Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
550/20.2PDVNG.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: ALBERTINA PEREIRA
Descritores: RECURSO PER SALTUM
BURLA QUALIFICADA
MODO DE VIDA
NULIDADE
FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO
RESOLUÇÃO CRIMINOSA
CONCURSO DE INFRAÇÕES
Data do Acordão: 10/03/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO EM PARTE
Sumário :

I – Tendo o arguido reiteradamente praticado nos períodos de Maio a Outubro de 2020 e de Maio a Outubro de 2021, factos integradores de vários crimes de burla (art.º 217.º do Código Penal), sem que no período em questão tenha desenvolvido qualquer actividade profissional, o mesmo fez face à sua subsistência com os valores que obteve à custa do património dos ofendidos, podendo, assim, concluir-se que fez da burla seu modo de vida (art.º 218.º n.º 2, alínea b), do Código Penal), pois não é necessário que os benefícios ilegítimos obtidos com a prática desses crimes constitua fonte exclusiva dos rendimentos do agente.

II - Não obstante o arguido tenha agido na sequência de plano prévio e global por si concebido no que se refere à pratica de crimes de burla relativamente aos veículos, outorga dos contratos de seguros e prestação de serviços de alojamento, considerando as diferentes pessoas enganadas, os diversos contextos temporais e circunstancias em que os factos ocorreram, é de concluir ter agido o arguido a coberto de várias resoluções criminosas - verificando-se uma pluralidade de sentidos autónomos do ilícito dentro do comportamento global do arguido, a que acresce uma pluralidade de juízos de censura (culpa), visto a existência do tipo não ter servido para o demover, ou seja, para o contramotivar a não o praticar.

III – Com base nesse quadro, praticou o arguido em concurso efectivo (art.º 30.º n.º 1, do Código Penal), trinta e três crimes de burla qualificada (art.º 218.º n.º 2 alínea b), do Código Penal), bem como três crimes de burla simples (art.º 217.º, do Código Penal), pelo que atendendo ao conjunto dos factos e à personalidade do agente (art.º 77.º n.º 1, do Código Penal), sua inserção familiar e social, ausência de antecedentes criminais e confissão parcial dos factos, considera-se justo e adequado aplicar-lhe a pena única de seis anos de prisão.

Decisão Texto Integral:
Proc. 550/20.2PDVNG.S1

5.ª Secção Criminal

Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. Relatório

1.1. O Magistrado do Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum e perante Tribunal coletivo de AA, que decorreu no tribunal judicial da comarca do ..., juízo central criminal do ... – juiz 2, tendo aí sido proferido acórdão que finalizou com o seguinte dispositivo:

Pelo exposto, deliberou o Tribunal Coletivo julgar parcialmente procedente por provada a acusação por via do que decidiu:

1.Absolver o arguido AA, da prática em autoria material de cinco crimes de Burla Qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº1, 218º, nº 1 e 2 b) ambos do Código Penal.

2. Absolver o arguido AA, da prática em autoria material de quarenta e um crimes de falsidade informática p. e p. pelo artigo 3º, nº1, da Lei nº 109/2009, de 15.09.

3. Por convolação de três crimes Burla Qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº1, 218º, nº 1 e 2 b) ambos do Código Penal, em três crimes de Burla simples, p. e p. pelo artigo 217º, nº1, do Código Penal, Condenar o arguido AA, na pena de prisão de 8 (oito) meses, por cada um.

4. Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material de sete crimes de Burla Qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº1, 218º, nº 1 e 2 b) ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos, de prisão, por cada.

5. Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material de vinte e dois crimes de Burla Qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº1, 218º, nº 1 e 2 b) ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 4 (quatro) meses, de prisão, por cada.

6. Condenar o arguido AA, pela prática em autoria material de quatro crimes de Burla Qualificada, p. e p. pelos artigos 217º, nº1, 218º, nº 1 e 2 b) ambos do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 8 (oito) meses, de prisão, por cada.

7. Operar nos termos dos artigos 30.º, e 77.º, ambos do Código Penal, o cúmulo jurídico das penas parcelares acima aplicadas e condenar o arguido AA, na pena única de prisão de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses.

8. Condenar o arguido AA, a pagar ao Estado o equivalente às vantagens patrimoniais obtidas, com a prática dos crimes, nos termos dos artigos 110 a 112º, todos do Código Penal, no valor de 52.691,95€ (cinquenta e dois mil seiscentos e noventa e um euro e noventa e cinco cêntimos).

9. Declaram-se ainda perdidos a favor do Estado os objetos que serviram como instrumentos do crime, pois seria imoral a sua entrega, desde logo telemóveis, atenta a informação que permitiria reativar a atividade criminosa, nos termos do artigo 109º, do Código Penal.

10. Acresce, que, ainda existem apreensões de veículos e valores nestes autos cujo levantamento se ordena, por desnecessários, sendo os bens entregues a quem foram apreendidos ou aos seus donos, nos termos do artigo 186º, do Código de Processo Penal, integrando-se aqui designadamente peças de proteção de motociclo e uma ponteira de escape, a capa de proteção e esponja.

11. No que às pretensões cíveis respeita:

- Juga-se improcedente por não provado a pretensão cível deduzida pelo demandante BB e consequentemente absolve-se o demandado AA, do pedido.

- Julga-se parcialmente procedente por provada a pretensão cível deduzida pelo demandante CC, por via da qual se condena o demandado AA, a pagar-lhe o valor de 1.300€ (mil e trezentos, euros) absolvendo o demandado do remanescente do pedido.

- Julga-se procedente por provada a pretensão cível deduzida pelo demandante DD, por via da qual se condena o demandado AA, a pagar-lhe o valor de 14.000€ a titulo de danos patrimoniais e que vence juros a partir da notificação para contestar a pretensão, à taxa legal; e 1.000€ a titulo de danos não patrimoniais que vence juros à taxa legal, desde a prolação desta decisão. Tudo até o efetivo e integral pagamento.

12. Condenar o arguido nas custas do processo, fixando em 4 UC de Taxa de Justiça, ficando a cargo deste os demais encargos a que a sua atividade deu causa, dando pagamento dos encargos referentes a perícias e relatórios que ainda se mostrem com as faturas ainda por pagar, devendo o pagamento ser considerado para efeitos de pagamento antecipado do processo (cf. arts. 3.º, n.º 1, 8.º, n.º 9, 19.º, do RCP e Tabela III do mesmo, 2.º, n.º 3, n.º 4, da Portaria n.º 175/2011, de 28 de abril e 513.º, n.º 1 e n.º 2 e 514.º, n.º 1, do C.P.P.). As custas cíveis são a cargo de quem decaiu ou na proporção do decaimento, da sua pretensão, sem prejuízo de dispensa do artigo 4º al. n) do RCP ou do benefício de apoio judiciário.

(…)”.

1.3. Inconformado com esta decisão dela recorre o arguido, finalizando a sua motivação com as seguintes conclusões:

1 - O aqui recorrente não se conforma com o facto, do Tribunal “a quo” tenha decidido considerar verificada a qualificativa / agravante do modo de vida (prevista no Artº. 218 nº. 2 alínea b) do Código Penal) e, ainda assim, ter afastado a existência de uma única resolução criminosa e inicial.

2 - Ao contrário dos entendimentos/enquadramentos realizados pelo Tribunal “a quo”, não resultou dos factos provados, pelo menos de forma clara e minimamente segura, que tais rendimentos auferidos na sequência da sua malfadada conduta, tivessem contribuído ou fossem absolutamente necessários à sua vida e do seu agregado, em comunidade, não se encontrando pois da leitura atenta do Acórdão, tão pouco, um suficiente suporte fáctico para tal conclusão, veja-se aliás, que o próprio montante indicado de €100.000,00 como fundos que ilicitamente recolheu fruto do(s) crime(s) cometido(s) é meramente indicativo/especulativo, pois que, além dos veículos que foram recuperados, concernente aos outros que não o foram, os valores indicados para os referidos veículos automóveis são “mui” voláteis, obedecem a critérios pouco ou nada objectivos, sendo que, “in casu”, tão pouco tal em Julgamento foi verdadeiramente aferido, não bastasse, ter-se percebido/resultado da Audiência de Julgamento (das declarações do arguido e de alguns terceiros adquirentes), que muitos desses veículos posteriormente vendidos a terceiros, nem metade do suposto valor indicado para cada um deles efectivamente rendeu ao aqui recorrente, na verdade, uma coisa é indicar um suposto valor de mercado atribuído pela idade/km(s) do(s) veículo(s) (o que tão pouco também resulta claro dos factos provados), outra, é acrescer com o estado de conservação do mesmo, pintura, livro de revisões etc, tudo, elementos essencial para uma verdadeira e inequívoca avaliação.

3-Conforme se pode extrair da leitura atenta do relatório social junto aos autos, o mesmo nos períodos em que esteve em território Português e em que praticou os confessados crimes (o aqui recorrente nunca deixou de ser emigrante no ... desde o ano de 2003), nunca registou períodos de efectivo/prolongado desemprego, sempre trabalhou, ora como ... de automóveis, ora como motorista de entregas onde auferia cerca de 3.800,00 mês, país esse onde pretende voltar e retomar a sua actividade, junto dos seus pais (ainda ali emigrados) e, dos seus filhos ainda menores que vivem, nos períodos em questão, o arguido aqui recorrente estaria sim, ora em gozo de férias, ora a auferir subsídio de desemprego em ... e em busca de nova actividade nos ramos em que sempre de forma estável e consistente trabalhou (... e/ou motorista de entregas), tudo o que, também se retira do Acordão de que se recorre, aquando da leitura dos factos provados, onde, como se percebe pois, mal e contraditório, também pode ler-se que: “21. Assim, o arguido nos períodos em apreço fez das práticas acima identificadas o seu modo de vida sendo estas a sua principal fonte de rendimentos.”.

4-Não é nem pode ser o grande número de crimes de burla cometidos, nem os supostos e meramente indicativos valores envolvidos, por si, a permitem retirar a conclusão de que o arguido aqui recorrente fazia da burla modo de vida, pois que, não havendo factos suficientes apurados que nos permitam tal aferir, a referida conclusão não podia ser efectuada.

5-Questiona-se pois que outros dados, elementos e/ou provas, tem o Tribunal “a quo” para ter aferido que aquelas vantagens ilícitas obtidas foram destinadas ao seu sustento?

6- Os valores em causa, embora “mui” discutíveis (como atrás se explanou) têm algum significado e são um dado objectivo, aceita-se, contudo, a dedução seguinte, no sentido que isso significa que as vantagens ilícitas obtidas foram destinadas ao seu sustento e/ou do seu agregado é que ficou por demonstrar e não se pode retirar, sem base factual para tanto, é que para, assim se poder concluir, era necessário que houvessem factos concretos alegados na acusação que permitissem fazer essa dedução e, claro, depois se tivessem provado em sede de julgamento, o que também não aconteceu.

7- A actual alínea b) do nº. 2 do Artº. 218º. do Código Penal, difere da redação da alínea a) do artigo 314º. da versão originária (de 1982), que punia como burla agravada o facto de o “agente se entregar habitualmente à burla”, a atual expressão “o agente fizer da burla modo de vida” exige que, para além de o agente se dedicar habitualmente à burla, ele faça disso fonte de proventos para a sua sustentação, ainda que tenha meios próprios de subsistência ou rendimentos lícitos.

8-No caso dos autos, a exemplo, tão pouco se apurou em sede de julgamento, se o aqui recorrente tinha uma vida faustosa ou ostensiva que não fosse compatível com os rendimentos lícitos que sempre auferia desde ..., ou que, estes não fossem suficientes para a sua sustentação, recorrente este, diga-se, que sempre inegavelmente teve, tem e terá (como resulta da prova produzida) apoio incondicional (inclusivé monetário) dos seus progenitores.

9- Perante a factologia apurada, não se pode pois concluir pela verificação da qualificativa prevista na alínea b), do nº. 2, do Art. 218º. do Código Penal, em qualquer dos crimes de burla cometidos pelo arguido aqui recorrente.

Sem prescindir,

10-Estando em causa a prática de crimes de burla como modo de via (o que não se aceita), forçosamente ao comportamento do arguido/recorrente deveria presidir, uma e uma resolução criminosa e inicial ou, que estamos perante um crime continuado.

11- Proclama o Acórdão de que se recorre, um raciocínio que, diga-se, seguido na íntegra, pragmática e incondicionalmente, obviamente de forma automática impossibilita a aplicação de tal instituto aos crimes de burla, o que, frontalmente contraria o espírito e a razão do nosso ordenamento jurídico quanto a esta matéria.

12-Ao contrário do entendido no “douto” Acórdão de que se recorre, na formulação do tipo agravado pela circunstância da alínea b) do nº. 2 do Artº. 218º., o “modo de vida” atua, assim, como elemento de unificação de condutas reiteradas, que, vistas isoladamente, constituem, cada uma delas, um crime de burla e, no seu conjunto, uma situação de concurso de infrações (Artº. 30º. nº. 1 do CP).

13-Por força desta circunstância, que à pluralidade adiciona o “modo de vida”, para que contribuem as burlas (o “enriquecimento” obtido em consequência e por via da consumação dos crimes de burla, consubstanciada no “empobrecimento” causado à vítima do crime) enquanto maneira de obter proventos, essa situação passa, porém, a configurar um crime de burla qualificada, em que cada um desses factos (burlas) realizam parcialmente o tipo, mas em que este se realiza plenamente com o último facto.

14- perante a realização do último facto se conclui que este e os que lhe são anteriores, no seu conjunto, associados a outros elementos de valoração (serem as burlas fonte de proventos, independentemente de o agente ter outros rendimentos), demonstram que o agente do crime fez da burla “modo de vida”, e assim sendo, mostra-se presente o pressuposto do crime habitual, que se consuma com prática do último acto.

15-Transportando estas considerações para o caso “sub judice”, de factualidade substancialmente idêntica, igual conclusão deverá ser obtida, isto é, tendo a atividade criminosa tido lugar entre Maio a Outubro de 2020 e, novamente Maio a Outubro de 2021, de forma reiterada e homogénea (em cada um desses períodos de 6 meses), através de condutas que, na sua individualidade, constituem crimes de burla simples, na realização de um plano previamente definido, dever-se-á concluir que é a repetição, associada à sua finalidade de obtenção de proventos, independentemente de outros rendimentos, que confere unidade à ação típica, prolongada no tempo, de modo a preencher-se o elemento da burla qualificada através do “modo de vida” (como o tribunal “a quo” mal, entendeu).

16-Só pois visto retroativamente, a partir do último ato fraudulento (da última “burla” ou de cada uma das últimas “burlas” dos dois períodos dos 6 meses em causa) se poderá concluir pela qualificação e pela dimensão do facto como consubstanciando um único crime qualificado por esta circunstância.

17-Face ao exposto, também merece censura o Acórdão ora recorrido no que respeita à verificação de que o aqui arguido, nas circunstâncias descritas na matéria de facto provada, se diz ter feito da burla modo de vida, assim se preenchendo a circunstância qualificativa do crime de burla prevista na alínea b) do nº. 2 do Artº. 218º. do Código Penal, quando, para mais, daí também não resultar que o Arguido fosse apenas punido como autor da prática de um único crime de burla qualificada na previsão daquele artigo 218º., nº. 2, alínea b), do Código Penal (ou quanto muito dois crimes de burla qualificada tomando em consideração o espaçamento de tempo em cada um dos períodos de 6 meses em causa).

18- O mesmo deveria pois ser condenado pela prática de 36 crimes de burla simples, da previsão do Artº. 217º. do C.P., no caso de não ocorrer tal qualificativa do “modo de vida”, ou, alternativamente, ocorrendo, e sendo a conduta constituída por factos reiterados que, por constituírem modo de vida, conferem unidade à ação, apenas poderia ser punido pela prática de um crime de qualificada na previsão daquele artigo 218º., nº. 2, alínea b), do Código Penal (ou quanto muito dois crimes de burla qualificada tomando em consideração o espaçamento de tempo em cada um dos períodos de 6 meses em causa), tudo, sob pena da condenação por crimes de burla qualificada em concurso resultar, como resulta, numa intolerável violação do conteúdo material do princípio constitucional “ne bis in idem” (Artº. 29.º, n.º 5, da Constituição da República Portuguesa) ou, da proibição da dupla valoração (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 3.ª ed., GestLegal, 2020, p. 1138).

19- Entendendo o Tribunal “a quo” que os factos em apreço constituem “modo de vida” (do que o aqui recorrente não concorda), então, o Acórdão ora recorrido deve também ser revogado, nesta parte, e substituído por outro que condene o aqui Recorrente pela prática de um único crime de burla qualificada p. e p. pelo citado artigo 218º., nº. 2, alínea b), do Código Penal. Penal (ou quanto muito dois crimes de burla qualificada tomando em consideração o espaçamento de tempo em cada um dos períodos de 6 meses em causa).

Noutra consonância,

20- Atente-se que, a prevenção especial tem atrás de si uma ideia de incorrigibilidade do agente, o que, seguramente não é o caso do aqui recorrente e, seguindo os ensinamentos de Figueiredo Dias “Se uma tal carência se não verificar, tudo será questão, em termos de prevenção especial, de conferir à pena uma função de suficiente advertência do agente, o que permitirá que a medida da pena desça até perto do limite mínimo de defesa do ordenamento jurídico, ou mesmo que com ela coincida”.

21-Não obstante factualidade provada, volte-se a sublinhar, a pena única aplicada ao ora recorrente é extrema e demasiadamente penalizante, não tendo também tido o Acórdão “a quo” em conta, que dada a profunda degradação funcional ao nível da desejada reinserção em que se encontram os Estabelecimentos Prisionais em Portugal, esta pesada reclusão por certo em nada irá contribuir para a sua desejada ressocialização.

22-Não duvida o ora recorrente, que por certo que será necessário ter em conta que do outro lado da balança estão os interesses fundamentais de uma comunidade, mas com facilidade essa mesma comunidade entenderia, que mesmo sendo prevista a pena de prisão, esta na sua aplicação/medida, poderia, como até atrás se demonstrou, ter sido bem menos pesada, evitando a existência de uma desproporcionalidade entre dois pontos essenciais que o regime penal Português pretende assegurar (protecção de bens jurídicos e reintegração do agente na sociedade), sendo que, mais uma vez sublinhe-se, o Acórdão recorrido foi “cego” perante a importância da reintegração do agente na sociedade.

23-Esteve pois mal o Tribunal “a quo”, ao não avaliar em conjunto, o grau da sua ilicitude, a intensidade do seu dolo e, as suas condições pessoais e económicas, conduta anterior e posterior aos factos, etc., ou seja, uma verdadeira determinação da medida da pena em função da culpa e das exigências de prevenção, ademais, e tendo como perspectiva a ressocialização da recorrente, tratava-se de um dever a que o tribunal não deveria nunca subtrair-se, também desconsiderando, o respeito pelos princípios da adequação, necessidade e proporcionalidade subjacentes à aplicação de qualquer sanção penal.

24-O Tribunal “a quo”, terá excessivamente valorizado a natureza e número de crime(s) praticado(s), ou seja, sobrevalorizou-se a quantidade e/ou natureza do(s) crime(s) (cuja gravidade não se discute) e, acentuando a tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias, o Acórdão em apreço não atentou, como podia e devia, nos demais parâmetros a considerar.

