Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | MANUEL AUGUSTO DE MATOS | ||
Descritores: | CONHECIMENTO SUPERVENIENTE PENA SUSPENSA EXTINÇÃO DA PENA PENA DE PRISÃO FURTO QUALIFICADO TRÂNSITO EM JULGADO CÚMULO JURÍDICO PENA ÚNICA MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 07/15/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | PROVIDO PARCIALMENTE | ||
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Sumário : | I - O STJ tem examinado a questão da inclusão de uma pena suspensa numa decisão de cúmulo jurídico de penas, no âmbito de um concurso superveniente de crimes, entendendo que as penas suspensas deverão ser englobadas no cúmulo jurídico desde que não tenham sido declaradas extintas pelo decurso do prazo de suspensão.
II – De acordo com a posição predominante, no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defende-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução. III - O STJ tem entendido de forma dominante que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do Código Penal, ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão, pois no caso de extinção nos termos do artigo 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o será nas restantes hipóteses. IV - Se o tribunal incluir no cúmulo jurídico uma pena de prisão suspensa na sua execução tendo passado o respectivo período de suspensão, em relação à qual não foi averiguado se a mesma foi declarada extinta, revogada ou prorrogada a suspensão, incorre-se em omissão de pronúncia determinante de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP. V - As penas conjuntas aplicadas em anteriores cúmulos jurídicos de penas perdem a sua subsistência, devendo desaparecer, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas já que na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas parcelares, não as penas conjuntas anteriormente fixadas. VI -Havendo lugar à elaboração de um cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de mais situações em concurso (artigo 78.º do Código Penal), são desfeitos os cúmulos anteriores que hajam sido realizados, e todas as penas parcelares readquirem a sua autonomia, devendo todas elas ser ponderadas na determinação da pena única conjunta, a qual se move numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave e pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sem que possa ser ultrapassado o limite máximo de 25 anos, conforme artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, preceito que alude às «penas concretamente aplicadas aos vários crimes» e nunca em penas únicas conjuntas. VII – O STJ tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com «a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente». VIII - A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado. IX – Tal decisão não pode, designadamente, deixar de se pronunciar sobre se a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo autor ou a influenciou, «para que se possa obter uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela pluriocasionalidade (…), bem como ainda a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)». X - Pressuposto material de aplicação do instituto da suspensão da execução da pena é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». XI - Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça: I – RELATÓRIO 1. Por acórdão de 30 de Janeiro de 2020 do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de … - Juiz 4 - Tribunal Judicial da Comarca do …, foi realizado o cúmulo jurídico das penas aplicadas ao arguido AA, solteiro, desempregado, filho de BB e de CC, nascido a … .05.1991, natural de …, com residência na Rua …., Edifício …, Bloco …, 2.º frente, … e actualmente preso no Estabelecimento prisional de …, tendo sido fixada a pena única de 5 anos e 8 meses de prisão.
2. Inconformado, recorreu o arguido para o Supremo Tribunal de Justiça, rematando a respectiva motivação com as conclusões que se transcrevem: 1) A decisão ora recorrida cumulou juridicamente penas de prisão efectivas e penas de prisão suspensas na sua execução, o que, do ponto de vista do arguido, não é, legalmente, admissível. 2) Entende o arguido não haver lugar a cúmulo jurídico destas penas, solução que, de resto, vem sendo perfilhada por jurisprudência recente, neste sentido vide Ac STJ,. Proc. 287/12.6TCLSB.L1.S1, 3ª secção, datado de 14-03-2013, Acórdão do STJ proferido no âmbito do processo 285/07.1jabrg-F.S1 5ª Secção, datado de 12.03.2015 e Acórdão de 11-09-2013 proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa. 3) Para que se possa entender que pode haver lugar a cúmulo jurídico de uma ou mais penas, mostra-se necessário que as mesmas tenham a mesma natureza, o que não sucede com uma pena de prisão efectiva e uma pena de prisão suspensa. 4) A pena de prisão suspensa não se reconduz, enquanto tal, a uma pena de prisão efectiva, não só porque tem requisitos específicos de imposição, como ainda porque tem, igualmente, regras próprias de cumprimento – que podem abranger a imposição de regras de conduta ou deveres específicos (artºs 50 a 54 do C. Penal) - e de eventual revogação (arts. 55 a 57 do mesmo diploma legal), regras essas e condutas que, no caso presente, o arguido já está a cumprir no âmbito do que lhe foi determinado no proc. n.º 15/11.3… do Tribunal de … . 5) Cumular reclusão com liberdade, é operação que se mostra, em si mesma, impossível. 6) Como decidiu o STJ no Acórdão mencionado supra: “Assim, para que se pudesse subscrever a tese da cumulação sem revogação, teríamos que entender que, em todos os casos de penas de prisão substituídas por outras penas, caso se verificassem os requisitos previstos nos artºs 77 e 78 do C. Penal, isso determinaria uma alteração judicial discricionária da sua natureza, para possibilitar a sua cumulação, o que vai manifestamente contra a lei, que impõe critérios quer para a substituição quer para a revogação.” 7) A alteração da natureza de uma pena tem graves e severas repercussões na esfera jurídica do condenado, uma vez que este passa de uma condenação que lhe permite manter a sua liberdade, para uma situação de reclusão, sendo que a lei expressamente impõe que tal alteração só pode ocorrer por virtude de um comportamento culposo do próprio arguido (vide artºs 55 e 56 do C. Penal) e não por despacho judicial a proferir no âmbito de outro processo. Interpretação neste sentido é claramente violadora da CRP. 8) O artigo 56º do Código Penal contém uma enumeração, afigura-se, taxativa, das causas de revogação da suspensão, sem que o seu texto contenha uma qualquer referência ao concurso de crimes. 9) O caso julgado forma-se sobre a medida da pena e sobre a sua execução, a menos que ocorra uma causa legal de revogação da suspensão da execução da pena, não se devendo proceder ao cúmulo jurídico de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução. 10) O acórdão cumulatório recorrido, ao cumular juridicamente penas de prisão efectiva e penas de prisão suspensas na sua execução, ofendeu os anteriores casos julgados. Neste seu segmento, incorreu em violação do que vem disposto no artigo 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa e no artigo 619.º, n.º 1, do Código de Processo Civil, aplicável por força da remissão contida no artigo 4.º do Código de Processo Penal. 11) Conclui-se pois, que mal andou o Tribunal “a quo” ao proceder ao cúmulo jurídico das penas proferidas pelo Tribunal de … (uma suspensa e outra efectiva) e … (suspensa), pois, em face das disposições legais supra citadas não há lugar à realização do cúmulo jurídico, devendo as penas manterem-se autónomas, e o arguido cumprir no limite, em face do estado dos autos, os 3 anos e 6 meses de prisão efectiva que se encontra a cumprir. Subsidiariamente e para o caso de assim não se entender: 12) O texto do acórdão cumulatório recorrido, na fundamentação da determinação da medida concreta da pena única a aplicar, não atribuiu a relevância devida à idade e circunstâncias pessoais do arguido e recorrente, bem como à necessidade de não coarctar excessivamente a possibilidade de se ressocializar em meio livre. 13) Não valora convenientemente as circunstâncias atenuativas seguintes: registo positivo da sua evolução em meio prisional, a sua conduta adequada e um correto contacto interpessoal com os vários intervenientes daquele setor, sendo considerado um indivíduo humilde e educado, com apoio familiar e perspetivas futuras de uma vida adequada às regras legais e sociais e dar continuidade à atividade desenvolvida; 14) Formulou em abstrato um juízo crítico, reconhecendo a ilicitude dos mesmos, assim como os danos causados; evidenciou arrependimento em sede de audiência de julgamento realizada para efeitos de cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas; diligenciou pela obtenção de formação, concluiu o 9º ano e encontra-se presentemente a frequentar a escola, ao nível do 3.º ciclo, 12º ano. 15) Neste seu passo, resulta inconsiderada a diminuição das exigências de prevenção especial e a rigorosa incidência penal do princípio da culpa, a percutirem-se na determinação da medida concreta da pena unitária a aplicar ao concurso de crimes, sendo particularmente relevante o facto de o recorrente ter, voluntariamente abandonado a vida «criminosa», ressocializando-se por si, sem necessidade de intervenção do sistema judicial. 16) Acresce não ser de olvidar que os três crimes pelos quais o arguido foi condenado se tratam de furtos a cafés, sendo um na forma tentada, donde foram retirados bens de baixo valor e quantias em dinheiro – 43 €, 100 €, 130 € e 10 €. Ou seja, o valor dos furos é diminuto, sendo em dinheiro menos que 500 € nas três situações. 17) Numa altura em que as penas por crimes muito mais graves, designadamente de «colarinho branco», criminalidade económica são leves e maioritariamente suspensas, o povo, em nome de quem a justiça é aplicada, não compreenderá que um tribunal condene um cidadão em 5 anos e 8 meses de prisão por este ter furtado 2 vezes 300 e poucos euros e ter tentado levar a cabo mais um furto. 18) Nas operações a que se procedeu, não terá dado a devida consideração à circunstância de as penas tenderem a ser sempre mais severas do que na realidade seriam, quando é decretada a sua suspensão. 19) Num juízo breve, dir-se-á, pois, que o Colectivo não ponderou ou não ponderou adequadamente factores a que a lei manda atender em sede de fixação concreta da pena conjunta, violando, nesta conformidade, o disposto nos art.ºs 77.º, 78.º e 71º, todos do Código Penal. 20) A pena única aplicada é excessiva e desnecessária. As considerações expendidas impõem a aplicação ao arguido-recorrente, de pena única inferior à do acórdão recorrido. 21) Na procedência da questão primeiramente suscitada, relativa à inclusão das penas suspensas no cúmulo jurídico, a pena unitária a aplicar cifrar-se-á nos cinco anos de prisão. 22) Sem prescindir de tudo o até exposto, deve a pena ser fixada em quatro anos e que tal pena deverá ser suspensa na sua execução, atenta a materialidade dada como provada em favor do arguido. 23) A conduta do arguido posterior aos factos evidencia fortes razões de prevenção. 24) Não são considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos de prognose sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam fazer supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas, tomando por referência o momento da decisão e não da prática do crime. 25) Prognose social favorável consiste na esperança de que o condenado sentirá a condenação como uma advertência e não cometerá no futuro nenhum delito, exigindo uma valoração integral de todas as circunstâncias possíveis que ajuízem sobre a sua conduta futura. 26) Importa, pois, ponderar se, à luz dos critérios supra enunciados, há condições para a concessão deste benefício, sendo afirmativo o nosso entendimento. 27) O arguido tem baixa escolaridade tendo iniciado a actividade laboral na agricultura ainda na adolescência; abandonou, voluntariamente, a prática do crime; Desde Setembro de 2017 fez esforços de reorganização da sua vida em termos profissionais, afectivos e sociais, integrou o agregado familiar, emigrou e tentou refazer a sua vida. tem mantido uma conduta adequada e um correcto contacto interpessoal com os vários intervenientes do Estabelecimento Prisional; Mostra capacidade para formular, em abstracto, um juízo crítico sobre a ilicitude dos factos que lhe são imputados, assim como os danos causados; Durante o período privativo de liberdade tem recebido visitas dos familiares, tendo apoio familiar; caso a pena seja suspensa o recorrente tem como perspectivas futuras regressar à …, restabelecer os laços familiares e dar continuidade à actividade desenvolvida e que se encontra assegurada; evidenciou arrependimento em sede de audiência de julgamento realizada para efeitos de cúmulo jurídico das penas que lhe foram aplicadas; Frequentou curso de educação e formação de adultos e concluiu o 9.º ano no último ano letivo; frequenta curso para equivalência ao 12.º ano de escolaridade e trabalha no …; Aquando da entrada no estabelecimento prisional, aderiu a acompanhamento terapêutico pelo Projeto Homem – programa educativo terapêutico de reabilitação e prevenção de problemáticas aditivas; Disciplinarmente, mantém um comportamento normativo, sem registo de sanções disciplinares, beneficiando do regime de visitas de familiares; Colabora com a equipa de reinserção social; Mantém, até ao momento, o cumprimento das obrigações a que se encontra sujeito e Revela capacidade para formular, em abstracto, um juízo crítico sobre a ilicitude dos factos que lhe são imputados. 28) É assim de concluir de forma segura que as condições de vida, familiar e profissionais do arguido supra expostas constituem elementos susceptíveis de formular um juízo de prognose favorável sobre a condução de vida daquele no futuro, sendo de prever, que a simples ameaça da pena será suficiente para prevenir a reincidência, realizando a finalidade da prevenção especial. A materialidade dada como provada permite concluir que o arguido não voltará a delinquir. 29) Este entendimento vem sendo seguido na nossa jurisprudência, designadamente pelo Tribunal da Relação de Guimarães tem decidido: “Sempre que haja razões fundadas e sérias para acreditar que o agente, por si só evitará o cometimento de novos crimes, deve decretar-se a suspensão.” 30) Não obstante a gravidade dos factos e às necessidades de prevenção geral, atento o lapso de tempo decorrido – factos datam dos anos 2015/2017 - e a mudança radical na sua vida, a qual, nos últimos anos antes da detenção à ordem deste processo, é marcada por factores de estabilidade e inserção comunitária activa, afigura-se que a simples censura dos factos e a ameaça da pena de prisão apresentam virtualidades suficientes para satisfazer as exigências da punição, sem que saia irremediavelmente comprometida a defesa do ordenamento jurídico, pelo que se adequa e impõe a suspensão da execução da pena de prisão. *** * DISPOSIÇÕES LEGAIS VIOLADAS Artigos 40º, 43, º 50.