Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 4ª SECÇÃO | ||
Relator: | SAMPAIO GOMES | ||
Descritores: | ARGUIÇÃO DE NULIDADES ACIDENTE DE TRABALHO DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE DE TRABALHO CULPA DO SINISTRADO VIOLAÇÃO DE REGRAS DE SEGURANÇA CULPA DO EMPREGADOR NEXO DE CAUSALIDADE RESPONSABILIDADE AGRAVADA DANOS NÃO PATRIMONIAIS INDEMNIZAÇÃO | ||
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Data do Acordão: | 02/29/2012 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA REVISTA | ||
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Sumário : | I - Tendo a recorrente reservado, para as alegações e conclusões do recurso, a arguição de nulidade que assacava ao acórdão recorrido, não pode este Supremo Tribunal dela conhecer, por extemporaneidade, atento o disposto no artigo 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho. II - Resultando provado que a máquina na qual o sinistrado laborava – britadeira de crivo – não estava dotada das protecções que impediam o contacto com elementos móveis – as quais tinham sido retiradas –, que funcionava de forma deficiente, que a empregadora havia dado instruções ao sinistrado para que removesse as pedras que iam caindo no tapete da máquina – instruções às quais obedecia aquando da ocorrência do acidente de trabalho – e que ao sinistrado, não obstante comunicadas os perigos inerentes ao facto de colocar a mão na máquina, não havia sido dada qualquer formação em matéria de segurança quanto ao funcionamento da máquina, não pode concluir-se que o acidente se deveu a sua culpa exclusiva. III - Correspondendo a “negligência grosseira” à “culpa grave”, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum. VI - Apurando-se que o acidente de trabalho ocorreu em virtude de a máquina na qual operava o sinistrado estar sem protecções do crivo e ausente o botão de paragem de emergência junto à zona de perigo, em virtude de inexistirem procedimentos e instruções de segurança relativos ao funcionamento da máquina e em virtude da falta de experiência e formação do sinistrado, em matéria de segurança, relativamente àquele tipo de máquina, é de imputar à empregadora a responsabilidade, a título principal, pela reparação dos danos emergentes daquele acidente, por inobservância das regras de segurança. VII - A prova de factos que permitem concluir que a entidade empregadora violou deveres de cuidado, atenção ou diligência, que seriam seguidos por um empregador normal, colocado na posição da ré, que contribuíram para a produção do acidente, ou que aquela tenha violado qualquer regra legal de segurança no trabalho, causal do acidente, há lugar à indemnização por danos não patrimoniais. VIII - Resultando provado que o sinistrado sofreu, em consequência do acidente de trabalho que foi vítima, lesões particularmente graves, que implicaram um período de cura directa longo, determinaram várias intervenções cirúrgicas do foro ortopédico e estético e subsequentes tratamentos particularmente agressivos e dolorosos e que está, definitivamente, amputado do membro superior direito, pelo terço superior, afigura-se adequada uma indemnização pelos danos não patrimoniais no valor de € 50.000,00. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I ) 1. AA, com o patrocínio do MºPº, instaurou acção especial emergente de acidente de trabalho contra .... – BB, Ldª, com sede em Vila ... e CC - Companhia de Seguros, S.A., com sede em Lisboa, pedindo que seja a 1ª R. condenada a pagar-lhe: - a pensão anual e vitalícia que vier a ser fixada após realização do exame médico, agravada nos termos do disposto na al. b) do nº 1 do art. 18º da Lei 100/97 de 13/09; - o preço e a colocação da prótese do membro superior direito, o subsídio de elevada incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual de € 4.836,00; - o montante das incapacidades temporárias ainda em dívida de € 7.535,55 e, ainda, € 815,65 de despesas com transportes, hospedagens, consultas, medicamentos e taxas moderadoras hospitalares. Mais requer a condenação da 1ª R. a pagar-lhe a quantia de € 100.000,00 a título de danos morais. Subsidiariamente, pede a condenação da R. seguradora a pagar estes montantes, com o valor da pensão anual reduzido conforme o disposto no art. 17º nº 1 al. b) da Lei 100/97 de 13/09. Tudo acrescido de juros de mora às taxas legais, sendo a pensão e o montante em dívida pelas incapacidades temporárias a partir das datas mensais dos respectivos vencimentos e as quantias restantes a partir da citação. Alegou, em síntese: - que sofreu um acidente de trabalho quando prestava serviço sob as ordens, direcção e fiscalização da 1ª R., de que lhe resultaram lesões que lhe determinaram incapacidade temporária para o trabalho e incapacidade permanente absoluta para o seu trabalho habitual; - tal acidente ficou a dever-se a violação de regras de segurança no trabalho imputável à 1ª R; - a 1ª R. transferiu parcialmente para a 2ª R. a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, pelo salário de € 506,00 x 14 meses; - apenas recebeu da R. seguradora a quantia de € 592,31 a título de indemnização por incapacidade temporária, mas tem direito à quantia de € 7.535,55; - despendeu € 815,65 em transportes e hospedagem e em consultas médicas, taxas moderadoras e medicamentos; - sofreu danos morais em consequência do acidente, decorrentes do dano estético, das dores, incómodos e preocupações e da perda de afirmação pessoal e rebate da incapacidade nas tarefas diárias comuns a todos os indivíduos. Contestaram ambas as RR., a seguradora impugnando parcialmente os factos alegados pelo A., e alegando que o acidente se ficou a dever à violação de regras de segurança por parte da R. empregadora e à conduta gravemente negligente do próprio sinistrado. A R. empregadora, para além de impugnar parcialmente os factos alegados pelo A., quanto à retribuição, excepcionou a descaracterização do acidente como de trabalho, alegando que este ficou a dever-se a negligência grosseira por parte do A., que violou regras de segurança contra as ordens expressas da empregadora. Mais alegou que após o acidente, pagou ao A., provisoriamente, a quantia global de € 8.235,7, cuja restituição pela R. seguradora reclama. Foi citada a Segurança Social, que nada reclamou. Por despacho de fls. 362 foi fixada ao A. uma pensão provisória, no montante anual de € 5.359,64, sendo que a R. empregadora vem suportando uma parcela de € 328,90 e o remanescente, no montante de € 5.030,74, vem sendo suportado pelo FAT. Foi proferido despacho saneador tabelar e efectuada a condensação da matéria de facto relevante pela forma constante de fls. 364 e segs., sem reclamação. No mesmo despacho determinou-se o desdobramento do processo com vista à fixação da natureza e grau de incapacidade do sinistrado, dada a discordância quanto a estes pontos manifestada pelo segurado. No apenso de fixação da incapacidade foi proferida decisão que fixou ao sinistrado uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual com um coeficiente de desvalorização para o exercício de outras profissões de 75%. Por outro lado, o Hospital de São João, E.P.E., com sede no Porto, intentou contra a CC – Companhia de Seguros, S.A. e, subsidiariamente, contra a .... – BB, Ldª acção especial para cobrança de dívidas resultantes da prestação de serviços de saúde, a correr termos com o nº 106/08.8TTBGC, por apenso ao processo especial emergente de acidente de trabalho, pedindo que as RR. sejam condenadas a pagar-lhe a quantia de € 1.956,82, acrescida de juros de mora vincendos desde a citação até integral pagamento, relativa ao custo da assistência prestada ao sinistrado AA para tratamento das lesões por este sofridas em consequência do acidente a que se reportam os autos. Apenas a R. seguradora contestou, mantendo, no essencial, a posição assumida nos articulados do processo especial emergente de acidente de trabalho, defendendo que este ocorreu por violação de regras de segurança imputável à R. empregadora e por culpa grave e exclusiva do próprio sinistrado. Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença que decidiu: “I - julgar parcialmente procedente, por provada, a acção especial emergente de acidente de trabalho e, em consequência: 1. Condenar a R. .... – BB, Ldª, a título principal: a) a pagar ao A. AA - um subsídio por situação de elevada incapacidade no valor de € 4.836,00 (quatro mil oitocentos e trinta e seis euros); - a quantia de € 3.597,04 (três mil quinhentos e noventa e sete euros e quatro cêntimos) relativa a indemnização por ITA ainda em dívida; - a quantia de € 815,65 (oitocentos e quinze euros e sessenta e cinco cêntimos) a título de reembolso das despesas de transporte e hospedagem nas deslocações efectuadas para comparência a diligências processuais, a consultas e tratamentos, bem como consultas médicas urgentes, taxas moderadoras hospitalares e medicamentos; - uma indemnização de € 50.000 (cinquenta mil euros) a título de danos não patrimoniais; b) a fornecer ao A. AA uma prótese funcional mioléctrica para o membro superior direito; c) a reembolsar ao Fundo de Acidentes de Trabalho as quantias por este adiantadas ao A. AA a título de pensão provisória, a liquidar oportunamente. - um subsídio por situação de elevada incapacidade no valor de € 4.836,00 (quatro mil oitocentos e trinta e seis euros); - a quantia de € 467,61 (quatrocentos e sessenta e sete euros e sessenta e um cêntimos) a título de reembolso das despesas de transporte e hospedagem nas deslocações efectuadas para comparência a diligências processuais, a consultas e tratamentos, bem como consultas médicas urgentes, taxas moderadoras hospitalares e medicamentos; b) a fornecer ao A. AA uma prótese funcional mioléctrica para o membro superior direito; c) a reembolsar ao Fundo de Acidentes de Trabalho as quantias por este adiantadas ao A. AA a título de pensão provisória, com o limite decorrente da sua própria responsabilidade, a liquidar oportunamente. II - Julgar procedente, por provada, a acção especial para cobrança de dívida resultante da prestação de serviços de saúde e, em consequência: 1. Condenar a R. .... – BB, Ldª, a título principal, a pagar ao A. Hospital de São João E.P.E. a quantia de € 1.956,82 (mil novecentos e cinquenta e seis euros e oitenta e dois cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento. 2. Condenar a R. CC - Companhia de Seguros, S.A. a título subsidiário, a pagar ao A. Hospital de São João, E.P.E. a quantia de € 1.121,84 (mil cento e vinte e um euros e oitenta e quatro cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a data da citação até integral pagamento. III - Custas do processo especial emergente de acidente de trabalho pelo A. e pelas RR., na proporção de 10% para o A., 30% para a R. seguradora e 60% para a R. empregadora, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficia o A.. IV - Custas do processo especial para cobrança de dívida resultante da prestação de serviços de saúde por ambas as RR., na proporção de 30% para a R. seguradora e 70% para a R. empregadora”. Inconformada, a entidade patronal interpôs recurso de apelação tendo o Tribunal da Relação do Porto negado provimento ao mesmo, confirmando a sentença da 1ª instância, e julgado improcedente o recurso que pugna pela responsabilidade da seguradora, a título principal, e considerou prejudicado o conhecimento do recurso subordinado interposto pelo Autor. 2. É contra esta decisão que confirmou a sentença de 1ª instância, a qual considerou a acção inteiramente provada e procedente, que a Ré .... - BB, Lda, se insurge, mediante recurso de revista. O Ministério Público, enquanto patrono oficioso do sinistrado face ao recurso de revista, interposto pela Ré "S. T. R. - BB, L.da", em 07.07.2011, veio, nos termos do disposto no n° 2 do art. 682° e n° 1 do art. 724°, ambos do CPC, interpor recurso subordinado de revista. 1° O douto acórdão recorrido encontra-se maculado pela absoluta falta de motivação, nomeadamente no que concerne à indicação dos fundamentos de direito justificativos da decisão, entendendo-se estes como os princípios jurídicos vertidos nas disposições legais. 2° Ao Meritíssimo Juiz não faculta a lei a possibilidade de se abster do dever de indicar as razões de facto e de direito em que assenta a decisão, como inquestionavelmente decorre dos artigos 158°, n.°l e 659°, n.°2 Código de Processo Civil e do artigo 205°, n.°l da Constituição da República Portuguesa. 3° Sendo o dever de fundamentação um princípio constitucionalmente consagrado, sempre tal fundamentação tem de permitir a reconstituição do itinerário cognoscitivo do julgador, para que estejam devidamente consignados os elementos de facto fundamentadores da decisão proferida naquele âmbito, em termos individualizados e concretizados. 4° A conjugação do disposto no artigo 668°, n.°l, alínea b) do Código de Processo Civil, conjugado com o artigo 659° do mesmo diploma, envolve a precisão individualizada dos meios probatórios que se baseiam a decisão de facto e a indicação concreta das normas aplicáveis, sob pena de se postergarem, em absoluto, o princípio do contraditório e o direito ao recurso. Nesse sentido, o acórdão do STJ de 9 de Dezembro de 1987, BMJ 372°, página 371. 5° A omissão deste dever de fundamentação, de facto e de direito, consubstancia, arguível nos termos do n.°3 do mesmo artigo perante o Tribunal de recurso, se for admissível recurso ordinário. 6° Na sentença em crise, não foram, ainda que de forma sucinta, expendidos e indicados quais os fundamentos de facto e de direito determinantes da decisão proferida. 