25-No que diz respeito em particular à medida concreta da pena aplicada, refira-se, que no caso “sub judice”, se concluiu que o douto Acórdão, haveria de determinar uma pena enquadrada entre os 4 e os 5 anos de prisão, o que, sempre resultaria num valor inferior aos 6 anos e 4 meses de prisão aplicados, tudo aliás, também de certa forma parcialmente “aceite” pelo Ministério Público em sede de Alegações, quando entende/alega que: “deverá o Tribunal encontrar uma pena única, nunca inferior a 5 anos de prisão efectiva…” (minuto 06:42 a 07:35), ou seja, admitindo ser aceitável uma pena única de 5 anos de prisão.

26- Percebe-se pois, que o tribunal “a quo” não teve em conta todas estas permissas, de forma a evitar prejudicar, como prejudicou, o recorrente, que viu assim “aumentada” uma pena de prisão de si alongada, não colhendo, salvo o devido respeito por opinião contrária, os argumentos utilizados no douto Acórdão para optar pela pena aplicada de 6 anos e 4 meses de prisão.

27- A determinação da pena deve fazer-se e ser medida, pela necessidade de evitar a produção de lesões futuras semelhantes por qualquer outro membro da comunidade ou mais exactamente de acordo com as necessidades de estabilização das expectativas na validade do direito por parte da comunidade em face da lesão dos bens jurídicos.

28- A medida de pena, além da sua necessidade terá que ter em conta as exigências individuais e concretas de socialização do agente, sendo certo que na sua determinação ter-se-á que ter em linha de conta que se deve evitar a dessocialização do agente (neste sentido Figueiredo Dias, Direito Penal Português, pág. 231).

29-Terá ainda o julgador na determinação a medida da pena que atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do crime, deponham a favor do agente ou contra ele, art.º 71º., nº. 2 Código Penal, em síntese, quando se trata de fixar a pena de harmonia com o disposto no art.º 71º do C.P., revelam fundamentalmente da culpa do agente a ilicitude e as necessidades de prevenção (Ac. S.T.J. 10.04.91, proferido no processo 41746/3ª).

30- Na determinação da medida concreta da pena deve o julgador atender à culpa do agente, às exigências de correntes do fim preventivo especial, ligadas à reinserção social daquele e ainda às exigências decorrentes do fim preventivo geral.

31-A exigência legal de que a medida da pena seja encontrada pelo Juiz em função da culpa e da prevenção é absolutamente compreensível e justificável, o limite abaixo do qual a pena não pode descer é o que resulta da aplicação dos princípios da prevenção geral segundo os quais a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentido de justiça e de confiança na validade das normas violadas além de constituir um elemento dissuasor.

32-A medida da pena tem pois de corresponder às expectativas da comunidade, daí para cima a medida exacta da pena é a que resulta das regras da prevenção especial, e a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade causando o mal necessário, dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integra-lo nos princípios dominantes na comunidade.

33-Face a tais critérios, e salvo o devido respeito, por opinião contrária, a pena aplicada ao Arguido aqui Recorrente é manifestamente exagerada, o Tribunal “a quo” não atendeu, assim, em nosso entender, como devia, ao facto de e cfr. consta do ora recorrido Acórdão, que: “- o arguido confessou maioritariamente os factos assentes - não tem antecedentes criminais.- o passado do arguido, nele se incluindo as habilitações literárias, as condições sociais, familiares e económicas”.

34- Ao que acresce ou deveria ter acrescido por ter resultado em audiência de julgamento, bem como do relatório social junto, dos bons hábitos de trabalho do mesmo, do facto de ter dois descendentes menores que muito ama e pelos quais sempre lutou (o relatório social também refere a existência de laços afectivos fortes entre os menores e o progenitor), e cuja separação da mãe dos mesmos em 2020, após 13 anos de casamento muito terá contribuído para este inexplicável e completamente inesperado comportamento do mesmo (para aqueles que lhe conhecem e lhe são próximos).~

35- Mais resulta do relatório social junto aos autos, passado toda esta tormenta, à data, o mesmo ainda “projecta o futuro de forma positiva”, tem nova companheira/namorada (essencial para a estabilização emocional do mesmo) e, pretende retomar o quanto antes possível a sua actividade laboral (preferencialmente na área ...) em território Inglês, junto dos seus (pais e filhos e nova companheira/namorada), dos quais, mais uma vez cfr. o extraído do relatório social “… beneficia de apoio incondicional…”.

36- Ainda no concernente às razões de prevenção especial (positiva e negativa), com relevância por via da culpa, importaria ao Acórdão recorrido melhor atender, que o aqui recorrente logo na primeira sessão da audiência de julgamento confessou quase todos os factos de que vinha acusada, reconhece a ilicitude e censurabilidade penal dos factos e, manifesta vivenciar com penosidade a sua presente situação jurídico-penal, com referência à existência de danos e vítimas, mais se sublinhando, mais uma vez, o facto do mesma não ter quaisquer antecedentes criminais nos mais de 40 anos de vida que tem, tendo sido aliás, até então, esta a primeira vez que entrou numa sala de Audiência de Julgamento.

37- Assim, no caso em concreto, atendendo a todas as circunstâncias atrás aduzidas, que não foram na perspectiva do aqui recorrente suficientemente valoradas, violou com isso, tal decisão, os Artº(s) 40º., 70º. e 71º. do Código Penal e o princípio da proporcionalidade.

38-“In casu”, revela-se pois suficiente a severa censura do facto e a ameaça de prisão para afastar o arguido/recorrente da prática destes ilícitos criminais.Ou,

39- Assim não se entendendo, alternativamente, uma pena de prisão efectiva situada no limiar dos 4 a 5 anos. Não prescindindo,

40- Invoca pois o aqui recorrente o direito de esperar uma pena justa e equivalente, o que, ponderando globalmente, e porque a reacção criminal não poderá ultrapassar a medida da culpa, deve, no entendimento da defesa, situar-se entre os 4 a 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, ainda que acompanhado por regime de prova ou da imposição de deveres e regras de conduta, nos termos do disposto no Artº. 50º., 70º. e 71º. do Código Penal.

41-Deve-se pois ressocializar o agente em vez de o punir, este regime alternativo ora peticionado além de educativo tem também igualmente carácter correctivo, satisfazendo assim de forma adequada e suficiente as finalidade da punição, pelo que, o Tribunal “a quo”, ao não prosseguir tal entendimento, violou os Artº.(s) 40º. nº. 1, 70º. e 71º. do Código Penal. Noutra consonância,

42- Atente-se que quanto à personalidade do Arguido, ao facto deste ter ou não compreendido a gravidade da sua acção, da sua capacidade de autocrítica, etc. etc. o Acórdão pouco ou nada diz e/ou acrescenta.

43-Tão pouco tendo sido formulado qualquer juízo relativo ao carácter desfavorável da prognose, não se atentou nas condições de vida do ora recorrente, não se pronunciou quanto à sua conduta anterior e posterior aos factos e, às circunstâncias em que ocorreu o referido ilícito, etc. etc.44-O que está em causa não é pedir-se que o douto Acórdão analise cada um dos vectores exarados no Código Penal Português, mas, tão que fizesse uma abrangência capaz de abraçar os requisitos contidos no citado diploma legal, e não apenas como o fez, utilizando expressões algo vazias de todo e/ou qualquer conteúdo, através da ultrasónica abordagem aqui transcrita, das exigências de prevenção geral e, da sua comum reprovação.

45-Da análise do Acórdão aqui recorrido, crê o ora recorrente, que está mais do que inferida a pretendida nulidade por deficiente fundamentação, pois dele, não constam de forma clara e inequívoca, as principais razões que sustentaram o tribunal “a quo” a enveredar pela medida da pena aplicada.

46-Sempre seria desejável que o Tribunal “a quo”, pelo menos habilitasse os destinatários do acórdão, incluindo o Tribunal Superior, a entender qual a razão que levou o Tribunal recorrido a aplicar a pena de 6 anos e 4 meses de prisão.

47- Dado o “deficit” de fundamentação, entende o Recorrente que o Acórdão recorrido violou o disposto no n.º 2 do art.º 374.º do Código de Processo Penal, padecendo, assim, da nulidade (Acórdão do S.T.J, C.J, ano VIII, Tomo I 2000, pag. 206) prevista no art.º 379º nº.1 alínea a) do referido Código de Processo Penal.

48-Nulidade esta, que não é insuprível, podendo ser arguida em recurso (Acórdãos para fixação de jurisprudência do S.T.J. de 1992/05/06, in D.R. de 1992/08/06 e de 1993/12/02, in DR de 1994/02/11).

Pelo que, seguro de que V. Excª.(s), perdoarão a extensão das alegações, ante a delicadeza e complexidade das questões e a necessidade de as mesmas serem devidamente aprofundadas, fica o recorrente absolutamente confiante em que Vª. Excelências lhe farão, como vos compete, Justiça!

1.3. O Ministério Público no tribunal recorrido respondeu ao recurso, concluindo do seguinte modo:

1. Da matéria de facto dado como provada em 20. e 21. resulta como preenchida a qualificativa do modo de vida, porquanto o arguido, nos períodos de tempo assinalados, de maio a outubro de 2020 e de maio a outubro de 2021, e em particular, enquanto permaneceu em território nacional, não trabalhou pelo que fez face à sua subsistência através da prática dos crimes de burla pelos quais foi condenado.

2. Não exige a lei penal para o preenchimento da qualificativa que o agente se dedique de forma exclusiva à prática de um daqueles tipos legais de crime, mas sim que a série de ilícitos contra o património que o agente pratique seja fator determinante para que se possa concluir que disso também faz modo de vida.

3. O Tribunal deu como provada uma pluralidade de resoluções criminosas, que não excluem a subsunção de cada uma delas à qualificativa pelo modo de vida.

4. O que conta para a unificação da conduta criminosa do arguido, quando a mesma se desdobra em várias ações subsumíveis, cada uma delas, ao respetivo tipo legal, não é a primeira decisão tomada em abstrato, de que vai passar a viver da prática de burlas, mas sim a decisão de cometer determinado crime em concreto, em determinadas circunstâncias que pelo arguido foram concretamente analisadas e ponderadas e lhe permitiam passar à respetiva execução».

5. Pelo exposto, entendemos que não assiste razão ao recorrente e que se deve manter a qualificação jurídica efetuada pelo Tribunal recorrido.

6. Dentro da moldura penal do concurso e ponderados todos os fatores que devem estar presentes na determinação concreta da pena e devidamente indicados na fundamentação do acórdão recorrido, a pena encontrada de 6 anos e 4 meses de prisão, situada abaixo do meio da moldura penal do concurso e próxima do limite mínimo, apresentam-se como manifestamente adequada e justa.

7. Ao contrário do alegado pelo recorrente, o Tribunal fundamentou devidamente a pena única encontrada, em termos de habilitar o ora recorrente, seu destinatário, sobre o raciocínio lógico do tribunal relativamente à própria decisão, a se conformar com a decisão ou a impugná-la de forma eficiente.

8. Não ocorre, por conseguinte, nulidade do acórdão por falta de fundamentação quanto à pena única aplicada.

Cremos assim, que o douto acórdão proferido pelo Tribunal a quo não deverá merecer qualquer censura, pelo que, deve ser negado provimento ao recurso interposto pelo arguido e mantida aquela decisão, nos seus precisos termos. Nestes termos, os Colendos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, farão, como sempre, Justiça.

1.4. Remetidos os autos a este Supremo Tribunal de Justiça, foi aberta vista ao Exmo. Senhor Procurador-- Geral Adjunto, o qual nos termos do art.º 416.º n.º 2 do Código de Processo Penal, tomou conhecimento do processo.

1.5. Teve lugar a audiência, após o que reuniu a Secção, tendo deliberado nos termos infra descritos.

Cumpre apreciar e decidir

2. Objecto do recurso

Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da motivação que os recorrentes produziram para fundamentar a sua impugnação, onde sintetizam as razões da discordância do decidido e resumem as razões do pedido - artigos 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal (CPP) as questões que fundamentalmente se colocam à apreciação deste Supremo Tribunal consistem em saber:

1) Se ocorre nulidade por falta de fundamentação para a aplicação da pena única, por violação do disposto nos artigos 374.º, n.º 2, 375.º, n.º 1, e 379.º, n.º 1, alínea a), ambos do CPP;

2) Se não se verifica a qualificativa do crime de burla pela circunstância de o agente do crime fazer da burla “modo de vida” (artigo 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal), verificando-se a prática de um único crime de burla qualificada (uma única resolução criminosa), ou quanto muito a prática de dois crimes de burla qualificada atentos os períodos temporais em que os factos ocorreram;

3) Se a pena única aplicada ao arguido é exagerada, revelando-se suficiente a censura do facto e a ameaça da pena ou, alternativamente, se deve fixar-se a pena única entre 4 a 5 anos de prisão.

3. Fundamentação de facto

3.1. Encontram-se provados os seguintes factos:

1. O arguido AA, em data não concretamente apurada, mas pelo menos desde o dia ... de ... de 2020, gizou um plano tendente à obtenção de benefícios patrimoniais ilegítimos, com o correspondente prejuízo dos lesados, através da aquisição de veículos, sem pagar o respetivo preço, com posterior venda dos mesmos.

2. Nessa senda, o arguido, após a visualização de publicitações/anúncios da venda de veículos, quase sempre através da rede ... (...) e depois de encetar contactos com os vendedores/anunciantes, demonstrava interesse na aquisição de tais veículos e, nessa sequência, agendava um encontro, para visualizar os mesmos e realizar o negócio.

3. Depois de ver os veículos, o arguido confirmava a compra dos mesmos, com o preenchimento e assinatura do requerimento de registo automóvel, mediante o pagamento.

4. Por forma a ludibriar os vendedores, o arguido, através do seu telemóvel e aplicação informática, fazia transferências bancárias, do valor pedido a titulo de preço, efetuando o envio de comprovativos de transferências bancárias dos valores correspondentes, para, assim, conferir credibilidade a um pagamento, que, em bom rigor, não existia.

5. De facto, os comprovativos, não titulavam, nem correspondiam a quaisquer transferências imediatas e efetivas de dinheiro.

6. Com efeito, o arguido agendava as transferências bancárias, que ficavam programadas as quais apenas seriam realizadas, caso as condições da conta de depósito à ordem, (D. O.) em cada data de execução o permita e/ou eram canceladas.

7. Convencidos do pagamento imediato e regularidade do negócio, os vendedores entregavam os veículos ao arguido, que, de imediato, assumia a sua pose e abandonava o local, conduzindo-os, levando-os consigo e fazendo-os seus.

8. Posteriormente e quando os ofendidos constatavam que as transferências não foram concretizadas e, como tal, eram inexistentes, já se encontravam desapossados dos seus veículos, cujo paradeiro desconheciam.

9. Entretanto, o arguido, vendia tais veículos a terceiros, desconhecedores dos factos anteriores, recebendo as quantias monetárias relativas às transações.

10. Á semelhança do que fez com as aquisição das viaturas, o arguido gizou um plano para a obtenção do seguro, de diversas viaturas, com as quais circulou, pelo que, contatou mediadores de seguro a quem solicitou a realização de seguros, e para o que deu ordens de transferência, que eram informaticamente elaboradas, as quais eram programadas, para outra data e que depois não foram executadas ou foram canceladas, e assim não correspondendo a pagamento a favor da mediadora de seguros dos veículos, (à semelhança do procedimento que adotava para a aquisição de viaturas), que entretanto já tinha emitido recibos, a apólices e a carta verde permitindo a circulação da viatura.

11. Por outro lado, desde data, igualmente, não apurada, o arguido gizou um plano tendente à obtenção de benefícios patrimoniais ilegítimos, com o correspondente prejuízo dos lesados, através da reserva, benefício e estadia em diversos alojamentos, sem pagar o respetivo valor.

12. Para o efeito, o arguido, através de contacto telefónico, procedia à reserva de alojamentos, por períodos que podiam ir até dois a três meses, dizendo que o pagamento seria efetuado através de transferência bancária e que, posteriormente, remeteria o respetivo comprovativo, por correio eletrónico.

13. Consequentemente, o arguido remetia comprovativos de transferência do valor devido pelo alojamento, para os responsáveis pelos alojamentos, todavia as transferências eram agendadas e posteriormente não eram executadas ou eram canceladas, pois não correspondiam a uma transferência imediata e efetiva do preço acordado.

14. Posteriormente e logo que tinha acesso ao local, através do check-in, o arguido encetava contactos com outros alojamentos e procedia da mesma forma.

15. Quando era contactado e confrontado com a inexistência do valor das transferências, o arguido, desculpando-se, dizia que devia ter ocorrido qualquer erro bancário.

16. E, logo após, abandonava aquele local, dirigindo-se para outro alojamento, cuja reserva já tinha efetuado, através do mesmo método.

Assim, nesse circunstancialismo e ordem cronológica:

I- Inquérito 1883/18.3... (Apenso AM, que tem apenso o inquérito 1945/18.9...):

1. Em data não apurada, mas anterior a ... de ... de 2018, EE falou a BB, do arguido FF como sendo importador de veículos, provenientes do ..., dando o contato telefónico.

2. Na sequência da conversa entabulada, telefonicamente, entre o arguido e BB e como este estava interessado na aquisição de três veículos, transferiu a quantia global de € 10.700,00, para a conta bancária do arguido FF, para que, o mesmo, procedesse à importação desses mesmos três veículos.

3. Tal transferência global, desdobrou-se em quatro transferências de € 5.000,00, € 1.750,00, € 1.250,00 e € 2.700,00, efetivadas, respetivamente, nos dias ... de ... de 2018, ... de ... de 2018, ... de ... de 2018 e ... de ... de 2018.

4. Face ao não recebimento dos veículos, o ofendido encetou diversos contactos com o arguido FF para que o valor lhe fosse restituído.

5. O arguido FF, ao ver-se confrontado com tal facto deu uma ordem de transferência bancária, para a conta deste, do valor total que o mesmo tinha entregue, como sinal, ou seja, € 10.700,00, cujo comprovativo enviou a BB.

6. No entanto, a transferência realizada não foi executada ou foi cancelada não tendo havido a transferência efetiva daquela quantia.

7. Em face do que, ficou o ofendido desapossado do valor entregue de 10.700€, pois o arguido FF, não procedeu à sua efetiva devolução.

II- Inquérito 700/20.9... (Apenso B):

1. No dia ... de ... de 2020, o arguido FF contactou o ofendido GG, mostrando interesse na aquisição do veículo que o mesmo tinha publicitado para venda, de marca ..., ... V 40, com a matrícula ..-..-UU e, nessa mesmo contacto, chegaram a um acordo na venda do mesmo pelo valor de €2.350 (dois mil trezentos e cinquenta euros).

2. Quando se encontraram pessoalmente, o arguido ficou na posse do veículo, e para o efeito, deu ordem para uma transferência bancária pelo sítio da internet do ..., para a conta do irmão do ofendido HH, tendo, posteriormente, exibido o comprovativo da alegada transferência.

3. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada pelo arguido ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

4. Após alguns dias, e como a transferência do valor não entrou na conta do irmão do ofendido HH, contactou com o arguido, que se comprometeu a efetuar outra transferência, alegando várias desculpas, pelo facto da transferência não ter sido concretizada com o valor monetário acordado.

5. Depois de novo contacto com o arguido, este informou o ofendido que as transferências foram canceladas, não referindo o motivo, levando o lesado a começar a desconfiar.