º a 54.º, 55.º, 56º, 70º, 71.º, 77. ° e 78. ° do código Penal Artigos 379º, nº 1-c), 471°, n° 2, 474° CPP, 492° e 495° do Código de Processo Penal Artigo 29.º, n.º 5, e 32.º da Constituição da República Portuguesa, Artigo 619.º, n.º 1 do Código de Processo Civil TERMOS EM QUE, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE POR PROVADO E EM CONSEQUÊNCIA DEVERIA SER O DOUTO ACÓRDÃO SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE CONTEMPLE AS CONCLUSÕES ATRÁS ADUZIDAS.» 3. Respondeu o Ministério Público, formulando as seguintes: «CONCLUSÕES 1ª A questão da inclusão das penas suspensas nos cúmulos jurídicos supervenientes não é nova e tanto o Supremo Tribunal de Justiça como os vários Tribunais da Relação tem-se pronunciado de forma largamente maioritária, quase uniforme, no sentido de inclusão no cúmulo das penas de prisão suspensas na sua execução, desde que o prazo de suspensão se mantenha em curso, só não devendo ser englobadas as penas já declaradas extintas nos termos do art. 57º, nº 1 do Código Penal, nada obstando a que no julgamento conjunto determinante da pena única se conclua pela necessidade de aplicação de pena de prisão efectiva, isto é, precludida a suspensão. 2ª O próprio Tribunal Constitucional também já se pronunciou sobre esta questão, perfilhando o entendimento jurisprudencial maioritário, desde logo no seu Acórdão nº 3/2006 de 3/1/2006, onde decidiu “não julgar inconstitucional as normas dos artigos 77º, 78º e 56º, nº 1 do CP, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações”, e, mais recentemente, no Acórdão nº 341/2013, decidiu “não julgar inconstitucional a norma constante dos artigos 77º, 78º e 56º, nº 1 do CP, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva”, ambos disponíveis em www.tribunalconstitucional.pt, 3ª Assim sendo, dúvidas não subsistem de que o colectivo de juízes andou bem ao proceder ao cúmulo jurídico das penas em que o arguido foi condenado nos Processos nºs 185/16.4…, 478/17.3… e 15/15.4… . 4ª Efectivamente, no primeiro destes processos (185/16.4…) o recorrente foi condenado na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, pena de prisão esta que se encontra a cumprir desde 22/11/2018. 5ª No segundo processo (478/17.3…) o recorrente foi condenado, por douto acórdão transitado em julgado a 21/5/2018, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, processo este onde ainda não foi proferido despacho final da suspensão, pois encontra-se a aguardar nos termos do art. 57º, nº 2 do Código Penal, uma vez que se encontram pendentes o Processo nº 556/18.1… do Juízo Central Criminal de … – Juiz 4, em que o recorrente é arguido, por factos alegadamente praticados em 24/25 de Agosto de 2018, e o Inquérito nº 728/18.9…, de que se aguarda despacho final, em que alegadamente o recorrente cometeu factos ilícitos em Novembro de 2018, isto é, no período da suspensão da execução da pena de prisão. 6ª Já no terceiro dos referidos processos (15/15.4…) o recorrente foi condenado, por douta sentença transitada em julgado a 2/7/2018, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período. 7ª Quer isto dizer, pois, que no douto acórdão agora em recurso o tribunal procedeu ao cúmulo jurídico de três penas em que o recorrente tinha sido condenado, uma em pena de prisão efectiva (a pena do Processo nº 185/16.4…), outra em pena de prisão suspensa na sua execução cujo prazo de suspensão ainda decorre (a pena do Processo nº 15/15.4…) e a outra delas em pena de prisão suspensa na sua execução e cujo processo aguarda nos termos do disposto no art. 57º, nº 2 do Código Penal, onde, por isso, ainda não foi proferido despacho final da suspensão (a pena do Processo nº 478/17.3…). 8ª O douto acórdão cumulatório de penas recorrido fez, pois, uma correcta interpretação das disposições legais citadas pelo recorrente, como seja, os artigos 77º e 78º do Código Penal. 9ª O Tribunal fundamentou devidamente e especialmente a pena única resultante do cúmulo jurídico que aplicou ao arguido, assim fazendo uma correcta aplicação do disposto no art. 77º, nºs 1 e 2 do Código Penal. 10ª Também o Tribunal levou em conta todas as circunstâncias que devem nortear a aplicação de uma pena única, fazendo uma exemplar aplicação da lei penal e condenando o recorrente numa pena justa, equilibrada e adequada, face a toda a factualidade apurada e à personalidade do arguido. 11ª Resulta claro que o colectivo de juízes na elaboração do cúmulo jurídico de penas e na determinação da pena unitária teve em conta não só a globalidade dos factos imputados ao recorrente como também a personalidade deste e condições pessoais, não se bastando, apenas, com uma invocação abstrata da personalidade desintegrada das respectivas características, para tanto se socorrendo do relatório social junto aos autos. 12ª Os crimes cometidos pelo recorrente revestem especial gravidade e reiteração criminosa, pois a linha criminosa do arguido é constituída principalmente por inúmeros crimes de furto qualificado, mas também crime de violação da obrigação de alimentos, crime de apropriação ilegítima e crime de consumo de estupefacientes, ilícitos estes que atentam contra o património, a família, a saúde pública e os interesses da vida em sociedade, tudo bens ou valores bem queridos pela comunidade em geral. 13ª A pena única aplicada ao recorrente deverá ser mantida nos seus precisos termos, dado que, perante a factualidade dada como provada, a personalidade do arguido, as molduras penais a considerar - de 3 anos e 6 meses de prisão (a mais elevada das penas de prisão aplicadas) a 10 anos e 2 meses de prisão (a soma das penas parcelares de prisão aplicadas) - e, sobretudo, os vastos antecedentes criminais do arguido, desde a prática de inúmeros crimes de furto qualificado até crime de violação da obrigação de alimentos, crime de apropriação ilegítima e crime de consumo de estupefacientes, mal se compreende que o recorrente entenda dever ser condenado em pena de prisão inferior à que lhe foi aplicada. 14ª Como entendemos que deve manter-se a pena única aplicada ao recorrente de 5 anos e 8 meses de prisão, fica prejudicada a questão da suspensão da execução da pena de prisão alegada no recurso do arguido, por inobservância do respectivo pressuposto formal (pena de prisão não superior a 5 anos aludida no art. 50º, nº 1 do Código Penal). 15ª O douto acórdão recorrido não merece qualquer censura ou reparo, pois, não viola qualquer disposição ou preceito legal e muito menos algum princípio penal, processual penal ou constitucional. Nestes termos, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e ser mantido nos seus precisos termos o douto acórdão recorrido, mas, se outra for a decisão de V. Exas, por certo farão a costumada Justiça. 4. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu o proficiente parecer que se transcreve: I. Acto recorrido, fundamentos e pedido do recurso e resposta do Ministério Público em 1ª instância. 1. Recorre o arguido AA – doravante, Recorrente – do acórdão de 30.1.2020 do tribunal colectivo do Juiz 4 do Juízo Central Criminal de … proferido no PCC n.º 3325/19.8T8PNF – doravante, Acórdão Recorrido – que o condenou na pena única de 5 anos e 8 meses de prisão em resultado da cumulação superveniente – art.os 78º e 77º do CP – das seguintes penas: - Decretadas no PCS n.º 185/16.4… do Juízo Local Criminal de … por sentença transitada a 12.7.2018: - Duas penas de 2 anos e 6 meses de prisão, uma por cada um de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP praticados em 19.5.2016 e 21.6.2016 e aí cumuladas na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão; pena esta que, de momento, cumpre desde 22.11.2018. - Decretadas no PCC n.º 478/17.3… do Juiz 2 do Juízo Central Criminal …por acórdão transitado em 21.5.2018: - 9 meses de prisão pela prática em 15.6.2017 de um crime de furto qualificado tentado p. e p. pelos art.os 203º n.º 1, 204º n.º 2 al.ª e), 22º e 23º do CP; e - 11 meses de prisão pela prática na mesma data de um crime de furto qualificado p. e p. pelos art.os 203º n.º 1, 204º n.º 2 al.ª e) e 72º n.os 1 e 2 al.ª c), do CP, e aí cumuladas na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com sujeição a regime de prova. - Decretada no PCS n.º 15/15.4… do Juízo Local Criminal de … por sentença transitada em 2.7.2018: - 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com sujeição a regime de prova, por crime de furto qualificado p. e p. pelos art.os 203º n.º 1 e 204º n.º 2 al.ª e) do CP praticado em 6.1.2015. Insurge-se contra: - A título principal: - A realização do próprio cúmulo jurídico de penas, por não ser legal e constitucionalmente admissível a cumulação de penas de prisão efectiva com penas de prisão suspensas. Pede, em conformidade, que se revogue o Acórdão Recorrido, anulando-se a cumulação e mantendo as condenações a respectiva autonomia. - Subsidiariamente: - A medida concreta da pena conjunta, que tem por excessiva por não ter tido na devida conta a sua idade e as demais circunstâncias pessoais e familiares, o bom comportamento prisional, o arrependimento e o juízo crítico que interiorizou sobre a ilicitude dos factos e danos causados. Pede, neste conspecto, a fixação de pena não superior a 4 anos de prisão, aliás, a suspender na sua execução. Acusa violação das normas dos art.os 40º, 43º, 50º a 54º, 55º, 56º, 70º, 71º, 77º e 78º, do CP; 379º n.º 1 al.ª c), 471º n.º 2, 474º, 492º e 495º, do CPP; 29º n.º 5 e 32º da CRP; e 619º n.º 1 do CPC. 2. O Senhor Procurador da República de … respondeu ao recurso. Em peça de evidente qualidade, contrariou as acusações do arguido sustentando a legalidade da cumulação com apoio em jurisprudência que oportunamente convocou e a adequação e proporcionalidade da pena única. Pronunciou-se, por tudo, pela improcedência total do recurso. II. Do parecer. A. Pressupostos e âmbito-objecto do recurso. 3. O recurso é o próprio (per saltum), tempestivo, interposto com legitimidade e interesse, da competência deste STJ, com efeito e regime de subida correctamente fixados e a julgar em conferência – art.os 401.º n.º 1 al.ª b), 406.º n.º 1, 407.º n.º 2 al.ª a), 408.º n.º 1 al.ª a), 409.º, 411º n.º 5 e 432.º n.º 1 al.ª c), todos do CPP. Não vêm alegados, nem ocorrem, vícios dos previstos no art.º 410º n.os 2 e 3 do CPP, considerando-se a matéria de facto definitivamente fixada. O recurso é exclusivamente de direito – art.º 434º do CPP – e as questões a decidir – art.º 412º n.º 1 e 403º n.os 1 e 2 al.ª c) do CPP – são as sumariadas em 1. supra, a saber: A inclusão de penas de prisão suspensas no cúmulo jurídico; A medida concreta da pena única. 4. E diz já o signatário que o recurso haverá de proceder parcialmente. Com efeito: B. Crítica do recurso. a. A questão da cumulação superveniente das penas de suspensão da execução da prisão. 5. Não discute – e bem – o Recorrente que entre os crimes por que foi parcelarmente condenado nos termos referidos em 1. supra intercede a relação de concurso real e temporal justificativa da cumulação superveniente de penas prevista nos art.os 78º e 77º do CP [1]: condenado primeiramente – trânsito a 21.5.2018 – no PCC n.º 478/17.3… por crimes de furto qualificado praticados em 15.6.2017, verificou-se que, antes daquela condenação, havia praticado outros factos criminosos – aliás, da mesma natureza – por que, porém, só depois dela veio a ser condenado, concretamente, em 2.7.2018 – condenação no PCS n.º 15/15.4… por factos de 6.1.2015 – e em 12.7.2018 – condenação no PCS n.º 185/16.4… por factos de 19.5.2015 e 21.6.2016. E também não discute – e bem, de novo – que, sendo o PCS n.º 185/16.4… o da condenação mais recente, é esse o lugar onde se deve proceder à cumulação de penas que se possa justificar. 6. O que o Recorrente questiona, isso sim e como se disse, é a feitura em si mesma da (nova) cumulação de penas que, por envolver, de um lado, duas penas de prisão unificadas numa pena conjunta de prisão efectiva – as de 2 anos e 6 meses de prisão impostas no PCS n.º 185/16.4… e aí fundidas na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão que, de momento, cumpre – e, do outro, penas de prisão suspensas na sua execução – as de 9 e 11 meses de prisão cumuladas na pena única, suspensa, de 1 ano e 4 meses decretada no PCC n.º 478/17.3…, e a de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa, decretada no PCS n.º 15/15.4… –, não é legal nem constitucionalmente admissível. E vale-se, na circunstância, do argumentário mais comummente convocado em abono da tese da inadmissibilidade da cumulação superveniente de penas de prisão suspensas na sua execução – é dizer, o da inacumulabilidade de penas de prisão efectivas com prisão de prisão suspensas, ou com penas de substituição em geral, por de diferente natureza; o da equivalência da cumulação em pena de prisão efectiva à revogação da suspensão de execução da prisão à margem de incumprimento culposo das condições da suspensão, ou da comissão de ilícito, e da sua averiguação no procedimento previsto nos art.os 56º e 57º do CP; e o da violação do caso julgado que recobre a condenação em pena suspensa – e de jurisprudência que, alegadamente, o respalda – mormente, o AcSTJ de 14.3.2013 - Proc. n.º 287/12.6TCLSB.L1.S1, o AcTRL de 11.9.2013 - Proc. n.º 10/08.4SFLSB-A.L1-3 e o voto de vencido aposto no AcSTJ de 28.6.2006 - Proc. n.º 06P775 [2]. Por isso que – sustenta – haverá o Acórdão Recorrido de ser revogado, reassumindo cada uma das condenações a respectiva autonomia e continuando-se a aguardar a execução, em separado, de cada uma delas. E diz já o signatário que assiste (alguma) razão ao Recorrente, mas apenas quanto à cumulação das penas do PCC n.º 478/17.3…. e por motivos algo diferentes dos que invoca. Com efeito: 7. Começando pela questão da acumulabilidade superveniente, em tese, de penas de prisão efectivas com penas de prisão com execução suspensa, cumpre desde logo esclarecer que o panorama actual da jurisprudência – e da doutrina – é bem diferente do que o Recorrente quer fazer crer: dominante desde há mais de duas décadas, pode dizer-se que a ideia da conjugabilidade dessas penas tem, hoje, por si a unanimidade no STJ – como, de resto, o Senhor Procurador da República de … documentadamente evidencia –, disso constituindo um dos mais recentes, e eloquentes, testemunhos [3] o AcSTJ de 13.2.2019 - Proc. n.º 920/17.3T9CBR.S1 [4], de que, para ilustração, se transcrevem os seguintes passos: «A doutrina [1] e a jurisprudência [2] largamente maioritárias, consideram a suspensão, uma pena de substituição, autónoma da pena de prisão substituída. É jurisprudência uniforme deste Supremo Tribunal que no cúmulo jurídico em caso de concurso superveniente de crimes, podem, na formação da pena única, ser englobadas penas de prisão efetiva e penas de prisão com execução suspensa [3]. "A obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos arts. 77.