Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3440/22.0T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 1ª SECÇÃO
Relator: JORGE LEAL
Descritores: AÇÃO DE REIVINDICAÇÃO
BEM IMÓVEL
PROPRIEDADE
USUCAPIÃO
POSSE PÚBLICA
POSSE PACÍFICA
DEFESA DA POSSE
ESBULHO VIOLENTO
AQUISIÇÃO ORIGINÁRIA
HERANÇA INDIVISA
CABEÇA DE CASAL
Data do Acordão: 03/25/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
A circunstância de o autor ter perdido a posse do imóvel há mais de um ano não obsta a que fundamente a pretensão de entrega daquele na aquisição da propriedade do imóvel por usucapião.
Decisão Texto Integral:
Processo n.º 3440/22.0T8STB.E1.S1

Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

1. AA, por si e na qualidade de cabeça de casal da herança indivisa de BB instaurou ação declarativa com processo comum contra CC, filha do Autor e da falecida BB, pedindo que, na procedência da ação (e após a apresentação de petição aperfeiçoada):

a) Deve ser reconhecido que o Autor, como aliás a Ré, são os únicos herdeiros de BB;

b) Deve ser reconhecido que o Autor e demais herdeiros da sua falecida cônjuge, BB, são donos e possuidores da benfeitoria (construção executada no solo do lote identificado no artigo 9º da petição inicial) que integra a herança indivisa de BB;

c) Deve ser reconhecido que o Autor e cônjuge adquiriram por acessão industrial imobiliária a propriedade do lote identificado no artigo 9º da petição inicial, sendo assim a herança indivisa de BB dona e legítima proprietária do prédio situado em EN...9, ..., ..., Lote 1, descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...34/19901130 inscrito na matriz sob o nº ...47 da freguesia de ..., devendo a Ré ser condenada a restitui-lo à herança indivisa de BB;

d) Na hipótese de improcedência do pedido da al. c), deve ser reconhecido que o Autor e cônjuge, BB, e agora herdeiros desta, adquiriram por usucapião o prédio identificado no artigo 9º da petição inicial, que integra atualmente a herança indivisa de BB, devendo a Ré ser condenada a restitui-lo à herança indivisa;

e) Em qualquer dos casos (reconhecimento da usucapião ou da acessão) deve ser ordenado o cancelamento do registo de aquisição em nome da Ré;

f) Na hipótese de procedência do pedido da al. c) se se entender que a Ré tem direito ao valor do lote, que à data da incorporação valia 10.000,00€, deve este valor ser atribuído à Ré;

g) Deve a Ré ser condenada no pagamento de uma indemnização à herança no valor de 400,00€ por mês, até à efetiva entrega do imóvel, ou à partilha do bem;

h) Na hipótese de improcedência do reconhecimento da propriedade para o Autor e falecida cônjuge, e agora também herdeiros desta, deve a Ré ser condenada a pagar a indemnização de 200.000,00€ por enriquecimento sem causa e juros desde a citação”.

Em fundamento da sua pretensão, o A. alegou que foi casado com BB, tendo a esposa falecido no dia 09.07.2018, deixando como únicos herdeiros, o A. e a filha, a R. CC. No dia 20.02.1987, terceiros venderam à R. uma oitava parte indivisa, do prédio sito em ..., Freguesia e Concelho de ..., melhor descrito nos autos. A R. era, à data da aquisição, estudante e residia com os pais, tendo sido estes que pagaram o preço da respetiva aquisição (2.000 contos). O objetivo do A. e da sua mulher era construir uma moradia acima do solo, que constituísse a sua casa de morada de família, o que fizeram, tendo sido eles que encetaram as diligências tendentes ao loteamento e à construção de uma moradia de 2 pisos, logradouro com área coberta de 244 m2, área descoberta de 3518,52 m2 e área total 3762,52 m2, 6 assoalhadas, 1 cozinha, 3 casas de banho, 2 corredores e 1 arrecadação, tendo despendido quantia superior a € 150 000,00, com o projeto de arquitetura e a própria construção. Uma vez construída, o A., a mulher e a filha, ora R., passaram a ali viver. Após a morte do cônjuge, em ....07.2018, a R. decidiu assenhorear-se da moradia, mudando as fechaduras e impedindo o A. de nela entrar. Pondo a propriedade em venda. O valor investido na construção é muito superior ao valor investido na compra do terreno, razão pela qual o A. e o seu cônjuge adquiriram a propriedade do lote por acessão industrial imobiliária, a qual não envolve o pagamento do lote, uma vez que o preço foi pago pelos pais da R.. Por outra via, concluída em 1993 a execução da obra, o A. e a sua mulher passaram a usufruir do gozo da moradia, nela centralizando a sua vida familiar e doméstica, dormindo, confecionando as refeições, procedendo a limpezas, pinturas, pagando anualmente as contribuições e os consumos de eletricidade e água. Estiveram, assim, na posse da moradia, ininterruptamente e sem oposição, até ao falecimento de BB. Atuavam convencidos de que exerciam o direito de propriedade e que a casa só seria da filha após a morte de ambos. As pessoas, amigas e familiares, consideravam o Autor e a sua mulher, donos do prédio. Com a mudança de fechaduras levada a efeito pela R., em 2018, o A. ficou impedido de usufruir daquela casa, tendo de passar a viver num andar que possuía na Rua..., em ... e que deixou de dar de arrendamento, como era sua intenção, sendo que o poderia arrendar por um valor não inferior a € 400,00 mensais. Com a correção monetária o valor despendido com a construção da casa ascende atualmente a € 200.000,00€. O Autor e herança viram empobrecido o seu património em € 200 000,00, enquanto a R. viu engrandecido o seu património na mesma medida.

