Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
239/21.5TRLSB
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: CID GERALDO
Descritores: RECURSO PENAL
CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE
OFENDIDO
FRAUDE FISCAL
ABUSO DE CONFIANÇA FISCAL
ABUSO DE CONFIANÇA CONTRA A SEGURANÇA SOCIAL
DENUNCIANTE
LEGITIMIDADE
ABERTURA DE INSTRUÇÃO
REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO
REQUISITOS
CONVITE AO APERFEIÇOAMENTO
DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 11/10/2022
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO.
Sumário :
I - Para efeito de constituição como assistente, não pode ser considerado “ofendido” qualquer pessoa prejudicada com a comissão do crime, mas somente o titular do interesse que constitui o objecto imediato do crime.
II - Os crimes tributários assumem natureza pública, sendo pois crimes públicos, porque destinados a proteger um bem jurídico supra individual de interesse comunitário, fazendo parte das funções soberanas do Estado. Tais crimes tutelam directa e imediatamente o interesse do Estado e só indirectamente as normas incriminadoras protegem interesses particulares. São os interesses do Estado, na sua vertente vulgarmente denominada por Fisco ou Fazenda Nacional, entendido como sistema dinâmico de obtenção de receitas e realização de despesas.
III - O objecto do crime de fraude fiscal é complexo. Por uma parte o património do Estado, enquanto componente do bem jurídico tutelado, mas também o dever de colaboração leal dos cidadãos na determinação dos factos tributários e, por isso, o objecto do crime é por uma parte o património tributário de Estado, enquanto bem jurídico tutelado, e por outro os deveres de informação e de verdade dos cidadãos perante o sistema fiscal, que constituem o objecto da acção. A ratio do crime de fraude fiscal é o dano no património fiscal do Estado.
IV - No crime de abuso de confiança fiscal é tutelado o sistema fiscal na perspectiva patrimonial: arrecadação dos tributos recebidos ou retidos pelo substituto de imposto. No crime de abuso de confiança contra a segurança social o bem jurídico directo e imediato penalmente protegido com a incriminação é também o interesse do Estado na defesa da boa cobrança das receitas (as contribuições devidas pelos trabalhadores e deduzidas pelas entidades empregadoras) indispensáveis ao funcionamento do sistema de segurança social, que constitui sua obrigação constitucional.
V - Não tendo o denunciante (não assistente) legitimidade para requerer a instrução quanto aos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 103.º e 107.º, do RGIT, [art.287º, nº1, al. b) do CPP], faltando esse pressuposto processual ou essa condição de procedibilidade, a instrução não é admissível, nos termos do disposto no n.º 3 do citado art. 287.º do referido diploma adjectivo, o que acarreta a rejeição limiar do requerimento por aquele apresentado para abertura da instrução.
VI - A instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o MP, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado – n.º 1 do art. 289.º. Sendo admissíveis na instrução todas as provas que não forem proibidas por lei, o juiz de instrução interroga o arguido quando o julgar necessário e sempre que este o solicitar – n.os 1 e 2 do art. 292.º.
VII - Mesmo a constituição como arguido exige a existência de uma suspeita fundada da prática de crime, conceito este próximo do conceito de indício [art. 58.º, n.º 1, al. a), do CPP]. Não existindo indícios [nem sequer suspeitas] que permitam imputar aos arguidos os crimes denunciados, e não tendo sido solicitado o interrogatório pelos denunciados, não se impunha ao Tribunal a realização daquela diligência de prova, não ocorrendo qualquer nulidade.
VIII - Encerrado o inquérito, que compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art. 262.º, n.º 1 do CPP), cumpre ao MP enquanto dominus desta fase processual e titular da ação penal (art. 263.º do CPP), dar destino ao inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação. Arquivado o inquérito, nos termos do art. 277.º, n.º 1, do CPP, pode o respetivo despacho ser sindicado por intervenção hierárquica, espontânea ou requerida (art. 278.º do CPP.) ou por via judicial, através da abertura da instrução (art. 287.º do CPP).
IX - Tratando-se de requerimento do assistente, este deve, ainda, conter a narração dos factos, das disposições legais aplicáveis, tal como se dispõe para a acusação (als. b) e c) do n.º 3 do art. 283.º do CPP).
X - O que se exige ao assistente no requerimento da abertura de instrução, por força da última parte do n.º 2 do art.287.º do CPP, não é mais do que se exige ao MP no caso de este deduzir acusação (art. 283.º, n.º 3, als. a), b) e c), do mesmo Código), e do que se exige ao assistente no caso de dedução de acusação por crime particular (art. 285.º, n.º 3 do CPP).
XI - Tratando-se de requerimento de abertura de instrução pela assistente – art. 287.º, 1, b), do CPP – relativamente a factos pelos quais o MP não deduziu acusação, é aplicável ao requerimento a apresentar por aquela o disposto nas als. b) e c) do n.º 3 do art. 283.º do CPP, por remissão da parte final do n.º 2 do cit. art. 287.º do mesmo diploma legal.
Assim, sublinha-se, para além do conteúdo explicitado na 1.ª parte deste n.º 2 do art. 287.º, deve aquele requerimento conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deva ser aplicada, assim como a indicação das disposições legais aplicáveis.
XII - No caso vertente, o recorrente requer que seja proferido despacho de pronúncia que pronuncie os denunciados, pelo crime de denegação de justiça p. e p. pelo art.os 369.º do CP. Todavia, o denunciante não dá nota de factos bastantes de onde se possa concluir que algum dos denunciados tenha violado, quaisquer deveres funcionais, sobretudo para se concluir que, maliciosamente/conscientemente, o privaram da entrega dos filhos; filhos esses que, em algum momento, lhe haviam sido subtraídos. Na realidade o denunciante não participa nenhum facto, nem da instrução resultou indícios suficientes. O denunciante limita-se apenas a denunciar o atraso no processo e a atribuir a esta circunstância relevância penal.
XIII - Conjugado o art. 308.º, n.º1, do CPP, com a noção de suficientes indícios, dada pelo art. 283.º, n.º 2, do CPP, resulta que a lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança, não impondo, porém, a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.
XIV - A faculdade do convite ao assistente para corrigir as deficiências do RAI - questão que durante algum tempo mereceu tratamento divergente na jurisprudência - está hoje ultrapassada, face ao acórdão para fixação de jurisprudência do STJ de 12-05-2005, DR, I Série – A, de 04-11-2005, do qual não vemos razões para divergir, onde se decidiu que “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do art.º 287 n.º 2 do Código de Processo Penal quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.
XV - Faltando, pois, no caso, a cabal descrição dos factos que permitam fundamentar a aplicação de uma pena - o que se traduz na falta do objecto do processo -, não podia ser admitido o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo recorrente, por inadmissibilidade legal.
Decisão Texto Integral:


 Proc.º nº 239/21.5TRLSB

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça.

I. Relatório

1. No âmbito da Instrução com o nº 239/21.5TRLSB, do Tribunal da Relação de Lisboa, o denunciante AA, não se conformando com a decisão proferida pelo Exmo. Sr. Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, actuando na qualidade de Juiz de Instrução Criminal, nos termos da qual foi indeferido o pedido de constituição de Assistente por parte do denunciante – relativamente à baixa médica fraudulenta, por crime de fraude contra a Segurança Social e Abuso de Confiança contra a Segurança Social p. e p. pelos artºs 103º a 107º, todos do RGIT (conforme se refere no requerimento de abertura de Instrução e nas motivações e conclusões do recurso) – e rejeitou o requerimento de abertura de instrução quanto ao crime de denegação de justiça – quanto aos denunciados BB, Juíza de Direito e CC, Juiz de Direito –, vem da mesma interpor recurso, formulando as conclusões que se transcrevem:

A – Para os efeitos do artº 412º nº 2 als a) e c) do CPP, as normas jurídicas violadas, incorretamente interpretadas e aquelas em que ocorreu erro na sua determinação, ou que, deveriam ter sido aplicadas e não o foram, são as seguintes:

- artº 118º, alíneas c) e d) do artº 119º, artº 120º nºs 1 e 2, alínea d), e nº 3 alínea c) e artºs 122º e 123º, todos do Código de Processo Penal e 369º do CP e artºs 103º e 107º do RGIT;

- 242º nº1 alínea b), alínea b) do nº 1 do artº 287º, e também os nºs 2, 3, 4 e 5, alíneas b) e d) do nº 3 do artº 283º, nº 4 do artº 288º, 289º, nº 2 do 290º, 268º, 270º, nº 3 do 291º, 292º, 295º, 298º, 299º, nºs 1, 3 e 5 do 303º, 340º todos do CPP;

- artºs 57º nº 1 a 3, 58º nº 1 alínea a) e nº 6, 60º, 61º nº 6 alínea c), nº1 als. a) e e) do 68º, 192º nºs 1 e 6, 194º nºs 1, 4, 5 e 9 e 196º todos do CPP;

- nº 2 do artº 28º e 137º ambos do CPP, e ainda;

- artºs 8º, 13º, 18º, 20º e 32º da CRP, e, artºs 1 e 4º do EMMP, artº 7º - C do EMJ, e, por fim;

- artºs 6º, 7º, 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem.

B – Enferma das seguintes nulidades, um Despacho não suficientemente fundamentado que rejeita, sem motivação adequada e sustentada, ante o que foi requerido na abertura de instrução, desprovido assim de sustentação legal, nomeadamente, por violar:

→ Por violação do princípio da legalidade, com a inobservância dos expressos normativos legais, acima indicados;

→ Por ausência de constituição dos denunciados como arguidos, e de prestação pelos mesmos de TIR, para o normal decurso do inquérito e da instrução;

→ Por falta de instrução, quando a Lei determina a sua obrigatoriedade e inexiste razão para a sua não realização;

→ Por consequente insuficiência da instrução, por total ausência de investigação e não cumprimento das diligências instrutórias requeridas, reputadas de essenciais para a descoberta da verdade material;

→ Por rejeição do RAI, quando este é admissível por lei, inexistindo qualquer sustentação legal para invocar a sua inadmissibilidade legal, sendo que, este preencheu todos os requisitos e pressupostos legais exigidos para o efeito;

→ Por total ausência de investigação/instrução; não realização do Debate Instrutório (obrigatoriamente exigido por lei), com a supressão do direito ao contraditório, da oralidade, e ainda, da publicidade, ao Assistente e aos Denunciados;

→ Por absoluta omissão de pronúncia sobre todo o teor do RAI;

→ Por completa ausência de fundamentação/motivação sobre os argumentos de facto e de direito, invocados no RAI, pelo Assistente;

→ Por total ausência da realização das diligências de prova requeridas no RAI, sem qualquer justificação legal e plausível, para tal;

→        Por violação do direito de intervenção/defesa do Assistente, consubstanciado no direito ao julgamento equitativo da sua causa e a ser tratado em igualdade com os demais sujeitos processuais, e na sua sequência, o direito a ser ouvido, e ainda, a uma decisão em prazo razoável;

→ Por violação dos Princípios constitucionais, da legalidade, do respeito pela vida familiar;

→ Por violação do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, direito da intervenção do ofendido no processo, do direito da igualdade entre os sujeitos processuais, e violação da vinculação da Justiça aos Direitos, Liberdades e Garantias do Assistente;

→ Por violação da defesa da legalidade democrática e do dever de diligência,

Tudo, conforme alegado e melhor demonstrado no corpo das alegações.

C – Se a Sr.ª Juíza de Direito Participada, confessa que, estando de baixa médica, se encontrava, ainda assim, a trabalhar, e logo, consequentemente, a receber por força da Lei da Segurança Social o competente subsídio por doença, resultante de incapacidade temporária para o Trabalho, estamos em face de uma situação de baixa fraudulenta, de fraude contra a Segurança Social, e, ainda, de fraude na obtenção/recebimento do referido subsídio de doença, que naquele cunstancialismo não seria legalmente devido.

Nos termos consignados na al. e) do nº 1 do artº 68º do CPP, “Qualquer pessoa nos crimes contra…fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.”, tem legitimidade para requerer a sua constituição como Assistente. Efetivamente, tais “crimes fiscais” visam proteger o património do Estado, mas, não só, pois, parece-nos óbvio, que o ora Recorrente, tem interesse pessoal e autónomo, bem como, qualquer cidadão, para tal. Porque, cada cidadão é que faz o Estado, existindo um interesse colectivo, em que, a má utilização de dinheiros públicos seja investigada até ao fim. O que, determina também, e ainda, a sua legitimidade na sua constituição como Assistente, quanto a estes dois ilícitos criminais fiscais, por este, aqui Recorrente, ter sido igualmente ofendido no seu direito à Justiça célere e equitativa, em face da Sra. Juíza Participada, estar de baixa médica, mas apenas, e tão somente, para algumas das suas funções judiciais, pois que, para outras, continuou ao serviço, pelo que, dúvidas não podem existir e/ou subsistir, de que, o ora Recorrente por Lei, foi especialmente ofendido por tal prática fraudulenta, tudo, cfr. ao abrigo das alíneas a) e e) do nº 1 do artº 68º do CPP.

Daí que, a Lei fale nos casos de fraude, “em qualquer pessoa”, ali cabendo claramente ao Assistente ora Recorrente, a dita “legitimidade”, para se constituir Assistente, também relativamente a estes específicos ilícitos criminais;

D - Por outro lado, e, em face do teor do artigo 242.º do CPP, estamos em face de crimes de Denúncia obrigatória, v. artigos 242.º, n.º 1 al. b), 292.º e 340.º do CPP, e, concomitantemente, a requerer a abertura de instrução.

Cabendo destacar que, se opôs o Ministério Público à requerida constituição como Assistente do ora Recorrente, no que tange a estes dois tipos de ilícitos criminais, o que, é no mínimo, incompreensível, posto que, nos termos do disposto nos artºs 1º e 4º do seu Estatuto (EMMP) compete ao Ministério Público representar e defender todos os interesses do Estado, e ainda, exercer a ação penal. Ainda, para mais, quando estes foram confessados junto dos autos, do CSM e também perante Magistrados do Ministério Público.

Tendo sido o queixoso admitido na qualidade de Assistente relativamente ao crime de “denegação de justiça”, é o que, para tanto basta. Uma vez que, “o procedimento” não depende de acusação particular, visando o ora Assistente DD, quanto aos ditos crimes fiscais “… factos pelos quais o Ministério Público não tiver deduzido acusação.”.

Ora, de acordo com tal preceito legal, o ora Assistente e Recorrente DD, não só pode denunciar tais factos, como igualmente requerer a sua instrução, como está óbvio e resulta tal, da própria letra da Lei.

E - O crime de denegação de justiça e de prevaricação previsto no art. 369.º do CP cobre uma multiplicidade de condutas, que se podem reconduzir a um étimo comum que consiste na atuação contra o direito. Como seja, não cumprir reiteradamente um prazo e não decidir, é fatalmente agir contra o direito, pois ninguém está acima da Lei, e, esta, submete todos. E de acordo com a letra da Lei plasmada no nº. 1, do normativo em análise, basta que seja a atuação e/ou omissão “conscientemente”, sendo que, o crime na forma agravada, conforme fixa o seu nº. 2, é que exige a “intenção de prejudicar ou beneficiar alguém”. Em face de um processo de natureza urgente, no qual, foi denegada a justiça, participada criminalmente nos autos, (urgência conforme definida por Lei e com a orientação do CSM). Nesse sentido, não decidir, fosse qual fosse o sentido da Decisão (o que, nunca esteve em causa), adiar e protelar a decisão, é sem dúvida, denegar justiça ao cidadão, tanto mais, quando tal sucedeu, de modo reiterado, e já após o CSM, ter determinado que cumpria à luz da Lei decidir os autos. Consequentemente, este crime enquadra-se no amplo sector dos crimes de funcionários, de forma análoga aplicado aos Magistrados, em que o fator determinante reside na violação dos deveres funcionais decorrentes do cargo ocupado/desempenhado, pelo que, se configura como um típico crime específico (próprio).

F - O agir contra o direito, abrange, em primeiro lugar, o conjunto de normas vigentes na ordem jurídica positiva, independentemente da sua origem ou modo de revelação, tenham cunho material ou processual, natureza pública ou privada, de criação estadual ou não, como também princípios jurídicos, não direta ou expressamente consignados em normas positivadas, mas que, delas decorrem e gozam de força cogente. A nota delimitadora deste crime é a consciência de tal contradição de agir contra o direito, ou seja, é o assumir da violação dos deveres profissionais em função de outras quaisquer razões, sejam elas quais forem. Cabendo salientar, que, não nos estamos a reportar obviamente ao período temporal em que a Sra. Mmª Juíza participada esteve de baixa médica, e, igualmente, à tramitação processual que não esteve na alçada do Sr. Mmº. Juiz participado. Ora, não pode haver dúvidas, de que a Sr.ª Juíza e o Sr. Juiz participado, sabiam “conscientemente” que o processo era urgente e tinham de o decidir e em tempo, ainda, para mais, quando tal foi afirmado/confirmado pelo CSM, e que, o seu Exmº. Sr. Vice Presidente, assim reiterou o que a Lei consigna.

G – Os Srs. Juízes participados, sabiam consciente e naturalmente, com certeza do seu dever de decidir num prazo razoável, o qual, lhes era imposto por Lei e objetivamente decorrente dos prazos legais fixados para o efeito. Mas, não quiseram ainda assim, conscientemente, decidir, em prejuízo deste Pai e destas Crianças. Pois, nenhum e qualquer motivo, foi avançado para que assim não tivessem agido. No caso da Sra. Juíza participada, nada justificou quanto ao período temporal, de reiterado e grosseiro atraso na decisão a proferir nos períodos temporais em que esteve ao serviço. E quanto ao Sr. Juiz participado, até escreveu no processo que não lhe cabia decidir, e que os autos não eram urgentes, influenciando, ainda, assim, a que, mais nenhum Juiz cabia decidir.

H - Não existiam no caso, diversas vias juridicamente admissíveis – havia uma, apenas, estamos em face de um processo urgente, o Julgamento havia terminado em 23-04-2021 (tudo factos invocados na instrução e ignorados por esse Venerando Tribunal), havia que proceder a alegações, encerrar a audiência de discussão e julgamento e decidir de acordo com a Lei, em 15 dias – ora isso não aconteceu, e bem mais de 1 ano depois, é que é proferida a decisão, nos presentes autos, por sinal, extrapolando sem qualquer incómodo e problema de consciência o que o CSM havia deliberado, que a decisão se impunha em 10 dias cfr. al. p) do nº 1 do artº 149º do EMJ, uma vez que, cabia estabelecer a prioridade para este processo, em virtude de, tal período decisório ter sido “considerado excessivo”.

Sendo que, o Apenso B continua pendente, igualmente, há mais de um ano sem sequer ter Julgamento designado. O mesmo sucedendo com o Apenso D.

I - A Sr.ª Juíza participada esteve doente, ao que se soube, pelo que, exarou nos autos. Mas, há muito regressou ao serviço, não tendo cumprido no período que a Lei lhe impunha, o que era seu dever funcional, o mesmo sucedendo, com o Sr. Juiz participado, quando, no seu turno, teve nas suas mãos a responsabilidade de tais autos. O CSM insistentemente lho determinou, a Lei assim lho impunha, contudo, a Lei não decide, e o CSM não pode decidir e substituir-se aos seus Juízes, dando azo à prolação de sentenças. É que estas crianças e este progenitor têm direito a decisões em tempo razoável, é o que impõe a Lei ordinária, a CRP e a CEDH.

Fosse em que sentido fosse, que é apenas e tão só, o que sucessivamente se vem requerendo e pedindo – ou seja, em face de tais insistentes requerimentos a pedir decisão – a qual, tem prazo especial fixado na Lei - e pelas próprias determinações do CSM, impunha-se que se decidisse.

J - Naturalmente que, o prejuízo para este Recorrente e estas crianças é evidente, a cada de dia que passa, hora, minuto, segundo – a sua vida está suspensa, há cerca de 2 anos e meio – e estão na prática, estas Crianças separadas do pai, desde Março de 2019 – se isto não é prejuízo sério, o que será! Quando se desconhece um motivo plausível e identificado, para o Tribunal andar a protelar esta matéria, reiterada e sucessivamente. E, quando as Leis Comunitárias, nacionais, e até já a Jurisprudência nacional do Supremo Tribunal de Justiça, reforçam cada vez mais a aplicabilidade e menção aos normativos que intensificam e criam os laços de vinculação com os progenitores, ainda que, em casos extremos, o que, nem é aqui o caso.

L - Somos conhecedores das pendências elevadíssimas que sobrecarregam os Tribunais, mas, sendo admissível um atraso de dias ou até de singulares meses, não o será, por certo, o atraso de mais de um ano!? Num processo urgente, quando a Lei é clara e repetitiva, no sentido da Decisão. E, para, mais, quando, se despacharam Apensos sobre a matéria cuja entrada em Tribunal foi posterior, realizando-se nestes despachos e Conferências, quando, a ação mais urgente, pendia e aguardava, há muito, decisão. Isto foi em desconhecimento ou conscientemente, escolha dos Srs. Juízes, participados. Não decidir depois de tal lhe ser insistentemente pedido, e até, firmado pelo CSM, é com certeza, preencher todos os elementos do tipo, o objetivo e subjetivo do tipo de ilícito previsto e punido pelo artigo 369.º do nº. 1 do CP , e violação clara, dos deveres funcionais dos denunciados em causa.