6. Como não recebeu qualquer transferência, e como estava na posse dos dados identificativos do suspeito, o ofendido HH, deslocou-se junto da residência do arguido, localizada na ..., onde foi informado pela ex-sogra do arguido que o mesmo não residia naquela morada, desconhecendo de momento o local onde reside.

7. O ofendido ficou desapossado do veículo e do valor correspondente, pois o mesmo não foi devolvido pelo arguido.

III- Inquérito 255/20.4... (Apenso M):

1. No dia ... de ... de 2020, o arguido FF compareceu oficina do ofendido, II, sita na ..., em ..., para efetuar a reparação de veículo automóvel.

2. Enquanto ali permanecia, o arguido viu a viatura matrícula ..-..-HD, da marca Volkswagen, modelo “Passat”, que ali se encontrava aparcado, tendo demostrado interesse na compra da mesma.

3. Na sequência do diálogo, o arguido propôs a compra da viatura pelo valor de €1300 (mil e trezentos euros), que seria pago mediante transferência bancária, a partir da conta bancária do arguido, sediada num ....

4. Ainda no local, o arguido efetuou uma chamada telefónica, na sequência da qual mencionou já havia efetuado a transferência bancária.

5. Decorrido algum tempo, o arguido remeteu um email, com o comprovativo da transferência bancária, escrito em inglês, com o valor monetário aposto € 1.391,21, (mil trezentos e noventa e um euro e vinte e um, cêntimos), ficando o ofendido a aguardar pela entrada de tal valor na sua conta.

6. Face à confiança depositada no arguido, o ofendido entregou-lhe a viatura e preencheu a declaração de venda.

7. Como tinham decorrido duas semanas, sem que o valor tivesse sido creditado na sua conta bancária, o ofendido encetou várias diligências, para contactar o arguido, as quais se revelaram infrutíferas.

8. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada, pelo arguido ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

9. O ofendido não conseguiu, assim, obter o pagamento, nem reaver a viatura, ficando prejudicado no valor correspondente.

IV Inquérito 1403/20.0... (Apenso F):

1. No período compreendido entre o dia ... de ... de 2020 e ... de ... de 2020, o arguido FF, com o propósito de obter o seguro de diversos veículos, procedeu à criação e envio de diversos comprovativos de transferências bancárias, para pagamento das apólices correspondentes, para a sociedade comercial ofendida, Mediadora de Seguros, denominada “Aurélio Rodrigues, Mediação de Seguros, Lda.”, com sede na ....

2. Assim, o arguido remeteu os seguintes comprovativos:

- Em ... de ... de 2020, no valor de €78,52 (setenta e oito euros e cinquenta e dois cêntimos);

- Em ... de ... de 2020, no valor de €81,71 (oitenta e um euros e setenta e um cêntimo); - Em ... de ... de 2020, valor de €81,92 (oitenta e um euros e noventa e dois cêntimos); - Em ... de ... de 2020, valor de €70,11 (setenta euros e onze cêntimos);

- Em ... de ... de 2020, valor de €0,06 (seis cêntimos);

- Em ... de ... de 2020, valor de €78,53 (setenta e oito euros e cinquenta e três cêntimos); - Em ... de ... de 2020, valor de €82,39 (oitenta e dois euros e trinta e nove cêntimos);

- Em ... de ... de 2020, valor de €77,78 (setenta e sete euros e sessenta e oito cêntimos); - Em ... de ... de 2020, valor de €82,88 (oitenta e dois euros e oitenta e oito cêntimos);

- Em ... de ... de 2020, valor de €57,95 (cinquenta e sete euros e noventa e cinco cêntimos):

3. As transferências, deveriam ter sido efetuadas para a conta da empresa lesada, com IBAN ..., do Novo Banco e destinavam-se ao pagamento de seguros automóveis de diversas apólices da companhia de seguros Zurich.

4. Após efetuar as alegadas transferências, o arguido enviava os comprovativos, através de email ou via WhatsApp, sendo emitidos os competentes recibos e carta verde.

5. Na sequência disso, foram emitidas as apólices de seguro automóvel correspondentes.

6. Posteriormente e no âmbito de uma consulta às contas da empresa, o ofendido e sócio-gerente da aludida sociedade comercial, JJ, apurou que o arguido, não procedeu à transferência de quaisquer valores.

7. Com efeito, as ordens de transferência, foram pelo arguido agendadas, as quais ora vieram a ser canceladas, pelo arguido ou não foram executadas pelo banco por falta de saldo, na conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

8. Com esta conduta, o arguido obteve a criação de seguros em seu favor, para diversos veículos e, consequentemente, um enriquecimento ilegítimo e respetivo empobrecimento da sociedade comercial ofendida, no valor global de € 691,75.

V- Inquérito 871/20.4... (Apenso G):

1. Em data não concretamente apurada, mas anterior a ... de ... de 2020, o arguido FF, após encetar contactos com a ofendida KK, adquiriu o veículo da mesma, de marca Mercedes, com a matrícula ..., pelo valor de €7.645.00.

2. Para o efeito, o arguido deu uma ordem de transferência naquele valor da sua conta cujo comprovativo remeteu à ofendida.

3. Acreditando que esse mesmo valor tinha sido transferido, a ofendida entregou o veículo ao arguido, que ficou na posse do mesmo.

4. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser por si cancelada ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, na conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

5. Em dia não apurado do mês de ... e como o dinheiro ainda não tinha sido creditado na sua conta, a ofendida KK, questionou o arguido sobre os motivos da transferência não ter sido efetuada, ao que o mesmo alegou que a transferência tinha sido feita, a partir de uma conta em ..., no entanto, e devido à pandemia COVID19, estava tudo demorado.

6. Face à delonga injustificada, a ofendida efetuou pesquisas na internet, através do Instituto de Registos e de Notariado, sobre a propriedade do veículo que tinha vendido, e, na sequência das mesmas, apurou que esse mesmo veículo já se encontrava no nome de outra pessoa, LL.

7. Assim, a ofendida contactou o arguido, questionando-o sobre tal facto, ao que o mesmo disse que o carro era seu (dele) e apenas o tinha emprestado a um amigo.

8. O arguido protelou e sempre deu desculpas para a demora da transferência, tendo acabado por deixar de atender os telefonemas da lesada.

9. Posteriormente a ofendida, através do ..., apurou que o arguido esteve e estava envolvido noutra situação, de contornos semelhantes.

10. Assim, a arguida ficou desapossada do aludido veículo, que não foi devolvido pelo arguido e, bem assim, do valor correspondente.

VI- Inquérito 511/20.1... (Apenso K):

11. No dia ... de ... de 2020, o arguido FF contactou a ofendida MM, mostrando interesse na aquisição do seu veículo, ligeiro de passageiros da marca Audi, modelo A 4, com a matrícula NN, que tinha sido publicitado para venda.

2. Ficou acordado entre ambas as partes, a venda do veículo pelo valor de €3500 (três mil e quinhentos euros), pelo que, foi efetuado o requerimento de registo automóvel, tendo o arguido dado uma ordem de transferência bancária do valor e enviado um comprovativo da mesma, através do seu telemóvel, dizendo à ofendida que o valor só ficaria disponível uns dias depois.

3. Confiando na sua palavra, a ofendida entregou o veículo ao arguido, que, conduzindo-o, abandonou o local.

4. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada, pelo banco, por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva, para a conta indicada pela ofendida.

5. Como não foi creditado qualquer valor na sua conta, a ofendida OO, contactou telefonicamente com o arguido, a questionar os motivos do atraso, ao que o mesmo, invocando várias desculpas, disse que possivelmente teria ocorrido um erro bancário, pelo que iria entregar o valor monetário em numerário, o que nunca veio a ocorrer.

6. Após alguns contactos e mensagens com o arguido, a ofendida OO pediu a devolução do veículo, tendo-se encontrado com o mesmo na ..., na cidade do ..., local onde este devolveu o veículo.

7. Posteriormente a ofendida apurou que, apesar do veículo ter sido devolvido, havia sido registado em nome de PP, desconhecendo de que forma o arguido tinha conseguido alterar o registo da propriedade, uma vez que o requerimento de registo automóvel, esteve sempre na sua posse.

VII - Inquérito 405/20.0... (Apenso L):

1. Em data anterior a ... o arguido FF, contactou a ofendida QQ, demonstrando interesse na aquisição do seu veículo, da marca JEEP, modelo Grand Cherokee, com a matrícula ..-..-RA, pelo valor de € 3.500,00.

2. Nessa sequência em ... de ... de 2020, o arguido encontrou-se pessoalmente com a ofendida e após ver o veículo, disse-lhe que para pagar procederia a uma transferência bancária no valor acordado, ou seja, €3500 (três mil e quinhentos euros).

3. A ofendida, em face do comprovativo da transferência e confiando na palavra do arguido, entregou-lhe o veículo, passando aquele a estar na sua posse.

4. Posteriormente, a ofendida contactou com o arguido, a fim do mesmo tentar explicar o motivo do valor não ter sido creditado, tendo o mesmo alegado que a transferência foi efetuada de um ... e teria havido um erro, contudo o valor seria creditado no prazo de 48 horas, o que nunca viria a ocorrer.

5. Com efeito, o arguido deu ordem de transferência da sua conta para a conta da ofendida e enviou um comprovativo da ordem de transferência confirmada, no entanto a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco, por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. A ofendida ficou desapossada do veículo, que não foi devolvido pelo arguido, e do valor correspondente.

VIII- Inquérito 617/20.7... (Apenso W):

1. Em ... de ... de 2020, em ... e na sequência de contactos, com o ofendido RR, o arguido FF adquiriu o veículo daquele (ligeiro de passageiros, da marca Renault, modelo Laguna, com a matrícula ..-..-XX), pelo valor de € 2.600,00.

2. Para o efeito, o arguido deu uma ordem de transferência bancária do valor do preço para a conta do ofendido, cujo comprovativo lhe enviou daquele mesmo valor.

3. O arguido efetuou a transferência para uma conta estrangeira identificada com o nº 26375507, com a referência P13114002, para o Banco denominado "...”.

4. Após o envio daquele comprovativo ao ofendido, o arguido passou a estar na posse do veículo, levando-o consigo, fazendo-o seu e abandonando o local.

5. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco, por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva, para a conta do ofendido.

6. Passados alguns dias e após verificar o extrato da sua conta bancária, o ofendido comprovou que o valor, alegadamente transferido pelo arguido, não tinha sido creditado na sua conta.

7. O ofendido localizou a viatura na mão de terceiros que com aquela circulavam por a terem comprado ao arguido, e mercê do tempo decorrido e do estado da viatura acabou por receber destes o valor de 600€ e entregar-lhes a declaração de venda.

IX- Inquérito 550/20.2... (Autos principais):

1. No dia ... de ... de 2020, o arguido FF contactou a ofendida SS, demonstrando interesse na aquisição do veículo da marca ..., com a matrícula ..-..-QN, cuja venda, a mesma tinha publicitado no ....

2. Na sequência desse contacto, chegaram a um acordo no valor de €1.000 (mil euros) pela venda, tendo o arguido ficado na posse do veículo, efetuando, alegadamente, uma transferência bancária via ..., tendo mostrado o comprovativo à ofendida da respetiva transferência.

3. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva, para a conta da ofendida.

4. Após alguns dias e porque o valor da transferência não deu entrada na conta da ofendida, esta contactou o arguido, que, alegadamente, em ... de ... de 2020, efetuou outra transferência, através do banco ....

5. No entanto, a ofendida voltou a constatar que não tinha sido creditado, na sua conta bancária, qualquer valor, pois à semelhança da anterior a transferência apenas era agendada e veio a ser cancelada não tendo gerado o efetivo pagamento do preço.

6. Após novo contacto da ofendida, o arguido invocou que ambas as transferências foram canceladas, sem que, no entanto, tenha indicado o motivo.

7. Posteriormente, a ofendida encetou diversos contactos com o arguido, que, argumentou não saber o que se tinha passado, sempre dizendo à ofendida para não se preocupar, pois já tinha efetuado mais uma transferência, novamente via ..., que supostamente deveria ser creditada na sua conta no dia ... de ... de 2020, o que, nunca sucedeu.

8. A ofendida logrou localizar o arguido e recuperar a viatura ao fim de um mês, desconhecendo a utilização que o arguido fez do mesmo e vindo a suportar multas nas ... no valor de 30€.

X- Inquérito 214/20.7... (Apenso E):

1. No dia ... de ... de 2020, o arguido FF contactou o ofendido TT, mostrando interesse no veículo ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo Megane, cor cinza, com a matrícula ..-..-ZS, que o mesmo tinha publicitado para venda.

2. Após o arguido ver o veículo, foi acordada a venda/compra do mesmo, por valor não apurado, trataram da passagem do registo de propriedade, tendo o arguido apresentado um comprovativo de transferência bancária.

3. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva para a conta do ofendido.

4. Entretanto o ofendido verificou a falta do valor em depósito na sua conta, pelo que, contactou com o arguido, que lhe disse que não tinha conseguido realizar a transferência.

5. Nessa sequência, o ofendido forneceu outro NIB ao arguido, contudo dias depois veio a constatar que também não tinha sido realizada qualquer transferência.

6. Posto isto, o ofendido contactou novamente com o arguido, ao que este disse que estava com problemas em realizar a transferência, mas que, no entanto, se comprometia a subscrever uma declaração de confissão de dívida, tendo então o ofendido contactado uma advogada para o efeito.

7. Nesta ocasião, o arguido enviou o documento de confissão de dívida assinado, juntamente com comprovativo de transferência bancária, contudo o ofendido viria a apurar que tal movimento bancário tinha sido cancelado.

8. Apesar das várias tentativas de contacto por parte do ofendido, o arguido não restituiu o veículo, nem efetuou qualquer transferência da quantia.

9. Pelo que, o ofendido ficou desapossado do seu veículo e do valor correspondente.

XI- Inquérito 692/20.4... (Apenso J):

1. No dia ... de ... de 2020, o arguido FF contactou o ofendido UU, mostrando interesse em adquirir o veículo, ligeiro de passageiros da marca Volvo, modelo V 40, cor Cinza, com a matrícula ..-..-VG, que o mesmo tinha publicitado para venda.

2. Nessa sequência, o arguido encontrou-se pessoalmente com o ofendido, em ..., e adquiriu o veículo pelo montante de €3300 (três mil e trezentos euros).

3. Nesse acto, o arguido comprometeu-se a depositar, nesse mesmo dia, o aludido valor, o que não fez.

4. Com efeito, em ... de ... de 2020, o arguido apenas depositou a quantia de 50 euros, nada mais pagando.

5. Perante tais factos, o ofendido telefonou por várias vezes ao arguido, dizendo-lhe para dar sem efeito o negócio, pois este não lhe pagava a importância acordada, solicitando que lhe devolvesse a viatura, o que o arguido não fez.

6. Em face do exposto, o ofendido veio a localizar a viatura na posse de terceiro a quem foi apreendida vendo-lhe esta a si entregue, ao que o arguido foi estranho.

XII - Inquérito 697/20.5... (Apenso H):

1. Em ... de ... de 2020, o arguido FF contactou ofendido VV, demonstrando interesse na compra do seu veículo, ligeiro de passageiros da marca Volkswagen, modelo Sharan, cor Azul, com a matrícula ..., pelo valor de €2500 (dois mil e quinhentos euros).

2. Após se encontrarem pessoalmente, o arguido decidiu adquirir a mesma, tendo efetuado de imediato uma transferência, utilizando para o efeito o ..., argumentando que tinha vindo de ... e estava habituado a utilizar este meio para transferências e, bem assim, que o dinheiro demoraria cerca de dois dias úteis a ser creditado na conta do ofendido, mostrando o comprovativo da mesma.

3. Decorrido o período que o arguido disse que demoraria a transferência do dinheiro para a sua conta, o ofendido contactou com o mesmo, informado que ainda não tinha o dinheiro, ao que o arguido respondeu que se tinha enganado num número, mas que iria voltar a transferir pelo mesmo método.

4. Volvido algum tempo como, mais uma vez o dinheiro não tinha entrado na sua conta, o ofendido fez novo contacto com o arguido, e este, desculpando-se, afirmou que desta vez iria fazer transferência através de um banco português.

5. No entanto, o ofendido não recebeu o valor da venda da viatura, que, nem sequer, foi devolvida pelo arguido.

6. Posteriormente, o ofendido após pesquisa no ... por "FF roubo", verificou a existência de várias pessoas lesadas, pelo mesmo método e pela mesma pessoa, onde apareciam os veículos levados pelo mesmo e fotografias do seu cartão de cidadão.

7. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva

8. O ofendido ficou sem o dinheiro e sem o veículo.

XIII -Inquérito 242/20.2... (Apenso I):

1. No período compreendido entre os dias 1 e 6 de setembro de 2020, o arguido FF compareceu junto da residência do ofendido WW, sita na ..., conduzindo um veículo da marca Volvo, modelo V 40, com a matrícula ..-..-VG, dizendo-lhe que o queria vender.

2. Após o interesse demonstrado pelo ofendido, o mesmo entregou ao arguido a quantia de €1. 800 (mil e oitocentos euros) e, como contrapartida, ficou na posse da declaração de venda.

3. Nesse acto, o arguido afirmou que ainda não era possuidor do registo de propriedade do veículo, por estar a aguardar a transição do antigo proprietário, assim como ficou com cópia do cartão de cidadão do arguido.

4. Posteriormente, quando se encontrava na sua residência, o ofendido foi confrontado pelo XX (ofendido no NUIPC 692/20.4... – Apenso J), que estava na posse de uma viatura que lhe pertencia.

5. Perante esta situação, o ofendido entregou voluntariamente a viatura ao XX.

6. Ficando assim, prejudicado no valor de € 1.800,00, que entregou ao arguido.

XIV- Inquérito 655/20.0... (Apenso D):

1. No dia ... de ... de 2020, o arguido contactou a ofendida YY, demonstrando interesse na compra do veículo, ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo Laguna, cor Cinza, com a matrícula ..-..-LH.

2. Durante o contacto telefónico, ambos os intervenientes (denunciante e arguido), chegaram a acordo relativamente à venda da viatura.

3. Nesse mesmo dia, o arguido deslocou-se à residência da denunciante, sita na ..., onde ambos preencheram e assinaram a declaração de compra e venda da viatura.

4. Nessa ocasião, o arguido, na presença da ofendida, deu uma ordem de transferência bancária e exibiu à ofendida do seu comprovativo no valor de €400 (quatrocentos euros), através do telemóvel, para a conta desta.

5. A ofendida, confiando no arguido, entregou-lhe as duas chaves e os dois comandos da viatura.

6. Posteriormente, o arguido abandonou o local e, depois de regressar, passado uma hora, levou o veículo consigo.

7. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

8. Dado que não foi recebido o valor acordado, no dia ... de ... de 2020, a ofendida entrou em contacto com o arguido, tendo o mesmo dito que se encontrava na cidade de ..., e que uma vez que o seu banco era estrangeiro, a transferência demoraria mais tempo que o habitual, pedindo-lhe para aguardar mais um pouco.

9. No dia seguinte, a ofendida ao verificar que o dinheiro ainda não tinha entrado na sua conta, voltou a contactar o arguido por telemóvel, ao que o mesmo informou que no dia seguinte (...-...-2020), estaria pela cidade do ..., e que entraria em contacto com esta de forma a resolver a situação, o que não viria a suceder.