º e 78.º, do CP, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida" [4]. Também o Tribunal Constitucional, convocado a pronunciar-se sobre um possível direito do condenando à manutenção da pena de substituição em caso de conhecimento superveniente de concurso de crimes, no Acórdão n.º 2/2006 de 31/01/2006 […], decidiu: "não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações". Deixou claro o entendimento de que a revogação e não manutenção da suspensão decorrente de as penas de substituição terem de ser englobadas num cúmulo jurídico de penas, não ofende nem o caso julgado, nem os princípios da confiança e da proporcionalidade. Consta da respetiva fundamentação: "a hipótese de uma pena de prisão suspensa na sua execução, anteriormente aplicada a um dos crimes em concurso, vir a perder autonomia e a ser englobada na pena única correspondente ao concurso supervenientemente conhecido constitui, a par das hipóteses previstas nas alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 56.º do Código Penal, um caso em que é legalmente admitido “revogar” ou “não manter” a suspensão […], o que, de acordo com a corrente jurisprudencial em que o acórdão recorrido se insere, nem sequer constitui violação de caso julgado, atenta a conatural provisoriedade da suspensão de execução da pena. O condenado em pena de prisão suspensa na sua execução que tenha praticado um crime anteriormente àquela condenação pelo qual ainda não foi julgado sabe que não só pode ter de vir a cumprir a pena de prisão suspensa se, no decurso do período da suspensão, infringir grosseira ou repetidamente os deveres ou regras de conduta impostos ou o plano individual de readaptação social ou se cometer crime pelo qual venha a ser condenado, e revelar que as finalidades que estavam na base da suspensão não puderam, por meio dela, ser alcançadas, mas ainda que aquela suspensão pode não ser mantida, se a pena aplicada ao cúmulo legalmente o não permitir ou se, na ponderação final global a cargo do tribunal do cúmulo, se entender que a suspensão, no caso, se não justifica". Convocado a pronunciar-se sobre a conformidade constitucional da acumulação jurídica de penas de prisão efectiva e penas de substituição, no Acórdão n.º 341/2013 […] decidiu: "não julgar inconstitucional a norma constante dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada […], sendo o resultado uma pena de prisão efectiva". Ao cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). O concurso de crimes é necessariamente punido com uma pena única – art. 77º n.º 1 do Cód. Penal. Na medida da pena do concurso é considerado o "comportamento global" [9] fornecido pela pluralidade dos crimes que o integram. Como se escreve no Acórdão (TC) citado em último lugar, o englobamento no cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, de penas de substituição da pena de prisão aplicada na condenação tem "um fundamento válido no plano jurídico-constitucional que é o do tratamento igualitário de situações materialmente idênticas: ou seja, pretende-se tratar de igual modo as situações de concurso, quer o conhecimento do mesmo seja simultâneo ou superveniente". Restar à determinação da pena conjunta algum crime do concurso e a pena de prisão com que foi punido, entorse, deixando incompleto o conhecimento e apreciação da dimensão e gravidade global da actividade delituosa do agente, e também da sua personalidade revelada no cometimento do conjunto dos factos delituosos. A exigência da consideração, "em conjunto, dos factos e da personalidade" não permite excluir nenhuma das penas de prisão aplicadas aos crimes em concurso, tenham ou não sido substituídas. Por sua vez, a suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto substancial a previsão de a substituição cumprir, adequada e suficientemente, as finalidades da punição. Previsão ou "prognóstico favorável" que não pode ser uma questão de imaginação ou de fé. Tem de resultar de factos demonstrados, atinentes "à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste" – art. 50º n.º 1 do Cód. Penal. Ainda que tenham desigual densidade, concorrendo favoravelmente em determinado caso concreto, e verificado o pressuposto formal (prisão aplicada em medida até 5 anos), não deve o tribunal recusar a pena de substituição. Indiferentemente de a prisão aplicada respeitar a um só crime ou a um concurso de crimes. Surgindo outras condenações por crimes que integram o mesmo concurso, resultam alterados os dados de facto em que assentou a decisão que aplicou a pena de substituição. As novas condenações determinam "a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final" [10]. Ou, como elucidativamente se escreve no citado Ac. 341/2013 do Tribunal Constitucional: "tendo em conta as regras estabelecidas para o conhecimento superveniente do concurso, o tribunal que procede ao cúmulo, na ponderação da pena única a aplicar terá de proceder a uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, sendo essa necessidade de avaliação conjunta que determina que se considere nessa ponderação todas as condenações, sejam elas em pena de prisão efetiva ou suspensa, de modo a poder pronunciar-se sobre a medida da pena conjunta e, então, decidir ou não pela suspensão dessa pena, como faria caso o conhecimento do concurso fosse simultâneo e não superveniente. Ou seja, a não manutenção da suspensão da pena não está diretamente fundada em factos anteriores à sentença que outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade, mas sim na circunstância de só posteriormente se ter conhecimento desses factos e, por essa razão, se ter de proceder supervenientemente ao cúmulo jurídico". A pena única, aplicada ao concurso de crimes abrangidos pelo cúmulo jurídico está, para poder beneficiar da substituição, submetida ao mesmo regime da pena aplicada a um crime singular. Desde logo ao pressuposto formal de a sua medida concreta não ser superior a 5 anos de prisão. Vencida esta barreira, deverá o tribunal apreciar e decidir da verificação dos pressupostos materiais, mas agora por referência aos "sentidos de vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global" [11] e à personalidade revelada pelo conjunto dos factos. No caso, excluindo-se do concurso de conhecimento superveniente os crimes cometidos pelo arguido que foram punidos com penas de substituição frustrava-se o conhecimento e a apreciação do seu "comportamento global", indispensável à determinação das penas conjuntas aplicadas. ______ [1] J. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, pag. 339 ("a suspensão da execução da pena não representa … só uma modificação, da execução da pena, mas uma pena autónoma … uma pena de substituição"). [2] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 13/2016 (uniformizador de jurisprudência); Ac. STJ de 28/02/2018, Proc. 125/97.8IDSTB-AS1, www.dgsi.pt/jstj. [3] Ac. STJ de 16/022018, Proc. 2118/13.0PBBRG.G1.S1. [4] Ac. STJ de 17/05/2017, Proc. 1262/11.3GAVNG.P1.S1, www.dgsi.pt/jstj. […] [9] J. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, T I, 2ª ed. Coimbra Editora, pag. 977. [10] Ac. STJ de 7-03-2018, Proc. 180/13.5GCVCT.G2.S1, www.dgsi.pt/jstj. [11] J. Figueiredo Dias, obra citada, pag. 988.». E por tal, e aderindo a esse entendimento, desde já aqui se sustenta a conformidade com a lei, ordinária e constitucional, do englobamento em cúmulo jurídico de penas de substituição – designadamente, a da suspensão executiva da prisão prevista no art.º 50º do CP [5] –, por isso que nada podendo por aí aproveitar ao recurso do arguido. 8. Mas, se bem se vêem as coisas, a questão que in casu verdadeiramente importa resolver não é essa, é antes a de saber se, já depois de decorrido o período suspensivo de uma pena de prisão mas no momento em que, nos termos do art.º 57º n.º 2 do CP [6], se aguarda a decisão final a proferir noutros processos que têm por objecto crime(s) alegadamente praticados no tempo da suspensão, tal pena pode, sim ou não, ser supervenientemente cumulada. Explique-se: 9. Como se vê no Acórdão Recorrido e se extractou em 1. supra, o cúmulo a que se procedeu englobou as penas de 11 meses e de 9 meses de prisão por crimes de furto qualificado, tentado e consumado, originariamente decretadas no PCC n.º 478/17.3… e que aí foram cumuladas na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período com sujeição a regime de prova. Vê-se, ainda, naquele acórdão que, tendo decorrido, já, o prazo da suspensão sobre o trânsito da condenação, ocorrido a 21.5.2018, sem notícia de incumprimento de deveres, de regras de conduta ou do plano de reinserção que pudesse exigir a modificação, a prorrogação ou revogação da suspensão ao abrigo dos art.os 55º e 56º n.º 1 al.ª a) do CP, se aguardava à data naquele processo, nos termos do art.º 57º n.º 2 do CP, o desfecho de procedimentos por crimes, alegadamente, praticados pelo recorrente durante o período suspensivo, concretamente em 24/25 de Agosto de 2018 – PCC n.º 556/18.1… do Juiz 2 do Juízo Central Criminal de … em fase de julgamento – e em Novembro de 2018 – Inq. n.º 728/18.9…, em fase de investigação. E vê-se, por fim, que, no entendimento do Tribunal Colectivo de …, «o facto de ter já decorrido o prazo de suspensão» no processo referido «não obsta[va] à realização do cúmulo, uma vez que a suspensão se encontra[va] a aguardar nos termos do art.º 57.º, n.º 2 do C. Penal» o(s) desfecho(s) daqueles outros processos, sendo que, de acordo com a «jurisprudência dominante dos tribunais superiores […], as penas principais devem ser cumuladas juridicamente entre si, mesmo no caso de alguma(s) dela(s) ter(em) a sua execução suspensa» e o que só não deve acontecer «com as penas de prisão suspensas já declaradas extintas, em que não [há] justificação material, já que essas penas, pelo decurso do tempo, foram "apagadas".». Porém e salvo o muito devido respeito, talvez que as coisas não sejam bem assim! Na verdade: 10. Tanto quanto o de que as penas de prisão suspensas devem ser supervenientemente cumuladas, está hoje sedimentado o entendimento de que tal só pode acontecer se a pena de substituição não tiver sido declarada extinta pelo cumprimento, nos termos do art.º 57º n.º 1 do CP, sob risco de, de outro modo, se agravar injustificadamente a situação processual do condenado e se afrontar a paz jurídica derivada do trânsito em julgado que tiver declarado extinta a pena: é o que resulta, entre muitos outros, do AcSTJ de 12.6.2014 - Proc. n.º 300/08.1GBSLV.S2 [7], de que vale a pena, para ilustração da ideia, reproduzir os trechos que seguem: «A pena única do concurso, por conhecimento superveniente, deve englobar todas as penas, ainda que suspensas, pelos crimes em concurso, decidindo-se, após a determinação da pena única, se esta deve, ou não, ser suspensa. […]. Porém, no concurso de crimes superveniente não devem ser englobadas as penas suspensas já anteriormente declaradas extintas, nos termos do artigo 57.º, n.º 1, do CP, pois, não tendo sido cumpridas as penas de prisão substituídas e, portanto, não podendo as mesmas ser descontadas na pena única, tal englobamento só agravaria injustificadamente a pena única final. Na verdade, se o cúmulo jurídico de penas cumpridas se impõe por razões que se prendem com o princípio da igualdade e com os próprios fundamentos do nosso regime de pena conjunta, a inclusão de penas extintas, não pelo efectivo cumprimento, mas por ter decorrido o período de suspensão, sem que se verifiquem motivos que possam conduzir à sua revogação, traduzir-se-ia num agravamento injustificado da situação processual do condenado e afrontaria a paz jurídica do condenado derivada do trânsito em julgado do despacho que declarou extinta a pena. […]. A consideração, para efeitos de cúmulo jurídico, de uma pena cuja execução foi suspensa, após a declaração de extinção da pena, não respeita a natureza de verdadeira pena da suspensão da execução da pena. […] A extinção da pena, pelo decurso do período da duração da suspensão sem que haja motivos que possam conduzir à sua revogação, nomeadamente falta de cumprimento dos deveres e das regras de conduta a que foi subordinada ou do plano de reinserção social que a acompanhou, impede que a pena de prisão cuja execução foi suspensa, possa “renascer” para efeitos de ser englobada num cúmulo jurídico de penas. Se a pena cuja execução foi suspensa viesse a ser considerada para efeitos de integrar um cúmulo jurídico de penas, depois de declarada extinta, tal procedimento redundaria no cumprimento de duas penas pelo mesmo facto (o cumprimento da pena de substituição e, depois dele, o cumprimento da pena substituída, na medida em que relevaria para a determinação da pena única conjunta e, nesta, seria compreendida).» E – corolário natural de uma tal visão das coisas – constitui, igualmente, entendimento jurisprudencial pacífico que se incorre na comissão da nulidade da omissão de pronúncia do art.º 379º n.º 1 al.ª c) do CPP [8] sempre que se procede à cumulação superveniente de pena de prisão suspensa cujo prazo se encontre já esgotado sem que se averigúe previamente o estádio do seu cumprimento, isto é, sem que se averigúe se foi declarada extinta nos termos do art.º 57º n.º 1 do CP por não verificado qualquer um dos incidentes previstos nos art.os 55º e 56º do CP [9], ou se, de contrário, houve prorrogação, modificação ou revogação da suspensão, ou se, simplesmente, se aguarda nos termos do art.º 57º n.º 2 do CP decisão noutros processos em que, supostamente, o arguido praticou crimes durante o período da suspensão que podem vir a determinar a sua revogação nos termos do art.º 56º n.º 1 al.ª b) do CP [10]. 11. Ora, no caso dos autos, o Acórdão Recorrido indagou o estádio do cumprimento da pena única suspensa decretada no PCC n.º 478/17.3… sempre referido e, tendo averiguado – e levado à sua fundamentação – que a decisão sobre a sorte da suspensão aguardava o desfecho de procedimentos em que o arguido era suspeito da prática de crimes durante o período suspensivo, não incorreu, em boa verdade, na comissão da nulidade apontada. Incorreu, no entanto em violação de lei – mormente, do art.º 78º, 77º n.º 1 e 57 n.os 1 e 2 do CP –, ao ter englobado no cúmulo a que procedeu as penas parcelares que integravam aquela outra pena única sem que a suspensão executiva desta tivesse sido objecto de qualquer decisão, mormente, a da sua revogação ou da prorrogação do respectivo prazo – únicos casos em que as penas poderiam ter sido cumuladas – ou da sua extinção pelo cumprimento – caso em que nunca o poderiam ter sido. Pelo que, na reposição da legalidade, haverão as correspondentes penas de ser expurgadas do cúmulo jurídico efectuado, continuando-se em primeira instância a aguardar o termo final daqueles outros processos para o efeito de se poder decidir sobre a revogação da suspensão – art.