al. a) do CPP e 92º do EMP, compete às Secções Criminais do Tribunal da Relação de Lisboa o julgamento dos presentes autos.

L. E nem se diga, como o faz a Mmª Desembargadora “ a quo “, que:

- “ O arguido AA já havia sido julgado e condenado nestes autos numa pena de 6 anos e 8 meses de prisão por Acórdão proferido em … . … .2018 pelo que aquando da entrada em juízo desse seu requerimento (de fls. 14310 e 14310-A) não se poderia colocar, por não estar já em causa a competência do Tribunal para efectuar o seu julgamento o qual fora já realizado em 1ª instância e havia terminado com a prolação de decisão condenatória em ………..2018 - não havendo assim lugar para a aplicação do preceituado no arte. 12º nº 3 al a) do C.P.P. (sublinhado e bold nosso).

- na sequência da prolação do Acórdão condenatório proferido em 7.12.2018 na 1ª instância, o arguido AA veio interpor recurso, o qual foi já recebido por despacho proferido em 28.2.2019 na 1ª instância.

A resposta do M.P ao recurso deste arguido, entrou em juízo em 25.5.2019 (a fls. 14382 e segs) ainda antes do processo ser remetido a esta Relação.

Contudo sobre tal resposta não houve qualquer pronúncia do Tribunal de julgamento, e por despacho de fls 14528 proferido em 18.6.2019 o Sr. Juiz da 1ª instância ordenou a remessa do processo a este Tribunal da Relação, na sequência do seu despacho anterior de 9.5.2019 onde se declarara incompetente para tramitar os autos.

Assim sendo, resulta claramente dos elementos do processo que a competência para tramitar os autos, na fase de recurso, permanece no Tribunal da 1ª instância, uma vez que ficou determinado ser esse o Tribunal competente para a realização do julgamento tendo essa decisão transitado em julgado, por não haver sofrido qualquer impugnação e não existir uma competência "autónoma", para "tramitar os autos" a seguir ao julgamento.”

LI. Salvo o devido respeito, discorda-se, frontalmente, deste entendimento.           

Explicando:

LII. Sendo certo que o julgamento dos presentes autos já foi efectuado na 1ª instância, tendo sido proferido acórdão condenatório, a verdade é que este acórdão ainda não transitou em julgado pois como já se disse e repete-se, foi dele interposto o competente recurso.

LIII. E como também já se disse mas nunca será demais enfatizar, neste recurso suscita-se, além do mais, a nulidade do julgamento por clara violação do princípio do acusatório e das garantias de defesa do arguido previstas nos artºs 40º do CPP e 32º,nºs1 e 5 da CRP.

LIV. Sem pretender entrar no cerne desse recurso ousamos transcrever, a propósito daquela nulidade, pela importância que agora reveste, excertos do que dissemos nesse recurso:

LV. O “ Colectivo de juízes que efectuou o julgamento em 1ª instância era composto pelos juízes Lics. DD, EE e FF, sendo presidido pelo primeiro.

LVI. E na busca que foi realizada no dia … . … . 2016, ao escritório da advogada, Dra GG, sito na Av. …, nº …, ….. em …, essa diligência foi presidida pela então Mmª JIC Lic FF - vd. fls. 600 a 603, 3º Vol. dos autos principais.

LVII. Como é consabido, os mandados de busca são acompanhados da “ cópia do despacho que a determinou “. Por maioria de razão, isto significa que a entidade que presidiu a essa diligência – no caso concreto a Mmª JIC Lic FF.

LVIII. A Mmª JIC Lic. FF, pelo menos, nesse momento conhecimento das razões de facto e de direito que determinaram essa busca, das pessoas envolvidas, tipificação dos crimes e restante informação, conforme se verifica:

- do despacho da JIC assinado pela Mmª. Juíza HH entregue à buscada, a fls. 388 a 398, 2º Vol,

- e da promoção do MP a fls. 357 a 384 do 2º Vol. LIX. Ambos – despacho e promoção - que a Mmª. JIC FF teve de tomar necessariamente conhecimento, uma vez que presidiu ao acto da busca e tinha o dever de ter na sua posse e /ou conhecimento dos actos judiciais utilizados na mesma, em nome da garantia do cumprimento da legalidade e de todas as diligências praticadas.

LX. Acresce que, no caso vertente, tratando-se de um processo mediático que envolvia, entre outros, um … de … e um … em licença sem vencimento de longa duração, a Mª JIC cuidou de se inteirar de tudo o que se passava para presidir ao acto judicial, a fim de garantir o cumprimento da legalidade dos actos praticados na busca, como fez.

LXI. E, desta forma, tomando conhecimento de toda a matéria de fundo parece-nos cristalino que a sua imparcialidade ficou afectada pois formulou desde logo um pré-juízo de valor sobre o que se estava a passar que, por certo, afectou a sua imparcialidade e, por isso não deveria ter integrado o Colectivo no julgamento. Mais: entendemos que a convicção com que ficou e que a seguiu até, durante e após o julgamento pode ter “contaminado ou sido estendida” aos restantes elementos do Colectivo no mesmo sentido da sua convicção...

LXII. Note-se, aliás, que em conformidade com aquele nosso entendimento estão os doutos despachos proferidos durante a audiência final pelo Mº juiz Presidente, em que não permitiu que depusessem como testemunhas todos os magistrados judiciais ou do MP que participaram em diligências de inquérito dos presentes autos. A nosso ver, estão em causa as mesmas razões de garantia de imparcialidade e de objetividade no seu depoimento.

LXIII. No caso da Mmª JIC FF há ainda razões acrescidas uma vez que ela, tendo já participado numa diligência de inquérito a que presidiu e, dessa forma, tomou conhecimento dos fundamentos de facto e de direito e das pessoas envolvidas, participou num julgamento dos mesmos factos e com os mesmos arguidos e, por isso, é evidente que a sua imparcialidade se mostra beliscada em termos das garantias de defesa dos arguidos.

LXIV. E o MP que recorreu do despacho do Mmº Juiz Presidente que indeferiu a inquirição de alguns desses magistrados invocou, precisamente, a ilegalidade da Mmª juíza FF ter integrado o Colectivo – vd recurso interposto pelo MP.

LXV. Por conseguinte, mostra-se violado o princípio do acusatório e as garantias de defesa dos arguidos plasmados no art. 32º, nºs 1 e 5 da CRP, já referidos.

LXVI. Pelas razões aduzidas, não deveria a Mmª juíza FF ter feito parte da composição do Colectivo que efetuou o julgamento.

LXVII. Tendo-o feito, como foi o caso, mostram-se violadas as regras legais relativas ao modo de determinar a composição do Colectivo e, nos termos do disposto nos arts 119º, al. a) e 122º do CPP produz a NULIDADE INSANÁVEL de todo o julgamento, que ora se invoca.“

LXVIII. Pelas razões ali aduzidas, temos fundadas expectativas de que o julgamento que foi feito em 1ª instância venha a ser anulado e ordenada a sua repetição.

LXIX. E a ser repetido esse julgamento, como se prevê e se espera que o seja, a repetição do julgamento será agora efectuada no Tribunal da Relação de Lisboa.

LXX. Donde, soçobra, o argumento utilizado pela Mmª Desembargadora “ a quo “, ao dizer que o julgamento já foi efectuado na 1ª instância.

LXXI. É verdade que esse julgamento já foi efectuado mas também é verdade que há fortes probabilidades, para não dizer certezas, que esse julgamento será anulado e será ordenada a sua repetição, a realizar-se, desta vez, no Tribunal da Relação de Lisboa.

LXXII. Ademais, sempre se diga que quando o artº 12º, nº 3, al. a) do CPP refere o termo “ Julgar “, parece-nos evidente que não se ele refere apenas ao julgamento propriamente dito, “ tout court “, como parece entender a Mmª Juiz Desembargadora “ a quo “ mas antes à fase processual de julgamento que, como é consabido vai desde o recebimento da acusação/pronúncia até ao trânsito em julgado da decisão final, condenatória ou absolutória.

LXXIII. Em relação ao segundo argumento utilizado pela Mmª Desembargadora “ a quo “, também nos parece que deverá falecer.

LXXIV. Relembrando, entende a Srª Desembargadora “ a quo “, que:

 “ na sequência da prolação do Acórdão condenatório proferido em … . … . 2018 na 1ª instância, o arguido AA veio interpor recurso, o qual foi já recebido por despacho proferido em 28.2.2019 na 1ª instância.

LXXV. A resposta do M.P ao recurso deste arguido, entrou em juízo em 25.5.2019 (a fls. 14382 e segs) ainda antes do processo ser remetido a esta Relação.