7º No que concerne à questão essencial suscitada pela Recorrente na sua contestação o "ter o acidente ocorrido por culpa dolosa e exclusiva do A., sabendo bem o risco que corria, meter a mão numa máquina a trabalhar" e é absolutamente clamorosa a falta de fundamentação da decisão na medida em que o Meritíssimo juiz a quo teve apenas considerações de natureza teórica, com expressões conceituais e conclusivas, sem apoio legal de espécie alguma. 8° Impunha-se que o Meritíssimo Juiz a quo fizesse um exame crítico da prova e indicasse, no mínimo, as razões de ciência e demais elementos que, na perspectiva do Tribunal, foram relevantes para formar a sua convicção num determinado sentido e não noutro, o que não ocorreu. A este propósito, Marques Ferreira, in Jornadas de Processo Penal, página 229. 9º Esta absoluta falta de fundamentação integra a previsão do artigo 668°, n.°l, alínea b) do Código de Processo Civil, verificando-se, por consequência, uma das causas de nulidade da sentença, o que se argui para os devidos efeitos legais. 10° De acordo com a prova produzida na audiência e julgamento, devia a Ré Recorrente ser absolvida do pedido. 11º A prova produzida em audiência e julgamento foi mal apreciada e incorrectamente valorada pelo Meritíssimo Juiz a quo, prova que obrigava a uma diferente resposta à matéria de facto. 12° Em primeiro lugar, se pugna pela descaracterização do acidente, como sendo de trabalho, nos termos do artigo 7º da LAT, pois no douto acórdão não existem fundamentos para levar a esta decisão. 13º Nestes termos, é exigido que a culpa grave e indesculpável da vítima deva ser a causa exclusiva do acidente de trabalho, não dando direito à reparação o acidente que resultar exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado. 14° Os factos apurados em audiência e julgamento atribuem a ocorrência do acidente à negligência grosseira do A., pois este teve uma actuação grave ao apanhar do tapete da máquina uma pedra, quando aquela se encontrava em funcionamento, conhecendo este o risco que corria. 15° Ora, o Acidente só se deu, pelo facto de o A., negligentemente ter metido a mão e o braço com a máquina em funcionamento. 16° Não tendo a Recorrente qualquer responsabilidade ou culpa, relativamente ao seu comportamento negligente. 17° Em parte alguma do processo ou testemunha, se disse que o patrão ou o seu irmão disseram ao A., para meter a mão com a máquina a trabalhar. 18° A Ré, ora Recorrente, não pode vigiar todos os seus funcionários e no caso em apreço não era possível fazê-lo, pois ficou a dúvida se não foi o A., que retirou a protecção da máquina, sem autorização, pois o mesmo fazia a manutenção aos sábados e a máquina levava a protecção. 19° Mas quem causou o acidente não foi a falta de protecção. Poderia condenar-se a aqui Recorrente se tivesse havido uma queda do trabalhador ou acidental, mas não foi isso que aconteceu, foi o A., que deliberadamente, sem que ninguém o mandasse, meteu a mão com a máquina a trabalhar, bem sabendo o perigo que corria. 20° Da factualidade provada conclui-se que o comportamento do sinistrado deve ser considerado gravemente culposo, grosseiro, temerário, inútil, indesculpável e reprovado por um elementar sentido de prudência. 21° Ao contrário do douto acórdão, a Recorrente entende que houve negligência grosseira do sinistrado, tal como refere o artigo 14° da LAT, ou seja, o A. agiu com culpa lata e grave, pois não observou os cuidados que todos em princípio adoptam e foi o seu comportamento causa exclusiva do acidente, pois não foi o facto de a máquina, naquele local não ter protecção, que deu causa ao acidente, logo houve uma violação do previsto no artigo 14° da LAT. 22° De acordo com a lei em vigor: "Quando o acidente resultar de falta de observação das regras de segurança fixar-se-ão segundo as regras próprias; 23° A aplicação deste normativo exige que se verifique, em concreto, a falta de cumprimento ou a violação das regras de segurança no trabalho, imputável ao empregador, a título de culpa que não se presume e que exista nexo de causalidade entre essa inobservância e produz o acidente". 24° Não existe nexo de causalidade entre o acidente e o facto de não existir aí uma tampa na máquina, nunca a entidade patronal disse aos seus trabalhadores, para meterem as mãos, o que aconteceu com o funcionário AA foi um acto de livre vontade de negligência grave, porquanto todos os trabalhadores sabiam que não o podiam fazer e os riscos que dai podiam advir. 25° Todavia, mesmo que estivesse demonstrada a concreta violação de regras de segurança por parte da empregadora (que não se provou), de acordo com o preceituado no artigo 342° do Código Civil, sempre seria necessário provar a existência de nexo de causalidade entre essa inobservância e a produção do acidente, o que manifestamente não se verifica. 26° Isso significa que o caso dos autos, a existir culpa no mesmo, é do trabalhador que aí colocou a sua mão, numa máquina em movimento, e então é mais um acidente de trabalho que ocorreu apenas, com causas objectivas, no decurso normal da actividade levada a cabo, pelo Autor, cuja obrigação de reparar deverá ser cumprida pelas prestações normais, dada a transferência de responsabilidade por via de contrato de seguro, assumindo a qualidade de sujeito passivo a Ré Seguradora. 27º Em segundo lugar o acórdão recorrido erra quando diz que foi a falta culposa das condições de segurança que deu causa ao acidente, dizendo que estão preenchidos os pressupostos do artigo 18° do LAT, o que não é verdade, por isso se discorda. 28° O acórdão recorrido atribui à Recorrente a violação das normas de segurança e dos deveres dos empregadores previstos nos artigos 272° e 273° do Cód. do Trabalho e no D.L. 50/2005 de 25 de Fevereiro, mas em nada refere a violação dos deveres dos trabalhadores previstos no artigo 274° do Cód do Trabalho, que o A. negligentemente violou com a sua conduta culposa. 29° Entende a aqui Recorrente que o A., ao trabalhar na máquina sem as protecções de segurança necessárias e ao adoptar comportamentos lesivos da sua segurança e saúde e dos que demais trabalhavam com ele naquele local (como foi o comportamento de retirar as pedras do tapete da máquina com as mãos, com o equipamento em funcionamento), violou os referidos deveres de protecção e contribuiu para o acidente ocorrido. 30° Actualmente, não vigora na lei a presunção de culpa da entidade patronal, por isso questiona-se que medidas de segurança seriam de impor a um trabalhador que deliberadamente, contra a vontade e bem sabendo o perigo que corria, mete a sua mão, para tirar uma pedra de uma máquina perigosa em movimento. 31° Todavia, mesmo que estivesse demonstrada a concreta violação de regras de segurança por parte da empregadora (que não se provou), de acordo com o preceituado no artigo 342° do Código Civil, sempre seria necessário provar a existência de nexo de causalidade entre essa inobservância e a produção do acidente, o que manifestamente não se verifica. 32° Ainda assim, dispõe a este respeito o Acórdão do STJ de 14.04.2010, proferido no processo 35/05.7TBSRQ.L1.S1, in www.dgsi.pt, que no incumprimento pela empregadora dos deveres de informação e de formação dos trabalhadores sobre os riscos profissionais e de sinalização do equipamento, face ao circunstancialismo apurado e no contexto de um juízo de probabilidade ex post, não se configura como causa adequada do acidente, pois este poderia ter ocorrido mesmo que a empregadora tivesse cumprido os sobreditos deveres. Não se extraindo da matéria de facto provada que o acidente tenha resultado da inobservância, pela ré empregadora, de regras sobre segurança no trabalho, não se mostram preenchidos os pressupostos da responsabilização do empregador". 33° Ora, tal como no caso do Acórdão anteriormente referido, o acidente aqui em apreço poderia ter ocorrido, independentemente de a Recorrente entidade patronal cumprir ou não os seus deveres de informação e formação dos trabalhadores, tal como resulta da matéria de facto já assente. Por isso, não há aqui fundamento para a responsabilização do empregador por tal acidente, faltando por isso o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança pela Ré empregadora (que não foi provada) e o acidente. 34º Quem tinha que prever o acidente era o A., com o seu comportamento, já que a entidade patronal não se encontrava no local, nem pode estar constantemente a vigiar todos os trabalhadores que tem a seu cargo, estando conscientemente convicta de que as suas obrigações genéricas, enquanto entidade patronal, estavam cumpridas. 35° Não há, por isso, fundamento para a responsabilização do empregador por tal acidente, faltando por isso o nexo de causalidade entre a violação das regras de segurança pela Ré empregadora (que não foi provada) e o acidente. 36° A existir culpa no sinistro, é do trabalhador que colocou a sua mão numa máquina em movimento, sendo, por isso, mais um acidente de trabalho que ocorreu apenas, com causas objectivas, no decurso normal da actividade levada a cabo pelo Autor, 37° Cuja obrigação de reparar deverá ser cumprida pelas prestações normais, dada a transferência de responsabilidade por via de contrato de seguro, assumindo a qualidade de sujeito passivo a Ré Seguradora. 38° A Recorrente não aceitou ter a trabalhar uma máquina cujo funcionamento era defeituoso, visto que a máquina em que o sinistrado se acidentou possuía marcação de conformidade CE. 39° Assim, a existir culpa no sinistro, é do trabalhador que colocou a sua mão numa máquina em movimento, sendo, por isso, mais um acidente de trabalho que ocorreu apenas, com causas objectivas, no decurso normal da actividade levada a cabo, pelo Autor, cuja obrigação de reparar deverá ser cumprida pelas prestações normais, dada a transferência de responsabilidade por via de contrato de seguro, assumindo a qualidade de sujeito passivo a Ré Seguradora. 40° O trabalhador agiu sem usar dos cuidados exigíveis ao ser humano, de mediana cautela, não havendo qualquer dúvida de que o A. não foi cuidadoso, pois é evidente o perigo que resulta de procurar tirar uma pedra de uma máquina em movimento. O trabalhador tinha forma de a parar no dispositivo próprio e não o fez, optando por aí introduzir a mão. 41° Ficou provado que as funções do trabalhador eram ligar e desligar a máquina e limpá-la quando a mesma se encontrasse parada, logo nunca outras instruções lhe poderiam ser dadas, tendo isso sido demonstrado em audiência e julgamento, através do depoimento da testemunha DD, que também trabalhou com a mesma máquina. 42° Nem a Recorrente, nem o seu gerente, nem qualquer encarregado, disseram para o A. fazer o que ele fez, logo não se pode afirmar que a entidade patronal tenha implementado processos de trabalho que potenciaram os riscos inerentes ao funcionamento de um equipamento perigoso. 43° Assim sendo, não é permitido afirmar aqui o nexo causal entre a violação das normas de segurança e o acidente. 44° De facto, o modo de funcionamento correcto da máquina não incluía a limpeza do tapete, nem sequer a inexistência das protecções laterais da máquina, no entanto, como já foi referido anteriormente, não ficou provado que a falta de protecções e as ordens de limpeza tivessem resultado de um acto ou ordem da Recorrente, sendo mais do que evidente que resultou sim de um comportamento negligentemente grosseiro do trabalhador. 45° Os riscos que daí podiam advir eram manifestamente evidentes, por isso o trabalhador deveria ter prevenido e acautelado esses riscos e deveria ter providenciado pela colocação das protecções em falta. 46° Entende a aqui Recorrente que não se encontram preenchidos, por tudo o que foi exposto, os pressupostos do artigo 18° n.°l da LAT, e consequência também os pressupostos do artigo 37° n.°2 da mesma Lei. 47° Ora, no caso em apreço, não estamos perante o vertido no artigo 483° do Código Civil, já que a Recorrente considera não existir no presente caso: e) Um facto voluntário do agente; f) Ilicitude desse facto; g) Nexo de imputação do facto; h) Nexo de causalidade entre o facto provocado pelo agente e o dano sofrido. 48° Pois, como foi referido anteriormente, a culpa do acidente não se deveu ao comportamento culposo da Recorrente, muito pelo contrário. 49° Logo, não estão preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar, por parte da Recorrente. 50° A haver lugar a indemnização, terá que ser com base no conteúdo do Contrato de Trabalho e a dar-se como certo que se está perante um acidente de trabalho (facto que não se concorda), toda a responsabilidade pelo seu pagamento é da responsabilidade da Ré Seguradora e também os danos morais, referidos no douto acórdão, não terão que ser atribuídos e muito menos ser a aqui Recorrente obrigada a pagar. 51° Por outro lado, a indemnização atribuída no douto acórdão, a título de danos não patrimoniais, é irrazoavelmente excessiva, ainda que não se concorde com a sua atribuição. 52° Teria, por isso, que ser outra e mais baixa, tendo em conta também os valores atribuídos nos Acórdãos em que se baseou a decisão recorrida. 53° A aqui Recorrente pugna também pelo valor do salário do recorrido a considerar para efeitos de cálculo das prestações devidas. 54° Decorre dos artigos 26° da Lei 100/97, de 13 de Setembro (LAT - Lei dos Acidentes de Trabalho) e 249° do Código de Trabalho uma presunção de retribuição para todas as prestações efectuadas pela entidade patronal, competindo ao Autor alegar e provar o recebimento das quantias respectivas e à entidade patronal a prova respectiva de que tais pagamentos não tinham carácter de regularidade. 