2. A Ré contestou. Alegou ter tomado posse do terreno desde a sua aquisição, pôs e dispôs do mesmo como quis, de forma contínua e pacífica sem oposição de ninguém, inclusive do próprio A. e da sua mãe, o que acontece desde 20.02.1987 a esta parte. Aceitou que foram os pais que pagaram a construção da casa. O terreno e a moradia foram-lhe doados por seus pais. Em 2000, o A. e a sua falecida esposa adquiriram o imóvel sito na Rua ..., em ..., passando a habitá-lo desde essa data. Concluiu pela improcedência dos pedidos e pela condenação do A. como litigante de má fé.

3. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que julgou:

Reconhecido que o A. e a Ré, são os únicos herdeiros de BB.

Improcedentes por não provados os demais pedidos, de que se absolvem a Ré.

Improcedente o pedido de condenação do A. como litigante de má-fé.

Custas pelo A.”

4. O A. apelou desta sentença (sem contra-alegação por parte da R.), e a Relação de Évora, por acórdão proferido em 09.5.2024, julgou a apelação procedente, tendo emitido o seguinte dispositivo:

Termos em que, acorda-se em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, reconhecendo o Autor e a herança de BB, apelantes, como titulares do direito de propriedade incidente sobre a moradia inscrita na matriz predial da freguesia de ... sob o nº ...47 e descrita na CRP ... sob o nº ...34/19901130, respeitante ao lote nº 1, do prédio urbano sito em..., com a área total de 3.762,52 m2, sendo a área coberta de 244 m2 e a descoberta de 3.518,52 m2.

Sem custas”.

5. A R. interpôs recurso de revista, formulando as seguintes conclusões:

“1- O Douto Acórdão do tribunal da Relação de Évora julgou o recurso de Apelação procedente quer quanto à aquisição por via de usucapião e quer quanto à aquisição por via da acessão industrial imobiliária, tendo como elemento decisório ao mesmos factos dados como provados.

2- A usucapião e a acessão industrial constituem formas originárias de aquisição do direito de propriedade, elas não são compagináveis, são incompatíveis entre si.

3- A diferença entre ambas reside na existência, ou não de um vinculo jurídico entre o requerente e a coisa.

4- O possuidor de boa fé exerce sobre a coisa um vínculo jurídico ( a posse) que afasta o regime da acessão industrial imobiliária.

5- Constitui requisito essencial no instituto da acessão industrial imobiliária, a prova do valor ( actualizado) do terreno à data da incorporação e o valor da nova unidade predial constituída por obra e terreno.

6- No Douto Acórdão recorrido, apenas foi ponderado o valor do terreno à data da aquisição e o valor da construção, não estando assim demonstrado o requisito essencial à verificação da acessão industrial imobiliária.

7- O A. e a falecida esposa exerceram a posse pública e pacifica até 2018.

8- A Ré, em 2018, ao mudar a fechadura, impedindo o A. de entrar no imóvel, e colocando o mesmo em venda, passou a exercer sobre a coisa um domínio de facto, uma nova posse.

9- O A. não reagiu ao esbulho, por sua livre vontade, no prazo de um ano.

10- É requisito essencial à declaração de aquisição por usucapião, que a posse seja exercida durante um determinado período temporal, e que se mantenha actual, presente no momento em que o pedido é formulado em juízo.

11- Nos presentes autos, o A. esbulhado em 2018, só instaura a acção em 2022.

12- Não mantendo o A. a posse à data da instauração dos autos, falta um requisito essencial ao instituto da usucapião, art.º 1287 CC.

13- O Douto Acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 1277;1282;1287; 1340, bem como as demais normas aplicáveis.

Termos em que deve ser admitido o recurso de revista, por violação de lei substantiva e não tendo o Douto Acórdão recorrido apreciado outras questões que não a usucapião e a acessão industrial imobiliária, deve o mesmo ser declarado nulo repristinando-se a decisão de primeira instância”.

6. O A. apresentou contra-alegações, rematando com as seguintes conclusões:

“1- O douto Acórdão, ora em crise, julgou procedente a Apelação, quanto à usucapião pela prova dos factos 14, 19, 20, 24 e F), J), K, e O). Correctamente.

2- E “ainda que assim não fosse”… sempre o A. poderia beneficiar da cessão industrial imobiliária, provado que está que acrescentaram ao prédio construção no valor de mais de 150.000€ quando o valor deste seria 1995€ (ou até 10.000€), pela prova dos factos elencados em 7, 9, 10, 13, 16, 17, 18 e E). Correctamente.

