Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
| Descritores: | AGENTE ABUSO DE PODER INTERMEDIAÇÃO FINANCEIRA INTERMEDIÁRIO COMITENTE COMISSÁRIO RESPONSABILIDADE PELO RISCO RESPONSABILIDADE CIVIL CULPA DO LESADO APÓLICE DE SEGURO INSTITUIÇÃO DE CRÉDITO VALORES MOBILIÁRIOS RECURSO DE REVISTA | ||
| Data do Acordão: | 11/25/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | I. O agente vinculado (tied agent) atua como representante do intermediário financeiro, definindo a lei claramente os direitos e deveres deste, assim como a sua responsabilidade pelos atos daquele.
II. Pode dizer-se que o 294.º-C, n.º 1, al. a), do CVM, deve valer com o sentido do art. 500.º, n.º 2, do CC. Não faria sentido que no direito dos valores mobiliários a tutela do terceiro ficasse aquém daquela que o art. 500.º do CC dispensa aos lesados no âmbito de uma comissão.
III. A responsabilidade do comitente por atos do comissário não é um caso de tutela da aparência nem de proteção da confiança. A responsabilidade ex vi do art. 500.º do CC não pressupõe qualquer confiança do terceiro relativamente ao comitente (nem ao comissário).
IV. De acordo com o art. 500.º, n.º 1, do CC, o comitente responde, sem culpa, pelos danos causados a outrem pelo comissário, uma vez que se encontrem preenchidos os respetivos pressupostos: id est, que exista uma relação de comissão, que sobre o comissário impenda a obrigação de indemnizar e a prática do facto danoso no exercício da função confiada ao comissário. Esta norma acolhe uma definição ampla da relação de comissão, caracterizada pela posição funcional ou fáctica do comitente, pela possibilidade de condicionar ou controlar a atividade do comissário.
V. Entende-se que, via de regra, se o responsável procedeu com dolo, a mera culpa do lesado não obsta ao pedido de indemnização do valor total dos danos sofridos. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório 1. A 22 de fevereiro de 2020, AA intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra o Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., pedindo que a Ré fosse condenada a pagar-lhe a quantia de € 850.000, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% desde a data de citação até efetivo e integral pagamento. 2. A fundamentar o peticionado, alegou, em síntese: - a Ré é uma sociedade anónima que tem por objeto o exercício das atividades permitidas por lei aos bancos, oferecendo todos os produtos e serviços consentidos pelo sistema de banca universal adotado pelo RJICSF, auxiliando os seus clientes na identificação e seleção de soluções de poupança e oportunidades de investimento disponíveis em cada momento, funcionando como intermediário financeiro, tendo sede em Lisboa, na Praça ..., não possuindo balcões no sentido tradicional e ortodoxo do termo, promovendo os seus produtos e serviços bancários e financeiros através de outros canais, nomeadamente, mediante o recurso a agentes vinculados designados Personal Financial Advisors; - o Autor foi cliente da Ré entre 2004 e 2016, tendo sido sempre acompanhado na realização de todos os investimentos por BB, que perante si representava a Ré; - ao longo dos anos, o Autor foi realizando os mais variados investimentos, diversas aplicações financeiras, tais como depósitos à ordem, depósitos a prazo, títulos da bolsa de valores (ações e warrants), unidades de participação em fundos de investimento (nacionais e estrangeiros), produtos estruturados ICAE – Instrumento de captação de Aforro Estruturado e apólices de Seguro, sempre apresentados por Ana Mafalda Prazeres do mesmo modo e usando os mesmos procedimentos; - entre 2012 e 2016, o Autor subscreveu, mediante apresentação dos respetivos formulários pela referida Personal Financial Advisor BB, várias apólices de seguro de capitalização da “Império Luxembourg”, no valor total de € 850.000, havendo recebido as correspondentes apólices em mão, tendo aplicado os juros que se iam vencendo noutras subscrições ou depositado na conta de depósito bancário de que era titular junto da Ré, ou noutra de sua escolha; - em janeiro de 2016, foi atribuído ao Autor novo gestor de conta, sendo informado que BB tinha deixado de ser Personal Financial Advisor, uma vez que tinha deixado a Ré, informação esta que confirmou junto daquela, que lhe disse que passaria a colaborar com o Deutsche Bank, instituição onde o Autor resolveu abrir conta; - a 6 de abril, casualmente, o Autor tomou conhecimento de que BB tinha “enganado” muitos clientes da Ré, vindo a saber que as três apólices de seguro de capitalização da “Império Luxembourg”, que tinha em seu poder, com os números .......48, .......18 e ....10 e com o valor nominal, respetivamente, de € 200.000,00, € 400.000,00 e € 250.000,00 não existiam, tal como outras semelhantes subscritas por outros clientes da Ré Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., que haviam sido acompanhados pela mencionada Personal Financial Advisor; - contactado pelo Autor, e após realização de algumas reuniões presenciais, a Ré sempre se escudou no facto de tal produto financeiro não ser da sua titularidade, desconhecendo e desresponsabilizando-se por todos e quaisquer atos praticados pela sua agente vinculada/Personal Financial Advisor BB; - no Proc. n.º 5627/15.3TDLSB, que corre termos no DIAP, 3.ª secção de Lisboa, o Ministério Público acusou, em processo comum, BB pela prática de múltiplos crimes de burla simples, burla qualificada, falsificação de documento, burla informática e acesso ilegítimo. 3. Regularmente citada, a Ré Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., contestou por impugnação e terminou pugnando pela improcedência da ação, com a sua consequente absolvição dos pedidos formulados. 4. Foi dispensada a realização de audiência prévia, foi proferido despacho saneador, e foram enunciados o objeto do litígio e os temas da prova. 5. Teve lugar a audiência de julgamento e, a 30 de agosto de 2022, foi proferida sentença que julgou a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenou a Ré no pagamento ao Autor da quantia de que efetivamente se viu privado por efeito da subscrição das falsas apólices de capitalização da “Império Luxembourg”, reduzida em 25% de tal valor, a apurar em sede de liquidação de sentença. 6. Não conformados com a decisão, Autor e Ré interpuseram recurso de apelação. 7. A Ré/Recorrida Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência da apelação do Autor/Recorrente AA. 8. Por acórdão de 4 de julho de 2023, o Tribunal da Relação de Lisboa decidiu o seguinte: “Pelo exposto, acorda-se em julgar improcedente a apelação do A., e procedente a apelação do R., revogando-se, em consequência, a sentença recorrida, que se substitui por decisão a absolver o R. do pedido. Custas da ação e dos recursos pelo A., nos termos referidos”. 9. Não conformado, o Autor AA interpôs recurso de revista, formulando as seguintes Conclusões: “A- Não se pode concordar com o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, e consequentemente com a absolvição do Banco Best, uma vez que BB, tal como ficou provado, atuou no âmbito das funções que lhe foram confiadas, ainda que em abuso dessas funções, e com tais atos ilícitos e culposos, provocou um prejuízo financeiro de € 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil euros) a AA, cujo comportamento na verificação do dano em nada merece censura. B- Há erro na interpretação do Tribunal a quo quanto ao enquadramento da matéria de facto dada como provada no preenchimento dos pressupostos do artigo 500.º do Código Civil, porquanto BB atuou no âmbito das funções que lhe foram confiadas pelo Banco Best, ainda que em abuso das mesmas; e há erro do Tribunal a quo na aplicação do instituto da culpa do lesado ao caso concreto, pois que perante o comportamento ilícito e danoso da Agente Vinculada, não terá influência para o efeito do disposto no artigo 570.º do Código Civil o comportamento adotado pelo lesado, que nada tem de censurável, pois que a agente do crime acabaria por beneficiar da atividade criminosa à custa do lesado. C- O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa tem obrigatoriamente de ser revogado pois que, e nas palavras de Carneiro da Frada (in Teoria da Confiança e Responsabilidade Civil), “(…) a proteção da confiança corresponde a um princípio ético-jurídico que, por estar firmemente radicado na ideia de Direito, não pode deixar de transpor o umbral da juridicidade. Há imposições tão fortes da Justiça que não os acolher significaria negar o próprio Direito, a sua razoabilidade e a sua racionalidade; imposições que se sentem de modo particular quando não há alternativa prática que evite, para além do tolerável, a ameaça de ficar por satisfazer uma indesmentível necessidade de tutela jurídica. Nestes imperativos indeclináveis e indisponíveis se situa certamente o pensamento de que quem induz outrem a confiar, deve (poder ter de) responder caso frustre essa confiança, causando prejuízos.” D- O Cliente do Banco Best AA confiou nesta instituição financeira durante mais de doze anos, não podendo o seu direito ao ressarcimento pelo imenso dano patrimonial provocado pela conduta ilícita e danosa da Agente Vinculada do Banco Best BB ser-lhe negado, sob pena de se cometer uma intolerável injustiça. E- O Banco Best – Banco Electrónico de Serviço Total, S.A. (Banco Best) é uma sociedade anónima que tem por objeto o exercício de atividades permitidas por lei aos Bancos. F- No exercício da sua atividade, o Banco Best disponibiliza produtos de investimento e poupança onde se incluem, para além dos produtos financeiros tradicionais, como as contas à ordem remuneradas, depósitos a prazo e operações de crédito, cerca de 2000 fundos de investimento nacionais e internacionais, produtos estruturados, produtos fiscais, seguros e acesso em tempo real aos principais mercados bolsistas. G- O Banco Best não tem balcões de atendimento ao público e funciona por via eletrónica, Por contacto telefónico, através de atendimento em centros de investimento e por contacto dos seus “Personal Financial Advisors”. H- O Autor AA, aqui Recorrente, foi cliente do Banco Best desde 2004 até 2016, classificado como investidor/cliente não profissional. I- Desde o início da sua relação com o Banco Best e até 2016, sempre manteve contacto com o Banco através de BB, que o informou que todos e quaisquer assuntos relacionados com o Banco deveriam ser tratados diretamente consigo, e apresentou tal procedimento como apanágio do serviço personalizado que o Banco Best praticava e publicitava. J- AA reunia com BB, a pedido desta, sempre num escritório sito no Edifício ..., Rua 1, em Lisboa, cujo espaço físico qualificou como se de um balcão de um qualquer Banco convencional se tratasse, atendendo às referências ao Banco Best (logotipo em pastas, dossiers, computador), exposição de prémios e louvores atribuídos pelo Banco Best à Agente Vinculada, bem como à possibilidade de realizar qualquer operação bancária com acesso ao sistema operativo do Banco, aí entregando valores pecuniários. K- A BB falou sempre com muita desenvoltura sobre aplicações, depósitos, seguros, fundos de investimento, PPR’s e outros instrumentos financeiros, tendo, em razão do domínio que demonstrou dessa área, convencido AA de que era uma excelente gestora de investimentos. L- Logo na primeira reunião, BB entregou vários impressos e formulários do Banco Best, que AA e mulher preencheram segundo instruções daquela, destinados à aplicação de parte das poupanças de que dispunham na abertura de conta e constituição de um depósito a prazo. M- À conta de depósito à ordem foi atribuído o n.º ..........04, na qual foi imediatamente creditado o valor de € 25.000,00, e por conselho de BB, AA realizou uma aplicação de depósito a prazo, que deu origem a um depósito com taxa especial de angariação de clientes de 3,75%, o qual veio a ser desdobrado em múltiplos depósitos a prazo, combinados com um produto de risco que BB aconselhou, e que garantia taxas anuais brutas até 6%, na altura em que as outras instituições financeiras a operar no mercado apresentavam taxas de 2%- aqui começava a evidenciar-se como excelente profissional. N- Sempre aconselhado e acompanhado na concretização dos investimentos pela Agente Vinculada, em 2005, AA já investia em títulos da bolsa, no valor de € 10.000,00, e em fundos de investimento, com o dossier de títulos no valor de € 176.041,72. O- Em 2009, AA já tinha uma ampla carteira de investimento com títulos da bolsa, no valor de € 67.267,20, e com fundos de investimento no valor de € 68.966,23 e ainda com produtos estruturados (ICAE sob a forma de depósitos e sob a forma de obrigações) no valor de € 20.000,00 P- Em 2012, AA detinha uma carteira de fundos de investimento no valor de € 554.096,07, que foi mantendo e gerindo conforme instruções de BB até 2016. Q- AA já tinha relações bancárias com outras duas instituições, mas decidiu investir através do Banco Best pelo facto de BB se apresentar com grande conhecimento da banca e dos múltiplos produtos financeiros e rentabilidades associadas, sempre falando muito à vontade sobre aplicações, depósitos, seguros, fundos de investimento e outros instrumentos financeiros, tendo ganho a confiança do Autor, mesmo porque os rendimentos eram superiores ao que oferecia o resto do mercado. R- Entre os vários investimentos realizados por AA ao longo dos anos, foi apresentado pela BB, em fevereiro de 2012, um produto financeiro descrito como de alta rentabilidade, para clientes especiais (à semelhança do que já havia sido proclamado para outros investimentos, inclusive o depósito inicial a prazo), consubstanciado numa apólice de seguro a contratar com a “IMPÉRIO LUXEMBOURG”, de prazo e taxa variáveis. S- Aconselhado pela BB, o Autor subscreveu, entre 2012 e 2016, várias destas supostas apólices de seguro, tenho-lhe sido atribuído o número de cliente ..23, para o que entregou à BB múltiplas quantias monetárias ao longo desses quatro anos. T- Encontram-se juntos aos autos cópias de 59 cheques bancários e transferências bancárias entregues por AA a BB, que demonstram a confiança na Agente Vinculada. Só a quem se confia se entrega valores. U- Com a subscrição, em formulário próprio, o Autor recebia mais tarde em mão, as apólices que titulavam o seu investimento, nunca tendo duvidado da sua autenticidade, mesmo porque sempre vinham acompanhadas das Condições Gerais e Particulares do Contrato, com as assinaturas aparentemente originais da seguradora aí apostas. V- A entrega dos valores para estas aplicações foi efetuada ao longo dos anos, quer por transferência bancária, quer pela entrega de cheques com o campo de beneficiário em branco, quer ainda em numerário, sempre sob orientação direta da BB, que ia convencendo o Autor por diversas vezes a não resgatar o investimento inicial, mas sim a replicá-lo, adicionando cada vez mais valor. W- Ao longo dos anos, o nome do Autor figurou como titular das subscrições em documentos identificados como apólices de seguro da “IMPÉRIO LUXEMBOURG” com os seguintes elementos descritivos que melhor constam da matéria de facto provada- ponto 17. X- Os valores investidos pelo Autor eram provenientes de várias contas por este tituladas e entregues à BB sempre diretamente (em cheque ou em numerário), que justificava o valor repartido e baixo das transferências ou cheques para subscrição das apólices como prática corrente para evitar justificações procedimentais e burocráticas junto do Banco de Portugal, o que o Autor sempre aceitou. Y- No caso concreto, do pagamento dos juros das apólices de seguro que constam dos extratos do Autor (documento n.º 4 da Contestação) com a referência ENT NUM BES ...79-BALCAO MARQUES (facto probatório) pode inferir-se a subscrição das apólices da Imperio Luxemburgo pelo Autor (facto probando), ainda que tenham vindo a revelar-se falsas, e desta subscrição das Apólices (como facto probatório) pode inferir-se a entrega dos valores nelas nominalmente titulados (facto probando). Z- Se as apólices existem, com aparência de documento verdadeiro (fixado pelo Tribunal de 1.