55º Tendo sido provado que o salário base acordado no contrato foi de € 496,00 e que foi pago ao Autor a quantia de € 1.000,00 pelo trabalho prestado entre 01.02.2007 e 14.03.2007, não pode ser aferido deste facto o carácter de regularidade de tal retribuição, já que a relação laboral durou apenas 42 dias. 56° Pelas mesmas razões, não se deve considerar o valor da alimentação e dormida, mas apenas e somente o salário base acordado no contrato de trabalho. 57° No entanto, as prestações regularmente recebidas só serão de considerar como retribuição se não se destinarem a compensar o sinistrado por custos aleatórios que teve de suportar por causa do trabalho, conforme advém do n° 3 do artigo 26° da Lei 100/97, regime legal que definiu mais claramente em que consiste a retribuição a atender para reparar o acidente de trabalho ao excluir expressamente do conceito de retribuição aqueles rendimentos do trabalhador que se destinam a compensá-lo de custos aleatórios que teve de suportar por causa do trabalho, exclusão que não constava da lei anterior. 58° Efectivamente, é a própria lei que considera que as importâncias compensatórias de despesas suportadas pelo trabalhador (nelas se integrando as ajudas de custo, abonos de viagem, despesas de transporte, abonos de instalação e outras equivalentes, devidas ao trabalhador por deslocações feitas em serviço da entidade patronal, ou pela sua colocação em novas instalações da empresa), não constituem retribuição, pois que se destinam a compensá-‑lo ou a reembolsá-lo de despesas que teve de realizar por causa do trabalho. 59° Portanto, a aqui Recorrente entende que só se deve considerar, para efeitos de cálculo das prestações devidas, o salário base acordado no contrato de trabalho, já que esse é, sem dúvida, o valor auferido pelo Autor com carácter certo e regular, correspondente à prestação de trabalho por ele efectuada, 60° A aqui Recorrente não concorda ainda com a sua responsabilidade a título principal, entendendo que tal responsabilidade deverá ser imputada à Ré Seguradora, já que não existe culpa da Recorrente na produção do acidente de trabalho nos autos, desde logo por não se ter provado o nexo de causalidade entre a violação de regras de segurança e o acidente. 61° Assim, se se entender que o comportamento do A. é culposo, mas não tão grave, e que não leve à descaracterização do acidente, mesmo assim, sempre terá que ser a Ré Seguradora a primeira responsável pela indemnização a que o A. tem direito e não a aqui Recorrente. 62° Do exposto decorre que a decisão sub judice, fez uma errónea interpretação do condicionalismo fáctico subjacente ao acidente dos autos e, por isso, realizou uma deficiente interpretação e aplicação do direito, impendente que violou, designadamente os normativas supra citados, pelo que deverá ser revogado e substituída por outra que, interpretando e aplicando as mencionadas disposições legais, absolva a Ré, aqui Recorrente. 63° Pelo que, deverá ser revogada e substituída por outra decisão, que interprete e aplique devidamente as mencionadas disposições legais, absolvendo a aqui Recorrente do pedido, podendo vir a ser condenada a Ré Seguradora, como responsável principal dos valores a pagar. 64° Em procedência do recurso principal, entende a aqui Recorrente que deve ainda ser condenada a Ré Seguradora como principal responsável no recurso subordinado. Conclui pela revogação do acórdão recorrido. Contra-alegou a seguradora, CC — Companhia de Seguros, SA, pugnando pelo não provimento do recurso, ou quando muito, se assim se entender, pela descaracterização do acidente como de trabalho. Contra-alegou o sinistrado e do mesmo passo interpôs recurso subordinado, invocando a extemporaneidade da arguição de nulidades no recurso principal, a sua não verificação, e pugnando pela manutenção da decisão recorrida. No recurso subordinado, AA, nas alegações feitas, formulou as seguintes conclusões: 1ª - A decisão recorrida não é merecedora de qualquer censura; 2ª- Reformando-se, porém, o acórdão, em termos de se entender que o acidente não se deveu a falta culposa das condições de segurança por banda da co-‑demandada/Entidade Patronal, a factualidade fixada/ajuizada e a ajuizar não permite consolidar, por parte do sinistrado/recorrente, uma qualquer desobediência a ordens ou instruções sobre segurança que lhe tivessem sido transmitidas pela recorrida e/ou tão-pouco a ocorrência de negligência grosseira no seu modo de actuação/execução de tarefas; 3ª - Antes (e no máximo) a materialidade provada apenas poderia integrar um comportamento meramente negligente do sinistrado, reiteradamente instado pela recorrida a "limpar constantemente o tapete das pedras"; 4ª - E, assim, para a hipótese de exclusão da responsabilidade agravada da Entidade Patronal, avançaria a sentenciada condenação subsidiária da R. Seguradora, presentemente a título principal. Termina protestando a manutenção do acórdão impugnado ou, subsidiariamente, a condenação da co-demandada Seguradora, CC -Companhia de Seguros, S.A., na reparação do acidente. Objecto dos recursos:
Atentas as conclusões das alegações do recurso interposto pela recorrente/empregadora, .... – BB, Ldª, que delimitam o âmbito do mesmo, são questões a apreciar: - da nulidade do acórdão, por falta de fundamentação (1ª a 9ª concls.); - da negligência grosseira do sinistrado na produção do sinistro - descaracterização do acidente; - da imputação da violação das regras de segurança à recorrente e nexo causal entre as mesmas e o acidente; - do valor atribuído ao sinistrado a título de indemnização por danos não patrimoniais; - do montante de retribuição a atender para o cálculo das prestações fixadas ao sinistrado. O objecto da revista subordinada do sinistrado consiste: - na apreciação da não existência de negligência grosseira reportada ao seu comportamento e, não sendo afirmada a responsabilidade agravada da Ré/empregadora, da condenação da Ré/seguradora nas prestações eventualmente devidas.
1. Foi a seguinte a factualidade dada com assente nas instâncias: 1- O A. foi admitido ao serviço da Ré .... em 01.02.07, mediante contrato individual de trabalho a tempo indeterminado, para exercer as funções de motorista de pesados, passando o A. a trabalhar, a partir dessa data, sob as ordens direcção e fiscalização da Ré (al. A). 2- O salário base acordado no contrato foi de € 496,00 (al. B). 3- O A. manteve-se a trabalhar para a Ré como motorista de pesados, nas obras de construção da Ponte em Quintanilha, até cerca de um mês e meio antes do acidente dos presentes autos (al. C). 4- No dia 14.03.07, pelas 07h45m, quando o A. estava na tarefa de limpar o crivo do tapete alimentador de uma britadeira, o tapete puxou-lhe a luva que o sinistrado tinha calçada a apanhou-lhe a mão e o braço direito, do que lhe resultou amputação do membro superior direito pelo terço superior (al. D). 5- A luva, ao ficar entalada entre o tapete e o rolo foi puxada pelo movimento deste e apanhou-lhe a mão e o membro superior direito que era o seu membro funcional ou activo, arrancando-lhe esse braço (al. E). 6- O A. nasceu a …, e é o beneficiário nº … da Segurança Social (al. F). 7- A responsabilidade infortunística da entidade patronal encontra-se parcialmente transferida para a CC, Companhia de Seguros, S.A., através da Apólice n° … pelo salário mensal de € 506,00 x 14 meses ou seja o total anual de € 7.084,00 (al. G). 8- O A. teve alta em 22.02.08 (al. H). 9- Em consequência do acidente referido em D o A. sofreu incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 15/03/07 até 22/02/2008 (al. I). 10- O A. já recebeu, da seguradora, a indemnização de € 592,31 relativa a tal período de incapacidade temporária (al. J). 11- Em transporte e hospedagem nas deslocações efectuadas para comparência a diligências processuais, a consultas e tratamentos, bem como consultas médicas urgentes, taxas moderadoras hospitalares e medicamentos, despendeu o A. o total de € 815,65 (al. K). Das respostas à matéria da Base Instrutória 12- Além do salário mensal, a R. pagava ao A. a comida e a dormida (resposta ao quesito 1º). 13- E trabalhava de 2ª a 6° feira, pelo menos dez horas diárias e, por vezes, também aos sábados (resposta ao quesito 2º). 14- Cerca de mês e meio antes do acidente, o A. celebrou com a R. o contrato de trabalho que se mostra junto aos autos a fls. 274/275 e cujo teor aqui se considera reproduzido e que passou a trabalhar como operador da máquina britadeira (resposta ao quesito 3º). 15- O A. já havia trabalhado, algum tempo antes, com uma britadeira, para a empresa A... (resposta ao quesito 4º). 16- Provado apenas que esta última era uma britadeira de crivo, assim chamada por fazer areia e brita de diversos calibres (resposta ao quesito 5º) (alteração feita pela Relação); 17- O A. começou, assim, a trabalhar para a Ré, sob as ordens, direcção e fiscalização desta, com esta britadeira de crivo (resposta ao quesito 6º). 18- Pelo trabalho prestado pelo A. até à data do acidente a R. pagou ao A. a quantia de € 1.000,00, por meio de cheque datado de 18/03/2007 (resposta aos quesitos 7º, 8º e 79º). 19- Além da quantia referida no número antecedente a R. pagou sempre ao A. o almoço e o jantar (resposta ao quesito 10º). 20- E dava-lhe ainda a dormida uma vez que tinha assinalado e pagava ela, a renda do apartamento onde o A. vivia; no mesmo apartamento viviam também outros trabalhadores da R. (resposta ao quesito 11º). 21- O A. trabalhava com a britadeira-crivo das 7 horas às 20 horas com um intervalo de uma hora para o almoço - das 12 às 13 horas (resposta ao quesito 12º). 22- Aos sábados fazia os trabalhos de manutenção da máquina das 7 horas ao meio-dia e aos domingos descansava (resposta ao quesito 13º). 23- A R. nunca providenciou para que ao A. fossem ministradas acções de formação sobre as regras de segurança saúde e higiene no trabalho e sob o funcionamento desta máquina (resposta ao quesito 16º). 24- A máquina foi alterada, não se apresentando como era no original (resposta ao quesito 17º). 25- O tapete transportador da brita foi mudado para outro mais estreito, pois o original tinha cerca de 1,30 metros de largura e o actual, que lá estava na altura do acidente, tinha apenas cerca de 90 cm (resposta ao quesito 18º). 26- O facto deste novo tapete ser mais estreito fazia com que caíssem, com frequência, as pedras transportadas na parte superior do tapete, para a parte inferior deste (resposta ao quesito 19º). 27- Ora como o tapete não estava certo com o chassis da máquina, ao oscilar fugia para os lados, deixando aberturas entre ele e o chassis, pelas quais caíam pedras na parte inferior desse tapete (resposta ao quesito 20º). 28- As quais tinham que ser retirados pelo A., pois caso contrário iam-se enfiar e entalar entre o rolo que accionava o tapete transportador e este, acabando por danificar ou destruir o tapete (resposta ao quesito 21º) (alterada pela Relação). 29- Isto obrigava o A. a estar atento a essas pedras que assim caíam da parte superior do tapete, na parte inferior deste, evitando que as pedras caídas fossem apanhadas pelo rolo (resposta ao quesito 22º) (alterada pela Relação). 30- Não podendo o A. desligar a máquina cada vez que tinha que proceder a estas operações, quer porque isto acontecia constantemente, quer porque o A. não dispunha naquele local de qualquer botão que lhe permitisse desligar a máquina, quer porque aquela máquina, chamada britadeira crivo, trabalhava em conjunto com outra chamada britadeira primária e quando paravam tinham que parar as duas simultaneamente (resposta ao quesito 23º). 31- O A. várias vezes avisou o gerente da firma que se encontrava na obra, o SR. EE, que o tapete era um perigo e que era preciso substituí-lo (resposta ao quesito 24º). 32- O encarregado-geral e irmão do sócio-gerente, EE respondia sempre que já o tinha encomendado, mas nunca o substituiu (resposta ao quesito 25º). 33- Foi para evitar que essas pedras que caíam na parte inferior do tapete se fossem entalar no rolo que accionava o tapete que o A. procedeu da forma referida em D (resposta aos quesitos 26º e 57º). 34- O equipamento constituído pela britadeira estava a funcionar sem ter montadas as protecções de segurança destinadas a evitar o contacto mecânico com os seus elementos móveis (resposta ao quesito 27º). 35- A Ré não prestou ao A. informação sobre os riscos para a sua segurança e saúde visando prevenir os riscos profissionais que corria como manobrador daquela máquina (resposta ao quesito 29º). 36- A Ré não impediu que o A. prestasse o seu trabalho exposto ao risco de contacto mecânico com os elementos móveis do equipamento com que trabalhava (resposta ao quesito 31º). 37- Foi o facto de o equipamento estar a funcionar sem ter montadas as protecções de segurança para eliminar o risco de contacto mecânico com elementos móveis que permitiu que o A. ao pretender retirar as pedras do tapete, ficasse com a luva entalada no rolo que accionava o tapete e com a luva fossem arrastadas a mão e o braço direito (resposta ao quesito 32º). 38- O equipamento, anteriormente ao início do trabalho do A., dispunha dessa protecção (resposta ao quesito 33º). 39- O A. foi logo transportado por outro operário, numa carrinha, para o Hospital de Bragança e dada a situação em que se encontrava, foi logo transportado, de helicóptero para o Hospital de São João, no Porto (resposta ao quesito 34º). 