Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
140/15.1T9FNC-L.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: GABRIEL CATARINO
Descritores: PRISÃO ILEGAL
FUNDAMENTOS
PRAZO DE PRISÃO PREVENTIVA
ACORDÃO DA RELAÇÃO
CONFIRMAÇÃO IN MELLIUS
CONCURSO DE INFRACÇÕES
CONCURSO DE INFRAÇÕES
PENA PARCELAR
FALTA DE NOTIFICAÇÃO
VISTA
MINISTÉRIO PÚBLICO
IRREGULARIDADE
ANULAÇÃO
Apenso:
Data do Acordão: 08/31/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: HABEAS CORPUS
Decisão: INDEFERIDO O PEDIDO
Área Temática:
DIREITO PROCESSUAL PENAL – MEDIDAS DE COACÇÃO E DE GARANTIA PATRIMONIAL / MEDIDAS DE COACÇÃO / REVOGAÇÃO, ALTERAÇÃO E EXTINÇÃO DAS MEDIDAS / MODOS DE IMPUGNAÇÃO.
Doutrina:
-Figueiredo Dias, Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146.º, Setembro-Outubro, 2016, n.º 1400, p. 9-10:: “
-Paolo Tonini, A Prova no Processo Penal Italiano, Editora Revista dos Tribunais, S. Paulo, 2002, p. 76;
-Paolo Tonini, Manuale Breve, Diritto Processuale Penale, Giuffré Editore, 2017, p. 143 a 154.
Legislação Nacional:
CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPP): - ARTIGO 215.º, N.º 6 E 222.º, N.º 2, ALÍNEA C).
LEGISLAÇÃO DE COMBATE À DROGA, DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, 24.º, ALÍNEA C) E 28.º, N.º 3.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


-DE 01-02-2007, RELATOR PEREIRA MADEIRA;
-DE 14-05-2008, RELATOR RAUL BORGES;
-DE 12-12-2009, RELATOR SANTOS CABRAL;
-DE 07-07-2010;
-DE 16-03-2015, RELATOR SANTOS CABRAL;
-DE 22-03-2016, RELATOR PIRES DA GRAÇA;
-DE 28-04-2016, RELATORA ISABEL PAIS MARTINS, IN WWW.DGSI.PT.;
-DE 07-06-2017, PROCESSO N.º 881/16.6JAPRT-X.S1.


-*-


ACÓRDÃO DO TRUBUNAL CONSTITUCIONAL:


-ACÓRDÃO N.º 607/2003, RELATOR RUI MOURA RAMOS.
Sumário : Habeas corpus

I - O instituto de habeas corpus surge como um factor de garantia de qualquer cidadão contra os abusos que possam ser cometidos por entidades congraçadas na aplicação de medidas coactivas em nome da lei e do Estado. Como fundamento desta pretensão, de carácter excepcional, o peticionante pode convocar uma das sequentes situações: a) incompetência da entidade que ordenou ou efectuou a prisão; b) ter a prisão uma razão, ou substrato jurídico-factual, arredado do quadro legal estabelecido; e c) ser a prisão mantida para além dos prazos que a lei determina e fixa ou que a decisão judicial haja determinado.

II - O acórdão da Relação absolveu o arguido da prática do crime de associação criminosa e manteve a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes, sem alteração da pena (9 anos de prisão) que havia sido imposta na decisão da 1.ª instância.

III - Ultrapassada a fase de apuramento da responsabilidade de um imputado crime e tendo sido considerado a necessidade de imposição de uma pena, a lei impõe que, tendo o arguido sido condenado a pena de prisão em 1.ª instância e a sentença condenatória confirmada em sede de recurso ordinário, o modo de fixar a prisão preventiva se transmute (art. 215.º, n.º 6, do CPP). A prisão preventiva deixa de estar indexada às fases processuais, para quedar atracada e conexionada à medida da pena que foi estabelecida pelo tribunal.

IV- O legislador quis distinguir e separar os 2 parâmetros de validação da prisão preventiva: no primeiro plano o juízo de culpabilidade e de imposição de um sancionamento penal ainda não está formado e consolidado por um órgão jurisdicional que, apreciada a prova e ouvidas ambas as versões, concluiu pela existência de um facto punível, cuja imputação pode ser feita a um concreto sujeito; no segundo plano, a função revisora do tribunal de recurso assenta já numa reavaliação do juízo de inculpação já formado, funcionando como reconstrutor de uma realidade jurídico-penal que já teve um veredicto positivo e de afirmação de todos os elementos de culpabilidade de um agente. O juízo de necessidade de condenação mantém-se, ainda que, no caso, em termos diferentes e com distinta dimensão/extensão sancionatória.

VI - Não obsta a essa confirmação e validação da condenação efectuada no tribunal de 1.ª instância o facto de essa confirmação ter sido parcial e para melhor. O juízo de necessidade de condenação mantém-se, ainda que, no caso, em termos diferentes e com distinta dimensão/extensão sancionatória.

VII - Constitui jurisprudência corrente uniforme do STJ que a anulação de actos que possam influenciar ou repercutir-se retrospectivamente em actos anteriores, não fazem retornar o processo à fase em que os actos anulados tenham sido praticados. Não cabe em sede de habeas corpus apreciar qual a consequência na decisão - que confirmou in mellius a decisão condenatória de 1.ª instância - da ausência de notificação ao arguido de um acto processual exercitado no processo pelo MP (vista, nos termos do art. 417.º, n.º. 2, do CPP) junto do Tribunal da Relação.

VIII - O desvio de formalismo que poderá ditar a nulidade do acto, não se repercute na essencialidade da fase em que o processo se encontra, dado que não atinge valorações e direitos susceptíveis de pôr em crise todos os actos que se praticaram após o acto cuja anulação for decretada. O acórdão do Tribunal da Relação mantém a sua validade para efeitos da aplicação do disposto no art. 215.º, n.º 6, do CPP, na medida em que ainda não foi proferida decisão quanto à subsistência da irregularidade arguida.

Decisão Texto Integral:

I. – Relatório.
AA, deduz petição de Habeas Corpus, com os fundamentos constantes da alínea c) do n.º 2 do art.º 222.º do CPP, com os sequentes fundamentos (sic):

1 - A providência de habeas corpus constitui um incidente que se destina a assegurar o direito à liberdade constitucionalmente garantido – art.º 27. n.º l e 31.º n.º 1, da CRP –, e visa pôr termo a situações de prisão ilegal, motivada, entre outros, por ser mantida para além dos prazos fixados na lei ou por decisão judicial – art. 222.º, n.º 1 e 2, alínea. c) do CPP.

2 - A providência de habeas corpos tem como pressuposto

de facto a prisão efectiva e actual e como fundamento de direito a sua ilegalidade.

3 - Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira à situação processual do requerente, se os actos do processo produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos referidos no art. 222.º, n.º 2, do CPP, o que sucede, in casu, com a irregularidade, arguida junto da 9.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa.

4 – Refere Paulo Pinto de Albuquerque que, in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª Edição Actualizada, Universidade Católica Editora, 2008, fls. 614, “O STJ pode pronunciar-se sobre nulidades, irregularidades ou proibições de prova se esta for uma questão prévia cujo conhecimento é indispensável para a boa decisão do habeas corpus.”

5 - Como adiante se demonstrará, o Arguido encontra-se ilegalmente preso, porquanto a sua prisão mantém-se para além dos prazos fixados por lei (art.º 222.º n.º 2 al. c) do CPP).

II – Da Prisão Preventiva, Prazos e Duração
6 - À ordem do Proc. 140/15.1T9FNC, que corre os seus termos no Juiz 2 da Instância Central Criminal da Comarca dos Açores, encontra-se o Arguido submetido à medida de prisão preventiva desde o dia 15-08-2015.

7 - Situação essa que se mantém até à presente data 16-08-2017 de forma ininterrupta.

8 - Em 19/12/2016 o Arguido foi condenado pela 1ª Instância pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico agravado, p. e p. pelos art.º.21.º e 24.º, alínea c) do DL nº.15/93, de 22 de Janeiro, com referência à Tabela I-B anexa ao mesmo - na pena de 10 (dez) anos de prisão; pela prática, em co-autoria material, um crime de associações criminosas, p. e p. no art.º 28.º, n.º.2 do DL nº.15/93, de 22.1 - na pena de 6 (seis) anos de prisão; em cúmulo jurídico, o Tribunal de 1ª Instância fixou a pena única em 11 (onze) anos e 6 (seis) meses de prisão;

9 - Por acórdão de 04-08-2017 proferido pela Relação de Lisboa veio a ser dado provimento parcial ao recurso interposto pelo Arguido, absolvendo-o da prática do crime de associação criminosa, p. e p. pelo art.º 28.º, n.º 2 do DL n.º 15/93, de 22/01, não tendo a mesma até à presente data transitado em julgado.

10 – Também não foi o seu Defensor notificado da decisão, com os fundamentos invocados em devido tempo, nos termos conjugados do artigo 123 e 113 n.º 1 al. b), ambos do CPP.

11 - No presente caso, ao não ter sido confirmada a sentença condenatória em sede de recurso ordinário pela Mui Douta Decisão proferida pelo Acórdão da Relação de Lisboa, datado de 04-08-2017, não nos restam dúvidas que na presente data o Arguido encontra-se na situação prevista no art.º 215. °, n.º 1 alínea d) e n.º 2 do C.P.P, e não na situação prevista no n° 6 do mesmo supra referido artigo.

12 - No presente caso, o prazo máximo da prisão preventiva já não se eleva para metade da pena que tiver sido fixada, uma vez que em sede de recurso ordinário não foi confirmada a sentença condenatória proferida em 1ª instância, conforme o exige o n° 6 do art.º 215° do CPP.

13 - Salvo o devido respeito e melhor entendimento, outra solução não seria possível, sob pena de violação do mais elementar direito à liberdade de qualquer cidadão, uma vez que a sentença proferida em 1ª instância foi parcialmente revogada uma vez e atualmente não se encontra confirmada.

14 - E, no presente caso, atendendo a que não existe ainda condenação com trânsito em julgado, o prazo máximo de duração da prisão preventiva é de 2 anos, de acordo com as disposições conjugadas do n.º 1 alínea d) e n.°2 do art.º 215. ° do CPP.

15 - O Arguido foi preso preventivamente em 15 de Agosto de 2015, pelo que em 15 de Agosto de 2017 foi ultrapassado o prazo de duração máxima da prisão preventiva, nos termos supra referidos.

16 - Da consulta aos autos resulta que o Digníssimo Procurador do Ministério Público, do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, não se limitou a apor o seu visto, como consta das fls. 5428.

17 -Compreende-se que face ao tempo decorrido, o Tribunal Ad Quem, tenha proferido o seguinte no acórdão “Subidos os autos, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto nesta Relação opôs apenas o seu “Visto”, pelo que não careceu de ser dado cumprimento ao disposto no art.º 417, n.º 2 do CPP (cfr. Fls. 5428).”

18 - Ora um visto, como o próprio nome indica, deverá ter a seguinte forma a título exemplificativo, “Visto, Lisboa, 17 de Maio de 2017, Assinatura”

19 - No entanto o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, apôs mais do que o seu visto, pois na folha subsequente ao visto, faz de forma sucinta uma compilação dos aspetos a ter em conta, tomando posição concreta sobre cada um dos recursos e indicando as páginas que considera relevantes.

20 - Atentemos ao conteúdo do apelidado “visto”, que não se traduz num mero visto, mas antes, numa posição concreta sobre os factos. A fls. 5428 refere o seguinte “Com intuito de auxílio ao Venerando Desembargador Relator passamos a indicar alguns aspectos a ter em conta” (…), e o Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, toma posição concreta sobre cada um dos recursos, remete para conclusões específicas, e indicas circunstanciadamente as páginas que no seu entender são relevantes, no que concerne a AA refere “(vd conclusão 3 a fls. 4791). O M. P. responde a este recurso a fls 5289 e segs” e mais adiante refere sublinhando (…) Atenção, para evitar uma eventual nulidade por omissão de pronuncia, este arguido motiva sobre a prisão preventiva que lhe foi mantida (…) e o Arguido AA a fls. 5375.”

21 - Basta atentar nas expressões utilizadas para se concluir que o denominado “visto” é mais de que um visto, não deixa de ser uma posição concreta sobre a matéria quer de facto, quer de direito, suscitada. Pelo que deveria ter sido notificado tal posição às partes para que a ela pudesses responder.

22 - Tal posição do Digníssimo Procurador-Geral Adjunto é aposta nos termos do art.º 416.º, n.º 1 do CPP.
23 - Nestes termos, foi arguida tal irregularidade nos termos do art.º 123.º e 417.º do CPP a 10-08-2017.

24 - A irregularidade não parte do Digníssimo Procurador-Geral Adjunto, que cumpriu em tempo, assim que lhe foi concluso, em 16 e 17 de Maio de 2017, mas do Venerando Relator, colhido o visto do MP, deveria ter notificado as partes para se pronunciarem no prazo de 10 dias, pelos motivos supra expostos, e como decorre, da lei nos termos do artigo 417.º n.º 2 “Se, na vista a que se refere o artigo anterior, o Ministério Público não se limita a apor o seu visto, o arguido e os demais sujeitos processuais afetados pela interposição do recurso são notificados para, querendo, responder no prazo de 10 dias.”

25 - Ora assim, sendo a não notificação de fls. 5427 e 5428 ao Arguido AA uma irregularidade, nos termos do art.º 123.º conjugada com o artigo 416.º e 417.º n.º 2, todos do CPP, deve a mesma ser suprida.
26 – Tal irregularidade é consagrada no termos do art. 118.º, n.º 1 e n.º 2 do CPP e arguida, nos termos do artigo 123 do CPP.

27 - Como irregularidade e arguida nos termos da 2.ª parte do n.º 1 do art. 123.º do CPP, impõe-se que o Tribunal Ad Quem ordene a sua reparação, uma vez que agora dela tomou conhecimento (cf. n.º 2 do art. 123.º do CPP)

28 - Como refere Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código de Processo Penal, 2.ª Edição, Pag. 1139-1140, “A nova jurisprudência reconheceu um direito constitucional do réu responder se o MP na vista no tribunal superior se pronunciasse, independentemente de se pronunciar ou não no sentido da agravação da pena (acórdão do TC n.º 533/99 (…) concluindo que é inconstitucional a admissibilidade de um parecer do Ministério Público junto do tribunal superior sem que dele seja dado conhecimento ao arguido para, querende, responder.”