3- Quanto ao direito o douto Acórdão fundou-se quanto à usucapião no disposto nos artºs 1251º, 1260º nº 1, 1261º nº 1, 1262º nº 1, 1262º a), 1287º e 1296º todos do C.C.; E quanto à acessão industrial imobiliária, no disposto no artº 1340º do C.C. Tudo correcto.

4- A usucapião e a acessão não podem fundar-se nos mesmos factos e o douto Acórdão assim procede, referindo os factos que suportam cada pedido.

5- A diferença entre ambas reside na existência de um vínculo que justifique a tradição. A Relação de Évora fala em “locação, comodato, ou outra” e como resulta dos autos, e A. e mulher não tinham qualquer relação com o terreno tendo a construção e demais sido autorizada pela filha.

6- O artº 1340º do C.C. exige expressamente no nº 1 a boa-fé, para aquela que constrói em terreno alheio, não está pois afastado do regime da acessão industrial imobiliária.

7- Quanto ao valor acrescentado exigido pela acessão imobiliária fixado no nº 1 do artº 1340º do C.C. é que o valor das obras tenham trazido à totalidade do prédio um valor maior que o que tinha antes. Ora tendo ficado provado o valor da construção, e sendo este manifestamente superior (1995€ para 150.000€) está preenchido o requisito legal referido.

8- Não é exigência legal a prova do valor acrescentado através de avaliação ou outra diligência que fixe os valores respectivas na interposição da acção.

9- Ficou provado que o A. e a falecida esposa exerceram a posse pública e pacifica desde a sua aquisição e que após a morte do cônjuge do A. a R. passou a impedir a entrada na vivenda ao A. pois mudou as fechaduras…

10- A R. …. Ao mudar a fechadura passou a exercer sobre a coisa em domínio de facto, mas não uma nova posse. Trata-se de mera detenção, pois que tendo esse domínio sido obtido pela violência (mudança das fechaduras) por força do disposto no artº 1267º nº 2 do C.C. só seria “posse” após a cessação da violência ou seja com a reposição das fechaduras anteriores.

11- O A. não reagiu ao esbulha no prazo de um ano, nem tinha que o fazer. Nos termos do artº 1257º nº 1 d) o possuidor perde a posse, se a nova posse houver durado por mais de um ano.

Porém, o nº 2 da norma dispõe que a nova posse de outrem… sendo adquirido por violência só se conta a partir da cessação desta. Ou seja, o A. nunca perdeu a posse e a R., nunca a adquiriu: é mera detentora!

12- O A. detinha a posse no montante de requerer a aquisição e sempre a deteve desde a construção referenciada até hoje, nos termos do disposto no artº 1267º nº 2 (parte final).

13- O douto Acórdão fez correcta aplicação do direito, nomeadamente quanto à usucapião, disposto nos artºs 1251º, 1260º nº 1, 1261º nº1, 1262º nº 1, 1263º a), 1287º, e 1296º; e quanto à acessão industrial imobiliário o disposto no artº 1340º; todos do C.C..

E poderemos ainda indicar que fez correcta aplicação do disposto nos artºs 1267º nº 1 d) e nº 2 parte final.

14- O douto Acórdão não violou nenhuma norma legal nomeadamente as indicadas pelo R. nas suas doutas alegações: artºs 1277º, 1282º, 1287º, 1340º do C.C.

Termos em que deve manter-se integralmente o douto Acórdão da Relação de Évora, posto em crise nesta Revista”.

7. Foram colhidos os vistos legais.

II. FUNDAMENTAÇÃO

1. Como é sabido, excecionadas as questões que sejam de conhecimento oficioso, o tribunal ad quem cingir-se-á, na apreciação do recurso, ao objeto delimitado pelas respetivas conclusões (artigos 608.º n.º 2, 635.º n.º 4, 663.º n.º 2, 615.º n.º 1 al. d), 666.º n.º 1, 679.º, 685.º do CPC).

Na revista, a recorrente começa por questionar a admissibilidade, in casu, da aquisição da propriedade do imóvel objeto dos autos, pelo A. e pela herança da sua falecida mulher, por via de acessão imobiliária. Seguidamente, a recorrente também rejeita, no recurso, que tal aquisição originária da propriedade do imóvel tenha ocorrido por via da usucapião.

Vejamos.

O acórdão recorrido julgou a pretensão do A. procedente, à luz da usucapião. A acessão imobiliária industrial foi invocada a título de obiter dictum, conforme resulta da fundamentação do acórdão. Com efeito, na fundamentação, após se julgar verificada a aquisição originária da propriedade do imóvel, da banda do A. e da herança da sua falecida cônjuge, por usucapião, exarou-se o seguinte: “Ainda que assim não fosse, estando comprovado o valor claramente superior da construção cujas benfeitorias a Ré reconhece pertencerem ao Autor (mais de 150.000,00€), relativamente ao terreno (1.995€) sempre o Autor poderia beneficiar da acessão industrial imobiliária, que igualmente peticionou em c) do seu petitório.

(…).”

Assim, haverá, primeiramente, que ajuizar se a Relação julgou acertadamente, ao reconhecer a ocorrência de usucapião, como título de aquisição originária da propriedade do imóvel, por parte do A. e da herança da sua, entretanto falecida, mulher. Só no caso de se responder negativamente a esta questão, se apreciará da verificação dos requisitos da acessão imobiliária.