ª Instância na Audiência de julgamento de 9 de junho de 2022), nelas se apresentando expressamente inscrito o valor a que correspondem a título de valor de investimento nominal, não podem subsistir quaisquer dúvidas quanto à efetiva entrega de valores, para a subscrição das 3 Apólices, no montante global de € 850.000,00 (oitocentos e cinquenta mil euros) por parte do Autor, sendo este o valor do seu efetivo prejuízo. AA- A Agente Vinculada afirmava ao Autor que os juros tanto poderiam ser depositados na sua conta sedeada no Banco Best como em qualquer outra que este preferisse, ou usados tais valores para novas subscrições e aumento do rendimento, o que nunca causou estranheza ao Autor, nem poderia causar pois a forma como BB apresentava os investimentos e a sua forma de operacionalização sempre pareceram corretas e adequadas. BB- Em 2016, AA tomou conhecimento, por informações veiculadas por outros clientes do Banco Best, de que as apólices de seguro da Império – Companhia de Seguros, S.A., sucursal no Luxemburgo, que tinha em vigor à data (Apólice n.º .......48 subscrita em 01.05.2015, Apólice n.º .......18 subscrita em 02.01.2016 e Apólice n.º .......10 subscrita em 21.01.2016), se tratavam de um documento forjado e essas aplicações, como outras semelhantes eram falsas. CC- Contactada a Império – Companhia de Seguros S.A., em Portugal e na sucursal do Luxemburgo, veio a confirmar-se que nunca existiu naquela instituição uma apólice de seguro contratada em nome de AA aqui Recorrente. DD- AA desconhecia que o seguro de capitalização da Império não era comercializado pelo Banco Best, o que não causa estranheza pois que este é um Banco que publicita ter mais de 20.000 produtos financeiros diferentes. EE- Todas as Apólices de seguro subscritas por AA, que vieram a revelar-se falsas, por inexistentes, estão à guarda do processo judicial n.º 5627/15.3TDLSB que corre termos no Juízo Central Criminal de Lisboa – Juiz 2, no qual a BB foi constituída arguida e o Autor, entre outros, assim como o Banco Best, constam como ofendidos. FF- Nesse processo, foi imputada a BB a prática de múltiplos crimes de burla simples, burla qualificada, falsificação de documento, burla informática e acesso ilegítimo a dados, que esta aí confessou, aguardando-se a leitura do Acórdão que está agendada para dia 26 de outubro de 2023. GG- BB celebrou com o Banco Best, em junho de 2002 um “Contrato de Prestação de Serviços – Promotores/Prospectores”, nos termos do qual aquela se obrigava a desenvolver a atividade de promoção dos serviços e produtos financeiros do Banco Best, em cada momento por aquele indicado, junto de clientes atuais ou potenciais, por conta do Banco Best, em regime de prestação de serviços, designadamente: serviços, produtos e operações bancárias; serviços de investimento em valores mobiliários; serviços e produtos de seguros. HH- No que respeita à relação de comissão de serviço, tem obrigatoriamente de se verificar o poder de dar instruções, consubstanciador de uma relação de subordinação lato sensu. II- BB assumiu a figura de Agente Vinculada, Personal Financial Advisor, representando para o cliente AA a cara e o exclusivo contacto que tinha com a instituição financeira durante os doze anos de relação contratual, aparentando ser uma verdadeira representante do Banco Best. JJ- BB praticou os atos ilícitos e danosos no exercício das funções que lhe foram confiadas pelo Banco Best, inseridos no meio de outros, legítimos, que titularam verdadeiros investimentos. KK- As pessoas coletivas respondem pela prática de atos ilícitos dos seus representantes, mandatários ou agentes, estando sujeitas ao regime legal da responsabilidade civil por facto de outrem, seja ela contratual ou extracontratual, com base risco, nos termos dos artigos 165.º, 500.º e 998.º, n.º 1 do Código Civil. LL- Tratando-se de entidade financeira, o Banco Best vê-lhe aplicado o Regime Geral das Instituições de Crédito e Sociedades Financeiras, em especial, os artigos 73º, 74º e 75º (regras de conduta imperativas). MM- Por razões óbvias, as instituições bancárias estão sujeitas à disciplina do Banco de Portugal, constituindo a confiança um elemento essencial da respetiva atividade, pois só se aquela existir é que alguém confiará o seu dinheiro a uma instituição. NN- Neste domínio remetemos para o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-11-2005, no qual se pode que “Se há domínio da vida de relação, que postula comportamentos confiáveis, um é, sem dúvida, o exercício da atividade bancária, dada não só a desproporção dimensional dos contraentes, como também as regras próprias do comércio bancário como o sigilo profissional, que entre outros factores impelem os clientes dos bancos a confiar em quem administra e guarda as suas aplicações”. OO- Não é lícito o Banco Best aqui Recorrido ser exonerado de responsabilidade, por prática de atos ilícitos de uma sua colaboradora/prestadora de serviços, uma vez que tal conduta se emoldura no quadro do exercício profissional da sua atividade e exprime atuação ilícita – a responsabilidade é objetiva, prescindindo de culpa, com a obrigação de ressarcir os danos causados. PP- Resultando fora de dúvidas de que estamos no âmbito da atividade bancária e financeira, e resultando provado que BB exercia funções de “Agente Vinculado”, figura regulada no Código de Valores Mobiliários (CVM), constante do Decreto-Lei n.º 486/99 de 13.11, na sua última redação, há que interpretar e aplicar também tais disposições legais. QQ- Dispõe expressamente o artigo 294.º-A com epígrafe “Actividade do agente vinculado e respectivos limites”: 1 - O intermediário financeiro pode ser representado por agente vinculado na prestação dos seguintes serviços: a) Prospecção de investidores, exercida a título profissional, sem solicitação prévia destes, fora do estabelecimento do intermediário financeiro, com o objectivo de captação de clientes para quaisquer actividades de intermediação financeira; e b) Recepção e transmissão de ordens, colocação e consultoria sobre instrumentos financeiros ou sobre os serviços prestados pelo intermediário financeiro. 2 - A actividade é efectuada fora do estabelecimento, nomeadamente, quando: a) Exista comunicação à distância, feita directamente para a residência ou local de trabalho de quaisquer pessoas, designadamente por correspondência, telefone, correio electrónico ou fax; b) Exista contacto directo entre o agente vinculado e o investidor em quaisquer locais, fora das instalações do intermediário financeiro. 3 - No exercício da sua actividade é vedado ao agente vinculado: a) Actuar em nome e por conta de mais do que um intermediário financeiro, excepto quando entre estes exista relação de domínio ou de grupo; b) Delegar noutras pessoas os poderes que lhe foram conferidos pelo intermediário financeiro; c) Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1, celebrar quaisquer contratos em nome do intermediário financeiro; d) Receber ou entregar dinheiro, salvo se o intermediário financeiro o autorizar; Receber ou entregar dinheiro, salvo se o intermediário financeiro o não autorizar; e) Actuar ou tomar decisões de investimento em nome ou por conta dos investidores; f) Receber dos investidores qualquer tipo de remuneração. 4 - Na sua relação com os investidores, o agente vinculado deve: a) Proceder à sua identificação perante aqueles, bem como à do intermediário financeiro em nome e por conta de quem exerce a actividade; b) Entregar documento escrito contendo informação completa, designadamente sobre os limites a que está sujeito no exercício da sua actividade. RR- Ficou provado nos autos que BB recebia dinheiro do cliente do Banc Best AA, sendo que em determinada altura o próprio Banco disponibilizou envelopes específicos para tal operação como afirmado pelo seu colaborador CC em audiência de julgamento, não tendo o Banco Best logrado provar que informou AA de quais as funções efetivamente autorizadas e proibidas à sua Agente Vinculada. SS- Dispõe o artigo 294.º-B com epígrafe “Exercício da actividade” que o exercício da actividade do agente vinculado depende de contrato escrito, celebrado entre aquele e o intermediário financeiro, que estabeleça expressamente as funções que lhe são atribuídas, designadamente as previstas na alínea b) do n.º 1 do artigo 294.º-A. AE- BB tinha um escritório que era do conhecimento do Banco, o qual está obrigado a controlar a idoneidade e experiência profissional de quem contrata para o representar. TT- Atenda-se ainda ao artigo 294.º-C com epígrafe “Responsabilidade e deveres do intermediário financeiro”: 1 - O intermediário financeiro: a) Responde por quaisquer actos ou omissões do agente vinculado no exercício das funções que lhe foram confiadas; b) Deve controlar e fiscalizar a actividade desenvolvida pelo agente vinculado, encontrando-se este sujeito aos procedimentos internos daquele; c) Deve adoptar as medidas necessárias para evitar que o exercício pelo agente vinculado de actividade distinta da prevista no n.º 1 do artigo 294.º-A possa ter nesta qualquer impacto negativo. 2 - Caso o intermediário financeiro permita aos agentes vinculados a recepção de ordens, deve comunicar previamente à CMVM: a) Os procedimentos adoptados para garantir a observância das normas aplicáveis a esse serviço; b) A informação escrita a prestar aos investidores sobre as condições de recepção de ordens pelos agentes vinculados.” UU- O intermediário financeiro deve adotar as medidas necessárias para evitar que o exercício pelo agente vinculado de atividade distinta da prevista possa ter nesta qualquer impacto negativo, respondendo por quaisquer atos ou omissões do agente vinculado no exercício das funções que lhe foram confiadas, devendo controlar e fiscalizar a atividade desenvolvida, o que manifestamente não fez. VV- O que se poderá conformar como abuso de funções de BB exerce-se num quadro funcional da atividade prosseguida pela instituição bancária, criando, por conseguinte, a convicção no cliente AA (lesado) de que o preposto está a agir no exercício da função que lhe foi confiada por não existir razão alguma que permita supor o contrário. WW- Há como refere Sofia Galvão “uma aparência social que leva a confiar que a atuação do comissário se desenrola por conta e sob autoridade do comitente” (Reflexões acerca da Responsabilidade do Comitente no direito Civil Português, edição da AFDL, 1990, pág. 126). AJ- Dessa aparência resulta a “presunção de que o empregado bancário se conduz no âmbito dos poderes, não sendo comum, nem exigível que os clientes os confiram” (cfr. ainda Acórdão do STJ de 2-3-1999 – Pinto Monteiro – C.J., Ano VII, Tomo I, pág 127 e Acórdão do STJ de 25-10-2007 – Salreta Pereira-C.J., 3, pág. 116, revista n.º 3034/07 – 6.ª secção). XX- Nem se compreende que assim não seja, uma vez aceite que as relações entre as pessoas se pautam pela boa-fé, baseada na confiança. YY- Será de responsabilizar a pessoa coletiva pelos atos dos seus representantes, mandatários ou agentes, que, na perspetiva do lesado, tenham com as funções destes uma conexão adequada, uma vez que foi a pessoa coletiva que os escolheu. ZZ- Não é necessário que o ato seja praticado rigorosamente no exercício da função, bastando que se integre no quadro geral da respetiva competência. De outra forma ficaria praticamente excluída a responsabilidade das pessoas coletivas, pois todo o facto ilícito envolve, em certo sentido, uma extralimitação daquela competência (vide Prof. Manuel de Andrade, “Das Obrigações em Geral, pág. 152, e Prof. Vaz Serra BMJ n.º 85, pág. 487 ss). AAA- Deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos atos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objetos que lhe foram confiados, ele se encontra numa posição especialmente adequada à prática de tal facto, o que se verifica sem margem para dúvidas no caso concreto dos autos. BB orientava o cliente num escritório onde para além dos prémios e louvores concedidos, tudo ostentava o logotipo do Banco Best. BBB- Dentro deste entendimento, refere o Prof. Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, pág. 323) que será legítimo responsabilizar uma sociedade por atos dolosos dos seus agentes, praticados em vista de fins pessoais, mas integrados formalmente no quadro geral da sua competência, se o agente aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança (boa-fé) do lesado na lisura do comportamento daquele, como acontece, por exemplo, no caso de o empregado de um banco, receber uma quantia de um particular para fins de investimento, com a intenção de a dissipar em proveito próprio. CCC- Sendo assim e porque se verifica também o pressuposto da responsabilidade do próprio comissário quanto à obrigação de indemnizar o Autor/Recorrente, dado o seu comportamento doloso que violou o direito de outrem – artigo 483.º CC - tem de se aceitar estarem preenchidos todos os requisitos da responsabilidade civil do Banco Best, como comitente, nos termos do citado artigo 500.º CC conjugado com o artigo 165.º CC, sendo concretamente neste ponto que o Acórdão do qual se recorre violou a lei a aplicar. DDD- Pretendendo-se salvaguardar a boa-fé de terceiros sempre que estejamos perante uma situação que, objetivamente e com base na aparência, faça pressupor que a situação exteriorizada corresponde à situação real, importa que sejam observados determinados requisitos, quer de natureza objetiva, quer de natureza subjetiva para o seu respeito. EEE- Na primeira vertente, importa que estejamos perante uma situação de facto que seja rodeada de circunstâncias que nos sejam apresentadas como se de uma situação segura se tratasse e, bem assim, que tal situação de facto assim seja tratada e considerada de acordo com a ordem natural e normal das coisas – e assim foi. A aparência era de total normalidade do investimento falso em comparação com todos os outros legítimos, para AA era só mais um de tantos outros investimentos realizados, nos mesmos termos e condições. FFF- Na vertente subjetiva temos como requisito essencial que quem interpreta a situação de facto em função da aparência e não pela situação real se encontre em erro – de nada desconfiava AA. GGG- A Personal Financial Advisor não propôs Autor/Recorrente que investisse em qualquer tipo de produto estranho à atividade normalmente desenvolvida pelos Bancos. Se tivesse sido proposto um investimento cuja tipologia e características fosse exógena à atividade bancária, poder-se-iam justificar especiais cautelas ou reservas. HHH- Em resultado do primado da confiança como matriz dos negócios bancários, a relação comercial e contratual estabelecida entre os bancos e os seus clientes determina para a instituição bancária, por força da sua específica competência, uma verdadeira obrigação de acautelar os interesses do cliente em todas as matérias de natureza bancária e financeira, ressarcindo-o dos danos causados pelos atos do seu funcionário. III- O facto de o legislador atribuir competências, mas também responsabilidades, às instituições financeiras que não são extensíveis a todos os ramos de atividade decorre, justamente, da seriedade e confiança que necessariamente devem constituir requisitos da atividade bancária. JJJ- O ato ilícito foi praticado não meramente por ocasião do exercício de funções, como entendeu o Tribunal a quo, qualificação que com o devido respeito consideramos errada e redutora, mas sim no quadro funcional da atividade que lhe foi confiada, ainda que em abuso de funções. E isto porque, por definição, o abuso de funções implica o seu uso, ou seja, uma prática excessiva das suas próprias funções, o que manifestamente determina a existência de uma relação causal entre as funções do comissário e o facto danoso. KKK-O critério a seguir deverá ser a tutela da normalidade das funções do comissário, e nessa estrita medida a tutela das aparências perante o terceiro, eventualmente lesado. LLL- E nesse sentido parece claro que o apontado critério da adequação causal entre o facto danoso e as funções exercidas pelo comissário será o que melhor garante aquela tutela do terceiro. MMM- A BB cometeu o ato ilícito no âmbito material das funções que lhe foram cometidas. Apresentou um produto financeiro a AA e não qualquer outro produto não financeiro. A atividade praticada tem relação direta com o exercício das funções que lhe competiam! Afigura-se evidente que existe nexo de causalidade adequada entre o facto praticado e a função da comissária. NNN- Não é necessário que o ato seja praticado rigorosamente no exercício da função, bastando que se integre no quadro geral da respetiva competência. De outra maneira ficaria praticamente excluída - ou pouco menos - a responsabilidade das pessoas coletivas, pois todo o facto ilícito envolve, em certo sentido, uma extralimitação daquela competência, isto é, em sair para fora dela. OOO- Entre os critérios que a doutrina tem enunciado para definir o nexo que - para se dizer que o acto foi praticado pelo comitido no exercício das funções que lhe foram confiadas – deve existir entre esse ato e a função, a doutrina tem indicado como meios precisos os dos chamados nexo local e temporal (ou seja, o de que o comitente responde por tal ato se praticado no lugar e no tempo dos serviços a cargo do comitido) e nexo instrumental (isto é, o de que aquele responde pelo acto se foi facilitado pelas funções do comitido, ou seja, pelos meios postos à sua disposição em consequência delas). PPP- Aderimos à orientação que os Profs. Pires de Lima e Antunes Varela (" Código Civil Anotado", vol. I, 4ª ed., pág. 509) entendem ser a preferível, nos termos da qual o comitente deve ser responsabilizado pelos factos ilícitos do comissário que tenham com as funções deste uma conexão adequada, aplicando aqui, num problema de responsabilidade pelo risco, a teoria da causalidade adequada. Assim, "sempre que as funções do comissário, segundo um critério de experiência, favoreçam ou aumentem o perigo da verificação de certo dano, deverá o comitente arcar com a respetiva responsabilidade. Por outras palavras: deverá entender-se que um facto ilícito foi praticado no exercício da função confiada ao comissário quando, quer pela natureza dos actos a que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objectos que lhe foram confiados, ele se encontra numa posição especialmente adequada à prática de tal facto”. Dentro deste entendimento, refere o Prof. Carlos Mota Pinto ("Teoria Geral do Direito Civil", 3ª ed., pág. 323 ) que será legítimo responsabilizar uma sociedade por actos dolosos dos seus agentes, praticados em vista de fins pessoais, mas integrados formalmente no quadro geral da sua competência, se o agente aproveita uma aparência social que cria um estado de confiança (boa fé) do lesado na lisura do comportamento daquele, como acontece, por ex., no caso de o empregado dum banco, sem poderes suficientes, receber uma quantia dum particular para fins de investimento, com a intenção de a dissipar em proveito próprio. QQQ- Constituindo o objeto do litígio apurar o direito do Autor/Recorrente a ser ressarcido pelo Réu/Recorrido, nos montantes peticionados a título de responsabilidade objetiva ou pelo risco nos termos dos artigos 499.