LXXVI. Contudo sobre tal resposta não houve qualquer pronúncia do Tribunal de julgamento, e por despacho de fls 14528 proferido em 18.6.2019 o Sr. Juiz da 1ª instância ordenou a remessa do processo a este Tribunal da Relação, na sequência do seu despacho anterior de 9.5.2019 onde se declarara incompetente para tramitar os autos.

LXXVII. Assim sendo, resulta claramente dos elementos do processo que a competência para tramitar os autos, na fase de recurso, permanece no Tribunal da 1ª instância, uma vez que ficou determinado ser esse o Tribunal competente para a realização do julgamento tendo essa decisão transitado em julgado, por não haver sofrido qualquer impugnação e não existir uma competência "autónoma", para "tramitar os autos" a seguir ao julgamento.”

LXXVIII. É evidente que não há uma competência “ autónoma “ para “ tramitar os autos “ a seguir ao julgamento.

LXXIX. O que se passa é que tendo o recorrente sido reintegrado na magistratura a partir de … . … . 2019, perante este facto novo, o Sr. Juiz da 1ª instância declarou-se incompetente, e muito bem, por despacho proferido em 09.05.2019, transitado em julgado.

LXXX. Por conseguinte, a resposta do Mº Pº ao recurso interposto por AA da decisão final, entrada em 25.05.2019 implica que a Procuradora que subscreveu essa resposta não tinha, nessa data, competência para o fazer.

LXXXI. Aliás, se o Sr. Juiz da 1ª instância se declarou incompetente para a tramitação dos presentes autos no dia 09 de Maio de 2019, não se descortina como poderia ainda pronunciar-se sobre a resposta do Mº Pº ao recurso interposto da decisão final, entrada em 25.05.2019, numa altura em que, note-se e repete-se, já o juiz titular do processo se havia declarado incompetente.

LXXXII. Se já se havia declarado incompetente, e muito bem, mais não podia fazer, como o fez, do que por despacho datado de 18.06.2019 remeter os autos ao Tribunal que considerou competente em razão da matéria, o Tribunal da Relação de Lisboa.

LXXXIII. E seria da competência deste Tribunal aceitar, ou não, aquela resposta do Mº Pº.

LXXXIV. Note-se, aliás, que por esta razão, o recorrente requereu já à Mª Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa o desentranhamento dessa resposta do Mº Pº ao recurso que interpôs da decisão final - vd. fls. 14529 e 14530 -.

LXXXV. Pelas razões aduzidas, foram violados os artºs 12º, nº 3, al. a) CPP e 92º do EMP.           

Por todo o exposto, deverá ser revogada a decisão contida no despacho da Mmª Desembargadora “ a quo “ e substituída por uma outra que aceite a competência do Tribunal da Relação de Lisboa, em razão da matéria, para a tramitação dos presentes autos, o que ora se requer.»


3. Respondeu a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa, concluindo, após dar nota dos «antecedentes do recurso» que, para enquadramento e compreensão da questão aqui em apreço, também se reproduz:


II – DOS ANTECEDENTES DO RECURSO:

O Recorrente foi julgado e condenado por acórdão proferido em … . … de 2018 pelo Juízo Central Criminal de … – Juiz … -, nos seguintes termos:

- condenado pela prática de um crime de corrupção passiva, na sua forma qualificada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º A, n.º 2 do Código Penal, com referência aos art.ºs 386º, n.º 3, alínea a) e 202º, al. b) do mesmo diploma legal, na qualidade de autor material, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- condenado pela prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º A, números 1, 2 e 3 do Código Penal, em co-autoria com o arguido BB, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violação do segredo de justiça, p. e p. pelo art. 371º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;

- condenado pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;

- nos termos do art. 77º do CP, foi condenado na pena única de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- foi ainda condenado na pena acessória de proibição de exercício da função por um período de cinco anos, nos termos do art. 66º do CP.


Na data do julgamento e da condenação, o Arguido Recorrente encontrava-se na situação de licença sem vencimento de longa duração, desde … . … de 2012.


O Arguido Recorrente interpôs recurso do acórdão condenatório para o Tribunal da Relação de Lisboa.


Porém, em 5 de Abril de 2019, antes da entrada em juízo da Resposta do Ministério Público a tal recurso, o Arguido Recorrente requereu ao Juiz … do Juízo Central Criminal de … que atento o disposto no art. 12º, n.º 3, al. a), do C. de Processo Penal, se declarasse incompetente para proferir qualquer despacho nos autos e que os autos fossem remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa por ser o competente em razão da matéria para doravante deles conhecer. 

Por despacho proferido em 9 de Maio de 2019, o Sr. Juiz do Juiz … do Juízo Central Criminal de … declarou-se incompetente para os ulteriores trâmites processuais e que competente era o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art.º 12º, n.º 3, al. a), do Código de Processo Penal. E posteriormente, por despacho proferido em 18 de Junho de 2019, ordenou a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa.

Recebidos os autos no Tribunal da Relação de Lisboa, onde foram distribuídos como RECURSO PENAL, foi promovido pelo Ministério Público junto do TRL que (uma vez que a remessa dos autos se devera ao facto de o Sr. Juiz entender que o arguido beneficia, agora, de foro especial, tendo-se declarado “incompetente para os ulteriores trâmites processuais”, estava em causa o prosseguimento de um processo que obviamente se encontra a tramitar na 1ª instância e assim deverá continuar) se desse baixa na distribuição na espécie em causa (recurso em processo penal) e que se procedesse à distribuição dos autos na espécie “causas de que a Relação conhece em 1ª instância”, nos termos do art. 214º do CPC, e que após fosse aberta vista ao Ministério Público. O que tudo foi deferido.

Após distribuição como PROCESSO COMUM (TRIBUNAL COLECTIVO), foi aberta “vista” ao Ministério Público, tendo sido promovido que o TRL se declarasse incompetente para tramitar os ulteriores termos destes autos em primeira instância.

Foi então proferida em 28 de Novembro de 2019, a fls. 14.607 a 14.627, pela Mm.ª Desembargadora junto do Tribunal da Relação de Lisboa, a douta decisão que declarou o Tribunal da Relação de Lisboa incompetente para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1ª instância, decisão esta objecto do presente recurso para o STJ por parte do arguido Recorrente, AA.


[…]

EM CONCLUSÃO:

1 - O presente recurso vem interposto pelo Arguido AA da decisão proferida nos autos de Processo Comum (Tribunal Colectivo) n.º 333/14.9TELSB, da 3ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em … de Novembro de 2019, a fls. 14.607/14.627, pela Mm.ª Desembargadora do Tribunal da Relação de Lisboa, pela qual foi decidido:

“(…)

A) Este Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos supra expostos, declara-se incompetente para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1ª instância, sendo competente para o efeito o Tribunal de julgamento, isto é o Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 3.

B) Notifique e após trânsito remeta ao Digno Procurador-Geral Adjunto nesta Relação por ser o competente para a promoção do conflito negativo de competência junto do S.T.J.

(…)”


2 - O Recorrente foi julgado e condenado por acórdão proferido em … de Dezembro de 2018 pelo Juízo Central Criminal de … – Juiz … -, nos seguintes termos:

- condenado pela prática de um crime de corrupção passiva, na sua forma qualificada, p. e p. pelos arts. 373º, n.º 1 e 374º A, n.º 2 do Código Penal, com referência aos art.ºs 386º, n.º 3, alínea a) e 202º, al. b) do mesmo diploma legal, na qualidade de autor material, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão;

- condenado pela prática de um crime de branqueamento, p. e p. pelo art. 368º A, números 1, 2 e 3 do Código Penal, em co-autoria com o arguido BB, na pena de 5 (cinco) anos de prisão;

- condenado pela prática, em autoria material, de um crime de violação do segredo de justiça, p. e p. pelo art. 371º, n.º 1 do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão;

- condenado pela prática, em autoria material, de um crime de falsificação de documento, previsto e punido pelo art. 256º, n.º 1, alínea d), do Código Penal, na pena de 1 (um) ano e 4 (quatro) meses de prisão;

- nos termos do art. 77º do CP, foi condenado na pena única de 6 (seis) anos e 8 (oito) meses de prisão;

- foi ainda condenado na pena acessória de proibição de exercício da função por um período de cinco anos, nos termos do art. 66º do CP.


3 - Na data do julgamento e da condenação, o Arguido Recorrente encontrava-se na situação de licença sem vencimento de longa duração, desde … . … de 2012.


4 - O Arguido Recorrente interpôs recurso do acórdão condenatório para o Tribunal da Relação de Lisboa.