2.1. Primeira questão (usucapião)

2.2. A 1.ª instância, na enunciação dos factos provados e não provados, incluiu a numeração de factos, não identificados, que teriam sido “eliminados”. Tal suscitou compreensíveis dúvidas ao recorrente, tendo o tribunal a quo explicado que se tratava do resultado de um método de trabalho que visava facilitar a tarefa da motivação de facto.

Esta a razão de ser das referências que, aqui, se mantêm, para não alterar a numeração efetuada.

Mais se assinala que a Relação procedeu a alterações na matéria de facto, que se assinalarão.

Assim, provou-se a seguinte

Matéria de facto

1. O Autor celebrou casamento com BB, em...-3-1967, no regime de comunhão geral e bens.

2. BB faleceu no dia ...-7-2018, sem testamento ou disposição de última vontade, deixando como únicos herdeiros o Autor e a filha, CC, ora Ré.

3. No dia 20 de fevereiro de 1987, foi celebrado o acordo escrito constante de fls. 8 vº e ss., aqui dado por inteiramente reproduzido, através do qual DD e mulher, EE; FF e mulher, GG, declararam vender, cada um dos casais, à ora R., pelo preço de $ 200.000,00 uma oitava parte indivisa, do prédio sito em ..., Freguesia e Concelho de ..., descrito na C.R.P. ... sob o n.º ...46 e inscrito na matriz sob o artº ...61 Secção V.

4. A R. era à data da aquisição estudante e residiu com os pais até ao seu casamento, sendo os pais quem suportavam as despesas de alimentação e formação da R.

5. Foi o A. e cônjuge que pagaram o preço do lote.

5-a). O objetivo do Autor e sua mulher era construírem uma moradia acima do solo.

6. Foi o Autor e cônjuge que desenvolveram junto da Câmara Municipal diligências para obter o loteamento e construção de uma moradia, tendo pago o projeto de arquitetura e a própria construção, despendendo quantia superior a 150.000,00€.

7. Autor e cônjuge procederam, assim, à construção de uma moradia de 2 pisos, logradouro com área coberta de 244 m2, área descoberta de 3518,52 m2 e área total 3762,52 m2, 6 assoalhadas, 1 cozinha, 3 casas de banho, 2 corredores e 1 arrecadação, que aquele passou a ocupar com a sua esposa e filha, a ora R.

8. Que hoje está inscrita na matriz predial da freguesia de ... sob o nº ...47 e descrita na CRP ... sob o nº ...34/19901130, constando da mesma que a descrição respeita ao lote nº 1, do prédio urbano sito em ..., com a área total de 3.762,52 m2, sendo a área coberta de 244 m2 e a descoberta de 3.518,52 m2.

9. Para a referida construção o A. e cônjuge adquiriram e pagaram todos os materiais de construção necessários, nomeadamente areias, cimento, pedras, tijolos, azulejos, mosaicos, madeiras, vidros, alumínios, etc. etc. bem como a mão-de-obra para construção e montagem.

10. Autor e cônjuge pagaram ainda vários materiais e serviços nomeadamente pinturas e montagem de equipamentos pois a moradia foi equipada com exaustores, aquecedores, fogão, frigorífico, arca frigorífica, televisão, aparelhagem de radio e discos e respetiva mobília, etc.

11. Eliminado.

12. Eliminado.

13. Autor e mulher executaram ainda jardim, horta e pomar, criando um ambiente envolvente com grande qualidade e beleza.

14. Concluída a obra em 1993/4, o A., sua falecida esposa BB, e a R., passaram a viver ali.

15. Após a morte do cônjuge do A., a R. passou a impedir a entrada na vivenda ao A., pois mudou as fechaduras, tendo colocado a propriedade em venda, havendo no portão um anúncio de imobiliária.

16. Muito embora fosse declarado na escritura de compra que o preço foi 400 Contos, a verdade é que tal compra foi feita pelo preço de 2.000 contos (2.000.000$00), que foi pago pelos Pais da R.

17. Sobre o lote de terreno a que se alude no ponto 3, os pais da R. construíram a aludida moradia, com o conhecimento e a autorização da Ré.

18. O valor investido na construção, foi mais de 150.000,00€.

18-a). O A. e cônjuge viram empobrecido o seu património nesse valor e a Ré viu o seu património enriquecido em idêntico montante.

19. Após a conclusão da obra, o Autor e sua mulher passaram a centralizar ali a sua vida familiar e doméstica, dormindo, confecionando as refeições, procedendo a limpezas, pinturas, pagando anualmente as contribuições e os consumos de eletricidade e de água.

20. Os seus poderes sobre a casa foram ininterruptos pelo menos até há uns 11/12 atrás e não tiveram a oposição de quem quer que fosse.

21. Eliminado.

22. Para a R., o terreno foi-lhe doado pelos seus pais.

23. (Eliminado pela Relação, tendo transitado para os factos “não provados”).