29 - Ora, prolatado o douto acórdão sem que o arguido tenha sido notificado do parecer do Ministério Público, será aplicável o art.º 417.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Penal, que impõe a notificação aos demais sujeitos processuais, quando na intervenção aí prevista, o Ministério Público, não se limitar a apor o seu visto.

30 - O arguido tinha direito a conhecer e a contestar tal resposta do Ministério Público, constituindo a omissão de notificação nulidade por violar a alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º do Código de Processo Penal bem como as garantias de defesa e o princípio do contraditório, constitucionalmente consagrados e por se tratar de processo crime o disposto nos artigos 413.º e 417.º do Código de Processo Penal.

31- O princípio do contraditório, traduz-se no dever de o juiz ouvir as razões das partes, em relação a assuntos sobre os quais tenha de proferir uma decisão. No caso do arguido, de o ouvir por último e depois de todos os intervenientes.

32 - Tal omissão de notificação da resposta do Ministério Público ao arguido, bem como a falta de concessão de um prazo para sobre ela se pronunciar, constituem preterição de formalidades legais essenciais e violação do direito do contraditório e violação das garantias de defesa e do processo criminal reconhecido ao arguido, impedindo-o de cabalmente se defender. Com tal falta de notificação negou-se ao arguido o direito, assegurado pelo artigo 20.º, n.º 4 da nossa Constituição, a um processo equitativo e leal, designadamente por violação do princípio do contraditório, princípio este que vem sendo considerado pela jurisprudência ínsito no direito fundamental de acesso aos tribunais, consagrado no n.º 1 desse mesmo artigo 20.º da Lei Fundamental.

33 - A norma da alínea b) do n.º 1 do artigo 61.º e do artigo 413.º n.º 3 do Código de Processo Penal são inconstitucionais – por violação das garantias constitucionais de defesa em processo criminal, violação do princípio do contraditório, violação do direito de acesso aos Tribunais (consagrados no artigo 32.º e 20.º da Constituição) – se interpretadas no sentido que permitisse considerar que em matéria de recurso não deva ter lugar a audição do arguido, por último, para exercício do contraditório, sempre que sobre ele, o Tribunal tenha de tomar uma decisão que pessoalmente o afecte.

34 - Assim, sempre ressalvado o devido respeito e no cumprimento das formalidades legais, a omissão dessa notificação, porque se trata de irregularidade suscetível de influir na apreciação e decisão da causa, acarreta a nulidade do processado subsequente (incluindo o aliás douto Acórdão da Relação de Lisboa) nos termos do art.º 123.º, n.º 1, com a consequência legal do art.º 122.º, n.º 1 do Código do Processo Penal e art.º 201.º, n.º 1 e 2 do Código de Processo Civil, não tendo esta influência na apreciação e decisão da causa de ser aferida em termos concretos, bastando que abstratamente o ato omitido seja apto a ter essa influência.

35 - Desta forma, a preterição de tal notificação constitui irregularidade que afeta a validade dos atos subsequentes nos termos das disposições invocadas, em consequência a ser conhecida e declarada a irregularidade, deverão V. Exas. ordenar a notificação da resposta do Ministério Público, e em consequência anular o acórdão proferido pelo Venerando Tribunal da Relação, nessa circunstância, encontra-se excedido o prazo máximo da prisão preventiva, a que o Arguidos podem ser sujeitos, que no caso concreto é de dois anos, e que nesta data se encontra ultrapassado.

36 – Tendo-se a mesma extinguido em 15 de Agosto de 2017.

37 - As irregularidades processuais só determinam a invalidade do ato a que se referem quando tiverem sido arguidas pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos 3 dias seguintes a contar daquele em tiverem sido notificados para qualquer termo no processo ou intervindo em algum ato nele praticado – n.º 1 do art.º 123.° do CPP.

38 - Desta forma, o arguido sempre deveria de ter sido notificado para que nos 10 dias subsequentes se pudesse pronunciar, não o tendo feito o Tribunal Ad Quem, incorre na irregularidade, devendo proceder à notificação da posição do MP, anular o acórdão, e proferir novo acórdão após o direito de contraditório.

39 - Uma vez que tal irregularidade foi arguida em tempo, o Tribunal da Relação de Lisboa deverá dignar-se a declará-la e, consequentemente, determinar a anulação do processado posterior à emissão do parecer do Ministério Público, cumprindo-se o preceituado violado.

40 - A anulação da anterior condenação da Relação de Lisboa fará regredir o processo a patamar processual anterior, tendo que forçosamente se concluir que não existe acórdão proferido pela Relação (confirmatório ou não), não podendo ser aplicado o prazo máximo de duração da prisão preventiva estipulado no art.º 215.º, n.º 6 do CPP, porque o Acórdão não se tem por proferido, e nessa circunstância encontra-se excedido o prazo máximo da prisão preventiva.

41 - Declarada a invalidade do ato é ordenada a sua repetição e aproveitados todos os atos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela, regressando o processo ao estádio em que o ato nulo foi praticado (cf., a propósito, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, II, pág. 88).

42 - No presente caso, mesmo que se entenda que, apesar da absolvição do crime de associação criminosa, o Acórdão da Relação de Lisboa é confirmatório do Acórdão da 1ª Instância, elevando o prazo máximo de prisão preventiva de 2 anos para 5 anos, por virtude da confirmação, em recurso, da decisão condenatória.
43 - Deve ter-se por afastada esta elevação do prazo, uma vez que a violação do art.º 417.º e 123.º do CPP determinam a anulação de todos os atos subsequentes à resposta do MP, nomeadamente a prolação do Acórdão da Relação.

44 - A decisão que couber à irregularidade, obrigando a cumprir com a formalidade legal essencial, retira valor confirmativo ao acórdão da Relação, o que significa que não se pode ter, então, por subsistente uma decisão condenatória confirmada por um Tribunal Superior, para efeitos de elevação do prazo de prisão preventiva para metade da pena aplicada e confirmada.

45 - Pelo que deve ter por esgotado o prazo máximo de prisão preventiva a partir de 15-08-2017, devendo ser o requerente imediatamente posto em liberdade” pelo que,

(…) deve o presente procedimento de “Habeas Corpus” ser julgado provado e procedente e, por via dele, deve ser nos termos das disposições conjugadas do art. 215º, nº 1 al. d) e n. 2 e art. 217º do CPP se digne julgar extinta, desde o dia 15 de Agosto de 7 e por força do decurso do prazo, a medida de coacção de prisão preventiva a que o Arguido está sujeita desde 15 de Agosto de 2015, restituindo-se de imediato o Arguido à liberdade (art.º 217.° n.º 1 do CPP), aplicando-se-lhe outra das medidas de coação, previstas do art.º 197° ao art.º 200.° do CPP, se assim for entendido (art.º 217.º n.º 2 do CPP) (…).
O senhor Juiz, na observância do disposto no artigo 223º do Código Processo Penal, prestou a informação que segue (sic):

O arguido AA requereu a providência de habeas corpus com fundamento na ilegalidade da sua prisão proveniente de manter-se nesta situação para além dos prazos fixados pela lei – cfr. artigo 222º, n.º 1, e 2), al. c), do C.P.P.

Invoca para o efeito estar preso preventivamente desde 15-8-2015; ter sido condenado em primeira instância na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão, pela prática em coautoria material de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, al. c), do DL n.º 15/93, e em autoria material pela prática de um crime de associação criminosa, p. e p. pelo artigo 28º, n.º 3, do mesmo diploma legal; ter o Tribunal da Relação, em sede de recurso, o absolvido da prática do crime de associação criminosa, reduzindo a sua pena para 10 anos de prisão; não ter sido dada cumprimento do disposto no artigo 417º, n.º 2, do C.P.P., na medida em que o M.P. não se limitou a opor o seu visto, causa de anulação do acórdão proferido.

Conclui, face às alegações supra, que inexiste decisão proferida em sede de recurso ordinário que eleve os prazos de duração da prisão preventiva para metade da pena que foi fixada, nos termos do artigo 215º, n.º 6, do C.P.P., do que resulta ser de dois anos o prazo máximo da prisão preventiva, nos termos do artigo 215º, n.ºs 1, al. d), e 2, o qual terminou no passado dia 15-8-2017.

Face ao objeto da presente providência de habeas corpus e o disposto no artigo 223º do C.P.P., ordena-se o imediato envio da petição ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça, remetendo-se certidão das peças processuais indicadas na petição (solicitando-se ao Tribunal da Relação de Lisboa as peças que não constam do traslado do processo), e bem assim da decisão judicial que aplicou ao arguido a medida de coação de prisão preventiva, os despachos de revisão e manutenção desta medida de coação, e informando-se o seguinte:

- O arguido acha-se sujeito à medida de coação de prisão preventiva à ordem destes autos desde 15 de agosto de 2017, então pela indiciada prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21º e 24º do DL 15/93, de 22 de janeiro, e de um crime de associação criminosa p. e p. no artigo 28º, do mesmo diploma legal.

- Foi condenado em primeira instância por acórdão proferido a 19-12-2016 pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 214º, do DL n.º 16/93, de 22 de janeiro, com referência à Tabela I-B anexa ao mesmo, na pena de 10 anos de prisão, e pela prática de um crime de associações criminosas, p. e p. no artigo 28º, n.º 3 do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 6 anos de prisão, e em cúmulo jurídico na pena única de 11 anos e 6 meses de prisão;

- Interposto recurso pelo arguido, foi o processo remetido eletronicamente ao Tribunal da Relação de Lisboa a 9 de maio de 2017;

- Em sede de recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão de 4 de agosto de 2017, revogou parcialmente o acórdão proferido em primeira instância, absolvendo o arguido da prática do crime do crime de associações criminosas, p. e p. no artigo 28º, n.º 3 do DL n.º 15/93, de 22 de janeiro, mas confirmou a condenação do mesmo em pena de 10 anos de prisão, pela prática, em coautoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21º e 24º, do DL n.º 16/93, de 22 de janeiro, o que foi informado ao traslado que ficou em primeira instância para efeitos de revisão da medida de coação;

- O processo encontra-se ainda no Tribunal da Relação de Lisboa, não sendo por isso possível a este tribunal aceder às peças processuais referentes à forma como foi cumprido o disposto nos artigos 416º e 417º do C.P.P.”

I.a). – Questão a merecer apreciação.
A cogente questão que a providência demanda prende-se com a legalidade da manutenção da medida de coacção de prisão preventiva em que o arguido/requerente se encontra e, ancilarmente, com a eventual questão da existência, ou prática, de uma irregularidade – omissão de notificação de um pretenso parecer do Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa – inutilizadora da decisão do tribunal de recurso - confirmatória in mellius da decisão condenatória de primeira (1ª) instância.

II. – FUNDAMENTAÇÃO.

II.a). – Elementos pertinentes a considerar na decisão.

1. – O arguido foi sujeito a 1º interrogatório judicial no dia 15 de Agosto de 2015 – cfr. fls. 28 a 82;

2. – Após interrogatório foi o arguido sujeito à medida de coacção de prisão preventiva – cfr. fls. 79;
3. – Por decisão proferida, na comarca dos Açores, Instância Central – 1ª Secção Cível e Criminal – cfr. fls. 118 a 202 – foi o arguido condenado pela prática, em co-autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes, agravado, previsto e punido pelos artigos 21º e 24º, al, c) do Decreto-lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, com referência à tabela I-B anexa ao referido diploma, na pena de dez (10) anos de prisão; e pela prática, em co-autoria, de um crime de associação criminosa previsto e punido pelo artigo 28ºdo diploma legal citado na pena de seis (6) anos de prisão – cfr. fls. 202;

4. – Na unificação das penas parcelares impostas, foi imposta ao arguido uma pena conjunta (única) de onze (11) anos e seis (6) meses de prisão;  

4. – Por decisão prolatada no Tribunal da Relação de Lisboa, em 4 de Agosto de 2017, foi o recurso interposto pelo arguido parcialmente provido e o arguido absolvido do crime de associação criminosa, tendo, em consequência sido mantida a condenação pela prática, em co-autoria material do crime de tráfico de estupefaciente por que havia sido condenado em primeira (1ª) instância, com a manutenção da pena imposta na decisão que havia sido objecto de recurso, ou seja na pena de nove (9) anos de prisão – cfr. fls. 204 a 369;

5. – O arguido suscitou a existência de uma irregularidade – falta de notificação de um suposto parecer do Ministério Público (artigo 417º do Código Processo Penal) – cfr. fls. 363-365. 

II.b). – PRESSUPOSTOS DA PROVIDÊNCIA DE HABEAS CORPUS.
Aquele que se encontre privado de liberdade – existência de uma situação de prisão – por razão, ou motivo, que se não quadre com o quadro legal estabelecido no ordenamento jurídico vigente – v.g. por abuso de poder da entidade indutora da situação de prisão – pode pedir a apreciação da situação em que se encontra ao Supremo Tribunal de Justiça.

O instituto de habeas corpus configura-se, a um tempo, como um direito fundamental e uma garantia. O instituto mostra-se a um tempo um direito, na medida em que a lei, maxime a Constituição, o confirma como um valor e um estado subjectivo activo incrustado na substancialidade individual do cidadão e que radica, directa e imediatamente, na esfera jurídica de qualquer cidadão no gozo pleno dos seus direitos cívicos, e ao mesmo tempo uma garantia na medida em que permite a qualquer cidadão reagir contra uma situação que repute abusiva e violadora de um direito – a liberdade física – inscrito como inderrogável no amplexo de direitos fundamentais do individuo.  

Consagrado e inerido no capítulo destacado para o estabelecimento dos direitos fundamentais, o instituto de habeas corpus surge, assim, como uma factor de garantia de qualquer cidadão contra os abusos que possam ser cometidos por entidades congraçadas na aplicação de medidas coactivas em nome da lei e do Estado. Invadeável para o seu surgimento é que i) ocorra uma situação abuso de poder, revertível em, ou pela, adopção de medidas de privação de liberdade que não devam ser plicadas a determinados factos ou se revele ter ultrapassado os limites temporais que a lei comina; ii) que a prisão se mostre mantida contra a normação que rege para a sua aplicação (nos casos e situações previstas na lei); iii) e, finalmente, que a situação de prisão seja actual e efectiva.

Legitimamente e por direito o pedido pode ser impulsionado por qualquer cidadão (“no gozo dos seus direitos políticos”) e deve ser apresentado à autoridade à ordem da qual o cidadão se encontra preso.