º 56º n.º 1 b) do CP – ou sobre a extinção da pena – art.º 57º n.º 1 do CP – da pena imposta naquele PCC n.º 478/17.3…, e só então se tomando – se podendo tomar – posição sobre a cumulação. 12. É o que, neste segmento do recurso, se propõe, nessa medida procedendo o recurso. b. Medida da pena única. 13. Como acaba de se ver e embora por razões diversas das invocadas pelo Recorrente, haverá que recompor a pena única decretada no Acórdão Recorrido, por nela não se poderem manter as penas correspondentes aos crimes de furto qualificado por que houve condenação no sempre referido PCC n.º 478/17.3… . Tarefa que, naturalmente, competirá a este recurso. Assim: 14. Nos termos do art.º 77º n.º 1 do CP, «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Já o seu n.º 2 dispõe que «a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes». Em caso de concurso superveniente, cumulam-se, inclusivamente, penas expiadas mesmo se o seu cumprimento se desconta no da pena única – art.º 78º n.º 2 do CP E à pena conjunta apenas são levadas penas singulares, desfazendo-se, quando necessário, anteriores cúmulos efectuados [11]. A medida concreta da pena do concurso é determinada, tal como a das penas singulares, em função da culpa e da prevenção – art.os 40º e 71º do CP –, mas levando em linha de conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente (art.º 77.º, n.º 1, segundo segmento, do CP). O que significa que à visão atomística inerente à determinação das penas singulares, sucede, nesta, uma perspectiva de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a sopesar a gravidade desse ilícito global enquanto enquadrada na personalidade unitária do agente, «tudo deve[ndo] passar-se como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique». E relevando na «avaliação da personalidade – unitária – do agente […], sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma "carreira") criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade», que só a primeira tem «um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta» [12]. 15. Revertendo ao caso tem-se, então, que: - As penas a considerar são as duas de 2 anos e 6 meses de prisão impostas no PCS n.º 185/16.4… do Juízo Local Criminal de … e a de 3 anos e 6 meses de prisão imposta no PCS n.º 15/15.4… do mesmo Juízo, que entre os correspondentes crimes se verifica a relação de concurso superveniente prevista no art.º 78º n.º 1 do CP. - A moldura do concurso oscila, assim, entre 3 anos e 6 meses e 8 anos e 6 meses de prisão. - Os factos em presença, no seu conjunto, ocorreram num intervalo de cerca de um ano e meio; integram em todos os casos crimes de furto qualificado por arrombamento e, ou, escalamento; saldaram-se em apropriações na ordem dos € 1 280,00, dos € 143,00 e dos € 293,00; e envolveram, sempre, a participação do Recorrente e de um comparticipante. Num dos casos, para acederem ao interior do estabelecimento onde praticaram o furto, o Recorrente e o comparticipante causaram danos no valor de € 600,00. - O Recorrente actuou, sempre, com dolo directo e intenso. E tem-se, ainda, que: - O Recorrente conta com cinco condenações anteriores, duas por furto qualificado – ambas punidas com penas de prisão suspensas –, as outras por crimes de crimes de violação de obrigação de alimentos – pena de multa substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade –, de apropriação ilícita de coisa achada – pena de multa –, e de consumo de estupefacientes – pena de multa. E foi, ainda, condenado no PCC n.º 478/17.3… sempre referido por crimes de furto qualificado em pena (única) de prisão suspensa. - Tem uma filha, com 11 anos de idade, de uma companheira com quem viveu cerca de seis anos. - Cumpre a pena única 3 anos e 6 meses de prisão decretada no PCS n.º 185/16.4… desde … .11.2018. - À data da prisão residia com a progenitora, com o companheiro dela e com uma sobrinha, em ambiente familiar marcado pela conflituosidade decorrente dos frequentes pedidos de dinheiro do Recorrente para financiar o seu consumo de estupefacientes. - O Recorrente cultivava hábitos de ociosidade e de consumo de estupefaciente e de bebidas alcoólicas, privando com pares que registavam práticas semelhantes. - Tem bom comportamento prisional, onde concluiu, com êxito, o 9º ano de escolaridade em curso de educação e formação de adultos; de momento, frequenta curso para equivalência ao 12º ano e trabalha no … . - Segue programa terapêutico de reabilitação e prevenção de problemáticas aditivas. - Dispõe de retaguarda familiar, assegurada, principalmente, pela progenitora. - Perspectiva, quando restituído à liberdade, emigrar para a …, para junto de uma irmã, para reorganizar a sua vida; país onde já esteve em 2017 durante cerca de um ano, mas onde não consegui integração laboral estruturada. 16. Em maior aproximação à proposta de decisão, tem-se assim que a ilicitude da conduta global do Recorrente é já de significado, que o grau da sua culpa é acentuado e, acima de tudo, que vem patenteando um grande distanciamento dos valores estruturantes da boa convivência e paz social, especialmente dos que reclamam o respeito pela integridade da propriedade alheia de que nem as advertências contidas nas condenações anteriores conseguiram reaproximá-lo. E mesmo que se não possa dizer que o ilícito global, em si e na sua atinência à sua personalidade, denote uma tendência para prática de crimes contra a propriedade, certo é que a imagem também já não é a da simples (pluri)ocasionalidade. Presente, então, que: - As exigências de prevenção geral de integração que se fazem sentir não são minimamente desprezíveis, quer em razão do significativo grau de ilicitude dos factos, quer em razão do alarme e intranquilidade social que a própria natureza e frequência deste tipo de crime de furto provocam, reclamando pena que inequivocamente reafirme os valores jurídico-criminais postos em crise; - Pese a boa atitude do Recorrente em meio prisional – mas não mais do que isso –, as exigências de prevenção especial posicionam-se em patamar já bem acima de mediania, exigindo pena que efectivamente o advirta da intolerabilidade dos seus comportamentos e o reaproxime do respeito pelos valores tutelados pelo direito penal; - O grau da culpa, lato sensu, também é de significado, por isso que consentindo, sem constrangimentos de maior, o quantum de pena aconselhado pela prevenção especial de ressocialização, presente tudo isso, dizia-se, e presente ainda a moldura do concurso de 3 anos e 6 meses a 8 anos e 6 meses de prisão, tem-se por adequada e proporcional pena concreta a rondar os 4 anos e 9 meses de prisão. Pena essa cujo decretamento, assim, se propõe, nessa medida procedendo, parcialmente, o recurso. Mas pena que, como já se adivinhará e apesar de não excedente a 5 anos, não deverá ser suspensa na sua execução nos termos do art.º 50º do CP, por a tanto se oporem as acentuadas exigências de prevenção especial que, a um tempo, reclamam a efectividade da prisão em vista da (res)socialização do Recorrente e inviabilizam o prognóstico de que, a simples censura do facto e ameaça da prisão, bastarão para o afastar da criminalidade que até agora o não conseguiram as várias penas não detentivas já aplicadas. III. Da conclusão. 17. Dito o que precede, ter-se-ão abordado as principais questões que o recurso suscita. E com base nas considerações expostas, o Ministério Público pronuncia-se pela procedência parcial do recurso nos termos propostos, a saber, no de serem expurgadas da pena conjunta as penas impostas no PCC n.º 478/17.3… do Juiz 2 do Juízo Central Criminal de … e no de, na sua recomposição com as penas decretadas nos PCS's n.º 185/16.4… e 15/15.4…, ambos do Juízo Local Criminal de …, ser imposta ao Recorrente AA a pena única de 4 anos e 9 meses de prisão, efectiva. 5. Notificado, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 417.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, doravante CPP, o recorrente não respondeu. 6. Com dispensa de vistos e realizada a conferência, cumpre decidir. II – FUNDAMENTAÇÃO 2. Os factos O Tribunal Colectivo registou os seguintes: «Com relevância para a decisão, resultaram provados os seguintes factos: 1) No Proc. comum singular n.º 185/16.4…, que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do …, Juízo Local Criminal de …, foi o arguido condenado por sentença de 01.09.2017, transitada em julgado em 12.07.2018, pela prática em 19.05.2016 e 21.06.2016, como coautor material, na forma consumada e em concurso real, pela prática de dois crimes de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), com referência ao art.º 202.º, al. d), do C. Penal, na pena, para cada um deles, de 2 anos e 6 meses de prisão e, em cumulo jurídico, na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão efetiva, encontrando-se a cumprir esta pena de prisão desde 22.11.2018. Resultou provado que: - No período compreendido entre as 19h15, do dia 21.06.2016 e as 08h15, do dia 22-06-2016, o arguido e outro indivíduo dirigiram-se às instalações do estabelecimento “J…” e, ali chegados, subiram ao telhado de tais instalações, retiraram um número não apurado de telhas e, munidos de um machado, partiram o teto do estabelecimento. Após, entraram e daí retiraram dois corta sebes de marca Stihl, modelo HS 45, no valor global de € 600,00, uma motosserra, de marca Stihl, modelo MS211, no valor de € 380,00, uma motosserra, de marca Anova, modelo MG 45, no valor de € 280,00, um sistema de diagnóstico de marca Stihl, no valor de € 500,00 e € 100,00, em notas e moedas do Banco Central Europeu, que se encontravam no interior da caixa registadora, de que se apoderaram e que dividiram entre os dois; - No período compreendido entre as 06h07, do dia 19-05-2016 e as 06h10, do dia 19-05-2016, o arguido e outro indivíduo dirigiram-se ao estabelecimento “G…” e, munidos de um machado, desferiram com a lâmina do mesmo, várias pancadas no vidro da porta de entrada e vários pontapés, partiram o vidro da mesma, entraram no interior de tal estabelecimento e daí retiraram a caixa registadora de cor preta, que se encontrava em cima do balcão, no valor de € 43,00, contendo no seu interior € 100,00, em notas e moedas do Banco Central Europeu, de que se apoderaram e que, depois, dividiram entre os dois, sendo que os estragos causados na porta de entrada do estabelecimento ascendem ao montante de € 600,00; - O arguido e o outro indivíduo agiram em comunhão de esforços e na execução de um plano comum, com o propósito de fazer seus, como fizeram, os objetos que retiraram do interior das instalações dos citados estabelecimentos, bem sabendo que os mesmos não lhes pertenciam e que agiam contra a vontade e sem o consentimento dos seus legítimos donos. Agiram sempre de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei; 2) No Proc. comum coletivo n.º 478/17.3…, que correu termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do …, Juízo Central Criminal de … - Juiz 2, atualmente corre termos no Juiz 5, foi o arguido condenado por acórdão de 19.04.2018, transitado em julgado em 21.05.2018, pela prática em 15.06.2017 de um crime de furto qualificado na forma tentada, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e), 202.º, al. d), 22.º e 23.º do C. Penal, na pena de 9 meses de prisão e pela prática de um crime de furto qualificado na forma consumada, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1, 204.º, n.º 2, al. e) e 202.º, al. d) do C. Penal, especialmente atenuada nos termos do disposto no art.º 72.º, n.ºs 1 e 2, al. c) do C. Penal, na pena de 11 meses de prisão e, em cúmulo jurídico, na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo mesmo período, subordinada a regime de prova, durante o período da suspensão, nomeadamente ao cumprimento do plano de readaptação social a elaborar pela DGRS que venha a ser homologado pelo tribunal, à realização pelo arguido de tratamento médico a patologia aditiva de que padeça, devendo comparecer às consultas que lhe forem marcadas, tomando a medicação que lhe for prescrita, sujeitando-se a exames para despiste de consumo, a executar de acordo com as especificidade da sua situação laboral e pela obrigação imposta ao arguido de responder a convocatórias do técnico de reinserção social e de receber visitas do mesmo. Nestes autos não foi proferido despacho final da suspensão, encontrando-se a aguardar nos termos do art.º 57.º, n.º 2 do C. Penal, uma vez que se encontram pendentes o Proc. n.º 556/18.1…, do Juízo Central de … – Juiz 4, em que é aí arguido, por factos alegadamente praticados em 24/25 de agosto de 2018 e o inquérito n.º 728/18.9…., de que se aguarda despacho final, em que alegadamente cometeu novos factos ilícitos em novembro de 2018, isto é, no período da suspensão da execução da pena de prisão. Resultou provado que: - No dia 15.06.2017, cerca das 00h25m, o arguido abeirou-se da montra do estabelecimento comercial DD CABELEIREIROS, partiu o vidro da montra lateral da fachada do estabelecimento e causou um rombo na montra que lhe permitiu ver o interior. O estabelecimento continha um computador portátil, que valia cerca de € 300,00 e diversos objetos expostos no seu interior, como shampoos, produtos de tratamento capilar, e de coloração, de um valor total superior a € 102,00, sendo na sua maioria de reduzidas dimensões e de fácil transporte. O arguido só não prosseguiu nos seus intentos e não se apoderou de quaisquer objetos, porque o barulho que causou inicialmente alertou alguns vizinhos, que rapidamente levantaram as persianas e fizeram eles próprios barulho, fazendo com que aquele fugisse; - Passados poucos minutos, a cerca de 400 metros daquele local, e vendo surgir nova oportunidade, abeirou-se das portas do estabelecimento comercial H…, partiu um dos vidros da porta de acesso para entrar, como fez, no interior e ali forçou e partiu os aros, ferragens e guarnição da porta que separava a zona de atendimento e a zona de pessoal, causando a necessidade de a substituir e remexeu diversas gavetas. Foi surpreendido pela patrulha da G.N.R. que se deslocou ao local, correu para o fundo do estabelecimento e com o auxílio de um escadote, que subiu, partiu o vidro de uma janela que se situava a cerca de 1,60 metros do solo, com vista a fugir, e só não teve sucesso nesta sua empreitada, porque foi detido pelos militares. Naquele momento, o arguido já se tinha apoderado de um pequeno cofre, que detinha no interior € 130,00 em dinheiro e o qual tinha pousado já no parapeito da janela que tinha partido e por onde pretendia fugir, só mais não tendo levado consigo por causa da intervenção daquela patrulha. - O arguido, apesar de saber que os estabelecimentos comerciais e quaisquer bens ali encontrados lhe não pertenciam e que atuava conta a vontade e sem a autorização dos respetivos proprietários, ciente ainda de atuar contra a vontade e sem a autorização das mesmas pessoas para aceder aos espaços em causa da forma em que o fez. Agiu de forma livre, deliberada e consciente, e com o intuito de se apoderar de bens de valor contidos no interior dos estabelecimentos, ainda que para o efeito tivesse que proceder como procedeu através da destruição dos vidros da montra e da porta. Sabia, na primeira situação, que seria possível apoderar-se e transportar bens de valor que excederiam facilmente a quantia de € 102,00, intento que só não concretizou porque foi surpreendido pelos vizinhos. Já concretizou aqueles seus intentos na segunda situação e só não logrou levar consigo e manter definitivamente consigo o cofre com dinheiro no seu interior, de que já se apoderara, porque foi surpreendido pela patrulha da G.N.R., que o surpreendeu, como bem sabia ser o caso. Mais conhecia o carácter ilícito e punível da sua conduta; 3) No Proc. comum singular n.