Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
1448/15.1T8STB.E1.S1
Nº Convencional: 6ª SECÇÃO
Relator: ASSUNÇÃO RAIMUNDO
Descritores: ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
PRAZO DE PRESCRIÇÃO
CONTAGEM DE PRAZOS
CONHECIMENTO
Data do Acordão: 12/10/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / TEMPO E SUA REPERCUSSÃO NAS RELAÇÕES JURÍDICAS / PRESCRIÇÃO - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.
Doutrina:
- Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, 1970, p. 435 e 436;
- Vaz Serra, RLJ, Ano 107, p. 299 a 301 ; Código Civil, artigo 730.º.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 306.º, N.º 1 E 482.º.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

- DE 06-10-1983, IN BMJ N.º 330, P. 496;
- DE 17-3-2003, PROCESSO N.º 03B3091, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 754/10.6TBMT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 23-11-2011, PROCESSO N.º 754/10.6TBMT.L1.S1, IN WWW.DGSI.PT;
- DE 08-06-2017, PROCESSO N.º 214/14.6T8BJA.E1.S1, IN WWW.DGSI.PT.


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ACÓRDÃO DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DO PORTO:

- DE 22-05-2014, PROCESSO N.º 169/13.4TCGMR-A.G1, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - O momento em que os autores tiveram conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do Código Civil, é o do trânsito em julgado do acórdão que julgou improcedente a reconvenção, porque até esse momento, os ora autores, para além de ainda usufruírem do imóvel em litígio, estavam persuadidos que a lei lhes reconhecia o direito de propriedade sobre o mesmo. Só com o transito em julgado de tal decisão e com a consequente entrega, viram consolidar-se este “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil.

II - Cotejando o preceito cuja interpretação foi submetida a este Tribunal com o art. 306º, nº 1 do Código Civil, verifica-se que, neste segundo caso, que estabelece a regra geral, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; no caso do art. 482º estabeleceu-se uma regra diferente, o prazo de prescrição começa a correr a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito.

III - A prescrição do artigo 482º do Código Civil funda-se na conveniência de compelir os empobrecidos a, podendo e querendo, exercer o direito à restituição, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos, o que pode tornar-se difícil ao tribunal.

Decisão Texto Integral:


Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I - No Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Instância Central de Setúbal, Juiz 3, AA e BB moveram a presente ação comum contra CC e DD pedindo a condenação dos RR., com fundamento em enriquecimento sem causa, a pagar-lhes a quantia global de 72.000,00€, acrescida de juros desde a citação até integral e efetivo pagamento.

Alegaram, em síntese, que na sequência de ação interposta pelos ora RR., os AA. foram condenados a entregar o prédio rústico daqueles, no qual havia uma casa adquirida, melhorada e habitada pelo pai do A., EE, entretanto falecido.

Mais deduziram incidente de intervenção provocada, como seus associados, dos herdeiros de EE, que identificaram, a fim de assegurarem a sua legitimidade.

Os RR. contestaram e, por exceção, arguiram a prescrição do direito dos AA.. Porém, em reconvenção, invocando igualmente o instituto do enriquecimento sem causa, peticionaram a condenação solidária dos Autores a pagar-lhes a quantia total de 111.855,50€.

Os AA. responderam arguindo, por sua vez, a prescrição do pedido reconvencional.

Após a pronúncia de cada uma das partes sobre a possibilidade de conhecimento imediato da exceção de prescrição e do pedido reconvencional, foi proferido saneador sentença, com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto julga-se procedente a invocada exceção de prescrição do direito dos AA. e, consequentemente, absolvem-se os RR. do pedido.

Julga-se improcedente o pedido reconvencional e absolvem-se os AA. deste pedido”.

Os Autores, inconformados, apelaram para o Tribunal da Relação de Évora, concluindo a final:

 - O douto Tribunal a quo, ao decidir como decidiu, acolhendo a invocada prescrição do direito dos AA. a serem ressarcidos por via do instituto do enriquecimento sem causa, não proferiu a melhor decisão, consentânea com os factos e com o direito aplicável, tendo com a mesma violado, nomeadamente, o preceituado nos artigos 306º, 473º e 483º, todos do CC.. 

O Tribunal da Relação de Évora, conhecendo, decidiu a final o seguinte:

Pelo exposto, acordam os Juízes deste Tribunal em julgar procedente a apelação, revogando a sentença recorrida, e determinando o prosseguimento dos autos.”