º e 500.º do Código Civil, dúvidas não subsistem quanto ao preenchimento dos requisitos de aplicação do artigo. RRR- Estão preenchidos os três pressupostos da responsabilidade objetiva versada no artigo 500.º do Código Civil – a existência do vínculo entre Ana Mafalda Prazeres e o Banco Best; ter sido praticado o facto ilícito no exercício da função, ainda que em exercício abusivo; e haver responsabilidade do próprio agente. SSS- A jurisprudência do século XXI continuou a adotar esta interpretação extensiva do requisito previsto no n.º 2 do artigo 500.º do Código Civil. Veja-se o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26-3-2014, proferido no proc. n.º 897/06.0TAOVR.P1.S1: «A jurisprudência e doutrina têm-se debruçado sobre o sentido da expressão "no exercício da função que lhe foi confiada" e existe consenso sobre a exclusão de responsabilidade do comitente, em casos de atuação ilícita e danosa do comissário, simplesmente conexionada local e temporalmente com o exercício de funções. Também não tem merecido acolhimento a exigência de que a atuação do comissário se tenha desenrolado no interesse do comitente. Importante será, então, que o comportamento danoso tenha sido levado a cabo, fazendo uso, o comissário, dos meios colocados à sua disposição pelo comitente. Assim se aderindo a um critério instrumental para apuramento da responsabilidade do comitente. É evidente que todo o ato ilícito pressupõe um exorbitar das funções que estão cominadas ao comissário. Caso contrário, haveria conluio entre o comitente e o comissário para a prática do ato ilícito, e a responsabilidade daquele deslocar-se-ia para o domínio da culpa, esvaziando-se por completo a possibilidade de incorrer em responsabilidade objetiva. Só que esse exorbitar das funções confiadas não implica a incompatibilidade com a prática no exercício das funções». TTT- Aqui chegados afirmamos que não existe qualquer razão que justifique (como considerou o Tribunal da Relação de Lisboa) uma exclusão da responsabilidade indemnizatória do Banco Best. UUU- Não há qualquer razão para excluir ou sequer diminuir a responsabilidade do Banco Best por recurso ao instituto da culpa do lesado. VVV- AA é um cliente bancário não profissional, classificação atribuída pela Diretiva 2004/39/CE, de 21 de abril de 2004 (DMIF) que lhe garante o nível máximo de proteção e acompanhamento, estabelecendo tal diploma legal como princípios gerais aplicáveis à instituições financeiras os de atuação com honestidade, imparcialidade e profissionalismo no melhor interesse dos clientes, exigindo a definição de medidas e procedimentos adequados, para a prestação dos serviços de execução e/ou receção e transmissão de ordens, que permitam obter o melhor resultado para os clientes. WWW- Ora, o Banco Best permitiu que o seu cliente AA fosse ao longo de doze anos exclusivamente acompanhado pela Agente Vinculada BB e fosse ganhando total confiança nos seus préstimos. XXX- E o Autor sempre adotou uma postura correta, de boa-fé na relação mantida com o Banco Banco Best, confiando nas instruções da sua agente vinculada, durante mais de doze anos. Em momento algum adotou um comportamento negligente ou sequer uma conduta passível de censura, como bem ficou demonstrado. YYY- À medida que seguia as instruções de BB ia fazendo, entre uma larga série de outros investimentos, subscrições das várias apólices de seguros, preenchendo os seus formulários e recebendo os supostos originais das apólices (documentos que não foram contraditados pelo Banco Best) com o seu número de cliente, valor de investimento realizado e taxa de capitalização devidamente apostos. Nada faria desconfiar da veracidade deste investimento ou de qualquer outro realizado ao longo de 12 anos. ZZZ- BB convenceu AA que este tipo de investimento dava direito a receber o original das Apólices que ficariam na posse do tomador do Seguro até ao seu vencimento. AAAA- O Professor Menezes Leitão – “Direito das Obrigações” – vol. I – 8ª edição – pág. 332, escreve: “O regime da culpa do lesado demonstra a vertente sancionatória da responsabilidade civil subjectiva, uma vez que, não sendo o juízo de censura exclusivamente estabelecido em relação à conduta do lesante, não seria justificado obrigá-lo a indemnizar todos os danos sofridos pelo lesado, havendo antes que efectuar uma ponderação de ambas as culpas e das consequências que delas resultaram, sendo em função dessa ponderação que se estabelecerá a indemnização. Para este regime se aplicar é necessário que a actuação do lesado seja subjectivamente censurável em termos de culpa, não bastando assim a mera causalidade da sua conduta em relação aos danos”. BBBB- A questão da concorrência de culpas surge com mais frequência no domínio da responsabilidade extracontratual, mas a norma do art. 570º do Código Civil aplica-se à responsabilidade civil contratual, postulando aqui uma mais exigente conceituação do nexo de causalidade e do padrão de atuação do lesado à luz do paradigma do bonus pater familias e da atuação que seria de exigir no caso concreto. Mesmo aqui deve o lesado agir de boa-fé, na perspetiva de atuação honesta e que contemple o interesse da contraparte. CCCC- Daí que para haver culpa do lesado, imporia a verificação de que uma conduta culposa do lesado, violadora das regras da boa-fé e que essa seja causa adequada do dano ou do seu agravamento. Os factos reveladores de conculpabilidade devem ser graves no sentido de justificarem um juízo de censura, não bastando qualquer omissão ou negligência que se deva ter por aceitável de acordo com um padrão negocial justo, no sentido de que não deve ser exigido ao credor/lesado uma conduta super diligente. DDDD- Como assinala Vaz Serra, in RLJ 105º-169: “As cautelas exigíveis ao lesado para afastar ou diminuir o dano dependem das circunstâncias de cada caso. E, fundando-se na boa-fé ou na correção (correteza), tem, naturalmente, os limites derivados desta sua fonte; portanto, o lesado só é obrigado a adotar as medidas idóneas a impedir o agravamento do dano quando tal lhe seja imposto pela boa-fé, isto é, quando esta, dadas as circunstâncias do caso concreto, o obrigue a tomar essas medidas”. EEEE- “A aplicação do disposto no artigo 570.º do Código Civil reclama que o facto do lesado seja também causa do dano, o que significa haver necessidade de se estabelecer o nexo causal, em termos de causalidade adequada, mas também que o procedimento do lesado seja «culposo» no entendimento já expresso de que por procedimento culposo do lesado se quis significar um comportamento «censurável» ou «reprovável»”- Acórdão do STJ 15-06-1989 BMJ 388.º-495.” FFFF- E por último, citamos o acórdão do STJ proferido no processo n.º 2635/07.1TVLSBL1.S1, relatado por Salazar Casanova, que afirma no respetivo sumário: I- O trabalhador de instituição de crédito, gestor de contas, que se aproveita do conhecimento que advém das suas funções na instituição de crédito para contactar o cliente de que é o gestor com o pretexto falso de lhe possibilitar a aplicação financeira de valores em depósito e que desvia em seu proveito pessoal os valores do cliente num montante de € 3.584 199€, incorre em acto ilícito criminal e com ele responde solidariamente a instituição de crédito nos termos do art. 500.º, n.º 1 e 2, do CC. II- A circunstância de, nas atribuições conferidas pela instituição de crédito ao seu gestor, não figurar o aconselhamento e realização de operações de compra e/ou venda de títulos, em Bolsa, actividade prosseguida por essa instituição, não afasta o entendimento de que o gestor actuou no exercício da função que lhe foi confiada (art. 500.º, n.º 2 do CC) uma vez constatada a especial e adequada conexão entre os actos ilícitos praticados (burla e falsificação de extractos bancários, tendo em vista levar a vítima a libertar depósitos para supostas aplicações financeiras)e a posição do comissário no quadro funcional dessa instituição bancária. III- Cumpre ao lesado, o ónus de provar que o comissário agiu no exercício da função que lhe foi confiada, nos termos anteriormente indicados, cumprindo ao comitente provar o facto impeditivo que é do conhecimento do lesado de que o preposto está a agir num quadro de exercício abusivo das funções (art. 342.º n.º 1 e 2 do CC). IV- Não deve ser considerado culposo o comportamento, por ação ou por omissão, da vítima de burla e de falsificação de documentos que resultou do estratagema engendrado pelo agente do crime que astuciosamente determinou o erro ou o engano que levou a esse comportamento e, por isso, não pode ser sancionada a vítima, considerando-a culpada em concorrência com o agente do crime nos termos do art. 570.º do CC.” GGGG- Ora, não há matéria de facto nos Autos de onde a culpa, por negligência ou dolo, resulte provada ou sequer inferida. HHHH- No caso concreto, ficou provado que AA, de boa fé confiou na personal financial advisor, foi cliente do Banco Best desde 2004, que não tem balcões de atendimento ao público e funciona por via eletrónica, por contacto telefónico, através de atendimento em centros de investimento e por contacto dos seus personal financial advisors, tendo sido classificado como investidor não profissional, e cuja relação contratual foi ao longo dos anos sempre mantida através de e-mail, telefone ou no escritório de BB no edifício ..., o escritório que tinha em exposição prémios e louvores atribuídos pelo Banco Best àquela, sendo que AA desconhecia que o seguro de capitalização da Império não era comercializado pelo Banco Best, que anunciava comercializar seguros. IIII- Houve, como refere Sofia Galvão “uma aparência social que leva a confiar que a atuação do comissário se desenrola por conta e sob autoridade do comitente” (Reflexões acerca da Responsabilidade do Comitente no direito Civil Português, edição da AFDL, 1990, pág. 126). JJJJ- Dessa aparência resulta a “presunção de que o empregado bancário se conduz no âmbito dos poderes, não sendo comum, nem exigível que os clientes os confiram” (cfr. ainda Acórdão do STJ de 2-3-1999 – Pinto Monteiro – C.J., Ano VII, Tomo I, pág 127 e Acórdão do STJ de 25-10-2007 – salreta Pereira-C.J., 3, pág. 116, revista n.º 3034/07 – 6.ª secção). KKKK- Em momento algum se poderia sequer por hipótese ponderar a aplicação do instituto da culpa do lesado, exigindo o Tribunal a quo uma atuação ao Autor que não é razoável pedir. LLLL- O Autor sempre confiou na atuação da sua gestora, confiando-lhe cheques e numerário, ordens de investimento escritas e subscrição dos mais variados produtos financeiros sem qualquer validação adicional por parte do Banco Best, mesmo porque nunca lhe foi apresentado qualquer outro interlocutor. MMMM- Falamos no caso concreto de uma relação contratual estabelecida entre o Autor e o Banco, com 12 anos de vigência, sempre mantida através da sua agente vinculada BB: Era a personal financial advisor quem, conforme consta da matéria de facto dada como provada “com grande conhecimento da banca e dos múltiplos produtos financeiros e rentabilidades associadas, sempre falando muito à vontade sobre aplicações, depósitos, seguros, fundos de investimento e outros investimentos financeiros, tendo ganho a confiança do Autor”, apresentava os formulários de subscrição dos mais variados instrumentos financeiros, desde a abertura de conta, sempre acompanhando o Autor em todos os investimentos. Era a personal financial advisor quem aconselhava e orientava desde o momento da abertura de conta a realização de investimentos em diversos produtos financeiros disponibilizados pelo Banco através da sua agente vinculada, sempre com o mesmo modus operandi. Se as suas funções não lhe permitiam receber valores dos clientes? Não. Mas o certo é que recebia e o Banco não o podia desconhecer mesmo porque disponibilizava envelopes de depósito com triplicado para utilização pelos seus clientes. NNNN- As apólices que foi subscrevendo ao longo dos anos titulavam o investimento e naturalmente a entrega do valor nominal inscrito nesse título. Veja-se que o Autor preenchia os Formulários de subscrição das Apólices e mediante a entrega do valor nominal de cada uma delas recebia o Contrato com as Condições Gerais e Condições Particulares da Apólice. OOOO- Dúvidas não assaltavam o Autor quanto a esses investimentos, ou quaisquer outros realizados com a BB. O Autor não só tinha na sua posse aquilo que considerava serem os títulos das Apólices, como chegou a ver depositado na sua conta sedeada no Banco Best os juros desse investimento, conforme expresso nos extratos bancários juntos pelo Banco Best aos Autos com referência “ENT NUM BES ...79 – BALCAO MARQUES” (documento n.º 4 da Contestação). PPPP- Aqui se diga que o Autor declarou que no âmbito da subscrição das apólices de seguro, entregou à BB cheques em branco que esta preencheria no momento da subscrição para colocar o valor exato, pois que ao valor nominal e juros vencidos em data de vencimento de apólice anterior seria adicionado o valor a inscrever no cheque para a concretização de nova subscrição. Tudo era devidamente explicado pela Agente vinculada, como (i) a sucessão na posição de outros tomadores de seguros que sairiam do investimento, (ii) a inserção de tal investimento nos extratos bancários apenas no momento da maturidade e vencimento das apólices finais, (iii) o que justificava também a circunstância de tais investimentos não constarem nas declarações fiscais de rendimentos. QQQQ- Com as explicações claras e precisas que dava ao Autor, ao longo de vários anos, nada faria prever que os investimentos se revelariam inexistentes. RRRR- O facto de o legislador atribuir competências, mas também responsabilidades, às instituições financeiras que não são extensíveis a todos os ramos de atividade decorre, justamente, da seriedade e confiança que necessariamente devem constituir requisitos da atividade bancária. SSSS- Neste domínio remetemos para o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 21-11-2005, no qual se pode que “Se há domínio da vida de relação, que postula comportamentos confiáveis, um é, sem dúvida, o exercício da atividade bancária, dada não só a desproporção dimensional dos contraentes, como também as regras próprias do comércio bancário como o sigilo profissional, que entre outros fatores impelem os clientes dos bancos a confiar em quem administra e guarda as suas aplicações”. TTTT- Assumindo a conduta da agente vinculada, BB, relevância criminal (segundo os factos provados 18 e 19), no âmbito do NUIPC – 5627/15.3TDLSB, uma simples negligência do cliente prejudicado, a existir, não deverá ter influência para o efeito do disposto no artigo 570º, nº 1, do Código Civil. É que, confrontando os comportamentos da lesante (comissária) e do lesado (o cliente do Banco), uma exclusão ou redução da indemnização consubstanciaria uma solução chocante à luz dos valores do sistema jurídico, já que a agente do crime acabaria por beneficiar da sua atividade criminosa à custa da própria vítima. UUUU- Terminamos referindo que múltiplas situações em tudo semelhantes a esta que discutimos nos presentes autos, com a mesma Agente Vinculada (BB), a mesma instituição (Banco Best) e o mesmo instrumento financeiro “Apólice de Seguro Imperio Luxembourg” foram já decididas pelo Supremo Tribunal de Justiça, condenando o Banco Best nos termos da responsabilidade civil do comitente pelo comissário – Processo Judicial 7253/19.9T8LSB.L1.S1 e Processo Judicial n.