24. Alguns familiares consideravam o Autor e a sua mulher, donos da casa.

25. Em 13-09-2000, o A. e a sua falecida esposa adquiriram o imóvel sito Rua ..., em ....

25-a) Desde essa data que o A. e a sua falecida esposa também ali vivem.

26. Tal andar poderia ser arrendado por um valor não inferior a 400,00€ mensais.

27. A Ré residiu com o A. e a falecida, sua mãe, BB, na Rua ..., em ..., até 1993/4.

28. A mãe da R. que sempre trabalhou, era funcionária pública.

29. A R. vive na moradia na companhia do seu filho.

30. Na circunstância referida no ponto 4 a R. não tinha qualquer património nem meio de subsistência, estudava (facto que a Relação fez transitar dos “não provados” -A) - para os “provados”).

31. Os pagamentos respeitantes à construção da obra ocorreram em relação a todos os fornecedores (facto que a Relação fez transitar dos “não provados” -E) - para os “provados”).

32. O A. e a falecida esposa atuaram convencidos de que exerciam o direito de propriedade e que a casa só seria da filha após a morte de ambos (facto que a Relação fez transitar dos “não provados” -F) - para os “provados”).

33. As demais pessoas para além das referidas em 24 tinham opinião idêntica à ali consignada (facto que a Relação fez transitar dos “não provados” -J) - para os “provados”).

34. O A. e sua falecida esposa agiram na convicção de que não lesavam o direito de quem quer que fosse (facto que a Relação fez transitar dos “não provados -K) - para os “provados”).

35. O objetivo do A. e da falecida esposa ao construírem a moradia em causa era que na mesma construíssem a sua casa de moradia de família (facto que a Relação fez transitar dos “não provados” -O) - para os “provados”).

As instâncias enunciaram os seguintes

Factos não provados

B) Para pagamento da quantia a que se refere em 16, foram emitidos os seguintes cheques: 13.9.1986: Cheque ...44 – 250.000$00; Cheque ...45 – 250.000$00; 20.2.1987: Cheque ...75 – 550.000$00, Cheque ...76 – 550.000$00, Cheque ...77 – 200.000$00 e Cheque ...78 – 200.000$00.

C) A R. iniciou a vida laboral aos 19 anos, na sociedade P... da qual o A. era um dos gerentes.

D) A vivência a que se alude em 23 ocorreu de forma contínua e pacífica sem oposição de ninguém, inclusive do próprio A. e de sua mãe, o que acontece desde 20 de Fevereiro de 1987 a esta parte.

G) Para a R., a moradia foi-lhe doada por seus pais.

H) Com a mudança de fechadura, o Autor teve de ocupar e passar a viver num andar que possuía na Rua ... (fração M) e que deixou de dar de arrendamento, como era sua intenção.

I) Eliminado.

L) Eliminada.

M) Eliminada.

N) Quer o A. quer a mãe da Ré sempre tiveram como intenção que a casa fosse da Ré e daí a razão de ser de terem adquirido em 2000 uma casa em ... que passou a ser a casa da morada de família de ambos.

O) A R. dispôs do terreno desde a sua aquisição, como muito bem entendeu, e ali viveu após a construção da casa até momento não concretamente apurado (por decisão da Relação, transitou dos factos “provados” – ponto n.º 23 – para os “não provados”).

2.2. O Direito

No acórdão recorrido, a Relação julgou procedente a pretensão do A., com base em usucapião, exarando a seguinte fundamentação, que se transcreve:

“Como se sabe, a usucapião consiste num dos modos de aquisição do direito real correspondente à propriedade, de acordo com o artigo 1316° do Código Civil, que assim rege: «O direito de propriedade adquire-se por contrato, sucessão por morte, usucapião, ocupação, acessão e demais modos previstos na lei».

A noção de usucapião é-nos dada pelo artigo 1287°: «A posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, faculta ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação».

Resulta, assim, que a aquisição do direito por usucapião supõe a posse, que esta seja mantida durante certo lapso de tempo e à imagem do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo.

A posse, nos termos do artigo 1251º do Código Civil, «…é o poder que se manifesta quando alguém atua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real».

E adquire-se, no caso de aquisição originária da posse, «…pela prática reiterada, com publicidade, dos atos materiais correspondentes ao exercício do direito» - artigo 1263° al. a) do Código Civil.

A posse assenta, assim, em dois elementos: o corpus, ou controlo de facto em si e o animus, ou intenção de ser proprietário - animus domini - de ser possuidor - animus possidendi - ou de ter a coisa para si - animus sibi habendi. Para que haja posse, é preciso alguma coisa mais do que o simples poder de facto; é preciso que haja por parte do detentor a intenção (animus) de exercer, como seu titular, um direito real sobre a coisa, e não um mero poder de facto sobre ela (Ac. TRE de 30-09-2009, P. 266/04.7TBORQ.E1 in www.dgsi.pt).