5 - Porém, em 5 de Abril de 2019, antes da entrada em juízo da Resposta do Ministério Público a tal recurso, o Arguido Recorrente requereu ao Juiz … do Juízo Central Criminal de … que atento o disposto no art. 12º, n.º 3, al. a), do C. de Processo Penal, se declarasse incompetente para proferir qualquer despacho nos autos e que os autos fossem remetidos ao Tribunal da Relação de Lisboa por ser o competente em razão da matéria para doravante deles conhecer. 

Por despacho proferido em 9 de Maio de 2019, o Sr. Juiz do Juiz … do Juízo Central Criminal de Lisboa declarou-se incompetente para os ulteriores trâmites processuais e que competente era o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do art.º 12º, n.º 3, al. a), do Código de Processo Penal. E posteriormente, por despacho proferido em 18 de Junho de 2019, ordenou a remessa do processo ao Tribunal da Relação de Lisboa.


6 - Recebidos os autos no Tribunal da Relação de Lisboa, onde foram distribuídos como RECURSO PENAL, foi promovido pelo Ministério Público junto do TRL que (uma vez que a remessa dos autos se devera ao facto de o Sr. Juiz entender que o arguido beneficia, agora, de foro especial, tendo-se declarado “incompetente para os ulteriores trâmites processuais”, estava em causa o prosseguimento de um processo que obviamente se encontra a tramitar na 1ª instância e assim deverá continuar) se desse baixa na distribuição na espécie em causa (recurso em processo penal) e que se procedesse à distribuição dos autos na espécie “causas de que a Relação conhece em 1ª instância”, nos termos do art. 214º do CPC, e que após fosse aberta vista ao Ministério Público. O que tudo foi deferido.


7 - Após distribuição como PROCESSO COMUM (TRIBUNAL COLECTIVO), foi aberta “vista” ao Ministério Público, tendo sido promovido que o TRL se declarasse incompetente para tramitar os ulteriores termos destes autos em primeira instância.


8 - Foi então proferida em … de Novembro de 2019, a fls. 14.607 a 14.627, pela Mm.ª Desembargadora junto do Tribunal da Relação de Lisboa, a douta decisão que declarou o Tribunal da Relação de Lisboa incompetente para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1ª instância, decisão esta objecto do presente recurso para o STJ por parte do arguido Recorrente, AA.


9 - O Recorrente invoca, em suma, que por força do disposto nos arts. 91º e 92º do Estatuto do Ministério Público (que foram revogados e a que correspondem actualmente os arts. 112º e 113º, do EMP vigente desde 1/01/2020, aprovado pela Lei 68/2019, de 27 de Agosto, e que mantêm o mesmo regime), tem direito ao foro especial aludido nos referidos artigos, defendendo para tanto que neste momento “(…) mantém e conserva a categoria, o cargo, a qualidade de magistrado, como todos os direitos que lhe são inerentes, ou seja, mantém e conserva a sua qualidade funcional de magistrado.(…)” – cfr. o n.º XXXVIII das conclusões do recurso, daí concluindo que o Tribunal competente para tramitar os presentes autos é o Tribunal da Relação de Lisboa.


10 – Não assiste qualquer razão ao arguido Recorrente.


11 - Neste processo já anteriormente o arguido AA havia requerido a atribuição de um foro específico em razão da sua qualidade funcional de magistrado do M.P., mas essa pretensão fora-lhe indeferida nos termos referidos pelo Acórdão da ..ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa proferido em … . … . 2016, onde se pode ler:

“(…) Efectivamente, sendo o recorrente embora, magistrado do M.P., não se encontra o mesmo no exercício das respectivas funções desde … . …. .2012, por lhe haver sido concedida licença sem vencimento de longa duração, na sequência de pedido por si formulado ao Conselho Superior do Ministério Público.

Por outro lado, a partir do referido dia … . … . 2012, após inscrição no respectivo Conselho Distrital, passou o arguido/recorrente a exercer a actividade de Advogado.

Ora pretender o arguido acolher-se à “sombra” de dois Estatutos, invocando, conforme as circunstâncias, aquele que melhor satisfaz as suas pretensões, é um privilégio que a lei não tutela nem as regras do bom senso permitem compreender.

(…)”

12 - Os direitos especiais consagrados nos artºs 91º e 92º do mesmo Estatuto, os quais são reservados aos magistrados que estejam no exercício pleno de funções, naquela que não poderá deixar de se entendida como uma forma de defesa exclusiva, não só das mesmas funções, como da imagem e prestígio da própria magistratura. Consequentemente, sendo a função que aqui se tutela e não o agente que a exerce, é a situação profissional existente à data em que contra o mesmo agente começa a correr um inquérito que vai determinar as regras da competência do Tribunal e a aplicação ou não do preceituado no citado art. 91º (do Estatuto do M.P.).

13 - Posteriormente aquando do recebimento da acusação e realização do julgamento nestes autos, com condenação em 7/12/2018, foi mantida a competência no Tribunal de 1ª instância, por não se ter alterado a situação de facto e de direito em que se fundara a decisão referida anteriormente proferida pela ..ª secção do Tribunal da Relação de Lisboa em … . … . 2016.

14 - Por outro lado, é verdade que a situação de licença sem vencimento de longa duração em que este arguido AA se encontrava desde … . … . 2012 foi cessada (a pedido do próprio) por decisão do C.S.M.P. – isto é, cfr se mostra documentado nos autos, foi cessada por Acórdão da Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Público de … . … . 2019 já transitado em julgado, produzindo essa cessação da sua licença, efeitos a partir de … . … .2019.

15 – Porém, resulta também desse Acórdão de ……..2019 do C.S.M.P., que o arguido AA foi destacado como … para a área da jurisdição cível de … na Comarca de … a partir de ……..2019; não obstante, o arguido AA apesar de ter passado à situação de disponibilidade e de ter sido destacado para a jurisdição cível de … na Comarca de … a partir de ……..2019, não se encontra no exercício pleno das suas funções uma vez que o Conselho Superior do Ministério Público no mesmo Acórdão de ……..2019, considerou ser de suspender as funções do referido magistrado, conforme ficou expressamente mencionado no referido Acórdão “Considerar o magistrado em causa suspenso de funções, ao artigo do disposto na alínea a) do artº 152º do Estatuto do Ministério Público, desde ………. de 2019 e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo n.º 333/14.9TELSB ou até alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho”.

16 - Ora a exigência de o arguido ter que se encontrar em exercício de funções para poder vir invocar o foro especial a que alude o artº 92º do Estatuto do Ministério Público, já fora sustentada no Acórdão da ..ª secção da Relação de Lisboa conforme vimos supra.

E tal exigência é aliás sublinhada também na própria decisão do Tribunal de 1ª instância de 9.5.2019 ora em análise, quando aí se citou a Jurisprudência do S.T.J. conforme passagem a seguir transcrita (com sublinhados nossos): “A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como foro especial”, constitui uma garantia, não pessoal mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função. Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude do exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.

A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções (cfr., v. g., os acórdãos deste Supremo tribunal, de 24 de Maio de 1989, no “Boletim do Ministério da Justiça”, n.º 384-490, e de 12 de Outubro de 2000, na “Colectânea de Jurisprudência”, ano VIII, tomo III, pag. 30.

17 - Todavia, mesmo que assim se não entenda e se aceite pacificamente que por força desse Acórdão do C.S.M.P. de … . … . 2019, a situação de facto e de direito no que respeita ao arguido AA mudou, no sentido de o mesmo passar a poder beneficiar para o futuro de um foro específico, ao abrigo do art.º 92º do Estatuto do M.P., a verdade é que nestes autos, tal alteração não poderá ter as consequências que o arguido veio invocar, no que respeita à competência (já fixada) do Tribunal de 1ª instância.

18 - Com efeito, no caso presente o arguido AA já havia sido julgado e condenado nestes autos numa pena de 6 anos e 8 meses de prisão por Acórdão proferido em ……..2018 pelo que aquando da entrada em juízo desse seu requerimento não se poderia colocar, por não estar já em causa, a competência do Tribunal para efectuar o seu julgamento, o qual já fora realizado em 1ª instância e havia terminado com a prolação de decisão condenatória em ……...2018 – não havendo assim lugar para a aplicação do preceituado no artº 12 n.º 3 al. a) do C.P.P.

19 - Por outro lado, face ao preceituado no art.º 38º da LOSJ a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as subsequentes modificações de facto ou de direito, a não ser nos apertados casos em que são mencionados nesta disposição legal isto é, a competência uma vez fixada, não pode mais ser alterada, salvaguardadas as excepções aí previstas, nas quais não se engloba naturalmente a situação descrita relativa ao arguido AA.