A intenção de prejudicar, constante do n.º 2 do preceituado crime em questão (do artº 369º do CP), não se aplica ao nº1 do normativo. E o preenchimento do nº1 da norma é sem margem para dúvida verificado, pois a consciência de que se tinha de decidir e não se decidiu, ocorreu – e para isso havia prazo expresso e especial, e haviam requerimentos, a humildemente, suscitar e solicitar a sentença, e deliberações do CSM a determinar, isso mesmo – não era possível arguir inconsciência por parte dos Denunciados. Não se pode acreditar que se conceba, que, para tal se ter verificado, e para se entender que ocorreu o crime, se seria necessário que os Denunciados viessem, escrevê-lo, expressamente – pergunta-se a V. Exas., é que, não é isso que a Lei exige no seu nº. 1. E se, assim fosse, nunca ninguém praticaria este crime.

M - Quando o Recorrente requereu esta entrega judicial de Criança (autos nos quais foi praticada a denunciada denegação de justiça), não existia nenhum PPP pendente e as medidas ali aplicadas tinham sido declaradas cessadas e não havia mãe viva – só um pai capaz e não inibido, mais uma vez, com sustentação legal, pelo RGPTC, CRP e CEDH – este último cfr. artigos 6.º e 8.º. Factualidade que está bem frisada no requerimento de Abertura de Instrução rejeitado, e de que ora se recorre, por ter ignorado na totalidade, com manifesta omissão de pronúncia sobre tudo o que ali foi invocado. E que, com certeza, se lá tivermos de chegar, o Tribunal Europeu dos Direitos do Homem não deixará de conhecer. Acresce que as Crianças antes de serem trazidas ilicitamente para Portugal pela mãe tinham as suas Responsabilidades Parentais reguladas por um Tribunal ..., por sentença com força executória, obviamente, também em Portugal, porque é país que integra tal Convenção. O que a Mmª Sra. Juíza Desembargadora Relatora do Despacho que ora se impugna, jamais conheceu, pois que, concluiu que estas Crianças nunca foram “subtraídas”. Quando na própria 1ª Instância se deu como assente que as mesmas foram trazidas em vida da Mãe, para Portugal, com o desconhecimento, e sem o consentimento, do pai aqui Recorrente ou do Tribunal ....

N – Sendo que, a “Instrução” somente pode ser rejeitada – cfr. dispõe o nº. 3 do artº 287º do CPP, quando: “O requerimento só pode ser rejeitado por extemporâneo, por incompetência do juiz ou por inadmissibilidade legal da instrução.”; Consigna o Despacho aqui recorrido que a instrução é rejeitada por “inadmissibilidade legal”, contudo, do pouco que se argumenta, no Despacho de rejeição da mesma, nada decorre, que explicite que a abertura da instrução nos termos que foi apresentada não preenche todos os requisitos e pressupostos legais, para não ser admissível legalmente. E, nada existe na Lei, nem foi invocado qualquer normativo legal que a impeça de prosseguir os trâmites legais que estão destinados à fase instrutória. O requerimento de abertura de instrução em apreciação, não podia ter sido rejeitado pela afirmada ausência de “legitimidade” que foi arguida no Despacho ora recorrido, cabendo ainda salientar, aliás, como se vai frisar, que, nunca os Denunciados Srs. Juízes identificados foram sequer constituídos arguidos, não se tendo cumprido, tão pouco, o que, a demais, legalmente se impõe no preceituado nos nºs 4 e 5 do artº 287º do CPP. Manda o nº. 4 do artº 288º do CPP, que o juiz de instrução “… investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução…”. Ora, não só o requerimento de abertura de instrução não poderia ter sido rejeitado com o fundamento escolhido, como foi praticada patente omissão de diligências instrutórias, e de pronúncia, com o consequente, incumprimento manifesto do nº. 4 do artº 288º do CPP, conjugado, com o disposto nos artºs 289º e 290º e segts todos do CPP.

O – Invoca o Despacho ora recorrido que o requerimento de abertura de instrução não cumpriu o disposto no nº. 2 do artº 287º do CPP, com a salvaguarda de melhor entendimento, cremos que a Mmª Sra. Juíza Desembargadora Relatora não cuidou de se debruçar com profundidade sobre tal requerimento e de ler o que nele está escrito, pois, desde logo, importa salientar, que, só de factualidade enumerada com motivação de direito, foram 66 pontos descritos, para além das invocadas razões de facto e de direito, e das várias diligências de prova requeridas. Tendo o Assistente requerido a presente instrução, esta é “… obrigatoriamente…” formada, “… por um debate instrutório, oral e contraditório…”, direito que foi suprimido ao Assistente, e, não só, também aos Denunciados, que, na presente fase processual dos autos, se estranha e desconhece, porque não foram constituídos arguidos, e, porque não prestaram termo de identidade e residência (TIR), tal como, determina a Lei para a concreta situação em apreço (cfr. nºs 1 e 3 do artº 57º, al. a) do nº1 e nº 6 do artº58º, al. c) do nº. 6 do 61º e ainda, artºs 192º nº 1 e 6, 194º nº 1, 4, 5 e 9, e 196º todos do CPP). Sendo que o TIR é prestado logo que o arguido assume e assina a qualidade de arguido, o que, até ao presente nunca ocorreu, dando assim azo a que nada se tenha investigado até ao momento, sobre a eventual responsabilidade criminal dos Srs. Juízes denunciados, pela prática dos crimes resultantes da queixa apresentada pelo ora queixoso e assistente.

Se no descortinar da atuação a imputar ao Juiz, “…deve-se usar de um crivo exigente…”, o que, na prática não sucedeu, ficando-se tal, apenas pela teoria, pois se assim tivesse sido, os Srs. Juízes denunciados teriam sido constituídos arguidos e teriam no mínimo prestado TIR, e até, seriam os próprios, e esse Venerando Tribunal, a exigir o exemplar rigor e a total investigação, nos presentes autos.

P - No que tange às diligências instrutórias requeridas, salienta-se, que, igualmente, as mesmas não foram observadas, nem nesta fase instrutória, conforme estipula o artº 60º do CPP, “… e da efetivação de diligências probatórias, nos termos especificados na lei.”, nem, na fase anterior de inquérito. Em suma, não foi feita qualquer mínima investigação e diligências probatórias no âmbito dos presentes autos. Ora, tal não se verificou, nem podia de modo algum acontecer, dado que, os Denunciados até hoje não foram constituídos arguidos, não sendo deste modo possível iniciar qualquer exercício investigatório. Ainda que, determinadas conclusões do Ministério Público se revelem absurdas e de modo notório “contra leges”. Veja-se, por exemplo, a defesa da DMMP, no sentido de que o assinar das Atas pela Sra. Juíza denunciada, quando estava de baixa médica, não constituir seu efetivo trabalho!?E que, sobre esta matéria, mais uma vez, o Despacho de rejeição aqui impugnado, apesar de, na abertura de instrução, a questão ter sido suscitada, nada se pronunciar. Será caso, mais uma vez, para nos questionarmos, se foi efetivamente lido o requerimento de abertura de instrução rejeitado, e se, porventura, se deu conta, de que, nem constituição de arguidos ocorreu, totalmente em contradição, com a exigência legal.

Q – O D. Despacho ora recorrido, por seu turno, e da análise do tipo legal em apreciação – o crime de “denegação de justiça”, começa, salvo o devido respeito, por apreciar a questão pelo fim, ou seja, descura, desde logo, a análise do elemento objetivo do tipo, nada aferindo da correspondência entre os factos relatados no requerimento de abertura de instrução e o elemento objetivo do tipo. Contudo, debruça-se logo sobre o elemento subjetivo que se entende caberia estar subjacente a este tipo de ilícito criminal, aqui em causa. Invocando a Douta Jurisprudência Uniforme do STJ, e tentando adaptá-la ao caso concreto, conclui que somente o dolo direto e o necessário, são relevantes na causa em questão, e que, apenas o “desvio voluntário” será determinante para que “… se afirme uma negação de justiça”.

No entanto, esta conclusão, é alcançada pela simples ilação pessoal da Exmª. Sra. Desembargadora Relatora, posto que, não tendo os Srs. Juízes denunciados sido constituídos arguidos, e por conseguinte, jamais tendo sido ouvidos, em sede destes autos, como se pode tentar adivinhar e acertar na vontade e intenção, consciente ou não, voluntária e/ou involuntária, que esteve porventura subjacente à ação e/ou omissão dos Exmºs Srs. Juízes denunciados!? Tanto mais que, para além de nem terem sido ouvidos, em paralelo também nenhuma investigação foi até ao presente, encetada nestes autos. Nesta total ausência acima descrita, como se pode afirmar com qualquer mínima convicção, que os Srs. Juízes denunciados não praticaram, por certo, qualquer “desvio voluntário”, com consequente, negação de justiça.

R - No que concerne à factualidade, e não obstante, os muitos factos elencados no pedido de abertura de instrução, a verdade, é que, o D. Despacho aqui impugnado, apenas se limitou a relatar sete parágrafos “factuais”, que nem inúmera, nem identifica, enquanto tal (veja-se, de final da pág.4 até meio da pág. 5, sendo que, da pág. 5 à 34, se trata apenas e tão só, da transcrição do despacho de 31.07.2021 (onde se relata muito e nada se decide). Sendo o Despacho também omisso na indicação sobre a eventual prova documental ou outra, de onde retira tais factos, que dá como “eventualmente” assentes. O 7º parágrafo, por sua vez, corresponde, nada mais, nada menos, do que à completa transcrição integral de um despacho proferido na 1ª Instância, a 31.07.2021, por um dos Srs. Juízes denunciados, (em turno judicial de Verão), no âmbito do Apenso B (ARRP), cujo processo, escreva-se, nem é o processo “principal” da questão despoletada pela denúncia aqui visada, e, consequentemente, pelo requerimento de abertura de instrução.

O D. Despacho a quo do Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, transcreve o dito despacho de 31.07.2021, o qual, se encontra plasmado, veja-se, da página 5 à 34, nisto se ocupa o Despacho ora recorrido, descurando o mais de tramitação que tais autos assumiram, desde então, e até à data do Despacho de que ora se recorre proferido a 28.06.2022. Bem como, da fundamentação do Despacho aqui impugnado, e apesar de haver lugar a longa transcrição, já não poder ser possível apurar qualquer rigor e exigência em argumentação necessária para a rejeição tomada sobre o requerido pedido de abertura de instrução.

Pela simples transcrição do referido despacho acima aludido datado de 31.07.2021, caberia ao Venerando TRL ter investigado, refletindo, e só depois concluir, designadamente, por que, razão, um despacho datado de 31.07.2021, que fala na “…patente inutilidade superveniente da lide.”, e, que, data de há quase um ano atrás, não determinou ainda tal desfecho, extinguindo a presente lide, sendo que, ainda hoje, tal Apenso pende.

Entre muito mais que se pode frisar, podemos destacar por exemplo o último parágrafo do despacho de 31.07.2021 transcrito, o qual, à revelia do que outros Srs. Juízes de turno com intervenção nos autos plasmaram, e até, em absoluta contradição com o sentido que o CSM já tinha afirmado sobre o processo (de que estávamos indubitavelmente perante um processo de caráter urgente), o Sr. Juiz ora denunciado escreve perentoriamente “… que não estamos perante processo com carácter urgente…”, olvidando por completo o que dita a Lei, os seus pares e ainda o seu CSM.

No que concerne ao referido Apenso B (ARRP), como igualmente, se realça na queixa apresentada, e no pedido de abertura de instrução, este também não foge à regra da praticada “denegação de justiça”, invocada nestes autos, pois que, também nesse processo, o ora Assistente, aguarda julgamento na 1ª Instância, há mais de um ano.

Mostrando-se de elevada importância investigar se o “porquê” de tal atraso se justifica à luz da lei e/ou se existe qualquer mínimo motivo plausível para tal. Quisesse-se, assim, investigar o que por lei se impõe. E, já agora, seria pertinente de aferir, que, ante um recurso interposto em tal Apenso, a 25.06.2021, qual a data do despacho que sobre a sua admissão recaiu.

S – Tendo o D. Despacho ora posto em crise, enunciado o facto de a Sra. Juíza denunciada, responsável pelo processo, ter estado em período de baixa médica. Não foi, contudo, concretizado o exercício que se impunha. Não se aferiu, desde a data da entrada dos autos e até ao dia 28.06.2022, data em que foi proferido o Despacho de rejeição de que ora se recorre, o período em que a Sra. Juíza denunciada esteve de baixa médica e o período que esteve ao serviço. O mesmo sucedendo, com o Sr. Juiz de turno denunciado, o qual, não só, não poderia ignorar a determinação do CSM sobre a matéria, como também, que os autos seriam tramitados, precisamente, em turno judicial de Verão, em virtude de serem qualificados por Lei como urgentes. Igualmente, não cuidou, o Despacho ora posto em crise, de saber, que desfecho deu o CSM à exposição que o aqui Assistente e Recorrente, apresentou a 16.06.2021. Procedimento que até hoje, ainda não está arquivado, e, no qual, o CSM, por três vezes informou que cabia decidir os autos, sendo que, ao abrigo do disposto no artº 149º nº 1 al. p) do EMJ – “…prioridade para período considerado excessivo”, fixou prazo, para o presente processo ser decidido, o qual, mais uma vez não foi cumprido. Ainda que tal imposição, tenha decorrido de deliberação da Secção de Assuntos Inspetivos e Disciplinares do Conselho Permanente ordinário de 24.05.2022 do CSM.

Pois, estes são alguns dos factos, que o Despacho de rejeição ora recorrido, descurou em absoluto, limitando-se a concluir pelos parcos factos que evidenciou, e omitindo a pronúncia e o rebate argumentativo e de fundamentação, quanto, aos muitos factos que se elencou no requerimento de abertura de instrução. O Assistente, não só imputou factos bastantes e concretizados a cada um dos Srs. Juízes denunciados, como também constam do processo aqueles que podem ser imputados, não só aos denunciados, como também, a eventuais desconhecidos, bastando para tal, que a Sra. Juíza Desembargadora Relatora tivesse ido investigar, começando, desde logo, pela mera leitura integral dos autos. Da leitura do processo, pois que, a prova documental, aqui é “rainha”, muito se entenderia, bastaria ler, o mesmo, ocorrendo com os procedimentos administrativos desencadeados, quer junto do CSM, quer junto da Provedoria de Justiça. O mesmo sucedendo, também, com todos os factos que foram relatados no requerimento de abertura de instrução, os quais, se mostram sobejamente concretizados, descritos, circunstanciados em termos de tempo, modo e lugar, e ainda, estão enquadrados no que tange à respetiva incriminação, com o preenchimento do elemento objetivo e subjetivo do tipo. Assim tivesse o Despacho ora recorrido, feito a sua análise crítica, retirando as devidas consequências legais, não tivesse sido absolutamente omitida a sua investigação, iniciada na fase de inquérito e reiterada na instrução. À Mmª. Sra. Juíza de Instrução caberia proceder ao cumprimento dos termos conjugados e previstos nos artºs 283º, 286º e 290º todos do CPP, e, no exercício deste dever, ter constatado os factos concretos que se bastassem indiciados, e que, por sinal, não foram vertidos pelo Ministério Público, numa acusação pública.

Não só o requerimento de abertura de instrução fez uma descrição factual concreta e completa, de acordo com a tramitação que os presentes autos têm seguido, e, em face da atuação dos Srs. Juízes denunciados, como tal elenco de factos, não logrou obter qualquer mínimo exercício crítico, investigatório e de pronúncia fundamentada, por parte do Despacho aqui em crise.

T – Sem o mínimo suficiente de investigação, o D. Despacho de Rejeição, adere por completo à argumentação da 1ª Instância, sem que, se tenha debruçado sobre qualquer motivo invocado pelo Assistente, e o tenha minimamente rebatido de modo fundamentado. Ou seja, perante as duas teses firmadas e existentes, a posição dos Srs. Juízes denunciados e a do aqui Recorrente, esse Venerando Tribunal, adere de imediato à tese dos seus pares, sem qualquer mínimo “questionar” e/ou sentido crítico. Quando se pode constatar que as diligências de investigação e de prova levadas a cabo pela 2ª Instância, foram zero, na esteira do que já ocorrera na fase de Inquérito. Sobre a demora dos despachos proferidos (reconhecida pelo próprio CSM) e a atuação assumida pelos Srs. Juízes denunciados nos autos, conforme matéria despoletada no requerimento de abertura de instrução, esse Douto Tribunal, não exara uma única palavra no seu D. Despacho de Rejeição. Como pode afiançar esse Venerando Tribunal da Relação de Lisboa, sem sequer, ter ouvido os Srs. Juízes denunciados, e, sem ter indagado junto dos visados processos judiciais (em Portugal e no estrangeiro), e também, nos procedimentos junto do CSM e da Provedoria de Justiça, o que constituiu o pensamento, a intenção e a vontade dos Srs. Juízes denunciados, com toda a atuação e ausência dela, no processo em apreço, ante o que se queixa o ora Assistente aqui Recorrente. E, por consequência, se está ou não, efetivamente, preenchido o elemento subjetivo do tipo. Em que se apoia esse Venerando Tribunal, uma vez que, não indagou o que seja, sobre a queixa de rapto internacional concretizada e sobre as datas das sentenças proferidas no Estrangeiro atinentes a estas Crianças, para concluir sem mais que, “… filhos esses, que, em algum momento, lhe haviam sido subtraídos.”. E questionamo-nos nós, mas quais “arguidos”, e qual “actuação”. Se isto não é ostensivo, chocante e altamente reprovável para a Justiça, o Estado de Direito Democrático e para a defesa e garantias do cidadão, não saberemos apelidar do que seja.

U - E nisto, o Douto Despacho aqui recorrido, refugia-se na ideia de que o requerimento de abertura de instrução não cumpre as formalidades impostas pelas als. b) e c) do nº 3 do artº 283º, ex vi artº 287º nº 2 ambos do CPP, sem que se escreva uma palavra, uma linha, sobre todo o rol de factos e de fundamentos que se gizou em tal requerimento, fazendo-se de conta, de que, o que lá está, não existe. E nesta “mascarada omissão”, é que se pretende sustentar a falta de pronúncia de que padece o Despacho ora recorrido! Sim, porque o RAI não prima pelo silêncio relativamente “… aos motivos que teriam levado os denunciados a agir ilicitamente…”, porque, o problema reside precisamente no facto de estes não terem agido, não foi agido ilicitamente!? Tratou-se essencialmente de omissão, por parte dos Srs. Juízes denunciados. Daqui se infere, e do mais que acima se deixou escrito, que não teria sido de todo, inútil, a realização da fase instrutória, como determina a Lei, pois, já não se teria, por certo, chegado a “… concluir pela inutilidade da realização da fase instrutória, por não existir qualquer probabilidade, ainda que remota, de os denunciados virem a ser pronunciados pelo crime cuja autoria o assistente lhes imputa.”.

Não há falta de objeto, não se quis, foi analisar e investigar o que este já indicia! E, por conseguinte, inexiste a invocada inadmissibilidade legal da presente Instrução, pois que, não existe nada na Lei, nem qualquer preceito legal que prive a sua realização, ou não a contemple nos termos e condições em que o RAI, a expôs e requereu.

*

2. A Procuradora-Geral Adjunta no Tribunal da Relação de Lisboa respondeu ao recurso interposto por AA, concluindo:

1. O recurso não dispõe de Motivação e Conclusões válidas.

2. Versando o recurso matéria de direito devia o recorrente ter observado o disposto no art. 412.º, n.º 2, als. b) e c) do CPP, ou seja, o sentido em que o Tribunal a quo interpretou ou aplicou cada uma das normas que entende terem sido violadas, e aquele, que a seu ver, deveria ter interpretado ou aplicado, bem assim, em caso de erro na determinação da norma aplicável, qual a norma que deveria ter sido aplicada.

3. Um recurso nestas circunstâncias deve ser rejeitado, nos termos conjugados dos arts. 412.º, n.ºs 1 e 2, 414.º, n.º 2, 417.º, n.ºs 3 e 4, 420.º, n.º 1, al. b), todos do CPP.

4. Os crimes a que o art. 68.º, n.º 1, al. e) do CPP alude no segmento "de fraude na obtenção ou desvio de subsídio", são os crimes de fraude na obtenção de subsídio ou subvenção e de desvio de subsídio ou subvenção, p. e p. nos arts. 36.º e 37.º, da Lei 28/1984, de 20/01, que nada têm a ver com a situação denunciada nos autos.

5. Quanto aos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social é jurisprudência unânime não admitirem a constituição como assistente. Para que tal sucedesse deveria o legislador contemplar essa admissão, o que não sucede.

6. O RAI apresentado pelo recorrente, porque eivado de considerandos conclusivos sobre atuações processuais de dois magistrados judiciais, sem qualquer reporte factual e jurídico, não preenche os requisitos necessários para ser admitido.

7. A irregularidade do despacho por falta de fundamentação ou por omissão de pronúncia só determina a invalidade do ato a que se refere, e dos termos subsequentes que possa afetar, quando tiver sido arguida pelos interessados no próprio ato ou, se a este não tiverem assistido, nos três dias seguintes a contar daquele em que tiverem sido notificados para qualquer termo do processo ou intervindo em algum ato nele praticado [art. 123.º, n.º 1, do CPP].

8. A eventual irregularidade do despacho em crise não foi suscitada no prazo a que se refere o art. 123.º, n.º 1, do CPP, pelo que as pretensas anomalias se mostram sanadas.

*

3. Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer, nos termos e fundamentos seguintes:   

1. Por douto despacho oportunamente proferido, o Exmo. Sr. Desembargador do Tribunal da Relação de Lisboa, actuando na qualidade de Juiz de Instrução Criminal, indeferiu o pedido de constituição de Assistente por parte do denunciante – relativamente aos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social – e rejeitou o requerimento de abertura de instrução quanto ao crime de denegação de justiça.