Como fundamento desta pretensão, de carácter excepcional, [[1]] o peticionante pode convocar uma das sequentes situações: a) incompetência da entidade que ordenou ou efectuou a prisão; b) ter a prisão uma razão, ou substrato jurídico-factual, arredada do quadro legal estabelecido; e c) ser a prisão mantida para além do prazos que a lei determina e fixa ou que a decisão judicial haja determinado. 

O requerente encontra-se preso preventivamente, actual e efectivamente, à ordem do tribunal competente pelo que a sua legitimidade para requerer a providência de habeas corpus se mostra confirmada.

Assegurada a legitimidade importa averiguar se os condicionalismos estabelecidos na lei como passíveis de se poderem constituir como violadores do direito de liberdade física se mostram preenchidos.

Como se assinalou no acórdão supra citado – de 1 de Fevereiro de 2007, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira – o procedimento (providência) de habeas corpus não assume carácter ou natureza residual, antes se perfila como um procedimento autónomo e com identidade própria que pode coexistir com o recurso. A providência de habeas corpus não se destina a reagir contra uma decisão reputada injusta de aplicação de uma medida de privação de liberdade, rectius prisão preventiva, antes se destina a pôr cobro a uma situação de ilegalidade e abuso de poder por parte das autoridades. A providência de habeas corpus não se destina a corrigir ou reavaliar as decisões judiciais que dentro da legalidade apliquem a medida coactiva de prisão preventiva. Ela surge no universo do direito como meio de ilaquear um estado patológico decorrente de uma actuação contrária à lei e ao arrepio dos adequados e correctos modos de apreciação e avaliação de uma situação factual (em que uma medida de coacção como a prisão preventiva não pode ser aplicada).

Por outro lado, a providência de habeas corpus, por alegada prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP, perante situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, seja por incompetência da entidade que ordenou a prisão, seja por a lei não permitir a privação da liberdade com o fundamento invocado ou sem ter sido invocado fundamento algum, seja ainda por se mostrarem excedidos os prazos legais da sua duração.

São tais razões - e só elas – que justificam a celeridade e premência na apreciação extraordinária da situação de privação de liberdade com vista a aquilatar se houve abuso de poder ou violação grosseira da lei, na privação da liberdade, que imponha de imediato a reposição da legalidade.

A providência de habeas corpus, enquanto remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. (v.v.g. Ac. deste Supremo de 20-12-2006, proc. n.º 4705/06 - 3.ª)

Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (v. Acórdão deste Supremo de 29-05-02, proc. n.º 2090/02- 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese).

Aliás, resulta do artigo 219º nº 2 do CPP, que, mesmo em caso de recurso de decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas de coacção legalmente previstas, inexiste relação de dependência ou de caso julgado entre esse recurso e a providência de habeas corpus, independentemente dos respectivos fundamentos.

Por outro lado, como remotamente já decidiam os acórdãos deste Supremo e desta Secção, de 24 de Outubro de 2007, proc. 3976/07, e de 4 de Fevereiro de 2009, proferido nos autos 325/09,). - O habeas corpus não se destina a formular juízos de mérito sobre as decisões judiciais determinantes da privação de liberdade, ou a sindicar nulidades ou irregularidades nessas decisões – para isso servem os recursos ordinários - mas tão só a verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou, erro grosseiro) enquadrável no disposto das três alíneas do nº 2 do artº 222ºdo CPP..” [[2]]

No mesmo eito segue o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 16-03.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, em que a propósito da providência espacial de habeas corpus se escreveu (sic): “A petição de habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal, inscrita como garantia fundamental no artigo 31º da Constituição, tem tratamento processual nos artigos 220º e 222º do CPP. Estabelecem tais preceitos os fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional.  

Nos termos do artigo 222º do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência deve resultar da circunstância de i) a mesma ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ii) ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou iii) se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222º do CPP. A providência de habeas corpus não decide, assim, sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso das decisões tomadas numa tramitação processual em que foi determinada a prisão do requerente ou um sucedâneo dos recursos admissíveis Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Fevereiro de 2005, “no âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe, porém, julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas tem de se aceitar o efeito que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados”.

Nesta providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma determinada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo – valendo os efeitos que em cada momento ali se produzam e independentemente da discussão que aí possam suscitar, a decidir segundo o regime normal dos recursos – produzem alguma consequência que se possa reconduzir aos fundamentos da petição referidos no artigo 222º, nº 2 do CPP.

A providência em causa assume, assim, uma natureza excepcional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais. Por isso, a mesma não pode ser utilizada para sobrestar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais que têm o recurso como sede própria para reapreciação.

Na verdade, a essência da providência em causa reside numa afronta clara, e indubitável, ao direito à liberdade. Deve ser demonstrado, sem qualquer margem para dúvida, que aquele que está preso não deve estar e que a sua prisão afronta o seu direito fundamental a estar livre. É exactamente nessa linha que se pronuncia Cláudia Santos, referindo, nesta senda que “confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente”. Também Cavaleiro Ferreira avança que "o habeas corpus é a providência destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade".

A providência excepcional em causa não se substitui, nem pode substituir-se, aos recursos ordinários, ou seja, não é, nem pode ser, meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. O habeas corpus está, assim, reservado para os casos indiscutíveis de ilegalidade, que, exactamente por serem ilegais, impõem, e permitem, uma decisão tomada com a celeridade legalmente definida. 

Como afirmou este mesmo Supremo Tribunal no seu Acórdão de 16 de Dezembro de 2003, trata-se aqui de «um processo que não é um recurso, mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objecto de recurso ordinário e ou extraordinário. Processo excepcional de habeas corpus este, que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (…)».

A natureza sumária da decisão de habeas corpus, por outro lado, não se deve conjugar com a definição de questões susceptíveis de um tratamento dicotómico e em paridade de defensibilidade. É que, em tal hipótese e como se acentua em decisão deste Tribunal de 1 de Fevereiro de 2007, o Supremo Tribunal de Justiça não se pode substituir, de ânimo leve, às instâncias, ou mesmo à sua própria eventual futura intervenção no caso, por via de recurso ordinário, e, sumariamente, ainda que de modo implícito, censurar aquelas por haverem levado a cabo alguma ilegalidade, que, como se viu, importa que seja grosseira. 

Até porque, permanecendo discutível, e não consensual, a solução jurídica a dar à questão, dificilmente se pode imputar, com adequado fundamento – ainda para mais numa apreciação pouco menos que perfunctória –, à decisão impugnada, qualquer que ela seja – mas sempre emanada de uma instância judicial –, o labéu de ilegalidade, grosseira ou não.” [[3]]
Assoalhados com o que vem sendo uma posição jurisprudencial constante e uniforme, apreciar-se-á o caso em tela de juízo.
II.B. – O caso concreto.
II.B.1. – Decisão condenatória do arguido. Confirmação da condenação em via recursiva. Confirmação in mellius.
Da recensão factual-processual efectuada supra, ressalta, para a questão enunciada i) o arguido/requerente foi condenado, em primeira (1ª) instância pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, pelas disposições legais que no momento foram indicadas, na pena de nove (9) anos de prisão e pela prática de um crime por associação criminosa na pena de cinco (5) anos e seis (6) meses; ii) no recurso interposto foi decidido que não se verificavam os elementos constitutivos do crime de associação criminosa tendo sido decretada a sua absolvição; iii) a decisão prolatada pelo tribunal de recurso, com a absolvição pelo crime de associação criminosa, manteve a condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes, sem alteração da pena que havia sido imposta na decisão de primeira (1ª) instância.  
O arguido/requerente encontra-se na situação de prisão preventiva desde o dia 15 de A Agosto de 2015.
Tratando-se de uma medida de coacção que deve ser ditada em derradeira e precípua circunstância, por só dever ser ponderada se forem consideradas inadequadas ou insuficientes as medidas de prestação de caução, obrigação de apresentação periódica e obrigação de permanência na habitação, a lei impõe que a prisão preventiva esteja taxada e temporalmente balizada com atinência aos prazos das fases processuais em que o procedimento se desenvolve para averiguar a existência de um facto punível, identificar o autor desse facto punível e, se apurada o nexo de imputação e a culpa do agente, impor uma pena. (“O processo penal transforma a punibilidade em pena, através de três fases: comprovação do delito; determinação da pena e execução da pena. (…) A primeira e a segunda pertencem ao processo de cognição, a terceira ao processo de execução.”) [[4]]
Assim, dispondo o artigo 215º do Código Processo Penal os prazos máximos/limites para a prisão preventiva, prescreve para as situações em que o crime seja punido com pena superior a oito (8) anos um período de duração (máximo) de dois (2) anos – cfr. artigo 215º, alínea d), ex vi do nº 2 do mesmo normativo.   
Ultrapassada a fase de apuramento da responsabilidade de um imputado e tendo sido considerado a necessidade de imposição de uma pena, a lei – ultrapassada a fase de indagação do facto punível e necessidade de aplicação de uma pena, para punição do responsável pelo crime cometido – impõe que, tendo o arguido sido condenado a pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória venha a ser confirmada em sede de recurso ordinário, o modo de fixar a prisão preventiva se transmute. A prisão preventiva deixa de estar indexada às fases processuais, para quedar atracada e conexionada à medida da pena que foi estabelecida pelo tribunal.  
Compreende-se que assim seja. A prisão preventiva, como última, derradeira e mais intrusiva e penosa injunção do poder do Estado na vida pessoal e privada de um cidadão deve conter-se dentro de limites considerados adequados e ajustados para que os órgãos encarregados de averiguar a existência de um facto punível e apurar a identidade do seu autor para que essa inflicção não se transforme numa medida discricionária e arbitrária do poder de castigar. Os prazos indicados no nº 1 do artigo 215º do Código Processo Penal representam e constituem-se, portanto, como diques e, ao mesmo tempo, salvaguardas, impostos ao poder do Estado e respectivos órgãos, ou instâncias, formais de controle, para que o direito fundamental da liberdade dos cidadãos não seja desprezada, dilacerada e violentada.
O requerente, no entendimento que transmite através da petição da providência que impulsa, estima que o prazo de duração da prisão preventiva se exauriu, pela ultrapassagem de um fase do processo sem que a decisão condenatória prolatada, em 1ª instância, haja sido confirmada em sede de recurso ordinário. Esquematizando, o requerente encontra-se preso preventivamente desde 15 de Agosto de 2015 e, tendo decorrido dois (2) anos desde esse momento até essa data sem que tenha ocorrido confirmação da condenação efectuada em 1ª instância, os dois (2) anos referidos na alínea d), ex vi do nº2, do artigo 215º do Código Processo Penal, deveria ter sido posto em liberdade no dia 15 de Agosto de 2017, por exaurimento do prazo fixado nestes últimos segmentos de norma.
Pelo que já deixamos aflorado não se nos afigura que a razão se encontre do lado do requerente.
A jurisprudência deste Supremo Tribunal já se ocupou da questão-cerne que ceva a providência requestada.
Doutrinou-se no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Dezembro de 2009, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, que (sic): “Importa, assim, verificar se, no caso vertente, existe aquela gritante violação das regras que lideram a aplicação de um regime de constrição da liberdade como é o caso da prisão preventiva.

 O requerente fundamenta o pedido formulado na circunstância de estar violado o prazo a que alude o artigo 215 nº 2 do CPP pois que passam dois anos sobre o momento em que foi decretada a sua prisão preventiva.

 O requerente omite qualquer pronuncia sobre a questão que subjaz á sua situação, ou seja, a de saber até que ponto a decisão do Tribunal da Relação, que confirmou parcialmente a decisão de primeira instância, constitui uma confirmação válida e relevante nos termos do nº6 do normativo citado. Significa o exposto que somos reconduzidos á questão da denominada “reformatio in mellius” pois que se considerarmos que a decisão do Tribunal da Relação proferida no caso vertente confirma, de forma parcial, a decisão de primeira instância então o prazo máximo de prisão preventiva é de quatro anos e três meses, uma vez que se eleva para metade da pena que tiver sido fixada.

 Tal questão, suscitada a propósito da admissibilidade de recurso-artigo 400 nº1 alínea f) do CPP- tem sido objecto de um tratamento maioritário por parte da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, afirmando a existência de uma confirmação parcial em situações similares, pelo menos até ao patamar em que se situa a sua convergência. A denominada confirmação in mellius viu-se sustentada pelos Acórdãos deste STJ de 16.01.2003 (CJ Acs. STJ, XXVIII, 1, 162 e de 11.03.2004, in CJ Acs. STJ, XII, 1, 224). e no Ac. do Tribunal Constitucional nº 20/2007

 Aliás, o entendimento referido, aplicado ao caso vertente, encerra uma conformidade teleológica e unidade sistémica, na medida em que o legislador pretendeu que o alargamento do prazo de prisão preventiva para além dos prazos a que aludem os números s alíneas anteriores do artigo tenha subjacente um grau reforçado certeza da culpabilidade, e dimensão da pena, que só a confirmação da mesma, ainda que parcial, poderá conceder.

 Deverá considerar-se existente tal confirmação, para efeito do normativo em causa, quando a decisão do tribunal superior vai ao encontro do pedido formulado e, por essa forma, sempre se pode afirmar que a decisão de recurso confirma a consistência que assiste á decisão recorrida e que a pena aplicada constitui um marco a considerar em termos de prisão preventiva. Tal confirmação sucede até ao ponto em que as duas decisões-recorrida e de recurso-convergem.

 Considerando por tal forma, tendo em atenção que o arguido se encontra sujeito à medida de coacção de prisão preventiva desde o dia 3 de Novembro de 2007 e que a pena aplicada em sede de recurso foi de oito anos e seis meses de prisão, considera-se que a prisão preventiva no caso vertente se situa nos quatro anos e três meses por aplicação do disposto no artigo 215 nº6 do Código de Processo Penal.” [[5]]

Do mesmo passo, em acórdão de 22 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, expressou-se a ideia de que (sic): “O artigo 212º do CPP dispõe no nº 1: “As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar:

a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou

b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.”

Por outro lado, de harmonia com o artº 215º º 1 e 2 do mesmo diploma:

“A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido:

 (…)

 d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado 

2. Os prazos referidos no número anterior são elevados respectivamente para (…) dois anos, em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a oito anos […]”

É o caso do crime de Tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.° 21º n°1 do Dec-Lei  15/93 de 22.1, com referência a Tabela I—B, anexa ao referido diploma legal punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, e aliás, sempre enquadrável no nº 2, por força do disposto no artº 1º al. m) do CPP

(…) Acresce porém, que, nos termos do nº 6 do artº 215º do CPP: “No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em primeira instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.”