20 - É que embora a competência possa ir variando teoricamente de acordo com o critério em causa, há que aferi-la em concreto num determinado momento temporal que há-de ser o relevante. E assim, uma vez determinada a competência no momento temporal relevante, ela irá manter-se ou fixar-se ao longo do processo. Uma vez fixada temporalmente, não mais irá variar, pois que a causa não poderá mais ser retirada ao Tribunal que foi determinado como competente. Por isso é que a Lei fala no art.º 38º da LOSJ que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, linguagem aliás mais adequada a competência em matéria cível do que penal. É no momento em que o Juiz recebe o processo para julgamento (a acção) que há-de aferir a sua competência. Mas, uma vez determinada a competência de acordo com tal momento, ela não irá cessar ou reiniciar-se de novo. Simplesmente mantém-se, dando estabilidade à instância. A Lei refere que se fixa, termo que é, por si, bem significativo.

Com efeito, para uma causa não há dois ou mais Tribunais competentes, mas apenas um, e esse Tribunal é aquele que for determinado no momento processualmente relevante. Esse Tribunal irá então manter-se competente até terminar a causa. Não pode ver a sua competência fugir-lhe em razão de o arguido vir invocar uma determinada qualidade que, depois de estabelecida a tal competência, adquiriu ou readquiriu.

Como se viu aliás no Acórdão do CSMP que o arguido trouxe aos autos, a variação de tal qualidade até se mostrou tão-somente dependente de si próprio, pois requereu a cessação da licença sem vencimento que solicitara.

Ora, a vontade do arguido não pode ter a virtualidade de alterar a determinação da competência, a qual se encontrava já determinada e como tal fixada.

21 - A comprovada cessação da licença sem vencimento do arguido AA, decidida pelo C.S.M.P. em ……..2019, não possui a virtualidade de alterar essa mesma competência, já anteriormente fixada, nomeadamente para efeitos da tramitação dos autos, em momento posterior ao do julgamento (na fase dos recursos).

22 - Importa ainda atentar no seguinte: resulta dos autos que na sequência da prolação do Acórdão condenatório proferido em …….2018 na 1ª instância, o arguido AA veio interpor recurso, o qual foi já recebido por despacho proferido em ………2019 na 1ª instância, tendo a resposta do M.P. ao recurso desse arguido, entrado em juízo em 25.5.2019 (a fls. 14382 e segs.) ainda antes do processo ser remetido a esta Relação.

Contudo sobre tal resposta não houve qualquer pronúncia do tribunal de julgamento, e por despacho de fls. 14528 proferido em 18.6.2019 o Sr. Juiz da 1ª instância ordenou a remessa do processo a este Tribunal da Relação, na sequência do seu despacho anterior de …….2019 onde se declarara incompetente para tramitar os autos.

23 - Assim sendo, resulta claramente dos elementos do processo que a competência para tramitar os autos, na fase de recurso, permanece no Tribunal de 1ª instância, uma vez que ficou determinado ser esse o Tribunal competente para a realização do julgamento, tendo essa decisão transitado em julgado, por não haver sofrido qualquer impugnação e não existir uma competência “autónoma”, para “tramitar os autos” a seguir ao julgamento.

24 - Deverá pois esse Tribunal da 1ª instância pronunciar-se sobre todos os requerimentos do arguido AA que dêem entrada no processo enquanto o mesmo se encontrar nessa fase de recurso (enquanto o mesmo não subir ao Tribunal superior competente para apreciação dos recursos, depois de devidamente instruídos estes), nomeadamente os requerimentos de fls. 14529/14530 – pedido de desentranhamento da resposta do M.P. ao seu recurso – de fls. 14591 a 14594 – pedido de subida dos seus recursos já interpostos ao STJ – e de fls. 14.600 a 14602 – pedido de alteração das medidas de coacção), não sendo este Tribunal da Relação o competente para esse efeito.

25 – Pelo que, bem andou a Mm.ª Juiz Desembargadora “a quo” em declarar o Tribunal da Relação de Lisboa incompetente para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1ª instância, sendo competente para o efeito o Tribunal de julgamento, isto é o Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 3.

26 - Resulta do tudo o que fica dito que é manifesto que ao Recorrente não assiste razão, pois a douta decisão proferida pelo TRL em ………….. de 2019, que se subscreve na íntegra, mostra-se muito bem fundamentada, tendo feito correcta interpretação e aplicação do Direito, não tendo violado qualquer norma jurídica nem qualquer princípio geral de direito.

27 - Deve, pois, ser integralmente mantida a douta decisão recorrida, negando-se provimento ao recurso do arguido AA, e consequentemente, deve declarar-se o Tribunal da Relação de Lisboa incompetente para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1ª instância, sendo competente para o efeito o Tribunal de julgamento, isto é o Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 3, determinando-se a remessa dos autos ao Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 3.»


4. Neste Supremo Tribunal, a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta emitiu o parecer que se transcreve:

 

1. Por decisão proferida na … Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, datada de ……..2019, pelos fundamentos nela aduzidos, que aqui se dão por reproduzidos, foi decidido:

i) ”declarar-se incompetente, o TRL, para tramitar os presentes autos, que se encontram em fase de recurso na 1ª instância, sendo competente para o efeito o Tribunal de julgamento, isto é o Juízo Central Criminal de Lisboa - Juiz 3.

ii) a notificação e, após trânsito, a remessa ao Procurador-Geral Adjunto nesta Relação por ser o competente para a promoção do conflito negativo de competência junto do S.T.J,”

2. De tal decisão, considerando-se o arguido legalmente notificado em 06.12.2019 (vd Folha referência 15453973), o arguido AA interpõe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, em 13.01.2020.

O recorrente invoca, como bem sintetiza a Magistrada do MP junto do TRL, que por força dos arts. 91º e 92º do EMP (atualmente art. 112º e 113º do EMP vigente) tem direito ao foro especial aludido em tais artigos, defendendo para tal que neste momento (…) “ mantém e conserva a categoria, o cargo, a qualidade de magistrado, com todos os direitos e deveres que lhe estão inerentes, ou seja, mantém e conserva a sua qualidade funcional de magistrado (…)”- como decorre da conclusão XXXVIII do recurso, daí concluindo que o tribunal competente para “ tramitar” os autos é o TRL.

Alega ainda que a Decisão sob recurso violou o disposto nos arts. 12º nº3-a) do CPP e 92º do Estatuto do MºPº, requerendo que “tal decisão seja revogada e substituída por outra que aceite a competência do TRL, em razão da matéria, para a tramitação dos presentes autos”.

3.    Ao recurso em causa respondeu com elevado rigor, amplitude e objectividade, a Magistrada do MºPº junto do TRL, pugnando “pela manifesta improcedência do recurso, subscrevendo na íntegra os fundamentos aduzidos na Decisão sob recurso, considerando encontrar-se a mesma muito bem fundamentada, com correta interpretação e aplicação do direito, sem violação de qualquer norma jurídica ou princípio geral de direito.

Pugna a Magistrada do MºPº, na resposta apresentada, por prolação de decisão que declare o TRL incompetente para tramitar os presentes autos – que se encontram na fase de recurso em sede de tribunal de 1ª instância, sendo competente o tribunal de julgamento- o Juízo Central Criminal de Lisboa- Juiz 3, determinando-se a remessa dos autos para o citado Juízo Central Criminal.

4.    Nada obstando ao conhecimento do recurso, cumpre dizer que se acompanham na íntegra os fundamentos aduzidos na citada Resposta da Magistrada do MºPº junto do TRL, na qual se realça a justeza e rigor da fundamentação constante da Decisão judicial sob recurso.

4.1. Breve síntese factual/processual:

- Os presentes autos foram instaurados em 08.07.2014, encontrando-se o ora recorrente na situação de licença sem vencimento de longa duração, uma vez que

- solicitou ao CSMºPº, e foi-lhe concedida, licença sem vencimento de longa duração, não se encontrando o mesmo a ser funções de magistrado do MºPº desde ……..2012

- A partir do referido dia …….2012, após inscrição no respectivo Conselho Distrital, passou o arguido/ recorrente a exercer a actividade de Advogado

- Nestes autos,  já anteriormente o ora recorrente AA havia requerido a atribuição de um foro específico invocando a sua qualidade funcional de magistrado do MºPº, mas essa pretensão foi indeferida nos termos do Acórdão da ..ª Secção do TRL,  proferido em …….2016, transitado em julgado, o qual se pronunciou (em definitivo) sobre a questão da competência.