Os réus CC e DD, em reação a tal acórdão, apresentaram revista junto deste Tribunal, concluindo a final:

A). Quando o legislador se refere no mencionado artigo 482.º CC ao "conhecimento do direito" reporta-se, obviamente, ao conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito; conhecimento fáctico e não conhecimento jurídico.

B). Pois bem, como bem reconhece o tribunal a quo no acórdão recorrido - aliás em concordância com o acórdão proferido naqueloutra ação - «de facto, ..., os ora autores podiam na reconvenção ter peticionado a indemnização em causa, ainda que a título subsidiário quando foram citados para contestar em 17-6-2003, no âmbito do Processo n.º 499/03.3TBGDL», pelo que, se podiam é porque tinham conhecimento fáctico dos elementos constitutivos do seu direito.

C). Assim resulta da matéria de facto, salvo melhor entendimento, que o conhecimento fáctico não se dá com o trânsito em julgado do acórdão proferido naqueloutro processo, pelo que é violado o disposto no art.º 482.º do CC

D). Se por mera hipótese, antes da citação, os autores não tinham conhecimento de um conjunto de factos constitutivos do seu direito, dúvidas não restam de que, após a citação, como do teor da contestação e da reconvenção, tais elementos são do pleno conhecimento dos autores, designadamente, os elementos que dão conta da existência de um contrato de arrendamento e da sua caducidade, do anterior e do atual proprietário do terreno e dos negócios subjacentes.

E) Elementos, estes, que consubstanciam factos constitutivos do seu direito e que não foram impugnados pelos autores, assim o direito que os autores pretendem ver reconhecido na presente ação não nasce, pois, na respetiva esfera jurídica apenas por não lhes ter sido reconhecido o direito de propriedade com base na usucapião. Com efeito,

F). Resultou provado que desde, pelo menos, 1991/1992 que EE sabia da construção do prédio urbano após o terramoto de 1969 em terreno pertencente à FF, resultando ainda provado que em 25-8-1995 EE declarou, para efeitos de inscrição de prédio urbano na matriz, ser titular da casa, constituindo benfeitoria implantada em terreno de FF e que, desde de 16-03-2000, EE sabia, e os autores sabem, que os réus são proprietários do prédio rústico por aquisição à FF e ainda que, desde 28-08-2002, que os autores sabem que o contrato de arrendamento rural caducou.

G). Assim, desde, pelo menos, 17-06-2003, data da citação, que os autores sabem da pretensão dos réus de reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o ..., como do pedido de condenação na entrega o prédio inteiramente livre e desocupado de pessoas e bens.

H), Não obstante, os ora autores optaram por não invocar, desde logo, aquando da sua reconvenção, o direito que ora invocam.

I). Ademais, naqueloutra ação, os autores pretendiam o reconhecimento do direito de propriedade sobre a dita casa e o terreno por usucapião, socorrendo-se, para tal, da posse mantida por certo lapso de tempo por EE, seu pai e ante possuidor.

J). Acontece que quer o GG, quer o EE eram arrendatários do terreno onde se encontrava implantada a referida construção que pagou rendas pelo menos até 1999.

K) O qual, em 25-8-1995, declarou, para efeitos de inscrição de prédio urbano na matriz, ser titular da dita casa, constituindo benfeitoria implantada no terreno que agora pertence aos réus.

L) Para além de que, a casa foi construída após o terramoto de 1969, sendo esta casa a benfeitoria de que os autores pretendem o ressarcimento.

M). Ora, independentemente de verem ou não reconhecido o direito de propriedade por usucapião, os autores tinham pleno conhecimento das benfeitorias realizadas e quando foram realizadas, pelo que o seu direito podia ter sido exercido naquele momento, logo o prazo de prescrição começou a correr desde então – art.º 306.º/1 CC, norma que sai também violada.

N). Importa salientar que a interpretação e a qualificação jurídica dos factos devem ser objetivas e não subjetivas, isto é, não pode a prescrição de um direito depender da interpretação subjetiva que os autores fizeram de uma determinada materialidade objetiva.