10. A ofendida continuou a insistir com o arguido eu meio e mês depois veio a deixar-lhe o veículo, no parque de um supermercado de ..., aberto e com a chave em cima da roda, assim o recuperando.

XV Inquérito 777/20.7... (Apenso A):

1. No dia ... de ... de 2020, o arguido FF contactou o ofendido ZZ, a demonstrar interesse na aquisição do seu veículo, ligeiro de passageiros da marca Citroen, modelo C 5, cor Cinza, com a matrícula ..-BO-.., que o mesmo tinha publicitado.

2. Posteriormente e em conversação mantida entre ambos, acordaram que o arguido se deslocaria junto do stand, onde verificaria as condições da referida viatura.

3. Após terem acordado o pagamento de €3476,16 (três mil quatrocentos e setenta e seis euros e dezasseis cêntimos) mediante transferência bancária e tendo-lhe sido remetido, pelo arguido, via e-mail, um comprovativo da realização da transferência bancária, o ofendido efetuou a entrega da viatura ao mesmo, mediante preenchimento do requerimento de Registo Automóvel.

4. Nessa sequência e face à confiança do ofendido, o arguido passou a estar na posse do veículo e abandonou o local, levando-o consigo e integrando-o no seu património.

5. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. No dia ... de ... de 2020, em virtude de a transação não ter sido realizada, o ofendido encetou contacto telefónico com o arguido, que lhe comunicou que, como a transferência se encontrava mais demorada, em virtude de a sua entidade bancária se localizar no ..., deveria aguardar por 5 dias.

7. No dia ... de ... de 2020, como a transação ainda não se encontrava realizada, o ofendido voltou a encetar contacto com o arguido, que após questionado afirmou que dentro de mais alguns dias a situação ficaria realizada para não se preocupar.

8. Posteriormente, após uma pesquisa na rede social “...”, o ofendido verificou que o arguido já havia enganado outros vendedores e que aquela conta bancária não existe, pelo que receia que a transferência não venha a ser efetuada.

9. O ofendido diligenciou pela localização da viatura e veio a verificar que a mesma permanecia registada em nome de AAA, a quem o stand “...” tinha adquirido.

10. Desta feita, dois meses depois o ofendido veio a recuperar o veículo em ..., onde o foi buscar.

XVI- Inquérito 949/20.4... (Apenso AI):

1. Em ... de ... de 2020, pessoa que não se logrou identificar contactou o ofendido BBB, demonstrando interesse na aquisição do seu motociclo de matrícula ..-VV-.., da marca Husqvarna, modelo F350, pelo valor de 7.950,00€ (sete mil e novecentos e cinquenta euros).

2. Posteriormente, no dia ... de ... de 2020, duas pessoas, cuja identidade não se logrou apurar, deslocaram-se ao ..., em ..., onde se encontrou com o ofendido, para formalizar o negócio.

3. Nessa sequência, foi solicitado por pessoa não apurada o NIB da conta bancária do ofendido, para, poder efetuar uma transferência bancária, a partir do banco ....

4. Ainda no local, pessoa não identificada enviou ao ofendido um comprovativo da dita transferência.

5. Confiando no arguido, o ofendido entregou-lhe o motociclo, embora tenha ficado na posse dos seus documentos.

6. No dia seguinte, o ofendido contactou com o seu Banco e foi informado que não existia nenhuma transferência para a sua conta.

7. De facto, a ordem de transferência bancária, constante do comprovativo, respeitava a uma transferência agendada que foi cancelada e não a uma transferência imediata, real e efetiva do preço acordado.

8. Assim, quando o contactou pessoa não identificada, que solicitou os documentos do motociclo, o que o ofendido disse que só os entregava quando tivesse o dinheiro na sua conta, o que nunca chegou a acontecer.

9. Posteriormente, o ofendido tomou conhecimento que havia a tentativa de vender o motociclo a um seu amigo, pelo que, após diversas diligências efetuadas pela ..., conseguiu recuperar o mesmo.

XVII- Inquérito 646/21.3... (Apenso N):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF estabeleceu diversos contactos com o ofendido CCC, na qualidade de representante da empresa denominada ..., para elaboração de um seguro automóvel para uma ..-..-MT, Volkswagen, modelo Passat.

2. Nessa sequência, foi celebrado o respetivo contrato de seguro, para a dita viatura, junto da seguradora denominada ..., sob a apólice n.º ....

3. O arguido remeteu correio eletrónico profissional: ..., um documento que seria comprovativo da transferência do valor de €329,24 (trezentos e vinte e nove euros e vinte e quatro cêntimos), respeitante ao valor a ser pago para a apólice contratualizada.

4. Confiando em tal comprovativo, a sociedade comercial ofendida, procedeu à liquidação do dito valor respeitante ao seguro e emissão do certificado de seguro.

5. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. Como o montante não foi creditado na conta da sociedade comercial, entraram em contacto com o arguido, que, mostrando-se surpreendido, alegou que a conta estaria sediada no estrangeiro e que, provavelmente, seria esse o motivo do atraso para a transação, ficando de ir junto do seu banco para perceber o que se passava.

7. Horas depois, o arguido contactou-os, referindo que segundo o seu banco, a transação se daria entre os dias ... de ... de 2021.

8. No dia ... de ... de 2021, o arguido voltou a contactá-los, dizendo que teria ficado sem viatura por avaria da mesma, e questionando se seria possível efetuar naquele dia seguro para uma outra viatura, que lhe iria ser emprestada por um amigo, tendo-lhe sido mostrada disponibilidade para esse efeito.

9. Naqueles contactos, o arguido acabou por referir que afinal a dita viatura do amigo estaria com avaria e tal levaria a que este ficasse sem condições para circular e, portanto, sem necessidade de efetuar o seguro que pretendia.

10. Perante a situação apresentada e o grau de confiança que se vinha estabelecendo, foi sugerido ao arguido o contato de uma pessoa de confiança, que trabalha num Stand, com viatura de marca ..., este denominado AMF sito na denominada ....

11. Ainda no dia ... de ... de 2021, o arguido deslocou-se ao dito Stand e procedeu à aquisição da viatura de matrícula ..-VO-.., de marca Ford, modelo Fiesta.

12. Nessa sequência, voltou a contactar a sociedade comercial ofendida e solicitou a celebração de um seguro para aquela viatura.

13. Dada a pendência do pagamento referente ao primeiro seguro, o arguido garantiu que no dia ... de ... de 2021 se deslocaria pessoalmente aos escritórios da sociedade comercial ofendida, onde contactaria com a DDD, liquidando o seguro que fosse efetuado para o novo veículo e caso não se tivesse verificado ainda a transação anterior, procederia igualmente à liquidação daquele valor naquele momento.

14. Por via disso, foi efetuado um seguro para o aludido veículo ..-VO-.., de marca Ford, modelo Fiesta, este registado na empresa ..., sob a apólice n.º ..., pago semestralmente, no montante de €322,02 (trezentos e vinte e dois euros e dois cêntimos).

15. Mais uma vez e confiando no arguido, para poder aquele sair com a viatura do Stand, a sociedade comercial ofendida liquidou o valor, correspondente ao seguro.

16. No entanto, no dia ... de ... de 2021 e ao contrário do que tinha afirmado, o arguido não compareceu e, após ter sido contactado, disse que estava em ... e que passaria no dia seguinte, o que igualmente não sucedeu.

17. Os seguros importaram o preço no valor de 651,26€ tendo o arguido beneficiado das vantagens dos seguros, que foram suportados pela sociedade comercial ofendida, a qual junto das seguradoras acabou por lograr anular os seguros e reaver aquele valor.

XVIII - Inquérito 11/21.2... (Apenso O):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF deslocou-se às instalações da empresa denominada ..., onde acordou a aquisição de um veículo automóvel, usado, propriedade daquela empresa, da marca Ford, modelo Fiesta, com a matrícula ..-VO-.., pelo valor de €14.000 (catorze mil euros).

2. As condições do negócio, implicava a entrega da viatura, contra o pronto pagamento no montante referido, o que foi acordado entre o funcionário e o arguido.

3. Assim, foi emitida a respetiva fatura, que foi entregue ao arguido, para que procedesse ao pagamento e lhe fosse entregue a viatura.

4. O arguido nesse mesmo dia, indicou ao funcionário que iria proceder ao pagamento daquele valor, através de uma transferência bancária, do ofendido, cujo IBAN lhe foi facultado.

5. Entretanto, o arguido remeteu um documento comprovativo da transferência bancária, informado que o montante já estaria disponível na conta do ofendido, pelo que, o funcionário procedeu à entrega do veículo ao arguido.

6. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

7. Nessa mesma ocasião, foi emitida uma declaração com termo de receção da viatura por parte do arguido.

8. Posteriormente, o responsável financeiro da empresa, verificou que não havia sido creditada qualquer transferência no montante em causa.

9. Por tais factos, foi contactado o arguido, tendo este argumentado problemas na ordem de transferência e que iria de imediato às instalações da empresa para resolver a situação, o que nunca viria a ocorrer.

10. Deste modo, o arguido ficou na posse no veículo, sem que tenha procedido ao seu pagamento, vindo a polícia um ano depois a localizar o veículo e a entregar à lesada, que assim o recuperou.

XIX- Inquérito 343/21.0... (Apenso AA):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido EEE, para adquirir o veículo ligeiro de passageiros, marca Fiat, com a matrícula ..-..-JG, pelo valor de €800 (oitocentos euros);

2. Apesar de ter recebido o veículo do ofendido o arguido não efetuou o pagamento do valor acordado, invocando, diversas desculpas.

3. Pelo que, o ofendido ficou desapossado desse mesmo veículo e não recebeu o valor, acordado como preço.

XX- Inquérito 576/21.9... (Apenso V+AH):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou a ofendida FFF, a demonstrar interessa na aquisição da viatura marca Opel, modelo Vectra, matrícula ..-..-TZ, à venda na rede social denominada «facebook», pelo valor de €1600,00 (mil e seiscentos euros).

2. No dia ... de ... de 2021, o arguido, deslocou-se junto da residência da ofendida, sita na ..., no ..., onde contactou com o seu companheiro, na pessoa de GGG, e efetivada a venda do veículo, tendo sido preenchida a sido assinada a declaração de compra e venda, documento que foi assinado pelo arguido.

3. Como forma de pagamento, o arguido deu a ordem de transferência bancária que exibiu do valor de €1600,00 (mil e seiscentos euros)., com o NIB da lesada e seu nome.

4. Após a exibição desse mesmo comprovativo, GGG, entregou ao arguido o veículo e a chave.

5. Nessa sequência, o arguido, já na posse desse veículo, abandonou o local, fazendo-o seu e integrando-o no seu património.

6. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

7. Posteriormente, a ofendida contactou com o arguido a informar que o dinheiro ainda não estava na conta, ao que mesmo respondeu que o dinheiro seria creditado, mais dia, menos dia.

8. A ofendida logrou um mês depois e pelos seus meios recuperar a viatura de que se viu desapossada, que estava a ser desmontada para peças do qual já faltava o porta luvas e o rádio, vindo a vende-lo, mais tarde, por 1200€.

XXI- Inquérito 436/21.3... (Apenso P):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido HHH, para adquirir o veículo ligeiro de passageiros, da marca Renault, modelo JE-Espace, matrícula ..-..-IE, que o mesmo tinha publicitado.

2. Ficou acordado, como preço a pagar, o valor de € 1850,00 (dezoito mil e cinquenta euros).

3. Na posse do ofendido, até que fosse efetuado o pagamento, ficou o certificado de matrícula, bem como o requerimento de registo automóvel, assinado por ambas as partes, tendo a viatura sido entregue ao arguido.

4. No mesmo dia, o arguido enviou um e-mail ao ofendido, no qual constava o comprovativo de uma transferência no valor de €1850,00 (dezoito mil e cinquenta euros), transação n.º SFFG20210604254840, contudo este valor nunca entrou na sua conta bancária.

5. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. Assim, o ofendido ficou sem o seu veículo, bem como, a quantia monetária, acordada a título de preço a pagar.

XXII- Inquérito 390/21.1... (Apenso X):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou a ofendida III, para comprar, pelo valor de € 1.600,00, o veículo ligeiro de passageiros, marca Renault, matrícula ..-..-UN, que a mesma tinha publicitado para venda, nas redes sociais.

2. Após se encontrarem na ..., no ..., o arguido informou que, para pagamento, procedeu a uma transferência, conforme comprovativo que enviou via email.

3. Dado que o valor da aludida transferência, não ficou disponível, a ofendida contactou com o arguido, que disse que a transferência se encontrava atrasada.

4. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

5. A ofendida voltou a contactar por diversas vezes com o arguido, no intuito de reaver o dinheiro, sendo que este, sempre invocava desculpas fúteis.

6. Entretanto a ofendida, através das redes sociais, viria a constatar a existências de várias pessoas que foram burladas de forma semelhante.

7. Como tal, a ofendida ficou desapossada da sua viatura ou quantia monetária, referente ao valor correspondente.

XXIII- Inquérito 209/21.3... (Apenso Q, que tem incorporado o inquérito 1417/21.2...):

1. No dia ... de ... de 2021, na ..., em ..., o arguido FF comprou ao ofendido JJJ, a viatura ligeira de passageiros, da marca Chrysler, modelo Voyager, com a matrícula ..-..-JM, pelo valor de €2500,00 (dois mil e quinhentos euros), tendo, para o efeito, entregue um comprovativo de transferência do dinheiro.

2. No entanto, a ordem de transferência bancária, constante do comprovativo, respeitava a uma transferência agendada que foi cancelada pelo arguido ou não foi executada pelo banco, por falta de saldo na conta, não correspondendo a uma transferência imediata, real e efetiva do preço acordado.

3. Como a transferência não era creditada na sua conta, o ofendido procurou em sites de automóveis, com o intuito de verificar se a sua viatura se encontrava à venda, apurando que a mesma se encontrava anunciada no ..., pelo valor de €1300 (mil e trezentos euros).

4. De seguida contactou o suposto vendedor, KKK, combinado um encontro para esclarecer o motivo do mesmo estar na posse da sua viatura.

5. No encontro com o LLL, este informou que comprou a viatura a um amigo, MMM, pelo valor de €900 (novecentos euros), estando este na posse de todos os documentos da viatura bem como uma declaração de venda assinada.

6. O ofendido NNN, informou o LLL do sucedido e que a assinatura da declaração de venda que este tinha não era sua, era falsa.

7. Face ao exposto LLL telefonou ao seu amigo OOO informando-o dos factos acima narrados, tendo este, momentos depois, se deslocado ao local.

8. Já na presença de OOO no local, o mesmo informou que comprou a viatura ao arguido, pelo valor de €900 (novecentos euros), desconhecendo que algo de anormal se passava com a mesma. Tendo de seguida a vendido ao seu amigo LLL.

9. Porém, o OOO que fez o negócio com o arguido daquele possuía o número do contato.

10. Perante isto, OOO entrou em contato telefónico com o arguido, tendo este lhe informado que fez a transferência do preço a favor do vendedor, todavia o dinheiro não chegou à conta do demandante.

XXIV- Inquérito 381/21.2... (Apenso AB):

1.No dia ... de ... de 2021, o arguido, fazendo-se transportar no veículo ligeiro de passageiros, matrícula ..-VO-.., marca Ford, ... Fiesta, cor branco (veículo alvo de queixa por burla – NUIPC 11/21.2...), encontrou-se com PPP, na ..., no ..., e demonstrou interesse em comprar o relógio da marca Girard Perregaux, cor cinzento, que o mesmo usava de valor não apurado e por valor que não se logrou apurar.

2.Face ao interesse demonstrado pelo arguido, o ofendido voluntariamente entregou-lhe o referido relógio, a fim de que o mesmo o fosse avaliar e averiguar a veracidade da marca para ulterior negócio.

3. No entanto, no dia seguinte, o arguido não compareceu conforme combinado, pelo que, o ofendido, por diversas vezes, tentou entrar em contacto com o mesmo, a quem pedia que lhe pagasse o relógio sem êxito.

XXV- Inquérito 2311/21.2... (Apenso AF):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido contactou o ofendido QQQ, demonstrando interesse na compra da sua viatura de matrícula ..-FH-.., da marca Volvo, modelo S80, pelo valor de € 7.000.

2. Após, encontro entre os dois, na ..., em ..., o arguido propôs-se comprar a viatura, pelo aludido valor, que, segundo o arguido, seria transferido a partir do seu Banco, sediado no ....

3. Ainda no local, o arguido apresentou um print em como, já havia efetuado a transferência bancária.

4. Face à confiança no arguido, o ofendido entregou-lhe o veículo.

5. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. Decorrida uma semana, e por não ter recebido o valor, o ofendido contactou o arguido, que afirmou estar na disposição de resolver o mal-entendido, o que não sucedeu.

7. O ofendido só três semanas depois logrou que o arguido lhe restituísse o veículo.

XXVI- Inquérito 431/21.2... (Apenso S):

1. No período compreendido entre o dia ... e ... de ... de 2021, o arguido FF demonstrou ao ofendido, RRR, o interesse na celebração de um contrato de arrendamento da habitação sita ....

2. Na sequência dos contactos e face à formalização do negócio, desde o dia ... de ... de 2021, o arguido passou a habitar e usufruir da mesma.

3. No entanto, o mesmo não procedeu ao pagamento do valor correspondente à renda.

4. Pelo que, o ofendido encetou várias tentativas de contacto, quer por telefone, quer presencialmente, desde o primeiro dia de alojamento, com o intuito de o arguido regularizar o pagamento da renda, contratualizada no montante de €2199 (dois mil, cento e noventa e nove euros), sendo que tais diligências se revelaram infrutíferas.

5. Nessa sequência, o ofendido deslocou-se à habitação arrendada, mais uma vez na tentativa de tentar resolver o problema, tendo o arguido declarado que iria efetivar o pagamento, mas de momento estava impossibilidade, pediu para aguardar uns dias, o que o ofendido recusou, dizendo ao suspeito para sair da residência, o que o mesmo acabou por fazer.

6. Nos dias ...-...-2021 e ...-...-2021, o arguido, supostamente, efetuou transferência bancária, no valor de €499 (quatrocentos e noventa e nove euros) e €1.700 (mil e setecentos euros) respetivamente, enviando um comprovativo, via WhatsApp, declarando que o pagamento foi concluído com sucesso.

7. Porém, o gabinete de contabilidade da empresa lesada, detetou que não entrou qualquer pagamento válido, nas contas associadas à empresa, com os dados enviados pelo Denunciante, e realizada pesquisa detalhada às supostas transferências, concluiu-se que não houve nenhum pagamento que fosse reconhecido pelo banco, ficando claramente prejudicada a empresa.

8. O arguido teria de efetuar o pagamento do aluguer combinado, no período de ...-...-2021 até ...-...-2021, antecipadamente na totalidade no valor de €2.199 (dois mil, cento e noventa e nove euros), e como não efetuou nenhum pagamento válido, saiu da habitação no dia ...-...-2021.

9. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

XXVI- Inquérito 2436/21.4... (Apenso AK):

1. Em ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido SSS, demonstrando interesse na aquisição do seu veículo de matrícula ..-..-PN, da marca BMW, modelo 318i, pelo valor de € 1.600,00.

2. Nesse mesmo dia, na ..., cidade do ..., o arguido encontrou-se com o ofendido e propôs a compra do veículo pelo aludido valor.

3. Nesse ato, o arguido solicitou o NIB da conta do ofendido, para, segundo ele, para poder efetuar uma transferência bancária a partir do seu banco do ....