º 15/15.4…, que corre termos pelo Tribunal Judicial da Comarca do …, Juízo Local Criminal de …, foi o arguido condenado por sentença de 10.11.2017, transitada em julgado em 02.07.2018, pela prática em 06.01.2015, como coautor material, de um crime de furto qualificado, p. e p. pelos art.ºs 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, al. e), com referência ao art.º 202.º, al. d), do C. Penal, na pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de 3 anos e 6 meses, com a condição cumprir o que vier a ser estipulado e determinado no plano de reinserção que vier a ser elaborado pela DGRS, com vista à interiorização e consciencialização por parte do arguido do desvalor da sua conduta e da sua reintegração plena na sociedade. Resultou provado que: - Entre as 23h45 do dia 05.01.2015 e as 01h00 do dia 06.01.2015, o arguido e outro indivíduo dirigiram-se ao n.º … da Rua …, …, partiram a porta de vidro do estabelecimento, acedendo assim ao seu interior e apoderaram-se da caixa registadora e da quantia em numerário que se encontrava no seu interior - € 10,00 -, bem como de dois cartões MB que também aí se encontravam, ambos do Banco BIC. Em consequência desta conduta, o ofendido sofreu um prejuízo de cerca de € 293,00. - Agiram o arguido e o outro indivíduo livre, deliberada e conscientemente, em execução de um plano previamente traçado e em comunhão de esforços, com o propósito de subtrair os referidos valores e objetos ao seu legítimo proprietário, contra a vontade deste, apesar de bem saberem que se tratava de coisa que não lhes pertenciam, visando o propósito único de fazê-los ingressar nos seus patrimónios, deles se tendo apropriado para dos mesmos usufruírem como se seus proprietários fossem, embora soubessem que a sua conduta é proibida e punida por lei e com a consciência de que a sua conduta era proibida e punida por lei penal; 4) O arguido já havia sido condenado: a) Por decisão proferida no âmbito do processo 676/14.1…, que correu termos no JL criminal de …, Comarca do …, datada de 10.02.2016 e transitada em julgado a 14.03.2016, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos datados de 26.10.2014, na pena de 2 anos e 6 meses de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período; b) Por decisão proferida no âmbito do processo 699/14.0…, que correu termos no JL criminal de …, Comarca do …, datada de 03.03.2016 e transitada em julgado a 11.04.2016, pela prática de um crime de furto qualificado, por factos datados de 17.08.2014, na pena de 2 anos de prisão suspensa na sua execução pelo mesmo período; c) Por decisão proferida no âmbito do processo 822/15.8…, que correu termos no JL criminal de …, Comarca do …, datada de 13.07.2016 e transitada em julgado a 28.09.2016, pela prática de um crime de violação da obrigação e alimentos, por factos datados de 22.09.2015, na pena de 150 dias de multa à taxa diária de € 5,00, substituída por 150 horas de trabalho a favor da comunidade, já declarada extinta; d) Por decisão proferida no âmbito do processo 57/16.2…, que correu termos no JL criminal de …, Comarca do …, datada de 31.05.2017 e transitada em julgado a 19.06.2017, pela prática de um crime de apropriação ilegítima, por factos datados de 23.01.2016, na pena de 40 dias de multa à taxa diária de € 5,00, já declarada extinta; e) Por decisão proferida no âmbito do processo 355/18.0…, que correu termos no JL criminal de …, Comarca do …, datada de 22.02.2019 e transitada em julgado a 29.04.2019, pela prática de um crime de consumo de estupefacientes, por factos datados de 29.05.2018, na pena de 50 dias de multa à taxa diária de € 6,00; 5) O arguido regista experiências laborais como … e operário de …, mas sem desenvolver competências profissionais específicas; 6) Teve contacto com consumo de substâncias ilícitas na adolescência que espoletou convívio com pares com interesses semelhantes, situação que se agudizou no início da idade adulta, quando passou a uma situação de inatividade laboral; 7) Efetuou uma tentativa de se reorganizar, emigrando para a … em 2017, mas onde permaneceu apenas durante cerca de um ano e onde não conseguiu atividade laboral estruturada; 8) Manteve uma relação de namoro durante cerca de seis anos, da qual resultou um descendente, atualmente com onze anos de idade, mas com o qual não mantém proximidade, após um crescente afastamento; 9) Antes da reclusão, o arguido residia com a progenitora, o companheiro desta e uma sobrinha. A dinâmica familiar era pautada por conflituosidade e desentendimentos regulares, decorrentes dos pedidos de quantias monetárias que se destinavam a práticas de consumo de produtos estupefacientes; 10) O seu estilo de vida era pautado pela ociosidade, consumo de substâncias estupefacientes e bebidas alcoólicas e convívio com pares com rotinas semelhantes, que originou uma imagem social negativamente referenciada; 11) No estabelecimento prisional de … cumpre pena em regime comum e tem demonstrado um comportamento estável, com bom relacionamento com os pares e figuras de autoridade; 12) Frequentou curso de educação e formação de adultos e concluiu o 9.º ano no último ano letivo. No corrente, frequenta curso para equivalência ao 12.º ano de escolaridade e trabalha no refeitório; 13) Aquando da entrada no estabelecimento prisional, aderiu a acompanhamento terapêutico pelo Projeto Homem – programa educativo terapêutico de reabilitação e prevenção de problemáticas aditivas; 14) Recebe visitas da progenitora e de outros familiares, que se mostram disponíveis para apoiar o condenado em eventuais medidas de flexibilização da pena; 15) Para a vida em liberdade, perspetiva regressar à Suíça, para junto da irmã onde tenciona reorganizar o seu percurso de vida.» 2. Objecto do recurso Sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só ou conjugada com as regras da experiência comum, referidos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, o acórdão n.º 7/95 do Plenário da Secção Criminal, de 19-10-1995, publicado no Diário da República, I Série - A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do CPP – é pelas conclusões que o recorrente extrai da motivação, que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites de cognição do Tribunal Superior. Das conclusões do recurso, retira-se que o recorrente, se insurge contra a realização do cúmulo jurídico de penas, afirmando não ser legal e constitucionalmente admissível a cumulação de penas de prisão efectiva com penas de prisão suspensas, devendo revogar-se o acórdão recorrido, anulando-se a cumulação e mantendo as condenações a respectiva autonomia. Subsidiariamente, insurge-se contra a medida da pena única que tem por excessiva. 3. Apreciação 3.1. A decisão cumulatória Revisitando considerações tecidas no acórdão deste Supremo Tribunal de 05-09-2018, proferido no processo n.º 543/09.0JAFAR.E1.S1 - 3.ª secção[13], relatado pelo ora relator, O cúmulo jurídico de penas por conhecimento superveniente de concurso de crimes tem lugar quando, posteriormente à condenação no processo de que se trata – o da última condenação transitada em julgado – se vem a verificar que o agente, anteriormente a tal condenação, praticou outro ou outros crimes. Neste caso de conhecimento superveniente, são aplicáveis as regras contidas nos artigos 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, do Código Penal. De acordo com tais disposições, o agente do concurso de crimes, ou seja, aquele que tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles, é condenado numa única pena, em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». Como repetidamente vem afirmando este Supremo Tribunal, como, entre muitos outros, no acórdão de 17-10-2012, proferido no processo n.º 39/10.8PFBRG.S1 – 3.ª Secção[14], que convocámos no acórdão de 23-11-2016 (Proc. n.º 663/16.5T8AVR.S1 – 3.ª Secção[15], no acórdão de 25-10-2017, proferido no processo n.º 3/12.2GAAMT.1.S1[16] e, mais recentemente, no acórdão de 07-02-2018, proferido no processo n.º 339/12.2PAENT.E1.S1 – 3.ª Secção[17]: «É pressuposto essencial do regime de punição do concurso de crimes que a prática dos crimes concorrentes haja tido lugar antes do trânsito em julgado da condenação por qualquer deles. O trânsito em julgado obsta a que com essa infracção ou outras cometidas até esse trânsito, se cumulem infracções que venham a ser praticadas em momento posterior a esse mesmo trânsito, que funciona como barreira excludente, não permitindo o ingresso no círculo dos crimes em concurso, dos crimes cometidos após aquele limite. A partir da condenação transitada, havendo novos crimes cometidos desde tal data, que estejam em relação de concurso, tem de ser elaborado um outro cúmulo e assim sucessivamente. Como fica afastada a unificação, os subsequentes crimes devem integrar outros cúmulos, formando-se outras penas conjuntas autónomas de execução sucessiva.» Decorre do exposto que apenas há lugar a cúmulo jurídico no tocante aos crimes que se encontram numa relação de concurso – ou seja, se entre os factos não se interpuser o trânsito em julgado de qualquer decisão condenatória –, sendo de afastar deste âmbito, pois, os casos de sucessão de crimes (sobre esta problemática, vejam-se ainda, entre outros, os acórdãos desta 3.ª Secção, de 20.03.2019, P. 114/14.0JACBR.S1, e de 13.09.2018, P. 37/10.1GDODM.S1). Vale por dizer que o trânsito em julgado de uma condenação penal é um limite temporal inultrapassável, para efeitos de verificação de uma relação de concurso de crimes e consequente aplicação de uma pena única, excluindo-se deste campo os crimes cometidos posteriormente. Compreende-se que assim seja pois nesta última hipótese o agente, infringindo a solene advertência que lhe foi dirigida por via de uma condenação transitada em julgado, manifesta desconsideração pela ordem jurídico-penal. Nos termos do artigo 78.º, n.º 1, do mesmo diploma legal, o regime enunciado aplica-se também àquelas situações em que, depois de uma condenação ter transitado em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, sendo a pena que tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes. Na verdade, o conhecimento do concurso depende da existência da prática de um crime antes do trânsito em julgado da decisão relativa a um dos crimes em concurso. Em caso de pluralidade de crimes praticados pelo mesmo arguido é de unificar as penas aplicadas por tais crimes, desde que cometidos antes de transitar a condenação por qualquer deles. A partir do trânsito em julgado da primeira decisão condenatória, os crimes cometidos depois dessa data deixam de concorrer com os que os precedem, isto é, já não estão em concurso com os cometidos anteriormente à data do trânsito, havendo a separação nítida de uma primeira fase, em que o agente não foi censurado, atempadamente, muitas vezes por deficiências do sistema de justiça, ganhando assim, confiança na possibilidade de outras prevaricações com êxito, sem intersecção da acção do sistema, de uma outra que se lhe segue, já após advertência de condenação transitada em julgado, abrindo-se um ciclo novo, autónomo, em que o figurino não será já o de acumulação de crimes, mas de sucessão, em sentido amplo.» Tem sido este o entendimento seguido maioritariamente pelo Supremo Tribunal de Justiça, acolhido, nomeadamente, também nos acórdãos de 15-01-2014 (Proc. n.º 73/10.8PAVFC.L2.S1 - 3.ª Secção), de 16-01-2014, (Proc. n.º 22/09.6JALRA.C1.S1 - 5.ª Secção), de 06-02-2014 (Proc. n.º 627/07.0PAESP.P2.S1 - 5.ª Secção), de 07-05-2014 (Proc. n.º 2064/09.2PHMTS-A.S1 - 3.ª Secção, 226/08.9PJLSB.S1), de 26-03-2015 (Proc. n.º 226/08.9PJLSB.S1 – 5.ª Secção), e de 04-11-2015 (Proc. n.º 1259/14.1T8VFR.S1 – 3.ª Secção), relatado pelo ora relator[18]. Entendimento que, por fim, veio a obter acolhimento no acórdão de Fixação de Jurisprudência n.º 9 /2016[19], segundo o qual: «O momento temporal a ter em conta para a verificação dos pressupostos do concurso superveniente de crimes é o trânsito em julgado da primeira condenação por qualquer dos crimes em concurso.» No caso aqui em apreço, o acórdão recorrido englobou no cúmulo jurídico operado as seguintes penas: a) - Duas penas de 2 anos e 6 meses de prisão, uma por cada um de dois crimes de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, e 204.º n.º 2, alínea e), do Código Penal, praticados em 19.5.2016 e 21.6.2016 e aí cumuladas na pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, pena esta que, de momento, cumpre desde 22.11.2018. Estas penas foram aplicadas no PCS n.º 185/16.4… do Juízo Local Criminal de … por sentença transitada a 12.7.2018; b) - Aplicadas no PCC n.º 478/17.3… do Juiz 2 do Juízo Central Criminal … por acórdão transitado em 21.5.2018: - 9 meses de prisão pela prática em 15.6.2017 de um crime de furto qualificado tentado p. e p. pelos artigos 203º, n.º 1, 204.º, n.º 2, alínea e), 22.º e 23.º do Código Penal; e - 11 meses de prisão pela prática em 15.6.2017 de um crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º n.º 1, 204.º n.º 2, alínea e) e 72.º, n.os 1 e 2 alínea c), do Código Penal, e aí cumuladas na pena única de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com sujeição a regime de prova; c) - Pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com sujeição a regime de prova, por crime de furto qualificado p. e p. pelos artigos 203.º, n.º 1 e 204.º, n.º 2, alínea e), do Código Penal, praticado em 6.1.2015, aplicada no PCS n.º 15/15.4… do Juízo Local Criminal de … por sentença transitada em 2.7.2018. Entende o recorrente que é ilegal e constitucionalmente inadmissível o englobamento no cúmulo jurídico aqui em causa das penas de 9 meses de prisão e de 11 meses de prisão, cumuladas na pena única de 1 ano e 4 meses suspensa na sua execução, aplicadas no PCC n.