40- Enquanto o braço que havia ficado dentro da britadeira, só depois foi recuperado pelos bombeiros e transportado para a unidade de saúde, numa toalha com gelo, embora tivesse resultado impossível a sua recuperação (resposta ao quesito 35º). 41- O A. sofreu dores que os peritos médicos graduaram no grau 5 da escala 7 segundo a Tabela aplicável de incapacidade em Direito Civil (alteração feita pelo Tribunal da Relação). 42- Continuando a sofrê-las em relação ao braço que já não tem, no tipo de "dores fantasmas" (resposta ao quesito 37º). 43- Na extremidade do membro amputado designado por coto ficou com a respectiva cicatriz, dada a impossibilidade de reimplantar o membro amputado (resposta ao quesito 38º). 44- Devido às dores e à natureza do dano corporal sofrido a terapêutica aplicada ao A. incluiu analgesia, cuidados de penso, consultas de fisiatria e de cirurgia plástica (resposta ao quesito 39º) (alteração produzida pela Relação). 45- Depois de ter alta do hospital continuou a deslocar-se para tratamentos e consultas médicas ao Hospital de S. João no Porto e aos serviços clínicos da R. seguradora (resposta ao quesito 40º). 46- O A., que vive em Vila For, a mais de cem quilómetros de distância do Porto, sofreu internamento hospitalar longe do local onde vive, no Hospital de S. João no Porto, até 28.03.07 data em que lhe foi concedida alta (resposta ao quesito 41º). 47- Passando a partir dessa data a ser medicado e tratado em consulta Externa de Cirurgia Plástica e Medicina Física de Reabilitação (resposta ao quesito 42º). 48- O A. acabou por ser ainda reencaminhado, após sair do Hospital de S. João, por indicação da Ré Seguradora para o Hospital da Lapa, no Porto, onde foi observado (resposta ao quesito 43º). 49- O A. continuou em tratamentos ambulatórios durante vários meses (resposta ao quesito 44º). 50- O A. suportou assim dores, internamento hospitalar longe do local onde vive, intervenções cirúrgicas, tratamentos ambulatórios deslocações forçadas, com os cuidados do penso, consultas de fisiatria e Cirurgia Plástica durante vários meses (resposta ao quesito 45º) (alteração produzida pela Relação). 51- O A. a seguir ao acidente sentiu grandes preocupações com a sua vida, temendo não conseguir superar aquela situação e temendo o seu futuro e da sua família, de que o A. é sustentáculo, na Moldávia constituído pela mulher e por dois filhos menores (resposta ao quesito 46º). 52- O A. antes do acidente era uma pessoa normal no apogeu e força dos seus 42 anos de idade (resposta ao quesito 47º). 53- Após o acidente, o A. ficou com um coto no lugar do membro superior direito o qual é constituído por uma cicatriz em toda a zona da amputação, o que lhe causa um dano estético e o desgosta (resposta ao quesito 48º). 54- Perturbam o A. sentimentos de profundo desgosto, tristeza, constrangimentos e revolta pela situação em que ficou (resposta ao quesito 49º). 55- A afirmação pessoal do A. ficará diminuída por causa da incapacidade de que ficou afectado e esta tem rebate não só no exercício das tarefas profissionais, mas também nas tarefas diárias comuns a todos os indivíduos (resposta ao quesito 50º). 56- O A. necessita de uma prótese funcional mioeléctrica (resposta ao quesito 51º). 57- A R. adquiriu uma britadeira de crivo à firma A..., cujo sócio gerente era o senhor FF, para quem o A. já havia trabalhado alguns meses com uma britadeira de características não concretamente apuradas (resposta ao quesito 52º) (alteração feita pela Relação). 58- A máquina em causa foi fornecida com equipamento de protecção (resposta ao quesito 58º). 59- O A. sabia dos riscos existentes, ao interferir no funcionamento da máquina, e ainda mais, sem o dispositivo de protecção (resposta ao quesito 62º). 60- Antes de começar a trabalhar com a referida máquina, o então encarregado geral da R., EE, esteve no local da obra durante duas horas a ensinar ao A. o funcionamento da máquina (resposta ao quesito 64º). 61- A máquina em causa não dispõe de condutor nem manobrador, pois trata-se de uma britadeira de crivo (resposta ao quesito 66º). 62- A máquina em causa apenas pode ser transportada com recurso a um camião de grande porte (resposta ao quesito 67º). 63- Foi transportada e montada na referida obra, por técnicos com conhecimentos específicos para esse efeito e com revisão do seu funcionamento (resposta ao quesito 68º). 64- A assistência técnica e mecânica à referida máquina sempre foram prestadas por funcionários de uma empresa credenciada, a sociedade GG - Equipamentos Ambientais e Industriais, Lda., que explora a empresa de metalomecânica HH (resposta ao quesito 70º). 65- A máquina tinha sido assistida a 7 de Novembro de 2006, 27 de Novembro de 2006 e 18 de Dezembro de 2006 (resposta ao quesito 71º). 66- No contrato de trabalho escrito celebrado entre o A. e a R. cuja cópia se mostra junta aos autos a fls. 274/275 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido, consta na cláusula 6ª que o A. “aufere o vencimento ilíquido de 496,00 Euros (quatrocentos e noventa euros)” e a R. também pagava as refeições do almoço e do jantar (resposta ao quesito 72º). 67- A R. pagava a renda de uma casa onde viviam vários trabalhadores seus, incluindo o A. (resposta ao quesito 73º). 68- Quando as obras que a Ré levava a cabo decorriam longe de Vila ... ou a mais de 100 quilómetros, esta arrendava uma casa destinada ao A. e a todos os seus colegas e efectuava o pagamento da respectiva renda (resposta ao quesito 75º). 69- O A. celebrou com a R. STR um contrato de trabalho sem termo com início em 1/1/2003, para exercer as funções de motorista de pesados, tendo exercido tais funções por tempo não concretamente apurado e que em 1/11/2005 celebrou com a firma A..., Ldª um contrato de trabalho a termo certo pelo prazo de um ano, com as funções de servente, contrato este que executou até 31/05/2006 (resposta aos quesitos 82º, 83º e 84º). 70- Desde a data do acidente até final do ano de 2008 a R. STR pagou provisoriamente ao A. a quantia de € 5.138,10 (cinco mil cento e trinta e oito euros e dez cêntimos) (resposta aos quesitos 85º e 86º). 72- Além da quantia referida na resposta aos quesitos 85º e 86º a R. pagou ao A. a alimentação e estadia desde a data do acidente até Junho de 2008 (resposta ao quesito 87º). 73- Na altura do acidente o sinistrado encontrava-se a proceder à extracção manual de uma pedra que se encontrava entre o rolo e o tapete de transporte existente no crivo, quando o movimento rotativo do rolo colheu a luva da sua mão direita, acabando por puxar todo o membro superior (resposta ao quesito 88º). 74- O tapete transportador da máquina não possuía a largura adequada, sendo muito estreito para a mesma, originando a sua constante deslocação para o lado esquerdo do equipamento (resposta ao quesito 89º). 75- Esta situação permitia a queda de pedras para o interior do tapete, o que acontecia de forma frequente e habitual (resposta ao quesito 90º). 76- Sendo propício a originar danos irreversíveis no mesmo, ou até mesmo o seu rompimento (resposta ao quesito 91º) 77- Do que, de tudo, o autor sabia e tinha perfeito conhecimento (resposta ao quesito 92º). 78- Toda esta situação levou a entidade patronal a transmitir instruções precisas aos seus funcionários, entre os quais o aqui autor, no sentido de estes removerem o mais rapidamente possível as pedras que entrassem no tapete (resposta ao quesito 93º). 79- Para além disso, sempre que o desvio lateral do tapete era muito grande, o sinistrado, ou qualquer outro trabalhador que estivesse a trabalhar na máquina, tinha de ajustar os esticadores que se encontravam na zona posterior do crivo, o que tudo implicou a remoção da protecção de segurança posterior do crivo (resposta ao quesito 95º). 80- Foi no cumprimento das instruções da entidade patronal referidas na resposta ao quesito 93º que o sinistrado utilizou a mão direita para proceder à remoção de uma pedra, acabando por sofrer o sinistro em discussão nos presentes autos (resposta ao quesito 96º). 81- A máquina que o sinistrado se encontrava a manusear era do ano de 2002, possuindo marcação de conformidade CE, e o botão de emergência se encontrava situado no lado contrário àquele em que o sinistrado se encontrava a operar no momento do acidente (resposta ao quesito 97º). 82- O sinistrado não possuía qualquer formação específica nos domínios da segurança, higiene e saúde no trabalho, maxime no que se refere ao funcionamento da máquina onde ocorreu o sinistro (resposta ao quesito 100º). Dos autos de acção especial para cobrança de dívidas resultantes da prestação de serviços de saúde com o nº 106/08.8TTBGC, a correr termos por apenso: 83- De 14 a 28 de Março de 2007 o A. AA recebeu tratamento no Hospital de S. João nos serviços de urgência e internamento. 84- Nesses serviços e durante o período de permanência neste hospital, foram-lhe feitos os diagnósticos clínicos e adoptados os procedimentos terapêuticos constantes do “relatório de doente” junto aos autos a fls. 7 e cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido. 85- Os encargos resultantes da assistência prestada importam a quantia de € 1.956,82 e foram calculados de harmonia com a Portaria 567/2006 de 12/06 tomando por base os referidos diagnósticos e procedimentos, bem como a idade, o sexo e o destino após a alta, que levaram à classificação do doente na GCD (Grande Categoria Diagnostica) e no GDH (Grupo Diagnóstico Homogéneo) constante do referido “relatório de doente”. 86- A referida assistência foi motivada pelos ferimentos apresentados pelo assistido na sequência do acidente descrito na alínea D da matéria de facto assente. 87- Por decisão proferida no apenso para fixação da incapacidade foi fixada ao sinistrado AA uma incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com um coeficiente de desvalorização para o exercício de outras profissões de 75%. 88- Os senhores peritos médicos atribuíram ao sinistrado, na junta médica, o escalão 6/7 relativamente ao dano estético (aditado pela Relação). 2. O acidente dos autos ocorreu em 14.3.2007, pelo que se aplica o regime jurídico da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (Regime Jurídico dos Acidentes de Trabalho e das Doenças Profissionais), que entrou em vigor em 1 de Janeiro de 2000, conforme resulta da alínea a) do n.º 1 do seu artigo 41.º, conjugada com o disposto no n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril (Regulamento da Lei de Acidentes de Trabalho), na redacção que lhe foi dada pelo Decreto-Lei n.º 382-A /99, de 22 de Setembro. - da nulidade do acórdão, por falta de fundamentação (Conclusões 1ª a 11ª).
Em sede de apelação a Ré/recorrente invocou a nulidade da sentença da 1ª instância com os mesmos fundamentos agora alegados. Sobre esta questão o Acórdão recorrido não conheceu da invocada nulidade da sentença com o fundamento, em síntese, de que “a arguição da nulidade não foi correctamente formulada, visto que apenas foi levada a cabo nas alegações e conclusões de recurso e não expressa e separadamente, nem sequer mencionada, no requerimento de interposição de recurso. Trata-se portanto de arguição intempestiva, pelo que não se procede à sua apreciação”. Na verdade, tendo sido arguida a nulidade da sentença apenas na alegação do recurso de apelação e da qual o Tribunal da Relação não conheceu, por não ter sido suscitada e substanciada no requerimento de interposição daquele recurso, e não vindo, expressamente, nesse preciso segmento, impugnado o acórdão da Relação, não pode o Supremo pronunciar-se sobre a existência, ou não, da nulidade assacada à sentença, pois sobre tal nada foi decidido pelo acórdão recorrido. Nas conclusões do presente recurso de revista, vem a recorrente arguir também a nulidade da decisão recorrida, por “falta de fundamentação, o que integra a previsão do artigo 668°, n.°l, alínea b) do Código de Processo Civil”. Vejamos: Segundo o artigo 77.º n.º 1 do Código de Processo do Trabalho, aprovado pelo D.L. nº 480/99, de 9 de Novembro, “a arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso”. Tal disposição é inequívoca acerca da forma que a arguição das nulidades da sentença deve assumir, em caso de recurso: essa arguição tem de ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição do recurso. Assim o tem entendido a Jurisprudência deste Supremo[1]: “II - Tal exigência, ditada por razões de celeridade e economia processual, destina-se a permitir que o tribunal recorrido detecte, rápida e claramente, os vícios arguidos e proceda ao seu eventual suprimento, sendo que exigência é, igualmente, aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação, atento o disposto no art. 716.º, nº 1, do CPC. III - Deste modo, está vedado às partes reservar a sobredita arguição para as alegações de recurso, pois se o fizerem o tribunal ad quem não poderá tomar dela conhecimento, por extemporaneidade invocatória”. A arguição de nulidades tem de ser feita, pois, obrigatoriamente, no requerimento de interposição do recurso por forma explícita e concreta (ainda que sucintamente), dado que o requerimento de interposição constitui uma peça processual diferente das alegações, sendo que aquele é dirigido ao tribunal "a quo" e estas o são ao tribunal "ad quem". A arguição efectuada fora deste enquadramento tem de ser considerada extemporânea, importando o seu não conhecimento.
E por via do disposto no artigo 716.º n.º 1 do C.P.C. – tal regime é igualmente aplicável à arguição de nulidades assacadas aos acórdãos da Relação.