O denunciante reagiu a tal despacho, interpondo recurso para o Supremo Tribunal de Justiça.

2. À sua argumentação respondeu, fundada e detalhadamente, a Exma. Magistrada do Ministério Público junto da Instância, pugnando pela respectiva improcedência.

3. Dir-se-á, desde já, que a precisão e exaustividade dos argumentos aduzidos na resposta da Exma. Colega – que se acompanha inteiramente – nos dispensam de considerandos adicionais.

4. Na verdade, o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo Assistente – conquanto não estivesse sujeito a formalidades especiais – deveria ter cumprido requisitos mínimos na descrição da factualidade que considerava ser susceptível de configurar um ou mais crimes; à semelhança de uma acusação formulada pelo Ministério Público, que delimita a apreciação dos factos em julgamento, por parte do Tribunal que julga.

Ora, é aqui que o requerimento elaborado pelo Assistente falha completamente, como bem demonstrou a Exma. Procuradora-Geral-Adjunta no Tribunal recorrido, secundando a decisão judicial.

E, finalmente, é a própria motivação de recurso que não cumpre, também ela, as disposições legais atinentes.

5. Assim, pelas razões amplamente expostas na Instância, dir-se-á que o douto despacho recorrido não merece censura, pelo que nos parece que o recurso deverá ser rejeitado. – cfr. art.º 417º, n.º 6, al. b) do Código de Processo Penal.

*

4. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP nada tendo sido requerido.

*

5. Efectuado o exame preliminar e colhidos os vistos legais, foram os autos à conferência, cumprindo agora apreciar e decidir.

*

II. Fundamentação.

II.1. A decisão sob recurso é a seguinte (transcrição):

«I - PEDIDO DE CONSTITUIÇÃO DE ASSISTENTE

Nos autos procedeu-se à investigação da eventual responsabilidade criminal dos Senhores Juízes EE e CC pela prática do crime de denegação de justiça, p. e p. no art. 369.º, do C. Penal, ou de qualquer outro que resultasse da queixa contra eles apresentada pelo, agora aqui requerente, AA.

AA declara pretender constituir-se como assistente.

Constituiu advogado e pagou a correspondente taxa de justiça.

O Ministério Público declarou nada ter a opor à requerida constituição como assistente no que tange ao crime de denegação de justiça; declara, todavia, opor-se à referida constituição como assistente no que tange aos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 103.º e 107.º, do RGIT, pelos quais o requerente pretende a pronúncia da senhora juíza acima identificada.

Quid iuris?

A - Desde já se diga que nos termos do art. art. 68.º, n.º 1, al. e), do CPP, se admite a constituição de Assistente de AA no que tange ao crime de denegação de justiça p. e p. no art. 369.º, do C. Penal.

Notifique.

B - O mesmo já não sucede – tal como o Ministério Público pugnou – quanto aos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 103.º e 107.º, do RGIT, pelos quais o requerente pretende a pronúncia da senhora juíza.

A criminalidade fiscal visa combater a fuga ao pagamento de obrigações tributárias e, por isso, o bem jurídico tutelado pelos crimes em causa, reveste natureza complexa visando a preservação da transparência e verdade fiscal e o dever de cidadania no pagamento de impostos e, por essa via, o que em última análise se protege é o PATRIMÓNIO DO ESTADO.

Fácil é concluir que o denunciante não tem qualquer interesse autónomo que determine a sua constituição como assistente em processo penal, nos termos do art. 68º n.º 1 a) do CPP.

Somos, nos termos supra referidos, a INDEFERIR, a sua admissão como assistente.

Notifique.

**

II – DO REQUERIMENTO PARA ABERTURA DE INSTRUÇÃO

A - Quanto aos concretos ilícitos de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 103.º e 107.º, do RGIT, pelos quais o requerente pretende a pronúncia da senhora juíza, não podemos deixar de concluir que não tendo sido admitida a sua constituição como assistente, nos termos do art. 68º n.º 1 al a) do CPP, não se encontra investido com LEGITIMIDADE para nos termos do art. 287º n.º 1 al. b) do CPP requerer a INSTRUÇÃO.

Por esta razão, apesar de o requerente os poder denunciar, não pode requerer a instrução (não tem legitimidade para intervir como assistente).

Nesta parte rejeita-se, sem mais, o requerimento de abertura de instrução.

Notifique.

* * *

B - DA NÃO ADMISSIBILIDADE DO REQUERIMENTO DE ABERTURA DE INSTRUÇÃO APRESENTADO PELO ASSISTENTE NO QUE TANGE AO CRIME DE DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA, P. E P. PELO ART. 369º DO C.P. – da falta de condições de viabilidade

O, agora, assistente AA vem requerer a abertura da instrução.

Atenta a decisão acima proferida apenas nos ocuparemos do denunciado crime de DENEGAÇÃO DE JUSTIÇA por parte dos Senhores Juízes EE e CC.

No seu requerimento de abertura de instrução manifesta discordância contra o despacho de arquivamento proferido pelo Ministério Público (que conclui pela falta de indícios e mesmo de suspeitas da prática do crime em causa).

O crime de denegação de justiça e prevaricação, p. e p. pelo art. 369.º, n.º 1, do CP, encontra-se sistematicamente inserido no âmbito dos crimes contra o Estado, mais especificamente no capítulo dos crimes contra a realização da justiça. O bem jurídico tutelado é a realização da justiça em geral, visando a lei assegurar o domínio ou a supremacia do direito objectivo na sua aplicação pelos órgãos de administração da justiça, maxime judiciais.

Tem por elementos constitutivos a ocorrência de comportamento contra o direito, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar, por parte de funcionário, conscientemente assumido, havendo lugar à agravação no caso de o agente agir com intenção de prejudicar ou beneficiar alguém.

Face à exigência típica decorrente da expressão 'conscientemente', só o dolo directo e o necessário são relevantes, como é jurisprudência uniforme do STJ.

O dolo, enquanto vontade de realizar o tipo com conhecimento da ilicitude (consciência), há-de apreender-se através de factos (acções ou omissões) materiais e exteriores, suficientemente reveladores daquela vontade, de onde se possa extrair uma opção consciente de agir desconforme à norma jurídica.

Diga-se, desde já, que não são meras impressões, juízos de valor conclusivos ou convicções íntimas, não corporizados em factos visíveis ou reais, que podem alicerçar a acusação de que quem decidiu o fez conscientemente contra o direito e, muito menos, com o propósito específico de lesar alguém. – cfr. Ac. STJ de 12-7-2012 (consultado na PGDL em anotação ao artigo do Código Penal aqui em discussão).

Por outro lado – lê-se no referido acórdão do STJ -, não é a prática de qualquer acto que infringe regras processuais que se pode, sem mais, reconduzir a um comportamento contra o direito, com o alcance definido no n.º 1 do art. 369.º do CP; é preciso que esse desvio voluntário dos poderes funcionais afronte a administração da justiça, de forma tal que se afirme uma negação de justiça. Não basta, pois, que se tenha decidido mal, incorrectamente, contra legem, sendo necessário que quem assim decidiu tenha consciência de que, desviando-se dos seus deveres funcionais, violou o ordenamento jurídico pondo em causa a administração da justiça.

Toda esta argumentação pode ser trazida para o caso concreto.

A senhora juíza EE, no que a estes autos interessa, permaneceu na situação de baixa desde 02/07/2021 a 02/12/2021.

Nesse período de tempo foi sucessivamente substituída na tramitação do processo 699/20.... do Juiz ... do Juízo de Família e Menores ..., e seus apensos, pelo senhor juiz de turno CC e, desde setembro de 2021, pela senhora juíza auxiliar, FF.

A senhora juíza BB assinou, no sistema CITIUS, na Ata de 23/04/2021, no Apenso A, na data de 14/06/2021.

O denunciante apresentou uma exposição no CSM, em 16/06/2021, sobre a urgência no despacho dos autos e a sua perplexidade perante a morosidade no despacho, atendendo à natureza dos autos e ao estado em que encontravam.

O CSM, em 20/07/2021, na sequência dessa exposição, determinou que o processo 699/20...., e apensos, fossem afetos e conclusos ao juiz de turno, uma vez que estavam a decorrer as férias judiciais e a senhora juíza titular estava de baixa, a fim de prosseguir com eles nos termos que entendesse por convenientes.

O CSM tomou esta decisão sabendo que o processo estava concluso desde 08/05/2021.

Em 31-7-2021 o Sr. Juiz CC proferiu no Processo 699/20.... o seguinte despacho: (INÍCIO DE TRANSCRIÇÃO)

«Alteração da Regulação das Responsabilidades Parentais

1

1. Suspensão do apenso A e sua patente inutilidade superveniente da lide.

 Verifico agora, e precisamente na linha que já expendemos no despacho proferido no apenso A, que o Digno MP, na última conferência de 16.07.2021 neste apenso B, no ponto 2 da sua promoção final, promoveu a suspensão e posterior arquivamento por inutilidade superveniente da lide do apenso A.

É exatamente o nosso entendimento.

Porém, uma vez que se aguarda a vinda da Il. Juíza titular de baixa, e que sempre seria necessário cumprir o art. 3, n. 3 do CPC ex vi art. 33 RGPTC, e que a intervenção do signatário em turno é limitada, aconselha a prudência e o bom senso que se aguarde pelo regresso da Mm.ª Juiz titular de J3 para tramitar tal questão.

No entanto, e porque na análise que ali fizemos do processo de entrega judicial, nomeadamente para apurar se era necessário tomar reclamada decisão urgente (cuja resposta é negativa em processo condenado à extinção) constam elementos que sempre terão de ser tidos em conta nestes autos, pelo que, pela sua utilidade para a tramitação destes autos, transcrevemos parcialmente o despacho ali proferido no apenso A.

“1. Da consulta dos autos resulta o seguinte:

Como destacamos no ponto 4, a final deste despacho, não existe qualquer fundamento adjetivo e substantivo para a existência dos presentes autos sendo, no mínimo, patente a sua atual inutilidade superveniente. Porém, não obstante a evidência de toda esta situação adjetiva e substantiva, e que resulta da mera consulta perfuntória dos autos, ainda assim, dado o emaranhado de requerimentos e de alegações que os autos exibem, cumpre destacar alguns elementos da consulta dos autos e que atestam que a atual situação dos menores é a que mais salvaguarda os seus superiores interesses, em linha com o que a CPCJ e várias equipas da Segurança Social têm acompanhado, e que o Digno MP destaca na douta promoção que antecede, quando refere que a situação atual dos menores está salvaguardada e não se torna necessária, de momento, qualquer decisão pelo juiz substituto ou em turno.

Igualmente da consulta dos autos resulta que a mãe e irmãos uterinos sempre colaboraram de forma exemplar com a CPCJ, e depois com a EMAT e o Tribunal, colaborando com todas as visitas domiciliárias e fornecendo todos os elementos pedidos estando abertos e empenhados numa colaboração ativa e em prol dos menores, alterando todas as suas rotinas. É também notório que os menores sempre viveram com os irmãos uterinos (com um interregno da vinda destes para Portugal dois anos antes da mãe) e que cuidaram dos mesmos de forma exemplar durante a doença da mãe e após o falecimento desta. E é notório que foi o empenho dos irmãos que permitiu que os menores conseguissem aguentar a traumática fase de luto da sua progenitora com quem viveram desde que nasceram.

Vejamos então o que resulta do processo que merece a pena destacar neste despacho:

1. DD nasceu a .../.../2007, no ..., sendo registado por ambos os pais, sendo DD casado e BB divorciada, tendo o jovem atualmente 13 anos, fazendo 14 anos em .../.../2022 – Fls. 11 dos autos principais.

2. GG nasceu a .../.../2010 no ..., tem atualmente 11 anos, foi registado pela mãe representada por HH, sendo averbada a paternidade, por estabelecimento da filiação, 6 meses depois do nascimento, pelo averbamento n. 1 e alterado o nome do menor passando a constar o apelido paterno “AA” – fls. 10 dos autos principais.

3. Os menores nasceram durante o casamento do progenitor com “II” (JJ) mãe de vários outros filhos do progenitor, a qual não via com bons olhos este relacionamento extraconjugal do progenitor – cfr. declarações do progenitor de 02.06.2020.

4. Extratos da audição do pai de 02.06.2020 nos autos principais (ata completa segue em anexo a este despacho) com destaque nalguns factos que, algumas vezes, não parecem encaixar-se no afirmado em requerimentos destes autos.

Na altura tinha vida dupla quando os menores nasceram. Tem quatro filhos intercalados, ou seja, tem o KK com 13 anos, o DD da D. BB com 11 anos, o LL de outra relação com 11 anos, e o GG da D. BB com 10 anos. Depois acabou com a outra relação e passou a viver com a D. BB. Uma relação um pouco conflituosa, até julho de 2017. Viveu com a D. BB e com os filhos GG e o DD, e já estava separado da companheira da outra relação.

O KK e o LL conhecem os dois irmãos GG e DD.

Como as mães de cada um desses filhos não aceitavam os filhos das relações extraconjugais, o depoente é que juntava os filhos nos fins-de-semana.

Na data da separação o GG e o DD ficaram a viver com a D. BB. Quando se separaram já tinham o poder paternal regulado desde 2015, nomeadamente as visitas e fins-de-semana.

A relação com BB teve interrupções e por esse fato regularam o poder paternal.

Nessas interrupções vivia na casa da mãe dos seus outros filhos menores, II (JJ).

Depois de Julho de 2017 passou a viver sozinho.

Por causa do reatar e desatar das relações, as mães dos meninos as vezes proibia os outros filhos de irem lá. Mas o depoente ia busca-los na mesma.

A D. BB era a encarregada de educação.

Quando estavam juntos chegou a ir com a D. BB às consultas e vacinas. Depois da separação a D. BB disse-lhe que nunca mais iria ver os filhos. Esperou um tempinho, para que ela se acalmasse, mas como não melhorou foi fazer o pedido ao Tribunal. O Tribunal estipulou visitas e só começou a ver os filhos 11 meses depois, por estipulação do Tribunal. (…) no fundo tem 11 filhos, 8 seus e três da MM.

Além destes quatro filhos que já referiu, tem outros 4 filhos maiores, três deles da mesma mãe que o LL e o KK e outro da mesma mãe. Nunca conseguiu reunir os filhos todos na mesma ocasião.

Extratos da audição do pai de 10.03.2021 no apenso A (ata completa segue em anexo a este despacho) com destaque nalguns factos que, algumas vezes, não parecem encaixar-se no afirmado em requerimentos destes autos.

Casou com a D. MM em 18 de setembro de 2020. Antes de virem para Portugal os filhos GG e DD chegaram a conviver na sua casa com a D. MM. Ainda que os seus filhos nunca tenham estado todos juntos numa mesma ocasião, eles conhecem-se uns aos outros. (…) Vive em ... e trabalha no ... de forma a poder usufruir de melhores rendimentos nesse país. (…) A sua relação com a D. BB foi pautada por vários conflitos e discussões, mas verbais, chegando a sair de casa frequentemente para não prejudicar as crianças. Ainda assim, DD e GG assistiram a bastantes discussões.

Nunca foi condenado por qualquer crime.

Tem 49 anos, tem 11 filhos e nunca teve problemas com nenhum desses filhos nem com as mães dos outros filhos. Só teve problemas com a D. BB. Entretanto, aconselhado pelo seu advogado, e tendo em conta que não sabia o paradeiro dos filhos, deixou de pagar a pensão de alimentos dos menores. Não tinha nenhuma decisão do tribunal que lhe dissesse para deixar de pagar, foi uma “táctica” sugerida pelo advogado. Numa situação de discussão com a D. BB pegou no GG pelo braço e colocou-o em cima da cama, isto para o afastar. Ele chorou. Nunca o agrediu. No dia em que saiu de casa, como a D. BB se pôs à frente da porta empurrou-a para o lado por forma a sair, então a mesma bateu na porta, caiu e partiu uma costela. Não lhe bateu. Sabe que os filhos dizem que querem continuar a viver com o irmão NN, mas não acredita ser essa a real vontade dos filhos. Acha que a conversa de DD é estudada, que ele foi ensinado, pois até sabe o que são visitas. Está tudo ensaiado. (…) Quando os filhos nasceram tinha vida dupla, os filhos iam em visita à casa onde vivia com a D. II com quem era casado e de quem se divorciou em 2013.

Entre 2007 e 2017 viveu com a D. BB de forma intermitente, em períodos que não sabe precisar. Viveu com a D. BB dois anos, entre 2015 e 2017, quando tentaram ter uma vida conjugal. Foi a tribunal em 2013 porque a D. BB não o deixava ver os filhos. Desde essa altura que os deveres parentais estão regulados. A mulher II sempre soube da existência dos outros filhos.

5. Extratos da audição de NN a 02.06.2020 nos autos principais (ata completa segue em anexo a este despacho)

É o encarregado de educação dos menores e ainda os ajuda nas atividades escolares. O progenitor dos menores tem uma filha que foi institucionalizada no .... O Sr. DD dormiu com a irmã OO quando ela tinha 16 anos de idade. O Sr. AA agrediu varias vezes a mãe. O progenitor dos menores chegou a deixa-los sozinhos num carro com um amigo que estava alcoolizado, enquanto o mesmo foi ao café. Confirma que veio de ... há 4 anos. Corrige, ainda não fez 4 anos que veio para Portugal e os irmãos já cá estão há mais de um ano, pelo que só esteve afastado dos irmãos a cerca de “dois anos e tal”. Por outro lado, quando os menores precisaram de dinheiro para o seu sustento foi o depoente que avançou com o dinheiro e não foi o pai. A mãe e o Sr. AA andam em guerras desde 2014 e há muitos incumprimentos em Tribunal por parte do pai porque ele não entregava os meninos a horas, e não cumpria com as visitas.

O Sr. AA acusava a sua mãe de ser “uma parasita do estado”. Quando a mãe perdeu as ajudas do estado do ... e a casa, como não tinha ajuda do pai dos filhos veio para Portugal.

Durante os anos em que viveu em Portugal, o Sr. AA não deu ajudas para os irmãos.

Só enviou umas roupas há duas semanas atrás. (…) Quando vieram para Portugal tentou inscreve-los em várias escolas, mas não conseguia porque não tinha o poder paternal e a sua mãe já não conseguia andar de um lado para outro. Nem com procuração da mãe conseguia.

O que ajudou foi a CPCJ, “até foi bom o pai ter telefonado para a CPCJ”.

O Sr. AA só ligava aos filhos quando estava bem com a D. BB, sua mãe. Perguntado quais os apoios sociais que têm em ..., o Sr. NN diz que é cerca de 600,00€ por cada criança. A mãe dos 4 filhos do Sr. AA recebia 2000 e tal Euros de ajudas sociais.

Viu o Sr. AA muitas vezes a bater na sua mãe, interveio muitas vezes para a defender e andou várias vezes à pancada com o Sr. AA para defender a mãe. Uma vez o Sr. AA bateu tanto na mãe que “ ela ficou toda negra e a deitar sangue que quase que morria”.

Na última vez que o Sr. AA bateu na mãe partiu-lhe uma costela à frente dos menores. A mãe e o AA tinham uma relação de amor/ódio. Estavam 3 meses bem e 9 meses mal e Sr. AA só queria ver os filhos quando estavam bem um com o outro. A última vez que andou a pancada com o AA foi há 5 anos. Esclarece que não quer que o Tribunal fique com a ideia que é agressivo, apenas quis defender a mãe. Os menores estão numa psicóloga e dizem que não querem ir para o pai. Por causa do falecimento da mãe estão todos a ser seguidos numa psicóloga através da Associação ... em ....

6. Extratos das declarações dos menores

A 02.06.2020 nos autos principais (ata completa segue em anexo a este despacho) GG:

Vive com o irmão NN, o Irmão DD, cunhada PP (mulher NN) e com a QQ e a OO. Quer continuar a viver com o irmão NN e com a QQ.

A 02.06.2020 nos autos principais (ata completa segue em anexo a este despacho) DD:

Não tem contacto com os outros 4 irmãos mais velhos.

Perguntado se querem continuar a viver com os irmãos ou com o pai pelo DD, pelo mesmo foi dito que quer continuar a viver com o irmão NN.

Perguntado se também quer continuar a viver com a QQ, respondeu que sim. O irmão NN trata-os bem e gostam deles. O irmão NN impõe regras e limites. Tem comido bem. É o irmão NN que os sustenta.

Havia dias que os pais se davam bem e outros não. Discutiam muito e havia dias que o pai saia de casa e não voltava. Lembra-se do pai bater na mãe, e estavam na casa.

Viu mais vezes o pai bater na mãe mas uma foi muito grave. A mãe ficou muito mal, caiu e partiu uma costela.

Estava presente quando aconteceu essa agressão tal como o GG.

(…) O pai falava normalmente mas havia dias que estava mais nervoso e gritava com eles, porque faziam muitas asneiras. Deu uma palmada e perguntando se eram palmadas com força, respondeu que sim. Quando os pais se chateavam pediam para os pais pararem e uma vez o pai bateu no GG por ele se meter na zanga do pai e da mãe.

Sempre diziam para parar de discutir e de se bater, mas não paravam. Uma vez o pai bateu no GG porque ele se tinha metido para tentar parar a discussão.

Da audição dos menores a 09.06.2021 no apenso B destaca-se:

Quando vieram para Portugal, o DD não estava chateado com o pai, mas também não estava muito bem com ele, na verdade reconhece que estava um pouco chateado com o pai porque ele tinha batido na sua mãe.