º 478/17.3… do Juiz 2 do Juízo Central Criminal …l, e da pena de 3 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com sujeição a regime de prova, aplicada no PCS n.º 15/15.4… do Juízo Local Criminal de … . 3.2. A questão da integração no cúmulo jurídico superveniente de penas de prisão suspensas na sua execução. O Supremo Tribunal de Justiça tem, com frequência, examinado a questão da inclusão de uma pena suspensa numa decisão de cúmulo jurídico de penas, no âmbito de um concurso superveniente de crimes, entendendo que as penas suspensas deverão ser englobadas no cúmulo jurídico desde que não tenham sido declaradas extintas pelo decurso do prazo de suspensão. Nos acórdãos de 28-10-2015, proferido no processo n.º 245/11.8GAPVL.S1 – 3.ª Secção[20], de 04-11-2015 (Proc. n.º 1259/14.1T8VFR.S1 – 3. ª Secção), e de 20-04-2016 (Proc. n.º 519/10.5JDLSB.L1.S1 – 3.ª Secção), relatados pelo agora relator, dá-se nota desenvolvida da orientação da doutrina e da jurisprudência quanto a este tema, lendo-se aí que: «Como se pondera no acórdão de 26-03-2015, proferido no processo n.º 226/08.9PJLSB.S1 – 5.ª Secção: “Ao peso do argumento centrado na diferente natureza das penas, tem que ser contraposta a concreta realidade da pena de substituição. Enquanto no confronto entre prisão e multa (penas principais), a última nunca poderá deixar de ser aplicada enquanto tal (a não ser que a lei tivesse previsto um sistema de conversão da multa em prisão, para casos de cúmulo, que não existe), quando pomos lado a lado a pena de prisão efectiva e a "pena suspensa", a pena de prisão substituída não morreu. O condenado em "pena suspensa" pode ter que vir a cumprir a pena de prisão efectiva substituída. Ora, é aceitável que, assim como existem razões que podem levar à revogação da pena suspensa com o renascimento da pena substituída, também pode haver outro motivo, de diferente cariz, para que se abandone a pena de substituição e se passe a considerar a pena substituída. A necessidade de realizar um cúmulo pode ser esse motivo, porque vai haver um momento de apreciação da ilicitude global dos factos e da personalidade do arguido, em que se justifica ver se a aplicação da pena de substituição, a uma parcelar que em princípio deveria fazer parte do cúmulo, já não tem razão de ser. E seria o caso, em que se pensasse muito razoavelmente que, caso o julgador que aplicou a pena suspensa soubesse do concurso (e não saberia), nunca teria optado por essa pena de substituição. Designadamente, se tal viabilizar a execução de uma única pena conjunta com todas as vantagens daí resultantes, e, por maioria de razão, se não redundar em prejuízo do arguido. São por demais conhecidas os inconvenientes da aplicação, por exemplo, de penas mistas de prisão e multa, mas também não deixam de criar situações absurdas, as execuções simultâneas de penas de prisão e de "penas suspensas" Depois de se dar este passo, então, e como refere F. Dias, "sabendo-se que a pena que vai ser efectivamente aplicada não é a pena parcelar, mas a pena conjunta, torna-se claro que só relativamente a esta tem sentido por a questão da sua substituição" (in "Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime", Coimbra Editora, 1995, p. 285 e 290)”». O acórdão deste Supremo Tribunal, de 17-10-2012 (Proc. n.º 1236/09.4PBVFX.S1 – 3.ª Secção), dá conta da posição predominante, no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução», indicando uma muito extensa lista de decisões do Supremo Tribunal de Justiça no sentido apontado, da qual aqui nos prevalecemos. Ao argumento fundado no caso julgado formado com a decisão de suspensão da execução da pena, insusceptível de modificabilidade, e, portanto, a obstar à inclusão da pena suspensa no cúmulo, pode, efectivamente, contrapor-se a argumentação de que o caso julgado se forma sobre a medida da pena e não sobre o seu regime de execução, não se pronunciando a primeira condenação por desnecessidade em fazê-lo. A propósito deste tópico, convocando também o acórdão deste Supremo Tribunal, de 18-05-2011 (Proc. n.º 667/04.0TAABF.S1 – 3.ª Secção): «A suspensão não forma um caso julgado perfeito, estável, dotado de fixidez, em que a revogação é mutável por força do circunstancialismo previsto no art.º 56.º, do CP, do condicionalismo do art.º 55.º, do CP, ou por força da necessidade de cúmulo jurídico, isto porque quando se procedeu ao julgamento parcelar, incompleto, portanto, não se conheciam todos os elementos posteriormente alcançados, de tal modo que o julgamento parcelar, “hoc sensu“, é um julgamento, “condicional“, sujeito à “condição rebus sic stantibus“, suplantando o “regime normal de intangibilidade“, “conduzindo a inclusão a resultados mais justos e equitativos, evitando o cumprimento de penas sucessivas, contrariando a teleologia do concurso, solução mais favorável“, escreveu-se no paradigmático Ac. deste STJ, de 21.12.2006, P.º n.º 4357 /06». No acórdão do Supremo Tribunal de 14-01-2016, proferido no processo n.º 8/12.3PBBG-B.G1-S1 – 5.ª Secção, foi examinada a questão da possibilidade/dever de realizar o cúmulo jurídico de penas, em conhecimento superveniente, quando todas ou algumas das penas a considerar são penas de prisão suspensas na sua execução por aplicação de uma pena de substituição. Distinguem-se aí três situações: «Quando já tenha decorrido o período de suspensão da execução da pena, a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça é uniforme no sentido de entender que previamente à realização do cúmulo há que indagar se a pena deve ser declarada extinta, pelo cumprimento, ou se a mesma deve ser revogada. Se a pena dever ser declarada extinta pelo cumprimento, deverá o tribunal da respectiva condenação declarar a extinção dessa pena, que, encontrando-se então extinta, não poderá ser considerada na operação do cúmulo jurídico. Nas situações em que o Tribunal procede à realização do cúmulo jurídico de penas sem previamente apurar da situação concreta da pena suspensa cujo período de suspensão se mostre já decorrido, também é uniforme o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça de que, em semelhante caso, o tribunal incorre em nulidade [-]. Situação diversa dessa é aquela em que não decorreu ainda o período de suspensão da execução da pena. Neste caso, o entendimento maioritário da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça vai no sentido de se realizar o cúmulo jurídico de penas». Convoca-se aí o acórdão deste Supremo Tribunal, de 17.10.2012, proferido no processo n.º 1236/09.4PBVFX.S1 – 3.ª Secção (Relator: Cons. Raúl Borges) onde a posição maioritária está realçada, com indicação de abundante jurisprudência: «Como é sabido, não é líquida a questão da formação de uma pena única em caso de conhecimento superveniente do concurso de infracções, quando, entre outros, estão em concurso, crimes pelos quais tenham sido aplicadas penas de prisão suspensas na sua execução, colocando-se o problema de saber se a integração de tais penas no cúmulo jurídico pressupõe ou não a anterior revogação da suspensão.(...) A posição predominante é no sentido da inclusão da pena de prisão suspensa na execução, defendendo-se que a “substituição” deve entender-se, sempre, resolutivamente condicionada ao conhecimento superveniente do concurso e que o caso julgado forma-se quanto à medida da pena e não quanto à sua execução. De acordo com esta posição a suspensão da execução da pena de prisão não constitui óbice à integração dessa pena em cúmulo jurídico de penas aplicadas a crimes ligados entre si pelo elo da contemporaneidade, não seccionada por condenação transitada pela prática de qualquer deles». Na doutrina, é este o entendimento maioritário. Assim, considera FIGUEIREDO DIAS que, quando uma pena parcelar de prisão tenha sido suspensa na sua execução, «torna-se evidente que para efeito de formação da pena conjunta relevará a medida da prisão concretamente determinada e que porventura tenha sido substituída» e que «de todo o modo, determinada a pena conjunta, e sendo de prisão, então sim, o tribunal decidirá se ela pode legalmente e deve político - criminalmente ser substituída por pena não detentiva» e que não pode recusar-se, em caso de conhecimento superveniente do concurso, «a valoração pelo tribunal da situação de concurso de crimes, a fim de determinar se a aplicação de uma pena de substituição ainda se justifica do ponto de vista das exigências de prevenção, nomeadamente da prevenção especial»[21]. PAULO DÁ MESQUITA concorda com a orientação dominante na jurisprudência maioritária que sustenta a efectivação do cúmulo jurídico de penas de prisão cuja execução foi suspensa. Segundo este autor: «A suspensão da execução da pena de prisão deve ser qualificada como uma pena de substituição, que, como Anabela Rodrigues esclarece [Critério de Escolha das penas de Substituição, Estudos em Homenagem ao Prof. Eduardo Correia, vol. I, Coimbra, 1984, p. 33, nota 29], dogmaticamente são “penas aplicadas na sentença condenatória, substituindo a execução das penas de prisão e multa, enquanto penas principais, concretamente determinadas”, daí que só razões de prevenção especial e geral estejam na base da escolha das penas de substituição. Sublinhe-se por outro lado que o caso julgado que não pode ser atingido circunscreve-se à medida da pena parcelar concretamente aplicada e não abrange a forma da sua execução. Ou seja, a suspensão da execução da pena não é uma pena de natureza diferente da pena de prisão efectiva. Pelo que não existe nenhum fundamento para excepcionar o art. 78 em casos em que uma das penas a cumular tem a sua execução suspensa, pois não se trata de cúmulo jurídico de penas compósitas». No caso do instituto da suspensão da execução da pena (artigos 50.º e segs. do Código Penal), «a pena aplicada é uma pena de prisão (cuja execução fica suspensa), pelo que, conclui o autor que se vem citando, não existe obstáculo ao cúmulo de uma pena de prisão, cuja execução foi suspensa, com uma outra qualquer pena de prisão». Trata-se de uma solução «que melhor se adequa à avaliação global da personalidade do arguido no momento da escolha da pena, e a dogmaticamente correcta, pois […] o cúmulo jurídico não é «a forma de execução das penas parcelares (-), mas um caso especial de determinação da pena»[22]. Neste sentido, igualmente se pronunciou PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE quando refere não se colocar qualquer questão de violação do “caso julgado” em relação à pena de prisão com execução suspensa que venha a ser incluída no cúmulo jurídico, mas cuja pena conjunta não seja, por sua vez, suspensa na sua execução. «Ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena conjunta a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constante de anteriores condenações, bem como num concurso de crimes de conhecimento superveniente, pode proceder-se à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada, sendo o resultado uma pena de prisão efectiva»[23]. No mesmo sentido se pronuncia ANDRÉ LAMAS LEITE, referindo que o caso julgado em tais circunstâncias não se encontra recoberto por um carácter de absoluta intangibilidade, mas sim por uma cláusula rebus sic stantibus[24. Também TIAGO CAIADO MILHEIRO considera que «[q]uando se verifica uma situação de conhecimento superveniente [de crimes] significa que os julgamentos parcelares que conduziram às penas parcelares foram necessariamente incompletos já que ao não atenderem a todos os crimes perpetrados (…), o juízo de prevenção realizado poderá estar incorrecto»[25], acrescentando: «Justamente, porque o conhecimento superveniente de penas permite aplicar uma pena única, que responda às efectivas necessidades de prevenção, e não se formando caso julgado no que concerne às penas parcelares, todas as operações de substituição realizadas nos julgamentos parcelares são “anuladas”, devendo atender-se às penas principais, quer de prisão, quer de multa». Pelo que, prossegue o mesmo autor, «as penas de prisão parcelares suspensas na execução, substituídas por trabalho a favor da comunidade, por multa, por proibição de exercício de funções ou actividade ou executadas em regime de permanência na habitação, dias livres ou em regime de semi-detenção, readquirem a sua autonomia e passam a ser consideradas per si no cúmulo jurídico superveniente». Deverá, pois, atender-se no cúmulo jurídico superveniente à medida das penas principais. Para o autor que se vem acompanhando, «só aquando da determinação da pena única é o que o tribunal equacionará a possibilidade e conveniência da substituição»[26]. Cumprirá ainda sublinhar que o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 3/2006 deliberou não julgar inconstitucionais as normas dos artigos 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do Código Penal, interpretados no sentido de que, ocorrendo conhecimento superveniente de uma situação de concurso de infracções, na pena única a fixar pode não ser mantida a suspensão da execução de penas parcelares de prisão, constantes de anteriores condenações. Também no acórdão n.º 341/2013, o Tribunal Constitucional decidiu «não julgar inconstitucional a norma constante dos arts. 77.º, 78.º e 56.º, n.º 1, do CP, quando interpretados no sentido de ser possível, num concurso de crimes de conhecimento superveniente, proceder à acumulação de penas de prisão efectivas com penas de prisão suspensas na sua execução, ainda que a suspensão não se mostre revogada […], sendo o resultado uma pena de prisão efectiva». Como judiciosamente refere o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto no seu parecer, «[a]o cúmulo jurídico de penas subjaz necessariamente uma pluralidade de crimes que estão, entre si, numa relação de concurso (real). O concurso de crimes é necessariamente punido com uma pena única – art. 77º n.º 1 do Cód. Penal. Na medida da pena do concurso é considerado o "comportamento global" [-] fornecido pela pluralidade dos crimes que o integram. Como se escreve no Acórdão (TC) citado em último lugar, o englobamento no cúmulo jurídico de conhecimento superveniente, de penas de substituição da pena de prisão aplicada na condenação tem "um fundamento válido no plano jurídico-constitucional que é o do tratamento igualitário de situações materialmente idênticas: ou seja, pretende-se tratar de igual modo as situações de concurso, quer o conhecimento do mesmo seja simultâneo ou superveniente". Restar à determinação da pena conjunta algum crime do concurso e a pena de prisão com que foi punido, entorse, deixando incompleto o conhecimento e apreciação da dimensão e gravidade global da actividade delituosa do agente, e também da sua personalidade revelada no cometimento do conjunto dos factos delituosos. A exigência da consideração, "em conjunto, dos factos e da personalidade" não permite excluir nenhuma das penas de prisão aplicadas aos crimes em concurso, tenham ou não sido substituídas. Por sua vez, a suspensão da execução da pena de prisão tem como pressuposto substancial a previsão de a substituição cumprir, adequada e suficientemente, as finalidades da punição. Previsão ou "prognóstico favorável" que não pode ser uma questão de imaginação ou de fé. Tem de resultar de factos demonstrados, atinentes "à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste" – art. 50º n.