4. Face à confiança com o arguido, o ofendido entregou o veículo ao mesmo, tendo pouco depois recebido um comprovativo da referida transferência.

5. Posteriormente, ofendido ficou a aguardar pela entrada de tal valor na sua conta, o que nunca chegou a acontecer.

6. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

7. Pelo que encetou várias diligências, sendo que sempre que conseguia contactar com o arguido, através do número ..., este afirmava que estava na disposição de resolver a situação, no entanto, nunca chegou a nem reaver a sua viatura ou receber o valor em causa.

XXVIII- Inquérito 420/21.7... (Apenso U):

1. Em ... de ... de 2021, o arguido FF adquiriu à ofendida TTT, a viatura ligeira de passageiros, da marca Alfa Romeo, modelo 156, com a matrícula ..-..-MC, pelo valor €1380,00 (mil trezentos e oitenta euros).

2. Ficou acordado que a forma de pagamento seria através de uma transferência bancária.

3. O arguido, através de mensagem pelo ..., remeteu à ofendida um suposto comprovativo de transferência onde indica que a conta bancaria é: 151.10.002799-5.

4. Porém, a ofendida verificou que nunca lhe foi creditado qualquer montante na sua conta bancária, relacionado com a venda do veículo, pelo que, ficou sem o seu veículo, bem como sem o valor pelo qual o vendeu.

5. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. A ofendida viria a localizar a sua viatura em ..., estando a mesma a ser negociada por outro indivíduo (NUIPC 534/21.3... – Apenso T).

XXIX- Inquérito 469/21.0... (Apenso Z):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido UUU, demonstrando interessa na aquisição do veículo ligeiro de passageiros da marca Fiat, com a matrícula ..-..-OM, que tinha sido publicitada para venda.

2. Assim, na ..., após ver o veículo, o arguido confirmou a intenção de compra do veículo, tendo enviado um alegado comprovativo de transferência bancária, no valor anteriormente acordado de €1700 (mil e setecentos euros).

3. O arguido, para criar a convicção no ofendido, da veracidade dos factos, deixou uma cópia da sua identificação.

4. Passados alguns dias e como não recebia qualquer transferência, o ofendido tentou por diversas vezes contactar com o arguido, que afirmou tinha feito a transferência.

5. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. O ofendido ficou privado da viatura e não recebeu o valor do preço da venda do seu veículo.

XXX- Inquérito 534/21.3... (Apenso T):+ NUIPC 535/21.1... Apenso R

1. No dia ... de ... de 2021, pelas 15:00h, na ..., nesta cidade e comarca de ..., o arguido FF vendeu ao ofendido VVV, a viatura ligeira de passageiros, da marca Alfa Romeo, modelo 156, com a matrícula ..-..-MC, pelo valor de € 800,00 (oitocentos euros).

2. O ofendido pagou, em numerário e ao arguido a aludida quantia de €800 (oitocentos euros), ficando, de imediato, na posse do veículo adquirido. 3. Ficou acordado que o arguido, posteriormente, entregaria os documentos, enviando naquela ocasião, apenas uma foto do documento único através da aplicação WhatsApp.

4. Como o arguido não enviava a documentação o ofendido, contactou com o mesmo, referindo que que pretendia desistir do negócio solicitando que os €800 (oitocentos euros) que pagou fossem devolvidos e entregava a viatura de volta.

5. Contudo o arguido, enviou um comprovativo da transferência bancária no valor de €800 (oitocentos euros), não tendo, contudo, o ofendido rececionado essa quantia na sua conta.

6. Posteriormente, o ofendido teve conhecimento que a viatura havia sido adquirida a uma cidadã, não tendo o arguido pago o valor acordado conforme consta no Auto de denúncia com o NUIPC 420/21.7...

7. No dia ... de ... de 2021 pelas 15H00, o ofendido deslocou-se para a ...

8. Neste local, o ofendido pagou ao arguido a quantia de €500 (quinhentos euros) em notas emitidas pelo BCE, trazendo consigo o veículo, documentos da viatura em nome de WWW, (denunciante de burla efetuada pelo suspeito envolvendo a venda da viatura com o NUIPC n.º 469/21.0...).

9. No dia ... de ... de 2021, o ofendido vendeu este veículo a XXX, que pagou €700 (setecentos euros), €600 (seiscentos euros) em notas e €100 (cem euros) por transferência bancária.

XXXI- Inquérito 495/21.9... (Apenso AC):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido YYY, demonstrando interesse na aquisição do veículo, ligeiro de passageiros, marca BMW, modelo 525 TDS, matrícula ..-..-MI, que o mesmo tinha publicitado, para venda.

2. Aquando do encontro, na ..., e após o arguido ver o veículo, celebraram acordo, na venda do veículo.

3. Como forma de pagamento, o arguido através de uma aplicação no telemóvel, efetuou uma transferência no valor de €4000 (quatro mil euros), valor este acordado como sendo o valor de venda.

4. Em acto contínuo, o arguido exibiu o telemóvel, tentando comprovar que a transferência estaria feita, enviando de seguida, através de correio eletrónico, cópia do comprovativo da transferência.

5. Convencido que a transferência havia sido concretizada, o ofendido ZZZ, assinou a declaração de venda, sem ter qualquer outro campo preenchido (em branco), contudo solicitou ao arguido para ficar com os dados identificativos do mesmo, tendo este permitido que fosse tirada uma foto do seu cartão de cidadão.

6. Entretanto, e mesmo após verificar na sua entidade Bancária, com a sua gerente de conta, apercebeu-se que não existia qualquer transferência efetuada para a sua conta, tendo contactado o arguido, que informou que se ainda não tinha o dinheiro é porque foi feita de uma conta que possui no estrangeiro e que teria de aguardar mais uns dias.

7. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

8. Posteriormente, e por suspeitar estaria a ser enganado, começou a pesquisar no ..., encontrando várias denuncias idênticas à sua, com outros cidadãos que também foram alvo das mesmas condutas, por parte do arguido.

9. O ofendido veio a lograr, pelos seus próprios meios recuperar o veículo.

XXXII- Inquérito 221/21.2... (Apenso AE):

1. Em ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido AAAA, a demonstrar interesse na aquisição, pelo valor de € 2.000,00, do veículo ligeiro de passageiros da marca ..., com a matrícula ..-..-GH, que aquele tinha anunciado, para venda.

2. Nessa sequência, o arguido deslocou-se até às imediações da residência do ofendido, sita na ..., em ..., e, dizendo-lhe que comprava o carro, referiu que, como tinha chegado há poucos dias de ..., o pagamento tinha que ser feito através de transferência bancária, o que mereceu a concordância do ofendido.

3. Assim e através da aplicação WhatsApp, o ofendido enviou ao arguido o seu NIB, bem como cópia dos documentos do veículo.

4. Nesse mesmo dia e pela mesma via, o arguido enviou documento comprovativo de transferência bancária.

5. No dia seguinte, o arguido encontrou-se com o ofendido, junto do parque de campismo, local onde este último entregou o veículo, tendo nesta ocasião preenchido e assinado o requerimento de registo automóvel, sendo que, a alteração do registo de propriedade seria efetuada, após recebimento da quantia, na sua conta bancária.

6. Na posse do veículo, o arguido abandonou o local, conduzindo-o.

7. Posteriormente e como não recebeu qualquer quantia na sua conta, o ofendido tentou o contacto com o arguido, sendo que este não atendia as chamadas, conseguindo apenas a troca de algumas mensagens.

8. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

XXXIII- Inquérito 550/20.2... (Autos principais):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido contactou ..., sito na ..., solicitando alojamento para o período compreendido entre o dia ...-...-2021 a ...-...-2021.

2. O arguido, de imediato, disponibilizou-se para fazer o pagamento através de transferência bancária, no valor total da estadia, que seria de 1.680,00€ (mil, seiscentos e oitenta euros).

3. Após a reserva, o arguido FF, remeteu um comprovativo da transferência, porém nunca a quantia foi creditada na conta da empresa, facto que de imediato lhe levantou suspeitas, pelo que foi o mesmo contactado a quem foi dado conhecimento desta situação.

4. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

5. Entretanto o arguido, abandonou a unidade hoteleira, sem que tenha efetuado qualquer pagamento.

6. O Arguido esteve alojado naquela unidade hoteleira, entre o dia ...-...-2021 até ao dia ...-...-2021, o hotel ficou lesado na quantia de 960,00€ (novecentos e sessenta euros).

XXXIV-Inquérito 892/21.0... (Apenso AN):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido BBBB, demonstrando interesse na aquisição do seu veículo, ligeiro de passageiros da marca Citroen, com a matrícula ..-ET-.., publicitado para venda.

2. Assim, pelas 17H30, no parque de estacionamento do supermercado ..., o arguido e o ofendido encontraram-se para efetivar a compra e venda do aludido veículo.

3. Nesse acto, o ofendido entregou ao arguido a declaração de compra e venda devidamente assinada, e o mesmo (arguido), em contrapartida, apresentou um comprovativo de pagamento do valor acordado, €3 500,00 (três mil e quinhentos euros), dizendo que, como a transferência havia sido feita de uma conta inglesa, o dinheiro demoraria cerca de quatro dias a ficar disponível.

4. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

5. Na posse do veículo, o arguido abandonou o local, conduzindo-o.

6. Uma vez que a quantia não tinha sido creditada na sua conta bancária, o ofendido uma vez que tal não se verificou, o ofendido contactou o arguido, que justificou o atraso na transferência com o facto de a mesma ter sido feita a partir de uma conta estrangeira.

7. Estranhando tal justificação e a demora, o ofendido, mediante pesquisas nas redes sociais, apurou que o arguido já tinha praticado outros factos de natureza semelhante.

8. O ofendido pelos seus meios recuperou a viatura.

XXXV - Inquérito 550/20.2... (Autos principais):

1. Em ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido CCCC, na qualidade do Empreendimento turístico denominado ..., e solicitou estadia naquela unidade hoteleira para quinze dias, tendo de imediato se disponibilizado para fazer o pagamento através de transferência bancária, no valor total da estadia, que seria de 1.728,00€ (mil setecentos e vinte e oito euros).

2. Após a reserva, o arguido enviou um comprovativo de pagamento, porém o valor não tinha entrado na conta da empresa, facto que de imediato lhe levantou suspeitas.

3. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

4. O Arguido esteve alojado naquela unidade hoteleira, durante dois dias, sendo que como o pagamento não foi efetuado, foi convidado a abandonar o empreendimento, facto que veio a ocorrer.

5. O Empreendimento turístico denominado ..., ficou lesado na quantia de 596,00€ (quinhentos e noventa e seis euros).

XXXVI - Inquérito 550/20.2... (autos principais):

1. Em ... de ... de 2021, o arguido contactou a ofendida DDDD, na qualidade de Diretora do Empreendimento turístico Jardim do Vau, sito na ..., e solicitou estadia naquela unidade hoteleira para trinta dias, tendo de imediato se disponibilizado para fazer o pagamento através de transferência bancária, no valor total da estadia, que seria de 4.681,80€ (quatro mil, seiscentos e oitenta e um euros e oitenta cêntimos).

2. Após a reserva, o arguido efetuou o check-in, momento que entregou um comprovativo da transferência, da conta do banco ..., porem dois dias depois o valor não tinha entrado na conta da empresa, facto que de imediato lhe levantou suspeitas.

3. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

4. O Arguido esteve alojado naquela unidade hoteleira, durante dois dias (3 a 5 de agosto).

5. Após contactar a entidade bancária, a ofendida foi informada que aquela transferência era uma transferência programada e que não se chegou a ser concretizada.

6. Assim, o ..., sito na ..., ficou lesado na quantia de 520,20€ (quinhentos e vinte euros e vinte cêntimos).

XXXVII- Inquérito 1182/21.3... (Apenso AL):

1. Em ... de ... de 2021, o arguido FF contactou com o ofendido EEEE, e comprou-lhe o veículo ligeiro de passageiros, da marca Volkswagen, modelo Passat matrícula ..-VM-.., pelo valor de €14.000.

2. Durante o negócio, o arguido e o ofendido deslocaram-se às instalações do ..., em ..., a fim de o arguido formalizar a transferência bancária naquele montante.

3. Nesse acto, o arguido apenas transferiu metade do valor para a conta do ofendido e a outra metade para conta de familiar, ficando na posse dos respetivos comprovativos.

4. Mais uma vez, o arguido disse que a transferência era de uma conta estrangeira e, como tal, o valor não seria creditado no imediato, mas nos dias seguintes.

5. Como garantia, o ofendido não formalizou a declaração de compra e venda, nem entregou os documentos do veículo, contudo o arguido ficou, desde logo, na posse do veículo.

6. Posteriormente e após inúmeros contactos, o ofendido não recebeu a quantia que o arguido disse que tinha transferido.

7. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

8. O assistente/demandante EEEE estava à data desempregado, tinha a cargo a esposa e três filhos estando a beneficiar do RSI no valor de 510,56€, tendo vendido o veículo para fazer face às suas necessidades familiares de alimentação.

9. A conduta do demandado/arguido causou-lhe direta e necessariamente humilhação, nervosismo e ansiedade agudizando os problemas económicos que já tinha.

XXXVIII- Inquérito 1243/21.9... PAVNG (Apenso AD):

1. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou a ofendida FFFF, demonstrando interesse na aquisição do seu veículo de matrícula 09-92- QA, da marca Mercedes, modelo C220, que tinha sido anunciado para venda.

2. No dia seguinte, o arguido encontrou-se com a ofendida no parque de estacionamento do centro comercial ..., em ..., tendo sido acordada a venda do veículo pelo valor de 4000 (quatro mil euros), sendo o pagamento efetuado através de transferência bancária para o NIB fornecido pela ofendida.

3. O arguido informou a ofendida que a transferência bancária iria ser realizada através da empresa denominada ..., exibindo através do Messenger, um comprovativo da alegada transferência bancaria.

4. Perante isso e confiando no arguido, a ofendida preencheu e entregou-lhe a declaração de compra e venda, bem como, a chave e respetivo certificado de matrícula.

5. Na posse do veículo e desses documentos, o arguido abandonou o local, conduzindo-o.

6. O valor de 4000.00 Euros, nunca chegou a ser depositado na conta da ofendida e sempre que contactou com o arguido, questionando-o sobre tal facto, o mesmo argumentava sempre algum motivo (desculpa) para a não efetivação da transferência bancária.

7. Na realidade, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

8. Posteriormente e no âmbito das diligências efetuadas no âmbito dos presentes autos, a aludida viatura veio a ser recuperada e, consequentemente, entregue à ofendida, sua legitima proprietária, sem intervenção do arguido.

XXXIX - Inquérito 607/21.2... (Apenso AJ):

1. O ofendido GGGG, colocou à venda na plataforma ..., a sua viatura de matrícula ..-..-JS, da marca Volvo, modelo E70, pelo valor de 3500 (três mil e quinhentos) euros.

2. No dia ... de ... de 2021, o arguido FF contactou o ofendido, mostrando interesse na compra da viatura, pelo que, foi acordado a sua venda.

3. Nesse mesmo dia e na ..., no ..., após a entrega da viatura e dos documentos ficou de ser efetuado o registo de compra e venda logo que a transferência entrasse na sua conta, o que não veio a acontecer.

4. Nessa sequência, o arguido, por correio eletrónico, enviou para o ofendido um comprovativo da suposta transferência para a sua conta do valor acordado, e, bem assim, contactou esse mesmo ofendido, por telefone, a esclarecer que, pelo facto de a transferência ser de um Banco estrangeiro, deveria demorar cerca de três dias a entrar valor em questão.

5. No entanto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. Devido ao dinheiro não entrar na sua conta, o ofendido contactou, por diversas vezes, o arguido, que invocou sempre qualquer justificação para a não realização da transferência.

7. Posteriormente, no dia ... de ... de 2021, o ofendido, ao pesquisar no site Market Place, do ..., encontrou um anúncio de venda de peças com a fotografia de um veículo que reconheceu como sendo o seu.

8. Pelo que, o ofendido, acompanhado por um amigo, deslocou-se à ... e recuperou o seu veículo numa oficina, já sem matrículas, as qual lhe foram devolvidas e colocadas no devido lugar.

XL- Inquérito 1370/20.0... (Apenso C):

1. No dia ... de ... de 2020, o arguido FF contactou a ofendida HHHH, a demonstrar interesse na compra do veículo, ligeiro de passageiros da marca Renault, modelo Megane, cor Cinza, com a matrícula ..-..-QX, que a mesma tinha publicitado.

2. Posteriormente e em conversação mantida entre ambos acordaram que o arguido se deslocaria junto da sua habitação, no decorrer do dia ... de ... de 2020, onde verificaria as condições da referida viatura.

3. Após terem acordado o pagamento, de valor não apurado mediante transferência bancária, o arguido, via email, enviou um comprovativo da realização da transferência bancária.

4. Pelo que, a ofendida efetuou a entrega da viatura ao arguido, mediante preenchimento do requerimento de Registo Automóvel, ficando com tal documento na sua posse, bem como cópia do cartão de cidadão do arguido, para posterior apresentação junto da conservatória do registo automóvel. 5. De facto, a ordem de transferência foi pelo arguido agendada a qual veio a ser cancelada por si ou não foi executada pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

6. No dia .../.../2020 em virtude de a transação não ter sido realizada, a ofendida encetou contacto telefónico com o arguido, que lhe comunicou que iria averiguar a situação junto do seu banco.

7. Volvidos alguns minutos a ofendida foi contactada pelo arguido, que alegou que tinha ocorrido um erro por parte da sua entidade bancária e que dentro de mais um ou dois dias a situação seria regularizada.

8. No dia .../.../2020, como a transação ainda não se encontrava realizada, a ofendida voltou a contactar o arguido, que afirmou que dentro de mais alguns dias a situação ficaria realizada e se assim não fosse ele próprio se encarregaria de efetuar o pagamento em numerário à ofendida, ao mesmo tempo afirmava que a transação se encontrava mais demorada em virtude de a sua entidade bancária se localizar no ....

9. Após ter sido novamente contactado pela ofendida, o arguido referiu que iria resolver a situação, tendo volvidos alguns minutos, a ofendida recebido um comprovativo de transferência bancária remetido pelo arguido, desta vez de uma instituição nacional, nomeadamente o ..., que o mesmo referiu ser de uma conta do seu tio, ao qual recorreu para regularizar a situação, no entanto até ao momento tal não se veio a verificar.

10. Mais uma vez, a ordem de transferência bancária, constante do comprovativo, respeitava a uma transferência agendada que foi cancelada e não a uma transferência imediata, real e efetiva do preço acordado.

XLI- Inquérito 550/20.2... (Autos principais):

O arguido esteve alojado, na habitação localizada na ..., que abandonou aquando da sua detenção, em ........2022.

17. O arguido em toda a sua atuação como assente nos factos II a XV, XVII, XVIII, e XX a XXIII, XXV a XL agiu com o propósito, concretizado, de obter para si um enriquecimento ilegítimo e indevido, traduzido no valor correspondente aos veículos que adquiriu e que se apropriou indevidamente e depois vendeu, bem como, aos serviços de alojamento prestados e, bem assim, os contratos de seguros firmados a seu favor e de veículos por si utilizados, bem sabendo que não procedia ao pagamento dos mesmos e que, com isso, obtinha um enriquecimento ilegítimo à custa do prejuízo patrimonial dos vendedores desses mesmos veículos e dos prestadores de serviços (alojamento e seguros), no valor correspondente.