O). Sendo que embora este direito seja de EE, impõe-se realçar que o autor é filho de EE, sabia quem construiu a casa e quando, sabia igualmente que o seu pai pagou renda pelo terreno até, pelo menos, 1999, e que morreu pouco tempo depois, em 2002, e sabia ainda quem eram os proprietários atuais e anteriores, e se não sabia, passou a saber quando foi citado naqueloutra ação factos, estes, que não impugnou e que foram dados como provados.

P) Ora, tendo os autores conhecimento fáctico dos elementos constitutivos do seu direito, pelo menos, desde a citação naqueloutra ação, e tendo os autores optado por deduzir reconvenção com vista à aquisição do direito de propriedade por via do instituto da usucapião, não invocando ou peticionando qualquer indemnização, não deve a sua inércia deixar de ter consequências, nomeadamente quanto à salvaguarda das expetativas e da segurança jurídicas que sustentam e justificam o regime da prescrição.

Q). Como visto, os autores estavam em condições de agir, tal como reconheceu o tribunal a quo, pelo menos, desde a citação naqueloutro processo estando, pois, compelidos a exercer o seu direito com brevidade e optaram por não o exercer quando podiam.

R). Pelo que, dúvidas não podem restar de que o prazo de prescrição de três anos do direito há muito tempo que se encontra cumprido.

S). Mesmo que assim não fosse, haverá que considerar o facto objeto da causa do enriquecimento – ou seja, a construção da casa, pelo que, mesmo que não operasse a prescrição de três anos, havia sempre que considerar o prazo de vinte anos, pois, pelo menos, desde 1991 que EE sabia do enriquecimento conferido ao prédio rústico pela construção da casa após o terramoto de 1969, e desde 1995 que o mesmo declarou tratar-se duma benfeitoria construída em solo de terceiro. Em suma,

T)  Segundo o disposto no art.° 304.° do Cód. Civil “completada a prescrição, tem o beneficiário a faculdade de recusar o cumprimento da prestação ou de se opor, por qualquer modo, ao exercício do direito prescrito”.

U) Pelo que, a obrigação pretendida pelos autores converteu-se em natural e é inexigível. Em suma, em face do exposto,

V) Não podem proceder os argumentos esgrimidos no douto acórdão recorrido, W) Pelo que deve este ser revogado e substituído por outro que dê provimento à exceção de prescrição deduzida e que absolva os réus-recorridos-recorrentes do pedido, fazendo-se, desta feita, a costumada Justiça.

Nestes termos e nos melhores de Direito que V. Exas. doutamente suprirão deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente.

Os autores contra-alegaram e concluíram pela manutenção do acórdão recorrido. 

Conclusos os autos para os efeitos do disposto no art. 652º, nº1, do Código de Processo Civil, ao abrigo do disposto da sua al. b) e por despacho de fls. 433, deu-se cumprimento ao disposto no art. 655º, nº1, ex vi, art. 679º, do mesmo diploma legal.

Respondendo, os recorrentes vieram alegar que o Tribunal da Relação de Évora proferiu acórdão sobre o mérito da causa, porque “… o tribunal conhece do mérito da causa sempre que se decide sobre alguma exceção perentória…” e, chamando à colação o art. 691º, nº2, do Código de Processo Civil, anterior à reforma de 2013, concluíram pela admissibilidade do recurso.

Também os recorridos tomaram posição nos autos, mas com entendimento diferente. Concluíram pela inadmissibilidade do recurso em virtude do mesmo não se encontrar abrangido pelos arts. 629º, nº2, e 671º do Código de Processo Civil.

Conclusos os autos, foi proferido despacho singular nos termos das disposições conjugadas dos arts. 652º, nº1, al. b) e 679º do Código de Processo Civil, que decidiu não tomar conhecimento do recurso.

Notificados deste despacho, os recorrentes pediram, que sobre a matéria da decisão, recaísse acórdão.

Reponderada a questão em conferência, foi a mesma subsumida à 1ª parte do nº1 do 671º do Código de Processo Civil, pelo que será de conhecer do objeto do recurso.

II – Factos:

Encontram-se provados os seguintes factos, com relevância para a revista:

1) Os ora Réus propuseram ação declarativa com processo sumário em 16/06/2003 contra AA e mulher BB, que correu os seus termos no Tribunal Judicial da Comarca de Setúbal, Instância Central de Setúbal, Secção Cível, J3, Processo n.º 499/03.3TBGDL, pedindo o reconhecimento do direito de propriedade sobre o prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia ... sob o art.º ..., assim como a condenação dos Réus a entregarem-lhes o referido prédio inteiramente livre e desocupado de pessoas e bens, a retirarem da área adjacente do mesmo todos os animais, detritos e outros animais que ali possuíssem e no pagamento das custas do processo, incluindo as de parte.