Não disse ao pai que tinha ficado chateado com ele, continuou a falar com ele normalmente, apesar de magoado fez de conta que nada se passou.

Ficaram mais magoados com o pai após a morte da mãe. Essa mágoa aumentou porque o pai foi contando mentiras, como dizer que nunca bateu na mãe.

O DD referiu que o pai deu um soco à mãe e ela caiu, não sabe se partiu a costela pelo soco ou pela queda, nessa sequência a mãe mandou com sapato ao pai e o pai voltou a mandar o sapato à mãe.(…)

Gostava de estar com o pai, mas sempre preferiu ficar com a mãe, sentia-se melhor com ela. Se pudessem escolher queriam ficar com o irmão.

O GG disse que não se sente seguro com o pai. O pai uma vez foi agressivo com o GG, os pais estavam a discutir, o GG meteu-se no meio e o pai deu-lhe uma chapada.

O DD disse pai não costumava castigar, quando por vezes batia ou gritava era para repreender, acha que isso era normal.

7. Por sinalização do pai a 17.09.2019 foi aberto processo na CPCJ a favor dos menores. O pai refere que os menores terão saído do ... em abril de 2019 e desconhece se frequentam a escola em Portugal – cfr. Relatório CPCJ – fls. 17 autos principais.

8. Foi efetuada visita domiciliária pela CPCJ a 15.10.2019 e a mãe compareceu na CPCJ a 16.10.2019, com o irmão NN e esposa deste – cfr. Relatório CPCJ – fls. 17 vs dos autos principais.

9. A mãe prestou consentimento para a intervenção da CPCJ e referiu que veio para Portugal para estar junto dos filhos (QQ e NN já estavam em Portugal há algum tempo), por ter ficado sem casa de habitação social no ..., por dificuldades económicas e por não ter ajuda do pai dos menores e por ser doente oncológica – cfr. Relatório CPCJ – fls. 17 vs dos autos principais.

10. Os menores não estavam na escola, mas estava a diligenciar pela documentação e pela inscrição ainda não tendo conseguido obter inscrição/vaga para eles ponderando que ficasse NN como encarregado de educação - cfr. Relatório CPCJ – fls. 17 vs dos autos principais.

11. Foi efetuada visita domiciliária pela CPCJ a 15.10.2019 e a mãe compareceu na CPCJ a 16.10.2019, com o irmão NN e esposa deste – cfr. relatório CPCJ – fls. 17 vs dos autos principais.

12. À CPCJ a mãe referiu que o pai nunca contribuiu para os filhos e nunca quis saber deles. O Tribunal ... sabia da sua vinda para Portugal, tendo falado disso com a sua advogada do ... e estavam a aguardar uma nova conferência no ... – cfr. Relatório CPCJ – fls. 17 vs dos autos principais.

13. À CPCJ a mãe referiu que perdeu a casa de habitação social que lhe havia sido atribuída e que ficava em casa de uma filha quando se deslocava ao ... em tratamentos oncológicos – Relatório CPCJ – fls. 17 vs dos autos principais.

14. A CPCJ conseguiu diligenciar, após diligências junto da DGESTE, pela integração escolar dos menores – cfr. Relatório CPCJ – fls. 17 vs dos autos principais.

15. A CPCJ efetuou nova visita domiciliária a 28.10.2020 – cfr. Relatório CPCJ – fls. 17 vs dos autos principais.

16. A 06.12.2019 a CPCJ tomou a iniciativa de contatar o pai e perguntou-lhe como estava o processo judicial no ... tendo este dito que “ficou tudo na mesma, mas que ia voltar a recorrer” – fls. 18 dos autos principais.

17. A 06.12.2019 o pai referiu à CPCJ que a mãe o havia contatado para pedir ajuda monetária, pois os filhos tinham iniciado a frequência escolar e o pai referiu que “não servia só para dar dinheiro” e que apesar de ter possibilidades “não sabia se a mãe dos filhos ia aceitar” – fls. 18 dos autos principais.

18. A 13.12.2019 a associação C... informou a CPCJ que a família dos menores passava por grandes dificuldades económicas tendo a associação dado apoio financeiro para alimentação e para tratamento de documentação e que tinham rendas em atraso – cfr fls. 18 dos autos principais.

19. A 24.01.2020 o pai foi à CPJC e informou que o processo do ... “tinha ficado na mesma” mas que iriam ter nova conferência na segunda-feira seguinte -cfr. fls. 18 dos autos principais.

20. A CPCJ efetuou nova visita domiciliária a 05.03.02020 – cfr. Relatório CPCJ – fls. 18 vs. dos autos principais.

21. A 16.03.2021 a CPCJ entendeu que face ao confinamento e pandemia não deveria efetuar visita domiciliária, mas pediu à esposa de NN que realizasse videochamada e mostrasse as condições habitacionais o que teve lugar – cfr. Relatório CPCJ – fls. 19 vs dos autos principais.

22. Após avaliação diagnóstica, várias visitas domiciliárias, contatos com a escola e demais intervenientes a CPCJ conclui que a medida de promoção e proteção que mais salvaguarda os menores é a de apoio junto da irmã QQ com a supervisão do irmão NN – cfr. Relatório CPCJ – fls. 19 vs dos autos principais.

23. Contatado o pai, este não concorda com a medida de promoção e proteção proposta pela CPCJ – cfr relatório CPCJ – fls. 19 vs dos autos principais.

24. O pai enviou mail à CPCJ de 16.03.2020 pelas 21:57, no qual refere não concordar “que tomem decisão sem consentimento do pai nem eu vos autorizo a tal” – fls. 106 vs do ppp- e tendo a CPJC dado 24 horas para o progenitor repensar a sua posição, o mesmo escreveu mail a 18.03.2020 pelas 16:10 em que conclui “afigura-se não poder concordar com a decisão da CPCJ em atribuir a proteção dos menores a familiares, nomeadamente à irmã QQ” – fls. 83 dos autos principais e relatório CPCJ – fls. 20 dos autos principais.

25. A CPCJ tendo em conta que no ... corria processo de regulação que visava aproximar o pai das crianças, após afastamento físico e afetivo entre o pai e crianças, o facto da mãe ter sofrido entretanto AVC e estar incapacitada de cuidar dos filhos e da irmã QQ se constituir como figura securizante para os menores e ter cuidado dos mesmos e do seu bem-estar, e após a retirada de consentimento do pai que manifestou não concordar com a atuação da CPCJ e com os seus entendimentos e proposta de medida, em reunião extraordinária de 19.03.2020 aplicou a medida cautelar de apoio junto de outro familiar, entregando as crianças aos cuidados da irmã QQ com a supervisão do irmão NN – cfr. Relatório CPCJ – fls. 20 dos autos principais.

26. Pelo termo de entrega de criança, datado de 19.03.2020 a CPCJ entregou as crianças à irmã QQ – cfr. fls. 159 dos autos principais.

27. O Tribunal por despacho de 20.03.2020 ratifica a medida e aplica a referida medida provisoriamente a medida de apoio junto dos irmãos QQ e NN, por 3 meses – fls.161 dos autos principais.

28. A Mãe RR faleceu .../.../2020 (certidão óbito junta a 15.04.2020 aos autos de ppp – fls. 181)

29. No relatório social entrado a 14.04.2020 nos autos de promoção e proteção os menores estavam perfeitamente integrados na escola e eram muito bem acompanhados pelos irmãos QQ e NN - cfr. Relatório social entrado a 14.04.2020.

30. Os irmãos uterinos QQ e NN acompanharam os irmãos DD e GG e apoiaram-nos durante a doença da mãe e, em especial, como destaca o relatório nos últimos tempos de sofrimento da mãe antes de morrer e no início e sequência do processo de luto – cfr. Relatório social entrado a 14.04.2020 15

31. No mail de 18.05.2020 (registado como entrado a 19.05.2020) o pai refere estar no ... acrescentando que tem falado com os menores, não apresentando qualquer queixa de dificuldade de acesso ou comunicação com os menores – cfr. mail de 18.05.2020 (registado como entrado a 19.05.2020)

32. O irmão NN referiu à Seg. Social que os menores estão magoados com o pai pela forma diferente como este os trata relativamente aos outros filhos – cfr. relatório social entrado a 14.04.2020.

33. A 14.04.2020 foi junto relatório social o qual atesta que os menores estão bem cuidados junto dos irmãos e propõe a aplicação de medida de apoio junto dos irmãos – cfr. fls. 176 vs. a 180 dos autos principais.

34. Após contacto com o progenitor, o mesmo informou viver em ... em morada que deu (cfr. termo de 26.05.2020).

35. Ouvida a 02.06.2020 a técnica da Emat referiu que os menores se sentem bem com o irmão NN e querem continuar a viver com o irmão e ver o pai por videoconferência. A casa está arrumada e a escola corre bem. O pai não tem prestado apoio financeiro mas tem dado géneros. Os meninos querem continuar a viver com o irmão e a técnica de serviço social tranquilizou-os nesse sentido – fls. 207 dos autos principais.

36. Ouvida a 02.06.2020 a irmã QQ referiu que o pai nunca cuidou dos seus vários filhos e nunca foi um pai presente. Deixou de trabalhar para poder cuidar da mãe doente e dos irmãos, os quais são mais seus filhos do que filhos do progenitor. Os menores não querem ir para o pai – cfr. fls. 208 vs.

37. O progenitor vive em ... com companheira e filho da companheira, de 21 anos –relatório autoridades francesas junto a 10.12.2020 e declarações do progenitor em Tribunal (e termo posterior).

38. A 16.10.2020 foi junto relatório da Seg. Social que propõe que menores continuem confiados ao irmão NN – cfr. Relatório da Seg. Social a 16.10.2020 nos autos principais.

39. A 13.11.2020 o MP entende que os menores junto do irmão NN não estão em perigo e como tal deverá cessar a medida e ser passada certidão para o MP instaurar processo tutelar cível com vista a regular as responsabilidades parentais.

De notar que o Digno MP destaca o teor do relatório social, a boa integração dos menores junto do irmão, a rejeição dos menores em ficarem a cargo do pai, episódio, nomeadamente de alegada mensagem do pai para o menor mais velho, mensagem considerada desadequada e reveladora da pouca ligação do pai com o menor e da falta de motivação adequada para os assumir. O Digno MP cita a entrega dos menores a terceira pessoa e propõe-se instaurar a ação tutelar.

40. Por despacho de 16.12.2020, que se dá por reproduzido, por se considerar que os menores não estavam em perigo junto do irmão NN, foi declarada cessada a medida e arquivados os autos principais de promoção e proteção.

41. Enquanto o MP se encontrava a instruir o pedido de instauração de processo tutelar cível de alteração (mas que nos parece que deveria ser tutelar comum), e antes desta ação entrar, o pai, veio, através do apenso A, instaurar durante o turno, pedido de entrega judicial de menores alegando que veio buscar os filhos a Portugal pelo Natal e que o irmão uterino destes NN, que há muito o impede de os ver e contatar, os retém em sua casa por forma a receber apoios e subsídios do Estado/Segurança Social e que os menores estão com o irmão NN contra a vontade deles, mas não os entrega ao pai, e não conseguindo entrar em casa de NN, necessita da ajuda da força pública.

42. No relatório da psicóloga escolar SS, de 18.01.2021 (está no ap. A), refere-se que os menores têm vindo a ser seguidos com a psicóloga escolar, comem e dormem bem, brincam a fazem as suas atividades escolares e falam bastante da mãe e da família. Encontram-se em processo de luto por morte da mãe em março de 2020. Querem continuar a viver com os irmãos e não querem viver com o pai, com quem não têm tido relação.

43. Na sequência da audição do jovem DD, pela Mm.ª Juiz (Il. Dr.ª TT) que presidiu à diligência, em substituição da titular, na altura de baixa, foi consignado:

Considerando que ouvidas as crianças nestes autos foi expressamente exposto pela criança DD com idade superior a 12 anos pretender ficar a residir com o irmão com o qual se encontra, tendo referenciado nomeadamente como fundamento para tal encontrar-se integrado, e ter assistido a situações reveladoras de agressividade e violência entre o pai e a mãe, e considerando ainda que o pai ora requerente se encontra a residir no estrangeiro, considera-se tendo em conta os interesses em presença, ou seja, os interesses superiores destas crianças que os autos não têm elementos por ora, que permita tomar uma decisão.

Assim sendo, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo.º 49.º n.º 3 do da R.G.P.T.C., determino que se proceda a citação do Ministério Público bem como do irmão das crianças com quem estas vivem para contestar no prazo de 10 dias, sendo aplicável o n.º 4 e 7 da mesma norma legal.

44. Em novo relatório social, desta vez pela Equipa Tutelar Cível, datado de 04.03.2021 e junto ao apenso A, conclui-se que:

Da análise dos elementos apurados, os laços afetivos consistentes, a disponibilidade e o acompanhamento educativo assumido pelo requerido (Irmão NN) e a sua companheira, parecem ser evidentes.

UU, enquanto figura parental alternativa, constitui-se atualmente como a principal figura de referência para os seus irmãos, registando esforços positivos no sentido de assumir a parentalidade de forma responsável e assertiva.

Dados os contornos da presente situação e os atuais fatores securizantes, parece-nos estarem reunidas as condições necessárias e adequadas para a instauração de uma ação destinada a proteger os interesses e necessidades do DD e GG.»

Esta chamada de atenção para alguns elementos do processo é importante, pois ao longo do processo são feitas afirmações que não têm suporte no que se conhece ou até são contraditórias com o que se tem por seguro:

a) O pai sempre viveu com os menores?

O pai refere no art. 5 do seu requerimento de 26.06.2020 (fls. 217) que os menores sempre viveram consigo desde o nascimento até ao dia 10.07.2017. Continua a afirmá-lo, nomeadamente no requerimento de 26.10.2020, onde refere que no início da página 2 do requerimento “foi este Pai que denunciou ao Tribunal, que os seus filhos tinham sido raptados pela sua Mãe, do ..., onde consigo sempre viveram até há cerca de 2 anos atrás”.

E no apenso A, no art. 4º do requerimento de 01.03.2021 volta a afirmar que sempre viveu com os menores até à separação.

Porém, como mesmo referiu em Tribunal, em audição presencial, o mesmo referiu que vivia com a mulher com quem estava casado e foi tendo, intercaladamente com progenitora destes autos, outros filhos, e que a relação do mesmo com a progenitora foi sendo de ruturas e reatamentos. Quando muito, e com conflitos e separações, viveram de 2015 a 2017, sendo que antes disso já haviam regulado as responsabilidades parentais por conflitos.

No meio destes conflitos o pai refere que em certa época, após rutura com a mãe, esteve 11 meses sem ver os menores dos autos.

b) Houve deslocação ilícita e houve processo judicial no âmbito da Convenção de Haia de 1980?

Apesar de ser cada vez menos relevante esta matéria, pois interessa cuidar do presente e do futuro dos menores, dos elementos que se conhecem, tudo indicia que este se trata de um dos casos, muito estudados no âmbito de aplicação da Convenção de Haia de 1980, em que a residência habitual se altera por razões imperiosas, e que não se confunde com deslocação ilícita para fora da residência habitual, precisamente por existirem razões para se alterar a residência habitual (como nos casos em que alguém é expulso com a família do país da residência habitual ou sob pena de perder a única fonte de rendimento para cuidar dos filhos tem de mudar de país por razões profissionais imperiosas, ou por doença e falta de residência no país da residência que era a habitual, como é o caso): de facto, e sem prejuízo de mais instrução e prova, pese embora como dissemos esta matéria é cada vez menos relevante para a decisão da causa, a progenitora estava gravemente doente, tinha os menores dos autos a seu cargo (e desde o nascimento), tinha perdido a sua casa, tinha grande fragilidade financeira, não tinha o apoio do pai destes menores, tinha dois filhos em Portugal que a poderiam ajudar, pelo que por razões de sobrevivência e de apoio e convívio com os filhos mais velhos nos últimos tempos da sua vida, e pela necessidade de contar com a ajuda dos filhos mais velhos para cuidar dos mais novos (NN chegou a referir que a saúde da mãe a impedia de tratar dos assuntos da escola e que tiveram muitas dificuldades com documentação para conseguirem tratar dos assuntos escolares), por incapacidade de saúde da mesma, e pela impossibilidade da progenitora manter um relacionamento saudável com o progenitor do menor atentos os inúmeros conflitos entre ambos e os episódios de violência ocorridos entre ambos, tudo indica que existem razões que legitimam uma mudança da residência para Portugal e como tal, sendo as razões da mudança imperiosas, nesses casos, considera-se que a residência habitual terá de ser a residência no novo país para onde, por circunstâncias imperiosas, a progenitora foi forçada a mudar-se.

Acresce que não houve qualquer processo judicial respeitante a uma fase contenciosa/coerciva de retorno das crianças no âmbito da Conv. de Haia de 80.

Apenas houve instrução incompleta de um processo no âmbito da Conv. de Haia de 1980, que nunca passou de algumas comunicações entre Autoridades Centrais. O pedido nunca foi corretamente instruído, inicialmente faltavam páginas das decisões judiciais que supostamente sustentavam o pedido de regresso, certidões de nascimento, sendo que nunca veio o pedido a ficar corretamente instruído, nomeadamente traduções. Tal pedido nunca passou da fase administrativa, não entrando sequer em diligências em Portugal na fase consensual, prévia à intervenção judicial, e que deve sempre ter lugar, só se recorrendo ao Tribunal quando se confirmar a inviabilidade da resolução consensual, o que nunca veio a acontecer, ou seja, nunca foi acionado pela Autoridade Central portuguesa, a pedido a ..., procedimento judicial tendente ao regresso imediato dos menores. O processo administrativo veio a ser arquivado a pedido da ... cfr. fls. 309 (ofício registado a 09.09.2021).

c) O pai não tem registos criminais?

Pese embora não seja questão decisiva, a verdade é que o pai refere não ter registos criminais, mas junta um registo que atesta que conduzia sob o efeito de álcool, não teve um comportamento razoável e prudente, e ainda por ter cometido “delito de fuga”, sendo-lhe aplicadas multas de €500 e €100, e proibição de conduzir por 30 meses (com exceções para algumas deslocações) e tem uma anterior condenação em 6 meses de prisão, suspensa, por condução sem carta (doc. n. ... junto a 31.08.2020).

d) O pai sempre colaborou com a CPCJ e não retirou o consentimento para a intervenção?

No art. 7º do requerimento de 01.03.2021 o pai afirma que jamais retirou o consentimento à CPCJ ... e junta mail de 09.03.2020 pelas 10:14.

Porém, após este mail, como bem se esclarece no relatório final da CPCJ que levou à decisão da CPCJ de aplicação de medida junto da irmã QQ com supervisão de NN, o que levou à ratificação/confirmação pelo Tribunal, o pai retirou inequivocamente o consentimento. O pai omite as posições de oposição ao que a CPCJ pretendia tomar, e veio a tomar, e omite o que escreveu nos mails dirigidos à CPCJ de 16.03.2020 pelas 21:57, no qual refere não concordar “que tomem decisão sem consentimento do pai nem eu vos autorizo a tal” – fls. 106 vs do ppp- e tendo a CPJC dado 24 horas para o progenitor repensar a sua posição, o mesmo escreveu mail a 18.03.2020 pelas 16:10 em que conclui “afigura-se não poder concordar com a decisão da CPCJ em atribuir a proteção dos menores a familiares, nomeadamente à irmã QQ” – fls. 83 dos autos principais.

e) O pai vive no ...?

Na PI de entrega judicial, entrada em férias judiciais, o pai refere a 31.12.2020 que vive no ..., em morada que não indica, indicando morada em Portugal para notificações.

O pai diz que vive no ... em vários requerimentos, nomeadamente no art. 45 do requerimento de 01.03.2021 (e noutros diz que vive em ...), mas o relatório que foi efetuado foi em ..., confirma-se que vive em ..., tal como afirmou quando foi ouvido em 2020 pelo Tribunal.

3. Razão de ser da presente movimentação dos autos

Os presentes autos foram-nos apresentados para ser proferida decisão urgente, uma vez que teve lugar produção de prova e, entretanto, a Mm.ª Juiz titular (e que iniciou a produção de prova, em várias sessões) se encontra de baixa.

O pai e os menores pronunciaram-se a favor de decisão urgente, o irmão NN (cujo prazo para se pronunciar, na sequência do anterior despacho, só terminou após a abertura desta cls.) nada disse e o Digno MP chamou a atenção para o art. 30 do RGPTC que consagra o princípio da plenitude da assistência do juiz, referindo que a “Srª Juiz que presidiu ao julgamento encontra-se temporariamente impossibilitada de intervir na continuação da audiência de julgamento”. Mais refere que:

compulsados os processos apensos aos presentes autos, verifica-se que neste momento a situação dos menores se encontra acautelada.

 Com efeito, relativamente aos menores correu processo de promoção e proteção, no qual foi decidido que os mesmos se manteriam aos cuidados do irmão, com quem já residiam.

O referido processo foi arquivado por ter sido superada a situação de perigo que justificara a sua instauração.

Nessa sequência, foi instaurada a adequada providência tutelar cível, no âmbito da qual foram reguladas as responsabilidades parentais a título provisório, tendo sido decidido que os menores ficariam à guarda do irmão, fixando-se um regime de visitas ao progenitor.

Quer a decisão tomada no âmbito do processo de promoção e proteção, quer a decisão tomada no âmbito da regulação das responsabilidades parentais, teve por base os relatórios das técnicas da EMAT que têm acompanhado o agregado, bem como as declarações dos menores ouvidos em ambos os processos.

O superior interesse das crianças é um princípio fundamental e orientador, quer na intervenção protetiva, quer na tutelar cível.