É que havendo uma clara separação formal e temporal entre o requerimento e as alegações, impõe-se que aquele contenha a adequada motivação da nulidade, a par, bem entendido, do seu prévio anúncio – por forma a que o órgão recorrido possa, desde logo, pronunciar-se sobre o vício aduzido. Reside a sua razão de ser na vantagem para a economia e celeridade processuais, pois dá-se oportunidade de o tribunal recorrido sanar a nulidade arguida – por fundamentação, afastamento da posição ou dando sem efeito o excesso de pronúncia – o que é de particular valor no foro laboral. Aguardando o recorrente a apresentação das alegações para o fazer, podem estas ficar parcialmente inúteis, já que o eventual reconhecimento e consequente reparação do vício podem modificar o objecto do recurso.
Tal como afirma o Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 403/2000, de 27 de Setembro de 2000), “[t]rata-se de formalidade que, sobretudo quando o requerimento de interposição do recurso e as alegações constam da mesma peça processual, pode parecer excessiva e inútil, mas que ainda se justifica por razões de celeridade e economia processual” e que “não implica a constituição, para o recorrente, de um pesado ónus que pudesse dificultar de modo especialmente oneroso o exercício do direito ao recurso”, sendo que “não pode considerar-se incluído, dentro do direito ao acesso dos tribunais, o direito à obtenção de um despacho de aperfeiçoamento, quando se verifiquem obstáculos ao conhecimento do objecto do recurso”. No caso sub judice, no requerimento de interposição de recurso - fls. 1107 -a Recorrente omitiu toda e qualquer alusão a pretensas nulidades do acórdão, reservando a sua adução para as subsequentes alegações e respectivas conclusões já em sede de recurso. Lendo o requerimento referido, apresentado pela recorrente, constata-se que esta se limita a dizer o seguinte: ”STR-BB, LDA, não se conformando com o acórdão proferido a fls.1068 e ss. vem interpor recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do nº2 do artº 721º do Código de Processo Civil, com o fundamento de ter havido violação da lei substantiva por erro de interpretação e de aplicação. E porque tempestiva deve a presente interposição ser recebida com efeito meramente devolutivo a subir de imediato e nos próprios autos”. Assim, a arguição das nulidades invocadas, nomeadamente com a invocação do art° 668°, n° 1, alínea b) do Código de Processo Civil, apresenta-se extemporânea, porque feita em sede de alegações.
Improcedem, pois, nesta parte, as conclusões do recurso (1ª a 11ª).
2ª Questão: - da negligência grosseira do sinistrado na produção do sinistro - descaracterização do acidente.
Resulta dos factos dados como assentes ter sido alterada matéria de facto pela Relação. A factualidade que vem dada como assente deve ser dada como definitivamente fixada (art.º 655º e 722º nº2, e 729º, nº2, do Código de Processo Civil). Os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido não foram objecto de impugnação pelas partes, nem se vislumbra qualquer das situações referidas no nº3 do artº 729º do Código de Processo Civil, pelo que será com base nesses factos que há-se ser resolvida a questão suscitada no recurso.
Importa, agora, conhecer da segunda questão suscitada no recurso. Na presente revista, a Recorrente retoma na íntegra a postura que assumira na apelação.
A esta questão dizem respeito as conclusões 12ª a 16ª, 20ª, 21ª, 36ª, 40ª, 44ª e 45ª do recurso.
Contrariamente ao vertido no Acórdão recorrido, a recorrente entende que “houve negligência grosseira do sinistrado, resultando do facto de o Autor ter agido com culpa lata e grave, sem observar os cuidados que todos em princípio adoptam. Foi o seu comportamento causa exclusiva do acidente, pois não foi o facto de a máquina, naquele local, não ter protecção, que deu causa ao acidente”. Alega que “o A. teve uma actuação grave e que o acidente só se deu, pelo facto de o A., negligentemente, ter metido a mão e o braço com a máquina em funcionamento, ao apanhar do tapete da máquina uma pedra, conhecendo o risco que corria”.
Tal como se dispõe no artº 7º nº 1 da Lei 100/97 de 13.9, aqui aplicável, não dá direito a reparação o acidente: “a) que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei; b) que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado; c) […]; d) […]”.
Vejamos:
Sobre esta questão, e concluindo pela não descaracterização do acidente, expende-se no Acórdão recorrido, nos termos que se transcrevem:
« […] Os factos mostram que: O sinistrado trabalhou um mês e meio antes do acidente com a máquina, britadeira de crivo, não se sabendo se já havia antes trabalhado com ela em cumprimento do seu anterior contrato com a A... (que durou cerca de um ano), mas sendo que de facto tinha trabalhado alguns meses com uma britadeira. O sinistrado trabalhava com a britadeira-crivo das 7 horas às 20 horas com um intervalo de uma hora para o almoço e aos sábados de manhã fazia os trabalhos de manutenção da máquina das 7 horas ao meio-dia. A R. nunca providenciou para que ao A. fossem ministradas acções de formação sobre as regras de segurança saúde e higiene no trabalho e sob o funcionamento desta máquina. O tapete transportador da brita havia sido mudado para outro mais estreito, o que fazia com que caíssem, com frequência, as pedras transportadas na parte superior do tapete, para a parte inferior deste, as quais tinham que ser constantemente retirados pelo A., pois caso contrário iam-se enfiar e entalar entre o rolo que accionava o tapete transportador e este, acabando por danificar ou destruir o tapete. Isto obrigava o A. a estar atento a essas pedras que assim caíam da parte superior do tapete, na parte inferior deste, evitando que as pedras caídas fossem apanhadas pelo rolo. O A. não podia desligar a máquina cada vez que tinha que proceder a estas operações, quer porque o A. não dispunha naquele local de qualquer botão que lhe permitisse desligar a máquina, quer porque aquela máquina, chamada britadeira crivo, trabalhava em conjunto com outra chamada britadeira primária e quando paravam tinham que parar as duas simultaneamente. O A. várias vezes avisou o gerente da firma que se encontrava na obra, que o tapete era um perigo e que era preciso substitui-lo, ao que este respondia sempre que já o tinha encomendado, mas nunca o substituiu (leia-se, até ao acidente). O equipamento constituído pela britadeira estava a funcionar sem ter montadas as protecções de segurança destinadas a evitar o contacto mecânico com os seus elementos móveis, protecções de que, anteriormente ao início do trabalho do A., dispunha; a Ré não impediu que o A. prestasse o seu trabalho exposto ao risco de contacto mecânico com os elementos móveis do equipamento com que trabalhava; foi o facto de o equipamento estar a funcionar sem ter montadas as protecções de segurança para eliminar o risco de contacto mecânico com elementos móveis que permitiu que o A. ao pretender retirar as pedras do tapete para impedir que as mesmas se fossem entalar na parte inferior do rolo, ficasse com a luva entalada no rolo que accionava o tapete e com a luva fossem arrastadas a mão e o braço direito; a Ré não prestou ao A. informação sobre os riscos para a sua segurança e saúde visando prevenir os riscos profissionais que corria como manobrador daquela máquina; o A. sabia dos riscos existentes, ao interferir no funcionamento da máquina, e ainda mais, sem o dispositivo de protecção; antes de começar a trabalhar com a referida máquina, o então encarregado geral da R., EE, esteve no local da obra durante duas horas a ensinar ao A. o funcionamento da máquina. Na altura do acidente o sinistrado encontrava-se a proceder à extracção manual de uma pedra que se encontrava entre o rolo e o tapete de transporte existente no crivo, quando o movimento rotativo do rolo colheu a luva da sua mão direita, acabando por puxar todo o membro superior. A situação do mau funcionamento do tapete e da queda de pedras com a possibilidade de danificação do mesmo, levou a entidade patronal a transmitir instruções precisas aos seus funcionários, entre os quais o autor, no sentido de estes removerem o mais rapidamente possível as pedras que entrassem no tapete. Era no cumprimento destas instruções que o sinistrado procedia à extracção de uma pedra, quando se acidentou. A máquina em que o sinistrado se acidentou possuía marcação de conformidade CE, mas o botão de emergência encontrava-se situado no lado contrário àquele em que o sinistrado se encontrava a operar no momento do acidente. O sinistrado não possuía qualquer formação específica nos domínios da segurança, higiene e saúde no trabalho, maxime no que se refere ao funcionamento da máquina onde ocorreu o sinistro. Em resumo: - o sinistrado estava a trabalhar com uma máquina em que as protecções que impediam o contacto com elementos móveis tinham sido retiradas e que estava a funcionar deficientemente, deixando cair pedras para a parte inferior do tapete, que produziam o risco de se entalar no rolo, de encravar a máquina ou de danificar o tapete, e a recorrente havia dado instruções para as pedras serem removidas. O sinistrado, em cumprimento de tais instruções, procedia à remoção de uma pedra, tendo metido a mão para o fazer, sabendo dos riscos de assim fazer, apesar de não ter tido formação específica em matéria de segurança e do próprio funcionamento da máquina. Ainda mais resumidamente: o sinistrado sabia dos riscos de meter a mão. E no cotejo com o artigo 7º acima mencionado, manifestamente não está demonstrado o dolo do sinistrado, nem na sua forma mais leve, nem está demonstrada a violação de regras de segurança impostas pela lei nem pela entidade patronal, muito ao contrário, aliás, quanto a esta. Não se trata portanto duma descaracterização ao abrigo da alínea a) do nº 1 do artº 7º citado”. O sinistrado agiu com negligência grosseira? Muito a propósito e acolhendo-o, transcrevemos o seguinte excerto do recente Acórdão do STJ de 10.11.2010, proferido no processo 3411/06.4TTLSB.L1.S1, que se pode consultar no sítio electrónico da dgsi.pt: “Sob a epígrafe “Descaracterização do Acidente”, prescreve o artigo 7.º n.º 1 alínea b) da Lei n.º 100/97 que “… não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado”. Por seu turno, o artigo 8.º n.º 2 do respectivo Regulamento (D.L. n.º 143/99, de 30 de Abril) veio precisar que por “negligência grosseira” deve entender-se “… o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancia em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.” A negligência ou mera culpa consiste na violação de um dever objectivo de cuidado, sendo usual distinguir entre aquelas situações em que o agente prevê como possível a produção do resultado lesivo mas crê, por leviandade ou incúria, na sua não verificação (negligência consciente) e aquelas em que o agente, podendo e devendo prever aquele resultado e cabendo-lhe evitá-lo, nem sequer concebe a possibilidade da sua verificação (negligência inconsciente). Segundo a terminologia clássica, a negligência também pode assumir diferentes graus, em função da ilicitude e da culpa: será levíssima quando o agente tiver omitido os deveres de cuidado que uma pessoa excepcionalmente diligente teria observado, será leve quando o parâmetro atendível for o comportamento de uma pessoa normalmente diligente e, enfim, será grave quando a omissão corresponder àquela em que só uma pessoa especialmente descuidada e incauta teria também incorrido. Correspondendo a “negligência grosseira” à “culpa grave”, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum. A par de um tal comportamento, a assinalada exclusão de responsabilidade mais exige que o acidente tenha resultado em exclusivo desse comportamento. No caso dos autos, não devemos ter por preenchidos esses dois conjugados pressupostos[…]». […] Entendemos portanto que a factualidade provada não permite considerar que o sinistrado tenha actuado com negligência grosseira, não sendo caso de descaracterização do acidente». Colhe-se a fundamentação e conclusão expendidas.