1.1). Citados para contestar em 17/06/2003, os então Réus e ora Autores apresentaram Contestação com Reconvenção em 18/09/2003, invocando a propriedade por usucapião sobre o mesmo prédio.

1.2). Em face da matéria de facto dada como assente, o Tribunal de 1.ª Instância proferiu a seguinte decisão:  

“…  o Tribunal decide julgar totalmente procedente por provado o pedido dos AA, reconhecendo que o prédio urbano inscrito na matriz urbana da freguesia de ..., sob o art. ..., é sua propriedade desde 28 de agosto de 2002, condenando os RR a restituí-lo desocupado de pessoas e bens, designadamente animais, detritos e outros materiais ali depositados; julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando os AA a pagar aos RR uma indemnização a fixar segundo as regras do enriquecimento sem causa, nos termos do art. 1341.º do CC, em liquidação de sentença, absolvendo os AA do demais peticionado.”

1.3). Inconformados, tanto os ora Autores como os ora Réus, recorreram para o Tribunal da Relação de Évora.

1.4). Atendendo à matéria de facto dada como assente na 1.ª instância, o Tribunal da Relação de Évora acordou nos seguintes moldes:

Apreciando agora a questão suscitada no recurso interposto pelos AA – relativa à nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia e condenação em objecto diverso do pedido (cfr. art. 668.º do C.P.C.) – importa dizer a tal propósito que, resulta da análise dos autos terem os RR, na contestação apresentada, deduzido pedido reconvencional, no qual peticionam que lhes seja reconhecido o direito de propriedade, por usucapião, sobre o prédio urbano que identificam em tal articulado, devendo ser ordenado o destaque do prédio usucapido a partir do prédio rústico, também identificado nos autos, o qual é propriedade dos AA. Deste modo, facilmente se constata que os RR – embora o pudessem ter feito, a título subsidiário, nomeadamente – não peticionaram, de todo, nos presentes autos, qualquer pedido de indemnização baseado no enriquecimento sem causa e relativo à construção deixada no terreno dos AA (cfr. prédio urbano identificado no ponto 4. dos factos provados), sendo certo que a alegação e prova dos requisitos do mencionado enriquecimento incumbem ao empobrecido ("in casu", os RR), nos termos do disposto no art. 342.º n.º l do Cód. Civil.

Não obstante, apenas se dirá que os RR (e os restantes herdeiros do falecido EE), querendo, sempre poderão fazer tal prova em ação própria que venham a instaurar para esse efeito.

Assim sendo, forçoso é concluir que a sentença recorrida, ao decidir pela improcedência da reconvenção, no que tange ao reconhecimento do direito de propriedade dos RR, por usucapião, relativamente ao prédio urbano identificado nos autos (cfr. ponto 4. Dos factos provados) mas, por outro lado, ao condenar os AA a pagar uma indemnização aos RR, segundo as regras do enriquecimento sem causa, a liquidar em execução de sentença, respeitante ao dito prédio urbano (indemnização essa que, não será demais aqui repetir, os RR, de todo, não peticionaram nestes autos), extravasou totalmente o objeto do litígio ora em apreciação e, por via disso, tal sentença não se poderá manter, nessa parte, uma vez que está ferida de nulidade, por excesso de pronúncia e condenação em objeto diverso do pedido, o que desde já se determina para os devidos e legais efeitos - cfr. art. 668.º n.º 1 als. d) e) do C.P.C. Nestes termos, atentas as razões e fundamentos suprarreferidos, procede inteiramente o recurso interposto pelos AA.”

(…). Pelo exposto, acordam os juízes desta Relação em julgar procedente o recurso de apelação interposto pelos autores, declarando-se a nulidade da sentença recorrida apenas na parte em que condenou aqueles a pagar aos réus uma indemnização, a fixar segundo as regras do enriquecimento sem causa, a liquidar em execução de sentença, e em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pelos réus, confirmando-se, nessa parte, a sentença proferida pelo tribunal “a quo””.