Esta norma, o nº 6 do artº 215º do CPP, não se confunde nem identifica, com a conformidade ou “dupla conforme”, determinada pela al. f) do art.º 400.º do CPP: - Esta tem em vista critério legal definidor e limitativo de irrecorribilidade da decisão da Relação para o Supremo, quando houver confirmado, ainda que in mellius, decisão da primeira instância. Aquela fundamenta-se na razoabilidade do prazo limitativo da liberdade, ínsito à duração de uma medida de coacção que restrinja essa liberdade, tendo pois natureza e função meramente cautelar, na sequência e, de harmonia com o princípio da legalidade, previsto no artº 191º do CPP. e, obviamente, sem prejuízo da conformidade normativa constitucional, sendo certo que a Constituição Política da República Portuguesa no artº 27º nº 3 permite a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos ali indicados nas respectivas alíneas, em que se inclui a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponde pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos e que o art.º 202º do CPP, burilou, nas respectivas alíneas,  entre as quais a al. c).

Valem a propósito as considerações expendidas no Acórdão deste Supremo e desta Secção, de 7 de Julho de 2010, proc. 811/06.3TDLSB-C.S1, in www.dgsi.pt, que se transcrevem.

“O citado nº 6 do artigo 215º do CPP foi introduzido pela Lei 48/2007, de 29 de Agosto.

Tal normativo (nº6) não tinha correspondência em anteriores dispositivos mas é uma alteração que, cremos, visa evitar expedientes meramente dilatórios com vista a provocar a extinção da medida de coacção por esgotamento do prazo.

E, se é certo que, de acordo com aquela Lei 48/2007 (em confronto com o regime do texto legal anterior) os prazos de prisão preventiva foram moderadamente reduzidos, face ao carácter de “extrema ratio” que tal medida de coacção reveste, a verdade é que o legislador não quis prejudicar os fins cautelares dessa mesma medida de coacção. 

Por outro lado aquela redução deve ser aferida em função da fase processual em que se encontra o processo.

A lei é clara quando estatui que o prazo máximo da prisão preventiva se eleva para metade da pena que tiver sido fixada, no caso de um arguido ter sido condenado em duas instâncias sucessivas.

Porém, na medida em que exige a confirmação da sentença condenatória, a redacção do preceito pode suscitar dúvidas.

Como referia Maia Gonçalves in CPP, pá. 484 ”… a lei magis dixit quam voluit. Pode não haver confirmação da sentença; pode até haver mesmo provimento de recurso interposto pelo arguido condenado e, no entanto, segundo o pensamento legislativo, o prazo de prisão preventiva elevar-se para metade da pena da condenação. Se A … condenado em primeira instância por homicídio qualificado, em 20 anos de prisão, recorrer motivando o recurso na invocação de que não se verifica uma circunstância qualificativa, obtiver provimento no recurso e vir a pena de prisão reduzida para 16 anos, interpondo ainda novo recurso, agora para o STJ ou para o Tribunal constitucional, qual o prazo de prisão preventiva, apesar de a sentença condenatória não ter sido confirmada? Se bem alcançamos o pensamento legislativo, e mesmo a mens legislatoris, neste caso o prazo máximo será 8 anos (metade da pena que foi fixada pelo tribunal de recurso, apesar de não ter havido confirmação da sentença e, antes, provimento do recurso).

E sempre dentro do mesmo pensamento, se a pena de prisão aplicada em primeira instância for de 16 anos de prisão e, mediante recurso do MºPº ou do assistente, for fixada pelo tribunal superior em 20 anos de prisão, o prazo máximo de prisão preventiva, por maioria de razão, será dez anos”.

Concordamos com esta interpretação que temos por conforme á intenção do legislador.

É que a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coação não deve ser interpretada nos mesmos termos da regra da “dupla conforme” em matéria de recurso da sentença (que, no caso, até ocorre, estando-se perante confirmação “in mellius” pois o Tribunal da Relação, embora tenha alterado a decisão da 1ª instância, condenou o arguido em pena inferior á anteriormente aplicada).

Com efeito, a finalidade ou objectivo daquelas duas regras é diferente: no caso dos recursos, a “dupla conforme” visa evitar a interposição de recurso para o STJ; no caso das medidas de coacção a “confirmação” visa alargar o prazo de duração daquelas medidas justamente quando há recurso para o STJ ou para o Tribunal Constitucional.

Por isso, deve entender-se que há confirmação da sentença (para efeitos das medidas de coacção, isto é, para efeitos do nº 6 do artigo 215º do CPP) também quando o tribunal superior aplica uma pena inferior á pena da sentença recorrida (como no caso em apreço), dando provimento “pontual” ao recurso do arguido (pois limitou-se a reduzir apenas a pena aplicada (….) . 

Neste caso, o prazo máximo da prisão preventiva é o de metade da pena de prisão aplicada pelo tribunal superior (da Relação).

Entendemos, portanto, que, no caso de condenação em pena de prisão em 1ª instância e em recurso ordinário para o tribunal superior, o prazo de prisão preventiva eleva-se – se for caso disso – para metade da pena de prisão aplicada pelo tribunal superior.

Esta interpretação, a nosso ver, respeita a intenção do legislador que estabeleceu prazos diferentes para a prisão preventiva consoante a fase processual em que o processo se encontra.”

Em idêntico sentido escreve Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª edição actualizada, Universidade Católica Editora, p. 620, nota 18: “A regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção não deve ser interpretada no mesmo sentido que a regra da “dupla conforme” em matéria de recurso de sentença (ver a anotação ao artigo 400º), uma vez que o propósito destas duas regras é diferente: a regra da “dupla conforme” visa evitar a interposição de recurso para o STJ, a regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção visa alargar o prazo de duração das mesmas precisamente quando há recurso para o STJ ou para o TC.” [[6]/[7]]

No mesmo sentido se encontra o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Julho de 2010, de que se deixa extractado o respectivo sumário: “I - A previsão e, precisão, da providência de habeas corpus, como garantia constitucional, não exclui o seu carácter excepcional, vocacionado para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, fundamento constitucionalmente delimitado. II - A excepcionalidade da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de «providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional», com uma celeridade incompatível com a prévia exaustão dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação. III - A providência visa, pois, reagir, de modo imediato e urgente, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. IV - O peticionante parte do pressuposto de que se encontra em prisão preventiva e que o respectivo prazo máximo está ultrapassado; contudo, o requerente foi já condenado por acórdão da 1.ª instância na pena única de 13 anos e 4 meses de prisão, sendo que o Tribunal da Relação também já julgou pontualmente procedente o recurso interposto pelo arguido daquele outro acórdão, reduzindo-lhe a pena única para 13 anos e 3 meses de prisão; deste último acórdão o arguido interpôs recurso para o STJ. V - Sendo assim, uma vez que há já condenação (na 2.ª instância), embora não transitada em julgado, a questão que se coloca é a de saber se tem ou não aplicação ao caso em apreço o estatuído no n.º 6 do art. 215.º do CPP. VI - A regra da “confirmação” em matéria de medidas de coacção não deve ser interpretada nos mesmo termos da regra da “dupla conforme” em matéria de recurso da sentença (que, no caso, até ocorre, estando-se perante confirmação in mellius, pois o Tribunal da Relação, embora tenha alterado a decisão da 1.ª instância, condenou o arguido em pena inferior à anteriormente aplicada). VII - Com efeito, a finalidade ou objectivo daquelas duas regras é diferente: no caso dos recursos, a “dupla conforme” visa evitar a interposição de recurso para o STJ; no caso das medidas de coacção, a “confirmação” visa alargar o prazo de duração daquelas medidas justamente quando há recurso para o STJ ou para o TC. VIII - Por isso, deve entender-se que há confirmação de sentença (para efeitos das medidas de coacção, isto é, para efeitos do n.º 6 do art. 215.º do CPP) também quando o tribunal superior aplica uma pena inferior à pena da sentença recorrida (como no caso em apreço), dando provimento “pontual” ao recurso do arguido, reduzindo a pena única aplicada de 13 anos e 4 meses de prisão para 13 anos e 3 meses de prisão. IX - Neste caso, o prazo máximo da prisão preventiva é o de metade da pena de prisão aplicada pelo tribunal superior (Relação), motivo pelo qual não se mostra o mesmo excedido.” [[8]]

Revertendo ao caso que nos ocupa i) o arguido requerente foi condenado em primeira (1ª) instância pela prática de dois crimes – tráfico de estupefacientes, agravado, previsto e punido pelos artigos 21º,  24º, al. c), do DL n.º 15/93, e em autoria material pela prática de um crime de associações criminosas, p. e p. pelo artigo 28º, n.º 3, do mesmo diploma legal nas penas parcelares de, respectivamente, nove (9) anos de prisão e cinco (5) anos) e seis (6) meses de prisão; ii) na ponderação da pena conjunta foi imposta ao arguido a pena única de dez (10) anos e seis (6) meses de prisão; iii) por decisão prolatada no Tribunal da Relação de Lisboa, em 4 de Agosto de 2017, foi o recurso interposto pelo arguido parcialmente provido e o arguido absolvido do crime de associação criminosa, tendo, em consequência sido mantida a condenação pela prática, em co-autoria material do crime de tráfico de estupefaciente por que havia sido condenado em primeira (1ª) instância, com a manutenção da pena imposta na decisão que havia sido objecto de recurso, ou seja na pena de nove (9) anos de prisão.

Ressalta do quadro exposto que i) o arguido foi condenado em primeira (1ª) instância; ii) a condenação imposta em primeira (1ª) instância foi confirmada para melhor na decisão proferida no tribunal da Relação, em via de recurso ordinário.

A confirmação da decisão condenatória proferida em primeira (1ª) instância convola, e/ou transpõe, a apreciação dos prazos de duração e limites da prisão preventiva do quadro normativo de fases processuais, previsto nas alíneas do nº 1 e nº 2 do artigo 215º do Código Processo Penal para o quadro normativo da convalidação do juízo condenatório – quanto à existência da prática de um facto punível, da responsabilização pessoal de um agente pela prática desse facto punível e da imposição de uma pena (ao agente responsável) – por parte de dois órgãos formais de controle. A convalidação de um juízo de condenação (por dois tribunais) não pode equivaler a um juízo de averiguação e incerteza quanto à coonestação de existência de factos puníveis, quanto à autoria desses factos por banda de um determinado sujeito, quanto á formulação de um juízo de culpabilidade e, finalmente, pela opção de imposição de uma pena (neste caso pena privativa de liberdade).

O legislador quis distinguir e separar os dois parâmetros, ou níveis paradigmáticos de validação da medida de coacção de prisão preventiva, distinguindo claramente dois patamares, o primeiro de índole ou feição formativo da aquisição/constituição de elementos que permitam a um órgão jurisdicional de um juízo de verificação da existência de um facto punível, da sua imputação a um concreto sujeito e da formação de um juízo de culpabilidade por parte de um órgão jurisdicional, e o segundo, em que, concluída a consolidação do juízo de culpabilidade do agente e imposição da pena, a prisão preventiva deixou de assegurar os fins a que se destina – assegurar os fins da investigação e formação do juízo de culpa do agente – para passar a cumprir a função de assegurar o funcionamento da dinâmica processual recursiva, mas em que já se criou um quadro de segurança (confirmatório) constituído por veredictos de dois órgãos jurisdicionais.             
O veredicto de coonestação do juízo de sancionamento penal, que havia sido formulado no tribunal de 1ª instância, por parte do tribunal de recurso, altera o quadro de apreciação por que devem ser colimados os prazos de duração de prisão preventiva, transmutando-os do plano da fase de apuramento da responsabilidade penal para a fase de consolidação da dessa responsabilidade, por via recursiva. São dois planos distintos e de diversa densidade teleológico-normativa. Enquanto que no primeiro plano o juízo de culpabilidade e de imposição de um sancionamento penal ainda não está formado e consolidado por um órgão jurisdicional que, apreciada a prova e ouvidas ambas as versões, concluiu pela existência de um facto punível, cuja imputação pode ser feita a um concreto sujeito, no segundo, a função revisora do tribunal de recurso assenta já numa reavaliação do juízo de inculpação já formado, funcionando como reconstrutor de uma realidade jurídico-penal que já teve um veredicto positivo e de afirmação de todos os elementos de culpabilidade de um agente.
O grau de segurança – que tendencialmente se havia formado na decisão condenatória de primeira (1ª) instância – fica, pela coonestação feita na decisão do tribunal de recurso, suficientemente validada para que o legislador presuma pela confirmação dos elementos definidores que concluem pela existência do facto punível, pela imputação desse facto a um concreto agente e pela necessidade de imposição de uma sanção penal.   
Não obsta a essa confirmação e validação da condenação efectuada no tribunal de primeira (1ª) instância o facto de, como é o caso, essa confirmação ter sido parcial e para melhor. O juízo de necessidade de condenação mantém-se, ainda que, no caso, em termos diferentes e com distinta dimensão/extensão sancionatória.   
Concluímos, pois, pela verificação da existência de um quadro normativo integrador do nº 6 do artigo 215º do Código Processo Penal, o que conduz à distensão do prazo de prisão preventiva de dois (2) anos imposto pela alínea d) do nº 1 e nº 2 do citado artigo – ou seja de dois (2) anos – para uma prazo de prisão preventiva de duração igual a metade da pena de prisão que neste momento está imposta, por decisão do tribunal de recurso. 

II.B.2. – Irregularidade de acto anterior à prolação da decisão, em via recursiva.
Constitui jurisprudência corrente uniforme deste Supremo Tribunal de Justiça que a anulação de actos que possam influenciar ou repercutir-se retrospectivamente em actos anteriores não fazem retornar o processo à fase em que os actos anulados tenham sido praticados.     

A questão jurisprudencialmente mais frequente tem glosado sobre a anulação do julgamento o que, na pretensão dos requerentes faria regressar o caso à acusação ou à pronúncia.