Na verdade, no caso concreto, não se prova que o acidente haja ocorrido por culpa exclusiva do Autor. Com efeito, e como decorre da factualidade dada como provada, maxime os pontos 23 a 38, é manifesto que a ocorrência foi motivada por várias circunstâncias cumulativamente verificadas, a saber, desde logo, por o equipamento estar a funcionar sem ter montadas as protecções de segurança para eliminar o risco de contacto mecânico com elementos móveis que permitiu que o A. ao pretender retirar as pedras do tapete, ficasse com a luva entalada no rolo que accionava o tapete e com a luva fossem arrastadas a mão e o braço direito (resposta ao quesito 32º). Acresce que a máquina foi alterada, não se apresentando como era no original (resposta ao quesito 17º); o tapete transportador da brita foi mudado para outro mais estreito, pois o original tinha cerca de 1,30 metros de largura e o actual, que lá estava na altura do acidente, tinha apenas cerca de 90 cm (resposta ao quesito 18º); o facto deste novo tapete ser mais estreito fazia com que caíssem, com frequência, as pedras transportadas na parte superior do tapete, para a parte inferior deste (resposta ao quesito 19º). E como resulta da factualidade provada, como o tapete não estava certo com o chassis da máquina, ao oscilar fugia para os lados, deixando aberturas entre ele e o chassis, pelas quais caíam pedras na parte inferior desse tapete (resposta ao quesito 20º), as quais tinham que ser retirados pelo A., pois caso contrário iam-se enfiar e entalar entre o rolo que accionava o tapete transportador e este, acabando por danificar ou destruir o tapete (resposta ao quesito 21º). E foi para evitar que essas pedras que caíam na parte inferior do tapete se fossem entalar no rolo que accionava o tapete que o A. procedeu da forma referida em D (resposta aos quesitos 26º e 57º). Não está demonstrada a concorrência exclusiva do Autor para a produção do sinistro. E, sem essa prova, soçobra, sem mais, a pretendida “descaracterização”. Na verdade, traduzindo a negligência grosseira "[...] o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão" - art. 8º n° 2 do Dec-Lei n° 143/99, de 30.04, para descaracterizar um acidente com base neste fundamento não basta a culpa leve, como a mera negligência, imprudência, distracção, imprevidência ou uma qualquer omissão do dever geral de cuidado. Exige-se um comportamento temerário, inútil (no sentido de absolutamente desnecessário), indesculpável, sem qualquer explicação, reprovado pelo mais elementar sentido da prudência e que constitua a única causa do acidente. A gravidade do acto há-de traduzir-se em imprudências ou temeridades inúteis, de todo inexplicáveis, por isso indesculpáveis, sem ligação directa com o trabalho. Da materialidade fixada nada consta que a tal conduza, resultando, sim, o mau funcionamento da máquina, a ausência das protecções devidas, relevando ainda as instruções da Empregadora para que o A. retirasse rapidamente as pedras, e ainda que o trabalho do sinistrado, por cerca dum mês e meio, em que diariamente, com frequência, retirava pedras, o terá naturalmente habituado ao risco. E também não é despiciendo lembrar, matéria provada, que o A. várias vezes avisou o gerente da firma que se encontrava na obra, o SR. EE, que o tapete era um perigo e que era preciso substitui-lo (resposta ao quesito 24º), ao que este respondia sempre que já o tinha encomendado, mas nunca o substituiu. Cabia, pois, à empregadora, para poder concluir-se pela culpa grave da vítima, o ónus de alegação e prova dos factos susceptíveis de conduzir à descaracterização do acidente, nos termos do disposto no art. 342° n° 2 do CC, uma vez que são impeditivos (arts.493º nº3 e 487º nº2 in fine, ambos do Código de Processo Civil) do direito à reparação que ao trabalhador sinistrado assiste, o que, manifestamente não logrou fazer. Conclui-se, pois, nesta parte como no Acórdão recorrido.
3ª Questão: - imputação da violação das regras de segurança à recorrente e nexo causal entre as mesmas e o acidente.
A esta questão dizem respeito as conclusões 22ª a 35ª do recurso.
Entende a aqui Recorrente que: -não existe nexo de causalidade entre o acidente e o facto de não existir na máquina uma tampa de segurança, posto que, -nunca a entidade patronal disse aos seus trabalhadores para meterem as mãos na máquina com ela em funcionamento; -o que aconteceu com o funcionário AA foi um acto de livre vontade, de negligência grave, porquanto todos os trabalhadores sabiam que não o podiam fazer e os riscos que daí podiam advir. Contrariamente, e concluindo como o fizera já a 1ª Instância, o Acórdão recorrido pronunciou-se no sentido de que os factos apurados permitem a imputação à recorrente da violação das regras de segurança e permitem que se afirme o nexo causal entre essa violação e o acidente. Porque nas conclusões do recurso a recorrente (cls. 26ª, 37ª, 46ª, 60ª, 61ª e 64ª), recusando que lhe seja imputada a violação das regras de segurança à recorrente e nexo causal entre as mesmas e o acidente, invoca a responsabilidade subsidiária da Ré seguradora, importa, desde já, fazer referência ao que se dispõe nos artºs 18º e 37º da Lei 100/97 de 13.9. Assim: Dispõe o artº 18º da Lei 100/97 de 13.9: “1. Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar da falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as seguintes regras: a) Nos casos de incapacidade absoluta, permanente ou temporária, e de morte serão iguais à retribuição; b) Nos casos de incapacidade parcial, permanente ou temporária, terão por base a redução da capacidade resultante do acidente. 2. O disposto no número anterior não prejudica a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral nem a responsabilidade criminal em que a entidade empregadora, ou o seu representante, tenha incorrido. (…)”. Dispõe o n.º 2 do artigo 37.º da mesma Lei: “Verificando-se alguma das situações referidas no artigo 18.º, n.º 1, a responsabilidade nela prevista recai sobre a entidade empregadora, sendo a instituição seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na presente lei”. Prevê a primeira daquelas normas um agravamento da responsabilidade “quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho”, caso em que as prestações por incapacidade absoluta e por morte serão iguais à retribuição e as prestações por incapacidade parcial terão por base a redução da capacidade resultante do acidente. Em consonância com tal regime, que pressupõe uma actuação culposa da entidade patronal, dispõe a segunda das referidas normas que, nestes casos especiais de reparação, a responsabilidade recai sobre a entidade empregadora, sendo a seguradora apenas subsidiariamente responsável pelas prestações normais previstas na lei. Ora, como vai ver-se, e a factualidade provada a tal conduz, o acidente a que os autos se reportam ocorreu por inobservância das regras de segurança, por parte da entidade patronal, decorrente da falta de condições de segurança mínimas no funcionamento da máquina em questão, por falta de protecções do crivo e ausência de botão de paragem de emergência junto à zona de perigo, por falta de procedimentos e instruções de segurança relativos ao funcionamento da máquina, por falta de experiência e formação do sinistrado relativamente àquele tipo de máquina e em matéria de segurança. Assim, havendo violação das mais elementares regras de segurança impostas ao tipo de trabalho em causa, nomeadamente o disposto no D.L. 441/91 de 14/11, o D.L. 273/2003 de 29/10, o D.L. 50/2005 de 25/02, o D.L. 109/2000 de 30/06 e o D.L. 141/95 de 14/06, pode concluir-se pela exclusão da responsabilidade da seguradora, nos termos dos artigos 18º nº 1 e 37º nº 2 da LAT. Quanto à referida violação das regras de segurança pela recorrente, e no tocante às normas de carácter genérico e medidas de segurança concretamente exigidas vejamos: “Os princípios e as obrigações gerais do empregador em matéria de segurança, higiene e saúde no trabalho estavam, à data do acidente, previstos nos arts. 272º e 273º do Cód. do Trabalho. Nos termos daquelas normas, “o empregador é obrigado a assegurar aos trabalhadores condições de segurança, higiene e saúde em todos os aspectos relacionados com o trabalho”, devendo “proceder, na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os ou limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção”; “planificar a prevenção na empresa, estabelecimento ou serviço num sistema coerente que tenha em conta a componente técnica, a organização do trabalho, as relações sociais e os factores materiais inerentes ao trabalho”, “dar prioridade à protecção colectiva em relação às medidas de protecção individual”, “adoptar medidas e dar instruções que permitam aos trabalhadores, em caso de perigo grave e iminente que não possa ser evitado, cessar a sua actividade ou afastar-‑se imediatamente do local de trabalho, sem que possam retomar a actividade enquanto persistir esse perigo, salvo em casos excepcionais e desde que assegurada a protecção adequada” e “dar instruções adequadas aos trabalhadores”.
O D.L. 50/2005 de 25/02, por sua vez, estabelece as prescrições mínimas de segurança e saúde na utilização, pelos trabalhadores, de equipamentos de trabalho, faz impender sobre o empregador o dever de prestar aos trabalhadores informação adequada sobre os equipamentos de trabalho utilizados, a qual deve conter, além do mais, indicações sobre as condições de funcionamento dos equipamentos, situações anormais previsíveis e riscos para o trabalhador decorrentes de equipamentos existentes no ambiente de trabalho (art. 8º). Além disso, dispõem os arts. 16º e 22º que os elementos móveis de um equipamento de trabalho que possam causar acidentes por contacto mecânico devem dispor de protectores que impeçam o acesso às zonas perigosas ou de dispositivos que interrompam o movimento de elementos móveis antes do acesso a essas zonas, dispositivos esses que devem ser de construção robusta, não ocasionar riscos complementares e estar situados a uma distância suficiente da zona perigosa e que tal equipamento deve estar devidamente sinalizado com avisos ou outra sinalização indispensável para garantir a segurança dos trabalhadores. Reportando-nos à situação sub judice, o Acórdão recorrido discorreu e concluiu nos termos que a seguir se transcrevem: « […] A factualidade descrita permite concluir sem margem para dúvida que o acidente ocorreu porque a R. empregadora não providenciou pela eliminação ou diminuição dos riscos inerentes ao trabalho com o equipamento perigoso, como era a máquina britadeira em que o sinistrado trabalhava, nem planeou adequadamente as tarefas a executar pelo sinistrado em função desses riscos. Pelo contrário, a R. empregadora implementou processos de trabalho que, ao invés de diminuírem os riscos inerentes ao funcionamento de um equipamento perigoso, potenciou esses riscos, mormente os de contacto do trabalhador com partes mecânicas do equipamento. Com efeito, como resulta da matéria de facto supra descrita, o acidente ficou a dever-se ao facto do sinistrado, por ordem da sua entidade empregadora, ter de limpar constantemente o tapete das pedras que caíam da parte superior para a parte inferior do tapete para evitar o seu rompimento ou outros danos e a paragem do conjunto de máquinas britadeiras, utilizando um equipamento que lhe foi fornecido pela sua empregadora sem que esta tivesse garantido as condições mínimas de segurança, mormente as exigidas no D.L. 50/2005, permitindo que o A. executasse as tarefas de foi incumbido exposto ao perigo de contacto com os elementos móveis do equipamento. Ao permitir que o A. executasse as suas tarefas nessas condições, mais, ao ordenar-lhe que procedesse da forma descrita na matéria de facto provada, adoptou a R. empregadora um comportamento negligente, pois violou os comandos elementares que se lhe impunham nas normas legais supra citadas, omitindo o dever de cuidado que devia nortear o desenvolvimento da sua actividade empresarial. Foi, pois, a falta culposa de condições de segurança que deu causa ao acidente em apreço nestes autos, estando preenchidos os pressupostos da previsão do art. 18º nº 1 da L.A.T. A propósito dos pressupostos para o agravamento da responsabilidade, o Acórdão do STJ de 22.9.2010, proferido no processo 190/04.3TTLVCT.P1.S1, que se pode consultar no sítio electrónico da DGSI, apresenta um elenco muito sintético, claro e aqui inteiramente pertinente: “I - A responsabilidade, principal e agravada, do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: um comportamento culposo da sua parte; a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de directrizes sobre higiene e segurança no trabalho. II - A inexigibilidade de prova da culpa aquando da verificação do segundo dos fundamentos da responsabilidade agravada não constitui qualquer desvio às regras gerais sobre responsabilidade civil: por um lado, o regime em vigor passou a considerar que a falta de observância das regras de segurança constitui fundamento autónomo bastante para o agravamento da reparação; por outro, uma vez que a culpa (mera culpa) se traduz na omissão dos deveres de cuidado exigidos ao agente, a falta de cumprimento das assinaladas regras mais não consubstancia, afinal, do que a omissão concreta de um especial dever de cuidado imposto por lei. III - O que ambos os fundamentos da responsabilidade agravada exigem, a par, respectivamente, do comportamento culposo ou da violação normativa, é a necessária prova do nexo causal entre o acto ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer. IV- O ónus da prova dos factos susceptíveis de agravar a responsabilidade do empregador recai sobre quem dela tirar proveito, sejam os beneficiários do direito reparatório, sejam as instituições seguradoras que pretendem ver desonerada a sua responsabilidade infortunística. V - A responsabilidade agravada do empregador – com fundamento na 2.ª parte, do n.º 1, do artigo 18.º, da Lei 100/97, de 13 de Setembro – pressupõe a concorrência de dois requisitos: que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal; que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada. VI - Do disposto no artigo 563.