Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6150/18.0T8VNF.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: MARIA DA GRAÇA TRIGO
Descritores: ATESTADO MÉDICO
INCAPACIDADE
FORÇA PROBATÓRIA
PROVA PERICIAL
LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
NEXO DE CAUSALIDADE
ACIDENTE DE VIAÇÃO
PRESSUPOSTOS
INDEMNIZAÇÃO
Data do Acordão: 07/04/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I. De acordo com o AUJ n.º 8/2024, quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada, a prova do certificado médico multiusos não faz prova plena, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. art. 389.º do CC).

II. No confronto entre os dois meios de prova produzidos – certificado multiusos e relatório pericial, ambos traduzindo conclusões periciais sujeitas ao princípio da livre apreciação do julgador – o acórdão recorrido concluiu que o primeiro, para além das lesões invocadas pelos autores, considerou lesões e sequelas que extravasam a causa de pedir da presente acção, pelo que se afigura inteiramente lógico e não merecedor de censura o entendimento do tribunal a quo, segundo o qual tal circunstância obsta a que se estabeleça um nexo de causalidade entre as lesões identificadas no certificado e as sofridas no acidente, tal como foram alegadas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça


I - Relatório

1. AA e mulher, BB, instauraram a presente acção declarativa, sob a forma de processo comum, contra Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A. (actualmente Seguradoras Unidas, S.A.), pedindo a condenação desta a:

«a) Reconhecer que celebrou com os autores os referidos contratos de seguro, nas modalidades indicadas, plenamente válidos e eficazes e ainda vigentes por não terem sido jamais validamente denunciados ou resolvidos;

b) Reconhecer que esses contratos celebrados entre o autor e a ré implicam, no caso da ocorrência posterior de uma situação de invalidez total e permanente do autor, que se verificou, que a ré lhe pague o montante do crédito à habitação devido em função do convencionado;

c) Pagar ao autor o valor que se liquidar no decurso do processo ou posteriormente em execução de sentença relativamente ao valor das prestações que seriam devidas ao banco mutuário até à data do pagamento pelo autor da última prestação do crédito.

d) Pagar ao autor a título de compensação por danos não patrimoniais causados pelo seu comportamento a indemnização de 20.000,00 euros;

e) Pagar as custas do processo e procuradoria condigna a favor do autor».

Alegaram, para o efeito:

- Que, complementarmente a um contrato de mútuo de € 75.000,00, que outorgaram com o Banco Comercial Português em 17 de Abril de 2008, celebraram com a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., um contrato de seguro do ramo vida, com a apólice nº. ........24 para cobrir os riscos de invalidez total e permanente, com grau de incapacidade de, pelo menos, 66%; que todo o formalismo relativo à concretização desse seguro foi integralmente montado, dirigido e aconselhado pelo banco, tendo-lhes sido entregues as condições gerais e especiais das apólices, sobre as quais nada fora discutido, informado ou negociado entre os autores e a ré;

- Que, no dia ... de ... de 2010, o autor sofreu uma fractura do fémur esquerdo e do pé direito em consequência de um acidente de viação, sendo que, em ... de ... de 2013, foi-lhe atribuída, por uma junta médica, uma incapacidade parcial permanente global de 71,71%, conforme certificação por atestado multiuso junto; que, de seguida, o autor, porque ficou definitiva e totalmente reformado por incapacidade para o exercício de qualquer profissão, enviou àquela seguradora a documentação comprovativa do preenchimento das condições necessárias à liquidação do capital seguro;

- Que a seguradora o convocou para uma consulta com médico da sua confiança, porém, na véspera da referida consulta, a seguradora, mudando de posição, informou o autor, por carta dessa data, que dava sem efeito a consulta agendada, porque o contrato “está anulado por falta de pagamento do prémio, com efeito a 27-09-2011”, pelo que, “uma vez que a data da participação e constatação da invalidez é posterior à data da resolução do contrato, não podemos prosseguir com a análise do processo de sinistro”;

- Que a invocada resolução não pode ter ocorrido, dado que a ré nunca o notificou da mesma, sendo certo que aquela sempre teria de ter sido precedida de interpelação admonitória, que nem o Banco, nem a ré lhe facultaram documentação comprovativa “da descrição integral do número de prestações em que a dívida se desdobra, com indicação do valor de cada uma delas, a informação sobre o valor das prestações pagas por si até à data do acidente (...-...-2010) e posteriormente a este”, nem as apólices dos seguros, com descrição pormenorizada dos riscos cobertos e a documentação que pretensamente pudesse demonstrar a declaração de resolução invocada.

2. A ré apresentou contestação, na qual:

- Impugnou os factos alegados na petição, nomeadamente o acidente, as lesões e a incapacidade parcial permanente do mesmo decorrente;

- Arguiu a sua ilegitimidade para a causa dado que a Tranquilidade, S.A. não celebrou com os autores qualquer contrato de seguro; arguiu a ilegitimidade processual e substantiva dos autores, dado que foi o Banco Comercial Português o beneficiário irrevogável das prestações indemnizatórias, não tendo aqueles direito a reclamar para si tais prestações;

- Invocou a prescrição do direito invocado pelos autores, alegando terem decorrido mais de cinco anos desde a data (13 de Junho de 2010) em que o autor teve conhecimento do direito invocado ou, quando muito, desde o dia 24 de Setembro de 2013, data em que tomou conhecimento do grau de incapacidade de que era portador;

- Impugnou a factualidade alegada pelos autores, dizendo que a proposta de seguro foi apresentada pelo autor junto de um mediador, tendo as estipulações constantes das condições particulares da apólice sido negociadas e tendo sido lidas e explicadas aos autores todas as cláusulas do seguro em questão;

- Alegou ainda: que, sob a epígrafe “Pagamento dos Prémios”, ficou estabelecido no ponto 5. das sobreditas Condições Gerais da Apólice o seguinte: “5. Pagamento dos Prémios 5.1. O prémio é devido pelo Tomador de Seguro antecipadamente, por uma só vez, ou anualmente, de acordo com o estabelecido nas Condições Particulares. 5.2. A Seguradora pode facultar o pagamento dos prémios anuais em fracções, desde que o Tomador de Seguro satisfaça o encargo devido pelo fraccionamento. 5.3. Os prémios, qualquer que seja a periodicidade escolhida, serão pagos por débito em Conta Bancária do Tomador de Seguro, que se obriga a mantê-la sempre provisionada para o efeito, ou nos escritórios da Seguradora. 5.4. Os prémios são devidos até ao final da anuidade em que ocorra a morte do Segurado (ou de um dos Segurados no caso do Seguro sobre duas vidas) no máximo até à idade termo convencionada. 5.5. São de conta do Tomador de Seguro os encargos permitidos por lei.”; que foi acordado entre o autor e a ré no ponto 6. das referidas Condições Gerais da Apólice de seguro que “6. Falta de Pagamento dos Prémios 6.1. O não pagamento do prémio dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de após pré-aviso e em carta registada, com pelo menos oito dias de antecedência, proceder à anulação do Contrato. 6.2. A utilização da faculdade concedida no número anterior, não prejudica o direito da Seguradora ao prémio correspondente ao período decorrido.”; que foi acordado no ponto 16.1) das Condições Gerais da Apólice de seguro que: “16. Disposições Diversas 16.1. Para efeitos deste Contrato será considerado domicílio do Tomador de Seguro o indicado nas Condições Particulares ou, em caso de mudança, qualquer outro que por escrito, tenha sido comunicado à Seguradora”; que, para tais efeitos, aquando da apresentação da proposta de seguro, o autor declarou pretender que o pagamento do prémio de seguro devido pelo contrato fosse efectuado através de débito na conta bancária n.º ...................05 do Banco Comercial Português, S.A. (“Millennium”), tendo, para tal, assinado uma declaração de autorização de débito, que era parte integrante da proposta de seguro, a qual se destinava a ser entregue pela T-Vida ao Banco Comercial Português; que, sendo o prémio acordado (inicialmente de € 156,86 por mês) a cobrar no dia 27 de cada mês, com início em 27 de Março de 2008, no dia 26 de Setembro de 2011 venceu-se uma fracção do prémio de seguro no valor de € 215,82 e relativo ao período de 27 de Setembro de 2011 a 26 de Outubro de 2011, a qual, porém, não foi paga, dado que os autores permitiram que o saldo naquela sua conta fosse inferior a tal valor; que, em consequência, em Novembro de 2011, a T-Vida remeteu aos autores. uma carta, na qual lhes comunicou a impossibilidade de cobrança dos referidos prémios de seguro e lhes concedeu um prazo adicional de 30 dias para procederem ao seu pagamento, indicando-lhes as referências para pagamento da fracção do prémio de seguro vencido através de multibanco, mais tendo alertado os autores para o facto de, caso não procedessem ao pagamento da fracção dos prémios de seguro vencidos no prazo de 30 dias, o contrato se considerar resolvido; que, porém, não obstante tal carta ter sido remetida sob registo (com a referência postal n.º RP.......21PT), para o endereço que consta nas condições particulares da apólice (R. ..., ...), o certo é que não foi possível a sua entrega aos respetivos destinatários, por não se encontrarem em casa, pelo que a mesma foi devolvida à T-Vida pelos serviços postais (CTT), já que aqueles não procederam ao levantamento da dita correspondência na loja dos CTT onde a mesma ficou depositada; que, a participação do sinistro e a situação de invalidez invocada pelos autores ocorreu em data posterior à do termo da vigência da apólice, vista a anulação da mesma com efeito a 27 de Setembro de 2011, por falta de pagamento do prémio.

Concluiu pela improcedência da acção.

3. Os autores responderam, rejeitando as arguidas excepções de ilegitimidade activa e passiva, pugnando pela improcedência da excepção de prescrição, considerando que o respectivo prazo apenas poderia ter-se como iniciado a partir da comunicação, em 21 de Julho de 2015, em que a ré se recusou pagar, sendo certo que o autor esteve paralisado longos meses, mercê do acidente sofrido e, nesse período, esteve sempre impossibilitado de fazer qualquer reclamação junto da ré e até de tomar conhecimento e consciência do direito que lhe cabia.