Neste momento, esse princípio fundamental encontra-se assegurado.

Atento tudo o que foi dito, parece-nos que, por ora, as circunstâncias do caso não impõem que os autos prossigam com a imediata substituição da Srª Juiz titular do processo, nem se vislumbra a necessidade de tomada de qualquer decisão provisória quanto aos menores, porquanto os seus superiores interesses se encontram acautelados.”

Promoveu-se então que, à cautela, se aguarde por 20 dias, e que nessa altura “seja solicitada informação acerca da data de regresso da Srª Juiz titular do processo.”

*

Como já referimos em despacho no processo de promoção e proteção, que adaptamos:

Dos autos resulta de forma evidente que, na sequência do entendimento da CPCJ (Comissão de Proteção de Crianças e Jovens ...), após vários meses de instrução e intervenção junto da família, com regulares interações com o pai, irmãos e recolha de elementos junto de outras entidades como a escola e a saúde, bem como do entendimento da EMAT (Equipa Multidisciplinar de Apoio Técnico ao Tribunal – da Segurança Social) os mesmos deverão continuar aos cuidados do irmão NN.

Da audição dos próprios menores, não obstante o recente e traumático falecimento da mãe, resulta que os mesmos estão emocionalmente equilibrados e têm uma forte ligação afetiva aos irmãos NN e QQ. Estes irmãos tudo têm feito para proteger os irmãos e assumir o seu cuidado.

Das declarações dos irmãos, em especial, das declarações de NN, resultaram factos que causam grande apreensão, nomeadamente os relatos de enorme violência a que os menores foram expostos enquanto os pais conviveram, relação que, como confirmado pelo progenitor, foi ao longo dos anos bastante conturbada, com separações e reatamentos, sendo que a vida do progenitor também foi ela sempre sendo pautada por relações afetivas que se iam sucedendo, intercalando, gerando numerosa prole para a qual o progenitor, do que se apurou, não era a figura central de referência no cuidado e educação e desenvolvimento dos filhos, sendo confusa e complexa a relação do pai com todos estes filhos, os quais nunca conseguiu reunir num só evento.

Por outro lado, a situação jurídica dos menores voltou a ser regulada no apenso B, na sequência, aliás, da douta promoção de 09.06.2021 do apenso B e que citamos:

Na falta de acordo, deve ser dado cumprimento ao disposto no art.º 38.º do RGPTC, e devendo obrigatoriamente ser fixado um regime provisório, o Mº Pº promove-o nos seguintes termos:

1 – Desde que o interesse do menor o reclame, poderá este, no caso dos autos o GG e o DD, serem confiados aos cuidados de terceira pessoa, ainda que, como é o caso, possuam um progenitor em condições de caber o exercício do poder paternal. No entanto, o que importa é que se aconselhe a confiança dos menores a pessoas diferente do progenitor.

Para esse efeito o conceito de interesse do menor tem que ser entendido em termos suficientemente amplo de modo a abranger tudo o que envolva os legítimos anseios, realizações e necessidades daquele e nos seus mais variados aspetos: físico, intelectual, moral, religioso e social. E esse interesse tem que ser ponderado casuisticamente em face uma análise concreta de todas as circunstâncias relevantes a conhecer no caminho indicado para a sua realização.

Da forma que a solução da entrega do menor a terceira pessoa terá que ser vista no caso concreto, como conveniente necessária e adequada ou até como uma exigência quando subjacente ao histórico de relacionamento entre o progenitor sobrevivo e os dois irmãos ou o historial de violência doméstica que eles próprios aqui atestaram, de que foram testemunhas e por vezes pelo menos o GG vítima e que nos termos do art.º 1918 do C.C. constitui fundamento bastante para considerar perigo para a segurança, saúde, formação moral e educação o que por maioria de razão a par da conveniência, adequação e necessidade, aconselha a entrega destes dois menores ao irmão NN ainda que o perigo não constitua fundamento para a inibição do pode paternal.

2 – As considerações acabadas de tecer encontram-se refletidas no acórdão da Relação de Lisboa de 6/04/2006 em que foi relator o Sr. desembargador VV.

3 – Tendo isto presente, e tendo presente a sucessiva e reiterada vontade dos menores manifestada no presente processo e na presente diligência e no apenso de entrega judicial, quer a decisão definitiva, mas sobre a qual ainda não é oportuno pronunciarmo-nos quer a decisão provisória deve ponderar não só os princípios plasmados no art.º 4 da LPCJP, previsto nas respetivas alíneas a), e), g) e h), como deve ponderar

A – A vontade dos menores;

B – O afeto entre as crianças e os irmãos enquanto figuras estruturantes, de grande significado e de referência para o seu saudável e harmónico desenvolvimento que aconselham a que prevaleçam as medidas que garantam a continuidade de uma vinculação securizante, não nos podendo esquecer que como o GG referiu, não se sente seguro com o pai;

C – A qualidade e duração da relação até agora existe entre estes dois menores por contraponto com às relações existentes até agora com o pai;

D – A assistência prestada pelos irmãos uterinos à educação destas duas crianças e os benefícios até agora evidenciados para o desenvolvido da personalidade dos menores e para a sua saúde e formação moral resultantes da relação com estes irmãos e os efeitos psíquicos e físicos que o corte das relações e da guarda do irmão NN representariam caso a situação que hoje vivenciam e que foi ponderada e decidida em consonância também no processo de promoção e proteção apenso poderiam vir a acarretar para o equilíbrio das crianças.

4 – É do superior interesse dos menores em concreto salvaguardar e respeitar a sua vontade já que para tal há fundamento de facto e de direito.

Nesse sentido leiam-se os acórdãos do Tribunal da Relação de Guimarães de 23/03/2018, do Tribunal da Relação do Porto de 22/11/2016, ou do Supremo Tribunal de Justiça de 14/12/2016 a par com as disposições contidas na Convenção Europeia sobre o exercício dos Direitos da Criança (art.º 3 e 4), a Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos das Crianças (art.º 12), a Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia (art.º 24), o Regulamento n.º 2203/2001 Bruxelas II bis, (art.º 41 e 42).

5 – O GG e o DD têm direitos constitucionais, colidindo com os do pai deverão prevalecer, por via das razões atrás apontadas e tendo em conta o que dispõem os artigos 25, 26 e 27 da Constituição da República Portuguesa.

6 – Se não é para respeitar os direitos destes menores nem para respeitar a sua vontade ou para a ter em conta quando se decide sobre a sua vida num processo onde são eles, terão que ser eles, e não podem deixar de ser eles o centro de decisão, então de nada serve conferir-lhes o direito de audição que agora aqui foi exercido ou reconhecer-lhes o direito de participação de pleno direito, reconhecendo, como, aqui ficou evidenciado tanto ao GG como ao DD que os mesmos estão plenamente dotados da capacidade de formar os seus próprios pontos de vista e de manifestar uma opinião autónoma de forma razoável, pois não enjeitam contactos com o pai, e independente.

Assim, ouvidas estas duas crianças, foi clara a sua vontade e essa vontade não está condicionado por distorções externas (designadamente o irmão NN disse hoje aqui como já antes tinha dito que a decisão seria sempre dos irmãos e que conviveria bem com qualquer que ela fosse), nem os menores revelaram falta de perceção adequada dos riscos que a Mm.ª juiz e a il. defensora do DD lhes fizeram ver e que portanto souberam tomar a posição devida sobre o seu futuro imediato sem que isso ponha em causa que no futuro outra possa vir a ser a sua decisão, razão pela qual e por ora, no contexto em que a vontade dos menores foi manifestada e assumida, o respeito pelo seu superior interesse impõe que a mesma seja acolhida na decisão a proferir.

Pelo exposto, tendo em conta as considerações efetuadas, deve o regime provisório regular as questões fundamentais relativamente às responsabilidades parentais da seguinte forma:

A – As crianças deverão ficar entregues ao irmão uterino NN e fixar com ele residência.

B – A determinação das responsabilidades quanto às questões de particular importância para a vida destas crianças e que pertencem ao núcleo central dos seus direitos, devem ser também conferidas a este irmão, uma vez que há um conflito latente, que aqui ficou visível, entre este e o pai das crianças, e que pode inviabilizar que as questões a resolução no imediato das questões relativas ao desenvolvimento, segurança, saúde educação e formação, que poderiam por ventura cair num impasse.

C – Deve ser fixado um regime convivial com o progenitor quer quanto a contatos telefónicos e similares bem como a visitas do pai aos menores em Portugal ou no ..., nos termos em que habitualmente os mesmos costumam ser prudencialmente fixados por este tribunal.

D – Por fim, deverá ser fixado um montante de alimentos a cargo do progenitor a enviar até ao dia 8 de cada mês ao irmão NN por transferência bancária para o IBAN que ele deverá facultar e cujo valor não deve ser inferior àquele que o pai nestes autos alegou pagar pontualmente e que, salvo erro, rondava os 250 euros para os dois irmãos, garantindo-se assim um mínimo de subsistência, de estabilidade e de continuidade da vida destas crianças, da devida proteção, concretizando-se assim o seu direito a uma tutela jurisdicional efetiva.

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Assim, além de não ser oportuno nem viável proceder a qualquer decisão urgente, alterando o regime de residência e convívios fixado no mês passado no apenso B, e que é concordante com tudo o que tem vindo a ser decidido e mantido desde o primeiro despacho no processo de promoção e proteção e que só tem vindo a ser confirmado pelos vários intervenientes técnicos e externos ao conflito e imparciais, como a CPCJ, a Emat e a equipa tutelar cível da Seg. Social, bem como as recorrentes e coincidentes posições de vários magistrados do MP (e já contamos a intervenção de fundo e pelo menos quatro) bem como de vários juízes, que foram revendo e mantendo o atual regime, levanta-se uma questão de fundo que é inequivocamente impeditiva da prossecução dos presentes autos e que se trata de seguida.

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4. Da falta de fundamento adjetivo e substantivo para os presentes autos e, no mínimo, a sua atual e notória inutilidade superveniente.

Analisados os autos e demais apensos não se vê do ponto de vista substantivo e do ponto de vista adjetivo qualquer fundamento para a existência da presente ação, e muito menos para a sua suposta urgência, sendo que a pretendida entrega ao pai, com quem os menores tiveram ao longo da vida limitado convívio, nomeadamente porque o progenitor ao longo da vida dos menores dos autos vivia essencialmente com a mãe dos filhos do seu casamento anterior, II (JJ), e estava mais com os filhos do seu anterior casamento do que com os menores dos autos, sendo certo que a mãe dos filhos mais velhos, II (JJ), não aceitava o relacionamento extraconjugal do progenitor com a mãe dos menores dos autos, e as vivências do pai com a mãe dos menores dos autos (nos tempos de separação e rutura com a mãe dos filhos mais velhos) foram sendo interrompidas e reatadas e pautaram-se por violência (cfr. depoimentos dos filhos e do próprio progenitor) e recorrente conflitualidade.

Nota-se igualmente a falta que faz a audição da versão da progenitora, entretanto falecida, bem como a defesa da mesma face a muitos dos factos invocados nos autos, e que parecem estar a ser assumidos como certos e seguros, talvez pela sua reiterada invocação, mas sem real sustento factual ou contradizendo elementos que constam dos autos como seguros.

Do ponto de vista adjetivo não se percebe como é que estes autos nascem e se desenvolvem como se não tivesse existido processo na CPCJ e no Tribunal (os autos principais), sendo que as crianças, além da inicial decisão do Tribunal ... que as entregou à mãe, foram entregues aos irmãos uterinos pela CPCJ de Portugal, em oposição do pai, entendendo na altura a CPCJ que as crianças não deveriam ser entregues ao pai, sendo que foi o Tribunal quem confirmou esta decisão da CPCJ de permanência dos menores junto dos irmãos e foi o Tribunal que por diversas vezes indeferiu as pretensões do pai, entendendo que os menores não deveriam ser entregues ao pai, considerando sempre que a sua entrega ao pai seria mais do que contrária aos superiores interesses dos menores. No final do processo de promoção e proteção a equipa da EMAT promoveu a manutenção da medida de apoio junto dos irmãos. Porém, o MP entendeu que junto dos irmãos os menores não estavam em perigo, pelo que importava era regular as responsabilidades parentais atribuindo a residência dos menores ao irmão e regulando as demais matérias, nomeadamente a contribuição do progenitor para o sustento dos filhos, arquivando-se o processo de promoção e proteção (autos principais) por falta de perigo junto do irmão NN. Esta posição veio a colher a adesão do Tribunal que assim arquivou o processo de promoção e proteção na perspetiva de que o processo tutelar comum desse entrada.

Como este processo demorou algum tempo a entrar, o pai, aproveitando este hiato processual (entre dois processos que naturalmente se sucederiam), instaura a presente ação de entrega que obviamente não está destinada a intervir neste tipo de situações como a dos autos, pois os menores estão a cargo do irmão NN, e não estão a cargo do pai, por decisão inicial da CPCJ, ratificada e reiteradamente mantida pelo Tribunal, indeferindo sempre as pretensões do pai nesse sentido.

O que assistimos nestes autos é um aparente exercício académico, desligado da realidade, incluindo da realidade processual anterior, que é estranhamente omitida no processamento destes autos, pois da forma como estão colocadas as questões desde a PI, até parece que não foi a CPCJ nem o Tribunal que confirmaram e sustentaram a atual situação de facto dos menores à entrada da PI destes autos sendo que, na tese do pai, o que aconteceu foi que o irmão NN, inclusive contra a vontade dos menores, como o pai alega, e visando NN obter subsídios sociais, reteve os menores consigo, em frontal violação da Constituição portuguesa e dos direitos fundamentais mais sagrados de um Estado de Direito (e sem que tenha havido prévia intervenção da CPCJ e do Tribunal).

Ora, basta consultar o processo de promoção e proteção, o seu início, a sua tramitação e a razão pela qual foi arquivado, e, entretanto, o apenso B, para se perceber que não é nada disto o que se está a passar, e que não é possível prosseguir nestes autos como se estivéssemos perante um caso em que os menores foram subtraídos ao pai por terceira pessoa, no caso, o irmão uterino NN.

Além disso, há outro dado novo: no processo do apenso B foi proferida decisão que confiou os menores provisoriamente ao irmão NN, pelo que se já não tínhamos dúvidas de que estes autos deveriam ter sido liminarmente indeferidos, estando pendente a ação tutelar cível visada após o arquivamento do processo de promoção e proteção, estamos perante patente inutilidade superveniente da presente lide.

E estando em vigor decisão provisória, no apenso B, de confiança dos menores ao irmão, então, parece óbvio, parece evidente, que sobrevém inutilidade superveniente destes autos.

Não se concebe que no apenso B se decida a entrega dos menores ao irmão NN, ainda que a título provisório, e nestes autos se continue a discutir se os menores devem ser entregues ao pai, por terem sido subtraídos ao pai ou por não terem sido entregues ao pai na altura devida.

Se já nos faz muita confusão que estes autos se tenham iniciado e prosseguido em contraciclo e contrariando tudo o que vinha sendo tramitado desde a CPCJ e no Tribunal, ainda maior perplexidade se gera quando num processo (apenso B) se entregam os menores ao irmão e não se entregam ao pai e no outro (apenso A) se pondera a hipótese de, em simultâneo, se retirarem os menores ao irmão e de se entregarem ao pai. Seria juntar ao aparente academismo desgarrado da realidade adjetiva (e até substantiva) de que estes utos padecem uma esquizofrenia processual em que se mantêm em andamento dois processos visando desfechos potencialmente contraditórios.

Seria, então, de arquivar os presentes autos por inutilidade superveniente da lide.

 Porém, tal constituiria uma decisão surpresa e como tal sempre seria necessário assegurar prévio contraditório nos termos do art. 3, n. 3 do CPC (ex vi art. 33 RPC).

Por outro lado, tendo em conta a nossa intervenção limitada ao turno e o facto do impedimento da Exm.ª Juiz titular se afigurar temporário, entende-se que se deverá aguardar pelo regresso da mesma, para que a mesma tome posição sobre a matéria, sobretudo tendo em conta que decidiu no apenso B, no mês passado, fixar regime provisório, e eventualmente determine contraditório face à posição que afirmámos ou prossiga instrução e profira decisão (onde necessariamente nos parece que terá sempre de ponderar o decidido no apenso B).

Quanto à urgência formal destes autos, a mesma é uma evidente falácia, pois como defendemos de forma que nos parece inequívoca, estes autos não deveriam sequer existir, pois a entrega e manutenção dos menores ao irmão ocorreu, como dissemos, por reiteradas decisões judiciais e o arquivamento da promoção tinha em conta que iria, pensava-se que logo de imediato, ser instaurada acção tutelar comum para regular, como entretanto já se regulou, provisoriamente, as responsabilidades parentais.

Pelo exposto, sobrevindo inutilidade superveniente nestes autos, não apenas entendemos que o Juiz substituto, e no caso o do turno, não deve proferir qualquer decisão, nomeadamente de entrega dos menores ao pai, como deve respeitar o regime provisório que foi fixado no mês passado no apenso B, e, como dissemos, não havendo qualquer urgência material para o despacho destes autos, pois que nada poderá ser despachado pelo Juiz substituto e a ser, será provavelmente a extinção por inutilidade superveniente, deverão os presentes autos, apenso A., aguardar pelo regresso da Mm. Juiz titular.

Apenas para mero controlo, deverá oficiar-se nos termos promovidos, mas no final de Agosto, e para mero controlo, caso a Ilustre titular não regresse da baixa até 15.09.2021, deverá ser aberta nova cls. por esses dias ao Juiz substituto.

Not.

Fim de citação do despacho hoje proferido no apenso A.

2. Diligências instrutórias

2.1. Notifique o progenitor para juntar nestes autos e apenso B certidão completa do registo criminal do ... e de ....

2.2. Notifique o progenitor para comprovar quais os pagamentos que fez no ..., ... e Portugal a título de alimentos.

3. Garantia de exercício do contraditório

Quando as partes não têm advogado/patrono deverá ser a Secção a proceder às notificações com vista a garantir o contraditório. Assim, verifique se foi cumprido o contraditório e, nomeadamente se os requerimentos dos intervenientes foram notificados a NN. O mesmo relativamente às intervenções do Digno MP verifique se foram notificadas aos intervenientes, sendo que as alegações do Digno MP não foram ainda notificadas a ninguém.

4. Recurso interposto a 25.06.2021:

A decisão é recorrível, uma vez que o art. 32, n. 1 do RGPTC (aprovado pela Lei n. 141/2015 de 08.09) refere que cabe recurso das decisões que apliquem provisoriamente medidas tutelares cíveis, as quais, desde a entrada em vigor do RGPTC devem ser provisoriamente fixadas logo na primeira conferência em caso de falta de acordo (art. 38 do RGPTC).

O recurso é tempestivo, por ter sido interposto no prazo de 15 dias referido no art. 32, n. 3 do RGPTC (aprovado pela Lei n. 141/2015 de 08.09), a que acrescem mais 10 dias por se recorrer da matéria de facto.

Nos termos do art. 32, n. 3 do CPC fixa-se o efeito devolutivo.

O recurso é de apelação, com subida imediata e em separado: arts. 627, n. 1; 631, ns. 1 e 2, 637, 641, 644, n. 2, al. h), 645, al. d) do CPC ex vi art. 33 do RGPTC.

Pelo exposto, admite-se o recurso.

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As partes não indicaram quais as peças que pretendem para se instruir a certidão. Assim remeta certidão integral do processo e dos autos principais. Notifique as partes deste despacho e tendo em conta que não estamos perante processo com caráter urgente, remeta (logo que reiniciados os prazos e terminadas as férias) o recurso em separado ao Venerando Tribunal da Relação de Lisboa.

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Documento assinado eletronicamente na data constante da certificação»

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Analisado teor do RAI temos que o Assistente não imputa factos concretos a nenhum dos identificados Senhores Juízes (ou outros desconhecidos) que conduzam a uma concreta incriminação com descrição factual das respectivas circunstâncias de tempo modo e lugar, bem como respectivos elementos material e subjectivo.

É que, como repetidamente vem sendo afirmado pelos Tribunais Superiores e decorre do disposto nos artºs 287º, nº 2, do CPP, é necessário (quando a instrução é requerida na sequência de decisão de arquivamento do Ministério Público) que o requerimento contenha com precisão os factos concretos que se espera ver suficientemente indiciados e a concreta incriminação que se imputa a um concreto arguido, com os respectivos elementos material e subjectivo – uma instrução sem delimitação factual precisa esbarraria na inevitável previsão do artº 303º e 309º, nº 1 do CPP, já que não cabe ao juiz de instrução o exercício da acção penal, mas, unicamente proceder nos termos previstos no artº 286º, sendo que os actos a praticar previstos no artº 290º, reconduzem-se à finalidade específica prevista no primeiro dos preceitos citados.

É por isso que o requerimento para abertura de instrução (na sequência de arquivamento) mais não é do que o afirmar por parte do assistente, em jeito de acusação, com obediência ao disposto no artº 283º, do CPP, dos factos concretos que entende resultarem indiciados da investigação realizada e que não foram vertidos pelo Ministério Público numa acusação pública.

Questão idêntica foi detalhadamente debatida no Acórdão do STJ, de 12/03/2009, publicado em www.itij.pt.

Com efeito aí se refere que: “conhecido o paralelismo existente entre a acusação e o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente na sequência dum despacho de arquivamento, conforme se reconheceu no acórdão deste Supremo Tribunal de 07-05-2008 – proc.4551/07 e estatuindo o nº 2 do art. 287º do Código de Processo Penal, que é aplicável ao requerimento do assistente para abertura de instrução o disposto no art. 283º nº 3 als. b) e c), norma que diz respeito à acusação, atentemos nas situações que determinam a manifesta falta de fundamento da acusação, com vista a aquilatar da possibilidade da sua aplicação ao requerimento para abertura da instrução.