- Aquando do recebimento da acusação e realização do julgamento nestes autos, foi mantida a competência no Tribunal de 1ª instância, por não se ter alterado a situação de facto e de direito em que se fundara a decisão  proferida pela ..ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em …….2016.

- Foi proferido acórdão  na Juízo Central Criminal de Lisboa- Juiz 3, em  …….2018, vindo o recorrente a ser condenado pela prática de um crime de corrupção passiva para ato ilícito , na forma qualificada; um crime de branqueamento; um crime de violação de segredo de justiça; um crime de falsificação de documento. O ora recorrente foi condenado na pena única de 6 Anos e 8 Meses de prisão.

- Por Acórdão do CSMP, de ……….. de 2019, transitado em julgado, foi determinado que “ em face da declaração de vontade manifestada (…), fazer cessar a licença sem vencimento de longa duração, que vigorava desde …………. de 2012, produzindo efeitos a partir de …………. de 2019. E ainda:

a) Considerar o magistrado na situação de disponibilidade, a partir de ………… de 2019;

b) destacamento provisório do magistrado requerente para a área da jurisdição cível de …, da Comarca de …, como …, a partir da data indicada no número anterior (…)

c) Considerar o magistrado em causa suspenso de funções (….) desde … . … de 2019 e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo nº 333/14.9TELSB ou até alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho “.

Acompanhando, como supra se referiu, os fundamentos aduzidos quer na resposta do MºPº junto do TRL, quer na Decisão sob recurso, cuja profundidade e rigor de análise nos dispensam de ulteriores considerações, por tautológicas, concluímos igualmente,como se decidiu, “ resultar claramente dos elementos do processo que a competência para tramitar os autos, na fase de recurso, permanece no Tribunal da 1a instância, uma vez que ficou determinado ser esse o Tribunal competente para a realização do julgamento, tendo essa decisão transitado em julgado, por não haver sofrido qualquer impugnação e não existir uma competência "autónoma", para "tramitar os autos" a seguir ao julgamento.

Por outro lado, (…), a comprovada cessação da licença sem vencimento do arguido AA, decidida pelo C.S.M.P em ……….2019 não possui a virtualidade de alterar essa mesma competência, já anteriormente fixada, nomeadamente para efeitos da tramitação dos autos, em momento posterior ao do julgamento (na fase dos recursos), devendo o tribunal de 1ª instância pronunciar-se sobre todos os requerimentos do arguido AA que dêem entrada no processo enquanto o mesmo se encontrar nessa fase de recurso (enquanto o mesmo não subir ao Tribunal superior competente para apreciação dos recursos, depois de devidamente instruídos estes”

Assim, na improcedência do recurso interposto pelo arguido AA, pronunciamo-nos por prolação de decisão que declare o TRL incompetente para “tramitar” os autos na presente fase processual e, subsequentemente, pela determinação de remessa dos autos ao Juízo Central Criminal de Lisboa- Juiz 3, a quem compete “tramitar os autos”, ou seja, proferir despacho sobre requerimentos e sobre a admissão de recursos e respetivas respostas, nos termos e para efeitos do disposto no art. 414º do CPP, para que tais recursos possam, então, vir a ser apreciados pelo Tribunal da Relação de Lisboa.

5. Foi dado cumprimento ao disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, tendo o recorrente apresentado resposta em que, expressando a sua discordância quanto à «posição do MºPº no parecer», mantém «o entendimento que deverá ser revogada a decisão e substituída por outra que aceite a competência do Tribunal da Relação de Lisboa, em razão da matéria, para a tramitação dos presentes autos ou, se se preferir, o prosseguimento dos presentes autos».

6. Com dispensa de vistos e realizada a conferência, cumpre apreciar e decidir.

II - FUNDAMENTAÇÃO

1. Objecto do recurso

Está em causa neste recurso a questão de saber qual o tribunal materialmente competente para «tramitar» o processo no âmbito do qual o recorrente foi julgado e condenado em pena de prisão por acórdão proferido do qual se encontra interposto recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Relembrando:

O recorrente foi julgado e condenado por acórdão proferido em ..-..-2018, no Juízo Central Criminal de … - Juiz …, na pena única de 6 anos e 8 meses de prisão.

Na data do julgamento o recorrente, que fora magistrado do Ministério Público, encontrava-se na situação de licença sem vencimento de longa duração, desde ………………. de 2012.

Daquele acórdão condenatório, o agora recorrente interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa.

Entretanto, por acórdão da Secção Permanente do Conselho Superior do Ministério Púbico de ………….. de 2019, transitado em julgado, foi determinado que «em face da declaração de vontade manifestada pelo …. Lic. AA de fazer cessar a sua licença sem vencimento de longa duração, que vigorava desde … . … de 2012, produzindo efeitos a partir de … . … de 2019:

a) Considerar o magistrado na situação de disponibilidade, a partir de … . … de 2019, nos termos do disposto no artº 161º, nº 1, al. c) do Estatuto do Ministério Público e com os efeitos do nº 2 do mesmo artigo;

b) Deliberar, nos termos do nº 5 do artº 281º da LTFP e do artº 138º, nº 1 do EMP, o destacamento provisório do magistrado requerente para a área da jurisdição cível de …, da Comarca de …, como auxiliar, a partir da data indicada no número anterior a até à eventual atribuição de um outro lugar no quadro em resultado do próximo movimento de magistrados do Ministério Público ou de alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho;

c) Considerar o magistrado em causa suspenso de funções, ao abrigo do disposto na alínea a) do artº 152º do Estatuto do Ministério público, desde … . … de 2019 e até ao trânsito em julgado da decisão que vier a ser proferida no Processo nº 333/14.9TELSB ou até alteração da sua situação em resultado de nova deliberação deste Conselho».

Na sequência, por despacho datado de 09-05-2019, transcrito no acórdão agora sob recurso, o Sr. Juiz do Juízo Central de Lisboa, Juiz …, declarou-se incompetente para os ulteriores trâmites processuais e remeteu, após trânsito em julgado, os autos para o Tribunal da Relação de Lisboa, nos termos do artigo 12º, nº 3, alínea a) do CPP.

Por decisão de 29-11-2019, agora impugnada, é declarada a incompetência do Tribunal da Relação de Lisboa para tramitar os presentes autos, sendo competente para tal o Tribunal do julgamento – o Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz … .


2. Enquadramento normativo

Relativamente ao enquadramento normativo pertinente, há que convocar o artigo 92.º do Estatuto do Ministério Público, aprovado pela Lei n.º 47/86, de 15 de Outubro, com sucessivas alterações, correspondente ao artigo 113.º do actual Estatuto, aprovado pela Lei n.º 68/2019, de 27 de Agosto, do seguinte teor:


«Artigo 92.º

Foro



1 - O tribunal competente para o inquérito, a instrução e o julgamento dos magistrados do Ministério Público por infracção penal, bem como para os recursos em matéria contra-ordenacional, é o de categoria imediatamente superior àquele em que o magistrado se encontra colocado, sendo, para o Procurador-Geral da República, o Vice-Procurador-Geral da República e os procuradores-gerais-adjuntos o Supremo Tribunal de Justiça.»

           

Dispondo sobre a competência das secções dos tribunais da Relação, estabelece o artigo 73.º, alíneas b) e g), da Lei n.º 62/2013, de 26 de Agosto (Lei de Organização do Sistema Judiciário), que lhes compete:

«c) Julgar processos por crimes cometidos pelos magistrados e juízes militares referidos na alínea anterior e recursos em matéria contra-ordenacional a eles respeitantes;[…];

g) Praticar, nos termos da lei de processo, os actos jurisdicionais relativos ao inquérito, dirigir a instrução criminal, presidir ao debate instrutório e proferir despacho de pronúncia ou não pronúncia nos processos referidos na alínea c)».

E, segundo o artigo 12.º, n.º 3, alínea a), do CPP, compete às secções criminais das relações, em matéria penal, julgar processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos.

De acordo com o disposto nos artigos 38.º e 39.º da citada Lei da Organização do Sistema Judiciário:


«Artigo 38.°

Fixação da competência



1 - A competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as modificações de facto que ocorram posteriormente, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.

2 - São igualmente irrelevantes as modificações de direito, excepto se for suprimido o órgão a que a causa estava afecta ou lhe for atribuída competência de que inicialmente carecia para o conhecimento da causa.


Artigo 39.°

Proibição de desaforamento



Nenhuma causa pode ser deslocada do tribunal ou juízo competente para outro, a não ser nos casos especialmente previstos na lei.