4. Foi proferido despacho saneador que julgou improcedente a arguição de ilegitimidade activa e passiva e relegou para a decisão final o conhecimento da excepção de prescrição.

5. Foi proferida sentença com a seguinte decisão:

«Por tudo o exposto, decido:

a). condenar a Ré Seguradoras Unidas, S.A., a reconhecer que celebrou com os Autores o contrato de seguro referido em I.11, na modalidade indicada, plenamente válido e eficaz, e ainda vigente, por não ter sido jamais validamente denunciado ou resolvido;

b). declarar prescrito o direito dos Autores e, em consequência, absolver a Ré dos demais pedidos formulados.

Custas a cargo dos Autores e da Ré na proporção dos decaimentos que se fixam, respectivamente, em 3/4 e 1/4.».

6. Inconformados, os autores interpuseram recurso para o Tribunal da Relação de Guimarães, pedindo a reapreciação da decisão de direito. A ré requereu a ampliação do objecto do recurso, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e o conhecimento das questões julgadas prejudicadas pelo tribunal de 1.ª instância.

Por acórdão de 2 de Junho de 2021, foi proferida a seguinte decisão:

«Pelo exposto, as juízes desta 1ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Guimarães acordam:

1. Julgar procedente o recurso de apelação quanto à decisão da prescrição do direito, revogando a sentença de 1ª instância na al. b) do seu dispositivo.

2. Conhecer os pedidos c) e d) da petição inicial, julgando os mesmos improcedentes.

Esclarece-se que os pedidos c) e d) são os seguintes: pagar ao autor o valor que se liquidar no decurso do processo ou posteriormente em execução de sentença relativamente ao valor das prestações que seriam devidas ao banco mutuário até à data do pagamento pelo autor da última prestação do crédito; pagar ao autor a título de compensação por danos não patrimoniais causados pelo seu comportamento a indemnização de € 20.000,00.

7. Novamente inconformados, vieram os autores interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões:

«1ª Os autores demandaram a ré, alegando que haviam celebrado com a sua antecessora um contrato de seguro do ramo vida, cobrindo riscos de invalidez total e permanente com um grau de incapacidade de pelo menos 66% e que a, 13.06.2010, o autor sofreu um acidente de viação de que lhe resultou uma incapacidade permanente global de 71,71%, que lhe determinou a sua reforma por incapacidade para o exercício de qualquer profissão, mais alegando que, tendo enviado anteriormente à ré toda a documentação comprovativa do preenchimento das condições necessárias à liquidação do capital de seguro, que a ré recebeu, no entanto esta, depois de o ter convocado para uma consulta médica, recuou notificando de que o contrato estava anulado por falta de pagamento do prémio, pelo que recusava “prosseguir com a análise do processo de sinistro”.

2ª O autor enviou à ré, e esta aceitou tê-la recebido, aquela documentação necessária e exigida para comprovar o preenchimento das condições para lhe ser pago o capital seguro, incluindo a participação do sinistro, cópia dos atestados médicos indicando o início, as causas, a natureza e a evolução do seu estado de incapacidade decorrente do acidente sofrido, bem como um atestado médico de incapacidade multiusos, subscrito por uma junta médica e um júri da ARS-..., em ..., segundo o qual, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, mercê do acidente de viação por si sofrido, ficou com uma deficiência que lhe conferia uma incapacidade permanente global de 71.71%, e, não tendo ficado com cópia desses documentos, requereu, logo na petição inicial, que a ré juntasse aos autos cópia de todos esses documentos.

3ª A ré foi citada para a ação e em consequência notificada daquele requerimento, e posteriormente, por duas vezes em consequência de despachos que o determinaram, para juntar esses documentos, tendo incumprido sempre esse dever, pelo que foi sancionada por duas vezes com multa e custas de incidente, tendo sido também notificada, por despacho transitado em julgado de 16.12.2019, de que “em sede de decisão final se apreciará, para efeitos probatórios a falta de junção de tal documentação”

4ª Julgada a causa foi produzida sentença que julgou parcialmente provada a acção, condenando a ré a reconhecer que celebrou com os autores o contrato de seguro ajuizado, na modalidade indicada, que é plenamente válido e eficaz, e ainda vigente por nunca ter sido validamente denunciado ou resolvido, contra o que a ré pretendia, mas declarou prescrito o direito que os autores pretendiam exercer.

5ª Interposto pelos autores recurso dessa decisão, veio a ré requerer a ampliação do objeto do recurso, por forma a serem julgados os dois pedidos dos autores que a sentença não tinha decidido (condenação no pagamento do valor das prestações devidas pelos autores ao banco mutuário e no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais), tendo o acórdão recorrido julgado procedente o recurso dos autores, por não se verificar a prescrição do seu direito, e, julgando a ampliação do recurso requerida pela ré, após alterar oficiosamente a redação de um facto, conheceu desses dois pedidos, julgando-os improcedentes, sem que previamente tivesse cumprido o despacho atrás citado, segundo o qual em sede de decisão final se devia apreciar, para efeitos probatórios a falta de junção dos documentos comprovativos dos factos alegados pelos autores, despacho esse que transitara em julgado.

6ª A não pronúncia do acórdão recorrido sobre a referida omissão da ré constitui nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do artigo 615º, nº 1, alínea d) do Código de Processo Civil, e violação do caso julgado formado por esse despacho, constituindo erro relevante, porquanto a decisão de julgar improcedente os pedidos dos autores assentou na circunstância de se ter julgado que não provaram o preenchimento dos requisitos do contrato de seguro, que aqueles documentos comprovavam, questão a conhecer ou como nulidade, ou a não se entender assim, como erro de julgamento, sempre com a consequência de os dois pedidos em causa serem julgados procedentes.

7ª Com efeito, tendo a ré comprovadamente violado o dever de colaboração ínsito no artigo 417º do Código de Processo Civil, daí decorre necessariamente a inversão do ónus da prova relativamente aos factos fundamento do pedido, e, julgado invertido o ónus da prova, o tribunal deveria sempre ter julgado suficiente para a prova dos fundamentos da ação o que foi alegado e provado através do documento nº 6, junto com a petição inicial, aliás não impugnado nem arguido de falso, de onde consta o condensado no facto 32 e o mais que desse documento resulta (uma incapacidade parcial permanente de 72%, consequente do acidente, resultante de lesões na coxa, num joelho, num membro superior e num punho, com a consequência de elevada dificuldade de deslocação na via pública sem auxílio de outrem ou recurso a meios de compensação, e dificuldade comprovada de locomoção na via pública sem auxílio de outrem, ou sem recurso a meios de compensação, cada uma destas correspondente a uma desvalorização de 65%).

8ª Sem prescindir, o acórdão recorrido para julgar improcedentes aqueles dois pedidos, decidiu, oficiosamente, alterar a redação do facto 44., por considerar a primitiva redação desse facto deficiente, não obstante a remissão que ele fazia para um relatório de exame médico, visando com essa alteração a reprodução mais detalhada do teor desse relatório, fundada no facto de pretensamente os autores terem aceite a respetiva matéria – o que não é verdade – e acrescentando, o que não constava do texto inicial, o juízo de que a autora do relatório considerava, tal como a sentença – o que também não é verdade – que estava provada uma relação de causalidade adequada entre o acidente que vitimou o autor e a percentagem de desvalorização que lhe foi atribuída no referido relatório.

9ª Para além desse julgamento em matéria de facto, o acórdão recorrido estribou a solução de direito no facto de ter julgado que “a prova da emissão de um certificado multiusos que ateste uma incapacidade das pessoas com deficiência, definida no artigo 2.º da Lei n.º 38/2004, de 18 de agosto, sem referência ao evento causador, e para efeitos de acesso às medidas e benefícios previstos na lei para facilitar a sua plena participação na comunidade, nos termos dos arts.1º do DL nº202/96, de 23.10., com a redação do DL nº291/2009, de 12.10., com bases gerais do regime jurídico da prevenção, habilitação, reabilitação e participação da pessoa com deficiência previstas na referida Lei nº38/2004, de 18.08., não é suficiente para julgar preenchidos os requisitos do contrato de seguro ramo vida, que faça depender o pagamento do capital seguro da prova do sofrimento de um grau de incapacidade causado por um evento ocorrido na pendência do contrato de seguro, quando a ocorrência destes factos é controvertida”.

10ª A decisão no que respeita à matéria de facto e à alteração da redação dada ao facto 44 não tem fundamento nem em si mesma (porque o texto inicial, segundo o qual apenas se dizia que no último relatório do INML “se fixou ao autor uma incapacidade parcial permanente de 56,59832%” não comprovava, ao contrário do atestado multiusos, que “o autor é portador de uma deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global de 72%”) nem tem os fundamentos em que alegadamente se sustenta (pois nem é verdade que daquela redação decorra que se provou uma relação de causalidade adequada entre os factos e o resultado, nem é verdade que essa relação de causalidade adequada tenha sido afirmada pela decisão da 1ª instância, pois não foi, nem é verdade que o autor tenha confinado o pedido a lesões dos membros inferiores, pois referia expressamente como vimos através do texto do atestado multiusos, que apresentava lesões num punho, isto é num membro superior, e que estava definitivamente afetado, como também vimos, de deficiência motora com elevada dificuldade de deslocação na via pública sem auxílio de outrem ou recurso a meios de compensação, e dificuldade comprovada de locomoção na via pública sem auxílio de outrem ou sem recurso a meios de compensação, nem é verdade, sequer, que o juiz de 1ª instância tenha dado “mais valor” ao relatório do IML do que ao que constava do atestado multiusos), o que tudo torna ilegal a correção feita e, sobretudo as conclusões que dela erradamente se extraíram.