º 21171/16.9T8LSB.L1.S1, pedindo-se em conformidade a mesma decisão para o caso do presentes autos. Por todo o exposto e por todo o mais que será suprido pelo Venerando Tribunal, deve ser concedido provimento ao presente Recurso e revogado o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, considerando-se (a) Ser reconhecido o erro do Tribunal a quo na interpretação do artigo 500.º do Código Civil, porquanto BB atuou no âmbito das funções que lhe foram confiadas pelo Banco Best, ainda que em abuso das mesmas; (b) Ser reconhecido o erro do Tribunal a quo na aplicação do instituto da culpa do lesado ao caso concreto, pois que perante o comportamento ilícito e danoso da Agente Vinculada, não terá influência para o efeito do disposto no artigo 570.º do Código Civil o comportamento adotado pelo lesado, pois que a agente do crime acabaria por beneficiar da atividade criminosa à custa deste, substituindo-o por outro que julgue totalmente procedente a ação, com as legais consequências, assim se fazendo JUSTIÇA.” 10. A Ré Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., por seu turno, apresentou contra-alegações, pugnando pela improcedência do recurso de revista. 11. A Ré/Recorrida juntou parecer jurídico elaborado pelo Senhor Prof. Doutor DD. II – Questões a decidir Atendendo às conclusões do recurso, que, segundo os arts. 608.º, n.º 2, 635.º, n.º 4 e 639.º, do CPC, delimitam o seu objeto, e não podendo o Supremo Tribunal de Justiça conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser em situações excecionais de conhecimento oficioso, estão em causa as questões de saber se se verifica ou não: (i) erro de interpretação, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no preenchimento dos pressupostos previstos na norma do art. 500.º do CC; (ii) erro do Tribunal recorrido na aplicação do instituto da culpa do lesado (art. 570.º do CC); (iii) omissão de pronúncia sobre a prova do montante entregue aquando da subscrição das apólices de seguro de capitalização em apreço nos autos. III – Fundamentação A. De Facto Foram considerados como provados os seguintes factos, após as alterações introduzidas pelo Tribunal da Relação de Lisboa: “1. O Réu é uma sociedade anónima que tem por objeto o exercício de atividades permitidas por lei aos Bancos. 2. No exercício da sua atividade, o Réu disponibiliza produtos de investimento e poupança onde se incluem, para além dos produtos financeiros tradicionais, como as contas à ordem remuneradas, depósitos a prazo e operações de crédito, cerca de 2000 fundos de investimento nacionais e internacionais, produtos estruturados, produtos fiscais, seguros e acesso em tempo real aos principais mercados bolsistas. 3. O Réu não tem balcões de atendimento ao público e funciona por via remota em internet, por contacto telefónico e através de atendimento em centros de investimento. 4. Adicionalmente, o Réu dispõe de uma rede de promotores e agentes vinculados, registados no Banco de Portugal e na CMVM, denominados, respetivamente, de Business Introducers (BI’s) e de Relationship Agents (RA’s), que funcionam em regime de prestação de serviços e de acordo com as disposições legais sobre a matéria, sendo que alguns destes últimos (RA) dispõem de espaços físicos próprios, identificados como “RA Offices” onde exercem a sua atividade. 5. No período durante o qual o Autor foi cliente do Réu, os agentes vinculados eram também designados Personal Financial Advisors (PFA’s). 6. O Autor foi cliente do Réu desde 2004, com a conta à ordem n.º ..........04, quando depositou a quantia de €25.000,00 para investimento em conta de depósito a prazo com uma taxa de juro de depósito especial. 7. Em 2005, o Autor já investia em títulos da bolsa, no valor de €10.000,00, e em fundos de investimento, com o dossier de títulos no valor de €176.041,72. 8. Em 2009, o Autor tinha uma ampla carteira de investimento com títulos da bolsa no valor de €67.267,20 e com fundos de investimento no valor de €68.966,23, e ainda com produtos estruturados (ICAE sob a forma de depósitos e sob a forma de obrigações) no valor de €20.000,00. 9. Em 2012, o Autor detinha uma carteira de fundos de investimento no valor de €554.096,07, que foi mantendo e gerindo até 2016. 10. Desde o início da sua relação com o Réu e até 2016 (data em que cessou os seus investimentos neste Banco), o Autor teve como PFA a Sra. BB, a qual já conhecia de uma relação bancária anterior e considerava uma excelente profissional da banca, meio no qual esta trabalhava há mais de 20 anos, estando então no Banco BEST que, à data, era apresentada como uma instituição moderna, de forte cariz tecnológico e com acesso a mercados internacionais, assim praticando taxas remuneratórias muito acima das praticadas no mercado, mesmo para depósitos a prazo. 11. O Autor já detinha outras relações bancárias com outras instituições, mas decidiu investir através do Réu por a BBse apresentar com grande conhecimento da banca e dos múltiplos produtos financeiros e rentabilidades associadas, sempre falando muito à vontade sobre aplicações, depósitos, seguros, fundos de investimento e outros instrumentos financeiros, tendo ganho a confiança do Autor. 12. O Autor reuniu com BB, a pedido desta, no seu escritório sito no Edifício ..., Rua 1, em Lisboa. 13. Entre os vários investimentos realizados pelo Autor ao longo dos anos, foi apresentado pela BB, em Fevereiro de 2012, um produto financeiro descrito como de alta rentabilidade, para clientes especiais (à semelhança do que já havia sido proclamado para outros investimentos, inclusive o depósito inicial a prazo), consubstanciado numa apólice de seguro a contratar com a “IMPÉRIO LUXEMBOURG”, de prazo e taxa variáveis. 14. Aconselhado pela AMP, o Autor declarou subscrever, entre 2012 e 2016, várias destas supostas apólices de seguro, tenho-lhe sido atribuído o número de cliente 5023, para o que entregou à BBquantias monetárias de valor não concretamente apurado. 15. Com a subscrição, o Autor recebia em mão, da BB, as apólices que titulavam o seu investimento, nunca tendo duvidado da sua autenticidade. 16. A entrega dos valores para estas aplicações foi efetuada ao longo dos anos, quer por transferência bancária, quer pela entrega de cheques com o campo do beneficiário em branco, quer ainda em numerário, sempre sob orientação direta da BB, que ia convencendo o Autor a não resgatar o investimento inicial, mas sim a reaplicá-lo, adicionando cada vez mais valor. 17. Ao longo dos anos, o nome do Autor figurou como titular das subscrições em documentos identificados como apólices de seguro da “IMPÉRIO LUXEMBOURG” com os seguintes elementos descritivos: - apólice n.º número .......01, com data de subscrição de 07/02/2012, atestando o investimento no montante de € 130.000,00; - apólice número .......02, com data de subscrição de 20/08/2012, atestando o investimento no montante de € 80.000,00; - apólice número .......03, com data de subscrição de 30/12/2012, atestando o investimento no montante de € 400.000,00; - apólice número .......05, com data de subscrição de 09/02/2013, atestando o investimento no montante de € 157.000,00; - apólice número .......06, com data de subscrição de 09/03/2013, atestando o investimento no montante de € 45.000,00; - apólice número .......08, com data de subscrição de 30/05/2013, atestando o investimento no montante de € 200.000,00; - apólice número .......09, com data de subscrição de 10/07/2013, atestando o investimento no montante de € 51.000,00 - apólice número .......13, com data de subscrição de 01/01/2014, atestando o investimento no montante de € 400.000,00; -apólice número .......14, com data de subscrição de 07/02/2014, atestando o investimento no montante de € 250.000,00; - apólice número .......15, com data de subscrição de 17/03/2014, atestando o investimento no montante de € 13.000,00; - apólice número .......16, com data de subscrição de 13/03/2014, atestando o investimento no montante de € 22.900,00; - apólice número .......28, com data de subscrição de 24/10/2014, atestando o investimento no montante de € 28.320,00; - apólice número .......29, com data de subscrição de 17/12/2014, atestando o investimento no montante de € 28.320,00; - apólice número .......30, com data de subscrição de 01/02/2015, atestando o investimento no montante de € 28.320,00; - apólice número .......13, com data de subscrição de 02/01/2015, atestando o investimento no montante de € 400.000,00; - apólice número .......18, com data de subscrição de 02/01/2016, atestando o investimento no montante de € 400.000,00; - apólice número .......10, com data de subscrição de 21/01/2016, atestando o investimento no montante de € 250.000,00; - apólice número .......05, com data de subscrição de 15/09/2013, atestando o investimento no montante de € 190.000,00; - apólice número .......08, com data de subscrição de 01/05/2014, atestando o investimento no montante de € 200.000,00; - apólice número .......48, com data de subscrição de 01/05/2015, atestando o investimento no montante de € 200.000,00. 18. Todas as apólices de seguro supostamente subscritas pelo Autor, que vieram a revelar-se falsas, por inexistentes, estão à guarda do proc. n.º 5627/15.3TDLSB que corre termos no DIAP – 3ª secção de Lisboa, no qual a BBfoi constituída arguida e o Autor, entre outros, assim como o Réu, constam como ofendidos. 19. Nesse processo, foi já deduzida acusação, tendo sido à BBimputada a prática de múltiplos crimes de burla simples, burla qualificada, falsificação de documento, burla informática e acesso ilegítimo a dados. 20. Os valores investidos pelo Autor eram provenientes de várias contas por este tituladas fora do BEST e entregues à BB sempre diretamente (em cheque ou em numerário), que justificava o valor repartido e baixo das transferências ou cheques para subscrição das apólices como prática corrente para evitar justificações procedimentais e burocráticas junto do Banco de Portugal, o que o Autor aceitou. 21. Quanto aos juros das apólices que, supostamente, se iriam vencendo, a BBreferia ao Autor que tanto poderiam ser depositados na sua conta sedeada no Réu como em qualquer outra que este preferisse, ou usados tais valores para novas subscrições e aumento do rendimento, o que nunca causou estranheza ao Autor. 22. No seu escritório da Rua 1, a BBtinha acesso ao sistema operativo do Réu, através de uma plataforma informática designada E-Channel, que apenas lhe permitia consultar dados e movimentos da conta do Autor, e executar subscrições de fundos de investimento e de depósitos a prazo, ou resgatá-los.. 23. Esse escritório tinha em exposição prémios e louvores atribuídos pelo Réu àquela e os instrumentos usados pela BBtinha o logotipo do Banco BEST, desde o computador às pastas existentes no escritório. 24. A BB sempre se mostrava ao Autor disponível para tratar de todas e quaisquer questões, como apanágio do serviço personalizado que o Réu prestava. 25. O Autor esteve, pelo menos, duas vezes, nas instalações da sede do Réu em Lisboa, após para tal ter sido contactado, na presença da AMP. 26. Em Janeiro de 2016, o Réu fez informar o Autor que a Sra. BB tinha deixado de ser PFA, por ter saído do Banco, passando essas funções a ser exercidas por CC. 27. No início de Abril de 2016, o Autor tomou conhecimento, por casual contacto com outro cliente do Réu, de que a BBtinha enganado muitos clientes do Banco e que as três apólices de seguro que tinha em sua posse, da “IMPÉRIO LUXEMBOURG”, não existiam, tal como outras semelhantes, subscritas por outros clientes do Banco que haviam sido acompanhados por aquela. 28. Tal como é também falsa toda a documentação comprovativa do investimento realizado. 29. Contactada a Companhia de Seguros Fidelidade (que, após operação de fusão entre a Companhia de Seguros Fidelidade Mundial e a Império Bonança, assumiu a anterior operação da Império), o Autor veio a confirmar que nunca existiram naquela instituição apólices de seguro contratadas em nome deste. 30. O depósito inicial de €25.000,00 feito pelo Autor era um produto promocional do Réu para adesão de novos clientes, com prazo de 3 meses e taxa de juro de 3,75%, o qual veio a ser desdobrado em múltiplos depósitos a prazo, alguns combinados com um produto de risco com taxas anuais nominais brutas até 6%. 31. Na altura, as taxas médias de depósitos a prazo no mercado rondavam os 2%. 32. Entre a Sra. BB e o Réu vigorou, entre Junho de 2002 e Janeiro de 2016 (quando esta o revogou unilateralmente), um acordo escrito denominado “Contrato de Prestação de Serviços – Promotores/Prospetores”, nos termos do qual aquela se obrigava a desenvolver a atividade de promoção dos serviços e produtos financeiros do BEST, em cada momento por aquele indicado, junto de clientes atuais ou potenciais, por conta do BEST, em regime de prestação de serviços, designadamente: serviços, produtos e operações bancárias; serviços de investimento em valores mobiliários; serviços e produtos de seguros. 33. Nesse contrato (cf. cláusula 3ª), foram expressamente consignados os atos cuja prática se encontrava totalmente vedada à BBenquanto agente vinculada. 34. A BB desenvolvia a sua atividade sem qualquer subordinação, nomeadamente jurídica ou hierárquica, ao Réu. 35. BB nunca solicitou ao Réu qualquer autorização para exercer atividade de promoção dos serviços e produtos daquele em instalações abertas ao público, mas podia fazê-lo em lugares públicos, em sua própria casa ou na casa/escritório das pessoas alvo da promoção. 36. O Autor nunca efetuou quaisquer investimentos em apólices de seguro através do Réu.37. O Réu nunca comercializou qualquer apólice de seguro da Seguradora Império (atualmente Fidelidade). 38. Das dezenas de ordens de investimento e de desinvestimento que o Autor transmitiu ao Réu desde 2004, a maioria foi através da internet, no website do BEST, pelo que não tinham, nem podiam ter, qualquer intervenção da AMP. 39. Todos os investimentos efetuados no Réu pelo Autor desde 2004 foram efetuados exclusivamente por débito na conta bancária do montante total subscrito/adquirido em cada instrumento financeiro. 40. Por forma a ajustar os sistemas de controlo interno à evolução da legislação e das práticas bancárias, o Réu foi estruturando diversos processos de monitorização, como, por exemplo, restrições de acesso ao sistema do Banco pelos agentes vinculados, reuniões periódicas com clientes, monitorização central periódica, inquéritos de satisfação, entre outros. 41. O Réu produz mensalmente extratos integrados que, conforme a própria designação implica, contêm todo o património financeiro detido pelos titulares de conta e são disponibilizados no website com referência aos últimos 12 meses, sendo complementarmente enviados por email ou correio para a morada dos clientes. 42. Em 2014 e 2015, o Autor foi convocado pelo BEST para reuniões de controlo da atividade de BB, foram-lhe apresentados, nessas duas ocasiões, os seus extratos integrados, dos quais não constava o investimento nas apólices do Luxemburgo nem o respetivo valor envolvido, e o Autor confirmou a regularidade desses extratos e o património financeiro que aí vinha refletido. 