18. Para isso, o arguido exibiu diversos comprovativos de transferências bancárias, para, assim, fazer crer aos ofendidos que procedeu à operação de transferência imediata de valores e quantias devidas o que, não correspondia à verdade, já que respeitavam a transferências agendadas que foram canceladas por si ou não foram executadas pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

19. E, aproveitando-se da confiança criada nos ofendidos, o arguido apossou-se dos veículos, bem como, beneficiou da prestação de bens e serviços, indevidamente, atenta a inexistência do correspondente pagamento.

20. O arguido, nos períodos de tempo assinalados, de ... e de ..., e em particular, enquanto permaneceu em território nacional, não trabalhou pelo que fez face à sua subsistência, através dos atos acima discriminados em II a XV, XVII, XVIII, e XX a XXIII, XXV a XL com os quais ficou ilegitimamente enriquecido no seu concreto valor obtido à custa do prejuízo causado no património dos ofendidos, já que dedicado àquelas práticas cujo rendimento destinou a fazer face aos encargos da sua vida pessoal.

21. Assim, o arguido nos períodos em apreço fez das apráticas acima identificadas o seu modo de vida sendo estas a sua principal fonte de rendimentos.

22. Agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

23. Do relatório social do arguido consta que: “FF, 41 anos, residia em ... numa habitação pertença dos progenitores. O arguido foi emigrante no ... desde ..., país onde permanecia por longos períodos de tempo, permanecendo na morada dos progenitores quando vinha a .... Naquele país o arguido não regista períodos de desemprego. Os progenitores, também foram emigrantes no .... No ..., o arguido trabalhava, desde os 21 anos de idade, como ... de automóveis e motorista de entregas, auferia cerca de 3.800€ mês. Residia em casa arrendada por 500€, com a namorada, tendo esta relação terminado em .... FF manteve uma relação anterior, consubstanciada em matrimónio da qual tem dois descendentes com 13 e 6 anos de idade. O casal divorciou-se em ..., após 13 anos de casamento. FF não identifica um grupo específico de convivialidade, reconhecendo que quando vinha a ... privava com alguns colegas de escola, embora enquanto estava no estrangeiro não contactasse essas pessoas. FF encontra-se no ... desde ........2022 à ordem do presente processo. Intramuros, o arguido encontra-se inativo. FF projeta o futuro de forma positiva. Pretende estabelecer conjugalidade com a namorada IIII, com quem beneficia de visitas íntimas no estabelecimento prisional e retomar atividade laboral, preferencialmente na área da .... O arguido beneficia de apoio incondicional do seu agregado de origem. A situação do arguido deu azo a constrangimentos, a nível psicológico, não só para os progenitores, mas também para o irmão do arguido. Os progenitores, constituem-se nesta fase como suporte dos descendentes do arguido, em face da existência de laços afetivos fortes entre os menores e o progenitor. FF recebe visitas regulares dos progenitores e da atual namorada.”

24. O arguido confessou parcialmente os factos, que justifica com a sua situação de separação de divórcio daí a sua vinda para ....

25. Revelou alguma consciência critica a respeita da sua apurada conduta, declarando-se arrependido.

26. Do Certificado de Registo Criminal do arguido junto aos autos nada consta.

3.2. Factos não provados

- O plano gizado pelo arguido foi pelo menos desde ........2018.

- Os comprovativos das transferências exibidos e/ou remetidos pelo arguido foram por este informaticamente adulteradas.

- Os comprovativos da ordem de transferência simuladas foram pelo arguido criados sem correspondência com os existentes nos bancos e informaticamente adulterados.

- O arguido ao efetuar a transferência dos 10.700€ a favor de BB agiu com o propósito, concretizado, de obter para si um enriquecimento ilegítimo e indevido, traduzido no valor correspondente aos veículos, que estavam encomendados, bem sabendo que obtinha um enriquecimento ilegítimo à custa daquele, emitindo um comprovativo de alegada transferência bancária, para a sua concretização.

- O arguido para vender as viaturas fez a falsificação da assinatura das vítimas (proprietários).

- Adquiridas as viaturas às vítimas estas eram transacionadas designadamente com JJJJ, KKKK, LLLL e MMMM, a quem as vendia.

- O arguido enviou para os alojamentos que arrendou comprovativos de transferência bancários adulterados.

- O arguido FF foi apresentado, pessoalmente, por NNNN, ao ofendido BB.

- O valor aposto na transferência bancária era de 13.941,21€.

- O veículo respeitante ao NUIPC nº 777/20.7... não foi recuperado pelo ofendido.

- No NUIPC 949/20.4... (AI) foi o arguido FF quem abordou o ali ofendido.

- O arguido quis criar documentos que sabia não serem verdadeiros – falsos- adequados a convencer falsamente os ofendidos, a quem aqueles se destinavam, que eram verdadeiros, como efetivamente quis e conseguiu fazer, pondo também em crise o interesse da sociedade civil na veracidade dos factos constantes dos documentos e atentando contra a sua genuinidade, e, e causando prejuízo patrimonial dos ofendidos.

- Relativamente ao inquérito nº 209/21.3..., foi o arguido que fez constar na declaração de venda a assinatura do ofendido, como de fosse a deste, e assim quis fazer constar dessa mesma declaração um facto juridicamente relevante, que não correspondia à verdade, de forma a convencer o destinatário dessa mesma declaração que era a pessoa a quem correspondia tal assinatura, tendo agido com o propósito, concretizado, de obter para si um benefício ilegítimo, à custa do correspondente prejuízo patrimonial. Ao agir da forma descrita, o arguido colocou em causa a credibilidade e a fé pública de que tais documentos são merecedores pelas pessoas em geral e pelas autoridades nacionais e estrangeiras em especial, prejudicando, dessa forma, o Estado. O arguido comprometeu-se que iria pessoalmente entregar o dinheiro até ao dia ... de ... de 2021, ao demandante.

- No que respeita ao NUIPC 381/21.2... Apenso AB) O relógio Girard Perragueax estava avaliado em cerca de €25000 (Vinte e cinco mil euros) o ofendido nunca obteve qualquer resposta do arguido.

- No NUIPC 2311/21.2... Apenso AF o ofendido ficou desapossado da viatura e do valor correspondente.

- No NUIPC 495/21.9... – Apenso AC o ofendido ficou desapossado da viatura e do valor correspondente.

- No XLI - Inquérito nº 550/20.2... (Autos principais).

- Em ... de ... de 2022, o arguido FF contactou com o ofendido OOOO, na qualidade de proprietário da habitação localizada na ..., e solicitou estadia naquela habitação, para o período compreendido entre o dia ... e o ..., tendo de imediato se disponibilizado para fazer o pagamento através de transferência bancária, no valor total da estadia, que seria de 2.700,00€ (dois mil setecentos euros).

- Após a reserva, o arguido enviou um comprovativo de pagamento, porém o valor não tinha entrado na conta do ofendido, facto que de imediato lhe levantou suspeitas. Tal comprovativo foi informaticamente criado e adulterado, não correspondendo à realidade, pois os dados dele constantes não correspondiam à efetiva transferência de qualquer quantia. O Arguido ficou alojado naquela habitação, sendo que não efetuou o pagamento, vindo a abandonar o local. O ofendido ficou assim lesado na quantia de 2.600,00€ (dois mil e seiscentos euros).

- Sabia ainda o arguido que, ao criar, através de uma aplicação informática e mediante a introdução de dados informáticos, comprovativos de transferência, que não correspondiam à realidade, para fazer crer nos ofendidos que as transferências das quantias se destinavam efetivamente a ser creditadas nas suas contas bancárias, estava a criar documentos que, pese embora não fossem verdadeiros, logravam convencer falsamente aqueles a quem se destinavam de que o eram, como efetivamente quis e conseguiu fazer, pondo também em crise o interesse da sociedade civil na veracidade dos factos constantes dos documentos e atentando contra a sua genuinidade, e, bem assim, estava a obter para si um benefício ilegítimo, à custa do correspondente prejuízo patrimonial dos ofendidos.

- Ao agir da forma descrita, o arguido colocou em causa a credibilidade e a fé pública de que tais documentos são merecedores pelas pessoas em geral e pelas autoridades nacionais e estrangeiras em especial, prejudicando, dessa forma, o Estado.

4. Fundamentação de Direito

4.1. Da nulidade do acórdão recorrido por falta de fundamentação quanto à pena única

Antes de se abordar a presente questão importa assinalar que o presente recurso visa, exclusivamente, matéria de direito (nulidade do acórdão recorrido, qualificação dos ilícitos criminais praticados e impugnação da pena única aplicada) pelo que, estando em causa acórdão proferido pelo tribunal coletivo que aplicou pena de prisão superior a 5 anos, é competente para dele conhecer o Supremo Tribunal de Justiça (artigos art.º 432.º n.º 1 alínea c) e 434.º, do CPP).

Mostram-se satisfeitos, por outro lado, os requisitos impostos pelos artigos 374.º e 375.º do mesmo diploma legal, nomeadamente quanto à fundamentação em matéria de facto e em matéria de direito, bem como quanto à escolha e determinação da medida das penas, não se revelando qualquer um dos vícios da decisão a que se refere o artigo 410.º n.º 2, do CPP - os quais, na previsão deste preceito, devem resultar do texto da decisão recorrida, por si só ou em conjugação com as regras da experiência; tão pouco ocorrendo nulidades não sanadas que devam ser conhecidas.

Posto isto, vejamos se o acórdão recorrido é nulo por falta de fundamentação como sustenta o arguido, ora recorrente.

Nos termos do disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição da República Portuguesa (CRP) e no art.º 374.º n.º 2, do CPP, as decisões judiciais, devem ser fundamentadas, tanto em matéria de facto, como na aplicação do direito.


O dever de fundamentação determina que a sentença ou acórdão enumere, discriminadamente, um a um, os factos provados e não provados; que exponha, resumidamente, ainda que de forma o mais possível completa, os motivos, de facto e as razões de direito, que fundamentam o julgado, com indicação das provas que serviram para formar a convicção do tribunal e a explicitação do exame crítico a que foram sujeitas, ou seja, a elucidação do processo lógico e racional que incutiu na avaliação e valoração das provas produzidas em julgamento. A fundamentação cumpre, simultaneamente, uma função de caráter objetivo – pacificação social, legitimidade e autocontrolo das decisões - e uma função de caráter subjetivo – garantia do direito ao recurso, controlo da correção material e formal das decisões pelo seu destinatário (Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, Tomo II, Coimbra Editora, 2007, Anotação ao art.º 205).

O TEDH interpreta o artigo 6.º da Convenção para a Proteção dos Direitos do Homem e das Liberdades Fundamentais no sentido de que a fundamentação das decisões dos tribunais, integrando um princípio de boa administração da justiça num Estado de Direito democrático, patenteia um dos aspetos do direito a um processo equitativo preservado por esta disposição, o qual determina, desta forma, o dever de os tribunais motivarem adequadamente as suas decisões, de acordo com a sua natureza (Neste sentido, entre outros, o Acórdão do TEDH, de 09-07-2007, Caso Tatishvili c. ..., in https://www.refworld.org/jurisprudence/caselaw/echr/2007/en/43120).

A decisão que não obedeça a estas exigências enferma da nulidade cominada no art.º 379.º n.º 1, al. a), do CPP. Segundo este normativo “É nula a sentença:

a) Que não contiver as menções referidas no n.º 2 e na alínea b) do n.º 3 do artigo 374.º ou, em processo sumário ou abreviado, não contiver a decisão condenatória ou absolutória ou as menções referidas nas alíneas a) a d) do n.º 1 do artigo 389.º-A e 391.º-F”.

Por sua vez, o art.º 375.º n.º 1, do CPP estabelece que “a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada (…)”.

O acórdão recorrido fundamentou a aplicação da pena única do seguinte modo

“Nos termos do art.º 30º, n.º 1 e 77.º n.º 1 e n.º 2, todos do C. Penal, tendo o arguido preenchido, dois tipos de crime, ou várias vezes o mesmo tipo haverá que atender ao facto de estarmos perante um concurso real efetivo de crimes cujas regras de punição conduzem à condenação do agente numa pena única onde se terão em consideração, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

Cumpre, em primeiro lugar, encontrar a moldura abstrata do concurso dentro do qual, e pela consideração das circunstâncias para tanto relevantes, se encontrará a pena única concretamente aplicável.

Considerando que o limite máximo nos é fornecido pela soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (art.º 77º, n.º 2 do CP) e o limite mínimo pela mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas, temos: como limite máximo da moldura abstrata uma pena de 25 anos de prisão por imposição legal (somam as penas parcelares 78 anos) e, como limite mínimo, 2 anos e 8 meses de prisão.

Neste momento trata-se agora é de ver os factos concorrentes no seu conjunto e detetar uma possível conexão e o tipo de conexão que os liga os factos, tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido por forma a possibilitar uma avaliação da gravidade do ilícito global perpetrado e a “culpa pelos factos em relação” (cfr. MONTEIRO, Cristina Líbano, in “A Pena “Unitária” do Concurso de Crimes”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano XVI, n.º 1, pág. 162 e segs.).

No mesmo sentido se pronunciou Acórdão do STJ de ........2007, segundo o qual «na determinação da medida concreta da pena única atender-se-á à globalidade dos factos em interligação com a personalidade do agente de forma a aquilatar-se, fundamentalmente, se o conjunto dos factos traduz uma personalidade propensa ao crime, ou é antes, a expressão de uma pluriocasionalidade, que não encontra a sua razão de ser na personalidade do arguido».

Na escolha da pena conjunta não podem ser atendidos todos os fatores que já foram considerados na determinação da pena parcelar, pois, se tal fosse feito, haveria uma violação do princípio da proibição de «dupla valoração». “Se as penas singulares esgotaram (ou deviam ter esgotado) todos os fatores legalmente atendíveis, sobrará para a pena conjunta, simplesmente, a reordenação cronológica dos factos (julgados, nos processos singulares, fora da sua sequência histórica) e a atualização da história pessoal do agente dos crimes.”

Na avaliação da personalidade expressa nos factos importa considerar todo um processo de socialização e inserção ou, pelo contrário, de repúdio pelas normas de identificação social e de vivência em comunidade, que deverá ser ponderado.

Tendo presente as considerações expostas, no caso dos autos, importa atender, aos seguintes fatores:

-por referência aos crimes a englobar avaliamos os períodos temporais da sua execução.

-a gravidade do ilícito global: as condutas do arguido vêm numa tendência criminosa para a pratica deste tipo de criminalidade, já que ocorreu em anos diversos em períodos de seis meses cada.

-a origem e causa da prática dos ilícitos radicada na personalidade atenta a forma do engodo com que aborda e mantem em engano as vítimas e na data a sua desinserção familiar depois da separação e divórcio que o arredou daquele contexto;

- ponderamos ainda a interligação com a personalidade do arguido com o seu meio de origem e as possibilidades de integração na sociedade, pois tem retaguarda familiar.

Assim, e ponderando que a criminalidade em causa, que se revela como uma tendência, para a prática destes ilícitos, mas associada à retaguarda familiar e a postura assumida em audiência de discussão e julgamento – o Tribunal Coletivo considera adequada à culpa global do arguido e às exigências de prevenção geral de integração e especial de socialização globalmente verificadas, tendo presente os fatores do artigo 40º, nº 1 do Código Penal, no âmbito da moldura do concurso de penas mencionada, a pena única de prisão de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses”.

Face ao enunciado supra, onde constam, com clareza, as razões que presidiram à fixação da pena, é de concluir resultar do acórdão recorrido que o Tribunal fundamentou devidamente a pena única aplicada ao arguido, em termos que permitem a este compreender o raciocínio lógico que esteve na base da decisão e assim proceder à sua impugnação. Possibilitando-se, do mesmo modo, a este Supremo Tribunal apreciar o presente recurso.

Refira-se, por fim, que “apenas a falta absoluta de fundamentação (fáctica ou jurídica) conduz à nulidade da decisão, não integrando tal vício, uma fundamentação deficiente(Neste sentido, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 07-09-2020, proc. 2774/17.0T8STR.E1.S1 e 24-01-2018, proc. 388/15.9GBABF.S1, ambos in www.dgsi.pt)

Não ocorre, assim, a arguida nulidade, termos em que improcede, nesta parte, o recurso.

4.2. Da não verificação da qualificativa do crime de burla pela circunstância de o agente “fazer da burla modo de vida” (art.º 218.º, n.º 2, al. b), do Código Penal), ou, em alternativa, ocorrer a prática pelo arguido de um único crime de burla qualificada ou quanto muito de dois crimes de burla qualificada, atentos os períodos em que os factos ocorreram

Insurge-se o arguido contra o facto de o acórdão recorrido ter classificado os crimes de burla por si cometidos como crimes de burla qualificada, nos termos dos artigos 217.º e 218.º n.º 2 alínea b), do Código Penal (“o agente fazer da burla modo de vida”).

Vejamos,

Nos termos do disposto no art.º 217.º n.º 1, do Código Penal “Quem, com intenção de obter para si ou para terceiro enriquecimento ilegítimo, por meio de erro ou engano sobre factos que astuciosamente provocou, determinar outrem à prática de actos que lhe causem, ou causem a outra pessoa, prejuízo patrimonial é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa”.

Como é sabido, o crime de burla apresenta-se como a atuação de alguém que, pretendendo obter para si ou para terceiro, enriquecimento ilegítimo, se socorre de erro ou engano sobre factos que astuciosamente tenha provocado ou aproveitado, determinando outrem à prática de atos que lhe causem ou causem a outra pessoa prejuízo patrimonial.

Trata-se de uma forma evoluída de captação do alheio, servindo-se o agente do erro e do engano para obter os mesmos resultados que outros conseguem com recurso a meios violentos. O ataque ao património não se realiza através de meios materiais (apreensão da coisa por recurso a violência ou intimidação), mas através de meios intelectuais. O bem jurídico protegido pela norma incriminadora é, assim, o património na perspetiva de proteger a situação de disposição que o sujeito tem sobre uma coisa. Pretende-se, desse modo, assegurar a proteção dos interesses patrimoniais das pessoas de boa-fé, que regem os seus atos de acordo com os valores sociais dominantes, consagrados na ordem jurídica, enquanto sistema global de ordenação. A noção de património, para o presente efeito, assenta na conceção económico-jurídica, a qual se afigura como prevalente na nossa Doutrina e Jurisprudência, e que passa por reconduzir o património ao conjunto de todas as situações e posições com valor económico, detidas por uma pessoa e protegidas pela ordem jurídica (Cfr. Figueiredo Dias, inCrime de Emissão de Cheque sem provisão”, CJ, Tomo III, págs. 92 e segs.) Almeida Costa in Comentário Conimbricense ao Código Penal, Volume II, pág. 300, refere que no plano criminal se exige que “a consumação do delito dependa, não de um qualquer domínio-do-erro (ainda que efetivo) mas de um domínio do erro jurídico-penalmente relevante”, tendo em consideração uma restrição adicional do desvalor de ação subjacente à burla, cuja definição remete para o princípio da boa fé (em sentido objetivo), acrescentando ainda que “uma exigência de consideração pelos interesses legítimos da outra parte, nele radica o decisivo critério da lealdade que deve acompanhar as relações das pessoas no comércio jurídico e, portanto, o limite da relevância do domínio-do-erro no quadro da burla”

Prescreve por seu turno, o referido art.º 218.º, do mesmo diploma o seguinte:

1 - Quem praticar o facto previsto no n.º 1 do artigo anterior é punido, se o prejuízo patrimonial for de valor elevado, com pena de prisão até cinco anos ou com pena de multa até 600 dias.