11ª O artigo 682.º, n.º1 do CPC só consente à Relação que altere a decisão proferida sobre a matéria de facto se os factos tidos como assentes, a prova produzida, ou um documento superveniente impuserem solução diversa, tendo o acórdão do STJ de 20-11-2014 (Proc. n.º 4208/08, Sumários, Novembro 2014, página 36, decidido que o STJ conhece da matéria de facto quando o tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que sobre ele se tenha produzido a prova, segundo a lei, indispensável à demonstração da sua existência, ou quando tenham sido desrespeitadas normas que regulam a força probatória dos diversos meios de prova admitidos a juízo, sucedendo que, no caso concreto, o acórdão recorrido ao dar como assente o teor do relatório médico que cita no facto 44, não podia acrescentar sem qualquer prova que existia uma relação de causalidade adequada entre as lesões indicadas e as consequências, nem podia optar, ainda que o relatório lho permitisse, pelo seu texto, em prejuízo do que constava do atestado médico multiusos e do outro arbitramento feito no processo, bem como do que as testemunhas haviam declarado, pois nenhum depoimento foi transcrito ou referido no recurso da ré.

12ª O artigo 644º, n.º3 do CPC consente que o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa seja objeto de recurso de revista quando houver disposição expressa da lei que exige certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que no caso sucede, quer pelos motivos invocados, quer porque a fixação do facto 44, nos termos em que o foi, não foi fundada em qualquer explicação que sempre seria necessária, sobre as razões da prevalência dada pelo texto do relatório, ainda assim segundo a interpretação das julgadoras, elaborado por uma perita médico-legal, contrariado por outro relatório anterior de outro perito médico-legal e pelo atestado médico multiusos elaborado por uma junta médica e um júri na ARS- ..., em ..., ou seja, pelo menos por 6 médicos da especialidade, pelo que no uso dos poderes jurisdicentes conferidos ao Supremo Tribunal de Justiça deve este anular a redação dada ao facto 44, mantendo a redação inicial, e excluindo quaisquer considerações adjacentes à estrita matéria de facto em causa.

14ª Sem prescindir, ainda que o STJ entenda que as descritas circunstâncias não são suficientes para justificar a solução apontada, ou seja, ainda que se entenda que a matéria de facto não deve ter qualquer alteração, não faz qualquer sentido nem tem justificação legal, nem o acórdão recorrido faz qualquer esforço para se justificar o argumento utilizado pelo acórdão recorrido segundo o qual o atestado médico multiusos não fez referência ao evento causador do acidente (pois essa referência foi feita expressamente nos factos 24, 33, 34,35, 40, e 42, bem como nas parcelas do texto do documento n.º 6 junto com a petição que o acórdão recorrido omitiu e atrás se transcreveram na conclusão 7ª que, nessa parte aqui se dão por reproduzidos), pelo que de qualquer modo estão preenchidas todas as condições para julgar a ação inteiramente procedente.

15ª Do mesmo modo, não faz também qualquer sentido a afirmação do acórdão recorrido segundo a qual assim decidia porque era dos autores o ónus da prova dos factos alegados, “tendo em conta a causa de pedir da ação (que o autor ficou com uma incapacidade de 71,71%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades para os Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais em consequência do acidente de 13.06.2010)” uma vez que, pelas razões acima expostas, esse ónus da prova competia à ré e não aos autores.

16ª A fls. 48 do acórdão recorrido, este alude à impugnação pela Ré do facto 32 da sentença (no qual se referia que o autor ficou com uma incapacidade parcial permanente global definitiva de 72%) por entender que a prova resultante da perícia médico legal aludida no facto 44. “tem valor superior ao do atestado multiusos produzido por uma junta médica alheia a este processo”, e embora não o diga expressamente, antes o contrarie, acaba por chegar a uma solução equivalente à pretendida pela ré, que é completamente gratuita e infundamentada, até porque não é sustentável, num juízo equilibrado e ponderado, que o parecer de uma perita médico-legal deva prevalecer sobre de uma junta médica e de um júri, ou seja, de dois órgãos compostos pelo menos por seis médicos especialistas.

17ª Ainda quando assim se não entenda, dentro do quadro mental do acórdão recorrido, que não é nosso, a matéria de facto condensada no facto 32 (atestado médico subscrito por uma junta médica e um júri na ARS-... ..., certificando que o autor é portador de uma deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global definitiva de 72%) e a do facto 44 (onde se refere que as lesões sofridas pelo autor são determinantes de uma incapacidade permanente parcial de 52,59832%) só podiam ter sido consideradas entre si colidentes e opostas, pelo que a contradição só podia ser vencida nos termos do artigo 662º do CPC, concretamente através da opção pelo certificado no atestado médico multiusos, aliás um documento autentico que não foi arguido de falso, nem sequer foi impugnado.

18ª O acórdão recorrido, por último condenou nas custas totais da ação os autores, nos termos do artigo 527.º, n.º1 do CPC, mas é evidente que também aí errou, pois, em 1ª instância o tribunal decidira que os autores suportariam ¾ das custas, e em recurso dessa decisão, o tribunal julgou-o procedente, pelo que não se vê como podiam os autores suportar custas do recurso; tendo apenas, e o acórdão recorrido lamentavelmente absteve-se de fazer qualquer destrinça, os autores ficado vencidos no que respeitem ao recurso ampliado interposto pela ré, parece evidente que só nesta parte eles podiam ser responsáveis pelas custas.».

Terminam pedindo que o recurso seja julgado procedente, e consequentemente, com ou sem alteração da matéria de facto, a acção seja julgada procedente.

8. A recorrida contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão do acórdão recorrido.

9. Por acórdão da conferência de 21 de Outubro de 2021, o tribunal a quo pronunciou-se no sentido da não verificação da nulidade invocada.

10. Por despacho da relatora deste Supremo Tribunal de 16-02-2022 o recurso foi admitido, considerando-se não existir dupla conforme entre as decisões das instâncias, uma vez que a sentença julgou a acção improcedente com fundamento na prescrição do direito invocado, enquanto o acórdão recorrido o fez com fundamento na falta de prova dos requisitos necessários para accionar o seguro.

11. Pelo despacho indicado no número anterior foi ainda decidido o seguinte:

«Constata-se que, entre as questões suscitadas pelos Recorrentes – as quais, tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, integram o objecto do recurso – se encontra a questão da alegada violação do regime de direito probatório material ao ter o acórdão da Relação, para efeitos de prova do grau de incapacidade do segurado, feito prevalecer o conteúdo do relatório pericial elaborado pelo Instituto Nacional de Medicina Legal em detrimento do conteúdo do atestado médico multiusos emitido por Junta Médica e júri da Administração Regional de Saúde – ....

Ainda que os Recorrentes se limitem a invocar o desrespeito pelas normas dos arts. 344.º, n.º 2 do Código Civil e 417.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, relativas à inversão do ónus da prova, coloca-se a questão – de conhecimento oficioso – do eventual desrespeito pelo valor probatório legal do certificado médico multiusos. Com efeito, se se entender que o certificado médico multiusos reveste a natureza de documento autêntico (cfr. arts. 369.º e segs. do Código Civil), o mesmo terá força probatória plena nos termos e para os efeitos previstos na lei (cfr. art. 371.º do CC).

Assim sendo, e considerando que, por decisão de 18 de Dezembro de 2021, proferida neste Supremo Tribunal no Processo n.º 3325/15.7T8SNT.L1.S1-A, foi admitido recurso para uniformização de jurisprudência sobre a questão da natureza jurídica e inerente valor probatório de atestado multiusos emitido por uma Administração Regional de Saúde (Ministério da Saúde), entende-se que a apreciação do objecto do presente acórdão está dependente da decisão que o Pleno das Secções Cíveis do Supremo Tribunal de Justiça vier a proferir no supra indicado recurso extraordinário para uniformização de jurisprudência pelo que, nos termos do art. 272º, nº 1, do CPC, se suspende a instância até que tal recurso seja julgado.».

12. Tendo entretanto sido proferido, pelo Pleno das Secções Cíveis deste Supremo Tribunal, acórdão uniformizador de jurisprudência no âmbito do Processo n.º 3325/15.7T8SNT.L1.S1-A, que transitou em julgado em 14-06-2024 (entretanto publicado como AUJ n.º 8/2024 na Iª Série do Diário da República de 25-06-2024), foi decretada a cessação da suspensão da instância, cumprindo apreciar e conhecer do presente recurso de revista.

II – Objecto do recurso

Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões.

O presente recurso tem, assim, como objecto as seguintes questões:

• Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;

• Desrespeito pela Relação do poder-dever consagrado no art. 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC;

• Ofensa de caso julgado formal;

• Violação do regime de direito probatório material contido nas normas dos arts. 417.º, n.º 2, do CPC, e 344.º, n.º 2, do Código Civil;

• Determinação do grau de incapacidade contratualmente relevante;

• Repartição da responsabilidade pelo pagamento das custas.

III – Fundamentação de facto

Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias):

1. No dia 30/12/2016 operou-se a fusão entre a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., a

Açoreana Companhia de Seguros, S.A., a Seguros Logo, S.A. e a T-Vida, Companhia de Seguros S.A., por via de incorporação da Açoreana Companhia de Seguros, S.A., da Seguros Logo, S.A. e da T-Vida, Companhia de Seguros S.A. na Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., com transferência global do património (activo e passivo) da T-Vida Companhia de Seguros, S.A., bem como da posição daquela seguradora em todos os contratos de seguro por si celebrados, para a Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A..

2. A Companhia de Seguros Tranquilidade, S.A., por seu turno, alterou a sua designação social para Seguradoras Unidas, S.A.

3. Os Autores eram donos de uma parcela de terreno destinada a construção urbana, situada na Rua da ..., ..., da freguesia de ..., do concelho de ..., em prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ..73, cuja aquisição haviam registado a seu favor, ainda omisso à matriz, mas tendo apresentado declaração para a sua inscrição, em ...-...-2007, no 1º Serviço de Finanças de ... que lhe atribuiu o artigo provisório P-..04.

4. Após negociações, o Banco Comercial Português SA, aceitou conceder aos Autores um empréstimo de € 75.000,00, mediante garantia hipotecária dada pelo referido prédio, o que foi concretizado por escritura pública outorgada em 17 de Abril de 2008, no Cartório Notarial do Notário Dr. CC, sito na Rua ..., em ....

5. Nessa data, referido banco entregou aos Autores, para crédito de uma conta de que eram contitulares, n.º .......79, que eles aí haviam constituído, a primeira parcela dessa quantia, concretamente € 50.000,00, devendo o remanescente ser pago, como foi, em prestações e nos termos do documento complementar então subscrito pelos outorgantes.