Para não irmos mais além permita-se-nos reproduzir aqui, pela munificência e cópia de jurisprudência aí citada, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça – referido na informação do Exmo. Senhor Juiz –, datado de 14 de Maio de 2008, relatado pelo conselheiro Raul Borges. “A questão que se coloca é a de saber se a condenação aplicada nos autos e anulada pelo acórdão da Relação ainda produzirá alguns efeitos, apesar de nula, nomeadamente, quanto ao enquadramento da situação na alínea c) ou d) do nº 1 do artigo 215º do CPP.

Relativamente a esta questão desenham-se na jurisprudência duas correntes.

Uma no sentido de que tendo sido anulada, em sede de recurso, a decisão condenatória da 1ª instância, é como se não existisse qualquer condenação, implicando a anulação que a tramitação processual recuou ao momento anterior ao julgamento, não existindo, assim, qualquer condenação, tudo se passando como se não houvesse qualquer condenação.

Neste sentido pronunciaram-se os seguintes acórdãos:

- de 29-05-2002, processo 2090/02-3ª, donde se extraio seguinte: “Embora o arguido tenha sido julgado e condenado em 1ª instância - pela prática de crime punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos - antes de decorrido o prazo de 2 anos fixado no artigo 215º, nº s 1, al. c) e 2 , do CPP, se a referida decisão final foi anulada, em recurso, pelo Tribunal da Relação, é de considerar que a respectiva tramitação processual recuou ao momento anterior ao julgamento, tudo se passando como se o arguido não tivesse sido julgado em 1ª instância e não houvesse qualquer condenação;

- de 10-10-2001, processo 3333/01 -3ª;

- de 23-10-2002, processo 3617/02 - 3ª, relatado como os anteriores pelo mesmo relator;

- de 29-10-2002, processo 3729/02 - 5ª, versando caso em que fora decretada a anulação do julgamento, na sua totalidade, com determinação de reenvio do processo para novo julgamento.

A outra corrente, que é majoritária, coloca o enfoque nestes pontos:

A anulação do julgamento não tem como efeito a inexistência processual do acto anulado;

A anulação de um julgamento em sede de recurso não implica uma regressão do processo à fase anterior;

Um julgamento anulado não é o mesmo que um julgamento inexistente, pelo que não se pode ignorar a realização daquele ao menos para efeitos de disposto no art. 215º,1, c) do CPP;

A fase processual em causa, para efeitos de contagem da duração máxima da prisão preventiva, é a prevista na alínea d) do nº 1 do artigo 215º do CPP;

A anulação não determina o encurtamento do prazo de duração máxima da prisão preventiva, por regressão do processo à fase anterior, como se a condenação nunca tivesse existido;

A anulação não significa que a condenação deixe de ter existido para o efeito de se julgar ultrapassado o momento processual da alínea c) do nº 1 do art. 215º do CPP;

O que o legislador pretendeu evitar ao fixar os prazos máximos da prisão preventiva é que o arguido esteja preventivamente preso por mais de certo tempo – no caso 2 anos - sem nunca ter sido condenado por um tribunal de 1ª instância, o que seria intolerável do ponto de vista legal, mas não assim quando já houve condenação, não obstante o julgamento ou a sentença terem sido anulados;

O que releva para efeitos da aplicação do prazo previsto na al. d) do nº 1 do art. 215º do CPP é a mera verificação do concreto acto processual ali referido (decisão condenatória) independentemente da sua validade intrínseca (ou seja, de se tratar de uma boa ou má decisão);

Que assim é, resulta da previsão do nº 6 do mesmo artigo, que alarga o prazo máximo da prisão preventiva para metade da pena fixada em 1ª instância nos casos em que a decisão condenatória é confirmada pelo tribunal superior, o que aponta no sentido de que aquilo que está na base de fixação do prazo da al. d) do nº 1 não é a correcção ou bondade da decisão condenatória, antes a existência da decisão tout court.

Como se afirmou no acórdão do STJ, de 21-12-1994, in CJSTJ 1994, tomo 3, p. 264, «… assente, com base em certos factores e fases processuais previstos na lei, determinado prazo máximo de prisão preventiva, inaceitável se torna que tal prazo possa vir a ser reduzido para medida inferior em consequência de anulação de um julgamento entretanto realizado.

Tal anulação não tem nem pode ter como alcance o apagar por completo da vida jurídica o anterior julgamento, pois o que aquela implica é tão só que este não produz os seus efeitos úteis normais, sem que com isso se possa dizer que nunca foi efectuado. Não estamos perante inexistência desse julgamento mas, apenas, da respectiva nulidade, ou seja, da impossibilidade legal de dele serem extraídos os efeitos úteis normais.

 Por isso, quando ocorra anulação de julgamento anteriormente realizado, por via de interposto recurso, o processo já ultrapassou a fase de inexistência de julgamento na 1ªinstância, prevista na alínea c) do nº 1 do art. 215º do CPP e saltou para a imediata, prevista na alínea d) do mesmo nº e artigo, a de inexistência de condenação com trânsito em julgado».

Para além do acórdão de 05-05-2005, processo 1692/05 - 5ª, citado pelo Exmo. Juiz na informação dada, que versou sobre decisão instrutória de pronúncia revogada parcialmente em recurso, mas com fundamentação idêntica, pronunciaram-se no mesmo sentido os seguintes acórdãos: (…) – suprimiram-se os acórdãos citados na informação supra referida.

No nosso caso o acórdão condenatório está ferido de nulidade, prevista no artigo 379º, nº 1, alínea a), do CPP, vício que se não confunde com o da inexistência jurídica.

Nesta estão em causa vícios do acto mais graves do que os que a lei prevê como constituindo nulidades. A função da inexistência - categoria que foge a toda a previsão normativa - é precisamente a de ultrapassar a barreira da tipicidade das nulidades e da sua sanação pelo caso julgado - a inexistência, ao contrário das nulidades, é insanável.

Tal categoria afasta-se do princípio geral da tipicidade das nulidades e de igual princípio geral da sua sanação.

Declarada a invalidade do acto é ordenada a sua repetição e aproveitados todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela, regressando o processo ao estádio em que o acto nulo foi praticado. (cfr. a propósito, Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, volume II, 88).

Para Cavaleiro de Ferreira, Curso de Processo Penal, I volume, edição dos SSUL, 1972-1973, p. 285/9, a anulação de um acto supõe a sua existência jurídica; há que declarar a sua nulidade. O acto pode porém, não ter consistência jurídica, e enquanto inexistente não carece mesmo de ser objecto de anulação. (…) O acto nulo não produz quaisquer efeitos, mas, em si mesmo, não seria inidóneo para os produzir; inexistente é o acto que não só não produz quaisquer efeitos jurídicos, como em caso algum poderia produzir. O primeiro é inidóneo, em acto, para a produção de efeitos jurídicos; o segundo é inidóneo também em potência.

Os actos nulos, ao contrário dos inexistentes, têm ainda idoneidade para originar caso julgado.

(…) Um acto inexistente não é susceptível de produzir quaisquer efeitos, e é por isso que não carece de ser anulado, nem o acto se refaz ou a inexistência é absorvida pelo trânsito em julgado; o acto judicial inexistente não dá nunca lugar a caso julgado.

Os actos inexistentes não carecem de ser anulados.

Sobre a questão debruçou-se o Tribunal Constitucional em duas situações:

Acórdão nº 404/2005, de 22 de Julho de 2005, processo 546/2005, publicado in DR, II Série, de 31-03-2006 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 62º volume, p.1095 e ss., versou a questão suscitada no âmbito de recurso interposto do supra citado acórdão do STJ, de 1 de Junho de 2005, processo 2026/05 - 3ª, decidindo não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 215º, nº1, alínea c), com referência ao nº 3, do CPP, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a sentença condenatória em 1ª instância, mesmo que em fase de recurso, venha a ser anulada por decisão do Tribunal da Relação.

Abordando o entendimento de que a anulação da condenação não tem como efeito o regresso ao primeiro limite (no nosso caso à alínea c)), defende que esse entendimento, além de se mostrar juridicamente fundado na distinção entre os efeitos da nulidade e da inexistência, mostra-se adequado aos objectivos do legislador, pois respeita a intenção de o processo chegar à fase da condenação em 1ª instância sem ultrapassar 3 anos de prisão preventiva, e não se mostra directamente violador de qualquer norma ou princípio constitucionais.

Referindo-se ao julgamento, que constitui o momento culminante do processo, afirma que esta realidade jurídica representa o atingir de uma fase específica do processo penal, que não «desaparece» totalmente pela eventualidade de o julgamento vir a ser anulado. «Esta anulação, que aliás pode ser total ou meramente parcial, com reenvio do processo apenas para novo julgamento das questões concretamente identificadas na decisão de recurso, tal como a confirmação, alteração ou revogação da decisão recorrida, inserem-se já noutra fase processual, a fase dos recursos, cujo prazo máximo de prisão preventiva é o fixado na alínea d) e não na alínea c), do nº 1 do artigo 215º do CPP».

«Segundo a jurisprudência do Tribunal Europeu dos Direitos do Homem, o período de tempo a considerar como prisão preventiva «termina com a decisão, em 1ª instância, sobre o mérito da acusação» (Irineu Cabral Barreto, ob. cit, p. 107, com citação de diversa jurisprudência nesse sentido), o que está associado ao entendimento de que o que o nº 3 do artigo 5º da Convenção (Europeia dos Direitos do Homem) garante é que qualquer pessoa presa ou detida tem direito a ser julgada num prazo razoável. Este julgamento é o julgamento em 1ª instância; efectuado este, entra-se já na fase dos recursos e aí a regra que valerá é a do artigo 6º, nº 1, sendo sabido que prazo razoável para efeitos do artigo 5º, nº 3, é diferente de prazo razoável para efeitos do artigo 6º, nº1»

Este acórdão foi seguido de muito perto pelo Acórdão nº 208/2006, de 22 de Março de 2006, processo 161/2006, in DR, II Série, de 04-05-2006 e Acórdãos do Tribunal Constitucional, 64º volume, p. 823 e ss., para cuja fundamentação remete.

Incidiu sobre o supra referido acórdão do STJ, de 01-02-2006, processo 1834/05 - 3ª, versando igualmente a questão e decidiu não julgar inconstitucional a norma constante do artigo 215º, nº1, alínea c), com referência ao nº 2, do Código de Processo Penal, na interpretação que considera relevante, para efeitos de estabelecimento do prazo máximo de duração da prisão preventiva, a decisão condenatória proferida em 1ª instância, ainda que, em fase de recurso, se venha a determinar a repetição do julgamento em 1ª instância, a fim de se proceder à documentação de declarações.

No caso concreto a condenação, que existiu, surtiu efeitos, desde logo o recurso que determinou a sua invalidação parcial e repetição parcial da deliberação e votação a que alude o artigo 365º, nº 3 do CPP.

Estamos perante uma nulidade de sentença (não também da audiência de julgamento) decretada pela Relação, meramente parcial, com os contornos, sentido, alcance e consequências definidas no acórdão anulatório.

O CPP de 1929 não continha disposições reguladoras de nulidades de sentença, sendo então aplicáveis as disposições gerais e as do processo civil.

Com o CPP de 1987 a nulidade passou a estar prevista no artigo 379º, tendo a reforma da Lei nº 59/98, de 25-08 introduzido a alínea c) e o nº 2, passando a partir daqui a ser claro que tal nulidade é de cognição oficiosa.

Antes, porém, discutira-se se se tratava de nulidade absoluta ou se a mesma era sanável, sendo a questão resolvida pelo assento de 6 de Maio de 1992, in DR, I-A, nº 180, de 06-08-1992, no sentido de não ser insanável a nulidade da alínea a) do nº 1 do artigo 379º do CPP, consistente na falta de indicação na sentença penal das provas que serviram para formar a convicção do tribunal ordenada pelo artigo 374º, nº 2, não lhe sendo aplicável a disciplina do artigo 119º do mesmo Código.

No caso em apreço está-se, pois, face a nulidade sanável declarada oficiosamente, cingindo-se a declaração de nulidade a um aspecto restrito da decisão em si, intocada restando a audiência de julgamento.

Não é caso de repetição do julgamento, de produção de prova, não acarretando a decisão da Relação a invalidade das diligências feitas em julgamento como a produção de prova, estando fixados os factos; o acórdão da 1ª instância não perdeu eficácia neste aspecto.

Não se trata da necessidade de efectuar novo julgamento que poderia ter lugar em razão de reenvio determinado por verificação de vício decisório do artigo 410º, nº 2 do CPP; não haverá produção de prova, não terá lugar aplicação do artigo 369º; a audiência reabrir-se-á apenas para os restritos efeitos determinados no acórdão da Relação na sua fase necessariamente secreta – artigo 367º do CPP – não havendo lugar a um efectivo e novo julgamento, havendo apenas que, para colmatar o vício indicado, após discussão, deliberação e votação, proferir novo acórdão.

Como decorre do artigo 122º, nº 1 do CPP, as nulidades tornam inválido o acto em que se verificarem, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectar, estabelecendo o nº 2 que a declaração de nulidade determina quais os actos que passam a considerar-se inválidos e ordena, sempre que necessário e possível, a sua repetição, esclarecendo o nº 3 que ao declarar uma nulidade o juiz aproveita todos os actos que ainda puderem ser salvos do efeito daquela.

Em causa está apenas o não cabal cumprimento da injunção constante do nº 2 do artigo 374º do CPP.

O vício será sanado através de novo acto de deliberação e votação em que se aperfeiçoe a decisão de fundamentação da decisão sobre a matéria de facto, suprindo as deficiências apontadas, sendo apenas esse o segmento em crise, com a reelaboração de novo acórdão.

A nova formulação visará permitir o exame do processo lógico ou racional subjacente à formação da convicção e o permitir averiguar se foi ou não violada norma sobre proibição de prova; tenderá a explicitar o processo de apreciação e o modo de valoração das piéces à conviction presentes, dando a conhecer as razões de credibilidade e de convencimento das fontes de prova analisadas.

O acórdão não se apagou por completo, não está ferido de morte, não foi eliminado, persiste, subsiste, embora não em toda a sua plenitude.

Na verdade, o julgamento e a condenação, se bem que não definitiva, já surtiu alguns efeitos, ressalvados pelo sentido e alcance restritivos da invalidação, encontrando-se delimitados os campos de actuação e de cognição no processo.

O que está em causa é a correcção da motivação da decisão de facto, o que significa que o segmento da fundamentação de facto, o acervo adquirido dos factos provados e não provados - artigo 374º, nº 2, do CPP - manter-se-á, a facticidade a ter em conta está definitivamente assente, como no lugar paralelo da acção cível, estando em causa tão só a exposição do exame crítico, manter-se-á o que já se encontrava assente e o que resultou fixado das respostas à base instrutória ou tenha emergido da discussão da causa.