           

Convocando considerações tecidas no acórdão deste Supremo Tribunal de 11-04-2018, proferido no processo n.º 102/16.1TRPRT-A.S1, desta 3.ª Secção (Relator: Cons. Vinício Ribeiro)[1]:

«Conforme entendimento jurisprudencialmente consolidado, o “foro especial” competente, para apreciação do processo penal em que é visado um magistrado, não tem como fundamento qualquer garantia de índole pessoal, constituindo antes uma garantia funcional destinada a preservar as exigências próprias e inerentes ao prestígio e ao resguardo da função.

Na verdade, como se escreve no Ac. STJ de 21 de Junho de 2006, Proc. 06P1573, Rel. Henriques Gaspar [[2]], «I — A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, frequentemente designada como “foro especial”, constitui uma garantia, não pessoal (não constitui privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria), mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função.

II - Aquela garantia acompanha o magistrado enquanto detiver esta qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica‑se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenham e para defesa e prestígio dessas funções.

III - O critério da determinação da competência não é, como em geral, o da ocorrência dos factos, mas aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante.

IV - Por isso, se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda aquela qualidade e seja incompatível com o exercício de funções (v. g. a aposentação como medida disciplinar, pendente de recurso — Ac. de fixação de jurisprudência n.º 2/2003, de 19‑02‑2003, DR I série A, de 23‑04‑2003), cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade de arguido, retomando‑se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado.».

A garantia associada ao «foro especial» está, pois, directamente relacionada com o efectivo exercício da função de magistrado.

Nesse sentido aponta, também, o artigo 92.º do Estatuto do Ministério Público quando refere que «O tribunal competente para o inquérito, a instrução e o julgamento dos magistrados do Ministério Público por infracção penal, bem como para os recursos em matéria contra-ordenacional, é o de categoria imediatamente superior àquele em que o magistrado se encontra colocado …» (sublinhado agora).

Entendimento também expresso no acórdão deste Supremo Tribunal de 21-06-2006, proferido no processo n.º 06P1573 (Relator: Cons. Henriques Gaspar)[3], em que estava em causa um arguido magistrado entretanto aposentado, onde se considera justamente que:

«(…) se os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados se radicam na qualidade funcional, sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela prática dos factos que esteja em causa, nomeadamente das circunstâncias de tempo, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos

O critério da determinação da competência é, assim, aquele que deriva da matriz de referência que é a condição funcional (a qualidade de magistrado) no momento processualmente relevante.»           

No mesmo sentido, o acórdão do STJ de 11-04-2007, proferido no processo n.º 06P4820 (Relator: Cons. Santos Cabral), em cujo sumário se pode ler que:

«I - A competência em matéria penal determinada pela qualidade de magistrado, designada frequentemente em linguagem marcada pela semântica da tradição como “foro especial”, constitui uma garantia, não pessoal, mas funcional, justificada por exigências próprias do prestígio e resguardo da função.

II - Motivada por exigências desta ordem, não constitui garantia ou privilégio que proteja ou adira a certa pessoa enquanto tal, mas apenas enquanto titular de dada categoria, na plenitude de exercício do complexo dos respectivos direitos e deveres.

III - A garantia acompanha o magistrado enquanto detiver essa qualidade e estiver na titularidade dos seus direitos e deveres da função, e justifica-se, como é geralmente entendido, pela dignidade e melindre das funções que os magistrados desempenhem e para defesa e prestígio dessas funções.

IV - Nesta sequência é lógico concluir que, situando-se na qualidade funcional os fundamentos do regime sobre a competência material penal relativamente a magistrados, e sendo essa competência estabelecida para defesa e prestígio da função, o critério da competência não deriva nem é determinado pela prática dos factos, mas apenas da qualidade que o seu autor detenha no momento em que se iniciem ou prossigam actos processuais próprios determinados pela ocorrência de tais factos.

V - O critério da determinação da competência é, assim, aquele que deriva da condição funcional no momento processualmente determinante.

VI - Se um magistrado deixar de exercer funções, ou passar a situação que lhe suspenda a qualidade e seja incompatível com o exercício de funções, cessa a competência em matéria penal determinada pela qualidade do arguido, retomando-se a aplicação dos critérios materiais gerais de determinação da competência, mesmo relativamente a factos praticados quando ou enquanto magistrado.

VII - É, por isso, manifesto que a situação de licença ilimitada, que constitui o cerne da decisão do presente conflito, não tem qualquer virtualidade para afastar os critérios gerais de definição da competência material e funcional, devendo o presente conflito ser resolvido com a atribuição da competência ao tribunal de 1.ª instância conflituante.»

No acórdão do Pleno do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2017, proferido no processo n.º 32/14.1JBLSB-P.L1-A.S1 – 3.ª Secção, publicado no Diário da República, I Série, de 17-03-2017,       tecem-se considerações sobre a Jurisdição e fixação da competência material e funcional do tribunal que, pela sua relevância para o caso em apreço, importa convocar.

Lê-se aí:


«II


A Jurisdição é um poder do Estado que compreende a função exercida por todos os tribunais englobados numa única esfera de actuação (principio da unidade de jurisdição)[[4]].Tal função (a jurisdição), que pertence ao conjunto dos tribunais previstos na Constituição e na lei, está distribuída entre os vários tribunais de acordo com regras, e critérios, que definem para cada tribunal os limites, ou o âmbito, da sua jurisdição, isto é, a competência, a qual se reparte pelos tribunais segundo a matéria, a hierarquia, o valor e o território - artigo 37º, nº 1 da LOS].

Partindo do pressuposto de que a competência de um tribunal é a medida, ou âmbito, da sua jurisdição importa agora que analisemos a forma como a mesma pode ser definida ou, por outras palavras, quais os instrumentos, ou critérios, de competência que devem ser utilizados.

No que concerne refere Figueiredo Dias que, na repartição das causas penais pelas diferentes espécies de tribunais, se oferecem ao legislador vários métodos ou vias de procedimento. O primeiro de tais procedimentos consubstancia-se no método de determinação abstracta da competência, através do qual se faz decorrer a competência material imediatamente, ou incondicionalmente, da lei. O legislador, utilizando este método, poderá alcançar a finalidade proposta ainda por duas vias diferentes: ou dá a cada tribunal competência para o conhecimento e decisão de certos tipos de crime ou, não curando do singular tipo de crime, dá a cada tribunal competência para o conhecimento e decisão de crimes a que corresponda, em abstracto, uma pena até um certo máximo.

O outro critério essencial centra-se no denominado método da determinação concreta da competência, segundo o qual não haverá que atender directamente ao tipo de crime ou à pena máxima que lhe seja aplicável, mas ao crime, tal como é de esperar que venha a ser definido concretamente na sentença ou à pena que previsivelmente lhe virá a ser aplicada. Neste sistema, a cada tribunal singular é concedida uma margem de competência para aplicação concreta de certas penas relativamente a um juízo de prognose sobre a pena esperada.[[5]]

A propósito destas formas de determinação Gomes Canotilho e Vital Moreira apontam desde logo a ilegitimidade constitucional do chamado método concreto de determinação da competência. Na verdade, referem os mesmos Autores, um tal método implica a atribuição de uma dimensão de indeterminação na fixação da competência judicial, dependente de uma apreciação discricionária do MP (que é a entidade acusadora), que não se afigura de fácil compatibilização com o sentido clássico do princípio da fixação da competência por lei anterior.[[6]]

É assim lógico, tal como refere Figueiredo Dias, a opção do direito processual penal português vigente seguindo por regra - abstraindo, é claro, daqueles limites relativos ao princípio do juiz natural e que se reflectem na determinação de toda e qualquer espécie de competência-critérios de determinação abstracta da competência material, seja o da espécie de tipo legal de crime em causa, o da gravidade da infracção indiciada pelo máximo da pena aplicável, ou mesmo o de uma certa combinação destes dois critérios.


III


Assumida a necessidade da existência de critérios de determinação abstracta da competência importa referir que a mesma pode ser definida, seguindo Moreno Catena[[7]], como a distribuição que o legislador efectua entre os distintos órgãos jurisdicionais integrados na ordem penal. Distribuição que pode ser alcançada ou concretizada com base em três critérios a) maior ou menor gravidade do facto criminoso, b) a natureza especial do seu objecto – rationae materiae e c) a qualidade do arguido – ratione personae. De acordo com Aragoneses Martinez[[8]], o primeiro critério define a distribuição de competência em função do tipo de crime e sentença; o segundo ignora a gravidade do delito, ou não atende só à mesma, mas, essencialmente, à natureza do crime; já o terceiro define a distribuição da competência em razão da função que desempenham algum tipo de agentes, provocando a alteração dos critérios comuns.