Ora, a este propósito mostra-se apurado que concluída a moradia nos anos de 1993/1994, sobre terreno adquirido em nome da Ré, com a construção e equipamento totalmente custeados pelo Autor e falecida esposa, passaram estes a ter nela a sua morada de família, o que mantiveram ao longo dos anos, mesmo quando por conveniência ou necessidades do agregado familiar alternavam a sua residência com o andar de ..., adquirido em 2000. O que sempre fizeram convencidos de que exerciam o direito de propriedade sobre a referida casa, o que era igualmente reconhecido pelas pessoas em geral. Convencimento que permaneceu mesmo quando a Ré, após o divórcio e após a sua vinda do estrangeiro, passou a residir com o filho na casa em discussão, em concordância com o A. e falecida.

Autor e mulher não se limitaram a construir e a viver na moradia, executaram ainda jardim, horta e pomar, criando um ambiente envolvente com grande qualidade e beleza.

Da parte do Autor e falecida existiu «corpus» e «animus possidendi», relativamente à totalidade do prédio onde se insere a moradia em questão, mesmo quando mais recentemente permitiram que a Ré detivesse o seu uso, morando nela com o filho.

A factualidade provada permite, com segurança, afirmar que Autor e herança beneficiam de uma situação possessória conducente à aquisição, por usucapião, da propriedade da parcela onde foi implantada a moradia e não apenas desta.

A posse do A. e falecida ocorreu por mais de 25 anos e de boa fé.

Reza o art. 1296º do C.C. que: «Não havendo registo do título nem da mera posse, a usucapião só pode dar-se no termo de quinze anos, se a posse for de boa fé, e de vinte anos, se for de má fé».

Temos, assim, em confronto, a presunção de propriedade da Ré derivada do registo e a aquisição originária, por usucapião, alegada pelo Autor, conducente à aquisição a seu favor e a favor da herança, do direito de propriedade sobre a parcela onde foi edificada a construção e sobre esta.

Ora, como referimos, o registo predial de que a Ré beneficia, é, apenas e só, um mero direito de propriedade presuntivo, ao passo que o direito de propriedade adquirido por via da usucapião é um direito originário que, existindo, se sobrepõe àquele.

Sendo o registo meramente enunciativo, na medida em que se limita a dar conhecimento da existência do facto registado, não acrescentando nada de novo no plano da relevância substantiva desse facto.

No caso, a presunção de propriedade da Ré fundada no registo, mostra-se ilidida pela presunção derivada da posse do A. e falecida.

Assim, atento o estatuído nos arts 1251°, 1260.° n.° 1, 1261°, n.° 1, 1262.°, n.°1, 1263.°, alínea a), 1287.° e 1296.°, todos do CC, preenchidos estão os aludidos elementos da posse boa para a aquisição, por usucapião, pelo Autor e herança de BB, apelantes, do direito de propriedade incidente sobre o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de ... sob o n.º ...47 e descrito na CRP ... sob o n.º ...34/19901130.

A posse destes sobrepõe-se, assim, ao registo de propriedade da Ré sobre o mesmo prédio” (os negritos e itálicos figuram no texto transcrito).

Ajuizou pois, a Relação, que o A. e a sua falecida esposa exerceram, sobre o imóvel identificado nos autos, composto por um edifício e pelo terreno onde o mesmo foi construído (em cuja descrição predial se refere que “respeita ao lote nº 1, do prédio urbano sito em ..., com a área total de 3.762,52 m2, sendo a área coberta de 244 m2 e a descoberta de 3.518,52 m2” - cfr. n.º 8 da matéria de facto provada), posse pública e de boa fé, durante mais de 25 anos. Isto é, o A. e a sua esposa exerceram sobre o imóvel posse boa para a aquisição originária do direito de propriedade sobre o imóvel, por usucapião.

Tal asserção de exercício de posse, sobre o imóvel, pelo A. e sua mulher, não merece discordância por parte da recorrente (cfr. conclusão 7 das alegações da revista).

Porém, alega a recorrente que o A. perdeu a posse sobre o imóvel em 2018, quando a R. mudou a fechadura do imóvel, impedindo o A. de aí entrar e colocando o imóvel à venda (cfr. conclusão n.º 8). Diz a recorrente que, como o A. não reagiu ao esbulho no prazo de um ano, perdeu a posse e deixou de poder invocar a usucapião (cfr. conclusões nºs 9 a 12 da matéria de facto).

Vejamos.

A posse é, conforme a define o legislador (art.º 1251.º do Código Civil), “o poder que se manifesta quando alguém actua por forma correspondente ao exercício do direito de propriedade ou de outro direito real.”

Tem-se em vista uma situação de facto que a lei protege com base na aparência de um direito real de gozo. Quem beneficia dessa situação pode pedir a respetiva tutela judicial (ações de prevenção, de manutenção e de restituição da posse e, no caso de esbulho violento, ação de restituição provisória da posse – artigos 1276.º a 1279.º do Código Civil).