º, do Código Civil, decorre que a adequação relevante não é aquela que se basta com o simples confronto entre o facto e o dano isoladamente considerados, mas, pelo contrário, aquela que atende a todo o processo causal que, na prática, conduziu efectivamente ao dano; daí que se exija que o efeito danoso tenha resultado do facto, considerado causa dele, pelo processo por que este é abstractamente adequado a produzi-lo. VII - A afirmação de um nexo causal entre o facto e o dano comporta duas vertentes: a vertente naturalística, de conhecimento exclusivo das instâncias, porque contido no âmbito restrito da matéria factual, que consiste em saber se o facto praticado pelo agente, em termos de fenomenologia real e concreta, deu origem ao dano; a vertente jurídica, já sindicável pelo Supremo, que consiste em apurar se esse facto concreto, pode ser havido, em abstracto, como causa idónea do dano ocorrido”. No mesmo sentido, veja-se no mesmo sítio o Acórdão do STJ proferido em 25-11-2010 no processo 55/07.7TTLMG.P1.S1. Os factos dados como provados – e recordamos que a alteração da matéria de facto provada não determina nenhum desvio substancial do conjunto factual – permitem confirmar a conclusão da 1ª instância. Nos termos do art. 273 do Código do Trabalho, o empregador é obrigado a assegurar ao trabalhador condições de segurança, saúde e higiene em todos os aspectos relacionados com o trabalho, entre elas, “Proceder na concepção das instalações, dos locais e processos de trabalho, à identificação dos riscos previsíveis, combatendo-os na origem, anulando-os, limitando os seus efeitos, por forma a garantir um nível eficaz de protecção” - (alínea a); “Substituir o que é perigoso pelo que é isento de perigo ou menos perigoso” - (alínea m); “Ter em consideração se os trabalhadores têm conhecimentos e aptidões em matérias de segurança e saúde no trabalho que lhes permitam exercer com segurança as tarefas de que os incumbir” – (alínea o). Por outro lado, constituem obrigações do trabalhador, na mesma matéria, e nos termos do artº 274º do mesmo diploma: “Utilizar correctamente, e segundo as instruções transmitidas pelo empregador, máquinas, aparelhos, instrumentos, substâncias perigosas e outros equipamentos e meios postos à sua disposição, designadamente os equipamentos de protecção colectiva e individual, bem como cumprir os procedimentos de trabalho estabelecidos” – (alínea c); “Comunicar imediatamente ao superior hierárquico, ou não sendo possível, aos trabalhadores que tenham sido designados para se ocuparem de todas ou algumas das actividades de segurança, higiene e saúde no trabalho, as avarias e deficiências por si detectadas que se lhe afigurem susceptíveis de originar perigo grave e iminente, assim como qualquer defeito verificado nos sistemas de protecção” – (alínea e). No nº 5 do mesmo preceito dispõe-se “As obrigações dos trabalhadores no domínio da segurança e saúde nos locais de trabalho não excluem a responsabilidade do empregador pela segurança e a saúde daqueles em todos os aspectos relacionados como o trabalho”. O aspecto mais importante da situação dos autos é, a nosso ver, que a recorrente aceitou ter a trabalhar uma máquina cujo funcionamento era defeituoso, apesar de alertada para tanto, e instruiu o trabalhador para nela trabalhar, respondendo ao defeito, quer dizer, assumiu que a máquina estava a funcionar deficientemente e tornou essa deficiência o modo normal de funcionamento da máquina, dando instruções ao trabalhador para que velasse pela produção, obviando aos inconvenientes do defeito, concretamente, limpando o tapete. O modo de funcionamento correcto da máquina não incluía – nos trabalhos do manobrador – a limpeza do tapete, porque não seria necessária, e por isso no modo normal também não seria necessário que as protecções laterais da máquina, que impediam o contacto com os seus elementos móveis, estivessem retiradas. Ao assumir – se é que não o fez desde o início da colocação da máquina na obra, fê-lo seguramente desde que o próprio sinistrado avisou do mau funcionamento – que este modo defeituoso é o modo normal, a recorrente permite que o trabalhador esteja em contacto com os elementos de risco, e dá instruções que obrigam o trabalhador a ter esse contacto. Ficou assente que o recorrido estava a extrair uma pedra do tapete quando se acidentou, que para o fazer tinha de aceder ao tapete através do espaço que devia estar coberto pelas protecções laterais, e que a recorrente o instruía para limpar a parte inferior do tapete das pedras que nele caíam. Ficou ainda provado que a limpeza tinha de ser feita rapidamente, e este modo obrigava a que a máquina não fosse parada. Qualquer que tivesse sido a forma usada para a limpeza, estaria sempre coberta por uma instrução de limpar proveniente do empregador. Mostram-se claramente violados os deveres do empregador previstos no artº 273º que acima citámos, e apesar do trabalhador ser conhecedor dos riscos do seu comportamento, isso em nada isenta o empregador. É certo que a falta de formação que os factos inegavelmente atribuem à recorrente não é, só por si apta a explicar o acidente, posto que o sinistrado sabia dos riscos, mas a formação dirige-se, há-de dirigir-se ao funcionamento normal. Quando o funcionamento defeituoso se transforma em regra e mando, não se pode afirmar uma opção do trabalhador entre cumprir e salvar-se, que diminua ou isente o empregador, que determinou tal funcionamento defeituoso, da sua responsabilidade. Foi a aceitação pelo empregador de que a máquina funcionava defeituosamente, conjugada com a instrução que deu para que o trabalhador limpasse o tapete que tal defeito sujava, com o efectivo apuramento que era no cumprimento dessa instrução que o recorrido estava quando se acidentou, conjugada ainda com o facto de que para o cumprimento da instrução era necessário que a máquina estivesse desprovida das protecções que evitam o contacto com os elementos móveis, foi esta conjugação de factos que causou o acidente. Podemos assim afirmar a violação das regras de segurança e o nexo causal entre estas e o acidente, não vendo portanto razão para alterar o decidido nesta matéria».
Sufraga-se, in totum, este entendimento, não se alcançando razão para dissentir do juízo alcançado nas instâncias. 4ª Questão: - do valor atribuído ao sinistrado a título de indemnização por danos não patrimoniais. A esta questão dizem respeito as conclusões 46ª a 52ª do recurso. Protesta a Ré recorrente não ser devida indemnização por danos não patrimoniais pelas razões que invoca quanto à descaracterização do acidente e à recusa na aceitação de ter havido violação das regras de segurança, pela sua parte, e o nexo causal entre estas e o acidente. Por outro lado, alega, “ainda que se não concorde com a sua atribuição, a indemnização atribuída no acórdão, a título de danos não patrimoniais, é irrazoavelmente excessiva”. Pelo já expendido supra, concluiu-se pela verificação dos pressupostos conducentes a haver lugar à reclamada indemnização por danos morais, nomeadamente perante o que se prevê no nº2 do artº 18º da Lei 100/97 de 13.09. Isto é. Estando provados factos que permitem concluir que a entidade empregadora violou deveres de cuidado, atenção ou diligência, que seriam seguidos por um empregador normal, colocado na posição da R. e que, assim, contribuíram para a produção do acidente ou que aqueles tenham violado qualquer regra legal de segurança no trabalho, causal do acidente, há lugar à reclamada indemnização por danos morais. Subsumindo-se o acidente de trabalho à previsão do n.º 1 do art. 18.º LAT, há direito, pois, a indemnização por danos morais contra a empregadora, a efectuar nos termos gerais do direito civil, o que traduz uma modalidade especial de reparação, já que esse direito não vem elencado entre as prestações normais previstas nos art. 10.º a 17.º e 19.º a 24.º da LAT. Resulta da citada norma (artº 18º da LAT) que a responsabilidade, principal e agravada, do empregador pode ter dois fundamentos autónomos: - um comportamento culposo da sua parte; - a violação, pelo mesmo empregador, de preceitos legais ou regulamentares ou de directrizes sobre higiene e segurança no trabalho. A única diferença entre ambos reside na prova da culpa, que é indispensável no primeiro caso e desnecessária no segundo. Mas esta desnecessidade não constitui qualquer desvio às regras gerais sobre responsabilidade civil, onde a verificação da culpa – real ou presumida – do agente constitui, por regra, elemento essencial. Na verdade: - por um lado, o regime em vigor passou a considerar que a falta de observância das normas de segurança constitui fundamento autónomo bastante para o agravamento da reparação; - por outro, uma vez que a culpa (mera culpa) se traduz na omissão dos deveres de cuidado exigidos ao agente, a falta de cumprimento das assinaladas regras mais não consubstancia, afinal, do que a omissão concreta de um especial dever de cuidado imposto por lei (cfr. Acórdão desta Secção de 11/6/2005, na Revista n.º 780/05). Em contrapartida, ambos os fundamentos exigem, a par, respectivamente, do comportamento culposo ou da violação normativa, a necessária prova do nexo causal entre o acto ou a omissão – que os corporizam – e o acidente que veio a ocorrer. Posto isto, e circunscrevendo-nos ao fundamento questionado (2.ª parte do transcrito artigo 18.º n.º 1), daí se conclui que a sua verificação pressupõe a concorrência de dois requisitos: - que sobre o empregador recaia o dever de observar determinadas regras de comportamento, cuja observância teria impedido, segura ou muito provavelmente, a consumação do evento, assim se omitindo o cuidado exigível a um empregador normal; e - que entre essa conduta omissiva e o acidente intercorra um nexo de causalidade adequada. A factualidade dada como assente e atento o já expendido relativamente à violação das regras de segurança e ao nexo causal entre estas e o acidente, permite concluir pela verificação daqueles pressupostos. Na verdade, e de harmonia com a jurisprudência, constante e pacífica, deste Supremo Tribunal, para ser imputada à entidade empregadora a responsabilidade infortunística, nos termos previstos nos artigos 18.º, n.º 1 e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro (LAT), não basta que se prove ter ocorrido violação das regras segurança, exigindo-se, também, a demonstração de factos dos quais se possa concluir que foi o desrespeito por tais regras que deu origem ao evento danoso. Importa, agora, saber da adequação ou não do montante de indemnização por danos morais que a recorrente considera, a ser devida tal indemnização, excessivo. Quer a 1ª Instância quer a Relação consideraram ser adequado a indemnização de 50.000 euros. A Relação decidiu, nesta parte, como se transcreve:
« […] Com interesse para o apuramento e valorização dos danos, ficou provado que do acidente resultou a amputação do braço direito do sinistrado, pelo terço superior, mais propriamente, que do acidente resultou que parte do braço direito foi arrancado. O sinistrado foi imediatamente transportado para o Hospital de Bragança, e deste, dada a gravidade, por helicóptero para o Porto. Esteve internado até 28.3.2007. Sofreu incapacidade temporária absoluta para o trabalho desde 15/03/07 até 22/02/2008, data em que teve alta, ou seja, quase um ano. O sinistrado sofreu dores do grau 5, em escala até 7. Continua a sofrer dores fantasmas relativamente ao braço perdido. Ficou com um coto com a respectiva cicatriz, porque foi impossível reimplantar o braço. Devido às dores e à natureza do dano corporal sofrido a terapêutica aplicada ao A. incluiu analgesia, cuidados de penso, consultas de fisiatria e de cirurgia plástica. Depois de ter alta do hospital continuou a deslocar-se para tratamentos e consultas médicas ao Hospital de S. João no Porto e aos serviços clínicos da R. seguradora. O sinistrado vivia a mais de cem quilómetros de distância do internamento, e a partir da alta hospitalar passou a ser medicado e tratado em consulta Externa de Cirurgia Plástica e Medicina Física de Reabilitação, acabando por ser reencaminhado, após sair do Hospital de S. João, por indicação da Ré Seguradora para o Hospital da Lapa, no Porto, onde foi observado, onde continuou em tratamentos ambulatórios durante vários meses. A seguir ao acidente o sinistrado sentiu grandes preocupações com a sua vida, temendo não conseguir superar aquela situação e temendo o seu futuro e da sua família, de que o A. é sustentáculo, na Moldávia constituído pela mulher e por dois filhos menores. O A. antes do acidente era uma pessoa normal no apogeu e força dos seus 42 anos de idade. Após o acidente, o A. ficou com um coto no lugar do membro superior direito o qual é constituído por uma cicatriz em toda a zona da amputação, o que lhe causa um dano estético e o desgosta. Perturbam o A. sentimentos de profundo desgosto, tristeza, constrangimentos e revolta pela situação em que ficou. A incapacidade do A. tem rebate não só no exercício das tarefas profissionais, mas também nas tarefas diárias comuns a todos os indivíduos. O recorrido pediu €100.000,00 de indemnização por estes danos, e a Mmª Juiz a quo atribuiu metade, considerando os factos que acabamos de enunciar, e justificando: “O nº 2 do art. 18º da L.A.T. ressalva a responsabilidade por danos morais nos termos da lei geral. O princípio geral desta matéria encontra-se enunciado no art. 483º do Código Civil, o qual dispõe o seguinte: "aquele que, com dolo ou mera culpa, violar ilicitamente o direito de outrem ou qualquer disposição legal destinada a proteger interesses alheios, fica obrigado a indemnizar o lesado pelos danos resultantes da violação". Da análise deste preceito decorre que o dever de reparação resultante da responsabilidade civil por factos ilícitos depende dos seguintes pressupostos. São eles: 1º - a existência de um facto voluntário do agente; 2º - a ilicitude desse facto; 3º - o nexo de imputação do facto ao agente (culpa); 4º - a verificação de um dano; 5º - o nexo de causalidade entre o facto provocado pelo agente o dano sofrido pela vítima. No caso presente, ficou demonstrado que o acidente de que o A. foi vítima e do qual resultou ilicitamente violada a sua integridade física, ficou a dever-se a conduta culposa da sua entidade empregadora, que agiu negligentemente ao omitir as medidas de segurança adequadas a evitar a sua ocorrência. Por outro lado, ficou, ainda, demonstrado que o A. sofreu danos de natureza patrimonial e não patrimonial, em consequência do evento lesivo e culposo da R. empregadora. Estão, assim, preenchidos os pressupostos da obrigação de indemnizar decorrente do art. 483º do Código Civil. Danos não patrimoniais são os prejuízos (como dores físicas, desgostos morais, vexames, perda de prestígio ou de reputação, complexos de ordem estética, etc.) que, sendo insusceptíveis de avaliação pecuniária, porque atingem bens que não integram o património do lesado (como a saúde, o bem estar, a liberdade, a beleza, a honra e o bom nome), apenas podem ser compensados com uma atribuição pecuniária que proporcione uma compensação que constitua um lenitivo para aqueles sofrimentos. Segundo o art. 496º, n.