Igualmente Henriques Gaspar [[9]] se pronuncia sobre o mesmo tema referindo que a competência material dos tribunais, estabelecida em razão da natureza dos casos sub­metidos a julgamento, pressupõe um pré-ordenamento de organização: a competência dos tribunais em razão da matéria é fixada por amplo princípio de inclusão, competindo aos tribunais judiciais o conhecimento das causas que não sejam atribuídas a outra ordem de jurisdição (artigo 40º da LOSJ), devolvendo-se às normas de processo a definição e a atribuição de competência aos diversos tribunais em função da natureza das causas, ou em situações muito específicas, da qualidade das pessoas.

A competência em matéria penal, tal como está definida e estabelecida nas leis de processo e de organização dos tribunais, delimita a medida da jurisdição em matéria penal dos diversos tribunais, isto é, de cada um dos tribunais. A delimitação é estabelecida na lei de organização em função de critérios objectivos e prefixados, tanto segundo normas de distribuição territorial - competência em razão de território, como, dentro desta, por conformação organizatória dos tribunais em tribunais de competência territorial alargada e tribunais de comarca (23 comarcas) - artigo 33º da LOS].

As regras sobre a competência em matéria penal têm uma finalidade essencial que preside e tem de conformar a organização: permitir determinar ex ante o tribunal que há-de decidir uma causa penal, respeitando o princípio do juiz natural, com dimensão constitucional na formulação do artigo 32º, nº 9, da Constituição, evitando-se o risco de manipulação da competência, e especialmente que a acusação possa escolher o tribunal que lhe parecer mais favorável.

A competência material de cada tribunal em questões penais está regulada no CPP, e subsidiariamente nas leis de organização judiciária, e determina-se em razão da natureza das causas e, em certas circunstâncias muito contadas, também da qualidade das pessoas, e, ao mesmo tempo, de acordo com a repartição própria da predefinição das regras sobre competência territorial [[10]].

Existirão, nesta sequência, três critérios para determinar tal atribuição: o objectivo, o funcional e o territorial, sendo que a conjugação dos mesmos dá lugar a outros tantos tipos de competência. Importa, assim, precisar que a distinção de critérios para a delimitação da competência do tribunal abrange a competência em razão da fase do processo (competência funcional); b. A competência em razão da espécie ou gravidade do crime, ou então da qualidade do arguido (competência material); c. A competência em razão do lugar (competência territorial).

No que concerne à competência funcional, o ponto a destacar é que têm de intervir no processo pelo menos dois juízes, um para a fase de investigação e outro para a fase de julgamento, só assim se podendo garantir o princípio da independência judicial. Nessa conformidade, o art. 40.º determina que "[n]enhum juiz pode intervir num julgamento [relativo] a processo em que tiver: a) [aplicado medida de coacção [ou] - [p]residido a debate instrutório". Quanto à competência material, é de referir que a mesma se desdobra por duas vertentes, a competência em razão da hierarquia do tribunal e a competência em razão da estrutura do tribunal.[[11]]

A competência material pode estar, porém, ordenada e delimitada no que respeita ao desenvolvimento do processo dentro de cada instância, mediante competências diversas conforme as fases da promoção e desenvolvimento processual: é o que se designa por competência funcional. No processo penal, designadamente, as diversas fases do processo (ou os actos normativamente delimitados) estão referidas a competências funcionais diversificadas: o inquérito; a instrução; o julgamento, estas sem possibilidade de cumulação funcional do juiz (artigo 40º do CPP) [11].»

Definindo-se a competência dos tribunais como a parte da jurisdição que a lei atribui (ou distribui) pelos diversos tribunais, de acordo com os modelos de organização e critérios específicos de repartição, a competência em razão da matéria constitui, como refere HENRIQUES GASPAR, que se vem acompanhando, a parcela de jurisdição distribuída pelos diversos tribunais de acordo com repartição fundados na natureza das causas submetidas a julgamento e decisão[12]. Repartição de competência que, na lição de JORGE DE FIGUEIREDO DIAS, se revela como um postulado do princípio do «juiz natural»[13].

A competência material pode estar, porém, ordenada e delimitada no que respeita ao desenvolvimento do processo dentro de cada instância, mediante competências diversas conforme as fases da promoção e desenvolvimento processual: é o que se designa por competência funcional. No processo penal, designadamente, as diversas fases do processo (ou os actos normativamente delimitados) estão referidas a competências funcionais diversificadas: o inquérito; a instrução; o julgamento.

Também JORGE DE FIGUEIREDO DIAS alude à «competência funcional por fases» quando refere que, «[e]m atenção à complexidade do decurso do processo penal, necessária para que este atinja o seu fim, não se desenvolve ele unitariamente, mesmo só considerando o processo em 1.ª instância, antes sim através de uma pluralidade de estados ou de fases, em que cada uma conforma o necessário pressuposto da que se lhe segue (-). Dessas fases, três relevam na determinação da competência funcional: a fase da instrução, onde podem caber decisões ao juiz de instrução e aos magistrados do MP; a fase do julgamento […] e a fase de execução […][14].

No caso sub judice, como já se disse, o recorrente já foi julgado no foro comum porquanto à data do início da fase do julgamento não detinha a qualidade de magistrado pelo que não «beneficiou» do foro especial previsto no citado artigo 92.º do Estatuto do Ministério Público.

A competência material e funcional do juízo da 1.ª instância fixou-se então definitivamente, ou seja, sem possibilidade de ser alterada sob pena de violação do princípio do juiz legal ou natural.

Retenha-se: a determinação normativa vertida no artigo 92.º do Estatuto do Ministério Público e na disposição homóloga do Estatuto dos Magistrados Judiciais, abrange a fase do inquérito, de instrução e de julgamento dos processos penais[15] o que, aliás, no que respeita à fase do julgamento, é coerente com a competência das relações enunciada no artigo 12.º, n.º 3, alínea a), do CPP: julgar processos por crimes cometidos por juízes de direito, procuradores da República e procuradores-adjuntos» (sublinhado agora).

Refira-se ainda que, embora o julgamento do recorrente já tenha sido realizado, o processo mantém-se em fase de julgamento pelo que a competência material e funcional para praticar os actos do processo nessa fase está, em definitivo, atribuída ao juiz do julgamento enquanto se mantiver nesse estádio.

Como justamente afirma a Ex.ma Procuradora-Geral Adjunta na sua resposta, não obstante a mudança da situação funcional do recorrente na sequência do mencionado acórdão do Conselho Superior do Ministério Público de ..-..-2019, «a verdade é que nestes autos, tal alteração não poderá ter as consequências que o arguido veio invocar, no que respeita à competência (já fixada) do Tribunal de 1ª instância.»


Como é dito na decisão recorrida, que merece a nossa concordância:

«[…] no caso presente o arguido AA já havia sido julgado e condenado nestes autos numa pena de 6 anos e 8 meses de prisão por Acórdão proferido em …...2018 pelo que aquando da entrada em juízo desse seu requerimento não se poderia colocar, por não estar já em causa, a competência do Tribunal para efectuar o seu julgamento, o qual fora já realizado em 1.ª instância e havia terminado com a prolação de decisão condenatória em …...2018 - não havendo assim lugar para a aplicação do preceituado no art° 12° n° 3 al a) do C.P.P.

Por outro lado, como já vimos, face ao preceituado no art° 38° da LOSJ a competência fixa-se no momento em que a acção se propõe, sendo irrelevantes as subsequentes modificações de facto ou de direito, a não ser nos apertados casos que são mencionados nesta disposição legal isto é, a competência uma vez fixada, não mais pode ser alterada, salvaguardadas as excepções ai previstas, nas quais não se engloba naturalmente a situação descrita relativa ao arguido AA.

Tal como aliás, ficou bem esclarecido no parecer do M.P neste Tribunal da Relação (fls 14549 e segs), já acima mencionado:

"(...) a competência não cessa nem se retoma conforme se deixe de ter ou se passe a ter a qualidade em razão da qual se afere, a não ser do ponto de vista abstracto e teórico para uma dada situação. Assim se determinado sujeito não tem a qualidade de magistrado e passa a tê-la e depois volta a deixar de ter, teoricamente passou por três diferentes situações em relação ao Tribunal competente para o julgar.

Na prática pode não ter passado por nenhuma, se contra ele não for activado num determinado momento processualmente relevante um concreto procedimento criminal.

É que embora a competência possa ir variando teoricamente de acordo com o critério em causa, há que aferi-la em concreto num determinado momento temporal que há-de ser o relevante.