A base factual provada e não provada não é passível de modificação.

Na intervenção da 1ª instância apenas se terá em vista suprir a deficiência apontada e não proceder a alteração da matéria de facto e da decisão.

 O substracto fáctico, fulcral, fundamental e imprescindível mantém-se; a nulidade é apenas parcial, afectando o acto decisório naquele específico segmento, “subsistindo” a parte não inquinada; de todo em todo, não pode afirmar-se que não existe o acórdão condenatório da 2ª Vara Criminal de Lisboa.

Na lógica da inexistência do acórdão condenatório sempre se poderia dizer que apagada a condenação subsistiria a acusação e nessa linha estaria em equação a prática de crime de homicídio qualificado.

A anulação do acórdão tem efeitos inibitórios, diminuindo as hipóteses decisórias, restringindo o campo de actuação do tribunal, mantendo-se a conformação do thema probandum e decidendum, a demarcação da vinculação temática, que se encontram delimitados pelos contornos assumidos na decisão.

 Não poderá requalificar-se a conduta do arguido no que respeita ao homicídio, volvendo à qualificação constante da acusação e encontrando-se igualmente fixados os limites da pena, valendo o princípio da proibição da reformatio in pejus - artigo 409º do CPP.

No caso presente foi proferida decisão condenatória por um tribunal em audiência pública, com produção de prova sujeita a contraditório, numa fase processual, finda a qual se iniciou uma outra - a fase de recurso - na qual se insere a decisão de repetição na 1ª instância da análise dos meios de prova, aferição das razões da credibilidade e convencimento das fontes, procedendo ao exame crítico das provas e exposição do iter que conduziu à fixação da facticidade naquele sentido e não noutro

É de concluir que houve uma condenação em 1ª instância, embora não tivesse ainda sido objecto de trânsito em julgado.

Como se diz no supra citado acórdão de 22-12-2003, a alínea c) do nº 1 do artigo 215º do CPP não se refere a sentença definitiva (a esse momento processual refere-se a alínea seguinte) nem se preocupa com as vicissitudes por que eventualmente passe, depois cde proferida pelo tribunal competente. Tem em vista apenas um determinado patamar do iter processual e esse foi, sem dúvida, alcançado

De acordo com o artigo 215º, nº 1, alínea d) e nº 2, do CPP, o prazo de duração máxima da prisão preventiva a ter em conta é o de dois anos; tendo o peticionante sido preso em 8 de Outubro de 2006, tal prazo perfar-se-á apenas em 8 de Outubro de 2008, não se verificando qualquer excesso de prisão preventiva.

 Do exposto resulta que o requerente se encontra preso com base em despacho judicial, sem que se mostre ultrapassado ou excedido o prazo de prisão preventiva, falecendo claramente o fundamento legal do petitório de habeas corpus, in casu, a situação prevista na alínea c) do nº 2 do art. 222º do CPP, sendo forçoso concluir que a solução só pode ser a prevista no art. 223º nº4, alínea a) do CPP: indeferir o pedido por falta de fundamento bastante.” [[9]

Os actos processuais, ainda que feridos de nulidade, não podem deixar de ser apreciados no conspecto jusprocessual em que são proferidos, e logo nas consequências e implicações internas (endoprocessuais) que ocasionam, conectadas com a função que exercem e importam na tessitura de actos (sucessivos) em que se desenvolve um procedimento.

Não se nos afigura despiciendo lembrar, aqui e agora, o que a propósito das consequências e efeitos da declaração de nulidade (absoluta) que deva ser ditada a propósito das proibições de prova, foi escrito pelo Mestre coimbrão, Professor Figueiredo Dias, na Revista de Legislação e Jurisprudência, Ano 146º (Setembro-Outubro de 2016), nº 1400, págs. 9-10, a propósito de um acórdão do Tribunal Constitucional (nº 607/2003), relatado pelo Professor Rui Moura Ramos: “Ora, venho desde há muito acentuando tanto no meu ensino, como nos meus escritos [[10]], que a matéria processual penal (a relativa quer a problemas fundamentais, quer a meras questões pragmáticas, técnicas e instrumentais) é por sua natureza conflitual, no preciso sentido do conflito entre o dever geral do Estado de realização de um processo penal eficiente, capaz de em tempo côngruo alcançar decisões justas dos casos da vida, e o não menos indeclinável dever estadual de proteção das liberdades fundamentais da pessoa.

Tanto o legislador, coma o aplicador do processo penal têm de ter clara consciência de que, sempre que se alargue ou estreite a consistência de um direito fundamental processualmente relevante, estar-se-á inversamente a estreitar ou alargar a consistência de direitos fundamentais conflituantes, seja de direitos do próprio Estado, de instituições, de corporações ou das vítimas reais e potenciais, que atuam no processo penal ou sofrem, direta ou indiretamente, as suas consequências. Por isso, a correta solução de um questionado problema processual penal tem como suposto decisivo que o aplicador leve previamente a cabo uma operação de ponderação das valorações conflituantes, para se decidir em princípio em favor da valoração que deva reputar-se preferível, por dominante [[11]],

Com esta operação de balancing of values não se esgotará porém em todos os casos a tarefa do aplicador, podendo tornar-se ainda indispensável cumprir urna complexa tarefa de harmonização, otimização ou concordância prática [[12]] das valorações conflituantes. Tarefa que implica uma mútua compressão dos valores ou das finalidades em conflito, por forma a atribuir a cada um ou cada uma a máxima eficácia possível. O que quer dizer que de cada valor ou finalidade se deve salvar o máximo conteúdo possível, sem prejuízo da preponderância do valor ou da finalidade que começou por reputar-se dominante. Assim otimizando os ganhos e limitando, na medida viável, as perdas axiológicas e funcionais (neste sentido devendo ser interpretado o art.º 18.° da nossa Constituição da República).

Nesta dupla operação intervirão para o aplicador, de toda a forma, duas limitações. Uma limitação relativa, quando suceda que o resultado do conflito de valores seja explicitamente levado a cabo pelo legislador ordinário. Nestes casos, que ocorrerão provavelmente com pequena frequência, o aplicador tem de seguir a imposição da lei ordinária, salvo caso de inconstitucionalidade. Restando saber se, existindo uma declaração legislativa expressa, para que se aceite uma autêntica proibição de prova bastará uma qualquer norma de direito ordinário que a consagre, ou se tornará necessária uma “cobertura” desta por uma norma jurídico-constitucional atinente à defesa dos direitos, liberdades e garantias das pessoas. Sem querer tomar aqui uma posição definitiva sobre a questão [[13]], o disposto no art.º 32.°-8 da Constituição (segundo o qual são “nulas todas as provas obtidas mediante tortura, coação, ofensa da integridade física ou moral da pessoa, abusiva intromissão na vida privada, no domicílio, na correspondência ou nas telecomunicações”) constituirá porventura base suficientemente ampla e pormenorizada para constituir — e até por excesso, de certa perspetiva já aludida [[14]] que, a ser procedente, deveria conduzir a um seu entendimento restritivo — o fundamento necessário à afirmação de uma proibição de prova.

Uma outra limitação (esta sim absoluta) ocorrerá naquelas hipóteses em que a decisão a favor da valoração dominante contrarie a essencial dignidade humana([15]); caso em que terá de conferir-se à salvaguarda desta dignidade essencial valor decisivo do conflito, ainda mesmo quando tal implique não apenas a diminuição, mas verdadeiramente a aniquilação do valor contraposto. Porque a defesa da dignidade essencial da pessoa constitui limite terminante de toda a intervenção estatal.

É justamente a isto que chamo o problema político do processo penal numa democracia constitucional. Um problema político no mais puro e rigoroso entendimento do designativo, na medida em que nele se defrontam duas questões primordiais da função protetora do Estado de Direito: protetora dos direitos humanos fundamentais; mas por igual protetora do conjunto das pessoas constituídas em Estado.”

Afigura-se-nos, portanto, e mutatis mutandis, que os órgãos de administração da justiça não podem deixar de proceder a este balancing of values e verificar em cada momento quais as consequências que derivam da declaração de nulidade de um acto judicial.

Numa outra ordem jurídica as nulidades – cuja classificação se configura tripartida: absolutas, intermédias e relativas (artigos 177º a 186º do Codice de Procedura Penale) – têm o efeito que a lei lhes prescreve, sendo que as nulidades relativas – como é o caso da nulidade (irregularidade) apontada à omissão do acto de notificação do suposto parecer – só afectam os actos (consequentes e sucessivos) de que dependa, de forma directa e necessária, o acto que venha a ser declarado nulo. O acto omitido não afecta de forma necessária e directa qualquer dos actos praticados consequencialmente pelo que não seria de ponderar a anulação do acto decisório que lhe sucedeu e que mantém, por isso, plena validade. [[16]]         

O acto judicial que se pretende ver anulado, bem como os actos posteriores desenvolvidos no processo, inclusive a decisão que conformou in mellius a decisão (condenatória de 1ª instância – o mesmo é dizer o acto que reputam ervado de invalidade formal – consubstancia-se na ausência de notificação de um acto processual (obrigatório por lei) exercitado no processo pelo Ministério Público junto do Tribunal da Relação de Lisboa.

Não sendo esta a sede própria para largas e extensas considerações acerca da natureza da desconformidade do acto e com isso produzirmos qualquer consideração acerca do decidido pelo tribunal da relação não deixaremos de ponderar que o desvio de formalismo que ditou a nulidade do acto, não se configura de modo a poder afectar de forma decisiva a fase de julgamento em que o processo se encontra. 

O acto anulado não se repercute na essencialidade da fase em que o processo se encontra, dado que não atingiu valorações e direitos susceptíveis de pôr em crise todos os actos que se praticaram após o acto cuja anulação foi decretada.

Versando o caso em que o requerente de uma providência de habeas corpus pretendeu adjungir a pretensão-quadro com a alegação/extensão de situações em que o acto de que pretendia fazer derivar o pedido estaria ervado de nulidade, ou inutilizado por um acto inválido que afectaria a validade do acto decisório, escreveu-seno acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12 de Dezembro de 2009, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral, (supra citado) (sic): “Perante o quadro exposto importa reavivar posição sufragada uniformemente por este Supremo Tribunal no sentido de que a petição de habeas corpus contra detenção ou prisão ilegal, inscrita como garantia fundamental no artigo 31º da Constituição, tem tratamento processual nos artigos 220º e 222º do CPP, que estabelecem os fundamentos da providência, concretizando a injunção e a garantia constitucional.  A providência de habeas corpus é uma providência excepcional, destinada a garantir a liberdade individual contra o abuso de autoridade, como refere CAVALEIRO DE FERREIRA, Curso de Processo Penal, 1986, p. 273, que a rotula de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional. Na mesma dimensão argumentativa se situa, entre outros, GERMANO MARQUES DA SILVA, para o qual a providência de habeas corpus é «uma providência extraordinária com a natureza de acção autónoma com fim cautelar, destinada a pôr termo, em muito curto espaço de tempo, a uma situação de ilegal privação de liberdade», (Curso de Processo Penal, T. 2º, p. 260).

 Nos termos ao artigo 222º do CPP, que se refere aos casos de prisão ilegal, a ilegalidade da prisão que pode fundamentar a providência deve resultar da circunstância de a prisão ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; ter sido motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou quando se mantiver para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial - alíneas a), b) e c) do nº 2 do artigo 222º do CPP.

Conforme se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de 2 de Fevereiro de 2005 ( Relator Juiz Conselheiro Henriques Gaspar) “No âmbito da decisão sobre uma petição de habeas corpus, não cabe, porém, julgar e decidir sobre a natureza dos actos processuais e sobre a discussão que possam suscitar no lugar e momento apropriado (isto é, no processo), mas tem de se aceitar o efeito que os diversos actos produzam num determinado momento, retirando daí as consequências processuais que tiverem para os sujeitos implicados.

 A providência de habeas corpus não decide, assim, sobre a regularidade de actos do processo com dimensão e efeitos processuais específicos, não constituindo um recurso de actos de um processo em que foi determinada a prisão do requerente, nem um sucedâneo dos recursos admissíveis.

 Na providência há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, valendo os efeitos que em cada momento produzam no processo, e independentemente da discussão que aí possam suscitar e a decidir segundo o regime normal dos recursos, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no artigo 222º, nº 2 do CPP.”

A providência em causa assume uma natureza excepcional, a ser utilizada quando falham as demais garantias defensivas do direito de liberdade, para estancar casos de detenção ou de prisão ilegais por isso que a medida não pode ser utilizada para impugnar outras irregularidades ou para conhecer da bondade de decisões judiciais, que têm o recurso como sede própria para a sua reapreciação. Como refere Cláudia Santos “Confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente”( Cfr., Cláudia Cruz Santos, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, fascículo 2.º, págs. 309) .

A providência excepcional em causa, não se substitui nem pode substituir-se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, para os casos indiscutíveis de ilegalidade, que, por serem-no, impõem e permitem uma decisão tomada com imposta celeridade

Como afirmou este mesmo Supremo Tribunal no seu Acórdão de 16 de Dezembro de 2003, proferido no procedimento de habeas corpus n.º 4393/03-5, trata-se aqui de «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objecto de recurso ordinário e ou extraordinário. Processo excepcional de habeas corpus este, que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (…)».

A situação configurada no caso que nos ocupa, não se nos afigura ser similar ou comparável à que foi decidida no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15 de Abril de 2015.

Decidiu-se no acórdão em questão que (sic): “O requerente invoca o fundamento da alínea c), alegando que o prazo máximo de prisão preventiva é, nos termos do artº 215º, nºs 1, alínea d), e 2, de 2 anos, que já decorreram, não sendo de aplicar a disposição do nº 6 desse preceito, por a anulação do acórdão da Relação de 11/08/2014, que confirmava a decisão de 1ª instância, ser um obstáculo a que desse acórdão se retire a consequência prevista nessa norma.

A este propósito, fala ainda da possibilidade de o acórdão de 11/08/2014 ser mesmo inexistente. Mas sem fundamento. Desde logo porque no processo foi decidido, com trânsito em julgado, que o vício verificado é uma nulidade, com previsão na alínea a) do artº 119º do CPP. De resto, foi com esse fundamento que o requerente pediu a anulação do acórdão.