2 - A pena é a de prisão de dois a oito anos se:

(…)

b) O agente fizer da burla modo de vida;

(…)”

A qualificativa do agente que faz da burla modo de vida, prevista no art.º 218.º n.º 2, al. b), do Código Penal, é idêntica à do agente que faz da prática de furtos modo de vida, prevista no art.º 204.º, n.º 1, al. h), do mesmo diploma, sendo ambas entendidas de modo equivalente.

A esse respeito refere José de Faria Costa, inComentário Conimbricense do Código Penal, Parte Especial”, Tomo II, 2.ª Edição, Julho 2022, GestLegal, págs. 84-86” em anotação ao artigo 204.º, n.º 1, al. h), do Código Penal, que “a particularidade desta alínea reside primacialmente num ideia de pluralidade de infracções. Ou seja: o pressuposto fundamental para que se verifique a circunstância-elemento reside na prática - obviamente que anterior - de vários furtos. Mas, mesmo que tal pressuposto tenha lugar, estamos ainda longe de haver o preenchimento do texto-norma em apreço. Exige-se ainda de maneira insofismável que essa prática corresponda a um modo de vida. (…) a prática de furtos deve ser vista como uma série mínima de furtos, em uma intencionalidade que possa dar substância, em termos de apreciação pelo comum dos cidadãos, a um modo de vida. Modo de vida é a maneira - em uma ótica estritamente objetiva, isto é, sem qualquer espécie de valoração sobre o sentido lícito ou ilícito do comportamento assumido no quotidiano - pela qual quem quer que seja consegue os proventos necessários à própria vida em comunidade (…). As pessoas tendem a fazer vários coisas ao mesmo tempo, e isso é o seu modo de vida. Ora, se isto é assim em uma chamada vida normal não temos a menor dúvida em considerar que o mesmo se passa quando alguém se lança na carreira criminosa da prática de furtos. Quer isto significar de forma muito clara que não é absolutamente preciso que o delinquente se dedique, de jeito exclusivo, aos furtos para que se possa dizer que dessa prática faz um modo de vida. Bem pode ter uma profissão socialmente visível – o que não poucas vezes até facilita a atividade ilícita que se realiza às ocultas – e, mesmo assim, poder considerar-se que a série de furtos que pratica seja factor determinante para que se possa concluir que ele disso – isto é, desse pedaço da vida – faça também um modo de vida. (…) Na verdade, se é certo que as duas noções que ora se confrontam têm, formalmente, um elemento comum, qual seja, uma série reiterada de modelos de comportamento, é evidente que as representações sociais que se ligam ao modo de vida e à habitualidade são radicalmente diversas. Para o modo de vida temos uma representação de estabilidade ligada, sem margem para dúvidas, a um comportamento que, em princípio se traduz em benefício pessoal e social enquanto a habitualidade se cristaliza, nas representações sociais, como uma conduta reiterada tout court. Forma de conduta que, desde sempre, foi valorada pelo direito penal (…).”

Observa, por seu turno, Paulo Pinto de Albuquerque in “Comentário do Código Penal”, UCE 3.ª Edição, pág. 804, que “O modo de vida é a atividade com que o agente se sustenta. Não é necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do agente (…). O conceito de modo de vida pode ser aproximado ao de exercício “profissional” de uma atividade (…), que inclui a pluralidade de ações, a intenção de aquisição de meios de subsistência através dessas ações e a disponibilidade para realizar outras ações do mesmo tipo”.

Refere a esse respeito Manuel Maia Gonçalves, “Código Penal Português anotado e comentado e legislação complementar”, 18.ª Edição, 2007, Almedina, pág. 807 acerca da qualificativa do agente fazer da burla modo de vida que “difere da alínea a) do art. 314º da versão originária – o agente se entregar habitualmente à burla. Como já se deixou referido em anotação ao art. 204º, que usa expressão idêntica na alínea h) do n.º 1, trata-se de expressão de conteúdo menos abrangente, exigindo-se, para além de o agente se dedicar habitualmente à burla, ainda que ele faça disso a fonte dos proventos para a sua sustentação. Não se exige qualquer condenação anterior, sendo suficiente a prova de que o agente se vem dedicando à prática de burlas como seu modo de vida”.

Propugnando Miguez Garcia e J.M Castela Rio, inCódigo Penal, Parte Geral e Especial, com Notas e Comentários”, 2.ª Edição, 2015, Almedina, p. 973, que “Faz da burla modo de vida quem com a intenção de conseguir uma fonte contínua de rendimentos com a repetição mais ou menos regular de factos dessa natureza. Embora a lei não contenha elementos para avaliar o tempo necessário à definição do que seja o modo de vida, a agravação não se coaduna com a simples ocasionalidade, podendo até haver repetição. O rendimento do crime não tem que ser a única fonte nem a maior fatia dos proventos do burlão que, com sorte, pode até viver do produto de uma só burla durante uma larga temporada sem que isso constitua caso de agravação. Note-se que este modo de vida criminoso acarreta o perigo de especialização e do domínio de certas “artes” e inculca a ideia de vadiagem e de marginalidade, aproximando-se duma característica pessoal de pendor subjectivo. Está mais perto da noção de “profissionalidade” do que da “habitualidade” ou de simples “dedicação”. A habitualidade é diferente do “modo de vida”, assenta num inclinação para a prática do correspondente delito adquirida com a repetição, Jeschek, 1988, p.651 (…)”.

Salientando, por fim, Simas Santos e Leal-Henriques, in “Código Penal Anotado”, Vol. III, 4.ª Edição, Outubro 2016, Rei dos Livros, pág. 978 que “Na verdade, para que se possa declarar a profissionalidade na infração, não é suficiente que as infrações singulares tenham sido cometidas com o escopo de lucro ou com o fim de outro proveito económico, mas o complexo de infrações deve revelar um sistema de vida, como é o caso do ladrão ou do burlão que vivem sem trabalhar, dos proventos dos seus delitos, do que vive à custa das mulheres, dos rufiões, dos mendigos, etc.» (Manzini, Trattado, Vol. III, 223)” ilícitas, como a de se apropriar do alheio – que nem por isso deixará de incorrer nesta qualificativa, se a série de furtos a seu cargo for de tal ordem que nela se reconheça um processo (ainda que subterrâneo) de realizar proventos destinados à sustentação da sua vida em comunidade”.

Com base no que fica exposto é de concluir que para a verificação da aludida circunstância qualificativa não é necessário dedicar-se o agente de modo exclusivo à prática daquele tipo legal de crime, mas sim que a série de ilícitos contra o património pelo mesmo praticados constitua factor decisivo para que se possa deduzir que faz disso modo de vida, não sendo imprescindível que seja essa a única forma do agente granjear rendimentos para o seu sustento.

No presente caso, de acordo com a factualidade provada, afigura-se-nos inequívoco que o arguido nos períodos de ... e de ..., na sequência dos planos que gizou tendente à obtenção de benefícios patrimoniais ilegítimos com o correspondente prejuízo dos lesados, praticou os factos acima descritos - a que correspondem os autos de inquérito I a XLI – e que, resumidamente, se traduziram no seguinte:

Após visualização de publicitações/anúncios da venda de veículos, quase sempre através da rede ... (...) e depois de encetar contactos com os vendedores/anunciantes, o arguido demonstrava interesse na aquisição de tais veículos e, nessa sequência, agendava um encontro, para visualizar os mesmos e realizar o negócio. Depois de ver os veículos, o arguido confirmava a compra dos mesmos, com o preenchimento e assinatura do requerimento de registo automóvel, mediante o pagamento. Por forma a ludibriar os vendedores, o arguido, através do seu telemóvel e aplicação informática, fazia transferências bancárias, do valor pedido a título de preço, efetuando o envio de comprovativos de transferências bancárias dos valores correspondentes, para, assim, conferir credibilidade a um pagamento, que, em bom rigor, não existia. Sucede que de facto, os comprovativos, não titulavam, nem correspondiam a quaisquer transferências imediatas e efetivas de dinheiro. Com efeito, o arguido agendava as transferências bancárias, que ficavam programadas, as quais apenas seriam realizadas, caso as condições da conta de depósito à ordem, (D. O.) em cada data de execução o permitisse e/ou fosse canceladas. Convencidos do pagamento imediato e regularidade do negócio, os vendedores entregavam os veículos ao arguido, que, de imediato, assumia a sua pose e abandonava o local, conduzindo-os, levando-os consigo e fazendo-os seus. Posteriormente e quando os ofendidos constatavam que as transferências não foram concretizadas e, como tal, eram inexistentes, já se encontravam desapossados dos seus veículos, cujo paradeiro desconheciam. Entretanto, o arguido, vendia tais veículos a terceiros, desconhecedores dos factos anteriores, recebendo as quantias monetárias relativas às transações.

À semelhança do que fez com as viaturas, o arguido gizou um plano para a obtenção do seguro, de diversas viaturas, com as quais circulou, pelo que, contatou mediadores de seguro a quem solicitou a realização de seguros, e para o que deu ordens de transferência, que eram informaticamente elaboradas, as quais eram programadas, para outra data e que depois não foram executadas ou foram canceladas - assim não correspondendo as mesmas a pagamentos a favor da mediadora de seguros dos veículos, que entretanto já tinha emitido recibos, apólices e as cartas verdes, permitindo-se assim a circulação das viaturas.

Desde data igualmente não apurada, o arguido gizou também um plano tendente à obtenção de benefícios patrimoniais ilegítimos, com o correspondente prejuízo dos lesados, através da reserva, benefício de estadia em diversos alojamentos, sem pagar o respetivo valor. Para o efeito, o arguido, através de contacto telefónico, procedia à reserva de alojamentos, por períodos que podiam ir até dois a três meses, dizendo que o pagamento seria efetuado através de transferência bancária e que, posteriormente, remeteria o respetivo comprovativo, por correio eletrónico. Consequentemente, o arguido remetia comprovativos de transferência do valor devido pelo alojamento, para os responsáveis pelos alojamentos, todavia as transferências eram agendadas e posteriormente não eram executadas ou eram canceladas, pois não correspondiam a uma transferência imediata e efetiva do preço acordado. Posteriormente e logo que tinha acesso ao local, através do check-in, o arguido encetava contactos com outros alojamentos e procedia da mesma forma. Quando era contactado e confrontado com a inexistência do valor das transferências, o arguido, desculpando-se, dizia que devia ter ocorrido qualquer erro bancário. E, logo após, abandonava aquele local, dirigindo-se para outro alojamento, cuja reserva já tinha efetuado, através do mesmo método.

O arguido em toda a sua atuação (factos II a XV, XVII, XVIII, e XX a XXIII, XXV a XL) agiu com o propósito, concretizado, de obter para si enriquecimento ilegítimo e indevido, traduzido no valor correspondente os veículos de que se apropriou ilegitimamente e depois vendeu, bem como aos serviços de alojamento que lhe foram prestados e aos contratos de seguros firmados a seu favor relativamente a veículos por si utilizados, bem sabendo que não procedia ao pagamento dos mesmos e que, com isso, obtinha um enriquecimento ilegítimo à custa do prejuízo patrimonial dos vendedores desses mesmos veículos e dos prestadores de serviços (alojamento e seguros), no valor correspondente.

Para isso, o arguido exibiu diversos comprovativos de transferências bancárias, para, assim, fazer crer aos ofendidos que procedeu à operação de transferência imediata de valores e quantias devidas o que, não correspondia à verdade, já que respeitavam a transferências agendadas que foram canceladas por si ou não foram executadas pelo banco por falta de saldo, da conta, não tendo dado lugar a qualquer transferência de valor do preço real ou efetiva.

Aproveitando-se da confiança criada nos ofendidos, o arguido apossou-se dos veículos, bem como, beneficiou indevidamente da prestação de bens e serviços, atenta a inexistência do correspondente pagamento.

O arguido agiu livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

O arguido praticou, pois, crimes de burla (art.º 217.º, do Código Penal).

Assim, uma vez que o arguido nos períodos assinalados, e em particular, enquanto permaneceu em território nacional, não desenvolveu actividade profissional, considera-se que o mesmo fez face à sua subsistência através dos actos acima discriminados, com os quais ficou ilegitimamente enriquecido no concreto valor obtido à custa do correspondente prejuízo causado no património dos ofendidos.

Conclui-se, deste modo, à semelhança do consignado no acórdão recorrido, que o arguido, pelo menos nos períodos em causa, “fez da burla seu modo de vida”, pelo que, com excepção das 3 situações em que se não apurou o valor dos prejuízos (não podendo, assim, concluir-se se são de valor elevado como resulta do citado art.º 218.º n.º1, Código Penal), os factos por si praticados integram a prática, em concurso efectivo de 33 crimes de burla qualificada (art.º 218.º n.º 1, alínea b), do Código Penal).

Sustenta ainda o arguido que a sua reiterada conduta integra a prática de 36 crimes de burla simples, ou na hipótese de se considerar verificada a aludida circunstância qualificativa (alínea b)) uma vez que os factos reiterados por si praticados conferem unidade à acção, deve o mesmo ser condenado por um crime de burla qualificada ou quanto muito por dois crimes de burla qualificada, atendendo a cada um dos períodos de seis meses em que os factos foram praticados, tudo sob pena de uma intolerável violação do princípio do “ne bis in idem” ou da proibição da dupla valoração.

Nos termos do art.º 30.º, do Código Penal, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente (n.º 1).

Constitui um só crime continuado a realização plúrima do mesmo tipo de crime ou de vários tipos de crime que fundamentalmente protejam o mesmo bem jurídico, executada por forma essencialmente homogénea e no quadro da solicitação de uma mesma situação exterior que diminua consideravelmente a culpa do agente (n.º 2).

De acordo com os ensinamentos de Eduardo Correia in “Actas do Código Penal”, 1965, pág. 213, que fundamentou o afastamento no direito positivo das regras do concurso aparente de crimes, mencionando não ser adequada “(…) uma vez que se trata, por um lado, de regras doutrinais e não legislativas, e, por outro, de regras gerais de interpretação do tipo legal de crime e não regras privativas do problema da unidade e pluralidade de infrações”, é o bem jurídico protegido que constitui o âmago do tipo e da valoração que este expressa, porquanto a razão teleológica para delimitar as normas efetivamente infringidas ou os crimes efetivamente perpetrados, só pode encontrar-se na alusão a bens jurídicos que sejam realmente infringidos.

No presente caso, não tem aplicação a figura do crime continuado (já que, pese embora os factos tenham sido executados por forma essencialmente homogénea, não ocorreram no quadro de uma mesma situação exterior em situação que diminua consideravelmente a culpa do arguido), a questão reside, pois, em saber se os factos reiterados praticados pelo arguido, que em primeira análise se traduzem no crime de burla simples (art.º 217.º, do Código Penal), verificando-se in casu a circunstância qualificativa de “o agente fazer da burla modo de vida”, prevista no art.º 218.º n.º 2, alínea b), do Código Penal, consubstanciam uma situação de concurso efectivo de crimes de burla qualificada.

Como acima se viu, a situação colhe paralelismo com o previsto no art.º 204.º n.º 1, alínea h), do Código Penal “1 - Quem furtar coisa móvel ou animal alheios (…) ( h) Fazendo da prática de furtos modo de vida”.

A este respeito no acórdão recorrido consignou-se o seguinte:

“Uma vez que foi suscitado que estando em causa a prática dos crimes de burla, como modo de vida, forçosamente que ao comportamento do arguido deveria presidir, uma e só uma, resolução criminosa e inicial ou assim não se entendendo que estamos perante um crime continuado, cumpre apreciar a falta de razão. Assim, se o agente, com o seu comportamento, preenche mais do que um tipo de crime, ou o mesmo tipo de crime mais do que uma vez, estaremos perante um concurso de crimes, matéria que é regulada pelo art.º 30°, do CP, cujo n° 1 tem a seguinte redação: “O número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

A unidade ou pluralidade de tipos violados pela ação do agente é, pois, o critério essencial que permite distinguir se estamos na presença de um só crime ou na presença de vários crimes.

Todavia, naqueles casos em que é violado mais do que um tipo de crime, importa esclarecer em que relação se encontram as várias normas penais aplicáveis, podendo acontecer que alguma delas exclua a aplicação das demais, estando-se, então, perante um concurso legal, aparente ou impuro. Se, porém, for de concluir que várias dessas disposições são de aplicar, de forma paralela e concorrente, estaremos perante um verdadeiro concurso, efectivo ou puro, conforme explicado por Figueiredo Dias (Sumários e Notas das Lições do 1° ano do Curso Complementar de Ciências Jurídicas da Faculdade de Direito de 1975-1976 - Coimbra Editora-1976, págs. 101/102). Ora em face dos factos provados, em as várias ações ilícitas, cada uma delas subsumível ao art.º 217°, n° 1, do CP, podem ser reconduzidas a uma só resolução criminosa, nem a circunstância de fazer do crime de burla modo de vida permite a conclusão de que todas as aludidas ações obedeceram à mesma resolução, entendida esta como determinação de vontade, de realização do projeto criminoso.

De facto, para se afirmar a existência de uma unidade resolutiva, é necessária uma conexão temporal que, em regra e de harmonia com os dados da experiência psicológica, leva a aceitar que o agente executou toda a sua atividade sem ter de renovar o respetivo processo de motivação, o que, atenta a factualidade provada, não aconteceu.

Por outro lado, haverá concurso (efetivo) de crimes, quando os factos se subsumem a crimes que protejam bens jurídicos distintos ou, sendo subsumíveis a crimes que protejam o mesmo bem jurídico, as violações tenham tido lugar em situações históricas distintas (Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal ..., 2008, pág. 136, anotações 14 e 15).

Enquanto a circunstância modo de vida, como agravante qualificativa do crime, é uma conclusão a retirar a “posteriori”, em função do número de crimes do mesmo tipo que foram cometidos pelo arguido, em que relevam vários outros elementos que se impõe ponderar - tais como, o período de tempo em que se desenrolou a atividade criminosa, o valor do enriquecimento ilegítimo obtido com cada uma das ações criminosas, a ausência ou não de outros rendimentos (lícitos) do arguido e seu montante, em conjugação com as suas condições económico-sociais, etc. - a resolução criminosa antecede a execução da respetiva ação ilícita.

O arguido decide cometer o crime, podendo cometê-lo de imediato ou passado algum (ou muito) tempo. Do que não temos dúvidas é que, cada crime de burla que foi cometido pelo arguido foi antecedido da correspondente resolução no sentido de o cometer.

Não se confunda, porém, tal resolução com a eventual decisão tomada pelo arguido, a dado momento da sua vida, no sentido de que, a partir de então, passaria a dedicar-se à prática de burlas, pelas quais obteria os necessários meios de subsistência.