2) O referido acórdão transitou em julgado em 9-6-2014 – cfr. certidão de fls. 25.

3) O prédio urbano em causa já foi entregue aos RR.

4) A presente ação deu entrada em Juízo no dia 3/3/2015 e os RR. foram citados, em 25/5/2015, o R. DD e considera-se citada em 9/12/2016 a R. CC.

III - O Direito:

Nos termos do preceituado nos arts. 608º nº 2, 635º nº 3 e 690º nº 1 do Código de Processo Civil, e sem prejuízo das questões cujo conhecimento oficioso se imponha, as conclusões da alegação de recurso delimitam os poderes de cognição deste Tribunal.

Nesta conformidade e considerando também a natureza jurídica da matéria versada, o objeto da revista respeita, apenas, à questão do decurso ou não do prazo de prescrição do direito dos autores.

Porque se invoca o enriquecimento sem causa, o prazo que tem de considerar-se é o de três anos estabelecido no art. 482º do Código Civil.

Entendem os réus, ora recorrentes, que considerando a instauração do Processo n.º 499/03.3TBGDL, em que os autores eram então réus, e em cuja reconvenção (apresentada em 18/09/2003) invocavam a propriedade por usucapião sobre o mesmo prédio, poderiam igualmente exercer o direito a que ora se arrogam, fundado no instituto do enriquecimento sem causa, pois conheciam todos os seus elementos constitutivos.

Vejamos:

Na altura os ora autores estavam persuadidos que a lei lhes reconhecia o direito de propriedade sobre o prédio em litígio, daí que nos pareça apressada, salvo o devido respeito, a conclusão de que já na altura conheciam o meio concreto, agora utilizado, para obter a indemnização.

Certo que o então acórdão do Tribunal da Relação de Évora deu esse sinal, ao referir que “… facilmente se constata que os RR – embora o pudessem ter feito, a título subsidiário, nomeadamente – não peticionaram, de todo, nos presentes autos, qualquer pedido de indemnização baseado no enriquecimento sem causa e relativo à construção deixada no terreno dos AA.”, mas tal constatação não leva à conclusão de que tal pedido deveria ter sido feito, subsidiariamente, em sede de reconvenção, com preclusão do exercício direito noutra ação – cfr. art. 474º do Código Civil.

Como se retira dos autos, os autores vieram pedir aos réus o pagamento de uma indemnização, a título de benfeitorias, já que na sequência de ação interposta pelos ora réus, os autores foram condenados a entregar o prédio rústico daqueles, no qual havia uma casa adquirida, melhorada e habitada pelo pai do A., EE, entretanto falecido.

O direito a benfeitorias, ainda que emergente da relação jurídica complexa em que radica o direito à restituição da coisa, traduz-se num direito de crédito distinto deste direito à restituição e que pode ser acionado tanto por via de ação autónoma como, facultativamente, por via reconvencional nos termos do art.º 266.º, n.º 2, alínea b), do Código de Processo Civil.

A não invocação do direito a benfeitorias por via de reconvenção em ação declarativa em que se pretenda a restituição da coisa não fica alcançada, de forma excludente, pelos efeitos do caso julgado material, negativos ou positivos, nos termos previstos nos artigos 619.º, n.º 1, e 621.º do CPC, decorrentes da condenação nessa restituição, nem tão pouco abarcada pela preclusão dos meios de defesa prescrita no artigo 573.º do mesmo Código, dado, neste caso, não se tratar dum meio excetivo intrínseco ao direito à restituição da coisa” – cfr. Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 8-6-2017, Proc. 214/14.6T8BJA.E1.S1, em www.dgsi.pt.

Já relativamente ao “dies a quo” para efeitos prescricionais, há que ter em conta que no instituto do enriquecimento sem causa, o prazo tem de contar-se desde o momento em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável.

Dispõe o art. 482º do Código Civil que “O direito à restituição por enriquecimento prescreve no prazo de três anos, a contar da data em que o credor teve conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável, sem prejuízo da prescrição ordinária se tiver decorrido o respetivo prazo a contar do enriquecimento.”

Como se retira da transcrita norma, decisivo é o momento do conhecimento, não um qualquer conhecimento, mas o conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa.