6. Segundo o referido documento complementar, a remanescente quantia de € 25.000,00 devia ser paga ao Autor, fraccionada e proporcionalmente à evolução da construção, verificada por via de avaliações a realizar pelos serviços do Banco, por iniciativa destes ou dos mutuários, mediante crédito na referida conta, sendo o período de utilização da quantia mutuada de 24 meses contados da data da assinatura do contrato, ou, caso isso ocorresse antes, até à data da utilização da última parcela da quantia financiada.

7. Por exigência do Banco credor foi necessário contratar um seguro de vida com as condições indicadas pelo referido Banco.

8. No dia 13 de Março de 2008, o Autor AA e a Autora BB preencheram e entregaram ao mediador de seguros, DD, a proposta de seguro junta a fls.70 e seg. (cujo teor se dá por integralmente reproduzido).

9. Cumpridos os procedimentos de análise prévia necessários e porque, face às declarações constantes da supra mencionada proposta de seguro, se verificarem os pressupostos da sua aceitação, foi a mesma aceite pela T-Vida, sendo emitidas as respectivas condições particulares da apólice, das quais consta como beneficiário, a título irrevogável, aquele Banco Comercial Português, S.A.

10. Pelo que, em 13 de Março de 2008, a T-Vida, Companhia de Seguros, S.A., celebrou com AA, residente na Rua ..., ..., um contrato de seguro de vida denominado “Tranquilidade Crédito Casa”, titulado pela apólice n.º 77/....24, com início de vigência no dia 27/03/2008 e termo em 26/03/2028 (cfr. proposta de seguro e respectivas condições gerais e especiais da apólice, e condições particulares cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).

11. Nesse contrato de seguro figuram como pessoas seguras, além do próprio tomador do seguro, AA, a sua esposa, BB.

12. O contrato de seguro teve o seu início em 27/03/2008, pelo período de um ano e seguintes, sendo tacitamente renovado por períodos idênticos até ao final da anuidade em que uma das Pessoas Seguras atingisse a idade limite de permanência no contrato (65 anos), vigorando entre 27/03/2008 e 26/03/2028, data do seu termo, a menos que se verificasse, antes desta última data, algum sinistro, ou a cessação do contrato.

13. Para além da cobertura principal prevista no indicado contrato de seguro, o tomador subscreveu igualmente as coberturas complementares de invalidez absoluta e definitiva e de invalidez total e permanente de ambos os segurados, com as seguintes garantias: a) No que tange à cobertura principal, em caso de morte de alguma das pessoas seguras ocorrida no prazo de vigência do contrato, a T-Vida obrigou-se a pagar ao beneficiário nele designado, o capital indicado nas Condições Particulares da Apólice; b) No que tange às coberturas complementares de invalidez absoluta e definitiva ou de invalidez total e permanente, e sempre que se verifique um sinistro antes do termo do Seguro Principal, a T-Vida obrigou-se a pagar ao beneficiário designado no contrato, o capital indicado nas Condições Particulares, cessando de imediato o Contrato.

14. Sob a epígrafe “Pagamento dos Prémios” ficou estabelecido no ponto 5. das Condições Gerais da Apólice o seguinte: “5. Pagamento dos Prémios 5.1. O prémio é devido pelo Tomador de Seguro antecipadamente, por uma só vez, ou anualmente, de acordo com o estabelecido nas Condições Particulares. 5.2. A Seguradora pode facultar o pagamento dos prémios anuais em fracções, desde que o Tomador de Seguro satisfaça o encargo devido pelo fraccionamento. 5.3. Os prémios, qualquer que seja a periodicidade escolhida, serão pagos por débito em Conta Bancária do Tomador de Seguro, que se obriga a mantê-la sempre provisionada para o efeito, ou nos escritórios da Seguradora. 5.4. Os prémios são devidos até ao final da anuidade em que ocorra a morte do Segurado (ou de um dos Segurados no caso do Seguro sobre duas vidas) no máximo até à idade termo convencionada. 5.5. São de conta do Tomador de Seguro os encargos permitidos por lei.”.

15. Do ponto 6. das referidas Condições Gerais da Apólice de seguro consta: “6. Falta de Pagamento dos Prémios 6.1. O não pagamento do prémio dentro dos 30 dias posteriores ao seu vencimento, concede à Seguradora, nos termos legais, a faculdade de após pré-aviso e em carta registada, com pelo menos oito dias de antecedência, proceder à anulação do Contrato. 6.2. A utilização da faculdade concedida no número anterior, não prejudica o direito da Seguradora ao prémio correspondente ao período decorrido.”.

16. Do ponto 16.1) das Condições Gerais da Apólice de seguro consta: “16. Disposições Diversas 16.1. Para efeitos deste Contrato será considerado domicílio do Tomador de Seguro o indicado nas Condições Particulares ou, em caso de mudança, qualquer outro que por escrito, tenha sido comunicado à Seguradora.”.

17. Aquando da apresentação da proposta de seguro o Autor AA declarou pretender que o pagamento do prémio de seguro devido pelo contrato fosse efectuado através de débito na conta bancária nº ...................05 do Banco Comercial Português, S.A. (“Millennium”).

18. Para o efeito, o Autor AA assinou uma declaração de autorização de débito, que era parte integrante da proposta de seguro, a qual se destinava a ser entregue pela T-Vida ao Banco Comercial Português, tendo em vista a cobrança dos prémios seguros que seriam devidos, com o seguinte teor: “Forma de Cobrança: Débito em Conta – X Banco: Millennium NIB: ...................05 Para o efeito, fica a T-Vida, Companhia de Seguros, S.A. autorizada a proceder à cobrança dos prémios através do Sistema dos Débitos Directos (S.D.D.) previsto no Aviso n.º 1/2002 do Banco de Portugal, na conta que acima se indica. O Tomador do Seguro será posteriormente informado do n.º atribuído à presente autorização. Código da Entidade Credora: 102631”.

19. No que tange à condição especial complementar de Invalidez Total e Permanente, consta o seguinte: “1. Invalidez Total e Permanente Se o Segurado vier a invalidar-se total e permanentemente, em consequência de acidente ou doença, a Seguradora garante a antecipação de 100% do capital garantido pelo seguro principal, cessando automaticamente o Contrato. 1.1. Definição de Invalidez Total e Permanente (ITP) O Segurado é considerado em estado de invalidez total e permanente sempre que, em consequência de doença ou acidente, se encontre totalmente incapaz de exercer a sua profissão, ou qualquer outra actividade lucrativa de acordo com os seus conhecimentos e aptidões, de forma permanente e, além disso, apresentar um grau de incapacidade de 66% de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor. Pelo facto da sua incapacidade ser total e permanente, o Segurado deverá ser atingido de uma diminuição de rendimento igual ou superior a 66%. Para o funcionamento desta garantia não é considerado a concessão de reforma por invalidez ou a classificação de “Grande Inválido” atribuídas pela Segurança Social ou por qualquer outro regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou complemente. Para o efeito do reconhecimento da invalidez total e permanente esta deve ser constatada e reconhecida por um médico da Seguradora, na base de sinais médicos objectivos. 1.2. Exigibilidade do Capital Seguro O pagamento do Capital Seguro em caso de invalidez total e permanente só é exigível após a invalidez ter sido reconhecida pelo médico da Seguradora, mas nunca antes de decorridos três meses sobre a data em que a invalidez se declarar. Em caso de desemprego a garantia de invalidez total e permanente será suspensa e reposta em vigor quando o Segurado retomar uma actividade remunerada. 1.3. Justificação e Reconhecimento do Direito às Importâncias Seguras a) Em caso de invalidez o Tomador de Seguro e/ou o Beneficiário indicado nas Condições Particulares deve enviar à Seguradora um atestado do médico assistente indicando o início, as causas, a natureza e a evolução do estado de incapacidade; Este atestado, de conta do Tomador de Seguro, deve ser enviado à Seguradora nos 60 dias que se seguirem à constatação da Invalidez Total e Permanente. Deve anexar uma descrição exacta da actividade exercida pelo Segurado antes da incapacidade. b) A Seguradora reserva-se o direito de exigir qualquer justificação complementar e de proceder às investigações que julgar convenientes para a determinação exacta do estado do Segurado mandando-o examinar pelos seus médicos se assim o entender. Neste caso, as despesas são por conta da Seguradora. O Segurado deve autorizar o seu médico assistente a fornecer, confidencialmente, ao médico representante da Seguradora, toda a informação médica respeitante ao sinistro declarado. c) A falta de cumprimento por parte do Tomador de Seguro e/ou o Beneficiário do disposto nas alíneas a) e b) implica a responsabilidade pelas perdas e danos dela resultantes; a falta de verdade nas informações prestadas à Seguradora, implica a perda do direito às importâncias seguras. d) A Seguradora comunicará ao Tomador de Seguro se aceita ou não a sua pretensão no decorrer das 4 semanas que se seguirem à recepção dos documentos indicados nas alíneas a) e b). e) Na falta de acordo qualquer dos interessados poderá promover a resolução da divergência requerendo a Junta Médica, que funcionará como Tribunal Arbitral. A Junta Médica será constituída por três médicos, um nomeado por cada uma das partes e o terceiro, que presidirá com voto de desempate, por acordo entre os nomeados pelas partes ou, na falta de acordo, pelo Instituto Nacional de Medicina Legal – Gabinete da área de residência do Segurado/Pessoa Segura. O Tribunal Arbitral funcionará de acordo com a Lei 31/86 mas os árbitros designados pelas partes terão obrigatoriamente que ser médicos. Em caso de Junta Médica a funcionar como Tribunal Arbitral, a Seguradora e o Tomador de Seguro ou Segurado/Pessoa Segura suportarão os honorários e despesas do médico/árbitro que lhes cumpra designar, sendo os do Presidente suportados em partes iguais por ambas as partes. Na falta de Tomador de Seguro ou Segurado/Pessoa Segura, as despesas que lhes caberiam serão suportadas pelos Beneficiários por dedução às importâncias a pagar. f) Enquanto as divergências não forem solucionadas, os prémios e sobre prémios do Seguro Principal, bem como os prémios relativos ao Seguro de Invalidez que, eventualmente se vençam no decorrer das discussões, devem ser pagos à Seguradora. Se a decisão for contrária à Seguradora, esta restituirá as quantias recebidas e pagará, se for caso disso, as importâncias devidas acrescidas do juro de 4% ao ano, contado desde o fim do prazo indicado em 2.2. g) Se a invalidez proveniente de doença ou acidente for agravada ou resultar de defeito físico de que o Segurado já era portador à data da sua inclusão neste Seguro Complementar, a responsabilidade da Seguradora não poderá exceder a que teria se a doença ou o acidente tivesse ocorrido a uma pessoa saudável e normal. h) O grau de desvalorização correspondente aos defeitos físicos de que o Segurado já era portador à data de início deste Seguro Complementar, não concorrerá para a fixação do grau de desvalorização a atribuir ao abrigo desta cobertura.”.