De harmonia com o art. 311º nº 3, a acusação considera-se manifestamente infundada:

a) quando não contenha a identificação do arguido; b) quando não contenha a narração dos factos;

c) se não indicar as disposições legais aplicáveis ou as provas que a fundamentam;

d) se os factos não constituírem crime.

É evidente que se o requerimento para abertura de instrução não contém a identificação do arguido, ainda que por simples remissão para o local no processo onde consta tal identificação, a instrução será inexequível. E constituirá uma fase processual sem objecto se o assistente que a requer deixar de narrar os factos e de indicar as disposições legais aplicáveis, elementos acerca dos quais o Prof. Germano Marques da Silva (op. cit,, pág. 145), refere: “insiste-se que, tratando-se de requerimento do assistente, é imprescindível que do requerimento conste sempre a narração dos factos constitutivos do crime ou crimes e das disposições legais aplicáveis”.

A propósito da alínea d) do art. 311º nº 3, escreve o Prof. Germano Marques da Silva: “Também esta alínea era desnecessária, porque os factos narrados hão-de fundamentar a aplicação ao arguido de uma pena ou de uma medida de segurança e só a podem fundamentar se constituírem crime. Se os factos não constituírem crime verifica-se a inexistência do objecto do processo, tornando-o inexistente e consequentemente não pode prosseguir”.

Pode, portanto, afirmar-se, fazendo uso das palavras do Conselheiro Maia Gonçalves que “acusação manifestamente infundada é aquela que, em face dos seus próprios elementos, não tem condições de viabilidade”.

Ora, se o juiz de instrução, apreciando o requerimento do assistente nos seus precisos termos, conclui que de modo algum o arguido poderá ser pronunciado, uma vez que os factos que aquele narra jamais constituirão crime, deverá rejeitar o requerimento do assistente.

É que, num caso desses, o debate instrutório nenhuma utilidade poderia ter, nomeadamente, porque, tal como se decidiu no acórdão para fixação de jurisprudência nº 7/2005 (D.R. nº 212 – S-A de 4-11-2005) “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução, apresentado nos termos do artigo 28.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.

Também o Tribunal Constitucional afirma, no acórdão nº 385/2004, de 19 de Maio de 2004, que “a estrutura acusatória do processo penal …. Impõe que o objecto do processo seja fixado com rigor e precisão adequados em determinados momentos processuais, ente os quais se conta o momento em que é requerida a abertura da instrução”. (bold nosso).

Quando assim suceder, quando pela simples análise do requerimento para abertura da instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se dever concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à aplicação duma pena, então estaremos face a uma fase instrutória inútil.

Ou, conforme se refere no mencionado acórdão de fixação de jurisprudência, “uma instrução que peque por défice enunciativo de factos susceptíveis de conduzir à pronúncia do arguido titularia um acto inútil que a lei não poderia admitir (art.. 137º do CPP)”.

O que significa que, a par de outros fundamentos da rejeição, que se reconduzem também a realidades de que deriva a inutilidade da instrução, se deva ter a instrução como legalmente inadmissível.

Também a jurisprudência tem considerado que “não faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento, sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido” (ac. do STJ, de 22-10-2003 – proc. 2608/03-3), entendendo ser de “rejeitar, por inadmissibilidade legal «vista a analogia perfeita entre a acusação e a instrução», o requerimento de abertura e instrução apresentado pelo assistente no qual este se limita a um exame crítico das provas alcançadas em inquérito … e omite em absoluto a alegação de concretos e explícitos factos materiais praticados pelo arguido e do elemento subjectivo que lhe presidiu para cometimento do crime” (ac. de 22-03-2006 – proc. 357/05-3 e de 07-05-2008, proc. 4551/07-3) E, mais especificamente, o acórdão de 7-12-1005 – proc. 1008/05, onde foi decidido, com um voto de vencido, que “se o requerimento do assistente para abertura da instrução não narra factos susceptíveis de integrar a prática de qualquer crime não pode haver legalmente pronúncia (cf. art. 308.° do CPP), pois a instrução seria, então, um acto inútil, cuja prática a lei proíbe (arts. 137.º do CPC e 4.° do CPP), e como tal legalmente inadmissível”, sendo certo que “a inadmissibilidade legal da instrução é uma das causas de rejeição do requerimento para abertura da instrução, nos termos do n.º 3 do aludido art. 287°”.

Como se referiu, a leitura do presente requerimento para abertura de instrução revela ser manifesto que não poderá ser imputado qualquer crime a um agente determinado, designadamente aos dois Senhores Juízes identificados; pois que o Requerente apenas produz alegações genéricas, juízos conclusos; críticas; não é feita uma descrição factual concreta.

Se a imputação não for clara e assertiva, ao nível factual, os arguidos não têm sequer a possibilidade de se defender. Daí a importância da existência de uma narrativa factual que todos possam identificar como sendo OS FACTOS CONCRETOS IMPUTADOS; esses factos têm que integrar os elementos objectivos e subjectivos do tipo legal de crime, aqui o de denegação de justiça.

Seguindo de perto o teor do AC. Do STJ de 20-6-2012 (constante da PGDL em anotação ao tipo legal de crime aqui em causa) somos a afirmar que no descortinar da actuação prevaricadora do juiz ou de denegação de justiça deve-se usar de um crivo exigente, até porque, a ser diferente, ou seja, de todas as vezes que o destinatário da decisão dela discorde, seja porque não se aplicou a lei, se seguiu interpretação errónea na sua aplicação, se praticou um acto ou deixou de praticar, os Magistrados Judiciais ou do MP incorressem num crime de prevaricação, estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial, a bel prazer do interessado, pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados, a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei, paralisando-se a administração da justiça, com gravíssimas, intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando, por isso mesmo, a presença de um grave desvio funcional por parte do Magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro.

A actuação contra direito é uma forma de acção gravosa e ostensiva contra as normas de ordem jurídica positiva, independentemente das fontes (estadual ou não estadual) e da natureza pública ou privada, substantiva ou processual, incluindo os princípios vertidos em normas positivas designadamente na DUDH, PIDCP e CEUD.

A actuação contra o direito não abrange apenas a interpretação objectivamente errada, mas também a incorrecta apreciação e subsunção dos factos à norma; a aplicação da norma é contra o direito se, reconhecendo-se uma certa discricionariedade, o aplicador se desvia do fim para que foi criada a discricionariedade, incorrendo, então, na prática do crime.

O crime de denegação e prevaricação é doloso, o tipo subjectivo de ilícito fica preenchido com a actuação com dolo (art. 14.º do CP), como resulta do uso 'conscientemente' no descritivo típico; o tipo agravado do n.º 2 não prescinde de uma especial intenção criminosa, de prejudicar ou beneficiar alguém, na forma de dolo específico.

Ora, no caso em apreço, o que temos - contrariamente ao que se investigou no Inquérito - é um uso anormal do processo por parte do Requerente.

Como se vê dos autos (cfr. Certidões juntas) e expressamente e muito bem se escreveu no âmbito das certidões juntas: «…assistimos é a um aparente exercício académico, desligado da realidade, incluindo da realidade processual anterior, que é estranhamente omitida no processamento destes autos, pois da forma como estão colocadas as questões desde a PI, até parece que não foi a CPCJ nem o Tribunal que confirmaram e sustentaram a atual situação de facto dos menores à entrada da PI destes autos sendo que, na tese do pai, o que aconteceu foi que o irmão NN, inclusive contra a vontade dos menores, como o pai alega, e visando NN obter subsídios sociais, reteve os menores consigo, em frontal violação da Constituição portuguesa e dos direitos fundamentais mais sagrados de um Estado de Direito (e sem que tenha havido prévia intervenção da CPCJ e do Tribunal).

Ora, basta consultar o processo de promoção e proteção, o seu início, a sua tramitação e a razão pela qual foi arquivado, e, entretanto, o apenso B, para se perceber que não é nada disto o que se está a passar, e que não é possível prosseguir nestes autos como se estivéssemos perante um caso em que os menores foram subtraídos ao pai por terceira pessoa, no caso, o irmão uterino NN.

Além disso, há outro dado novo: no processo do apenso B foi proferida decisão que confiou os menores provisoriamente ao irmão NN, pelo que se já não tínhamos dúvidas de que estes autos deveriam ter sido liminarmente indeferidos, estando pendente a ação tutelar cível visada após o arquivamento do processo de promoção e proteção, estamos perante patente inutilidade superveniente da presente lide.»

Nada do que é alegado pelo Requerente no RAI é bastante para se concluir que algum dos identificados Senhores Juízes tenha violado, quaisquer deveres funcionais, sobretudo para se concluir que, maliciosamente/conscientemente, o privaram da entrega dos filhos; filhos esses que, em algum momento, lhe haviam sido subtraídos.

Do cenário viável que nos é trazido do teor das certidões juntas e dos juízos conclusivos e críticas que o Requerente faz no RAI, nada se traduz em algo factual de onde se possa concluir pela actuação dos arguidos com dolo genérico ou específico, em ostensivo, chocante e altamente reprovável violação dos deveres funcionais que sobre si impendiam.

Impõe-se, pois, concluir que o requerimento para abertura da instrução apresentado pelo assistente no âmbito do presente processo não cumpre as formalidades a que se reporta o art. 283º n.º 3 als. b) e c), ex vi art. 287º n.º 2 ambos do CPP.

E, não cumprindo estas formalidades, a decisão a proferir no âmbito da fase de instrução nunca poderia ser de pronúncia, por omissão dos elementos essenciais, que deveriam ter sido apresentados pelo Requerente da instrução com vista a tal finalidade.

O não cumprimento destas formalidades, posto que torna escusada a tramitação subsequente, já que o resultado pretendido - despacho de pronúncia – nunca poderá ser alcançado, deve ser enquadrado como inadmissibilidade legal da instrução, à luz da regra da proibição de actos inúteis (art. 130º do CP Civil ex vi art. 4º do CPP.

O AC. Do STJ de 12-3-2009 (proc. 08P3168, acessível in www.dgsi.pt) abordou esta questão, argumentando-se aí o seguinte:

«Também a Jurisprudência tem considerado que “não faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento, sabendo-se antecipadamente, que a decisão instrutória, não poderá ser proferida nesse sentido” (ac. STJ de 22-10-2003 – proc. 2608/03-3), entendendo ser de “rejeitar” por inadmissibilidade legal «vista a analogia perfeita entre a acusação e a instrução», o requerimento de abertura de instrução apresentado pelo assistente no qual este se limita a um exame crítico das provas alcançadas em inquérito…e omite em absoluto a alegação de concretos e explícitos factos materiais praticados pelo arguido e do elemento subjectivo que lhe presidiu para cometimento do crime”».

Os magistrados não estão isentos de responsabilidade criminal. Mas o apuramento desta torna-se exigente, sendo necessário, que os indícios da prática do crime estejam bem consolidados, especialmente quanto ao elemento subjectivo; que, de modo algum, pode estar fundamentado em meras afirmações conclusivas, sendo de exigir que se adiante um hipotético móbil para o pretenso crime.

O RAI prima pelo silêncio quanto aos motivos que teriam levado os denunciados a agir ilicitamente (que não agiram, como se vê pelo teor das certidões juntas e pela descoberto exercício académico que o Requerente efectuou nos processos do Tribunal de Família), temos que concluir pela inutilidade da realização da fase instrutória, por não existir qualquer probabilidade, ainda que remota, de os denunciados virem a ser pronunciados pelo crime cuja autoria o assistente lhes imputa.

DECISÃO:

Pelo exposto, por inadmissibilidade legal atenta a falta de objecto, rejeito o presente requerimento para abertura de instrução e determino o arquivamento dos autos.

Custas a cargo do assistente com taxa de justiça que fixo em quatro unidades de conta.

- Registe. - Notifique.

- Dê conhecimento deste despacho aos Senhores Juízes BB e CC.

Lisboa, 28-06-2022

**

II.2. O âmbito do recurso é dado pelas conclusões extraídas pelo recorrente da respetiva motivação. (Cf. entre outros, os acórdãos do STJ de 19-6-96[1] e de 24-3-1999[2] e Conselheiros Simas Santos e Leal Henriques, in Recursos em Processo Penal , 6.ª edição, 2007, pág. 103).

São apenas as questões suscitadas pelo recorrente e sumariadas nas respetivas conclusões que o tribunal de recurso tem de apreciar [3], sem prejuízo das de conhecimento oficioso.

Como bem esclarecem os Conselheiros Simas Santos e Leal-Henriques, «Se o recorrente não retoma nas conclusões, as questões que suscitou na motivação, o tribunal superior, como vem entendendo o STJ, só conhece das questões resumidas nas conclusões, por aplicação do disposto no art. 684.º, n.º3 do CPC. [art.635.º, n.º 4 do Novo C.P.C.]» (in Código de Processo Penal anotado, 2.ª edição, Vol. II, pág. 801). 

No caso dos autos, face às conclusões da motivação do recorrente AA, as questões decidir são as seguintes:

- Se deve ser deferido o pedido de constituição de Assistente por parte do denunciante, relativamente aos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social, pretendendo o recorrente ser admissível tal constituição ao abrigo do disposto no art. 68.º, n.º 1, al. e), do CPP, no segmento que se refere ao crime de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção, por entender que a senhora juíza denunciada por que esteve de baixa, mas trabalhou, auferiu um subsídio a que não tinha direito, pelo que incorreu em responsabilidade penal.

- Se o despacho recorrido violou o disposto nos artigos 242º nº1 alínea b), alínea b) do nº 1 do artº 287º, e também os nºs 2, 3, 4 e 5, alíneas b) e d) do nº 3 do artº 283º, nº 4 do artº 288º, 289º, nº 2 do 290º, 268º, 270º, nº 3 do 291º, 292º, 295º, 298º, 299º, nºs 1, 3 e 5 do 303º, 340º todos do CPP e 369º do CP e artºs 103º e 107º do RGIT, ao rejeitar liminarmente o Requerimento de Abertura de Instrução (R.A.I.) quanto ao crime de denegação de justiça com fundamento em inadmissibilidade legal, devendo ser revogado e substituído por outro que, admitindo o requerimento apresentado pelo assistente, pronuncie os denunciados pelo crime de denegação de justiça p. e p. pelo artº 369º do CP, e ainda a denunciada pela prática de um crime de baixa fraudulenta (cfr. Artºs 103º a 107º do RGIT).

*

II.3. Quanto ao indeferimento do pedido de constituição de Assistente por parte do denunciante, relativamente aos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 103.º e 107.º, do RGIT.

II.3.1. Alega o recorrente que, “se a Sr.ª Juíza de Direito Participada, confessa que, estando de baixa médica, se encontrava, ainda assim, a trabalhar, e logo, consequentemente, a receber por força da Lei da Segurança Social o competente subsídio por doença, resultante de incapacidade temporária para o Trabalho, estamos em face de uma situação de baixa fraudulenta, de fraude contra a Segurança Social, e, ainda, de fraude na obtenção/recebimento do referido subsídio de doença, que naquele circunstancialismo não seria legalmente devido”, o que, no seu entendimento, preenche, no caso da Denunciada, os elementos objetivos e subjetivos dos tipos de ilícitos criminais, nomeadamente de uma a baixa médica fraudulenta, por crime de fraude contra a Segurança Social e Abuso de Confiança contra a Segurança Social p. e p. pelos artºs 103º a 107º todos do RGIT (ponto II.A. da motivação recurso e parte final das conclusões).

Mais alega que nos termos consignados na al. e) do nº 1 do artº 68º do CPP, “Qualquer pessoa nos crimes contra…fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção.”, tem legitimidade para requerer a sua constituição como Assistente. Efetivamente, tais “crimes fiscais” visam proteger o património do Estado, mas, não só, pois, parece-nos óbvio, que o ora Recorrente, tem interesse pessoal e autónomo, bem como, qualquer cidadão, para tal. Porque, cada cidadão é que faz o Estado, existindo um interesse colectivo, em que, a má utilização de dinheiros públicos seja investigada até ao fim. O que, determina também, e ainda, a sua legitimidade na sua constituição como Assistente, quanto a estes dois ilícitos criminais fiscais, por este, aqui Recorrente, ter sido igualmente ofendido no seu direito à Justiça célere e equitativa, em face da Sra. Juíza Participada, estar de baixa médica, mas apenas, e tão somente, para algumas das suas funções judiciais, pois que, para outras, continuou ao serviço, pelo que, dúvidas não podem existir e/ou subsistir, de que, o ora Recorrente por Lei, foi especialmente ofendido por tal prática fraudulenta, tudo, cfr. ao abrigo das alíneas a) e e) do nº 1 do artº 68º do CPP.

Daí que, a Lei fale nos casos de fraude, “em qualquer pessoa”, ali cabendo claramente ao Assistente ora Recorrente, a dita “legitimidade”, para se constituir Assistente, também relativamente a estes específicos ilícitos criminais” (conclusão C).

*

II.3.2. Com relevo para a questão proposta colhem-se dos autos os seguintes elementos:

O presente inquérito teve origem na denúncia apresentada por AA contra os senhores juízes BB e CC [CC], que exercem funções no Juízo de Família e Menores ... - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, sendo a primeira na qualidade de titular do P. 699/20...., e Apensos A [Entrega Judicial de Crianças] e B [alteração das responsabilidades parentais], do Juiz ... daquele Juízo, e o segundo na qualidade de juiz de turno com que os tramitou.

O denunciante atribui, em suma, à senhora juíza BB atrasos no despacho dos apensos, superiores a 15 dias, tendo o Apenso A sido autuado em 05/01/2021, sendo de natureza urgente; a entrega dos seus três filhos menores “a um meio-irmão”, quando ele, pai, não está inibido do poder paternal, e a fixação de um regime de férias e visitas provisório impraticável, uma vez que reside e trabalha em ...; a assinatura da Ata de 23/04/2021 no Apenso A apenas na data de 14/06/2021; a assinatura da Ata de 15/06/2021 no Apenso B apenas na data de 12/07/2021, quando se encontrava de baixa médica.

Considera, por isso, que a sra. Juíza incorreu no crime de denegação de justiça, p. e p. pelo art. 369.º, do C.P, e na “prática de um eventual crime de baixa fraudulenta.”

Resultou suficientemente indiciado o seguinte:

No Juiz ... do Juízo de Família e Menores ... – Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, correu termos o Processo de Promoção e Proteção de Menores com o n.º 699/20...., no âmbito do qual foi aplicada a medida de promoção e proteção provisória de apoio junto do irmão dos menores e mulher.

A medida cessou por decisão judicial de 16/12/2020, que determinou o arquivamento do processo.

Em 05/01/2021 e 19/02/2021 foram instaurados, respetivamente, os Apensos A de Entrega Judicial de Crianças e B de Alteração das Responsabilidades Parentais.

Neste processo, e seus apensos, estão em causa os menores DD e GG, filhos do aqui denunciante e de WW.

A senhora juíza BB é titular destes autos.

A senhora juíza, no que a estes autos interessa, permaneceu na situação de baixa desde 02/07/2021 a 02/12/2021.

Nesse período de tempo foi sucessivamente substituída na tramitação do processo 699/20.... do Juiz ... do Juízo de Família e Menores ..., e seus apensos, pelo senhor juiz de turno CC e, desde setembro de 2021, pela senhora juíza auxiliar, FF.

A senhora juíza BB assinou, no sistema CITIUS, na Ata de 23/04/2021, no Apenso A, na data de 14/06/2021.

O denunciante apresentou uma exposição no CSM, em 16/06/2021, sobre a urgência no despacho dos autos e a sua perplexidade perante a morosidade no despacho, atendendo à natureza dos autos e ao estado em que encontravam.

O CSM, em 20/07/2021, na sequência dessa exposição, determinou que o processo 699/20...., e apensos, fossem afetos e conclusos ao juiz de turno, uma vez que estavam a decorrer as férias judiciais e a senhora juíza titular estava de baixa, a fim de prosseguir com eles nos termos que entendesse por convenientes.

O CSM tomou esta decisão sabendo que o processo estava concluso desde 08/05/2021.

 No dia 12/07/2021, a senhora juíza assinou, no sistema CITIUS, a Ata de 15/06/2021, no Apenso B.

O senhor juiz de turno CC, no dia 31/07/2021, proferiu um despacho no Apenso A e outro no Apenso B.

Em cada um desses despachos considerou a inexistência de urgência na sua tramitação por a guarda dos menores estar assegurada e definido o regime de férias e de visitas com o pai.

Os dois despachos foram proferidos na data em que foram conclusos/presentes para esse efeito.

O denunciante apresentou uma exposição no CSM, em 15/09/2021, reiterando a sua preocupação no cumprimento dos prazos processuais no processo em causa.

No dia 20/09/2021, o CSM apreciou uma exposição efetuada pela senhora juíza auxiliar quanto ao despacho do processo.

O CSM, ainda na sequência da decisão de 20/07/2021, em 25/10/2021, após ter apurado que o processo estava a ser despachado com regularidade pela senhora juíza auxiliar, devido à baixa da sua titular, decidiu arquivar o procedimento aberto para acompanhamento da situação.

O CSM não determinou a instauração de inquérito ou procedimento disciplinar relativamente a cada um dos senhores juízes titular e de turno.