Porém, assiste-lhe razão no ponto em que defende a não aplicação ao caso da regra do nº 6 do artº 215º.

Com efeito, invalidado o acórdão da Relação de 11/08/2014, deixou de haver decisão confirmatória do acórdão condenatório proferido em 1ª instância. Sobre o recurso interposto da condenação pronunciada em 1ª instância há-de ser proferida nova decisão, com a participação de uma diferente formação de juízes, decisão essa que pode ser ou não confirmatória daquela, devendo ainda notar-se que a confirmação pode sê-lo em medida (in melius) que nem determine a elevação do prazo máximo de prisão preventiva prevista no nº 6 do artº 215º.

Veja-se que, se antes da anulação do acórdão de 11/08/2014, se houvesse decidido que, em função do seu carácter confirmatório da decisão condenatória de 1ª instância, o prazo máximo de prisão preventiva era elevado para metade da pena aplicada, a invalidade desse acórdão, por aplicação do nº 1 do artº 122º [«As nulidades tornam inválido o acto em que se verificam, bem como os que dele dependerem e aquelas puderem afectarem »], implicaria também a invalidade do acto em que tivesse sido decidida a elevação do prazo.

O Supremo Tribunal de Justiça já por mais de uma vez recusou a aplicação da disposição do nº 6 do artº 215º em casos como este. Fê-lo, por exemplo, em acórdãos de 20/09/2007, no processo nº 3470/07, de 05/03/2009, no processo nº 1126/06, e de 27/07/2010, no processo nº 126/10.2YFLSB, todos da 5ª secção, podendo ler-se no último, que se encontra disponível em Sumários de Acórdãos do STJ:

“Porém, a decisão da Relação deixou de prevalecer, porque foi anulada pela decisão sumária deste Supremo Tribunal e, se é certo que uma decisão anulada produz alguns efeitos (nisso se distinguindo da inexistência), não pode todavia produzir os efeitos jurídicos próprios a que tendia e ser tida como confirmatória da condenação proferida pela 1ª instância, com isso elevando o prazo máximo de prisão preventiva para metade da pena aplicada.

Não se pode considerar que, tendo o prazo de prisão preventiva sido elevado para metade da pena aplicada, por efeito da prevalência da confirmação da condenação proferida pela 1ª instância durante um certo lapso de tempo, esse prazo se mantém para sempre, porque a confirmação deixou de subsistir com a anulação decretada pelo STJ, sendo ela a condição essencial para a elevação do referido prazo”. [[17]]

Na verdade, enquanto que no acórdão que acaba por ser transcrito, a decisão do tribunal da Relação havia sido anulada, na situação decidenda o acórdão condenatório, e confirmativo (in mellius) da decisão de primeira (1ª) instância, subsiste na sua plenitude, por, conforme informação prestada, via telefónica, pelo tribunal da Relação, ainda não foi proferida decisão quanto à subsistência da irregularidade arguida.

O acórdão confirmatório, mantém a sua validade para efeitos da aplicação ao caso do disposto no artigo 215º, nº 6 do Código Processo Penal.   

III. – DECISÃO.

Na defluência do exposto, decidem os juízes que constituem este colectivo, em:

- Julgar inverificados os pressupostos de que depende a concessão do habeas corpus no caso concreto e consequentemente, indeferir o pedido requestado por carência de fundamento.

- Condenar o requerente nas custas fixando a taxa de justiça em 3 UC´s.

              Lisboa, 31 de Agosto de 2017

-------------------------

[1] Cfr, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 1 de Fevereiro de 2007, relatado pelo Conselheiro Pereira Madeira.

A providência de habeas corpus tem, como resulta da lei, carácter excepcional.
Não já, no sentido de constituir expediente processual de ordem meramente residual, como outrora aqui vinha sendo entendida, antes, por se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema ou excepcional, haja ou não ainda aberta a via dos recursos ordinários.

“E é precisamente por pretender reagir contra situações de excepcional gravidade que o habeas corpus tem de possuir uma celeridade que o torna de todo incompatível com um prévio esgotamento dos recursos ordinários”.

Porque assim, a petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do artigo 222.º do Código de Processo Penal:

a) Ter sido [a prisão] efectuada ou ordenada por entidade incompetente;

b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite;

c) Manter-se para além dos prazos fixados por lei ou por decisão judicial.

“Exemplos de situações abrangidas por estas disposições poderiam encontrar-se na prisão preventiva decretada por outrem que não um juiz; na prisão preventiva aplicada a um arguido suspeito da prática de crime negligente ou punível com pena de prisão inferior a três anos; na prisão preventiva que ultrapasse os prazos previstos no artigo 215.º do C.P.P.

Confrontamo-nos, pois, com situações clamorosas de ilegalidade em que, até por estar em causa um bem jurídico tão precioso como a liberdade, ambulatória (...) a reposição da legalidade tem um carácter urgente”.

Mas a providência excepcional em causa, não se substitui nem pode substituir-se aos recursos ordinários, ou seja, não é nem pode ser meio adequado de pôr termo a todas as situações de ilegalidade da prisão. Está reservada, quanto mais não fosse por implicar uma decisão verdadeiramente célere – mais precisamente «nos oito dias subsequentes» ut art.º 223.º, n.º 2, do Código de Processo Penal – aos casos de ilegalidade grosseira, porque manifesta, indiscutível, sem margem para dúvidas, como o são os casos de prisão «ordenada por entidade incompetente», «mantida para além dos prazos fixados na lei ou decisão judicial», e como o tem de ser o «facto pela qual a lei a não permite».

Pois, não se esgotando no expediente de excepção os procedimentos processuais disponíveis contra a ilegalidade da prisão e correspondente ofensa ilegítima à liberdade individual, o lançar mão daquele só em casos contados deverá interferir com o normal regime dos recursos ordinários. Justamente, os casos indiscutíveis de ilegalidade, que, por serem-no, impõem e permitem uma decisão tomada com imposta celeridade. Sob pena de, a não ser assim, haver o real perigo de tal decisão, apressada por imperativo legal, se volver, ela mesma, em fonte de ilegalidades grosseiras, porventura de sinal contrário, com a agravante, agora, de serem portadoras da chancela do Mais Alto Tribunal.

Exactamente por isso, a matéria de facto sobre que há-de assentar a decisão de habeas corpus tem forçosamente de ser certa, ou, pelo menos, estabilizada, sem prejuízo de o Supremo Tribunal de Justiça poder ordenar algumas diligências de última hora – art.º 223.º, n.º 4, b), do Código de Processo Penal – mas sempre sem poder substituir-se à instância de julgamento da matéria de facto, e apenas como complemento esclarecedor de eventuais lacunas de informação do quadro de facto porventura subsistentes, com vista à decisão, ou seja, na terminologia legal, cingidas a esclarecer «as condições de legalidade da prisão».

Como afirmou este mesmo Supremo Tribunal no seu acórdão de 16 de Dezembro de 2003, proferido no procedimento de habeas corpus n.º 4393/03-5, trata-se aqui de «um processo que não é um recurso mas uma providência excepcional destinada a pôr um fim expedito a situações de ilegalidade grosseira, aparente, ostensiva, indiscutível, fora de toda a dúvida, da prisão e, não, a toda e qualquer ilegalidade, essa sim, possível objecto de recurso ordinário e ou extraordinário. Processo excepcional de habeas corpus este, que, pelas impostas celeridade e simplicidade que o caracterizam, mais não pode almejar, pois, que a aplicação da lei a circunstâncias de facto já tornadas seguras e indiscutíveis (…)».

“(…) Pelo contrário, os recursos de agravo previstos no artigo 219.º [do Código de Processo Penal] podem ter outros fundamentos, sobretudo os relacionados com a inexistência de uma necessidade cautelar que torne indispensável a aplicação da medida de coacção; com a não adequação da medida à necessidade cautelar; com a desproporcionalidade da medida face ao perigo que se visa evitar. Pense-se, a título de exemplo, em situações em que não se verifique qualquer perigo de fuga do arguido, de perturbação da ordem ou tranquilidade pública ou de continuação da actividade criminosa; em casos em que a medida aplicada não é idónea a garantir a não ocorrência do perigo que se receia; ou ainda na aplicação de uma medida demasiado gravosa tendo em conta outras que deveriam ser preferidas por menos desvaliosas e igualmente eficazes ou tendo em conta a gravidade do delito cometido e a sanção que previsivelmente lhe será aplicada”.

A natureza sumária e expedita da decisão de habeas corpus, por outro lado, não permite que, quando o aspecto jurídico da questão se apresente altamente problemático, o Supremo se substitua de ânimo leve às instâncias, ou mesmo à sua própria eventual futura intervenção no caso, por via de recurso ordinário, e, sumariamente, ainda que de modo implícito, possa censurar aquelas por haverem levado a cabo alguma ilegalidade, que, como se viu, importa que seja grosseira. Até porque, permanecendo discutível e não consensual a solução jurídica a dar à questão, dificilmente se pode imputar, com adequado fundamento, à decisão impugnada, qualquer que ela seja – mas sempre emanada de uma instância judicial – numa apreciação pouco menos que perfunctória, o labéu de ilegalidade, grosseira ou não.

Assim sendo, há que ver se a situação concreta se submete à previsão da invocada hipótese legal de habeas corpus.

A resposta – adianta-se já – é negativa.

Por um lado, a situação de facto está longe de devidamente estabilizada.

Com efeito, se o recurso da decisão final tiver como destino o tribunal da relação, (como o tiveram já, como se viu, os do despacho que ordenou a prisão preventiva), a esta compete conhecer de facto e de direito – art.º 428.º, n.º 1, do Código de Processo Penal – pelo que os factos a considerar ainda são provisórios e não devidamente estabilizados. E, acaso tal recurso seja dirigido directamente ao Supremo Tribunal de Justiça, também aqui, por via dos mecanismos previstos nos artigos 410.º, n.ºs 1 e 2, e 426.º, do mesmo Código, a matéria de facto pode ter de vir a ser reapreciada.

Entretanto, importa ter em conta que, como também ficou relatado, e consta da informação prestada, havendo sido requerida instrução, o arguido foi objecto de despacho de pronúncia, ainda que, como se apurou agora, não transitado em julgado, é certo, mas havendo o recurso sido admitido com efeito meramente devolutivo, não suspendeu os efeitos do despacho em causa, ou seja a pronúncia do arguido pela prática, em autoria material e em concurso real, de um crime de sequestro, previsto e punido pelo artigo 158.º, n.º 2, alíneas a) e c), do Código Penal, e um crime de subtracção de menor, previsto e punido pelo artigo 249.º, n.º 1, alínea c), do mesmo diploma legal. Tanto mais, que o recorrente não se insurge ali – como não podia insurgir-se, de resto – contra a qualificação dos factos, mas, tão só, contra a alegada inobservância de formalidades processais.

O que significa que, até trânsito em julgado da decisão final que sobre o mérito da acusação houver de ser proferida, ou, pelo menos, da decisão do recurso do despacho em causa, que se lhe sobreponha, mantém-se de pé a força atribuída aos indícios coligidos naquele despacho do juiz instrutor e respectiva qualificação, pois, como se sabe, «no momento da decisão instrutória o que o tribunal decide é que há elementos que indiciam a responsabilidade do arguido» (7), ou que «no despacho de pronúncia o tribunal […] decide sobre a existência de indícios de que se verifiquem os pressupostos da aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança e que o processo está em condições de prosseguir para a fase de julgamento», embora não decida sobre a efectiva verificação dos pressupostos da punibilidade, o que só acontecerá em sede de decisão final do caso.

Ora, como é de lei, não é necessário para efeito de fundar a prisão, que haja a certeza de o arguido haver cometido um crime a que corresponda prisão preventiva.

Basta, segundo o disposto no artigo 202.º, n.º 1, a), do Código de Processo Penal, (e descurando agora os demais pressupostos da prisão preventiva que não vêm ao caso), a existência de «fortes indícios» da prática de crime doloso punível com pena de prisão de máximo superior a três anos». Condição esta a que o despacho judicial de pronúncia continua a dar cobertura até que o futuro trânsito em julgado, quer da decisão do recurso que o tem como objecto, quer da decisão final, por ora ainda inexistente, processualmente, se lhe sobreponha.

Por outro lado, e tenha ou não cabimento em sede de habeas corpus a indagação do acerto sobre a qualificação jurídica dos factos em causa, o certo é que, pelos motivos apontados, essa qualificação a que haja de chegar-se por tal via, há-se ser segura, indiscutível, sem margem para dúvidas, e desse modo, se for o caso, levar à decisão de libertação imediata do preso.

Só que, no caso sub judice, a incriminação, para além do que fica dito sobre a actual transitoriedade do quadro de facto a que importará atender, será, decerto, no mínimo, pouco pacífica, nomeadamente quanto à questão de saber se os factos revelam aptidão para que possa concluir-se pela prática de um crime de sequestro. Basta atentar na circunstância, de, ainda recentemente – Acórdão de 01-02-2006, proc. n.º 3127/05, 3.ª Secção – este mesmo Alto Tribunal ter tido como tal um quadro de facto muito semelhante).

Questão largamente controvertida, assim, a da qualificação dos factos ora em causa, a ter o seu lugar próprio de discussão e decisão alargada e devidamente ponderada, em sede de recurso ordinário, porventura por este mesmo Alto Tribunal, mas não, no âmbito de numa providência que requer decisão expedita e necessariamente sumária, como esta.

Sendo certo que, como afirmam os requerentes, «a providência de habeas corpus é uma providência excepcional, com vista a garantir a defesa da liberdade», já não é certo que possa ser chamada para tal fim «sempre que haja prisão ilegal», pois como se viu, nem todos os casos de prisão ilegal aqui logram encontrar remédio adequado.

E se também é certo, como afirmam, que «há prisão ilegal se o bem jurídico acautelado pelo tipo que permite a prisão não foi violado, não se verificando os elementos constitutivos do crime», também o é que, nem sempre o Supremo Tribunal de Justiça, como acontece no caso, tem condições processuais necessárias para afirmar num juízo seguro, consciente, devidamente esclarecido e fundamentado, a ilegalidade da prisão, enfim, o juízo que vem pedido nesta concreta providência.