Tem merecido discussão o saber se a expressão "conhecimento do direito que lhe compete" quer dizer "conhecimento dos elementos constitutivos do seu direito" ou "conhecimento de ter direito à restituição"

Nos trabalhos preparatórios do Código Civil, da autoria de Vaz Serra, o projetado art. 730º nº 3, dizia:

"O crédito resultante de enriquecimento sem causa prescreve por três anos contados da data em que o credor teve conhecimento do seu direito de repetição e da pessoa do responsável e, em qualquer caso, no prazo ordinário da prescrição".

No anteprojeto do Código Civil (primeira revisão ministerial, artigo 460º), voltava a aparecer a expressão "conhecimento do direito de restituição e da pessoa do responsável".

A referência expressa a "direito de repetição" ou a "direito de restituição" mostra claramente que o prazo se iniciava com o conhecimento do próprio direito e não dos seus elementos constitutivos.

Ora, o mesmo é o sentido de "conhecimento do direito que lhe compete" que hoje se lê no texto do artigo 482º do Código Civil.

É que "o direito que lhe compete" que se lê a meio do preceito é, sem tirar nem pôr, "o direito à restituição" com que o preceito é iniciado.

A segunda revisão ministerial limitou-se a passar a expressão "direito à restituição" do meio do texto do preceito para o seu início, sem alterar o seu significado: "O direito à restituição (...) a contar (...) conhecimento do direito (...)".

Ora o "direito" cujo conhecimento marca o início do prazo, é precisamente o "direito à restituição".

O preceito legal refere-se ao "direito à restituição" e só a ele; não se refere, em passo algum, aos elementos constitutivos do direito.

No Código Civil italiano prescreve-se, no seu artigo 2947º para hipótese similar:

"Il diritto al risarcimento del danno derivante da fatto illecito si prescrive in cinque anni dal giorno in cui il fatto si è verificato".

Confrontando os dois preceitos, verifica-se que o Codice Civile manda contar o prazo a partir de um momento de determinação objetivamente fácil, o da ocorrência do facto, mas, por outro lado, estabelece um prazo de “prescrição curta” mais longo que no direito português.

Já o Código Civil Alemão, parágrafo 852, alínea 1, dispõe também para caso idêntico: "A pretensão de indemnização do dano resultante de um ato ilícito prescreve em três anos a contar do momento em que o lesado obtém conhecimento do dano e da pessoa do obrigado a indemnização, e, sem atenção a este conhecimento, em trinta anos a contar da prática do ato " - cfr. A. Vaz Serra, em RLJ, Ano 107, pág. 301.

Interpretando este preceito legal, Heck escreveu que "quem não sabe que existe um dever de indemnização não pode saber que alguém é responsável" - cfr. A. Vaz Serra, ob. Cit., pág. 301 – ou seja, no direito alemão (com redação muito próxima da nossa) o prazo de prescrição não se inicia sem que o empobrecido saiba que o enriquecido tem o dever de o indemnizar.

Esta linha de raciocínio vale inteiramente para o direito português perante a expressão legal "conhecimento do direito que lhe compete e da pessoa do responsável", colocando-se, logicamente, a questão de como é que o empobrecido pode saber que alguém (uma pessoa determinada) é responsável, se não a partir do momento em que sabe que sobre esse alguém recai o dever de o indemnizar!

A. Vaz Serra, ob. Cit., págs. 299 e 300, a propósito do art. 498º, nº 1, do Código Civil, defende que se o lesado conhece a verificação dos pressupostos da responsabilidade do lesante, mas não sabe que tem direito de indemnização, não começa a correr o prazo da prescrição de curto prazo. É que, acrescenta, «Esta prescrição funda-se na conveniência de compelir os lesados a, podendo e querendo exercer o direito de indemnização, o exercerem em prazo curto, a fim de esse direito não ter de ser apreciado a longa distância dos factos, o que pode tornar-se difícil ao tribunal. Ora, se o lesado não tem conhecimento do seu direito de indemnização, não pode, praticamente, exercê-lo».

Trata-se de argumentação perfeitamente adaptável ao que dispõe o art. 482º, onde igualmente se prevê um prazo curto de prescrição, sendo, pois, de exigir, para que o mesmo comece a correr, o conhecimento, pelo empobrecido, de que é juridicamente fundado o direito à restituição, dado que, quem não tem esse conhecimento, não sabe se pode exigir a restituição, não se achando, portanto, nas condições que constituem a razão de ser da prescrição de curto prazo.