20. No que diz respeito à condição especial complementar de Invalidez Absoluta e Definitiva, consta o seguinte: “2. Invalidez Absoluta e Definitiva Se o Segurado vier a invalidar-se absoluta e definitivamente em consequência de acidente ou doença, a Seguradora garante a antecipação de 100% do capital garantido pelo Seguro Principal, cessando automaticamente o Contrato. 2.1. Definição de Invalidez Absoluta e Definitiva O Segurado é considerado em estado de invalidez absoluta e definitiva quando, em consequência de doença ou acidente, fique total e definitivamente incapaz de exercer qualquer actividade remunerada e, simultaneamente, na obrigação de recorrer à assistência permanente de uma terceira pessoa para efectuar cumulativamente os actos elementares da vida corrente e desde que apresente um grau de incapacidade igual ou superior a 85%, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidade por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, oficialmente em vigor. Entende-se por acto elementar da vida corrente: • Lavar-se: significa efectuar todos os actos necessários à manutenção de um nível de higiene correcto. • Alimentar-se: significa tomar as refeições preparadas e servidas à mesa. • Vestir-se: significa vestir-se e despir-se, tomando em consideração o vestuário usado habitualmente. • Deslocar-se no local de residência habitual. Para o funcionamento desta cobertura não é considerada a concessão de reforma por Invalidez ou a classificação como “grande inválido” atribuídas pela Segurança Social ou por qualquer regime facultativo ou obrigatório que a substitua ou complemente. Para o efeito do reconhecimento da invalidez absoluta e definitiva esta deve ser constatada e reconhecida por um médico da Seguradora, na base de sinais médicos objectivos. 2.2. A este Seguro Complementar aplica-se, com as necessárias adaptações, o n.º 1.3. destas Condições Especiais.”.

21. A respeito de ambas as coberturas complementares consta ainda o seguinte: “3. Disposições comuns 3.1. Riscos excluídos Além dos riscos excluídos mencionados nas Condições Gerais do Seguro Principal, ficam também excluídos dos Seguros Complementares: a) Os actos e as respectivas consequências de doença ou acidente provocados intencionalmente pelo Segurado ou com a sua cumplicidade, bem como a tentativa de suicídio deste; b) Intervenção cirúrgica desde que não tornada necessária em virtude de acidente; c) Estado de alcoolismo e ingestão de drogas quando não recomendadas clinicamente; d) Acidente em que o Segurado se encontre em estado de alcoolismo ou tenha ingerido drogas não recomendadas clinicamente; e) Ocorrência de riscos nucleares; f) Desportos considerados radicais, tais como, asa-delta, parapente, ultra ligeiro, exibições acrobáticas, saltos de paraquedas com abertura retardada, espeleologia com mergulho submarino, off-shore, moto de água e Bobsleigh; g) Os ferimentos ou lesões provocadas por motins, rixas, insurreição, actos de terrorismo ou sabotagem, qualquer que seja o lugar em que se desenrolem os acontecimentos e quaisquer que sejam os protagonistas, desde que o Segurado tome parte activa, excepto em caso de legítima defesa. 3.2. Termo da Cobertura dos Seguros Complementares A cobertura dos Seguros Complementares cessa os seus efeitos:

a) Por anulação, resgate ou redução da Apólice do Seguro Principal; b) No termo da anuidade em que o Segurado complete 65 anos de idade; c) Se o Segurado for mobilizado para tomar parte em operações de guerra, policiamento ou em repressão de actos de terrorismo; d) Sem prejuízo das alíneas anteriores deste ponto, a cobertura de Invalidez Total e Permanente cessa os seus efeitos a partir da data em que o Segurado começar a receber uma pensão de velhice, pré-reforma ou reforma antecipada; e) Se o contrato for efectuado sobre duas vidas, os Seguros Complementares cessam para o primeiro Segurado que atingir 65 anos de idade, ficando em vigor para o outro Segurado enquanto este não atingir a idade limite de 65 anos.”.

22. Em 13 de Junho de 2010, o Autor exercia profissionalmente a actividade de construtor civil.

23. Pelas 22H20 do dia 13 de Junho de 2010, o Autor circulava na estrada nacional ..., que liga ... a ..., conduzindo, neste sentido, o seu veículo automóvel com a matrícula ..-DC-.., quando se despistou e foi embater contra um muro da estrada, do lado esquerdo, ao km 27,600, na freguesia de ..., no local onde àquela estrada dá acesso a Rua de ....

24. Em consequência do acidente, o Autor sofreu fractura do fémur esquerdo e do pé direito, que implicaram o seu internamento no Hospital de ..., onde foi sujeito a várias operações e permaneceu até à conclusão dos tratamentos tidos por necessários.

25. A fracção do prémio referente à mensalidade compreendida entre 25/08/2011 e 26/09/2011 venceu-se no dia 24/09/2011 e tinha o valor de € 215,82 e foi pago mediante débito na conta bancária acima mencionada, porque a mesma se encontrava então devidamente provisionada.

26. No dia 26/09/2011 venceu-se a fracção do prémio de seguro da apólice 77/....24, relativo ao período compreendido entre 27/09/2011 e 26/10/2011, no valor de € 215,82.

27. Na data em que a cobrança do prémio de seguro foi tentada, a conta com o NIB ...................05, domiciliada no Banco Comercial Português, não se encontrava devidamente provisionada com o montante necessário ao pagamento desse prémio de seguro.

28. Depois de ter sido tentado o pagamento desse prémio, os Autores não o liquidaram à T-Vida por outra forma.

29. Sob registo com a referência postal n.º RP.......21PT, em Novembro de 2011, foi remetida pela Ré uma carta para o endereço que consta nas condições particulares da apólice (R. ..., ...).

30. A referida carta foi devolvida à T-Vida pelos serviços postais.

31. Da proposta de seguro subscrita pelos Autores consta como endereço dos Autores a R. ..., ....

32. No dia 24/09/2014, o Autor foi submetido a um exame médico perante junta médica e um júri na ARS – ..., em ..., findo o qual foi emitido o atestado médico multiusos junto a fls. 24 verso, no qual se atesta que o Autor é portador de uma deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global definitiva de 72%. [corrigido pela Relação; redacção anterior: No dia 24/09/2014, o Autor foi submetido a um exame médico perante junta médica e um júri na ARS – ..., em ..., findo o qual foi emitido o atestado médico multiusos junto a fls.21 verso, no qual se atesta que o Autor é portador de uma deficiência que lhe confere uma incapacidade permanente global definitiva de 72%.]

33. O Autor, após receber o certificado multiusos que lhe fixou incapacidade permanente global definitiva de 72%, constante de f.s.24/v, considerou que teria direito a acionar o seguro e obter o pagamento do capital seguro. [alterado pela Relação; redacção anterior: No dia 24 de Setembro de 2013, o Autor teve conhecimento de que tinha direito a accionar o seguro e obter o pagamento do capital seguro, por ter uma incapacidade permanente global definitiva de 72%.]

34. Por carta datada de 04 de Fevereiro de 2015, então subscrita pelo então Ilustre Mandatário do Autor, foi participada à T-Vida a ocorrência do referido acidente em ... de ... de 2010, na EN ..., do qual resultaram lesões e sequelas determinantes da sua invalidez.

35. Nessa carta seguiu o referido atestado multiusos e relatórios médicos.

36. Em 23 de Junho de 2015, a Ré comunicou ao Autor que submeteu essa documentação à apreciação do seu Conselho Médico e convocou-o para uma consulta com um médico de sua confiança, que nomeou, com vista à comprovação da sua situação clínica.

37. Em 21 de Julho de 2015, véspera da prevista consulta médica, a Ré informou o Autor por carta dessa data, que dava sem efeito a consulta agendada, porque o contrato “está anulado por falta de pagamento do prémio, com efeito a 27-09-2011”, pelo que “uma vez que a data da participação e constatação da invalidez é posterior à data da resolução do contrato, não podemos prosseguir com a análise do processo de sinistro”.

38. Ante sucessivas insistências do Autor, que pretendia ser ressarcido, a Ré manteve-se irredutível, conforme cartas de 10 de Agosto de 2015, 26 de Julho de 2016 e 6 de Dezembro de 2016.

39. A resolução do contrato jamais foi notificada ao Autor, que só foi conhecedor de tal assunto através da carta referida carta de 21 de Julho de 2015.

40. Depois do acidente, o Autor ficou definitiva e totalmente impedido de exercer a sua profissão habitual.

41. A recusa da Ré em proceder ao pagamento do capital seguro, aliada ao estado de saúde depressivo do Autor, quer psíquico, quer físico, tem-lhe causado inúmeros incómodos e arrelias e insónias.

42. Em consequência do acidente, o Autor sofreu um défice funcional temporário total de 37 dias, um défice funcional temporário parcial de 404 dias e uma repercussão temporária da actividade profissional total de 440 dias.