As razões dessa tutela, que de resto é provisória (“no caso de recorrer ao tribunal, o possuidor perturbado ou esbulhado será mantido ou restituído enquanto não for convencido na questão da titularidade do direito” – n.º 1 do art.º 1278.º do Código Civil), são a defesa da paz pública, a dificuldade de prova do direito definitivo e o valor económico da posse (Mota Pinto, Direitos Reais, segundo Álvaro Moreira e Carlos Fraga, Almedina, 1976, páginas 192 a 195). A tutela judicial da posse, da situação de alguém estar em contacto com as coisas, usando-as e explorando-as, evita a desordem, garantindo a paz pública por não forçar as pessoas à autotutela dos direitos. Por outro lado, as pessoas poderão obter a proteção dos tribunais sem precisarem de provar previamente serem efetivamente os titulares do direito a que se reporta a situação de facto patenteada. Tal prova pode ser difícil e demorada, e impor tal exigência acabaria por sacrificar aqueles que, na maioria dos casos, têm à face do direito legitimidade para exercerem sobre a coisa os poderes de facto que viram ser perturbados. Por outro lado, a posse, enquanto atuação que extrai da coisa utilidade, tem valor económico, interessando mais à comunidade do que a propriedade inerte e inexplorada.

Estas razões justificam que a pretensão jurisdicional assente exclusivamente na posse, isto é, as ações de defesa da posse, devam ser instauradas em prazo breve, sob pena de caducidade. Veja-se o disposto no art.º 1282.º do Código Civil e, também, o disposto no art.º 1267.º n.º 1, alínea d) do Código Civil (alínea citada pela recorrente), onde se estipula que o possuidor perde a posse “Pela posse de outrem, mesmo contra a vontade do antigo possuidor, se a nova posse houver durado por mais de um ano”.

Porém, se as ações de manutenção e de restituição da posse caducam se não forem instauradas dentro do prazo de um ano após a turbação ou o esbulho (citado art.º 1282.º do Código Civil), o mesmo não ocorre com as ações de reivindicação.

Estas (ações de reivindicação) constituem um meio de defesa dos direitos reais de gozo, maxime do direito de propriedade (artigos 1311.º e 1315.º do Código Civil).

Em linha com a imprescritibilidade dos direitos reais de gozo, proclamada no art.º 298.º n.º 3 do Código Civil, as ações de reivindicação são imprescritíveis, “[s]em prejuízo dos direitos adquiridos por usucapião” (art.º 1313.º do Código Civil).

A ação de reivindicação visa a entrega da coisa ao titular do direito real de gozo que sobre ela incide (cfr. José Alberto C. Vieira, Direitos Reais, Coimbra Editora, 2008, pág. 488). Sendo a entrega da coisa o pedido principal da rei vindicatio, o seu fundamento, isto é, a sua causa de pedir, é o direito real de gozo cuja titularidade é brandida para fundar a pretensão de entrega da coisa (José Alberto Vieira, ob. cit., páginas 488 e 489). Conforme se afirma no art.º 581.º n.º 4 do CPC, “Nas ações reais a causa de pedir é o facto jurídico de que deriva o direito real”. Assim, se estiver em causa a entrega de coisa a quem se arroga seu proprietário, essa pessoa terá de alegar e provar os factos que demonstram essa titularidade (cfr. art.º 1311.º n.º 1 do Código Civil). Isto é, o autor deverá apontar o facto jurídico aquisitivo do direito real (in casu, a propriedade) que invoca como fundamento do pedido de entrega da coisa. Tal facto poderá ser a compra e venda, a doação, a usucapião, a ocupação, etc, podendo bastar-se com a invocação de um facto aquisitivo derivado (como a compra e venda ou a doação) ou, se for o caso, com um facto aquisitivo originário (como a usucapião ou a ocupação) – cfr. os artigos 1316.º e 1317.º do Código Civil.

A ação de reivindicação é proposta contra quem tenha a coisa reivindicada consigo, seja como detentor, seja como possuidor (cfr. José Alberto Vieira, ob. cit., pág. 493). Sendo perfeitamente indiferente que essa posse dure há mais de um ano. A duração da posse sobre a coisa, por parte do demandado, só será relevante se acaso atingir a duração e tiver a natureza que permita a aquisição, por usucapião, de direito real oponível ao demandante. Tirando essa situação (em que o autor decai na sua alegação de ser titular do direito real de gozo), a propriedade ou o direito real de gozo do autor prevalece sobre a posse do demandado, conforme decorre do art.º 1311.º n.º 1 do Código Civil (cfr. José Alberto Vieira, ob. cit., pág. 497).

Nada obsta, pois, à invocação da usucapião como facto constitutivo da propriedade sobre a coisa, ainda que o alegante tenha perdido a posse sobre a mesma há mais de um ano. O art.º 1287.º do Código Civil estipula que a posse do direito de propriedade ou de outros direitos reais de gozo, mantida por certo lapso de tempo, “faculta” ao possuidor, salvo disposição em contrário, a aquisição do direito a cujo exercício corresponde a sua atuação. Conforme se nota no acórdão do STJ de 10.02.2011, processo n.º 1351/07.9TBAMT.P1 (consultável, tal como todos os adiante citados, salvo menção em contrário, em www.dgsi.pt), o predicado “faculta” demonstra que não há um “automatismo” na figura do usucapião. Ela só vale se for invocada. E “[e]sta invocação pode ter lugar mesmo que, entretanto se tenha perdido a posse, já que a perda desta não afecta o direito a invocar. E a faculdade de invocação não prescreve” (citámos o mencionado acórdão deste Alto Tribunal). Expressamente, no mesmo sentido, cfr. Durval Ferreira, Posse e Usucapião, 3.ª edição, 2008, Almedina, páginas 517 e 518.