*

II.3.3. A primeira questão a analisar e que aqui reclama solução, consiste em saber se ao denunciante, ora recorrente AA assiste ou não, legitimidade para se constituir assistente relativamente aos crimes denunciados (baixa médica fraudulenta, por crime de fraude contra a Segurança Social e Abuso de Confiança contra a Segurança Social p. e p. pelos artºs 103º a 107º todos do RGIT – ponto II.A. da motivação recurso e parte final das conclusões), na participação por si efectuada e que esteve na génese do inquérito contra a senhora juíza BB, que exerce funções no Juízo de Família e Menores ... - Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa, na qualidade de titular do P. 699/20...., e Apensos A [Entrega Judicial de Crianças] e B [alteração das responsabilidades parentais], do Juiz ... daquele Juízo e, consequentemente, se nessa qualidade pode intervir nos autos, nomeadamente requerendo a abertura da instrução.

Vejamos.

Dispõe o artº 68º, nº 1, al. a), do cód. procº penal:

            «1. Podem constituir-se assistentes no processo penal, além das pessoas e entidades a quem leis especiais conferirem esse direito:

            a) Os ofendidos, considerando-se como tais os titulares dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação, desde que maiores de 16 anos;

            b) As pessoas de cuja queixa ou acusação particular depender o procedimento;

            c) No caso de o ofendido morrer sem ter renunciado à queixa, o cônjuge sobrevivo não separado judicialmente de pessoas e bens ou a pessoa, de outro ou do mesmo sexo, que com o ofendido vivesse em condições análogas às dos cônjuges, os descendentes e adotados, ascendentes e adotantes, ou, na falta deles, irmãos e seus descendentes, salvo se alguma destas pessoas houver comparticipado no crime;

            d) No caso de o ofendido ser menor de 16 anos ou por outro motivo incapaz, o representante legal e, na sua falta, as pessoas indicadas na alínea anterior, segundo a ordem aí referida, ou, na ausência dos demais, a entidade ou instituição com responsabilidades de proteção, tutelares ou educativas, quando o mesmo tenha sido judicialmente confiado à sua responsabilidade ou guarda, salvo se alguma delas houver auxiliado ou comparticipado no crime;

            e) Qualquer pessoa nos crimes contra a paz e a humanidade, bem como nos crimes de tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção»

 Tem sido comumente aceite, que o conceito de ofendido para efeitos de legitimidade para constituição como assistente, coincide com o adotado para se aferir da legitimidade para apresentação de queixa, previsto no artº 113º, nº 1, do CP, onde igualmente se estabelece que ofendido é o titular dos interesses que a lei especialmente quis proteger com a incriminação. Exige-se como condição de legitimidade, a existência de um interesse específico, particularmente qualificado, que intercede na relação entre o bem jurídico e o sujeito afectado. Deste modo, só será ofendido quem for titular de um interesse legítimo, tutelado pela lei.

 Adoptando um conceito lato de ofendido, a lei prevê outras duas situações. Num caso, confere legitimidade para se constituírem assistentes às pessoas e entidades a quem normas especiais atribuam essa faculdade (corpo do nº 1 do art. 68º do cód. procº penal). No outro, atribui legitimidade para se constituir assistente a qualquer pessoa quando o procedimento criminal tenha por objecto crimes contra a paz e a humanidade, tráfico de influência, favorecimento pessoal praticado por funcionário, denegação de justiça, prevaricação, corrupção, peculato, participação económica em negócio, abuso de poder e de fraude na obtenção ou desvio de subsídio ou subvenção (art. 68º, nº 1, e) do Cód. Proc. Penal). Por via desta norma permite-se a qualquer pessoa, quanto a determinadas categorias de crimes, denominados “sem vítima”, como os elencados, que se constitua assistente, tendo assim intervenção no processo penal. O escopo que a lei visa quanto à constituição de assistente quando em causa está algum dos crimes catalogados na dita alínea e), é o de proporcionar o exercício de uma “cidadania activa” em colaboração com o Ministério Público.

No caso concreto a legitimidade do recorrente deve ser aferida em relação aos crimes concretos que estão em causa e a delimitação do seu conceito encontrar-se-á na tipologia criminal concretamente expressa em lei. Só assim é possível determinar se uma pessoa viu os interesses que a lei quis, especificamente, proteger afetados pela conduta dos suspeitos. 

Entendemos que a lei acolhe um conceito estrito, imediato de ofendido, abrangendo apenas os titulares dos interesses que a lei quis especialmente proteger quando formulou a norma incriminadora[4]

O mesmo conceito estrito de ofendido encontra-se plasmado no art.113º, nº1do C. P.

Assim, para efeito de constituição como assistente, não pode ser considerado “ofendido” qualquer pessoa prejudicada com a comissão do crime, mas somente o titular do interesse que constitui o objecto imediato do crime.

Não basta, portanto, uma ofensa indirecta a um determinado interesse para que o seu titular se possa constituir assistente, pois não se integra no âmbito do conceito de ofendido, os titulares de interesses cuja protecção é puramente mediata ou indirecta, como é o caso da denunciante relativamente aos mencionados crimes de abuso de confiança fiscal, fraude fiscal e abuso de confiança contra a segurança social.

Trata-se de crimes tributários em que o bem jurídico tutelado é o sistema tributário, entendido em sentido estático e dinâmico e de modo especial a vertente dinâmica da obtenção de recursos por meio de impostos para satisfação das necessidades financeiras do Estado.

Os crimes tributários assumem natureza pública, sendo pois crimes públicos, porque destinados a proteger um bem jurídico supra individual de interesse comunitário, fazendo parte das funções soberanas do Estado. Tais crimes tutelam directa e imediatamente o interesse do Estado e só indirectamente as normas incriminadoras protegem interesses particulares.

São os interesses do Estado, na sua vertente vulgarmente denominada por Fisco ou Fazenda Nacional, entendido como sistema dinâmico de obtenção de receitas e realização de despesas.

O objecto do crime de fraude fiscal é complexo. Por uma parte o património do Estado, enquanto componente do bem jurídico tutelado, mas também o dever de colaboração leal dos cidadãos na determinação dos factos tributários e, por isso, o objecto do crime é por uma parte o património tributário de Estado, enquanto bem jurídico tutelado, e por outro os deveres de informação e de verdade dos cidadãos perante o sistema fiscal, que constituem o objecto da acção.

A ratio do crime de fraude fiscal é o dano no património fiscal do Estado.

A conduta incriminada consiste na violação dos deveres de informação e verdade susceptíveis de causar lesão ao património do Estado pela diminuição das receitas tributárias.[5]

No crime de abuso de confiança fiscal é tutelado o sistema fiscal na perspectiva patrimonial: arrecadação dos tributos recebidos ou retidos pelo substituto de imposto. [6]

No crime de abuso de confiança contra a segurança social o bem jurídico directo e imediato penalmente protegido com a incriminação é também o interesse do Estado na defesa da boa cobrança das receitas (as contribuições devidas pelos trabalhadores e deduzidas pelas entidades empregadoras) indispensáveis ao funcionamento do sistema de segurança social, que constitui sua obrigação constitucional.

Todos eles, enquanto crimes tributários, o bem jurídico tutelado é o «sistema tributário», entendido numa perspectiva funcional, como o conjunto de actividades a desenvolver pelo Estado e outros entes públicos para obtenção dos recursos financeiros e para a aplicação destes na satisfação das necessidades públicas que lhes cumpre realizar.[7]

Em todos eles o bem jurídico tutelado tem uma natureza supra-individual, e ali não se encontra um interesse especialmente protegido de natureza particular que legitime a constituição como assistente, visto que o titular do interesse que constitui objecto jurídico imediato dos crimes aqui em causa ser o próprio Estado.

Nesta conformidade, não nos merece reparo a conclusão extraída na decisão recorrida de que ao requerente não assiste legitimidade para se constituir e intervir na qualidade de assistente, quanto ao procedimento pelos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 103.º e 107.º, do RGIT. 

Não tendo o denunciante (não assistente) legitimidade para requerer a instrução quanto aos crimes de fraude e de abuso de confiança contra a segurança social, p. e p. pelos arts. 103.º e 107.º, do RGIT,  [art.287º, nº1, al. b) do CPP], faltando esse pressuposto processual ou essa condição de procedibilidade, a instrução não é admissível, nos termos do disposto no nº 3 do citado art. 287º do referido diploma adjectivo, o que acarreta a rejeição limiar do requerimento por aquele apresentado para abertura da instrução e prejudica o conhecimento das questões nele suscitadas, nomeadamente da nulidade arguida nesse requerimento, a alegada insuficiência de inquérito e a avaliação dos indícios, pelo que não nos merece censura a douta decisão recorrida, que consequentemente mantemos na íntegra.

*

II.3.4. Ainda quanto à rejeição do requerimento de abertura de instrução, alega o recorrente que não podia ter sido rejeitado pela afirmada ausência de “legitimidade” que foi arguida no despacho recorrido, cabendo salientar que, nunca os denunciados Srs. Juízes identificados foram sequer constituídos arguidos, não se tendo cumprido, tão pouco, o que, a demais, legalmente se impõe no preceituado nos nºs 4 e 5 do artº 287º do CPP, pois, manda o nº 4 do artº 288º do CPP, que o juiz de instrução “… investiga autonomamente o caso submetido a instrução, tendo em conta a indicação, constante do requerimento da abertura de instrução…”. Ora, não só o requerimento de abertura de instrução não poderia ter sido rejeitado com o fundamento escolhido, como foi praticada patente omissão de diligências instrutórias, e de pronúncia, com o consequente, incumprimento manifesto do nº 4 do artº 288º do CPP, conjugado, com o disposto nos artºs 289º e 290º e seguintes todos do CPP.

Diremos, desde já, que não assiste razão ao recorrente.

Decorre do disposto no artigo nº 2 do artigo 58º do CPP que o acto de constituição como arguido não é revestido de qualquer formalidade operando-se por simples comunicação verbal ou escrita, nem a Lei adjetiva impõe qualquer dever de fundamentação, como ocorre, por exemplo, com o 1º interrogatório judicial de arguido — cfr. artigos 61º al c) e 141.° n.º 4 als c) a e) do CPP.

Arguido, na definição do Prof. Germano Marques da Silva (Curso de Processo Penal, I, pág.286) é a pessoa relativamente a quem corre processo como eventual responsável pelo crime que constitui objecto do processo.

Está em causa a não realização de uma diligência de prova na fase de instrução.

A instrução é formada pelo conjunto dos actos de instrução que o juiz entenda levar a cabo e, obrigatoriamente, por um debate instrutório, oral e contraditório, no qual podem participar o Ministério Público, o arguido, o defensor, o assistente e o seu advogado – n.º 1 do artigo 289.º.

Sendo admissíveis na instrução todas as provas que não forem proibidas por lei, o juiz de instrução interroga o arguido quando o julgar necessário e sempre que este o solicitar – nºs 1 e 2 do artigo 292.º.

O juiz tem obrigatoriamente que ouvir o arguido, pelo menos uma vez, se ele o solicitar.

No caso em apreço, ao contrário do entendimento defendido pelo recorrente, o interrogatório dos denunciados não era obrigatório, uma vez que não foi por eles solicitado.

Por outro lado, a Instrução visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (artº 286º, CPP).

Nos termos do artº 291º, nº 1 do CPP “o juiz indefere, por despacho irrecorrível, os actos requeridos que não interessem à instrução…”

O juiz de instrução pratica os actos “necessários” à realização das finalidades da instrução, sem que o indeferimento de diligências de prova possa constituir neste caso nulidade sanável por insuficiência da instrução na medida em que os actos processuais indeferidos não são obrigatórios. Em suma, podemos dizer que a não realização em instrução de diligências de prova requeridas nunca seria geradora de nulidade até por contradição com norma do citado artº 291º, do CPP.

Instaurado inquérito, deve o mesmo ser arquivado logo que recolhida prova bastante de se não ter verificado crime, de que o arguido o não praticou a qualquer título ou de ser legalmente inadmissível o procedimento criminal, como estabelece o art. 277.º, n.º 1, do CPP.

Mesmo a constituição como arguido exige a existência de uma suspeita fundada da prática de crime, conceito este próximo do conceito de indício [art. 58.º, nº 1, al. a), do CPP].

Não existindo indícios [nem sequer suspeitas] que permitam imputar aos senhores juízes BB e CC os crimes denunciados, e não tendo sido solicitado o interrogatório pelos denunciados, não se impunha ao Tribunal a realização daquela diligência de prova, não ocorrendo qualquer nulidade.

Termos em que se impõe negar provimento ao recurso nesta parte, por não se verificarem as alegadas nulidades de “total ausência de investigação e não cumprimento das diligências instrutórias requeridas, reputadas de essenciais para a descoberta da verdade material e total ausência da realização das diligências de prova requeridas no RAI, sem qualquer justificação legal e plausível, para tal”, e confirmar a decisão impugnada.

*

II.4. Quanto ao cumprimento o disposto nos artigos 283º e 287º, do C.P.P.

II.4.1. Entende o recorrente que, em face de um processo de natureza urgente, adiar e protelar a decisão, é sem dúvida, denegar justiça ao cidadão.

Para tanto, alega que:

O crime de denegação de justiça e de prevaricação previsto no art. 369.º do CP cobre uma multiplicidade de condutas, que se podem reconduzir a um étimo comum que consiste na atuação contra o direito. Como seja, não cumprir reiteradamente um prazo e não decidir, é fatalmente agir contra o direito, pois ninguém está acima da Lei, e, esta, submete todos. E de acordo com a letra da Lei plasmada no nº. 1, do normativo em análise, basta que seja a atuação e/ou omissão “conscientemente”, sendo que, o crime na forma agravada, conforme fixa o seu nº. 2, é que exige a “intenção de prejudicar ou beneficiar alguém”. Em face de um processo de natureza urgente, no qual, foi denegada a justiça, participada criminalmente nos autos, (urgência conforme definida por Lei e com a orientação do CSM). Nesse sentido, não decidir, fosse qual fosse o sentido da Decisão (o que, nunca esteve em causa), adiar e protelar a decisão, é sem dúvida, denegar justiça ao cidadão, tanto mais, quando tal sucedeu, de modo reiterado, e já após o CSM, ter determinado que cumpria à luz da Lei decidir os autos. Consequentemente, este crime enquadra-se no amplo sector dos crimes de funcionários, de forma análoga aplicado aos Magistrados, em que o fator determinante reside na violação dos deveres funcionais decorrentes do cargo ocupado/desempenhado, pelo que, se configura como um típico crime específico (próprio) - Conclusão E.

A nota delimitadora deste crime é a consciência de tal contradição de agir contra o direito, ou seja, é o assumir da violação dos deveres profissionais em função de outras quaisquer razões, sejam elas quais forem (…). Ora, não pode haver dúvidas, de que a Sr.ª Juíza e o Sr. Juiz participado, sabiam “conscientemente” que o processo era urgente e tinham de o decidir e em tempo, ainda, para mais, quando tal foi afirmado/confirmado pelo CSM, e que, o seu Exmº. Sr. Vice Presidente, assim reiterou o que a Lei consigna – Conclusão F.

Os Srs. Juízes participados, sabiam consciente e naturalmente, com certeza do seu dever de decidir num prazo razoável, o qual, lhes era imposto por Lei e objetivamente decorrente dos prazos legais fixados para o efeito. Mas, não quiseram ainda assim, conscientemente, decidir, em prejuízo deste Pai e destas Crianças. Pois, nenhum e qualquer motivo, foi avançado para que assim não tivessem agido. No caso da Sra. Juíza participada, nada justificou quanto ao período temporal, de reiterado e grosseiro atraso na decisão a proferir nos períodos temporais em que esteve ao serviço. E quanto ao Sr. Juiz participado, até escreveu no processo que não lhe cabia decidir, e que os autos não eram urgentes, influenciando, ainda, assim, a que, mais nenhum Juiz cabia decidir – Conclusão G.

Não existiam no caso, diversas vias juridicamente admissíveis – havia uma, apenas, estamos em face de um processo urgente, o Julgamento havia terminado em 23-04-2021 (tudo factos invocados na instrução e ignorados por esse Venerando Tribunal), havia que proceder a alegações, encerrar a audiência de discussão e julgamento e decidir de acordo com a Lei, em 15 dias – ora isso não aconteceu, e bem mais de 1 ano depois, é que é proferida a decisão, nos presentes autos, por sinal, extrapolando sem qualquer incómodo e problema de consciência o que o CSM havia deliberado, que a decisão se impunha em 10 dias cfr. al. p) do nº 1 do artº 149º do EMJ, uma vez que, cabia estabelecer a prioridade para este processo, em virtude de, tal período decisório ter sido “considerado excessivo”. Sendo que, o Apenso B continua pendente, igualmente, há mais de um ano sem sequer ter Julgamento designado. O mesmo sucedendo com o Apenso D - Conclusão H.

A Sr.ª Juíza participada esteve doente, ao que se soube, pelo que, exarou nos autos. Mas, há muito regressou ao serviço, não tendo cumprido no período que a Lei lhe impunha, o que era seu dever funcional, o mesmo sucedendo, com o Sr. Juiz participado, quando, no seu turno, teve nas suas mãos a responsabilidade de tais autos (…) – conclusão I

Mais alega que o recorrente, em suma, que não só o requerimento de abertura de instrução fez uma descrição factual concreta e completa, de acordo com a tramitação que os presentes autos têm seguido, e, em face da atuação dos Srs. Juízes denunciados, como tal elenco de factos, não logrou obter qualquer mínimo exercício crítico, investigatório e de pronúncia fundamentada, por parte do Despacho aqui em crise. Não há falta de objeto, não se quis, foi analisar e investigar o que este já indicia! E, por conseguinte, inexiste a invocada inadmissibilidade legal da presente Instrução, pois que, não existe nada na Lei, nem qualquer preceito legal que prive a sua realização, ou não a contemple nos termos e condições em que o RAI, a expôs e requereu.

Vejamos.

II.4.2. Encerrado o inquérito, que compreende o conjunto de diligências que visam investigar a existência de um crime, determinar os seus agentes e a responsabilidade deles e descobrir e recolher as provas, em ordem à decisão sobre a acusação (art.262.º, n.º1 do C.P.P.), cumpre ao Ministério Público enquanto dominus desta fase processual e titular da ação penal (art.263.º do C.P.P.), dar destino ao inquérito, arquivando-o ou deduzindo acusação.

Arquivado o inquérito, nos termos do art.277.º, n.º1, do Código de Processo Penal, pode o respetivo despacho ser sindicado por intervenção hierárquica, espontânea ou requerida (art.278.º do C.P.P.) ou por via judicial, através da abertura da instrução (art.287.º do C.P.P.).

Quando se não ignora quem é o autor da infração criminal e o assistente dispõe de factos e provas no inquérito para poder imputar uma infração criminal ao arguido, a via normal de sindicância do despacho de arquivamento é a instrução uma vez que esta, nos termos do art.286.º, n.º1, do C.P.P., «… visa a comprovação judicial da decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento.».

A fase da instrução é facultativa e destina-se a comprovar judicialmente a decisão de deduzir acusação ou de arquivar o inquérito em ordem a submeter ou não a causa a julgamento (art.286.º, n.º1 do C.P.P.)

Sobre o requerimento para abertura da instrução o art.287.ºdo Código de Processo Penal estatui, nomeadamente, o seguinte:

«2. O requerimento para abertura da instrução não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que disso for caso, a indicação dos atos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e de outros, se espera provar, sendo ainda aplicável ao requerimento do assistente o disposto no art.283.º, alíneas b) e c). (…).».

O requerimento não está sujeito a formalidades especiais, mas deve conter, em súmula, as razões de facto e de direito de discordância relativamente à acusação ou não acusação, bem como, sempre que for caso disso, a indicação dos actos de instrução que o requerente pretende que o juiz leve a cabo, dos meios de prova que não tenham sido considerados no inquérito e dos factos que, através de uns e outros, se espera provar.

Tratando-se de requerimento do assistente, este deve, ainda, conter a narração dos factos, das disposições legais aplicáveis, tal como se dispõe para a acusação (als. b) e c) do nº 3 do art. 283º do CPP).

Neste sentido, ensina o Prof. Germano Marques da Silva, que “O juiz está substancial e formalmente limitado na pronúncia aos factos pelos quais tenha sido deduzida acusação formal, ou tenham sido descritos no requerimento do assistente e que este considera que deveriam ser o objeto da acusação do MP. O requerimento para a abertura da instrução formulado pelo assistente constitui substancialmente uma acusação alternativa (ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo MP), que dada a divergência assumida pelo MP vai necessariamente ser sujeita a comprovação judicial.”[8]

É, na verdade, o requerimento para abertura de instrução, no caso de arquivamento pelo MP, que vai estabelecer os limites do objecto do processo, circunscrevendo a intervenção do JIC que funciona nesta sede como instância de controlo e não de investigação. Ou seja, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente deve constituir uma verdadeira “acusação” em sentido material[9].

Por via de tal, o juiz está substancial e formalmente limitado no despacho de pronúncia aos factos, pelos quais tenha sido deduzida acusação formal ou que tenham sido descritos no requerimento do assistente, porquanto, como se disse, o requerimento de abertura de instrução formulado pelo assistente constitui um “acusação alternativa” ao arquivamento ou à acusação deduzida pelo MP.

Não compete ao Juiz de instrução compulsar os autos para fazer a enumeração e descrição dos factos que se poderão indiciar como cometidos pelo arguido, pois, se assim fosse, estar-se-ia a transferir para o Juiz o exercício da ação penal, violando, desde logo, a estrutura acusatória do processo penal.