43. O Autor tinha a opção de visualização de extratos no website e consultava esses extratos com regularidade, havendo registo de 80 (oitenta) transações de consulta online do extrato entre 2014 e início de 2016, bem como 4 (quatro) consultas de declarações ficais no mesmo período, além de registo de um total de cerca de 2.500 (dois mil e quinhentos) acessos web e mobile entre 2004 e 2016. 44. Todas as 6 instruções escritas que o A. deu para aquisição de produtos foram emitidas em impressos do BEST, identificados com logotipo e disclaimers do BEST, identificam a conta à ordem a movimentar e estão assinadas pelo A., contendo ainda outras assinaturas de certificação de colaboradores do banco, quer se refiram a produtos de investimento próprios do banco (como no caso dos depósitos a prazo) quer de entidades externas (no caso dos fundos de investimento). 45. Anos antes de abrir conta no BEST, em 2004, já o A. “jogava na bolsa”. * E deu como não provados os seguintes: a) Que o depósito inicial do Autor no Réu seria desdobrado em múltiplos depósitos com taxas de rentabilidade até 6% (artigo 9º da p.i.) - Eliminado; b) Que todos os investimentos realizados pelo Autor enquanto cliente do Réu foram através das funções que a BBali desempenhava (artigos 13º e 19º da p.i.); c) Que o escritório da BBno Edifício ..., na Rua 1, em Lisboa, fosse pelo Autor considerado como propriedade do Réu (artigo 20º da p.i.); d) Que, no âmbito da subscrição das supostas apólices “Império Luxembourg”, o Autor tenha entregue à BBo valor global de € 850.000,00 (artigo 28º da p.i.); e) Que BBfosse gestora de conta do Autor (artigo 41º da p.i.); f) Que a relação contratual do Autor com o Réu foi ao longo dos anos quase sempre mantida através da BB, através de e-mail, telefone ou no escritório desta no edifício ... (artigo 42º da p.i.); g) Que o diretor de agentes vinculados do Réu tivesse referido ao Autor que este estava muito bem acompanhado pela AMP, como uma das melhores e mais reconhecidas profissionais da instituição, e que o mm, Autor, considerasse a BB “a cara” do Banco (artigos 40º e 46º da p.i.); h) Que era procedimento normal, nos casos em que o Autor pretendia efetuar um levantamento em numerário da sua conta, a BBligar do seu escritório para o balcão da sede e pedir que fosse preparado um levantamento com as notas que o Autor pretendia e que levantaria mais tarde (art. 49º da p.i.).” B. De Direito Prolegómenos 1. Está em causa o recurso de revista interposto pelo Autor AA do acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa que concedeu parcial provimento ao recurso de apelação interposto pela Ré Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., revogando a sentença recorrida na parte em que a havia condenado. 2. Com efeito, o Tribunal de 1.ª Instância condenou a Ré no pagamento ao Autor da quantia (a apurar em execução da sentença) de que se viu privado em virtude da subscrição das apólices de seguro de capitalização “Império Luxembourg”, subscrição esta aconselhada por agente vinculada da instituição de crédito Ré, sem para tal estar autorizada, reduzindo, todavia, essa quantia em 25% com base na consideração da culpa do Autor. 3. Por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa absolveu a Ré, considerando a conduta do Autor que, em seu entender, não podia ter ignorado que a atuação da agente vinculada BB não se enquadrava no âmbito de funcionamento da Ré nem tão-pouco das funções que por esta lhe foram atribuídas. Ponderou também que o Autor não podia ter confiado em que a agente vinculada atuava no exercício dessas mesmas funções em representação da Ré, ou confiado na licitude da conduta daquela em tudo contrária à atuação da Ré, atendendo ao perfil e experiência anterior do Autor em matéria de investimento. 4. Irresignado com a decisão do Tribunal da Relação de Lisboa, por entender que este fez uma errada determinação, interpretação e aplicação das normas jurídicas, o Autor interpôs recurso de revista ao abrigo do art. 671.º, n.º 1, do CPC. 5. Tendo em conta o valor da causa, a legitimidade do Recorrente e o teor do acórdão recorrido, não se vislumbram obstáculos à admissibilidade do recurso de revista interposto nos termos do disposto nos arts. 629.º, n.º 1, 631.º, n.º 1, 671.º, n.º 1, e 674.º, n.º 1, al. a), do CPC. Erro de interpretação, pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no preenchimento dos pressupostos previstos na norma do art. 500.º do CC 1. Conforme o art. 293.º, n.º 1, al. a), do CVM, as instituições de crédito são intermediários financeiros em instrumentos financeiros. Resulta, por isso, deste preceito que a Ré/Recorrida, enquanto instituição de crédito, está autorizada a exercer a atividade de intermediação financeira. 2. Segundo o art. 294.º-A do CVM (“Atividade do agente vinculado e respetivos limites”), o intermediário financeiro pode ser representado por agente vinculado (tied agent) na prestação dos serviços legalmente elencados, nomeadamente na prospeção e captação de clientes para a atividade de intermediação financeira e na receção e transmissão de ordens. De acordo com essa norma: “1 - O intermediário financeiro pode ser representado por agente vinculado na prestação dos seguintes serviços: a) Prospeção de investidores, exercida a título profissional, sem solicitação prévia destes, fora do estabelecimento do intermediário financeiro, com o objetivo de captação de clientes para quaisquer atividades de intermediação financeira; e b) Receção e transmissão de ordens, colocação e consultoria sobre instrumentos financeiros ou sobre os serviços prestados pelo intermediário financeiro. 2 - A atividade é efetuada fora do estabelecimento, nomeadamente, quando: a) Exista comunicação à distância, feita diretamente para a residência ou local de trabalho de quaisquer pessoas, designadamente por correspondência, telefone, correio eletrónico ou fax; b) Por sociedades comerciais, com sede estatutária em Portugal. 3 - No exercício da sua atividade é vedado ao agente vinculado: a) Atuar em nome e por conta de mais do que um intermediário financeiro, exceto quando entre estes exista relação de domínio ou de grupo; b) Delegar noutras pessoas os poderes que lhe foram conferidos pelo intermediário financeiro; c) Sem prejuízo do disposto na alínea b) do n.º 1, celebrar quaisquer contratos em nome do intermediário financeiro; d) Receber ou entregar dinheiro ou instrumentos financeiros, salvo se o intermediário financeiro o autorizar; e) Atuar ou tomar decisões de investimento em nome ou por conta dos investidores; f) Receber dos investidores qualquer tipo de remuneração. 4 - Na sua relação com os investidores, o agente vinculado deve: a) Proceder à sua identificação perante aqueles, bem como à do intermediário financeiro em nome e por conta de quem exerce a atividade; b) Entregar documento escrito contendo informação completa, designadamente sobre os limites a que está sujeito no exercício da sua atividade.” 3. O agente vinculado (tied agent) atua como representante do intermediário financeiro, estabelecendo a lei, com toda a clareza, os direitos e deveres do último, assim como a sua responsabilidade pelos atos daquele. Assim, nos termos do art. 294.º-C do CVM (“Responsabilidade e deveres do intermediário financeiro”): “1 - O intermediário financeiro: a) Responde por quaisquer atos ou omissões do agente vinculado no exercício das funções que lhe foram confiadas; b) Deve controlar e fiscalizar a atividade desenvolvida pelo agente vinculado, encontrando-se este sujeito aos procedimentos internos daquele; c) Deve adotar as medidas necessárias para evitar que o exercício pelo agente vinculado de atividade distinta da prevista no n.º 1 do artigo 294.º-A possa ter nesta qualquer impacto negativo. 2 – (…)”. 4. Decorre deste preceito legal que o intermediário financeiro responde por quaisquer atos ou omissões do agente vinculado (tied agent) ocorridas no exercício da função que lhe foi confiada [n.° 1, al. a)]; que na relação interna – id est, entre intermediário financeiro e agente vinculado – constituem deveres do intermediário financeiro o controlo e a fiscalização da atividade do agente vinculado, sujeitando-se este aos procedimentos internos daquele; e a adoção das medidas necessárias para prevenir que o exercício, pelo agente vinculado, de atividade distinta da prevista no art. 294.º-A, n.° 1, do CVM, possa ter sobre esta um impacto negativo [n.° 1, als. b) e c)]. 5. Pode aplicar-se, in casu, a norma vertida no art. 294.º-C do CVM, porquanto as apólices de seguro de capitalização foram subscritas pelo Autor/Recorrente após o início de vigência, a 30 de novembro de 2007, do DL n.º DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro, apesar de tanto a relação jurídico-negocial do Autor/Recorrente com a Ré/Recorrida como com a agente vinculada haverem começado antes dessa data. 6. Contudo, as Instâncias optaram por fundamentar a responsabilidade da Ré/Recorrida, ou a sua falta, na norma do art. 500.º do CC. À primeira vista, esta norma atribui um sentido mais amplo ao segmento normativo “exercício da função que lhe foi confiada” do que o seu lugar paralelo do CVM, na medida em que admite a responsabilidade objetiva (id est, independente de um juízo de censura) do comitente mesmo quando o ato do comissário é doloso e praticado contra instruções suas, disposição esta que não foi – expressamente - consagrada no CVM. Em todo o caso, trata-se sempre de uma responsabilidade pelo facto de outrem. 7. Pode, todavia, dizer-se que em ambos os casos – no direito comum e no direito dos valores mobiliários - o sentido com que a referida norma deve valer é idêntico, Em lado algum se afirma que o disposto no art. 294.º-C do CVM exclui ou afasta a aplicação do art. 500.º do CC, podendo bem considerar-se que representa uma expressão da responsabilidade do comitente do direito comum no âmbito especial do direito dos valores mobiliários. Não faria qualquer sentido que, numa área tão sensível como aquela em apreço, a tutela do terceiro ficasse aquém da que o art. 500.º do CC dispensa aos lesados no âmbito de uma comissão. 8. Na verdade, atendendo à intensidade e extensão do sistema de proteção do cliente-investidor plasmado no CVM, o elemento teleológico (ratio legis) da interpretação da lei (art. 9.º, n.º 1, do CC) permite certamente ao intérprete afirmar que o art. 294.º-C, n.º 1, al. a), do CVM, tem, efetivamente, o mesmo âmbito de aplicação do art, 500.º, n.º 2, do CC. Recorde-se que o conhecimento do fim visado pelo legislador ao elaborar a norma constitui um auxílio da maior relevância para determinar o sentido com que a norma deve valer. O esclarecimento da ratio legis revela a "valoração" ou ponderação dos diversos interesses em jogo que a norma regula e, por conseguinte, o peso relativo dos mesmos interesses, a preferência de um deles em detrimento do outro traduzida na solução consagrada na norma1. 9. Conforme referido infra, o legislador teve em vista a tutela da autodeterminação do cliente-investidor e, sobretudo, do cliente-investidor não profissional. A descoberta desta "racionalidade" inspiradora do legislador na fixação do regime jurídico da responsabilidade civil do intermediário financeiro permite definir o alcance com que deve valer a norma contida no art. 294.º-C, n.º 1, al. a), do CVM. Apenas deste modo se realiza a tutela que o legislador pretendeu oferecer ao cliente-investidor não profissional. 10. Por seu turno, no que toca ao elemento sistemático da interpretação da lei, deve levar-se em linha de conta a norma enquanto harmonicamente integrada na unidade do sistema jurídico (art. 9.º, n.º 1, do CC). Está em causa o princípio da coerência valorativa ou axiológica da ordem jurídica. Este elemento compreende, inter alia, a consideração das outras disposições que formam o complexo normativo do instituto em que se integra a norma interpretanda, isto é, que regulam a mesma matéria (contexto da lei). Baseia-se no postulado da coerência intrínseca do ordenamento jurídico, designadamente no facto de que as normas contidas numa codificação obedecem, por princípio, a um pensamento unitário2. 11. De notar ainda que, diversamente do que parece entender-se em parecer jurídico junto pela Ré, a responsabilidade do comitente por atos do comissário não é um caso de tutela da aparência nem de proteção da confiança. Efetivamente, não se trata de imputar os efeitos de um negócio a um representado sem poderes com base na confiança de terceiro na existência desses poderes, mas antes de fazer um comitente responder por um delito praticado pelo comissário no exercício de uma comissão, causando prejuízos ao terceiro. Na verdade, a responsabilidade civil ex vi do art. 500.º do CC não pressupõe qualquer confiança do terceiro relativamente ao comitente (nem ao comissário), não sendo, por isso, compreensivelmente indicada como requisito dessa responsabilidade pelo legislador no referido preceito legal. De facto, muitas situações de responsabilidade civil do comitente existem que nada têm a ver com quaisquer expectativas do terceiro lesado. 12. No caso sub judice, não se trata de imputar à Ré os efeitos dos negócios jurídicos celebrados pela agente vinculada BB, de modo a construir uma eficácia desses negócios em relação à Ré e uma responsabilidade civil contratual desta ao abrigo da aparência ou da confiança (na existência de poderes ou autorização concedida à agente vinculada pela Ré). Na verdade, está antes em causa, singelamente, a imputação à Ré dos prejuízos causados por condutas dolosamente praticadas por um comissário seu. A responsabilidade civil que se discute nos autos é de natureza extracontratual ou delitual. Muito diferentemente, a aparência de poderes de representação ou de uma autorização interessa para a possibilidade de se imputarem efeitos negociais a quem não conferiu poderes de representação ou autorizou a prática do ato. Essa aparência já não releva quando se trata de imputar uma conduta delitual de terceiro a quem o encarregou da comissão no âmbito da qual esse comportamento ocorreu. 13. Condutas dolosas do comissário estariam por natureza – como é evidente - fora do âmbito da tutela da aparência para quem a pretendesse delimitar nos termos do contrato celebrado entre comitente e comissário. Contudo, essas mesmas atuações não deixam de poder ser imputadas ao comitente nos termos do art. 500.º do CC. É o que resulta insofismavelmente do n.º 2 desta disposição, ao afirmar a responsabilidade civil do comitente ainda que o comissário tenha causado danos intencionalmente ao terceiro. 14. Pelo que não importa saber se podem ou não imputar-se à Ré os negócios jurídicos celebrados pela agente vinculada BB. Com efeito, o que interessa é tão só saber se pela conduta delitual dela – de causação consciente de prejuízos ao Autor – responde a Ré. 15. E a resposta não pode deixar de ser afirmativa. Pois a ratio legis do art. 500.º do CC consiste na tutela do lesado nas hipóteses em que a comissão proporcionou a ocasião do dano quando dela retira tipicamente proveito o comitente, justificando-se, por isso, que ele garanta a reparação dos prejuízos ao lesado e que o risco do dano que a comissão propicia corra por conta dele – beneficiário da comissão. 16. Reitera-se, por isso, que o preceito do art. 294.º-C, n.º 1, al. a), do CVM, não consente a exclusão da aplicação do art. 500.º, n.º 2, do CC. Talvez se deva dizer que o art. 500.º do CC, enquanto regime do direito civil ou do direito comum, esclarece e complementa a disciplina especial prevista no art. 294.°-C, n.° 1, al. a), do CVM, nomeadamente quando os danos são causados pelo agente vinculado (tied agent) na prática de factos que excedem os seus poderes de representação. 17. Por conseguinte, pode seguir-se o caminho percorrido pelas Instâncias no recurso à norma do art. 500.º, n.º 2, do CC. Note-se, desde já, que a responsabilidade civil do comitente, consagrada no art. 500.º do CC, traduzida na responsabilidade objetiva por facto de outrem (independente de culpa in eligendo, in vigilando e in instruendo), constitui uma exceção ao princípio da culpa e ao princípio de que a responsabilidade é por facto próprio3. Não pode igualmente descurar-se que, em virtude da atuação do comissário, o comitente tem a possibilidade de obter benefícios que, de outro modo, não alcançaria. Afigura-se por isso justo que a instituição de crédito-intermediário financeiro responda pelos danos que os agentes vinculados causam a outrem no exercício das suas funções, o que mais não é do que a aplicação do velho princípio ubi commoda, ibi incommoda, que fundamenta a responsabilidade objetiva. Aliás, o âmbito e a relevância prática da responsabilidade civil por facto de outrem aumentou “(…) na exata medida do incremento das interdependências características das sociedades modernas» e acompanham «a divisão e especialização de funções que nelas se verificam”4. 