Finalmente, se também pode aceitar-se, em geral, ou pelo menos para alguns casos, a tese dos requerentes segundo a qual «se o arguido é incriminado por uma previsão legal, que os factos que praticou não consentem, verifica-se a motivação imprópria referida na alínea b), do artigo 222.º do CPP», também tem de levar-se em conta, conforme o exposto, que é prematuro concluir em definitivo que in casu os factos «não consentem» a qualificação por eles tida como imprópria e em que assentou o despacho que ordenou a prisão preventiva, mantendo-se entretanto de pé, como se viu, a valia do despacho de pronúncia que, com o valor processual actual que lhe está associado, confere transitória força legal à qualificação ali operada.”
[2] Cfr. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7.06.2017, relatado pelo Conselheiro Pires da Graça, no processo de habeas corpus sob o nº 881/16.6JAPRT-X.S1.
[3] Disponível em www.dgsi.pt.
[4] Cfr. Francesco Carnelutti, Teoria General del Delito, Editorial Reus, pág. 56 e 57.
[5] Disponível em www.dgsi.pt.
[6] Disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido o acórdão do STJ de de 6 de Dezembro de 3013, relatado pelo Conselheiro Maia Costa.

O habeas corpus constitui uma providência excecional destinada a garantir a liberdade individual contra os abusos de poder derivados de prisão ilegal (ou, por extensão, da medida de obrigação de permanência na habitação, que é igualmente privativa da liberdade). 
Não constitui um recurso da decisão judicial que decretou a privação da liberdade. Destina-se, sim, a indagar da legalidade da prisão, de forma a pôr termo às situações de ilegalidade manifesta, diretamente identificáveis a partir dos elementos de facto recolhidos nos autos.

Esta providência não constitui, assim, um recurso de decisões judiciais, uma espécie de sucedâneo “abreviado” dos recursos ordinários, ou mesmo um recurso “subsidiário”, antes um mecanismo expedito que visa pôr termo imediato às situações de privação da liberdade que se comprove serem manifestamente ilegais, por ser a ilegalidade diretamente verificável a partir dos factos documentalmente recolhidos no âmbito da providência (e eventualmente dos apurados ao abrigo da al. b) do nº 4 do art. 223º do CPP). 

A lei prevê, no art. 222º, nº 2, do CPP, os seguintes fundamentos de habeas corpus: incompetência da entidade que decreta a prisão – al. a); ser esta motivada por facto pelo que a lei não a permite – al. b); terem sido excedidos os prazos legais ou judiciais – al. c).

É este último o fundamento invocado pelo requerente, por entender que se aplica ao caso o prazo de prisão preventiva previsto no art. 215º, nºs 1, d), e 3, do CPP – 3 anos e 4 meses de prisão.

Efetivamente, o processo foi declarado de especial complexidade, o requerente foi condenado, além do mais, por crimes de roubo puníveis com pena de prisão superior a 8 anos, e a condenação ainda não transitou em julgado. 

Contudo, não é aplicável à situação em análise o nº 3 do art. 215º, mas sim o nº 6 da mesma disposição, que estabelece: “No caso de o arguido ter sido condenado a pena de prisão em 1ª instância e a sentença condenatória ter sido confirmada em sede de recurso ordinário, o prazo máximo da prisão preventiva eleva-se para metade da pena que tiver sido fixada.”

É certo que a decisão condenatória não foi confirmada nos seus precisos termos, pois foi alterada, mas alterada in mellius, reduzindo-se a pena única de 8 anos para 7 anos e 8 meses de prisão. Ou seja, foi confirmada a decisão de condenação, sendo reduzida a medida da pena. 

Ora, para efeitos do nº 6 do art. 215º do CPP, deve entender-se por “confirmação” não só a integral manutenção da decisão condenatória recorrida, como também qualquer outra decisão condenatória que altere a medida da pena fixada na 1ª instância. Assim, a decisão proferida em recurso que agrave ou atenue a pena decretada em 1ª instância também é uma decisão confirmativa da condenação. Simplesmente, havendo manutenção ou agravamento da pena, o prazo da prisão preventiva calcular-se-á com base na pena fixada pelo tribunal recorrido. Caso a pena seja reduzida pelo tribunal superior, é esta a pena de referência para fixação do prazo daquela medida de coação.

Em qualquer dos casos, deixa de valer o prazo do nº 3 (ou o do nº 2), para passar a ser aplicável o prazo que resultar da aplicação do nº 6 do art. 215º.[1 - Ver neste sentido os acórdãos deste Supremo Tribunal de 12.11.2009 (proc. nº 397/07.1TAFAR-L.S1); 7.7.2010 (proc. nº 811/06.3TDLSB-C.S1); 6.7.2011 (proc. nº 322/09.5JAFAR-B.S1); e 16.5.2012 (proc. nº 44/12.0YFLSB.S1 - Ver também Paulo Albuquerque, Comentário do Código de Processo Penal, 4ª ed., p. 620]

Assim, no caso dos autos, tendo a pena fixada em 1ª instância sido reduzida pela Relação de 8 anos para 7 anos e 8 meses de prisão, o prazo da prisão preventiva é actualmente de 3 anos e 10 meses de prisão. 

Contando o tempo da medida de coação desde a detenção do requerente (14.1.2009), o prazo da obrigação de permanência na habitação termina em 14.11.2012.

Não existe, pois, excesso de prazo, pelo que não há fundamento para a concessão de habeas corpus.” 

[7] Para uma percepção mais alargada da questão, no plano histórico-legislativo, e com cópia de jurisprudência, deixa-se extractada, na parte adrede, o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de Acórdão do Raúl Borges, proferido no processo nº 1101.09.6PGLRS.L1.S1, de 25 de Março de 2015, na parte interessante (sic): “A dupla conforme, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, não supõe, necessariamente, identidade total, absoluta convergência, concordância plena, certificação simétrica, ou consonância total, integral, completa, ponto por ponto, entre as duas decisões. 

A conformidade parcial, mesmo falhando a circunstância da identidade da factualidade provada e da qualificação jurídica (desde que daí resulte efectiva diminuição de pena, de espécie ou medida de pena), o que não é o caso, não deixará de traduzir ainda uma presunção de bom julgamento, de um julgamento certo e seguro.

Teremos no nosso caso mais do que uma presunção de bom julgamento, na perspectiva da defesa, pois que o recorrente no concreto, até beneficiou, claramente, com o recurso interposto para a Relação de Coimbra.

Como vimos, a pena parcelar pelo tráfico foi fixada em oito anos de prisão, verificando-se dupla conforme, que veda ao arguido a possibilidade de recurso.
Como referimos nos acórdãos de 15 de Novembro de 2012, processo n.º 117/04.2PATNV.C1.S1, de 28 de Novembro de 2012, processo n.º 183/10.1GATBU.C1.S1, “a lógica interna e global do sistema e o bom senso, porque cumprida a exigência do duplo grau de jurisdição e a concessão real e efectiva de uma melhoria de tratamento do condenado, demandam, em nome da coerência, a adopção de uma solução, que não passe por fazer da identidade de pena aplicada o vector incontornável da conformação da confirmação, conferindo a possibilidade de um outro grau de recurso, exactamente nos casos em que o arguido foi já beneficiado, o que é inapelavelmente negado quando não lhe cabe em sorte um tratamento privilegiado.

Dir-se-ia que adquirida uma mais valia, poderia ainda o beneficiado candidatar-se a uma outra nova oportunidade de obtenção de eventual sucesso…”.
[8] Disponível em www.dgsi.pt.

[9] Disponível em www.dgsi.pt. No mesmo sentido o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Abril de 2016, relatado pela Conselheira Isabel Pais Martins.

“A circunstância de esse acórdão ter sido anulado, pelo acórdão da relação, que determinou, verificados certos pressupostos, a reabertura da audiência e uma nova apreciação da prova, não invalida a “existência” desse acórdão. Aliás, a sue existência é pressuposto necessário da respectiva anulação, pela relação. Só se pode anular o que existe… 
Ora, a sentença condenatória proferida pela 1.ª instância, mesmo que, em fase de recurso venha a ser anulada, é relevante para efeitos de definir a fase do procedimento em que o processo se encontra e, em função dela, o prazo de duração máxima da prisão preventiva. Uma sentença condenatória, ainda que anulada, não se pode considerar um acto inexistente, por forma suportar a “ficção” de que o procedimento ainda se encontra na fase anterior à condenação em 1.ª instância [“sem que tenha havido condenação em 1.ª instância”].

 «A anulação da sentença, ainda que total, não determina a inexistência do acto, mas apenas a não produção de efeitos. O mesmo sucede com o reenvio (total ou parcial) para novo julgamento. Por isso, o prazo da prisão preventiva é o previsto na alínea d) do n.º 1. Com efeito, mesmo quando total, a anulação ou o reenvio não determinam a irrelevância da actividade processual desenvolvida, consequência que só o vício da inexistência envolve.»
Com a prolação de decisão condenatória em 1.ª instância, o processo entra na fase de recurso, justamente a fase a que se refere a alínea d) do n.º 1 do artigo 215.º, e a circunstância de essa decisão condenatória vir a ser anulada não afecta o prazo de duração máxima da prisão preventiva que foi logo alargado por força de o processo ter entrado na fase de recurso (já ter havido condenação em 1.ª instância, embora “sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado”).
[10] Jorge de Figueiredo Dias, «Para uma reforma global do processo penal português. Da sua necessidade e de algumas orientações fundamentais’, AA. VV., Para urna Nova Justiça Penal, Coimbra: Almedina, 1983, p.215, «O novo Código de Processo Penal», BMJ 369,1987, p. 13, Acordos sobre a sentença em processo penal. O "fim" do Estado de Direito ou um novo "princípio".?, Porto: Conselho Distrital do Porto da Ordem dos Advogados, 2011, p. 17, e, por último, «Por onde vai o Processo Penal Português: por estradas ou por veredas?», AA VV., As conferências do Centro de Estudos Judiciários, Coimbra: Almedina, 2014, p. 51 e s.
[11] Neste sentido se pronuncia a própria doutrina norte-americana mais recente ao filar de uma operação
de balancing of values sempre necessária em processo penal: cf. Joel SAMAHA, Criminal Procedure, Belmont: Wadsworth, 2008, pp. 5 ss., 86, 245.
[12] Como é geralmente sabido trata-se aqui da solução que Hesse, Grundzüge der Verfassungsrecht der Bundesrepublik Deutschland, 1999, p. 317 ss., preconizou a propósito dos termos jurídico-constitucionais em que deve ser levada a cabo a limitação de direitos fundamentais.
[13] Questão discutida também pela doutrina alemã. JAHN, «Beweiserhebung. . .», Gutachten zur 67 DJT (2008), pp. 66 ss., 127, tentou — através do que chamou “doutrina do poder de prova” — deduzir as proibições de prova diretamente da Constituição alemã, especialmente da proibição de violação dos direitos do homem do art.º 1 e da ofensa ao conteúdo essencial dos direitos de liberdade. Criticamente porém R0XIN/SCHÜ-NEMANN (nota 3), § 24 Rn. 20, segundo os quais se trata de “pontos fixos” que são (abstraídos casos extremos) demasiado indeterminados e não permitem por isso nenhuma concretização material.
[14] Compare-se o art.º 32.°-8 da Constituição da República com o já citado art.º 126.°-3 do Código de processo Penal e o que disse sobre este (sob III 1 in fine).
[15] Pode perguntar-se porque é que restrinjo a questão à defesa da dignidade essencial da pessoa e não pelo apenas, como é vulgar, à dignitas humana. É para assim dar expressão a uma ideia para mim importante neste contexto: toda e qualquer ofensa à integridade “moral” da pessoa (no seu sentido mais amplo e compreensivo) constitui uma ofensa da dignitas humana; mas não é tão ampla — como parece indiscutível, sob pena, de outro modo, de na expressão caber qualquer ofensa criminal — a aceção jurídico-penalmente relevante. Como se exprimiu a propósito KNAUER, «Der Schutz der Menschenwürde im Strafrecht», ZStW 126 (2014), p. 326, a dignidade humana não é assumida pelo direito de forma específica, antes só fundamentadora, sendo por isso a sua tutela também fragmentária.
Por isso, inclusivamente, a dignidade humana não constitui um verdadeiro bem jurídico-penal: assim Jorge de Figueiredo DIAS, por último, «Das “Rechtsgutstrafrecht” aIs verfassungsrechtliches Prinzip», Goltdammer’s Archiv für Strafrecht 4/2014, p. 213. Anotarei, de resto, que me parecia correr neste sentido a conceção do Tribunal Constitucional português. Como muito judiciosamente notou Maria João ANTUNES, «A problemática final e o Tribunal Constitucional», Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor J. J. Gomes Canotilho, 1, Coimbra: Coimbra Editora, 2012, p. 108 nota 28, aquela jurisprudência era “reveladora de que ‘por via de regra, não são dedutíveis do princípio [da dignidade da pessoa] e só dele soluções jurídicas concretas'”, tendo sido fiel a uma dupla 'estratégia', que se foi traduzindo em não fixar o conteúdo do princípio e em não sobredimensionar o seu ‘alcance’ prescritivo”: cf. Relatório Português da 9ª Conferência Trilateral Portugal, Espanha, Itália - A Dignidade do Homem como Princípio Constitucional disponível em www.tribunalconscitucional.pt.
[16] Cfr.  Paolo Tonini, Manuale Breve Diritto Processuale Penale, Giuffré Editore, 2017, pág. 143 a 154.
Num outro plano, o do valor e/ou utilizabilidade de actos praticados em contravenção ao ritual legalmente prescrito para a produção e aquisição dos elementos probatórios, a lei crisma e impõe a «inutilizabilidade» desses actos. “O termo inutilizabilidade descreve dois termos do mesmo fenómeno. Por um lado, indica o «vício» que pode conter um acto ou um documento; por outro, ilustra o «regime jurídico» ao qual o acto viciado é submetido, ou seja, a não possibilidade de ser utilizado como fundamento da decisão de um juiz. A inutilizabilidade é um tipo de invalidade que tem a característica de atingir o acto em si mas o seu «valor probatório». O acto pode ser válido do ponto de vista formal (por exemplo não é eivado de nulidade), mas é atingido em seu aspecto substancial, pois a inutilizabilidade o impede de produzir o seu efeito principal, qual seja o de servir de fundamento para a decisão do juiz.” – cfr. Paolo Tonini, “A Prova no Processo Penal Italiano”, Editora Revista dos Tribunais, S. Paulo, 2002, p. 76 e Paolo Tonini, op. loc. cit. pág. 155 a 160.        
[17] Disponível em www.dgsi.pt.