º 1 do Cód. Penal. Ainda que tenham desigual densidade, concorrendo favoravelmente em determinado caso concreto, e verificado o pressuposto formal (prisão aplicada em medida até 5 anos), não deve o tribunal recusar a pena de substituição. Indiferentemente de a prisão aplicada respeitar a um só crime ou a um concurso de crimes. Surgindo outras condenações por crimes que integram o mesmo concurso, resultam alterados os dados de facto em que assentou a decisão que aplicou a pena de substituição. As novas condenações determinam "a necessária revisão da anterior decisão, cujo caso julgado está sujeito à cláusula rebus sic stantibus, conferindo a estas decisões necessariamente provisórias/intermédias/intercalares, a qualificação de uma espécie de decisões de trato sucessivo, de definição passo a passo, até à configuração definitiva, global e final" [-]. Ou, como elucidativamente se escreve no citado Ac. 341/2013 do Tribunal Constitucional: "tendo em conta as regras estabelecidas para o conhecimento superveniente do concurso, o tribunal que procede ao cúmulo, na ponderação da pena única a aplicar terá de proceder a uma avaliação conjunta dos factos e da personalidade do agente, sendo essa necessidade de avaliação conjunta que determina que se considere nessa ponderação todas as condenações, sejam elas em pena de prisão efetiva ou suspensa, de modo a poder pronunciar-se sobre a medida da pena conjunta e, então, decidir ou não pela suspensão dessa pena, como faria caso o conhecimento do concurso fosse simultâneo e não superveniente. Ou seja, a não manutenção da suspensão da pena não está diretamente fundada em factos anteriores à sentença que outorgou a suspensão de execução de pena privativa de liberdade, mas sim na circunstância de só posteriormente se ter conhecimento desses factos e, por essa razão, se ter de proceder supervenientemente ao cúmulo jurídico". A pena única, aplicada ao concurso de crimes abrangidos pelo cúmulo jurídico está, para poder beneficiar da substituição, submetida ao mesmo regime da pena aplicada a um crime singular. Desde logo ao pressuposto formal de a sua medida concreta não ser superior a 5 anos de prisão. Vencida esta barreira, deverá o tribunal apreciar e decidir da verificação dos pressupostos materiais, mas agora por referência aos "sentidos de vida jurídico-penalmente relevantes que vivem no comportamento global" [-] e à personalidade revelada pelo conjunto dos factos. No caso, excluindo-se do concurso de conhecimento superveniente os crimes cometidos pelo arguido que foram punidos com penas de substituição frustrava-se o conhecimento e a apreciação do seu "comportamento global", indispensável à determinação das penas conjuntas aplicadas». Em suma, a obrigatoriedade da realização do cúmulo jurídico de penas de prisão, nos termos dos artigos 77.º e 78.º do Código Penal, não exclui as que tenham sido suspensas na sua execução, suspensão que pode ou não ser mantida, pelo tribunal que procede à realização do cúmulo, não ocorrendo infracção de qualquer norma legal ou constitucional, improcedendo o recurso neste segmento. 3.3. Penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou O Supremo Tribunal de Justiça tem entendido de forma dominante que não é possível considerar na pena única as penas suspensas cujo prazo de suspensão já findou, enquanto não houver no respectivo processo despacho a declarar extinta a pena nos termos do art.º 57.º, n.º 1, do Código Penal, ou a mandá-la executar ou a ordenar a prorrogação do prazo de suspensão, pois no caso de extinção nos termos do artigo 57.º, n.º 1, a pena não é considerada no concurso, mas já o será nas restantes hipóteses. Tem-se considerado também que, se o tribunal incluir no cúmulo jurídico uma pena de prisão suspensa na sua execução tendo passado o respectivo período de suspensão, em relação à qual não foi averiguado se a mesma foi declarada extinta, revogada ou prorrogada a suspensão, incorre em omissão de pronúncia determinante de nulidade, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP. Assim, no acórdão deste Supremo Tribunal, de 02-07-2004 (Proc. n.º 04P1391), afirma-se que «se o acórdão recorrido (proferido na 1.ª instância) fez incluir na pena única do concurso de crimes penas de substituição, como seja a pena de prisão suspensa na sua execução (…), sem que tenha havido decisão nos termos dos arts. 56.º e 492.º do CPP relativamente às penas suspensas, não resultando dos factos que o tribunal a quo tivesse tomado em consideração que nos processos em que foram aplicadas foi decidida a revogação ou a extinção das penas suspensas, deixou de se pronunciar sobre questão que devia decidir, omissão que integra a nulidade a que se refere o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CPP». No acórdão de 07-07-2009, proferido no processo n.º 254/03.0JACBR.S1-3.ª Secção[27], com voto de vencido do Relator, quanto à questão da integração na formação de cúmulo jurídico de penas de prisão suspensas na sua execução, defende-se que «o tribunal que, ao englobar em cúmulo jurídico uma pena suspensa, sem averiguar se a mesma está extinta ou foi revogada deixa de se pronunciar sobre questão que era obrigado a conhecer, o que integra nulidade por omissão de pronúncia, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 2.º, n.º 4, do CP, e 379.º, n.º 1, al. c) do CPP». Também no acórdão de 14-03-2013 (Proc. n.º 287/12.6TCLSB.L1.S1), se considerou que tal omissão integra a nulidade a que se refe o artigo 379.º, n.º 1, alínea c), do CPP: o tribunal deixou de se pronunciar sobre questão que devia apreciar. A questão é também apreciada pelo Supremo Tribunal no acórdão de 09-07-2014 (Proc. n.º 39/08.8GBPTG.S1) quando constata a falta de pronúncia sobre a actualidade no cúmulo jurídico de uma pena suspensa na sua execução – se houve decisão sobre essa pena de substituição, se foi revogada ou declarada extinta, o que se torna necessário apurar, uma vez que essa pena única resulta das penas parcelares que integram o cúmulo, e, por conseguinte, com repercussão no mesmo, concluindo-se: «Como o acórdão recorrido fez incluir na pena única do concurso penas de substituição, sem ter averiguado se a suspensão foi revogada, ou se as penas suspensas foram extintas, deixou de se pronunciar sobre questão que devia ter apreciado, o que integra a nulidade a que se refere o art. 379.º, n.º 1, al. c), do CP)». Sobre este tema – omissão de pronúncia sobre a revogação de pena suspensa e justificação de integração –, como se dá conta no muito recente acórdão deste Supremo Tribunal, de 08-07-2020, proferido no processo n.º 284/14.7PBAGH.L1.S1 – 3.ª Secção, inédito, relatado pelo Cons. Raul Borges, como os demais a seguir mencionados, é ampla a jurisprudência deste Supremo Tribunal, podendo ver-se os acórdãos de 2-02-2011, processo n.º 994/10.8TBLGS.S1, de 11-05-2011, no processo n.º 1040/06.1PSLSB.S1, de 7-03-2018, processo n.º 180/13.5GCVCT.G2.S1, de 13-9-2018, processo n.º 37/10.1GDODM.S1 e de 12-12-2018, processo n.º 734/14.2PCLRS.S1, podendo ainda indicar-se os acórdãos referidos no parecer do Ex.mo Magistrado do Ministério Público. No acórdão sob recurso foram incluídas a pena de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo com sujeição a regime de prova, por crime de furto qualificado, aplicada no PCS n.º 15/15.4… do Juízo Local Criminal de …, por sentença transitada em 02-07-2018 e as penas de 9 meses de prisão e de 11 meses de prisão, aplicadas no PCC n.º 478/17.3… do Juiz 2 do Juízo Central Criminal … e ali cumuladas, por acórdão transitado em julgado em 21-05-2018, na pena conjunta de 1 ano e 4 meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo com sujeição a regime de prova. A integração da pena de 3 anos e 6 meses, suspensa na sua execução por igual período de tempo, decretada no PCS n.º 15/15.4… foi correctamente incluída no cúmulo jurídico operado no acórdão recorrido por se verificarem os pressupostos supra enunciados do concurso de crimes sendo que, como já se disse, não obsta à cumulação de tal pena a circunstância de ter sido determinada a suspensão da sua execução. É que o prazo da suspensão ainda não decorreu. Ao invés, verifica-se que já tinha decorrido o prazo da suspensão da execução da pena única de 1 ano e 4 meses de prisão aplicada no PCC n.º 478/17.3… na data em que foi elaborado proferido o acórdão recorrido, onde se dá conta de que: «Nestes autos não foi proferido despacho final da suspensão, encontrando-se a aguardar nos termos do art.º 57.º, n.º 2 do C. Penal, uma vez que se encontram pendentes o Proc. n.º 556/18.1…, do Juízo Central de … – Juiz 4, em que é aí arguido, por factos alegadamente praticados em 24/25 de agosto de 2018 e o inquérito n.º 728/18.9…, de que se aguarda despacho final, em que alegadamente cometeu novos factos ilícitos em Novembro de 2018, isto é, no período da suspensão da execução da pena de prisão.» Parece depreender-se do segmento transcrito que a alegada comissão de novos factos ilícitos no período da suspensão da execução da pena decretada nos presentes autos já constituía fundamento bastante para essa pena ser englobada, como foi, no cúmulo jurídico efectuado. Ora, ainda que de forma redutora, observa-se que o Colectivo se pronunciou sobre a integração daquela pena suspensa, cujo prazo está decorrido, na pena única fixada no acórdão sob recurso. Daí que, como bem pondera o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, «no caso dos autos, o Acórdão Recorrido indagou o estádio do cumprimento da pena única suspensa decretada no PCC n.º 478/17.3… sempre referindo e, tendo averiguado – e levado à sua fundamentação – que a decisão sobre a sorte da suspensão aguardava o desfecho de procedimentos em que o arguido era suspeito da prática de crimes durante o período suspensivo». Assim, consideramos que o acórdão recorrido não incorreu na apontada nulidade da omissão de pronúncia. E, concordando-se plenamente com o entendimento daquele Ex.mo Magistrado expresso no seu parecer, o acórdão sob recurso «[i]ncorreu, no entanto em violação de lei – mormente, do art.º 78º, 77º n.º 1 e 57 nos 1 e 2 do CP –, ao ter englobado no cúmulo a que procedeu as penas parcelares que integravam aquela outra pena única sem que a suspensão executiva desta tivesse sido objecto de qualquer decisão, mormente, a da sua revogação ou da prorrogação do respectivo prazo – únicos casos em que as penas poderiam ter sido cumuladas – ou da sua extinção pelo cumprimento – caso em que nunca o poderiam ter sido.» Consequentemente, secundando novamente entendimento expresso no citado parecer, «haverão as correspondentes penas de ser expurgadas do cúmulo jurídico efectuado, continuando-se em primeira instância a aguardar o termo final daqueles outros processos para o efeito de se poder decidir sobre a revogação da suspensão – art.º 56º n.º 1 b) do CP – ou sobre a extinção da pena – art.º 57º n.º 1 do CP – da pena imposta naquele PCC n.º 478/17.3…, e só então se tomando – se podendo tomar – posição sobre a cumulação». Ainda que por diferente fundamento, procede o recurso nesta parte. 3.4. Penas a englobar Por força da exclusão do cúmulo das penas de 9 meses de prisão e de 11 meses de prisão, aplicadas no PCC n.º 478/17.3…, as penas que deverão integrar o cúmulo jurídico são as duas penas de 2 anos e 6 meses de prisão impostas no PCS n.º 185/16.4… do Juízo Local Criminal de … e a de 3 anos e 6 meses de prisão imposta no PCS n.º 15/15.4… do mesmo Juízo, sendo indiscutível que entre os correspondentes crimes se verifica a relação de concurso superveniente prevista no artigo 78º, n.º 1, do Código Penal. No cúmulo jurídico realizado na decisão recorrida foram englobadas as duas penas de 2 anos e 6 meses de prisão impostas no PCS n.º 185/16.4GB, penas singulares que haviam sido abrangidas no cúmulo aí elaborado. Decisão correcta, e que se mantém, já que, como o Supremo Tribunal de Justiça vem sistematicamente decidindo, e como se deu nota nos acórdãos o acórdão de 01-02-2017 (Proc. n.º 13847/10.0TDPRT.1.S1 – 3.ª Secção) e de 31-05-2017 (Proc. n.º 2192/16. 8 T8AVR.S1 – 3.ª Secção), relatados pelo agora relator, no caso de as anteriores condenações, transitadas em julgado, conformarem um concurso de crimes e terem, por isso, sido objecto de realização de um cúmulo jurídico de penas, o tribunal deve «desfazer» esse anterior cúmulo e realizar um novo cúmulo jurídico de penas em que atenderá às penas englobadas em anterior concurso e às penas dos crimes novos que passam a integrar o novo concurso. Como salienta JORGE DE FIGEIREDO DIAS, «Se a condenação anterior tiver sido já em pena conjunta, o tribunal anula-a e, em função das penas concretas constantes daquela e da que considerar cabida a crime agora conhecido, determina uma nova pena conjunta que abranja todo o concurso»[28]. Convocando, a este propósito, o que se expende no acórdão deste Supremo Tribunal, de 2-05-2012 (Proc. n.º 218/03.4JASTB.S1 – 3.ª Secção), «é linear o entendimento, uniforme na doutrina e na jurisprudência, de que o pressuposto básico da efectivação do cúmulo superveniente é a anulação do cúmulo anteriormente realizado. No novo cúmulo entram todas as penas, as do primeiro cúmulo e as novas, singularmente consideradas», pelo que «não se forma caso julgado sobre a primeira pena conjunta, readquirindo plena autonomia as respectivas penas parcelares. Na reelaboração do cúmulo não se atende à medida da pena única anterior, não se procede à “acumulação”, ainda que jurídica, das penas novas com o cúmulo anterior. O novo cúmulo não é o cúmulo entre a pena conjunta anterior e as novas penas parcelares; a nova pena única resulta do cúmulo jurídico de todas as penas parcelares, individualmente consideradas. As penas conjuntas aplicadas em anteriores cúmulos jurídicos de penas perdem, pois, a sua subsistência, devendo desaparecer, perante a necessidade de uma nova recomposição de penas. Na verdade, na reformulação de um cúmulo jurídico, as penas a considerar são sempre as penas parcelares, não as penas conjuntas anteriormente fixadas. «É que – considera-se no acórdão deste Supremo Tribunal, de 16-10-2013 (Proc. n.º 19/09.6JBLSB.L1.S1 – 3.