43. A data da consolidação das lesões ocorreu em ... de ... de 2011.

44. As referidas lesões resultantes do acidente causaram-lhe as sequelas de membros inferiores direito e esquerdo (por encurtamento do MIE de 5 cm, pseudoartrose do fémur E, laxidão grave do joelho E, sequelas de fratura exposta do pilão tibial D por analogia com cicatrizes viciosas, integradas nos pontos 11.2.3-d), 11.2.2., 12.1.2.-c), 14.1.1. do Capítulo I do Anexo 1 da TNI), da tal como lombalgia parcialmente reativa ao encurtamento do membro inferior esquerdo (raquialgia sem lesões osteoligamentares do ponto 1.1.1.-b) do Capítulo I do Anexo 1 da TNA), determinantes de incapacidade permanente parcial do autor de 56,59832%, de acordo com o Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades. [alterado pela Relação; redacção anterior: As referidas lesões resultantes do acidente causaram-lhe as sequelas descritas no relatório pericial do INML de fls.275 e seg. (cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido), no qual se fixou ao Autor uma incapacidade permanente parcial de 56,59832%, de acordo com o Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades.]

Factos dados como não provados:

1. Após a alta hospitalar, o Autor ficou imobilizado em casa, durante cerca de 2 anos.

2. Depois do acidente sofrido, o Autor ficou definitiva e totalmente impedido de exercer qualquer profissão.

3. As estipulações constantes das condições particulares da apólice foram objecto de negociação individual entre a T-Vida e o Autor e, antes de subscreverem e entregarem ao mediador de seguro a proposta de seguro, foram lidas, comunicadas e explicadas aos Autores, por quem recebeu tal proposta, todas as cláusulas contratuais do seguro em questão, quer no que toca às coberturas e garantias, quer as respeitantes às suas exclusões

4. Os Autores leram o clausulado do contrato de seguro de antes de assinarem e entregarem a proposta de seguro, nomeadamente as suas condições gerais e especiais.

5. O texto dessas condições gerais e especiais foi fornecido aos Autores antes de estes subscreverem e entregarem a proposta de seguro e delas ficaram com uma cópia após a adesão.

6. Os Autores compreenderam o exacto sentido das cláusulas da apólice de contrato de seguro e ainda o das exclusões previstas.

7. A carta remetida em Novembro de 2011 comunicava aos Autores a impossibilidade de cobrança dos referidos prémios de seguro e concedia-lhes um prazo adicional de 30 dias para procederem ao seu pagamento indicando-lhes as referências para pagamento da fracção do prémio de seguro vencido através de multibanco.

8. Na referida correspondência, a T-Vida alertou os Autores para o facto de, caso não procedessem ao pagamento da fracção dos prémios de seguro vencidos no prazo de 30 dias, o contrato se consideraria resolvido.

9. Não foi possível a entrega da carta por os Autores não se encontrarem em casa.

10. A devolução da carta decorreu do facto de os Autores não terem procedido ao levantamento da dita correspondência na loja dos CTT onde a mesma ficou depositada.

11. A carta foi devolvida à T-Vida, com a indicação “objecto não reclamado”.

12. Os Autores tomaram e puderam tomar conhecimento de que a T-Vida lhes tinha enviado a aludida carta, sabendo ainda que a mesma não tinha sido entregue por não estarem em casa aquando da passagem do agente postal.

13. E tomaram conhecimento disso porque o agente postal deixou na caixa de correio um aviso, com a indicação de que tinha tentado entregar a carta, mas que essa entrega não tinha sido possível, com a menção, ainda, de que a carta se encontrava à sua disposição para levantamento no posto dos CTT de Joane.

14. Os Autores, voluntária e conscientemente, não procederam ao levantamento da carta que a T-Vida lhes remeteu no posto dos correios, bem sabendo que essa carta, caso não fosse levantada no prazo de pelo menos, 6 dias úteis, seria devolvida à remetente, a T-Vida, e optaram por não receber essa carta e recusando-se a tomar conhecimento do seu teor.

15. Em face do não pagamento da aludida fracção do prémio de seguro, o contrato de seguro em apreço foi resolvido pela T-Vida no dia 30/12/2011, com efeitos a 27/09/2011, o que foi comunicado aos Autores.

IV – Fundamentação de direito

1. Recorde-se que o presente recurso tem como objecto as seguintes questões:

• Nulidade do acórdão recorrido por omissão de pronúncia;

• Desrespeito pela Relação do poder-dever consagrado no art. 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC;

• Ofensa de caso julgado formal;

• Violação do regime de direito probatório material contido nas normas dos arts. 417.º, n.º 2, do CPC, e 344.º, n.º 2, do Código Civil;

• Determinação do grau de incapacidade contratualmente relevante;

• Repartição da responsabilidade pelo pagamento das custas.

2. Invocam os Recorrentes padecer o acórdão recorrido de nulidade por omissão de pronúncia, alegando que, diversamente do que determinou o despacho do Tribunal da 1.ª instância de 16-12-2019, aquele acórdão não apreciou os efeitos probatórios da falta de junção, pela recorrida, da documentação consistente na participação do sinistro, cópia dos atestados médicos indicando o início, as causas, a natureza e a evolução do estado de incapacidade do autor decorrente do acidente sofrido, bem como dos efeitos probatórios do atestado médico de incapacidade multiusos, subscrito por uma junta médica e um júri da ARS-..., em ..., segundo o qual, de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades, mercê do acidente de viação sofrido pelo autor, ficou este com uma deficiência que lhe conferia uma incapacidade permanente global de 71,71%.

Como resulta do relatório supra, o tribunal a quo pronunciou-se pela não verificação da arguida nulidade, considerando ter analisado todas as questões cuja apreciação se lhe impunha, sem deixar de sublinhar que, entre as questões a resolver indicadas no art. 608.º, n.º 2, do CPC, não se integra a forma de apreciação da prova, decorrente da correcta ou incorrecta aplicação de direito das regras de repartição do ónus da prova ou da inversão do ónus de prova, incorrecção esta que apenas pode ser invocada como erro de julgamento.

Vejamos.

A nulidade por omissão de pronúncia reconduz-se a um vício formal, em sentido lato, traduzido em “error in procedendo” ou erro de actividade que afecta a validade da decisão. Esta nulidade está directamente relacionada com o regime do art. 608.º, n.º 2, do CPC, segundo o qual:

«O juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.».

Ora, como é, de modo reiterado, afirmado pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, «a nulidade por omissão de pronúncia, representando a sanção legal para a violação do estatuído naquele nº 2, do artigo 608.º, do CPC, apenas se verifica quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre as «questões» pelas partes submetidas ao seu escrutínio, ou de que deva conhecer oficiosamente, como tais se considerando as pretensões formuladas por aquelas, mas não os argumentos invocados, nem a mera qualificação jurídica oferecida pelos litigantes» (acórdão de 10-12-2020, proc. n.º 12131/18.6T8LSB.L1.S1, disponível em www.dgsi.pt), não incorrendo em omissão de pronúncia o acórdão que, tendo conhecido das questões que lhe competia apreciar, não respondeu a todos os argumentos deduzidos pelo recorrente ou não apreciou questões cujo conhecimento ficou prejudicado pela solução dada a questões anteriores.

Deste modo, a nulidade em causa só ocorre quando não haja pronúncia sobre pontos fáctico-jurídicos estruturantes da posição dos litigantes – nomeadamente, os que se prendem com a causa de pedir, pedido e excepções –, sendo de afastar a verificação de tal vício quando se constate a mera ausência de discussão das diversas razões e argumentos avançados pelas partes.

A invocada desconsideração, para efeitos probatórios, da recusa da colaboração devida de uma das partes (ao abrigo do preceituado nos arts. 417.º, n.º 2, do CPC, e 344.º, n.º 2, do Código Civil) não é susceptível de se reconduzir a um vício formal da decisão, gerador da sua nulidade, tendo em conta que tal facto não constitui uma questão a resolver, de acordo com o estatuído no art. 608.º, n.º 2, do CPC.

Integra, eventualmente, um erro de julgamento, a ser considerado em sede de apreciação do mérito do recurso.

Conclui-se, assim, pela não verificação da invocada nulidade por omissão de pronúncia.

3. Quanto à questão do alegado desrespeito pela Relação do poder-dever consagrado no art. 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, alegam os recorrentes que a alteração da redacção do facto 44 («As referidas lesões resultantes do acidente causaram-lhe as sequelas de membros inferiores direito e esquerdo (por encurtamento do MIE de 5 cm, pseudoartrose do fémur E, laxidão grave do joelho E, sequelas de fratura exposta do pilão tibial D por analogia com cicatrizes viciosas, integradas nos pontos 11.2.3-d), 11.2.2., 12.1.2.-c), 14.1.1. do Capítulo I do Anexo 1 da TNI), da tal como lombalgia parcialmente reativa ao encurtamento do membro inferior esquerdo (raquialgia sem lesões osteoligamentares do ponto 1.1.1.-b) do Capítulo I do Anexo 1 da TNA), determinantes de incapacidade permanente parcial do autor de 56,59832%, de acordo com o Anexo I da Tabela Nacional de Incapacidades») se apresenta desprovida de fundamento, invocando (certamente por lapso, dado tratar-se de uma norma que regula os poderes do Supremo Tribunal de Justiça) a violação do disposto no art. 682.º, n.º 1, do CPC, pelo Tribunal da Relação, afirmando que, «ao dar como assente o teor do relatório médico que cita no facto 44, não podia acrescentar sem qualquer prova que existia uma relação de causalidade adequada entre as lesões indicadas e as consequências, nem podia optar, ainda que o relatório lho permitisse, pelo seu texto, em prejuízo do que constava do atestado médico multiusos e do outro arbitramento feito no processo, bem como do que as testemunhas haviam declarado, pois nenhum depoimento foi transcrito ou referido no recurso da ré.».

Vejamos.

O tribunal a quo, nos termos do disposto no art. 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, alterou a redacção do facto 44 (facto que reveste natureza essencial no contexto do objecto do litígio), declarando fazê-lo para sanar a sua deficiência quanto à remissão e falta de reprodução das sequelas e quanto à fixação da incapacidade. Para o efeito, socorreu-se dos seguintes meios de prova: do relatório pericial do INML que já era identificado naquele facto e cujo conteúdo fora neste considerado integrado, por via remissiva, pela 1.ª instância; dos relatórios, também eles do INML, de fls. 208 e segs. e 228 e segs.; e das declarações dos próprios autores.