Dir-se-á, citando Vaz Serra, ob. cit., pág. 300, que « ... ao lesado aproveita aqui a sua ignorância da lei que lhe confira o direito de indemnização, pois a prescrição de curto prazo funda-se, como se referiu já, na vantagem de, podendo o lesado fazer apreciar em curto prazo o seu direito, assim o fazer, o que não se verifica quando ele ignora esse direito». E, ainda, que «É certo que pode ser difícil ao tribunal averiguar qual a data em que o lesado teve conhecimento do seu direito de indemnização; mas, embora difícil, não é isso impossível, dados os largos meios de que o tribunal pode dispor para o efeito, e, em todo o caso, não é mais difícil do que o apuramento judicial de certos factos que ele pode ter de investigar».

Aliás, também o Prof. Antunes Varela, a propósito do art. 498º, nº 1, do Código Civil, refere: «Fixou-se o prazo em três anos, a contar do momento em que o lesado teve conhecimento do seu direito, ou seja, a partir da data em que ele, conhecendo a verificação dos pressupostos que condicionam a responsabilidade, soube ter direito à indemnização pelos danos que sofreu» (Das Obrigações em Geral, 1970, págs. 435 e 436).

Cotejando o preceito cuja interpretação foi submetida a este Tribunal com o art. 306º, nº 1 do Código Civil, verifica-se que, neste segundo caso, que estabelece a regra geral, o prazo de prescrição começa a correr quando o direito puder ser exercido; no caso do art. 482º estabeleceu-se uma regra diferente, o prazo de prescrição começa a correr a partir da data em que o credor teve conhecimento do direito.

Também a jurisprudência tem vindo a perfilhar este entendimento, a título de exemplo, neste Tribunal, o Acórdão de 6-10-1983, BMJ nº 330, pág. 496;  o Acórdão de 17-3-2003, Proc. nº 03B3091, em www.dgsi.pt; e o Acórdão de 23-11-2011, Proc. 754/10.6TBMT.L1.S1, em www.dgsi.pt; e ainda Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 22-5-2014, Proc. nº 169/13.4TCGMR-A.G1, em www.dgsi.pt.

Reputando à situação dos autos terá de concluir-se que o momento em que os autores tiveram conhecimento do seu direito à restituição por enriquecimento sem causa, nos termos do art. 482º do Código Civil, é o do trânsito em julgado do acórdão que julgou improcedente a reconvenção, porque até esse momento, os ora autores, para além de ainda usufruírem do imóvel em litígio, estavam persuadidos que a lei lhes reconhecia o direito de propriedade sobre o mesmo. Só com o transito em julgado de tal decisão e com a consequente entrega, viram consolidar-se este “direito à restituição” a que alude a norma do art. 482º do Código Civil.[1]

Assim, face à matéria dos autos, a reconvenção do Proc. n.º 499/03.3TBGDL foi julgada improcedente por acórdão, transitado em julgado, de 9-6-2014, e a presente ação, com a invocação do enriquecimento sem causa foi intentada no dia 3-3-2015.

É indubitável que a presente ação foi intentada antes de ter decorrido o prazo de três anos sobre a data daquele o trânsito em julgado.

IV – Decisão:

Nestes termos, na procedência da reclamação, negam a revista aos recorrentes.

Custas da reclamação pelos recorridos e da revista pelos recorrentes.

                                                          

Lisboa, 10-12-2019

Cons. Assunção Raimundo 

              (Relatora)

Cons. Ana Paula Boularot

Cons. Fernando Pinto de Almeida

SUMARIO

(Da Relatora)

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[1] Neste sentido o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 23-11-2011, Proc. 754/10.6TBMT.L1.S1, em www.dgsi.pt, com o seguinte sumário: I - O prazo de três anos previsto no art. 482.º do CC conta-se a partir do momento em que o empobrecido teve conhecimento do direito à restituição por enriquecimento sem causa e da pessoa do responsável. II - Não decorreu o prazo de prescrição previsto no art. 482.º do CC quando a ação, onde é invocado o direito à restituição por enriquecimento sem causa, é intentada antes de ter decorrido o prazo de três anos sobre o trânsito em julgado da ação que julgou improcedente o pedido de restituição com base em contrato de mútuo.