18. De modo a aquilatar da responsabilidade civil da Ré/Recorrida, surge como necessário, antes de mais, traçar o quadro da relação entretecida entre a Ré/Recorrida Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., de um lado e, de outro, BB, de modo a compreender quer a função por esta desempenhada quer o modo como, para os clientes, essa função (e relação) era configurada. 19. BB exercia funções de agente vinculada (tied agent), como Personal Financial Advisor, figura prevista e regulada no CVM – vide DL n.º 486/99 de 13 de novembro, com as várias alterações entretanto introduzidas, entre as quais aquelas contidas no DL n.º 357-A/2007, de 31 de outubro [que transpôs para a ordem jurídica pátria a Diretiva 2004/39/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 21 de Abril de 2004, relativa aos mercados de instrumentos financeiros, que altera as Diretivas 85/611/CEE e 93/6/CEE do Conselho e a Diretiva 2000/12/CE do Parlamento Europeu e do Conselho e que revoga a Diretiva 93/22/CEE do Conselho (DMIF I)]. 20. O agente vinculado é definido no art. 294.º-A do CVM como representante de um intermediário financeiro para “efeitos de captação de clientes”, responsável por prestar serviços de prospeção profissional de investidores, sem solicitação prévia destes, fora do estabelecimento do intermediário financeiro (portanto, não integrado na sua estrutura organizativa, mas em contacto com o intermediário), assim como por receber e transmitir ordens e exercer consultoria em sede de instrumentos financeiros ou dos serviços prestados pelo intermediário financeiro. 21. A Ré/Recorrida, despojada de uma estrutura organizativa composta por “balcões de atendimento ao público”, apresenta uma rede de Personal Financial Advisors que promovem o contacto pessoal e direto com os investidores e que estão sujeitos aos deveres elencados no art. 294.º-A do CVM, em termos de transparência, de identificação (própria e do intermediário financeiro por conta de quem exercem a atividade) e de entrega da documentação tida como relevante, nomeadamente a respeito dos limites a que se encontram sujeitos no desenvolvimento da sua atividade. 22. Os Personal Financial Advisors estão também sujeitos à observância das regras de conduta previstas nos arts. 73.º e ss. do RGICSF (aprovado pelo DL n.º 298/92, de 31 de dezembro, com as sucessivas alterações que foi sofrendo ao longo do tempo), de molde a reforçar o princípio da confiança ínsito à atividade financeira, em geral, e bancária, em especial. 23. De entre os deveres enunciados, destacam-se os deveres de informação (compósitos) que recaem sobre o intermediário financeiro, cujo propósito reside na garantia da possibilidade de uma decisão ciente por parte do investidor, de molde a contribuir igualmente para a eficiência do mercado, bem como para o seu correto funcionamento (precisamente o art. 304.º, n.º 1, do CVM, impõe aos intermediários financeiros que orientem “a sua actividade no sentido da protecção dos legítimos interesses dos seus clientes e da eficiência do mercado”). 24. Os deveres de informação do intermediário financeiro, ainda que se apresentem como próprios também de um estatuto profissional e por ele implicados, conformam de perto as relações entre o intermediário e o seu cliente. Trata-se de deveres fundados, em último recurso, num conjunto de princípios e valores gerais que entretecem conceções de justiça generalizadamente aceites no âmbito do próprio direito comum. O CVM como que os “explicita” e particulariza enquanto direito especial. 25. Por um lado, tem-se em vista “uma tomada de decisão esclarecida”, porquanto o investidor deve ter todos os conhecimentos que relevam para a adoção da decisão de investimento. Por outro lado, visa-se “uma tomada de decisão fundamentada”, para que a adoção de uma decisão de investimento se alicerce em critérios de racionalidade, fundados no entendimento dos conhecimentos transmitidos pelo intermediário financeiro. 26. Trata-se de um modelo informativo de proteção. Está-lhe subjacente um entendimento material do princípio da autodeterminação, condição habitual da justiça dos contratos. 27. Em si mesmo, o modelo informativo é dotado de grande elasticidade ou plasticidade, variando a intensidade e a extensão da informação a prestar pelo intermediário financeiro consoante o cliente-investidor de que se trate. Concretiza-se através de deveres de esclarecimento a cargo do intermediário financeiro; de informações a prestar espontaneamente ou em virtude de solicitação do cliente-investidor. Tendo como objetivo assegurar decisões de investimento informadas, este modelo consubstancia-se, fundamentalmente, em deveres “de falar” e estes, por seu turno, articulam-se com o dever de verdade. 28. Perante a assimetria informacional normalmente existente, fala-se da regra da proporcionalidade inversa, segundo a qual, a intensidade e extensão dos deveres de informação se apresentam inversamente proporcionais aos conhecimentos financeiros do investidor (conhecimentos efetivos, mas também conhecimentos para ele, em função do tipo de investidor a que se subsuma, acessíveis) 5. 29. Assim, a aplicação do princípio de proporcionalidade inversa entre “a extensão e a profundidade da informação” a prestar pelo intermediário financeiro – ou do agente vinculado - e “o grau de conhecimentos e de experiência” do cliente-investidor implica a necessidade de o primeiro conhecer “o grau de conhecimentos e de experiência” do último. O dever de conhecer “o grau de conhecimentos e de experiência” do cliente-investidor no que respeita ao tipo de instrumento ou serviço, oferecido ou procurado, afigura-se igualmente como instrumental do dever de adequação do instrumento ou do serviço de investimento ao perfil concreto do cliente-investidor (arts. 304.º, n.º 3, e 314.º, n.º 1, do CVM). 30. Aliás, este entendimento encontra-se refletido na jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça6. 31. Decorre necessariamente da regra indicada a necessidade de cuidada avaliação do perfil, experiência e literacia financeira do investidor, conjugada com a complexidade do tipo de operação financeira em causa, num quadro de confiança profissional e institucional. Ou seja, o intermediário financeiro ou o agente vinculado deve avaliar as características do investidor e, face a estas e à natureza das operações financeiras em causa, moldar o grau de informação a prestar, de modo a permitir a adoção de decisão cabalmente esclarecida, sem que esta esteja ou fique na estrita dependência de pedidos de esclarecimento ad hoc formulados pelo cliente-investidor. 32. No caso concreto, não se descortina apenas a violação do dever de informação por parte da agente vinculada, pois verifica-se igualmente um aproveitamento doloso do enquadramento e da função desempenhada mediante a prestação de informações tendenciosas e falsas conducentes à subscrição de apólices de seguro de capitalização, ao que parece inexistentes. 33. Recoloca-se, assim, a questão central da pretensão recursória do Autor relativa à responsabilização do intermediário financeiro (enquanto comitente) pelos danos resultantes da conduta da agente vinculada. 34. Dispõe o art. 500.º, n.º 1, do CC que “aquele que encarrega outrem de qualquer comissão responde, independentemente de culpa, pelos danos que o comissário causar, desde que sobre este recaia também a obrigação de indemnizar.”. Segundo este preceito, o comitente responde, sem culpa, pelos danos causados a outrem pelo comissário, uma vez que se encontrem preenchidos os respetivos pressupostos: id est, que exista uma relação de comissão, que sobre o comissário impenda a obrigação de indemnizar e a prática do facto danoso no exercício da função confiada ao comissário. 35. Esta norma acolhe uma definição ampla da relação de comissão, caracterizada pela posição funcional ou fáctica do comitente, pela possibilidade de condicionar ou controlar a atividade do comissário, que é quanto basta para concluir pela existência de uma situação de subordinação (que não necessariamente jurídica) justificativa da responsabilidade civil do primeiro pelos atos praticados pelo segundo7 36. Revertendo à factualidade dada como provada no caso sub judice, a questão da (in)existência de uma relação de comissão entre a Ré e a agente vinculada não foi colocada em causa no Tribunal da Relação de Lisboa. 37. Com efeito, o quadro factual considerado como provado aponta claramente para uma atuação da agente vinculada integrada na estrutura orgânica ou económica em que a dependência funcional e a prossecução do interesse da Ré/Recorrida Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., surgem como evidentes. 38. Deste modo, conforme o acórdão recorrido: “A BB atuou para além do âmbito funcional da respetiva atividade, praticando atos que lhe estavam vedados pelo contrato e por lei, nomeadamente recebendo valores do A./cliente. Fê-lo, porém, aproveitando a sua posição perante o R. e o A., aproveitando o seu enquadramento funcional de agente vinculada que levou a criar uma aparência de funções. Perante todo este circunstancialismo não pode deixar de se concluir que não é caso de tutelar juridicamente a aparência de exercício de funções da BB, pois não podia o A. ter confiado que esta atuava no exercício das mesmas em representação do R., não podia ter confiado na licitude da conduta daquela em tudo contrária à atuação do R., atento o seu perfil e experiência de investimentos anteriores no mesmo.” 39. Não se negando a existência de uma relação de comissão, questionou-se, todavia, o preenchimento de um outro pressuposto da responsabilidade civil indireta e objetiva do comitente, id est, a prática do ato no exercício da função atribuída ao comissário. 40. De acordo com o art. 500.º, n.º 2, do CC, “a responsabilidade do comitente só existe se o facto danoso for praticado pelo comissário, ainda que intencionalmente ou contra as instruções daquele, no exercício da função que lhe foi confiada.”. 41. Seguramente que “a prática de actos ilícitos não foi comissionada pela comitente à comissária, ou seja, o comitente não incumbiu o comissário da prática do concreto acto praticado, o qual é um ilícito até do ponto de vista criminal” (como se refere no acórdão recorrido). Mas tal não releva, à luz do referido preceito legal. 42. A Ré/Recorrida Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., refuta a sua responsabilidade pelos atos danosos praticados pela agente vinculada, invocando os seguintes argumentos: - a “função” referida tanto no art. 500.º, n.º 2, do CC, como no art. 294.º - A, n.º 1, al. a), do CVM, deve ser entendida como a função contratualmente conferida e assim delimitada à agente vinculada; - não existe causalidade adequada, à luz do art. 562.º do CC, entre o âmbito de funções atribuídas à agente vinculada e a movimentação indevida das contas do Autor/Recorrente com vista à efetuação de subscrições de apólices de seguro de capitalização falsas; - a confiança na atuação da agente vinculada não preenche os requisitos da imputação da confiança quer porque a aparência não foi gerada Ré/Recorrida, quer porque essa confiança se apresenta como indesculpável e, portanto, não merecedora da tutela do ordenamento jurídico; - por último, pode afirmar-se a culpa do lesado ao abrigo do art. 570.º do CC, devendo, por isso, excluir-se a obrigação de indemnizar. 43. No acórdão recorrido, acolheu-se precisamente a posição do não merecimento da tutela do ordenamento jurídico por parte do Autor/Recorrente: “Perante todo este circunstancialismo não pode deixar de se concluir que não é caso de tutelar juridicamente a aparência de exercício de funções da BB, pois não podia o A. ter confiado que esta atuava no exercício das mesmas em representação do R., não podia ter confiado na licitude da conduta daquela em tudo contrária à atuação do R., atento o seu perfil e experiência de investimentos anteriores no mesmo”. Trata-se – quanto ao juízo normativo que é feito da conduta do Autor/Recorrente - de uma questão de direito, incluída na competência do Supremo Tribunal de Justiça. 44. Conforme mencionado supra, embora não esteja propriamente em causa uma questão de tutela da confiança, pode dizer-se que a confiança no exercício abusivo de funções tem sido amiúde analisada pela jurisprudência que não perfilha a tese da exclusão automática ou imediata da responsabilidade do comitente por mera ocorrência do carácter abusivo do exercício das funções, nem tão pouco afasta a necessidade de verificação da causalidade ancorada na confiança nessa aparência de funções. 45. Assim, “E se, neste contexto de exercício abusivo das funções de agente vinculado, a comissária angariou os autores como clientes do banco réu e os manteve como tal, a relação de comissão (estabelecida entre o réu e dito “agente vinculado”) foi adequada para a produção do resultado dos actos ilícitos (a apropriação indevida da quantia de € 70 000,00 dos autores), dado ter criado nos lesados (os autores) uma “convicção de confiança na licitude da conduta daquele”8, o que justifica a sua responsabilização, nos termos do art. 500.º do CC” 46. Efetivamente, "I - Do Código de Valores Mobiliários decorre que os bancos, enquanto instituições de crédito, estão autorizados a exercer a actividade de intermediário financeiro, podendo ser representados por agentes vinculados na prestação dos serviços aí elencados, designadamente na prospecção e captação de clientes para a actividade de intermediação financeira e na recepção e transmissão de ordens. II - Porém, o Banco que tem ao seu serviço agentes vinculados, para prosseguir a sua actividade bancária, em geral, e de intermediação financeira, em particular, por ausência de balcões de atendimento ao público, claramente permite que estes exorbitem, sem censura da sua parte, as respectivas funções. III - E se, neste contexto de exercício abusivo das funções de agente vinculado, a comissária angariou os autores como clientes do banco réu e os manteve como tal, a relação de comissão (estabelecida entre o réu e dito “agente vinculado”) foi adequada para a produção do resultado dos actos ilícitos (a apropriação indevida da quantia de € 70 000,00 dos autores), dado ter criado nos lesados (os autores) uma “convicção de confiança na licitude da conduta daquele”, o que justifica a sua responsabilização, nos termos do art. 500.º do CC.”9 47. Está assim em causa o alcance da expressão “no exercício da função que lhe foi confiada” constante da norma do art. 500.º, n.º 2, do CC. 48. Impõe-se, desde logo, apreciar se apenas estão em causa atos compreendidos quer stricto sensu na função, ainda que executados de forma defeituosa (ou, pelo menos, danosa), quer, como diz a lei, no “exercício da função”. Não interessa, pois, o recorte contratual da função – questão meramente interna, relevante apenas nas relações entre comitente e comissário -, mas a forma como certa função é faticamente exercida ou suscetível de ser compreendida pelo terceiro10. 49. A intencionalidade do ato ou a desobediência às instruções do comitente– encontrando-se ambos os casos previstos no art. 500.º, n. º 2, do CC – não obstam à responsabilização do comitente, concluindo-se que também nessas situações o facto danoso pode ter sido praticado no exercício da função confiada ao comissário. 50. Aliás, nem teria sentido afastar a responsabilidade do comitente, à luz do preceituado na lei portuguesa (diferentemente do que acontece noutras ordens jurídicas), nas hipóteses em que o dano resulta de crime perpetrado pelo comissário. De resto, este entendimento tem sido acolhido de forma clara pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça: “(…) V. Tendo a 1.ª e 4.ª Rés incorrido na prática de atos ilícitos, eventualmente de cariz criminal, essa atuação excedeu naturalmente os limites de competências que lhe estavam atribuídas no âmbito contratualizado com a seguradora.VI. Contudo, tais atos ilícitos não deixam de ser considerados como praticados no exercício da função que lhe foi confiada pela seguradora, nos termos e para os efeitos do disposto no artigo 500.º, n.