O que se exige ao assistente no requerimento da abertura de instrução, por força da última parte do n.º2 do art.287.º do C.P.P., não é mais do que se exige ao Ministério Público no caso de este deduzir acusação (art.283.º, n.º 3, alíneas a), b) e c), do mesmo Código), e do que se exige ao assistente no caso de dedução de acusação por crime particular (art.285.º, n.º 3 do C.P.P.).  

No sentido de que o requerimento da abertura de instrução, para além da narração, ainda que sintética, das razões de facto e de direito da divergência relativamente ao despacho de arquivamento, deve conter uma verdadeira acusação alternativa ao despacho de arquivamento, decidiram, entre muitos outros, o acórdão do STJ de 13-01­2011, in www.dgsi.pt., os acórdãos da Relação de Coimbra, de 27 de Setembro de 2006 (proc. n.º 60/03.2TANLS.C1) e de 20 de janeiro de 2016 (proc. n.º 1/13.9GBFVN.C1), in www.dgsi.pt.).

A omissão da correcta narrativa dos factos enformadores da infracção criminal no requerimento de instrução, além de configurar uma nulidade – arts. 283º e 287º do CPP – configuraria um caso de inadmissibilidade legal de instrução – cf. Ac. RP, de 23-5-01, CJ, XXVI, 3, pg. 239 -, para além de consubstanciar um acto inútil, que os princípios da lei processual não admitem.

No caso em apreço, tratando-se de requerimento de abertura de instrução pela assistente – art. 287º, 1, b) do CPP – relativamente a factos pelos quais o MP não deduziu acusação, é aplicável ao requerimento a apresentar por aquela o disposto nas als. b) e c) do nº 3 do art. 283º do CPP., por remissão da parte final do nº 2 do cit. art. 287º do mesmo diploma legal.

Assim, sublinha-se, para além do conteúdo explicitado na 1ª parte deste nº 2 do art. 287º, deve aquele requerimento conter, sob pena de nulidade, a narração, ainda que sintética, dos factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança, incluindo, se possível, o lugar, o tempo e a motivação da sua prática, o grau de participação que o agente neles teve e quaisquer circunstâncias relevantes para a determinação da sanção que lhes deva ser aplicada, assim como a indicação das disposições legais aplicáveis.

*

II.4.3. Ora, no caso vertente, o recorrente requer que seja proferido despacho de pronúncia que pronuncie os denunciados, pelo crime de denegação de justiça p. e p. pelo arts 369º do C.P.

Dispõe o artigo 369°, nº 1 do CP.

O funcionário que, no âmbito de inquérito processual, processo jurisdicional, por contra-ordenação ou disciplinar, conscientemente e contra direito, promover ou não promover, conduzir, decidir ou não decidir, ou praticar acto no exercício de poderes decorrentes do cargo que exerce, é punido com pena de prisão até 2 anos ou com pena de multa até 120 dias”.

Comentando o preceito Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, pág. 961, escreve que o objectivo da incriminação é o de acautelar a realização da justiça, na sua vertente da integridade dos órgãos da administração da justiça, incluindo os Magistrados, funcionários e órgãos colaboradores da justiça, pelo que se está em presença de um crime de dano, mas também específico próprio no sentido de só poder ser praticado por quem reúne certas qualidades.

Como bem salienta o Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, 20/06/2012, proc. 36/10.3TREVR.S1, 3ª Secção, Relator: Armindo Monteiro «No descortinar da actuação prevaricadora do juiz ou de denegação de justiça deve-se usar de um crivo exigente até porque, a ser diferente, ou seja se todas vezes que o destinatário da decisão dela discorde, seja porque se não se aplicou a lei, se seguiu interpretação errónea na sua aplicação, se praticou um acto ou deixou de praticar, os Magistrados Judiciais ou do Mº Pº incorressem num crime de prevaricação estava descoberto o processo expedito de paralisar o desempenho do poder judicial, a bel prazer do interessado, pelos factores inibitórios que criaria aos magistrados, a todo o momento temerosos de sobre eles incidir a espada da lei, paralisando-se a administração da justiça, com gravíssimas, intoleráveis e perigosas consequências individuais e comunitárias, não se dispensando, por isso mesmo, a presença de um grave desvio funcional por parte do Magistrado pondo em causa a imagem da justiça e os interesses de terceiro. No dia em que o juiz acorde assediado por esse supracitado temor, o poder judicial esboroar-se-á sem apelo e nem agravo; no dia em que tal suceder nenhum cidadão poderá mais sair à rua em sossego, escreveu Eduardo la Couture, citado no proémio da Lei Uniforme sobre o Cheque, comentada por Abel Delgado e Filomena Delgado. Por isso que se consagra no EMJ, como princípio, a irresponsabilidade dos juízes pelas sua decisões, tanto ao nível penal, cível ou disciplinar, salvos casos previstos na lei- art.º 5.º e se delimitam no seu n.º 3 as condições em que pode ser exercida a responsabilidade civil contra eles».

Elemento típico do crime é, além de outros, a prática, ou omissão, de acto contra o direito e conscientemente.
O crime de denegação e prevaricação é essencialmente doloso, o tipo subjectivo de ilícito fica preenchido com a actuação com dolo directo, directo (art.º14º, do CP) como resulta do uso “ conscientemente “ no descritivo típico; o tipo agravado do n.º 2 não prescinde de uma especial intenção criminosa, de prejudicar ou beneficiar alguém, na forma de dolo específico.

O dolo não se presume, ilacionando-se esse estado subjectivo a partir de factos materiais de que inequivocamente resulte a vontade de praticar o crime e a consciência da proibição dessa prática.

Decorre do art. 369º, nº 1 do CP que, para que a conduta dos denunciados se pudesse subsumir a este tipo legal, era necessário que em sede de inquérito ou de instrução tivessem ficado apurados de forma indiciária factos fortes e seguros de que os denunciados tinham agido com a intenção de o fazer contra o direito e para prejudicar alguém ou beneficiar outrem.

O denunciante pretende com a denúncia, e com este inquérito, que a sua visão da realidade processual quanto a prazos para prática de atos, ou seja, de gestão processual, e a sua visão do que seria justo ter sido decidido, designadamente quanto à entrega dos menores e ao regime de visitas, seja objeto de enquadramento penal, no denunciado crime de denegação de justiça.

Resulta dos autos, como salienta a decisão recorrida: “Como se vê dos autos (cfr. Certidões juntas) e expressamente e muito bem se escreveu no âmbito das certidões juntas: «…assistimos é a um aparente exercício académico, desligado da realidade, incluindo da realidade processual anterior, que é estranhamente omitida no processamento destes autos, pois da forma como estão colocadas as questões desde a PI, até parece que não foi a CPCJ nem o Tribunal que confirmaram e sustentaram a atual situação de facto dos menores à entrada da PI destes autos sendo que, na tese do pai, o que aconteceu foi que o irmão NN, inclusive contra a vontade dos menores, como o pai alega, e visando NN obter subsídios sociais, reteve os menores consigo, em frontal violação da Constituição portuguesa e dos direitos fundamentais mais sagrados de um Estado de Direito (e sem que tenha havido prévia intervenção da CPCJ e do Tribunal).

Ora, basta consultar o processo de promoção e proteção, o seu início, a sua tramitação e a razão pela qual foi arquivado, e, entretanto, o apenso B, para se perceber que não é nada disto o que se está a passar, e que não é possível prosseguir nestes autos como se estivéssemos perante um caso em que os menores foram subtraídos ao pai por terceira pessoa, no caso, o irmão uterino NN.

Além disso, há outro dado novo: no processo do apenso B foi proferida decisão que confiou os menores provisoriamente ao irmão NN, pelo que se já não tínhamos dúvidas de que estes autos deveriam ter sido liminarmente indeferidos, estando pendente a ação tutelar cível visada após o arquivamento do processo de promoção e proteção, estamos perante patente inutilidade superveniente da presente lide.»”.

Ora, dos indícios reunidos, não se extrai que os senhores juízes denunciados tenham praticado, ou deixado de praticar atos, contra direito, no exercício dos poderes decorrentes do cargo que exercem, quer por que os praticaram fora de prazo, ou não praticaram, quer por que proferiram despachos que não agradaram ao denunciante, e este considera injustos, e que o tenham feito ao arrepio da lei, de acordo com os critérios pessoais e com o intuito de prejudicar o denunciante e/ou os filhos deste.

Aliás lidos os despachos de 31/07/2021, tal como o despacho de 16/12/2020, os primeiros proferidos pelo senhor juiz, nos Apensos A e B, e o último pela senhora juíza no processo principal, apresentam-se cuidados, devidamente fundamentados de facto e de direito, que a fundamentação atendeu aos interesses dos menores, que os próprios manifestaram nos autos, não sendo despiciendo notar que o menor DD tinha idade para emitir opiniões próprias, não sugestionadas, e que as decisões se sustentaram nos elementos de prova constantes dos autos.

Desta leitura, não se vislumbra uma atuação contra-legem, parcial, e muito menos que tivesse como objetivo prejudicar os menores e/ou o denunciante.

Não se vê que o desempenho funcional dos denunciados esteja inquinado por uma vontade de fazer mal a quem quer que seja e nunca aos menores.

Os denunciados desempenharam as suas funções, decidindo de acordo com os critérios impostos pela lei e a prova produzida.

Diga-se ainda, que a medida de promoção e proteção, a entrega dos menores e a alteração das responsabilidades parentais tiveram lugar por iniciativa do Ministério Público; que as decisões tomadas pelos senhores juízes foram de encontro ao proposto pelo Ministério Público, tendo presente o que seria o melhor para os menores para lhes garantir estabilidade emocional, sustento, educação, saúde, bem-estar…

Ademais, o CSM, órgão disciplinar dos senhores juízes, não constatou que os denunciados tivessem incorrido em infração disciplinar de qualquer ordem e não instaurou inquérito disciplinar.

A fragilidade e a insuficiência dos factos indiciariamente apurados comprometem indelevelmente o direito de denúncia do assistente, que mais não fez do que exercer um direito que constitucionalmente lhe está garantido, pois todos os cidadãos têm o direito de se queixarem da justiça, quando esta funciona mal ou quando não funciona.

Todavia, não basta aduzir argumentos, é necessário apresentar factos que indiciariamente possam ser atribuídos a alguém.

Com efeito o denunciante não dá nota de factos bastantes de onde se possa concluir que algum dos denunciados tenha violado, quaisquer deveres funcionais, sobretudo para se concluir que, maliciosamente/conscientemente, o privaram da entrega dos filhos; filhos esses que, em algum momento, lhe haviam sido subtraídos.

Na realidade o denunciante não participa nenhum facto, nem da instrução resultou indícios suficientes. O denunciante limita-se apenas a denunciar o atraso no processo e a atribuir a esta circunstância relevância penal.

Sem dúvida que o atraso registado na tramitação do processo é sempre de censurar. Porém «Nem todo o acto que infringir as regras processuais pode ser considerado “contra direito” no sentido específico do art. 369º, nº 1 do C.P, pois então qualquer nulidade processual seria sancionável como crime. Agir (por acção ou omissão) contra direito implica um desvio consciente (voluntário) dos deveres funcionais, em termos de pôr em risco a própria administração da justiça, de forma a poder afirmar-se uma “negação da justiça”. Não é isso que manifestamente acontece no caso em análise (…) o não cumprimento dos prazos processuais, que são meramente ordenadores, e o recurso à aceleração não importa necessariamente qualquer responsabilidade, mesmo disciplinar (embora em princípio esta deva ser averiguada – art. 109º, nº 6 do CPP) e muito menos de natureza criminal»[10].

Conjugado o art. 308º, nº1, do CPP, com a noção de suficientes indícios, dada pelo art. 283º, nº 2, do CPP, resulta que a lei só admite a submissão a julgamento desde que da prova dos autos resulte uma probabilidade razoável de ao arguido vir a ser aplicada, por força dela, uma pena ou uma medida de segurança, não impondo, porém, a mesma exigência de verdade requerida pelo julgamento final.

A lei não se basta, porém, com um mero juízo subjectivo, mas antes exige um juízo objectivo fundamentado nas provas dos autos. Da apreciação crítica das provas recolhidas no inquérito e na instrução há-de resultar a convicção da forte probabilidade ou possibilidade razoável de que o arguido seja responsável pelos factos constantes da acusação.[11]
Como nos dá conta o acórdão do STJ de 12.03.2009, in www.dgsi.pt. “não faz sentido proceder-se a uma instrução visando levar o arguido a julgamento sabendo-se antecipadamente que a decisão instrutória não poderá ser proferida nesse sentido[12]
No mesmo sentido o acórdão do STJ de 12.03.2009, in www.dgsi.pt. “… a instrução será inexequível e constituirá uma fase processual sem objeto… se, pela simples análise do requerimento para abertura de instrução, sem recurso a qualquer outro elemento externo, se deve concluir que os factos narrados pelo assistente jamais poderão levar à aplicação de uma pena, estaremos face a uma fase instrutória inútil, por redundar necessariamente num despacho de não pronúncia. No conceito de «inadmissibilidade de instrução» haverá, assim, que incluir, para além dos fundamentos específicos de inadmissão da instrução qua tale, os fundamentos genéricos de inadmissão de atos processuais em geral”.
E de 2.10.2019, Proc. 41/18.1TREVR.S1-3, de que foi relator o Conselheiro Nuno Gonçalves, em cujo sumário se escreveu:
“…
II – Ao JIC compete, em caso de arquivamento do inquérito, comprovar se a decisão é fundada ou, não o sendo, a «acusação» deduzida pelo assistente colhe suficiente indiciação.
III - Ao JIC não cabe investigar livremente qualquer facto e qualquer crime. Tem, isso sim, tendo em conta a indicação constante do requerimento da abertura da instrução, autonomia para investigar os factos que constituem objeto do processo …
IV – A «acusação» vertida no requerimento de abertura da instrução está sujeita ao princípio da imutabilidade. O assistente não tem outra oportunidade para poder corrigi-la… podendo apresentar-se sucinta, tem de conter todos os elementos objetivos e subjetivos do crime imputado ao arguido.
V – Está estabelecido na jurisprudência deste STJ e do TC que o requerimento para a abertura de instrução apresentado pelo assistente em caso de arquivamento do inquérito tem necessariamente de incluir a narração dos factos e a imputação jurídico-penal… o incumprimento destes requisitos integra o instituto da inadmissibilidade legal da instrução, com a consequente rejeição cominada no art.º 287 n.º 3 do CPP. E que a norma citada interpretada com este sentido não enferma de inconstitucionalidade”.
Nestas circunstâncias não se pode dizer que “inexiste a invocada inadmissibilidade legal da presente Instrução, pois que, não existe nada na Lei, nem qualquer preceito legal que prive a sua realização, ou não a contemple nos termos e condições em que o RAI, a expôs e requereu”, conforme alega o recorrente, pois, do que se trata é de obstar à prática de uma fase processual inútil, que redundaria, necessariamente, numa decisão de não pronúncia, por falta de um pressuposto essencial: a narração de factos que integrem a prática de um ilícito penal, que fundamentem a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança.
E isto nada colide com o disposto no art.º 20 da CRP, pois que o acesso ao direito e aos tribunais não é incompatível com o estabelecimento de regras processuais que visem o exercício efetivo desse direito – no caso, e em última análise, submeter o arguido a julgamento – como seja o ónus do requerente da instrução fundamentar o pedido com a alegação dos factos que integram o ilícito ou ilícitos relativamente aos quais pretende que a mesma seja realizada, ónus que não limita de modo desproporcionado e arbitrário esse direito, antes visa garantir outros direitos fundamentais do direito processual penal, como sejam a estrutura acusatória do processo penal e o direito de defesa do arguido, que só poderá ser eficazmente exercido desde que a acusação/RAI contenha, de modo claro e objetivo, os factos que integram o ilícito ou ilícitos pelos quais se pretende que o arguido seja pronunciado.
Cumpre ainda referir que a faculdade do convite ao assistente para corrigir as deficiências do RAI - questão que durante algum tempo mereceu tratamento divergente na jurisprudência - está hoje ultrapassada, face ao acórdão para fixação de jurisprudência do STJ de 12.05.2005, DR, I Série – A, de 4.11.2005, do qual não vemos razões para divergir, onde se decidiu que “não há lugar a convite ao assistente para aperfeiçoar o requerimento de abertura de instrução apresentado nos termos do art.º 287 n.º 2 do Código de Processo Penal quando for omisso relativamente à narração sintética dos factos que fundamentam a aplicação de uma pena ao arguido”.
Como nos fundamentos desse acórdão se escreveu, citando Germano Marques da Silva, in Curso de Processo Penal, vol. III, 1994, 175, “sem acusação formal o juiz está impedido de pronunciar o arguido, por falta de uma condição de prosseguibilidade do processo, ligada à falta do seu objeto, e, mercê da estrutura acusatória em que repousa o processo penal, substituindo-se o juiz ao assistente no colmatar da falta de narração dos factos, enraizaria em si uma função deles indagatória, num certo pendor investigatório, que poderia ser acoimado de não isento, imparcial e objetivo, mais próprio de um tipo processual de feição inquisitória, já ultrapassado”.
Essa orientação – como nos dá conta o mencionado acórdão – vinha já sendo seguida pela maioria da jurisprudência, assim como pelo TC, como resulta do acórdão n.º 358/2004, de 19 de Maio de 2004, DR, 2.ª Série, de 28.06.2004, onde se escreve: “A estrutura acusatória do processo penal português, garantia de defesa... impõe que o objeto do processo seja fixado com rigor e a precisão adequados em determinados momentos processuais, entre os quais se conta o momento em que é requerida a abertura de instrução (...) o assistente tem de fazer constar do requerimento para a abertura de instrução todos os elementos mencionados nas al.ªs referidas no n.º 3 do art.º 283 do CPP. Tal exigência decorre... de princípios fundamentais de processo penal, nomeadamente das garantias de defesa e da estrutura acusatória”.
A não se entender assim violar-se-iam de modo desproporcionado as garantias de defesa do arguido e as regras dos art.ºs 18 e 32 n.ºs 1 e 5 da CRP, colocando, ao fim e ao cabo, nas mãos do juiz o estatuto de acusador, o que a lei não permite.

Em suma, os elementos carreados para os autos, conjugados entre si, e com as regras da experiência comum, não permitem concluir, em termos de probabilidade positiva, de forte probabilidade ou possibilidade razoável, de os denunciados terem praticado o crime de denegação de justiça que lhes é imputado, isto é, não se mostram indiciariamente provados quaisquer dos elementos objectivos e subjectivos do tipo legal do crime de denegação de justiça p. e p pelo art. 369, nº 1 do C.P de forma a submetê-los a julgamento.

Faltando, pois, no caso, a cabal descrição dos factos que permitam fundamentar a aplicação de uma pena - o que se traduz na falta do objecto do processo -, não podia ser admitido o requerimento de abertura da instrução apresentado pelo recorrente, por inadmissibilidade legal, não se verificando as invocadas nulidades por violação do princípio da legalidade, com a inobservância de expressos normativos legais; por falta de instrução, quando a Lei determina a sua obrigatoriedade e inexiste razão para a sua não realização; por rejeição do RAI quando este é admissível por lei, inexistindo qualquer sustentação legal para invocar a sua inadmissibilidade legal; por total ausência de investigação/instrução; não realização do Debate Instrutório (obrigatoriamente exigido por lei), com a supressão do direito ao contraditório, ao Assistente e aos Denunciados, e, bem assim, também coartado o direito de oralidade às partes; por absoluta omissão de pronúncia sobre todo o teor do RAI; por completa ausência de fundamentação/motivação sobre os argumentos de facto e de direito invocados no RAI pelo Assistente; por violação do direito de defesa, consubstanciado no direito ao julgamento equitativo da sua causa, e na sua sequência, o direito a ser ouvido, e ainda a uma decisão em prazo razoável; por violação dos Princípios constitucionais, da legalidade, do respeito pela vida familiar; por violação do acesso ao Direito e à tutela jurisdicional efetiva, direito da intervenção do ofendido no processo, do direito da igualdade entre os sujeitos processuais, e violação da vinculação da Justiça aos Direitos, Liberdades e Garantias do Assistente; por violação da defesa da legalidade democrática e do dever de diligência; por violação dos artºs 6º, 7º, 8º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem:

Assim sendo, bem andou o tribunal recorrido ao indeferir a abertura de instrução.

*

 III. Decisão.

Nos termos acima expostos, acordam em conferência na Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em negar provimento ao recurso interposto pelo denunciante AA e manter o douto despacho recorrido.

Custas pelo recorrente, fixando em 4 UCs a taxa de justiça.

 

Lisboa, 10 de Novembro de 2022

Cid Geraldo (Relator)

Leonor Furtado

Helena Moniz

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[1]  Cfr. BMJ n.º 458º, pág. 98.
[2]  Cfr. CJ, ASTJ, ano VII, tomo I, pág. 247.
[3] Cfr. Prof. Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, Verbo, 2ª edição, pág. 350.
[4] cfr.F. Dias, Direito Processual Penal, 1974, pag.506 e Beleza dos Santos, RLJ 57º, pag.3.
[5] cfr. Prof. Germano Marques da Silva, in Direito Penal Tributário, pag.230.
[6] ob cit. pag.243.
[7] Prof. Germano Marques da Silva, ob cit. pag.92.
[8]  Germano Marques da Silva, “Do Processo Penal Preliminar”, p. 254.
[9] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, vol. III, pg. 139.
[10] Ac. STJ de 08/02/2007, proc. 06P4816, Relator: Maia Costa, in www.dgsi.pt.
[11] Germano Marques da Silva, Curso de Processo Penal, III, p. 179.
[12] Ac. do STJ de 22.10.2003 – Proc. 2608/03-3.