E assim, uma vez determinada a competência no momento temporal relevante, ela irá manter- se ou fixar-se ao longo do processo.

Uma vez fixada temporalmente, não mais irá variar, pois que a causa não poderá mais ser retirada ao Tribunal que foi determinado como competente.

Por isso é que a Lei fala no art° 38° da LOSJ que a competência se fixa no momento em que a acção se propõe, linguagem aliás mais adequada a competência em matéria cível do que penal.

Nesta área penal pode aliás haver mais do que um momento temporalmente relevante.

Se se iniciar um inquérito e houver necessidade de levar a cabo actos jurisdicionais, o momento será o de tais actos. Mas tal competência já poderá sofrer alteração na fase de instrução após ter sido deduzida a acusação e se mostrar definido o objecto do processo (cfr. Acórdão de Fixação de Jurisprudência de 9/2/2017).

Seguramente que, em matéria penal, pode haver outro momento relevante e tal momento é aquele em que o processo é remetido para julgamento.

Desde logo, o Juiz de Instrução não tem competência para o julgamento e o momento da aferição da competência há-de ser agora outro. É no momento em que o Juiz recebe o processo para julgamento (a acção) que há-de aferir da sua competência.

Mas, uma vez determinada a competência de acordo com tal momento, ela não irá cessar ou reiniciar-se de novo. Simplesmente mantém-se, dando estabilidade à instância. A Lei refere que se fixa, termo que é, por si, bem significativo.

(...) É por isso que o citado artigo (art° 38° da LOSJ refere também que são irrelevantes as subsequentes modificações de facto ou de direito, a não ser nos apertados casos que menciona.

E se assim não fosse, poderíamos estar perante situações em que o arguido poderia, eventualmente, ter possibilidade de dificultar ou mesmo impedir o seu julgamento ao fazer saltitar a competência de um tribunal para outro, e assim levar também ao desaforamento, proibido no artigo 39° da citada LOSJ.

Com efeito, para uma causa não há dois ou mais Tribunais competentes, mas apenas um.

E esse Tribunal é aquele que for determinado no momento processualmente relevante.

Esse Tribunal irá então manter-se competente até terminar a causa. Não pode ver a sua competência fugir-lhe em razão de o arguido vir invocar uma determinada qualidade que, depois de estabelecida a tal competência, adquiriu ou readquiriu.

Como se viu aliás no acórdão do CSMP que o arguido trouxe aos autos, a variação de tal qualidade até se mostrou tão-somente dependente de si próprio.

Requereu a cessação da licença sem vencimento que solicitara.

Ora, tal vontade não pode ter a virtualidade de alterar a determinação da competência, a qual se encontrava já determinada e como tal fixada. (...)"

Por fim, importa ainda atentar no seguinte: resulta dos autos que na sequência da prolação do Acórdão condenatório proferido em …….2018 na 1ª instância, o arguido AA veio interpor recurso, o qual foi já recebido por despacho proferido em 28.2.2019 na 1ª instância.

A resposta do M.P ao recurso deste arguido, entrou em juízo em 25.5.2019 (a fls 14382 e segs) ainda antes do processo ser remetido a esta Relação.

Contudo sobre tal resposta não houve qualquer pronúncia do Tribunal de julgamento, e por despacho de fls 14528 proferido em 18.6.2019 o Sr. Juiz da 1ª instância ordenou a remessa do processo a este Tribunal da Relação, na sequência do seu despacho anterior de 9.5.2019 onde se declarara incompetente para tramitar os autos.

Assim sendo, resulta claramente dos elementos do processo que a competência para tramitar os autos, na fase de recurso, permanece no Tribunal da 1ª instância, uma vez que ficou determinado ser esse o Tribunal competente para a realização do julgamento, tendo essa decisão transitado em julgado, por não haver sofrido qualquer impugnação e não existir uma competência "autónoma", para "tramitar os autos" a seguir ao julgamento.

Por outro lado, como já vimos, a comprovada cessação da licença sem vencimento do arguido AA, decidida pelo C.S.M.P em … 2019 não possui a virtualidade de alterar essa mesma competência, já anteriormente fixada, nomeadamente para efeitos da tramitação dos autos, em momento posterior ao do julgamento (na fase dos recursos).

Deverá pois esse Tribunal de 1ª instância pronunciar-se sobre todos os requerimentos do arguido AA que dêem entrada no processo enquanto o mesmo se encontrar nessa fase de recurso (enquanto o mesmo não subir ao Tribunal superior competente para apreciação dos recursos, depois de devidamente instruídos estes), nomeadamente os requerimentos de fls 14529/14530 - pedido de desentranhamento da resposta do M.P ao seu recurso - de fls 14591 a 14594 - pedido de subida dos seus recursos já interpostos ao STJ- e de fls 14.600 a 14 602 - pedido de alteração das medidas de coacção), não sendo este Tribunal da Relação o competente para esse efeito.»


Aderindo a este entendimento, considera-se que a competência para a tramitação dos autos até à distribuição no Tribunal da Relação de Lisboa pertence e permanece no tribunal do julgamento – o Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz ..., improcedendo, assim, o recurso interposto.

Refira-se, por fim, que, para a apreciação e decisão deste recurso, se tem como completamente irrelevante a invocada «nulidade do julgamento» ou as alegadas «fundadas expectativas de que o julgamento que foi feito em 1.ª instância venha a ser anulado e ordenada a sua repetição.

Trata-se de questão hipotética que, se se vier a verificar, terá a solução que a lei processual contempla no artigo 379.º, n.º 3, do CPP.


III – DECISÃO

Em face do exposto, acordam os juízes na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e em declarar competente para a prática dos actos processuais adequados, na sequência da interposição do recurso pelo mesmo arguido, o Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz …, para aí se remetendo os autos.

Custas pelo recorrente com 6 UCs de taxa de justiça.


(Processado e revisto pelo relator que assina electronicamente)

Tem voto de conformidade da Ex.ma Conselheira Adjunta Conceição Gomes

           

SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 11 de Novembro de 2020


Manuel Augusto de Matos (Relator)

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[1] Sumários de Acórdãos das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, 2018.
[2] Este aresto encontra se, também, publicado na CJACSTJ, XIV, T.II, pág. 221; no mesmo sentido, Ac. STJ de 11 de Abril de 2007, Proc. 4820/06 3.ª, Rel. Santos Cabral, publicado na CJACSTJ, XV, T.II, pág. 163; um juiz de direito na situação de licença ilimitada não goza de foro especial — Ac. STJ de 24 de Maio de 1989, BMJ n.º 387, pág. 490).
[3] Disponível nas Bases Jurídico-Documentais do IGFEJ, em www.dgsi.pt, como os demais acórdãos que se citarem sem outra menção.
[4] Conf. Victor Fairen Guillen “Doctrina General del Derecho Procesal” Libreria Bosch Barcelona 1990, pag 247.
[5] Direito Processual Penal I Volume Coimbra Editora Coimbra 1974 pag 311 e segs.
[6] Constituição da Republica Portuguesa Anotada Coimbra Editora Coimbra 2007 pag 512 e segs.
[7] Moreno Catena: Derecho Procesal, 1. II , p. 104.
[8] Aragoneses Martínez: Derecho Procesal Penal, Centro de Estudios Ramón Areces, Madrid, 1996, pp.
[9] Código de Processo Penal Comentado; António H.Gaspar; Santos Cabral; Maia Costa; Oliveira Mendes; Pereira Madeira; Henriques da Graça Edições Almedina 2016 Coimbra pag 48 e seg          
[10] Ibidem Código de Processo Penal Comentado.
[11] Conforme Paulo de Sousa Mendes Lições de Direito Processual Penal Almedina Coimbra 2014 pag 110
[12] ANTÓNIO DA SILVA HENRIQUES GASPAR, JOSÉ ANTÓNIO HENRIQUES DOS SANTOS CABRAL, EDUARDO MAIA COSTA, ANTÓNIO JORGE DE OLIVEIRA MENDES, ANTÓNIO PEREIRA MADEIRA, ANTÓNIO PIRES HENRIQUES DA GRAÇA, Código de Processo Penal Comentado, 2016 -2.ª Edição Actualizada, Almedina, p. 48.
[13] Direito Processual Penal, Primeiro volume, Coimbra Editora, 1974, p. 329.
[14] Ob. cit., p. 358.
[15] V. CARLOS CASTELO BRANCO e JOSÉ EUSÉBIO ALMEIDA, Estatuto dos Magistrados Judiciais  Anotado e Comentado, Almedina, p. 274.