º 2, do Código Civil, uma vez que a natureza dos atos praticados - subscrição de produtos comercializados pela seguradora - ainda se integra no quadro geral da respetiva competência”.11 51. Poder-se-ia pensar que sobretudo nestes casos de comportamentos intencionais e mesmo puníveis em termos criminais12 haveria um agravamento desproporcional da posição do comitente. No entanto, essa amplitude do âmbito do ressarcimento afigura-se totalmente consentânea com uma das funções primícias da responsabilidade civil do comitente: servir como garantia adicional imprópria, com a possibilidade, sublinhe-se, de exercício pleno do direito de regresso em caso de ausência de conduta culposa da sua parte13. 52. A própria fundamentação da norma plasmada no art. 500.º do CC, que consagra a responsabilidade objetiva do comitente pelos atos do comissário, constitui também um elemento a mobilizar para a interpretação da expressão “no exercício da função que lhe foi confiada”14. 53. Respigando as várias posições adotadas a propósito deste âmbito de responsabilidade, podem, de forma sintética, destacar-se as seguintes: - em primeiro lugar, a tese segundo a qual o ato ilícito e danoso do comissário, mesmo que praticado apenas por ocasião do exercício da função, convoca a responsabilidade civil do comitente. Deste modo, a mera existência de um nexo temporal ou espacial entre a função e o dano é condição necessária e suficiente para a responsabilizar o comitente; - depois, a tese de acordo com a qual a responsabilidade do comitente é delimitada pelos danos causados pelo comissário em cumprimento das ordens e instruções fornecidas por aquele. Por conseguinte, o comitente responde apenas pelos atos do comissário praticados com respeito pelas ordens e instruções dadas por aquele.; e - por fim, a tese que vê no exercício da função o fundamento da responsabilidade civil do comitente, ainda que o comissário aja inobservando as ordens e instruções do comitente e, até, dolosamente. Na verdade, estão em causa atos compreendidos pela moldura da função confiada ao comissário. 54. Defende-se, como orientação preferível, esta última que afasta a responsabilidade civil do comitente tão só quando não haja – vide art. 500.º, n.º 2, do CC - uma conexão adequada entre a função e o facto ilícito e danoso15. 55. Tal como é muito frequentemente densificado, o facto ilícito do comissário pode ser considerado como praticado no exercício da função que lhe foi confiada sempre que, quer pela natureza dos atos de que foi incumbido quer pela natureza dos instrumentos ou objetos que lhe foram conferidos, aquele se encontra numa posição especialmente adequada à prática de tal facto, ou seja, propensa à prática do ato danoso16. 56. De resto, este tipo de conexão tem sido secundada pela jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça17 . 57. Basta, por isso, que o ato se integre formalmente nas funções confiadas ao comissário. Tem-se admitido a responsabilidade civil das pessoas coletivas ainda que a prática do ato ilícito tenho sido no interesse próprio do comissário, desde que subsista também uma conexão com os interesses da pessoa coletiva ou “que o agente tenha aproveitado uma aparência social suscetível de criar confiança no lesado”.18 58. O facto do representante que provoca o dano deve, pois, ocorrer no exercício da função que lhe foi confiada. 59. Por outro lado, embora não se trate de uma verdadeira e própria questão de proteção da aparência ou da confiança, conforme referido supra, pode afirmar-se que a aparência de funções se encontra compreendida na tutela do art. 500.° do CC, pois assim o reclama a tutela do terceiro, que não pode estar dependente de quaisquer vicissitudes da relação existente entre o comissário e o comitente, para ele desconhecidas. 60. Segundo o art. 165.° do CC, “as pessoas coletivas respondem civilmente pelos atos ou omissões dos seus representantes, agentes ou mandatários nos mesmos termos em que os comitentes respondem pelos atos ou omissões dos seus comissários". 61. Nestes moldes, no caso em apreço, reconhece-se que a atuação da agente vinculada excedeu, indiscutivelmente, os limites de competências que lhe haviam sido atribuídas pela Ré/Recorrida Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., configurando assim a prática de atos ilícitos, até de natureza criminal. Contudo, esses mesmos atos ilícitos devem ainda ter-se como praticados no exercício da função que lhe foi confiada pela Ré/Recorrida nos termos e para os efeitos do disposto no art. 500.º, n.º 2, do CC. 62. A natureza dos atos praticados - subscrição de produtos financeiros – integra-se no quadro ou moldura geral da respetiva competência, no quadro funcional da atividade prosseguida pela Ré/Recorrida Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A.. Por seu turno, esse enquadramento abstrato criou no Autor/Recorrente a convicção razoável de a agente vinculada se encontrar a atuar em consonância com o intermediário financeiro. 63. O acórdão recorrido estriba a sua convicção na existência de uma confiança do Autor/Recorrente pretensamente não merecedora da tutela da ordem jurídica. Entende-se, todavia, que não assiste razão à Ré/Recorrida, que intenciona a confirmação dessa solução. 64. Pode afirmar-se, a propósito do problema das “burlas praticadas por comissários aparentando possuírem poderes que na realidade não têm”, que “se estivermos perante uma situação em que o agente não dispõe de autorização expressa ou tácita para a prática daquele tipo de atos, então só poderá haver responsabilidade se se atribuir relevância à aparência de autorização para a prática de funções pelo comissário”19. 65. Relevam, consequentemente, para a posição acolhida pelo Tribunal da Relação de Lisboa, as condições subjacentes à tutela da aparência de autorização. 66. Deste modo, “o campo de autorização aparente reduzir-se-ia assim às hipóteses em que o comissário faz crer ao terceiro que lhe foram atribuídas funções pelo comitente quando de facto não o foram – nem de forma expressa, nem de forma tácita ou consentida. Importaria então determinar se tal aparência deve ou não ter relevância para efeitos do problema que nos ocupa, a responsabilização do comitente”20. A “aparência” merece a proteção da ordem jurídica se “o comportamento mediante o qual o comissário “aparenta” estar a exercer funções não pode ser uma criação sua, antes se deve basear também em algum fator de ordem material (ou de outra ordem) com origem na pessoa do comitente, de modo a que o comissário consiga construir a sua imagem de aparência que poderá merecer tutela jurídica”21. 67. Não parece ser necessário que na origem da aparência esteja um comportamento do comitente (muito provavelmente demasiado exigente face ao requisito “com origem na pessoa do comitente”). 68. A tese da aparência foi já adotada pelo Supremo Tribunal de Justiça num caso de falsificação de cartas pelo funcionário de uma seguradora para criar a impressão de que se estaria a negociar com a última de molde a realizar desvios pecuniários. 69. A visibilidade da relação entre a Ré/Recorrida Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A., e a sua agente vinculada (inclusivamente no local de atendimento), assim como a confiança reforçada na relação duradoura entre o cliente-investidor e a agente vinculada (que sustentaram interações com a Ré, v.g., no domínio dos depósitos de conta bancária, envio de extratos, etc.) geraram a aparência social que levou a confiar em que a atuação do comissário se desenrolava por conta e sob a autoridade do comitente22. 70. Na verdade, “a referência ao quadro da actividade é determinante — a um tempo, permite circunscrever a conexão adequada e adivinhar a criação de uma aparência social geradora de um estado de confiança”23. 71. Se os sinais objetivos permitem confirmar essa aparência social, já as características do lesado que nela confiou consentiam, no entender do Tribunal da Relação de Lisboa, concluir que a sua confiança fora, in casu, leviana ou não sustentada. E aqui persiste a questão da (in)verificação dos requisitos da tutela jurídica do Autor/Recorrente. 72. Mas sem razão. Na verdade, a questão que tem de se colocar é se, perante uma conduta dolosa de um comissário, intencionalmente dirigida a um objetivo conscientemente causador de prejuízos a outrem, uma eventual displicência, negligência ou ligeireza, pode excluir a responsabilidade do comitente perante este terceiro. 73. Estamos em crer que não. Sopesadas as condutas, o dolo de uma das partes era suprimido pela negligência da outra, o que não pode ser considerado justo. 74. Não se tendo provado que o Autor/Recorrente conhecia a ilicitude da conduta e o abuso de funções da agente vinculada BB, a sua possível negligência não exime de responsabilidade o autor doloso do prejuízo e, por conseguinte, a responsabilidade civil (objetiva) do seu comitente. 75. O lugar paralelo da simulação, do art. 243.º, n.os 1 e 2, do CC, ilustra esta perspetiva: é que aí, perante a intencionalidade da conduta dos simuladores – que pretenderam enganar terceiros (tal como na situação em apreço), o terceiro é protegido contra qualquer um dos simuladores (e, portanto, contra aquele com quem teve uma relação contratual direta), não importando se o terceiro desconhecia com culpa o engano, pois a lei basta-se com a ignorância de ser vítima de um engano, ainda que negligentemente. 76. De modo análogo, quando alguém se apresenta a contratar em nome de outrem mas sem conscientemente deter os correspondentes poderes, o facto de o terceiro não exigir a comprovação dos seus poderes não pode ser valorado como excludente da responsabilidade do falsus procurator, pois perante uma conduta conscientemente enganadora não há nenhum dever de indagação que possa excluir, a título de culpa do lesado, a responsabilidade civil. Todas as declarações devem poder ser acreditadas como verdadeiras. 77. Apenas a ocorrência de circunstâncias especiais ou excecionais pode justificar um dever de indagação do destinatário da declaração. O ónus da prova da sua verificação cabe à sua contraparte. E nunca, reitere-se, com eficácia excludente da responsabilidade do contraente doloso, mas quando muito meramente mitigadora dessa responsabilidade. 78. Perante condutas causadoras de prejuízo intencionais e dolosas, o Direito tem de se manter firme: a responsabilidade não pode ser excluída pelo facto de haver descuido ou negligência do prejudicado, como se terceiros tivessem de precaver-se (sob pena de sobre eles impender a “culpa do lesado”) perante condutas ilícitas de outrem. Em conformidade, a confiança no tráfico jurídico exige que possa acreditar-se no que a outra parte faz ou diz. 79. Perante atos intencionais e dolosos não há, portanto, possibilidade de eliminar a responsabilidade civil através da culpa do lesado, apagando o facto responsabilizador do autor doloso24. 80. O perfil do Autor/Recorrente como detentor de alguma experiência enquanto investidor, de um lado e, de outro, a falta de controlo dos extratos bancários, onde nunca se mencionou (e não se poderia ter mencionado, salvo se se apresentasse um documento falso) a subscrição das apólices de seguro e a evolução dos correspondentes investimentos foram determinantes para alicerçar as soluções – diferentes – referidas e também para serem mobilizados como quae distintivos. Perante anteriores condenações do mesmo comportamento lesivo do agente com a consequente responsabilização do comitente esses quae não permitem a ilação de que o Autor era ciente, com conhecimento atual e concreto, das condutas ilícitas e dolosas da agente vinculada BB e de que ela excedia manifestamente a função que lha havia sido confiada. 81. Recorde-se que era à Ré que incumbia, por força da aparência social manifestada nos factos provados, fazer a prova desse conhecimento, contra ela tendo de se resolver as ambiguidades e incertezas que qualquer matéria de facto possa apresentar. 82. Efetivamente, pode haver responsabilidade do comitente (Best – Banco Eletrónico de Serviço Total, S.A.) com base, justamente, na aparência social (não colocada em causa). 83. Com efeito, “III - Para que se considere que um facto ilícito é praticado no exercício da função confiada ao comissário é necessário que, quer pela natureza dos atos de que foi incumbido, quer pela dos instrumentos ou objetos que lhe foram confiados, o comissário se encontre numa posição especialmente adequada à prática de tal facto, bastando que o ato se enquadre formalmente no âmbito das competências do comissário e que o agente se tenha aproveitado de uma aparência social. IV - A responsabilidade objetiva do Banco, enquanto comitente, não será afastada mesmo que os atos do agente sejam dolosos, contrários às instruções do comitente e praticados com fins pessoais. V – O Banco que tem ao seu dispor uma rede de agentes vinculados a exercer funções de promoção e de comercialização dos seus produtos, sem balcão de atendimento ao público, tirando lucros dessa atividade, responde, ao abrigo do artigo 500.º do Código Civil, perante clientes lesados por abusos de representação cometidos pelos agentes vinculados. VI – Recebendo a agente (comissária) os autores num escritório onde tinha alguns prémios atribuídos pelo Banco Best (facto n.º 36), estando inserida na equipa de Agentes Vinculados que era supervisionada por uma direção do Réu (facto n.º 37), apresentando-se com cartões de identificação do Banco Best e tendo em seu poder vários impressos e formulários do Réu (facto n.º 4), estava criada a aparência de que a gestora das contas dos autores se encontrava investida de poderes pelo Banco Réu para todos os atos que praticava, aparência na qual os autores, com razões objetivas para tal, confiaram. VII – O princípio ético-jurídico da confiança deve ser utilizado como critério jurídico interpretativo da norma ínsita no n.º 2 do artigo 500.º do Código Civil, de forma a alargar o âmbito do que se considera como atos praticados no exercício da função atribuída ao comissário. VIII – A confiança dos autores é desculpável pois estes são pessoas com a 4.ª classe (facto provado n.º 40), que confiavam totalmente nos conselhos da gestora de conta BB, atenta a sua experiência no ramo (facto provado n.º 41). IX – Não é aplicável qualquer redução ou exclusão da indemnização ao abrigo do artigo 570.º do Código Civil, pois não houve qualquer facto culposo do lesado a concorrer para a produção ou agravamento dos danos. X - Se a ordem jurídica não protegesse os clientes, e estes não pudessem confiar nos funcionários dos bancos, ou in casu, nos agentes vinculados que agem em seu nome, estaria instalada uma espécie de desordem económico-social e seria acentuada a exclusão dos menos letrados e informados, proliferando a atitude conservadora de “colocar o dinheiro debaixo do colchão”, o que seria patológico para o funcionamento da economia e da sociedade.”25. 84. Se quanto a lesados dotados de menos literacia financeira não estava em causa a tutela da confiança, fatores como determinada experiência em investimentos e, até, alguma displicência manifestada na falta de controlo dos resultados dos investimentos realizados (dificilmente configurável sequer como ónus jurídico) não deveriam alterar a conclusão de que este lesado necessita da mesma tutela, com idênticas consequências jurídicas. Erro do Tribunal na aplicação do instituto da culpa do lesado ao caso sub judice 1. Na sentença, o Tribunal de 1.ª Instância afirmou que o Autor/Recorrente, “podia e devia ter tido outro cuidado na avaliação das suas decisões, se as baseou unicamente nas indicações da PFA, em termos tais que é possível estabelecer o tal nexo de “concausalidade”, entre a actuação do lesante e a do lesado, na produção do evento danoso. Impõe-se, por isso, uma mitigação da responsabilização do Réu, em termos da redução do conteúdo e alcance da sua obrigação de indemnização que agora se fixa, à luz de um critério de gravidade, conforme mencionado na letra da lei, em 25% do valor em que essa obrigação se haja de traduzir”. 2. Por sua vez, o Tribunal da Relação de Lisboa afastou-se em parte deste entendimento, pois considerou igualmente a atuação do lesado. 3. Ao que parece, impõe-se separar as águas. 4. Acresce que para as consequências resultantes do comportamento ilícito e danoso da agente vinculada não teve influência a conduta do Autor/Recorrente, que não parece subsumível à norma do art. 570.