ª Secção) – no sistema da pena conjunta, consagrado na nossa lei, e contrariamente ao que sucede com o sistema da pena unitária, as penas parcelares não perdem a sua autonomia, não se “dissolvem” no cúmulo. Assim, em caso de conhecimento superveniente de concurso, sendo a pena anterior uma pena conjunta, há que anulá-la, “desmembrá-la” nas respectivas penas parcelares, e são estas, individualmente consideradas, que vão “entrar” no novo cúmulo». O trânsito em julgado não obsta à formação de uma nova decisão para reformulação do cúmulo em que os factos, na sua globalidade, conjuntamente com a personalidade do agente, serão reapreciados, segundo as regras fixadas no artigo 77.º do Código Penal. Havendo lugar à elaboração de um cúmulo jurídico, por conhecimento superveniente de mais situações em concurso (artigo 78.º do Código Penal), é desfeito o(s) cúmulo(s) anterior(es) que hajam sido realizados, e todas as penas parcelares readquirem a sua autonomia, devendo todas elas ser ponderadas na determinação da pena única conjunta, a qual, como já se referiu, se move numa moldura penal abstracta balizada pela pena parcelar mais grave e pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, sem que possa ser ultrapassado o limite máximo de 25 anos, conforme artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, preceito que, importa sublinhar, fala de «penas concretamente aplicadas aos vários crimes» e nunca em penas únicas conjuntas [vide, de entre outros, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 9-04-2008 (Proc. n.º 08P814), de 23-06-2010 (Proc. n.º 666/06.8TABGC-K.S1 – 3.ª Secção), e de 22-04-2015 (Proc. n.º 558/12.1PCLRS.L2.S1 – 3.ª Secção). 3.5. Medida da pena única O artigo 77.º do Código Penal estabelece as regras da punição do concurso de crimes, dispondo no n.º 1 que «[q]uando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena», em cuja medida «são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente». O n.º 2 do mesmo preceito estabelece «[a] pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão (…), e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas concretamente aplicadas aos vários crimes». Estas regras são aplicáveis igualmente na situação de concurso superveniente, conforme artigo 78.º, n.º 1, do Código Penal. Sobre a pena única e para os casos em que aos crimes correspondem penas parcelares da mesma espécie, como sucede no caso presente, considera MARIA JOÃO ANTUNES que «o direito português adopta um sistema de pena conjunta, obtida mediante um princípio de cúmulo jurídico»[29]. A pena única do concurso, formada nesse sistema de pena conjunta e que parte das várias penas parcelares aplicadas pelos vários crimes, deve ser, pois, fixada, dentro da moldura do cúmulo, tendo em conta os factos e a personalidade do agente, considerados em conjunto, o que garante, segundo a mesma autora, «a observância do princípio da proibição da dupla valoração»[30]. Como se refere no acórdão deste Supremo Tribunal, de 20-12-2006 (Proc. n.º 06P3379), «na consideração dos factos (do conjunto dos factos que integram os crimes em concurso) está ínsita a avaliação da gravidade da ilicitude global, que deve ter em conta as conexões e o tipo de conexão entre os factos em concurso». Por seu lado, lê-se no mesmo acórdão, «na consideração da personalidade (da personalidade, dir-se-ia estrutural, que se manifesta e tal como se manifesta na totalidade dos factos) devem ser avaliados e determinados os termos em que a personalidade se projecta nos factos e é por estes revelada, ou seja, aferir se os factos traduzem uma tendência desvaliosa, ou antes se se reconduzem apenas a uma pluriocasionalidade que não tem raízes na personalidade do agente». Neste domínio, como se dá nota no acórdão deste Supremo Tribunal, de 27-05-2015, proferido no processo n.º 220/13.8TAMGR.C1.S1-3ª Secção, «o Supremo Tribunal tem entendido, em abundante jurisprudência, que, com “a fixação da pena conjunta se pretende sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respectivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente) os factos e a personalidade do agente. Como doutamente diz Figueiredo Dias, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado”, e, assim, [i]mportante na determinação concreta da pena conjunta será, pois, a averiguação sobre se ocorre ou não ligação ou conexão entre os factos em concurso, bem como a indagação da natureza ou tipo de relação entre os factos, sem esquecer o número, a natureza e gravidade dos crimes praticados e das penas aplicadas, tudo ponderando em conjunto com a personalidade do agente referenciada aos factos (-), tendo em vista a obtenção de uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é ou não produto de tendência criminosa do agente, bem como fixar a medida concreta da pena dentro da moldura penal do concurso, tendo presente o efeito dissuasor e ressocializador que essa pena irá exercer sobre aquele (-)»[31]. Na determinação da pena conjunta, impõe-se atender aos “princípios da proporcionalidade, da adequação e proibição do excesso”[32], imbuídos da sua dimensão constitucional, pois que “[a] decisão que efectua o cúmulo jurídico de penas, tem de demonstrar a relação de proporcionalidade que existe entre a pena conjunta a aplicar e a avaliação – conjunta - dos factos e da personalidade, importando, para tanto, saber – como já se aludiu - se os crimes praticados são resultado de uma tendência criminosa ou têm qualquer outro motivo na sua génese, por exemplo se foram fruto de impulso momentâneo ou actuação irreflectida, ou se de um plano previamente elaborado pelo arguido”, sem esquecer, que “[a] medida da pena única, respondendo num segundo momento também a exigências de prevenção geral, não pode deixar de ser perspectivada nos efeitos que possa ter no comportamento futuro do agente: a razão de proporcionalidade entre finalidades deve estar presente para não eliminar, pela duração, as possibilidades de ressocialização (embora de difícil prognóstico pelos antecedentes)”»[33]. A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado. A decisão que fixe a medida concreta da pena do cúmulo não pode, designadamente, deixar de se pronunciar sobre se a natureza e a gravidade dos factos reflecte a personalidade do respectivo autor ou a influenciou, «para que se possa obter, como se considera no acórdão que vem de se citar, uma visão unitária do conjunto dos factos, que permita aferir se o ilícito global é produto de tendência criminosa do agente, ou revela pluriocasionalidade (…), bem como ainda a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Tendo em conta o preceituado no artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, a moldura penal do concurso está compreendida entre o limite mínimo 3 anos e 6 meses de 3 anos de prisão (pena parcelar mais baixa) e o máximo de 8 anos e 6 meses (soma das penas singulares). Será nessa moldura que se deverá ter em conta os factos e a personalidade do arguido ou, como refere FIGUEIREDO DIAS, «a gravidade do ilícito global perpetrado», apontando este autor como critério avaliativo a seguir o da «conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique», para além de uma «avaliação da personalidade unitária» reconduzível ou não a uma tendência criminosa[34]. Na formulação do cúmulo jurídico, assim se tem considerado, o conjunto dos factos fornece a imagem global do facto, o grau de contrariedade à lei, a grandeza da sua ilicitude. A personalidade do agente revela-nos se o facto global exprime uma tendência, ou mesmo uma “carreira”, criminosa ou uma simples pluriocasionalidade. Prevalecendo-nos da síntese contida no já citado douto parecer: «- Os factos em presença, no seu conjunto, ocorreram num intervalo de cerca de um ano e meio; integram em todos os casos crimes de furto qualificado por arrombamento e, ou, escalamento; saldaram-se em apropriações na ordem dos € 1 280,00, dos € 143,00 e dos € 293,00; e envolveram, sempre, a participação do Recorrente e de um comparticipante. Num dos casos, para acederem ao interior do estabelecimento onde praticaram o furto, o Recorrente e o comparticipante causaram danos no valor de € 600,00. - O Recorrente actuou, sempre, com dolo directo e intenso. E tem-se, ainda, que: - O Recorrente conta com cinco condenações anteriores, duas por furto qualificado – ambas punidas com penas de prisão suspensas –, as outras por crimes de crimes de violação de obrigação de alimentos – pena de multa substituída por prestação de trabalho a favor da comunidade –, de apropriação ilícita de coisa achada – pena de multa –, e de consumo de estupefacientes – pena de multa. E foi, ainda, condenado no PCC n.º 478/17.3… sempre referido por crimes de furto qualificado em pena (única) de prisão suspensa. - Tem uma filha, com 11 anos de idade, de uma companheira com quem viveu cerca de seis anos. - Cumpre a pena única 3 anos e 6 meses de prisão decretada no PCS n.º 185/16.4… desde … .11.2018. - À data da prisão residia com a progenitora, com o companheiro dela e com uma sobrinha, em ambiente familiar marcado pela conflituosidade decorrente dos frequentes pedidos de dinheiro do Recorrente para financiar o seu consumo de estupefacientes. - O Recorrente cultivava hábitos de ociosidade e de consumo de estupefaciente e de bebidas alcoólicas, privando com pares que registavam práticas semelhantes. - Tem bom comportamento prisional, onde concluiu, com êxito, o 9º ano de escolaridade em curso de educação e formação de adultos; de momento, frequenta curso para equivalência ao 12º ano e trabalha no refeitório. - Segue programa terapêutico de reabilitação e prevenção de problemáticas aditivas. - Dispõe de retaguarda familiar, assegurada, principalmente, pela progenitora. - Perspectiva, quando restituído à liberdade, emigrar para a …, para junto de uma irmã, para reorganizar a sua vida; país onde já esteve em 2017 durante cerca de um ano, mas onde não consegui integração laboral estruturada.» Perscrutando o conjunto dos factos praticados pelo arguido, ora recorrente, não consideramos que a sua actividade tenha sido meramente ocasional, de aproveitamento de circunstâncias que se lhes depararam, muito embora se não observe uma tendência para prática de crimes contra a propriedade. A ilicitude global do comportamento dos arguidos, revelada nos crimes cometidos, já assume algum significado, revelando-se aqui fortes exigências de prevenção geral. A função de prevenção geral que deve acentuar perante a comunidade o respeito e a confiança na validade das normas que protegem tanto os bens pessoais como o património das pessoas tem de ser eminentemente assegurada, sobrelevando, decisivamente, as restantes finalidades da punição. Como assinala o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto, «o grau da sua [do arguido] culpa é acentuado e, acima de tudo, que vem patenteando um grande distanciamento dos valores estruturantes da boa convivência e paz social, especialmente dos que reclamam o respeito pela integridade da propriedade alheia de que nem as advertências contidas nas condenações anteriores conseguiram reaproximá-lo. No estabelecimento prisional de … cumpre pena em regime comum e tem demonstrado um comportamento estável, com bom relacionamento com os pares e figuras de autoridade. Como elemento positivo que se sublinha a circunstância de aquando da entrada no estabelecimento prisional, ter aderido a acompanhamento terapêutico pelo Projeto Homem – programa educativo terapêutico de reabilitação e prevenção de problemáticas aditivas, e ter frequentado curso de educação e formação de adultos e concluiu o 9.º ano no último ano lectivo, frequentando agora curso para equivalência ao 12.º ano de escolaridade. Recebe visitas da progenitora e de outros familiares, que se mostram disponíveis para apoiar o condenado em eventuais medidas de flexibilização da pena, perspectivando regressar à Suíça, para junto da irmã onde tenciona reorganizar o seu percurso de vida. Tudo ponderado, valorando globalmente os factos e a personalidade do arguido, tendo presente que a pena conjunta há-de ser fixada nos limites da moldura abstracta apontada, entendemos adequada e ajustada, por satisfazer os interesses da prevenção, fixar ao arguido-recorrente a pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, assim, procedendo parcialmente o recurso interposto. 3.6. Da suspensão da execução da pena Estabelece o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal que: 1. O tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Segundo o n.º 2 deste preceito: 2. O tribunal, se o julgar conveniente e adequado à realização das finalidades da punição, subordina a suspensão da execução da pena de prisão, nos termos dos artigos seguintes, ao cumprimento de deveres ou à observância de regras de conduta, ou determina que a suspensão seja acompanhada do regime de prova. Como salienta FIGUEIREDO DIAS, «a finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes»[35]. Pressuposto material de aplicação do instituto é, segundo o este autor, que se acompanha neste segmento expositivo, que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade». Para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto. Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto, cumprindo ainda assegurar que a suspensão da execução da pena de prisão não colida com as finalidades da punição. Numa perspectiva de prevenção especial, deverá mesmo favorecer a reinserção social do condenado. Por outro lado, tendo em conta as necessidades de prevenção geral, importa que a comunidade não encare, no caso, a suspensão, como sinal de impunidade, retirando toda a sua confiança ao sistema repressivo penal. Ora, perante o exposto e tendo presentes as exigências de prevenção geral e especial que se enunciaram e a personalidade do arguido espelhada nos factos praticados, bem como os seus antecedentes, considera-se inviabilizado o prognóstico de que a simples censura do facto e ameaça de prisão bastarão para afastar o arguido da criminalidade que até agora, como justamente é dito no mencionado parecer, o não conseguiram as várias penas não detentivas já aplicadas. Termos em que se não decreta a suspensão da execução da pena. III – DECISÃO Em face do exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça, concedendo parcial provimento ao recurso interposto pelo arguido AA: a - Expurgar da pena única aplicada no acórdão recorrido as penas parcelares impostas no PCC n.º 478/17.3… do Juiz 2 do Juízo Central Criminal de …; e b - Na recomposição do cúmulo jurídico, nele se englobando as penas parcelares aplicadas nos PCS's n.º 185/16.4… e 15/15.4…, ambos do Juízo Local Criminal de …, condenar o arguido-recorrente AA na pena única de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão. Sem custas – artigo 513.º, n.º 1, do CPP Texto processado e revisto pelo relator que assina digitalmente pelo relator. Tem voto de conformidade da Ex.ma Conselheira Adjunta Conceição Gomes. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, 15 de Julho de 2020
Manuel Augusto de Matos (Relator) ____________ [1] Art.º 78º: |