º 1, apenas são atendíveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito, ou seja, aqueles que afectem profundamente os valores ou interesses da personalidade moral. O montante de tais danos deve ser fixado, quer haja dolo ou mera culpa, segundo critérios de equidade, tendo em atenção o grau de culpabilidade do agente, a situação económica deste e do lesado e as demais circunstâncias do caso, designadamente a sensibilidade do indemnizando e o sofrimento por ele suportado (n.º 3 do mesmo artigo). Mais haverá que atender aos padrões geralmente adoptados pela jurisprudência e às flutuações do valor da moeda. Porém, acima de tudo, entendemos que a compensação por danos não patrimoniais deve ter um alcance “significativo e não meramente simbólico”, conforme, aliás, vem sendo sucessivamente afirmado pela nossa jurisprudência. Como refere o acórdão do STJ de 29/01/2008 (pesquisado em www.dgsi.pt), “não desconhecemos a dificuldade que existe, neste campo, em concretizar em algo de material, aquilo que é imaterial ou espiritual, realidades tais como “dor”, “desgosto”, “sofrimento”, contrariedades”, preocupações”. Mas a lei impõe que assim seja devendo o juiz na fixação ou concretização de tais danos, …, usar de todas as regras de boa prudência, de bom senso prático, de justa medida das coisas, de criteriosa ponderação da realidade da vida”. Parece-nos ajustada a fixação do valor, atenta a gravidade dos danos sofridos, que seguramente merecem a tutela do Direito. Trata-se duma alteração tão substancial da própria pessoa que implica necessariamente a perda, para não dizer a morte, da personalidade anterior e com ela todas as correspondentes esperanças e desejos que ancoram a própria vontade de viver. Renasce-se no campo dos deficientes, dos incapazes, com o indevido mas existente e real opróbrio. […] No tocante à reparação dos danos não patrimoniais, como se escreveu no Ac. STJ de 22-09-2005, acessível através de www.dgsi.pt, "os danos não patrimoniais não são avaliáveis em dinheiro, certo que não atingem bens integrantes do património do lesado, antes incidindo em bens como a vida, a saúde, a liberdade, a honra, o bom nome e a beleza. O seu ressarcimento assume, por isso, uma função essencialmente compensatória, embora sob a envolvência de uma certa vertente sancionatória. Expressa a lei que na fixação da indemnização deve atender-se aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, aferida em termos objectivos, mereçam a tutela do direito (artigo 496º, n.º 1, do Código Civil). O montante pecuniário da compensação deve fixar-se equitativamente, tendo em atenção as circunstâncias a que se reporta o artigo 494º do Código Civil (artigo 496º, n.º 3, 1ª parte, do Código Civil). Na determinação da mencionada compensação deve, por isso, atender-se ao grau de culpabilidade do responsável, à sua situação económica e à do lesado e às demais circunstâncias do caso, nomeadamente à gravidade do dano, sob o critério da equidade envolvente da justa medida das coisas (artigo 494º do Código Civil). A apreciação da gravidade do referido dano, embora tenha de assentar, como é natural, no circunstancialismo concreto envolvente, deve operar sob um critério objectivo, num quadro de exclusão, tanto quanto possível, da subjectividade inerente a alguma particular sensibilidade humana». Sufragamos o entendimento ali expendido, nomeadamente no tocante ao quantum indemnizatório. Na quantificação, em concreto, da compensação correspondente ao "quantum doloris", vários exemplos comparativos, na jurisprudência recente deste Supremo, citados no Acórdão recorrido, nomeadamente os Acs. de 27-02-2003, de 13-07-2004, de 18-11-2004, de 15-02-2005, de 22-09-2005, de 06-07-2006, de 22-01-2008, Proc. 07A4338, todos em www.dgsi.pt., aponta para poder concluir-se pela adequação da indemnização aqui atribuída. Na verdade, na observação dos critérios a atender, assume particular relevo a gravidade das consequências danosas do evento. Para melhor as ponderar, distinguimos as que foram temporárias, das que, infelizmente, se instalaram definitivamente na vida do autor. E, quer umas, quer outras, atingiram ou atingem gravidade assinalável em ordem a vir, com premente nitidez, ao de cima, a ideia, comummente afirmada na nossa jurisprudência, de que os montantes indemnizatórios por este tipo de danos não devem assumir um carácter miserabilista ou apenas simbólico. De referir que inexiste qualquer duplicação em considerar a limitação laboral como dano, quer patrimonial, quer não patrimonial. Num caso está a perda de proventos e no outro, o desgosto de não poder exercer a sua profissão. São coisas diferentes. A fixação dos montantes indemnizatórios por danos não patrimoniais – refere o artigo 496.º - deverá nortear-se por critérios de equidade, tendo em atenção as circunstâncias referidas no artigo 494.º. Relativamente ao quantum indemnizatório, provou-se que o A. sofreu lesões particularmente graves, que implicaram um período de cura directa longo, determinaram várias intervenções cirúrgicas do foro ortopédico e estético e subsequentes tratamentos particularmente agressivos e dolorosos, sendo de relevar: -A a impossibilidade de reimplantação do membro amputado que ficou dentro da britadeira, apesar de transportado para a unidade de saúde, numa toalha com gelo; -As dores em grau 5 da escala 7; -A continuação de dores em relação ao braço que já não tem, no tipo de "dores fantasmas". Fenómeno este que perdura mesmo na ausência do membro, dada a representação permanente no cérebro; -As dores decorrentes da cirurgia plástica a que teve de se submeter; ficou com um coto no lugar do membro superior direito o qual é constituído por uma cicatriz em toda a zona da amputação, o que lhe causa um dano estético e o desgosta; -As deslocações para tratamentos e consultas médicas ao Hospital de S. João no Porto e aos serviços clínicos da R. seguradora, a 100 kms de distância da residência, em Vila ...; -O tratamento ambulatório em vários meses; -Suportou assim dores, internamento hospitalar longe do local onde vive, intervenções cirúrgicas, tratamentos ambulatórios, deslocações forçadas, com os cuidados do penso, consultas de fisiatria e Cirurgia Plástica durante vários meses; -A seguir ao acidente sentiu grandes preocupações com a sua vida, temendo não conseguir superar aquela situação e temendo o seu futuro e da sua família, de que o A. é sustentáculo, na Moldávia constituído pela mulher e por dois filhos menores; - O A. antes do acidente era uma pessoa normal no apogeu e força dos seus 42 anos de idade e passou a ficar com sentimentos de profundo desgosto, tristeza, constrangimentos e revolta; - A incapacidade permanente absoluta para o trabalho habitual, com um coeficiente de desvalorização para o exercício de outras profissões de 75%; - O escalão 6/7 relativamente ao dano estético. Todos estes sofrimentos e transtornos, por merecerem a tutela do direito (art. 496.º, n.º 1 do CC), são indemnizáveis. O chamado “quantum doloris” não é mensurável, mas há na listagem da matéria de facto dados bastantes para concluir que foi muito elevado. E o prejuízo funcional (falta do membro superior direito) e estético é elemento que integra o dano não patrimonial, da mesma forma que o prejuízo de afirmação pessoal (alegria de viver), o desgosto do lesado de se ver na situação em que se encontra, e a clausura hospitalar (SOUSA DINIS, “Dano Corporal em Acidentes de Viação”, CJSTJ, ano IX, tomo I, p. 7), e a distância dos seus familiares. No caso concreto o quantum doloris foi avaliado em 5, numa escala de 7 e o prejuízo estético permanente, foi avaliado em 6, numa escala de 7. Os danos desta natureza não são susceptíveis de verdadeira e própria indemnização (quer pela via da reconstituição natural quer por via da atribuição do equivalente em dinheiro), mas apenas de compensação (ANTUNES VARELA, Das Obrigações em Geral, Almedina, Coimbra, 9.ª edição, 1.º vol., p. 630). A lei – artigos 562.º e 496.º CC – manda atender sempre a um critério de equidade, com base na ponderação dos factores previstos no art. 494.º – grau de culpabilidade do agente, situação económica deste e do lesado e demais circunstâncias do caso. O juízo equitativo não pode deixar de ter em consideração o sistema económico – poder aquisitivo da moeda e características e condições gerais da economia – em que a compensação vai operar, sem esquecer que nos movemos em campo do maior relativismo e subjectividade. Parece-nos adequada a quantia arbitrada, atentos os valores que actualmente se atribuem, nomeadamente na sequência de acidentes de viação[2] Assim, o valor a que se chegou e que a Relação reputou justo, não nos merece também censura.
5ª questão: - do montante de retribuição a atender para o cálculo das prestações fixadas ao sinistrado.
A esta questão dizem respeito as conclusões 53ª a 59ª do recurso.
Vejamos:
A recorrente pugna também pelo valor do salário do recorrido a considerar para efeitos de cálculo das prestações devidas, não concordando com os critérios encontrados pelo Acórdão recorrido. Nesta parte, a Relação acolhe os fundamentos da 1ª instância, nos termos a seguir transcritos:
«Os critérios de determinação da retribuição de base para efeitos de cálculo das prestações legais e a definição do que deve entender-se por retribuição mensal e anual estão estabelecidos no artigo 26º daquele diploma. Assim, “As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária, ou na 30ª parte da parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta represente a retribuição normalmente recebida pelo sinistrado”(nº 1); “As pensões por morte e por incapacidade permanente (…) serão calculadas com base na retribuição anual ilíquida normalmente recebida pelo sinistrado” (nº 2); “Entende-se por retribuição mensal tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o trabalhador por custos aleatórios” (nº 3); “Entende-se por retribuição anual a retribuição anual corresponde ao produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade” (nº 4); “Se a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a remuneração normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente” e “Na falta destes elementos, o cálculo far-se-á segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos” (nº 5); por fim “Em nenhum caso a retribuição pode ser inferior à que resulte da lei ou de instrumento de regulamentação colectiva de trabalho” (nº 8). Ora, com relevo para esta questão, provou-se que: - O salário base acordado no contrato foi de € 496,00 (nº 2). - E trabalhava de 2ª a 6° feira, pelo menos dez horas diárias e, por vezes, também aos sábados (nº 13). - Pelo trabalho prestado pelo A. até à data do acidente a R. pagou ao A. a quantia de € 1.000,00, por meio de cheque datado de 18/03/2007 (nº 18) - Além da quantia referida no número antecedente a R. pagou sempre ao A. o almoço e o jantar (nº 19). - E dava-lhe ainda a dormida uma vez que tinha assinalado e pagava ela, a renda do apartamento onde o A. vivia; no mesmo apartamento viviam também outros trabalhadores da R. (nº 20). - Quando as obras que a Ré levava a cabo decorriam longe de Vila ... ou a mais de 100 quilómetros, esta arrendava uma casa destinada ao A. e a todos os seus colegas e efectuava o pagamento da respectiva renda (nº 68). Dos factos provados resulta, desde logo, que o A. auferia uma retribuição real em dinheiro superior à que consta do contrato de trabalho escrito. Com efeito, pelo trabalho prestado entre 1/2/2007 e 14/03/2007 a R. pagou ao A. a quantia de € 1.000,00, o que corresponde a uma retribuição mensal de € 714,29 [€ 1000,00 : (28 dias + 14 dias) x 30 dias]. Além disso, recebia o A. uma parte da sua retribuição em espécie, traduzida na alimentação e no alojamento que a R. empregadora fornecia todos os dias ao A. Na verdade estas prestações, traduzindo-se em atribuições de carácter patrimonial efectuadas pela empregadora ao trabalhador com carácter de regularidade, beneficiam da presunção estabelecida no art. 249º nº 3 do Código do Trabalho 2003 de que constituem retribuição, sendo certo que a R. não logrou fazer prova em contrário (cf. respostas negativas ou restritivas aos quesitos 72º, 73º, 74º, 76º e 77º). Não se tendo apurado o valor patrimonial de tais prestações em espécie deve lançar-se mão do critério estabelecido no art. 207º nº 4 da Lei 35/2004 de 29/07. Assim, o valor do alojamento deve corresponder a 12% da retribuição mínima mensal garantida e o valor das refeições deve corresponder a 30% dessa remuneração, já que se compreendem duas refeições principais. Ora, considerando que a retribuição mínima mensal em vigor no ano de 2007 era de € 403,00 (DL. 2/2007 de 3/1), o valor do alojamento deve fixar-se em € 48,36 e o valor da alimentação em € 120,90. A retribuição mensal a atender para efeitos do cálculo das prestações devidas é, pois, de € 883,55, o que perfaz a retribuição anual de € 12.369,70 (€ 883,55 x 14 meses).
Posto que não se alterou a matéria de facto no que toca ao valor do salário, posto essencialmente que rejeitámos a tese de que o valor do salário tinha de ser o que constava do contrato e que não vemos que não se tenha de contar o valor da alimentação e dormida, entendemos que a sentença recorrida se mostra bem fundamentada e chega à solução pertinente, acolhendo-se aqui as suas razões».
Não nos merece censura o entendimento expendido que, também nesta parte, se sufraga.
3. Recurso Subordinado
O Autor/recorrido, nas suas conclusões em sede de recurso subordinado, alega que “para a hipótese de exclusão da responsabilidade agravada da entidade patronal, avançaria a sentenciada condenação subsidiária da R. Seguradora, presentemente a título principal”.
Não tendo ocorrido nos autos a absolvição da Ré/Empregadora, e atenta a solução dada no nº3 supra (3ª questão), e visto o disposto nos artigos 18º e 37º da Lei 100/97 de 13.9, fica prejudicado o conhecimento do recurso subordinado do Autor. ______________________________ |