Como sintetizado por Abrantes Geraldes (Recursos em Processo Civil, 6.ª ed., Almedina, Coimbra, 2020, pág. 359) constitui entendimento sedimentado o de que o Supremo Tribunal de Justiça, «embora não possa censurar o uso feito pela Relação dos poderes conferidos pelo art. 662.º/1/2, já pode verificar se a Relação, ao usar tais poderes, agiu dentro dos limites traçados pela lei para os exercer.».

Cumpre, assim, apreciar o modo como o tribunal a quo exerceu os poderes de reapreciação da matéria de facto, considerando se se verificou uma errada aplicação da lei de processo (cfr. art. 674.º, n.º 1, alínea b), do CPC) consubstanciada na norma constante da alínea c) do n.º 2 do art. 662.º do mesmo diploma.

A alegação dos recorrentes situa-se em dois planos.

3.1. Em primeiro lugar, invocam os recorrentes que o acórdão recorrido não podia acrescentar, sem qualquer prova, que existia uma relação de causalidade adequada entre as lesões indicadas e as suas consequências.

No caso concreto, após concluir que a redacção do facto se afigurava deficiente, o Tribunal da Relação de Guimarães expurgou o facto de tal deficiência, reapreciando os meios de prova constantes do processo, na medida em que entendeu não existir necessidade de ordenar que a identificada deficiência fosse reparada pelo Tribunal de 1.ª instância. Fê-lo, de modo oficioso, dentro do perímetro que lhe é conferido pela alínea d) do n.º 2 do art. 662.º do CPC – norma que consagra um poder-dever que, na ajuizada situação, não conheceu uma aplicação irregular.

Nas palavras do acórdão deste Supremo Tribunal de 25-02-2021 (proc. n.º 1596/17.3T8PRT.P1.S1), disponível em www.dgsi.pt, «verificado qualquer um dos ditos vícios ou patologias da decisão de facto, os poderes conferidos ao Tribunal da Relação como verdadeiro tribunal de instância – tendo em vista o cumprimento do desiderato de um segundo nível de jurisdição em matéria de facto em idênticas condições e sujeito às mesmas regras de direito probatório que vinculam o tribunal de 1ª instância -, conferem-lhe o dever, por um lado, de deles conhecer oficiosamente (independentemente, pois, da existência ou não de impulso da parte interessada) e, por outro, de os poder suprir imediatamente, desde que, naturalmente, constem do processo (ou da gravação) os elementos probatórios indispensáveis para esse suprimento.».

Saliente-se que o mérito do procedimento adoptado pela decisão recorrida não é sindicável, em via de recurso, por parte do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que, nessa parte, a decisão não admite revista (art. 662.º, n.º 4, do CPC). Neste sentido, ver o mencionado acórdão deste Supremo Tribunal de 25-02-2021, assim como os acórdãos de 30-05-2019 (proc. n.º 156/16.0T8BCL.G1.S1), in www.dgsi.pt, de 23-01-2020 (proc. n.º 710/15.8T8VRL.G3.21), não publicado, e de 03-11-2021 (proc. n.º 4096/18.0T8VFR.P1.S1), in www.dgsi.pt.

Assim se conclui que não merece censura a alteração da matéria de facto levada a cabo pelo acórdão recorrido a respeito do facto n.º 44.

3.2. Os recorrentes prosseguem, contrapondo que o tribunal ‘a quo’ não podia optar pelo texto do relatório pericial em detrimento do conteúdo do atestado médico multiusos, do outro arbitramento feito no processo, assim como do conteúdo dos depoimentos testemunhais prestados.

Assinale-se que não assiste razão aos recorrentes quando estes alegam, no ponto 17.º das suas conclusões de recurso, que o acórdão recorrido deveria ter sanado a oposição existente entre os factos 23 e 44, convocando o regime do art. 662.º do CPC, através da opção por aquilo que foi certificado no atestado médico multiusos. Na verdade, no caso, não está em causa uma decisão contraditória sobre pontos da matéria de facto – que justificaria, por parte da Relação, a exercitação do poder-dever consagrado no art. 662.º, n.º 2, alínea c), do CPC, norma a que presumivelmente se reportam os recorrentes –, mas sim dois factos que, quanto a um ponto concreto (grau de incapacidade do autor), se mostram divergentes, por traduzirem as conclusões alcançadas por distintos meios de prova, produzidos com recurso a metodologias díspares e com âmbitos de aplicação diferenciados.

Um exame mais incisivo permite concluir que o que os recorrentes pretendem contestar, no fundo, é a opção, realizada pelo tribunal a quo, de atribuir relevância ao grau de capacidade constante do relatório pericial e não àquele evidenciado pelo certificado multiusos para efeitos de apreciação dos requisitos contratuais relativos ao pagamento antecipado do capital seguro. Esta questão, todavia, não se enquadra no julgamento que o Tribunal da Relação fez da matéria de facto, antes respeita à decisão de direito do acórdão proferido. Questão que será analisada infra, no ponto 6 do presente acórdão.

4. Invocam ainda os recorrentes que, ao não ter considerado, perante a omissão da junção de documentos por parte da seguradora recorrida, que existiu inversão do ónus da prova, incorreu o acórdão recorrido em ofensa do caso julgado formado pelo despacho proferido pelo Tribunal da 1.ª instância em 16-12-2019, que determinou que «em sede de decisão final se apreciará, para efeitos probatórios a falta de junção de tal documentação».

Alegam os recorrentes que o Tribunal da Relação, em sede de apreciação dos pedidos de condenação no pagamento do valor das prestações devidas pelos autores ao banco mutuário e no pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais, deveria ter concluído por tal inversão do ónus da prova, dando, como consequência, como provada a facticidade constante do facto n.º 32 «e o mais que desse documento resulta (uma incapacidade parcial permanente de 72%, consequente do acidente, resultante de lesões na coxa, num joelho, num membro superior e num punho, com a consequência de elevada dificuldade de deslocação na via publica sem auxílio de outrem ou recurso a meios de compensação, e dificuldade comprovada de locomoção na via pública sem auxílio de outrem, ou sem recurso a meios de compensação, cada uma destas correspondente a uma desvalorização de 65%)».

Vejamos.

O acórdão recorrido considerou prejudicada a apreciação da impugnação do facto 32 – levada a cabo pela ré em sede de ampliação do objecto do recurso – por ter qualificado o mesmo como irrelevante para a decisão da causa.

O despacho datado de 16-12-2019 (referência Citius n.º .......03) configura um despacho interlocutório, proferido no decurso do processo. No segmento em que conclui ter existido violação do dever de cooperação, por parte da recorrida, ao não ter apresentado a documentação em causa, condenando-a no pagamento de uma multa processual, decide uma questão que recai unicamente sobre a relação processual e impõe a sua força obrigatória no processo (cfr. art. 620.º, n.º 1, do CPC).

No entanto, na parte em que estipula que «em sede de decisão final, se apreciará, para efeitos probatórios, a falta de junção de tal documentação» o despacho vertente não decide qualquer questão (de mérito ou respeitante à relação processual), limitando-se a relegar para momento ulterior a decisão sobre os efeitos probatórios a atribuir à falta de junção da documentação em causa.

Por outras palavras, o despacho em análise não contém qualquer pronunciamento judicial acerca das concretas consequências probatórias a extrair da falta de colaboração da recorrida no tocante à junção de documentos, não antecipando a existência de uma inversão do ónus da prova a respeito da matéria em causa e não efectuando qualquer apreciação concreta susceptível de se projectar nos direitos das partes. Por isso, não pode tal despacho adquirir, nesta perspectiva, o valor de caso julgado formal.

Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão recursória dos recorrentes também nesta parte.

5. Passemos a apreciar a questão da invocada violação do regime de direito probatório material contido nas normas dos arts. 417.º, n.º 2, do CPC, e 344.º, n.º 2 do Código Civil.

É também possível identificar nas alegações de recurso a imputação ao acórdão recorrido da violação do regime contido nas normas dos arts. 417.º, n.º 2, do CPC, e 344.º, n.º 2, do Código Civil, por o mesmo acórdão não ter entendido verificar-se a inversão do ónus da prova relativamente à matéria de facto constante do facto n.º 32, assim como àquela matéria que se extrai do documento n.º 6 junto com a petição inicial (relativo a uma incapacidade parcial permanente de 72%, consequente do acidente, resultante de lesões na coxa, num joelho, num membro superior e num punho, com a consequência de elevada dificuldade de deslocação na via pública sem auxílio de outrem ou recurso a meios de compensação, e dificuldade comprovada de locomoção na via pública sem auxílio de outrem, ou sem recurso a meios de compensação, cada uma destas correspondente a uma desvalorização de 65%).

Mostra-se isento de controvérsia que, no âmbito da intervenção restrita que compete ao Supremo Tribunal de Justiça quanto ao apuramento da matéria de facto relevante da causa, se integra a fiscalização das regras de direito probatório material, que se reconduzem a normas de direito substantivo (cfr. art. 674.º, n.º 1, alínea a), do CPC).

Como sublinhou o acórdão de 12-04-2018 (proc. n.º 744/12.4TVPRT.P1.S1), in www.dgsi.pt, assim sumariado, “[i]nscreve-se no âmbito do recurso de revista a apreciação do modo como as instâncias interpretaram e aplicaram a norma de direito probatório material prevista no art. 344.º, n.º 2, do CC, na medida em que a inversão do ónus da prova é susceptível de influir no conteúdo da decisão do tribunal que aprecia as provas produzidas.”.

Vejamos.

A alegação em causa afigura-se destituída de sentido, considerando que, independentemente de se dilucidar se o regime contido no art. 344.º, n.º 2, do Código Civil deveria ter sido convocado pelo acórdão recorrido (sendo que o mesmo considerou prejudicado o conhecimento da impugnação do facto vertente, alterando-o tão-só para efeitos de correcção de um lapso de escrita), a verdade é que, tal como pretendido pelos autores, ora recorrentes, foi inserida no ponto 32 dos factos provados a matéria de facto consistente na emissão de um atestado médico multiusos no qual se atestou que o autor era portador de uma incapacidade permanente global definitiva de 72.%.