Em suma, à data do esbulho já se mostrava constituído o direito potestativo de aquisição originária por usucapião e nada obrigava o seu beneficiário a invocá-lo logo que esse direito se mostrava constituído.

Temos, pois, que o argumento ora invocado pela recorrente/R. para obstar à procedência da ação não tem razão de ser, sendo certo que a alegada posse da R. (iniciada após a morte da esposa do A., mãe da R., ocorrida em 09.7.2018) está muito aquém, na sua duração, do limite temporal necessário à aquisição da propriedade por usucapião.

Aliás, se assim não fosse, haveria que refletir sobre a questão, suscitada pelo recorrido/A., da natureza do esbulho levado a cabo pela R.. De facto, se o esbulho tiver sido praticado com violência, a posse só se conta a partir da cessação daquela (n.º 2 do art.º 1267.º do Código Civil). Ora, a R. apoderou-se do imóvel sub judice após a morte da sua mãe, mulher do seu pai e Autor, isto é, após a morte da pessoa com quem o A. partilhou, desde o início, a posse do imóvel. Ou seja, numa fase crítica da vida do A., a R. impediu-o permanentemente de aceder ao imóvel, tendo substituído as fechaduras do prédio e, após, colocado o mesmo à venda, havendo no portão um anúncio de uma imobiliária (cfr. n.º 15 da matéria de facto). Embora não exista, a este respeito, uniformidade na jurisprudência, não são raros os acórdãos que consideram que a intervenção na coisa esbulhada, com alteração das fechaduras, de molde a obstar a que o anterior possuidor aceda ao imóvel, tem um conteúdo constrangedor (cfr. artigos 1261.º n.º 2 e 255.º do Código Civil) que pode ser equiparado a violência, para os termos de preenchimento do pressuposto “esbulho violento” em que assenta, nomeadamente, a providência de restituição provisória da posse (artigos 1279.º do Código Civil e 377.º do CPC). Veja-se, sobre o tema, os acórdãos do STJ, de 09.11.2022 (processo 150/22.2T8PTG.E1.S1) e de 19.10.2016 (processo n.º 487/14.4T2STC.E2-S1). Entendendo que a substituição de fechaduras, de molde a obstar à entrada em imóveis por parte do anterior possuidor, constitui esbulho violento, cfr. os acórdãos da Relação de Lisboa, de 23.4.2002 (Colectânea de Jurisprudência, ano XXVII, tomo II, pág. 120), do Porto, de 02.3.2006 (processo n.º 0630368), de Lisboa, de 02.7.2009 (processo 140/09.0TBCSC-A.L1-2), de Coimbra, de 25.5.2010 (processo n.º 1230/09.5T2AVR-A.C1), do Porto, de 12.9.2011 (processo n.º 83/11.8TBVLC.P1), de Guimarães, de 07.5.2015, (processo n.º 188/15.6T8FAF.G1), de Évora, de 20.10.2016 (processo n.º 469/16.1T8ABT.E1), de Guimarães, de 04.4.2017 (processo n.º 1053/16.5T8BCL.G1), de Coimbra, de 22.11.2022 (processo n.º 139/22.1T8TBU.C1), do Porto, de 17.6.2024 (processo n.º 21854/23.7T8PRT.P1), e de Évora, de 30.01.2025 (processo n.º 293/24.8CBA.E1).

De todo o modo, como se disse supra, o que conta, no caso dos autos, é que o A. e a sua mulher exerceram posse pública e pacífica, sobre o aludido imóvel, continuadamente, durante mais de 20 anos, como se seus proprietários fossem, pelo menos até 2018, sendo como tal considerados pela comunidade em geral (cfr. n.ºs 5, 6, 7, 9, 10, 13, 14, 16, 19, 20, 24, 32, 33, 34, 35 da matéria de facto provada).

Assim, confrontado com o esbulho de que foi alvo por parte da R., o A. veio, por si e na qualidade de herdeiro e cabeça de casal da herança da sua falecida mulher, invocar a aquisição originária da propriedade sobre o imóvel, a título de usucapião, e exigir a entrega do imóvel, a si e à herança, como lhe facultam os artigos 1260.º, 1261.º, 1262.º, 1287.º, 1288.º, 1311.º n.º 1, 2078.º, 2080.º n.º 1 al. a), 2088.º n.º 1, do Código Civil.

Pretensão essa que lhe foi deferida pela Relação em termos que, pelas razões supra expostas, não há razões para rejeitar.

Isto exposto, é inútil, por ficar prejudicada, a apreciação dos requisitos da acessão imobiliária como forma de aquisição da propriedade do imóvel por parte do A. e da herança da sua falecida esposa, questão essa que foi abordada pela Relação em obiter dictum.

A revista é, pois, improcedente.

III. DECISÃO

Pelo exposto, julga-se a revista improcedente e, consequentemente, mantém-se o acórdão recorrido.

As custas da revista, na modalidade de custas de parte, são a cargo da recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC).

Lx, 25.3.2025

Jorge Leal (Relator)

Henrique Antunes

António Pires Robalo