º do CC. A conduta do Autor/Recorrente não se afigura sequer culposa atendendo ao grau de proteção consagrado para os investidores não profissionais. Aliás, mesmo que se aceitasse alguma censura do comportamento do lesado, a opinião predominante na doutrina e na jurisprudência exclui a sua relevância no caso de haver grave censurabilidade da conduta do lesante, que intencionalmente causou o dano. De facto, perante o dolo, a culpa, em qualquer das suas modalidades, não pode conduzir à exclusão da responsabilidade e à oneração integral do lesado com as consequências danosas de uma conduta dolosa alheia que o atingiu. 5. A DMIF II (Diretiva n.º 2014/65/EU do Parlamento Europeu e do Conselho, de 15 de maio de 2014, relativa aos mercados de instrumentos financeiros e que altera a Diretiva n.º 2002/92/CE e a Diretiva n.º 2011/61/UE, transposta para a ordem jurídica interna pela Lei n.º 35/2018, de 20 de julho) – que revogou a DMIF I - estabelece a classificação dos investidores-clientes como não profissionais, profissionais e contrapartes elegíveis de modo a adaptar os níveis de proteção jurídica. 6. Outros deveres existem que são instrumentais desses deveres de informação, mesmo que munidos de grande alcance. Assim, o dever plasmado no art. 304.º, n.º 3, do CVM. Esta codificação impõe mesmo ao intermediário financeiro o dever de categorizar os clientes, destinado a facilitar o cumprimento cabal dos deveres de informação. 7. Assim, o dever de conhecimento do cliente (know your client) desempenha uma função instrumental da observância dos deveres de categorização, de adequação e de informação. Por isso, o art. 312.º, n.º 2, do CVM, obriga ao conhecimento do cliente em ordem à graduação da intensidade e extensão dos deveres de informação. Na medida em que se visa a adoção de decisões de investimento esclarecidas e fundamentadas, a intensidade e a extensão dos deveres de informação variam em função do tipo de investidor-cliente. Consagrou-se, por isso, no art. 312.º, n.º 2, do CVM, o princípio de proporcionalidade inversa, mencionado supra. 8. Compreende-se que a lei dispense tutela mais intensa a investidores-clientes não profissionais. O legislador preocupou-se com a “personalização” do dever geral de informação, procurando que o intermediário conheça o investidor-cliente e que molde a informação a prestar de acordo com as características do investidor-cliente concreto. 9. Esta categorização dos investidores densifica o dever de informação. Com efeito, de acordo com o art. 312.º, n.º 2, do CVM. “A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”. 10. Segundo alguns estudos dedicados à literacia financeira, pode dizer-se que como que existem três dimensões de informação no âmbito da avaliação da cultura financeira detida pelo investidor-cliente: “o conhecimento financeiro manifestado pelos investidores nas suas respostas a questões concretas sobre o mercado financeiro, o grau de escolaridade dos investidores como uma proxy para a sua capacidade de usar a informação que obtêm e as fontes de informação a que habitualmente recorrem os investidores e nas quais baseiam as suas escolhas financeiras. São também variáveis explicativas a avaliação individual dos investidores sobre a qualidade geral e o nível geral de risco com que classificam o mercado português”26. 11. O comportamento do Autor/Recorrente, ainda que manifestasse domínio considerável de algumas dessas dimensões, não só não foi censurável (como talvez viesse a ser qualificado se praticado por um investidor profissional), como, ainda que existisse alguma censura, não se aplicaria a norma do art. 570.º do CC, mercê da existência de um comportamento doloso da agente vinculada (e é esta responsabilidade que baliza a responsabilidade do comitente). 12. Na verdade, “I - O empregador deve ser objectivamente responsabilizado pelos prejuízos causados, nos termos do art. 500º do CC, quando os actos ilícitos do comissário, no seu próprio interesse, foram praticados no exercício função que lhe foi confiada, o que se verifica quando aquele se aproveita das facilidades que o exercício da sua função de gerente bancário lhe proporcionava II – Se o responsável procede com dolo e ao lesado apenas é possível apontar uma culpa ligeira na produção do dano, não há fundamento para a redução da indemnização nos termos do art. 570º CC.”27. 13. Entende-se que, via de regra, se o responsável procedeu com dolo, a mera culpa do lesado não obsta ao pedido de indemnização do valor total dos danos sofridos28. 14. Pode, é certo, encontrar-se uma exceção nos casos em que o próprio lesado teve também culpa grave ou uma conduta especialmente censurável. 15. Não é esse, porém, o caso dos autos. 16. De resto, o estabelecimento dos deveres de informação a cargo do intermediário financeiro implica um desvio ao ónus do sujeito (investidor não profissional) de obter individualmente, por si mesmo, a informação relevante. Diferentemente do direito comum, o Direito dos Valores Mobiliários não é axiologicamente enformado, neste aspeto, pelo princípio da igualdade dos sujeitos contratantes: intermediário financeiro e investidor não profissional. Os deveres de informação que recaem sobre o intermediário financeiro desoneram o investidor-cliente não profissional da necessidade de procurar ou de obter essa informação, postulando o afastamento do concurso da assunção do risco ou de culpa própria em caso de sobrevirem danos. 17. Acresce que à delimitação da categoria dos investidores não profissionais está subjacente a ideia – que, aliás, justifica o regime que a ordem jurídica lhes dedica – de que estes não têm capacidade suficiente para aceder à informação ou para atuar de forma esclarecida no contexto do mercado dos valores mobiliários sem o respetivo regime informativo. Assim, os deveres de informação (prévia em relação ao investimento) do intermediário financeiro ou do agente vinculado – que têm fonte legal, independentemente de, no caso concreto, se enquadrarem, ou não, numa relação contratual ou pré-contratual -, dirigem-se a um investidor concreto e não ao público dos investidores em geral. Cumprem-se, portanto, individualmente perante cada um dos investidores-clientes, levando em devida linha de conta a situação concreta de cada um deles, pois se dirigem, efetivamente, à proteção da correta formação da vontade do investidor-cliente individual: é esta o bem jurídico tutelado. 18. Os requisitos de qualidade da informação estabelecidos no art. 7.º do CVM – completude, veracidade, atualidade, clareza, objetividade e licitude - revestem-se de particular importância na conformação dos deveres de informação em apreço. O dever do intermediário financeiro de atuar com transparência (art. 304.º, n.º 2, do CVM) pressupõe, aliás, o cumprimento pontual de todos os deveres de informação de forma completa, verdadeira, atual, clara, objetiva e lícita. Omissão de pronúncia sobre a prova do montante entregue na subscrição das apólices de seguro em apreço 1. Alega o Autor/Recorrente que o Tribunal recorrido não se pronunciou, como devia, sobre a prova da quantia entregue aquando da subscrição das apólices de seguro. 2. Por seu turno, nas suas contra-alegações, a Ré/Recorrida considerou o seguinte: “A prova da factualidade impugnada deve resultar da conjugação da prova documental produzida nos autos, ponderadas as declarações de parte, que, nesta concreta matéria, não foram pormenorizadas, pautando-se pela generalidade. As declarações de BB foram prestadas no âmbito de um outro processo, e, tal como o tribunal recorrido referiu, denotam hesitação em fornecer explicações rigorosas e objetivas, e é pouco consiste em certas matérias, por ser comprometedora para a sua própria esfera jurídica. Tendo em conta o que supra se deixou escrito aquando da apreciação da impugnação da decisão sobre o ponto 20 dado como provado, facilmente se conclui que não poderá proceder a pretensão do apelante. Embora tenha resultado provado que “aconselhado pela BBe através dos formulários por esta entregues, o Autor subscreveu, entre 2012 e 2016, várias destas supostas apólices de seguro, tenho-lhe sido atribuído o número de cliente 5023, para o que entregou à BBquantias monetárias de valor não concretamente apurado” (ponto 14), e que “a entrega dos valores para estas aplicações foi efetuada ao longo dos anos, quer por transferência bancária, quer pela entrega de cheques, quer ainda em numerário, sempre sob orientação direta da BB, que ia convencendo o Autor a não resgatar o investimento inicial, mas sim a reaplicá-lo, adicionando cada vez mais valor” (ponto 16), o que é um facto é que a análise do teor das “apólices” juntas de fls. 46vº a 55, e das juntas de fls. 55vº a 59, conjugada com os mencionados 59 cheques e transferências bancárias (uns e outras também a favor outras pessoas que não a referida BB, sem que tenha resultado demonstrada a “ligação” entre aquelas e esta, ou para pessoas que não se mostram, sequer, identificadas) e com os extratos bancários juntos pelo R. , não permite concluir, com um mínimo de segurança, o valor global entregue pelo A. à BB, e de que ficou privado”. 3. Não pode acolher-se o fundamento de omissão de pronúncia, tanto mais que dentro do quadro argumentativo de negação da responsabilidade civil da Ré/Recorrente e, portanto, de prejudicialidade da questão da responsabilidade perante o apuramento dos danos, ainda assim o Tribunal da Relação de Lisboa mencionou o tratamento a dar a essa ausência de prova quanto ao montante total. 4. Efetivamente, no acórdão recorrido afirma-se que “Resultando da factualidade provada que o A. entregou, ao longo dos anos, à BB quantias monetárias de valor não concretamente apurado no âmbito da subscrição das supostas apólices “Império Luxemburgo” e de que ficou desapossado (pontos 14, 16, 18, 27, 28 e 29 dados como provados), cumpria relegar a liquidação do concreto montante em causa nos termos do preceito referido, como fez o tribunal recorrido”. 5. Deste modo, conclui-se pela responsabilidade da Ré/Recorrida nos termos do art. 500.º, n.os 1 e 2, do CC, sem qualquer necessidade de mitigar a obrigação de indemnizar com base na culpa do lesado, pois esta não teve lugar. IV - Decisão Nos termos expostos, acorda-se em julgar totalmente procedente o recurso de revista interposto pelo Autor AA, revogando-se o acórdão recorrido e repristinando-se a sentença do Tribunal de 1.ª Instância sem, todavia, a mitigação do montante indemnizatório com a culpa do lesado. Custas pela Ré/Recorrida. Notifique-se
Maria João Vaz Tomé (Relatora) Nelson Borges Carneiro Pedro de Lima Gonçalves _____________________________________________ 1. Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, p.183.↩︎ 2. Cf. João Baptista Machado, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Coimbra, Almedina, 1994, p.183.↩︎ 3. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2023 (Maria Clara Sottomayor), Proc. n.º 7253/19.9T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in www-dgsi.pt.↩︎ 4. Cf. Manuel A. Carneiro da Frada, “A responsabilidade objectiva por facto de outrem face à distinção entre responsabilidade obrigacional e aquiliana”, in Direito e Justiça, 1998, pp. 300-301.↩︎ 5. Cf. Paulo Câmara, Manual de Direito dos Valores Mobiliários, Coimbra, Almedina, 2018, p. 415; Canabarro Teixeira, ”Os deveres de informação dos Intermediários Financeiros a seus Clientes e sua Responsabilidade Financeira”, in Cadernos do Mercado de Valores Mobiliários, n.º 31, dezembro de 2008, pp. 50-54. Acolhe-se, pois, diversa intensidade da proteção, especialmente reforçada quando se trate de “clientes não institucionais, não qualificados ou não profissionais”.↩︎ 6. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de outubro de 2018 (Maria do Rosário Morgado), Proc. n.º 2339/16.4T8LRA.C2.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt (“a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente”); de 4 de Outubro de 2018 (Maria do Rosário Morgado), Proc. nº 1236/15.5T8PVZ-L1.S1 - disponível para consulta in www.dgsi.pt (“a intensidade dos deveres de informação varia em função do tipo contratual em causa e do concreto perfil do cliente”); e de 20 de setembro de 2023 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 7253/19.9T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt. (“A extensão e a profundidade da informação devem ser tanto maiores quanto menor for o grau de conhecimentos e de experiência do cliente”).↩︎ 7. Na doutrina, vide, a este propósito, João de Matos Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, Vol. I, Coimbra, Almedina, 2000, pp. 640 e ss..↩︎ 8. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20 de setembro de 2023 (Maria dos Prazeres Pizarro Beleza), Proc. n.º 7253/19.9T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎ 9. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2019 (Paulo Sá), Proc. n.º 21171/18.9T8LSB.L1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎ 10. Vide, em sentido divergente, o referido Parecer do Senhor Prof. Doutor Henrique Sousa Antunes, pp. 65-66, conclusão XV, a propósito do abuso de funções.↩︎ 11. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2022 (Pedro de Lima Gonçalves), Proc. n.º 19013/17.7T8LSB.L2.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎ 12. Na verdade, no caso de a conduta do agente vinculado constituir a prática de crime, estabelece-se a sua responsabilidade como a violação de uma norma penal de proteção (art. 483.°, n.° 1, do CC).↩︎ 13. Não se ignoram, contudo, as críticas endereçadas a entendimentos monolíticos a respeito da justificação da responsabilização do comitente – vide, inter alia, Manuel A. Carneiro da Frada, “A responsabilidade objectiva por facto de outrem face à distinção entre responsabilidade obrigacional e aquiliana”, in Direito e Justiça, 1998, pp. 304-307.↩︎ 14. Cf. Maria da Graça Trigo, “Responsabilidade Civil do Comitente (ou responsabilidade por facto de terceiro)”, in Comemorações dos 35 anos do código civil e dos 25 anos da reforma de 1977/ Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra, Vol. III, Coimbra, Coimbra Editora, 2007, pp. 168-169.↩︎ 15. Cf. Fernando Andrade Pires de Lima/João de Matos Antunes Varela, anotação ao art. 500.º, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2010.↩︎ 16. Cf. Cf. Fernando Andrade Pires de Lima/João de Matos Antunes Varela, anotação ao art. 500.º, Código Civil Anotado, Volume I, Coimbra, Coimbra Editora, 2010.↩︎ 17. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 15 de fevereiro de 2022 (Pedro de Lima Gonçalves), Proc. n.º 19013/17.7T8LSB.L2.S1; de 28 de junho de 2011 (Paulo Sá), Proc. n.º 3616/06.8TBVLG.P2.S1; de 26 de março de 2014 (Souto Moura), Proc. n.º 897/06.0TAOVR.P1.S1; e de 19 de junho de 2019 (Paulo Sá), Proc. n.º 21171/16.9T8LSB.L1.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt.↩︎ 18. Cf. Carlos Alberto da Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, Coimbra, Almedina, 2020, p. 324.↩︎ 19. Cf. Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, pp. 348 e ss..↩︎ 20. Cf. Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 358.↩︎ 21. Cf. Maria da Graça Trigo, Responsabilidade civil delitual por facto de terceiro, Coimbra, Coimbra Editora, 2009, p. 358.↩︎ 22. Cf. Sofia de Sequeira Galvão, Reflexões acerca da responsabilidade do comitente no Direito Civil Português. A propósito do contributo civilista para a dogmática da imputação, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa,1990, p. 312.↩︎ 23. Cf. Sofia de Sequeira Galvão, Reflexões acerca da responsabilidade do comitente no Direito Civil Português. A propósito do contributo civilista para a dogmática da imputação, Lisboa, Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa,1990, p. 312.↩︎ 24. Vide, em sentido divergente, Parecer do Senhor Prof. Doutor Henrique Sousa Antunes, conclusão XVI.↩︎ 25. Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de junho de 2019 (Paulo Sá), Proc. n.º 21171/18.9TVLSB.L1.S1; de 20 de setembro de 2023 (Maria Clara Sottomayor), Proc. n.º 7253/19.9T8LSB.L1.S1 – disponíveis para consulta in www-dgsi.pt.↩︎ 26. Cf. Victor Mendes/Margarida Abreu, 2006. "Cultura Financeira dos Investidores e Diversificação das Carteiras", Working Papers Department of Economics 2006/10, ISEG - Lisbon School of Economics and Management, Department of Economics, Universidade de Lisboa.↩︎ 27. Cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de julho de 2022 (Ferreira Lopes), Proc. n.º 6208/09.6TBBRG.G1.S1 – disponível para consulta in www.dgsi.pt.↩︎ 28. Cf. Adriano Paes da Silva Vaz Serra, “O dever de indemnizar e o interesse de terceiros”, in BMJ, n.º 86, maio de 1959, pp. 138-140.↩︎ |