A susceptibilidade de ser atribuída relevância a tal grau de incapacidade para efeitos de verificação do preenchimento dos pressupostos de que o contrato de seguro dos autos faz depender o pagamento do capital seguro é uma questão de interpretação do negócio jurídico, que em nada contende com a apreciação de regras de direito probatório material.

Deste modo, improcede, também nesta parte, a pretensão dos recorrentes.

6. Passemos a apreciar da questão da determinação do grau de incapacidade contratualmente relevante, que se apresenta, afinal, como a questão nuclear do presente recurso.

Insurgem-se os recorrentes contra a circunstância de o acórdão recorrido ter conferido prevalência à percentagem de incapacidade do autor constante do relatório pericial elaborado pelo INML em detrimento da percentagem superior certificada pelo atestado médico multiusos.

A pretensão dos recorrentes fez surgir a questão, logicamente anterior e de conhecimento oficioso, do eventual desrespeito pelo valor probatório legal do certificado médico multiusos.

Conforme resulta do relatório do presente acórdão, tendo sido admitido, no âmbito do Processo n.º 3325/15.7T8SNT.L1.S1-A, recurso para uniformização de jurisprudência sobre a questão da natureza jurídica e inerente valor probatório de atestado multiusos emitido por uma Administração Regional de Saúde (dependente do Ministério da Saúde), determinou-se oportunamente a suspensão da instância até que tal recurso fosse julgado.

No referido Processo n.º 3325/15.7T8SNT.L1.S1-A, veio a ser proferido, em 23-05-2024, Acórdão do Pleno das Secções Cíveis, o qual transitou em julgado em 14-06-2024 (entretanto publicado como AUJ n.º 8/2024 na Iª Série do Diário da República de 25-06-2024), pelo qual foi uniformizada jurisprudência nos seguintes termos:

«O atestado médico de incapacidade multiuso, emitido para pessoas com deficiência de acordo com o Decreto-Lei n.º 202/96, de 21 de Outubro, é um documento autêntico, que, de acordo com o artigo 371º, n.º 1, em conjugação com o artigo 389º, do Código Civil, faz prova plena dos factos praticados e percepcionados pela “junta médica” (autoridade pública) competente e prova sujeita à livre apreciação do julgador quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada.».

Temos, pois, que, quanto aos factos correspondentes às respostas de avaliação médica e de determinação da percentagem de incapacidade da pessoa avaliada, a prova do certificado multiusos não faz prova plena, estando sujeita ao princípio da livre apreciação da prova (cfr. art. 389.º do Código Civil).

Até certo ponto, bastaria esta consideração para concluirmos que o juízo probatório realizado pelo Tribunal da Relação – dando prevalência à percentagem de incapacidade do autor constante do relatório pericial do INML em detrimento da percentagem certificada pelo atestado médico multiusos – não é sindicável por este Supremo Tribunal (cfr. art. 674.º, n.º 3, do CPC).

Ainda assim, sempre se atenderá à alegação dos recorrentes, de acordo com a qual o tribunal a quo não avançou qualquer «explicação, que seria sempre necessária» a respeito do valor atribuído a cada uma das avaliações médicas.

A referida alegação dos recorrentes carece inteiramente de razão. O acórdão recorrido – ainda que de modo tecnicamente não muito perfeito, por tal argumentação ter sido aduzida em sede de fundamentação de facto, quando a matéria em causa assume índole jurídica – justificou a insusceptibilidade de a percentagem constante do certificado multiusos ser mobilizada para aferir da verificação dos requisitos do contrato de seguro em discussão com a «inexistência de avaliação e de discussão das causas de desvalorizações e incapacidades» inerentes ao procedimento subjacente à emissão de tais certificados, assim como com o facto de o mesmo «atender a desvalorizações não contempladas no processo em apreço».

De modo congruente, em sede de fundamentação de direito, o acórdão impugnado, ao analisar o requisito contratual relativo ao grau de incapacidade, trouxe à colação o facto 44 (que reproduz as conclusões alcançadas pelo relatório médico pericial elaborado pelo INML) para concluir não ter ficado demonstrado que o autor, ora recorrente, padecesse de uma incapacidade de, pelo menos, 66%.

Temos pois que, no confronto entre os dois meios de prova – certificado multiusos e relatório pericial, ambos traduzindo conclusões periciais sujeitas ao princípio da livre apreciação do julgador (cfr. art. 389.º do Código Civil) o acórdão recorrido concluiu que o primeiro, para além das lesões invocadas pelos autores neste processo, considerou lesões e sequelas (relacionadas com a área de neurologia e neurocirurgia, relativa à parte III da Tabela Nacional de Incapacidades) que extravasam a causa de pedir da presente acção (a qual, como se extrai do art. 15.º da petição inicial, que corresponde ao ponto 24 dos factos provados, se reporta a lesões do autor relacionadas com a fractura do fémur esquerdo e do pé direito).

Aqui chegados, afigura-se inteiramente lógico e não merecedor de censura o entendimento do tribunal a quo, segundo o qual tal circunstância obsta a que se estabeleça um nexo de causalidade entre as lesões identificadas no certificado e as sofridas no acidente ocorrido a 13-06-2010, tal como foram alegadas.

Com efeito, de acordo com o contrato de seguro celebrado entre as partes, a antecipação da integralidade do capital garantido pelo seguro principal ocorreria em caso de invalidez total e permanente do segurado, sendo esta reconduzida, entre o mais, ao sofrimento de um grau de incapacidade de 66%, calculado de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais (cfr. ponto 19 dos factos provados).

Interpretando tal declaração de acordo com os critérios hermenêuticos consagrados nos arts. 236.º, n.º 1, e 238.º, n.º 1, do Código Civil (e sendo certo que não se coloca a questão da reconstituição da vontade real das partes), alcança-se que o grau de incapacidade contratualmente relevante não poderá deixar de se referir às sequelas advenientes do acidente sofrido pelo autor que motivou o pedido de pagamento do capital seguro nestes autos. Ora, o grau de incapacidade atestado no relatório pericial – meio de prova concretamente vinculado à análise das questões de facto suscitadas pelas partes no âmbito do presente processo, tal como se depreende do teor do despacho, datado de 09-05-2019, que ordenou a sua produção – apresenta-se dotado de maior fiabilidade para efeitos de avaliar do preenchimento do requisito contratual sob escrutínio, justamente porque permite estabelecer um nexo causal entre as sequelas sofridas pelo autor-recorrente e o sobredito evento.

A terminar, sublinhe-se que o presente exercício não se encontra excluído dos poderes de cognição do Supremo Tribunal de Justiça, uma vez que não se trata de apreciar o juízo do Tribunal da 2.ª instância, incidente sobre a prova pericial, finalisticamente orientado à demonstração ou não demonstração da realidade de factos (actividade que se encontra excluída da competência do STJ, enquanto tribunal de revista), mas de sindicar a logicidade do juízo decisório da Relação quanto à aptidão de as conclusões de um meio de prova pericial, atentos os seus pressupostos, suportarem o preenchimento de um determinado requisito contratual, isto é, e em concreto, de sindicar a logicidade do juízo decisório da Relação de, para efeitos de verificação de determinado pressuposto contratual, privilegiar as conclusões alcançadas por um meio de prova pericial em detrimento das conclusões obtidas por outro meio de prova pericial, em função das relações de causalidade entre as sequelas sofridas pelo autor/recorrente e o acidente integrante da causa de pedir, relações de causalidade essas apreensíveis pela fundamentação de cada uma das provas periciais

Conclui-se, assim, pela improcedência da pretensão de recurso, também nesta parte.

7. Contestam, por fim, os recorrentes o facto de terem sido condenados no pagamento das custas integrais do recurso, uma vez que, quanto ao fundamento da apelação atinente à prescrição, obtiveram ganho de causa. Pretendem, assim, a reforma do acórdão recorrido quanto a custas (art. 616.º, n.ºs 1 e 3 do CPC).

O recurso é tido como processo autónomo para efeitos de sujeição a custas (art. 1.º, n.º 2, do RCP).

Analisando o segmento condenatório em apreço, constata-se, efectivamente, que ainda que os autores tenham decaído integralmente quanto ao pedido formulado no âmbito da ampliação do objecto de recurso de apelação, obtiveram vencimento integral no que concerne à única pretensão recursiva por si deduzida (relativa à excepção de prescrição).

Tal vencimento teve repercussão no cômputo da solução jurídica dada à pretensão recursória, revertendo a decisão de 1.ª instância prolatada a respeito da excepção de prescrição e conduzindo à procedência parcial da apelação.

Assim, de acordo com o princípio da causalidade subjacente ao regime postulado pelo art. 527.º, n.ºs 1 e 2, do CPC, tal vencimento deve relevar para efeitos de repartição da responsabilidade pelas custas. Cfr., a título exemplificativo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 07-12-2017 (proc. n.º 1509/13.1TVLSB.L1.S1) e de 14-07-2020 (proc. n.º 2556/17.0YLPRT.L1.S2), disponíveis em www.dgsi.pt.

O recurso deverá, pois, proceder neste particular, devendo ser operada uma repartição equitativa da responsabilidade por custas que, ponderando o vencimento integral da pretensão recursória deduzida pelos autores e, por outo lado, o seu decaimento total quanto à ampliação do objecto do recurso, condene os recorrentes no pagamento das custas do recurso de apelação numa proporção de 1/2, sendo a recorrida condenada no pagamento de uma proporção equivalente de 1/2.

V – Decisão

Pelo exposto, julga-se o recurso parcialmente procedente, decidindo-se:

a. Alterar a decisão de custas do acórdão recorrido, condenando-se no pagamento das custas do recurso de apelação numa proporção de ½ para cada uma das partes;

b. No mais, manter o decidido pelo acórdão recorrido.

Custas pelos recorrentes e pela recorrida na proporção de 95% e 5%, respectivamente.

Lisboa, 4 de Julho de 2024

Maria da Graça Trigo (relatora)

Fernando Baptista

Catarina Serra