Uma coisa é enveredar, de forma consciente e a título duradouro, ou permanente, por um determinado modo de vida, que passará pela prática, regular, de crimes contra o património - sejam eles de burla, furto, roubo ou outros -, outra coisa é a decisão e subsequente planificação de determinado crime em concreto (no caso, de burla), que implica, nomeadamente, a escolha da vítima, o modo de abordagem, o esquema com que a mesma terá de ser convencida a dispor do seu património, etc. Isto é, o que conta para a unificação da conduta criminosa do arguido, quando a mesma se desdobra em várias ações subsumíveis, cada uma delas, ao respetivo tipo legal, não é aquela primeira decisão, tomada em abstrato, de que vai passar a viver da prática de burlas, mas sim a decisão de cometer determinado crime em concreto, em determinadas circunstâncias que pelo arguido foram concretamente ponderadas e analisadas e lhe permitiram passar à respetiva execução. O que resulta da matéria de facto provada é que o arguido, durante aqueles períodos de tempo em que esteve em Portugal enganou mais de três dezenas de pessoas, convencendo-as a entregar-lhe as viaturas, que depois vendia abaixo do preço de custo, a fazerem-lhe seguros, para veículos automóveis com os quais circulava, e a prestarem-lhe serviços de alojamento, tudo sem pagar, tendo as vítimas sido abordadas em momentos completamente distintos, por processos independentes e autónomos, invocando o arguido, nomeadamente, profissões diversas, vendedor de imóveis ou professor, e sempre diferentes da sua, (... e ...) ainda que, tenha havido alguma homogeneidade no modo de execução do crime, mas sem que tenha existido qualquer solicitação externa diminuidora da culpa do agente. Seja como for, quer a história com a qual o arguido ludibriou cada uma das pessoas ofendidas fosse igual ou diferente, aquele teve de a contar a cada uma das vítimas, de forma independente, em momentos distintos, em abordagens autónomas e com algumas variantes, não havendo qualquer ligação entre aquelas, pelo que, nunca poderia haver uma única resolução que abarcasse todas as ações ilícitas acima descritas.

Diferente seria a conclusão se todas as vítimas estivessem reunidas numa mesma sala e o arguido aproveitasse a oportunidade de estarem todas juntas para, de uma só vez, lhes contar uma história, com a qual as enganasse e convencesse a entregar-lhe os seus veículos automóveis a fazerem-lhe os seguros para circular com as viaturas e a fornecer-lhe alojamento, convencendo-as que processou o pagamento, sem o fazer. Aí sim, haveria uma só resolução criminosa, a que corresponderia um só crime de burla, embora esta conclusão só seja válida para crimes em que o bem jurídico protegido não seja eminentemente pessoal, porque, se o for, aquela regra do concurso efetivo mantém-se.

Pode, pois, dizer-se que, no caso “sub judice”, relativamente a cada vítima, o arguido tomou, em momentos distintos, a correspondente resolução no sentido de a burlar, tendo escolhido o método, mais adequado para conseguir convencê-la a dispor do seu veículo automóvel, efetuar-lhe o seguro ou aceitar a reserva e alojá-lo, adaptando esse método à medida que o respetivo relacionamento com aquela ia progredindo e em função dos obstáculos e das dificuldades que iam surgindo.

Deste modo, impôs-se a conclusão de que há tantas resoluções criminosas, quantas as aludidas ações ilícitas levadas a cabo pelo arguido, pois, todas elas tiveram lugar em situações históricas distintas, sendo de excluir a hipótese de estarmos perante uma única resolução criminosa.

Por outro lado, a circunstância de haverem situações em que os ofendidos em face do engano entregaram o automóvel, a declaração de venda e os documentos da viatura em face de outras situações onde os ofendidos apenas entregaram o automóvel retendo a declaração de venda ou os documentos, não contende com a perfetibilização dos crimes de burla, que ultrapassaram a fase da tentativa, na medida em que o veículo foi entregue, o que demonstra a disposição patrimonial, por parte dos ofendidos e a obtenção do enriquecimento ilegítimo por parte do arguido, que não os pagava, com o correspondente prejuízo patrimonial e que podiam ser desmantelados para peças, como alguns terão sido.

Subscrevem-se, no seu essencial, estas considerações que encontram respaldo na jurisprudência deste Supremo Tribunal, a propósito do crime de furto qualificado, cuja doutrina é transponível para o crime de burla, no sentido de que a referida qualificativa (fazendo da prática de furtos modo de vida) não obstaculiza à verificação do concurso de crimes de furto qualificado. Assim, como se considerou no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18.05.2023, proc. 23/20.3GABNV.L1.S1, www.dgsi.pt,

“De acordo com art.30.º, n.º1, do Código Penal, o concurso efetivo tanto pode envolver a aplicação de diferentes normas incriminadoras (concurso heterogéneo), como a aplicação plúrima de uma única norma incriminadora (concurso homogéneo).

Por outro lado, o preceito não distingue o concurso ideal (um único ato viola vários bens jurídicos protegidos por diversas incriminações) e o concurso real (uma pluralidade de atos violam vários bens jurídicos protegidos por diversas incriminações).

Uma vez que o concurso efetivo, verdadeiro ou puro tanto depende da violação de uma pluralidade de tipos (abstratos), como da violação plúrima do mesmo tipo abstrato, impõe-se saber, para o presente caso, quando estamos perante a violação plúrima do mesmo tipo de crime.

Eduardo Correia, na sua obra “Unidade e Pluralidade de Infracções - Caso Julgado e Poderes de Cognição do Juiz”, para distinguir entre unidade e pluralidade de infrações, apela ao critério da unidade ou pluralidade de juízos de censura, traduzido por uma unidade ou pluralidade de resoluções autónomas do agente, no sentido de determinações de vontade.

O pensamento de Eduardo Correia encontra-se consagrado no art.30.º, n.º 1 do Código Penal, com uma restrição, pois “a unidade de resolução não é incompatível com a pluralidade de «tipos de crimes» (…), tal como a pluralidade de resoluções não é incompatível com a unidade do «tipo de crime» para efeitos do concurso de crimes, pelo que a pluralidade de resoluções criminosas tem uma função meramente indicativa ou indiciária da pluralidade de crimes.”

Para Figueiredo Dias não é de aceitar a unidade de resolução como sinal seguro da unidade de sentido de ilícito revelada pelo comportamento, pois a unidade de resolução é compatível com a pluralidade de sentidos autónomos de ilícito dentro do comportamento global, mesmo que não exista descontinuidade temporal entre os diversos atos praticados. Por outro lado, a pluralidade de resoluções é ainda compatível com a unidade de ilícito do comportamento total, estejam em causa ou não bens eminentemente pessoais.

Nesta orientação, relativamente a todos os tipos que protegem bens de caráter eminentemente pessoal, a pluralidade de vítimas e, consequentemente, a pluralidade de resultados típicos, deve considerar-se sinal seguro da pluralidade de sentidos do ilícito e conduzir à existência de um concurso efetivo.

Seguindo Pedro Caeiro e a sugestão de Almeida Costa, defende Figueiredo Dias que deve ponderar-se o alargamento da pluralidade de eventos típicos ligados a uma pluralidade de vítimas, a “todos aqueles bens que não sejam supra-individuais”, como os bens de caráter pessoal, onde se incluem os bens de caráter patrimonial.

O bem jurídico é o cerne do tipo e da valoração que este exprime. A razão teleológica para determinar as normas efetivamente violadas ou os crimes efetivamente cometidos, só pode encontrar-se na referência a bens jurídicos que sejam efetivamente violados.

concurso efetivo de crimes quando os factos se subsumem a tipos de crime que protegem bens jurídicos distintos ou, sendo subsumíveis a crimes que protejam o mesmo bem jurídico, as violações tenham tido lugar em situações históricas distintas, pois neste caso indicia-se que houve uma pluralidade de resoluções criminosas. Segundo o critério normativo consagrado no art.30.º, n.º1 do Código Penal, a violação concreta de uma norma jurídica repercute a falta da eficácia querida, faz nascer a formulação de um juízo de censura sempre que o agente desencadeie um específico processo volitivo pondo em prática um projeto criminoso, pelo que se, por vezes diversas, o agente se autodetermina em vista da sua concretização, então teremos que a uma pluralidade de resoluções criminosas corresponde igual número de perdas de eficácia da lei e assim a pluralidade de infrações afere-se, pelo número de tipos legais infringidos ou de vezes que a mesma norma é violada , assimilando-se o concurso ideal ao real .

Como acentua o acórdão do S.T.J, de 08-01-2014 (proc. n.º 7/10.0TELSB.L1.S1), vários crimes em momentos históricos separados, define díspares resoluções criminosas e estas fundam um maior juízo de censura, porque o tempo não serviu para os demover do crime, para se contra-motivarem, para mais constando da motivação de facto que os arguidos viviam de atividades ilícitas e delas faziam modo habitual de vida. Se entre os factos mediar um espaço de tempo acentuado, os últimos já não são uma “explosão” da resolução inicial, mas importam, à luz das regras da psicologia e da experiência comum, um renovar cíclico do processo deliberativo.

(…)

Os “pedaços de vida” espácio-temporais descritos na factualidade dada como provada e a subsequente pluralidade de vítimas, exigiram ao arguido, de acordo com as regras da lógica e da experiência comum, uma pluralidade de resoluções autónomas e correspondente pluralidade de juízos de censura pela violação ou tentativa de violação do património de cada uma das concretas vítimas, com o correspondente preenchimento, em concurso efetivo, do crime de furto, sob a forma consumada ou tentada.

Fazendo apelo, pois, à unidade ou pluralidade dos juízos de censura (culpa), ou seja, ao critério seguido por Eduardo Correia, invocado pelo ora recorrente, torna-se claro que o arguido AA não se deixou contra-motivar pela ordem jurídica de cada vez que, em diversas situações históricas, através da correspondente resolução autónoma, violou ou tentou violar o património de cada uma das diferentes vítimas, pelo que incorreu em tantos crimes de furto quantas as vezes que preencheu o respetivo ilícito-típico.

À mesma conclusão, de existência de concurso efetivo de crimes, se chega se o critério definidor deste assentar na ideia da relevância do ilícito-típico e de proteção dos bens jurídico-penais, como entidade concreta, portadora de um juízo de valor sobre uma relação da vida real.

O concurso efetivo de crimes de furto (simples e qualificados, consumados e tentados) é extensível aos vários factos descritos na factualidade dada como provada, que integram a prática dos crimes de falsificação de documento.

Seja pela pluralidade juízos de culpa, ou pela pluralidade de sentidos do ilícito-típico, cada uma das vezes que o ora recorrente violou o bem jurídico protegido pela falsificação de documento, cometeu um destes crimes.

Não procede, assim, o argumento do recorrente de que tendo renovado o processo de motivação quando praticou os diversos factos ilícitos-típicos dados como provados praticou um único crime de furto e um único crime de falsificação de documento.

Também o entendimento do ora recorrente de que a agravante «modo de vida» é uma consequência comportamental padronizada para a prática de ilícitos ou uma atividade mais ou menos regular tendo em vista o sustento do agente, impõe que seja condenado por um único crime de furto qualificado e por um crime de falsificação de documento, não pode proceder, como brevemente se passa a expor.

O recorrente não questiona que com as suas condutas descritas nos factos provados, preencheu a qualificativa «modo de vida», a que alude a alínea h), n.º 1 do art.204.º do Código Penal, no entendimento sufragado na decisão recorrida de que “…modo de vida é a actividade com que o agente se sustenta. Não é necessário que se trate de uma ocupação exclusiva, nem contínua, podendo até ser intermitente ou esporádica, desde que ela contribua significativamente para o sustento do agente” (PAULO PINTO DE ALBUQUERQUE, Comentário do Código Penal à luz da Constituição e da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, Universidade Católica Editora, 2.ª Edição, p. 639).
O Supremo Tribunal de Justiça subscreve este entendimento da decisão recorrida e também a orientação implícita, nele seguida, de que a agravante do “modo de vida”, que integra a al. h), n.º1 do art.204.º do Código Penal - como as outras agravantes das alíneas a) b) imputadas ao arguido -, se preenche relativamente a cada um dos 6 crimes de furto praticados em concurso efetivo.

A qualificativa “modo de vida” abrange a totalidade e cada uma das condutas criminosas, como bem consigna o acórdão do S.T.J. de 29-10-2008 (publicado na CJ. ASTJ, ano XVI, tomo III, pág. 202 e seguintes).

A aplicação daquela qualificativa do furto, a cada um dos crimes em concurso efetivo, feita pelo Tribunal a quo, quando não há identidade de bem jurídico tutelado em concreto, desde logo, porque os bens furtados ou tentados furtar pertencem a diferentes pessoas, não configura uma situação de dupla incriminação pela prática dos mesmos factos.

Sendo diversos os vários factos julgados e diversos os crimes pelos quais o arguido foi condenado em concurso efetivo, o acórdão recorrido não violou igualmente o disposto no art.29.º, n.º5 da C.R.P., ou seja, o princípio “non bis in idem”, ao interpretar e aplicar a qualificativa «modo de vida» relativamente a cada um dos crimes de furto.

No que respeita à alegada prática de um único crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art.256.º do Código Penal, por referência à qualificativa do «modo de vida», da alínea h), n.º1 do art.204.º do Código Penal, ela nunca se verificaria, porquanto estão em causa diferentes bens jurídicos, tutelados por diversos tipos de ilícito”.

Ora, como resulta dos factos provados e à luz da apontada jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, pode concluir-se pela verificação de uma situação de concurso efectivo de burlas qualificadas, pelo agente fazer da burla modo de vida.

Efectivamente, não obstante se tenha apurado que o arguido previamente gizou planos para levar a cabo a sua descrita conduta no que se refere à aquisição dos veículos, outorga dos respectivos contratos de seguros e prestação de serviços de alojamento, o que se verificou entre Maio a Outubro de 2020 e entre Maio a Outubro de 2021, tal traduziu-se apenas num plano prévio ou global, que atenta as várias e diferentes pessoas que foram enganadas pelo arguido e os diversos contextos temporais e circunstanciais em que as os factos ocorreram não podem deixar de traduzir-se em diversas resoluções criminosas.

Verifica-se, pois, uma pluralidade de sentidos autónomos do ilícito dentro do comportamento global do arguido (face às diferentes vítimas) a que acresce uma pluralidade de juízo de censura (culpa), pois, como se viu, a existência do tipo não serviu para demover o arguido do crime, ou seja, para o contra - motivar a não o praticar.

Tal como refere o acórdão recorrido, e acima se referiu, não se tendo provado o valor do prejuízo relativamente aos factos referentes aos pontos X XIV e XL (fazendo apelo ao disposto no art.º 204.º n.º 1 alínea h) do Código Penal, onde o legislador desqualifica o crime de furto, desde que a coisa seja de diminuto valor, atento o seu paralelismo, como já visto, com o crime de burla (fazer da burla modo de vida), não se tendo provado o prejuízo sofrido pelos ofendidos quanto àqueles ilícitos, incorreu o arguido relativamente a eles (por verificação dos elementos objectivo e subjectivo do tipo) na prática de 3 crimes de burla simples (art.º 217.º, do Código Penal).

Acresce ainda que se não verifica a violação do princípio do ne bis in idem, uma vez que foram vários os ofendidos e diversos os bens jurídicos violados. Deste modo, a condenação do arguido pela prática em concurso efectivo de 33 crimes de burla qualificada (art.º 218.º n.º 1, alínea b), do Código Penal), não infringe art.º 29.º n.º 5, da Constituição da República Portuguesa (CRP).

Improcede, por conseguinte, a presente questão.

4.3. De ser exagerada a pena única aplicada ao arguido, revelando-se suficiente a censura do facto e a ameaça da pena ou, alternativamente, dever fixar-se a pena única entre 4 a 5 anos de prisão.

O arguido recorre tão só da pena única de 6 anos e 4 meses de prisão que lhe foi aplicada. Sustenta que essa pena é excessiva. A mesma deveria situar-se entre os 4 a 5 anos e ser suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova e deveres de conduta.

Nos termos do disposto no artigo 40.º, do Código Penal, “a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”.

Prevê o n.º 1 do art.º 71.º, do Código Penal que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, devendo o tribunal ter em consideração todas as circunstâncias associadas com o facto praticado e com a personalidade do agente, pertinentes para apreciar a medida da pena da culpa e da medida da pena preventiva, que, não integrando parte do tipo de crime, deponham a favor do agente ou contra ele, tendo em consideração, designadamente, as indicadas no n.º 2 do referido preceito legal.

Este sistema encontra os seus alicerces no artigo 18.º n.º 2, da CRP, segundo o qual as restrições de direitos devem “limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”.

Segundo o disposto no artigo 27.º n.º 2, da CRP, a privação do direito à liberdade, por imposição de uma pena sujeita-se, desde a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade, que comporta os seguintes subprincípios:

- O princípio da necessidade ou da exigibilidade (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias têm de ser exigidas para alcançar os fins em vista, por o legislador não dispor de outros meios menos restritivos para alcançar o mesmo desiderato);

- O princípio da adequação (as medidas restritivas de direitos, liberdades e garantias devem revelar-se como um meio para a prossecução dos fins visados, com salvaguarda de outros direitos ou bens constitucionalmente protegidos); e

- O princípio da proporcionalidade em sentido estrito ou da racionalidade (não poderão adotar-se medidas excessivas, desproporcionadas para alcançar os fins pretendidos).

Deste princípio resulta para Estado, em sentido amplo, uma imposição de verificar se o sacrifício dos direitos individuais sujeitos á sua aplicação consagra uma relação razoável ou proporcional com a importância do objetivo que se pretende atingir.

Daqui decorre o princípio da necessidade da pena criminal, nos termos do qual a pena criminal será constitucionalmente admissível se for necessária, adequada e proporcional em sentido estrito - o que significa que o juiz, perante uma concreta situação deve eleger, entre as penas que são igualmente aptas para o objetivo pretendido, aquela é mais menos prejudicial para os direitos fundamentais do cidadão.

A influência de tais princípios na determinação da pena fundamenta-se pela carência de proteção do bem jurídico tutelado pela norma incriminadora infringida, de acordo com um critério de proporcionalidade entre a gravidade do facto praticado e gravidade da pena, em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

A determinação da pena impõe que o agente do crime tenha agido com culpa, quer dizer, que deva ser julgado pela infração do dever de atuar de acordo com o direito, o que se requer como pressuposto e cujo grau se impõe como limite da pena (artigo 40.º n.º 2, do Código Penal).

A determinação da pena baseia-se nos artigos 40.º, 70.º e 71.º, do Código Penal, sendo a moldura penal adequada aos factos dados como provados no processo. Dentro desta moldura-se penal deve obter-se o quantum concreto da pena em que o arguido deve ser condenado, pretendendo-se que a culpa estabeleça o máximo de pena concreta que não pode, em caso algum, ser ultrapassado. Até ao máximo consentido pela culpa, é a prevenção geral positiva que vai circunscrever a medida da pena, criando uma moldura de prevenção, dentro da qual funcionará as finalidades de prevenção especial.

Para a definição das necessidades de prevenção, há que considerar às circunstâncias pertinentes em vista da satisfação de exigências de prevenção geral – traduzida na proteção do bem jurídico ofendido mediante a aplicação de uma pena proporcional à gravidade dos factos, dentro dos limites da culpa, confirmando a conservação da confiança comunitária na norma violada – e, particularmente, de prevenção especial, as quais possibilitam fundamentar um juízo de prognose sobre o cometimento, pelo agente, de novos crimes no futuro, e assim avaliar das suas necessidades de socialização.

Deve avaliar-se na ponderação destes fatores a verdadeira gravidade da lesão do bem jurídico protegido pela norma incriminadora, concretizada na ação (demorada) levada a efeito pelo arguido pela forma descrita nos factos provados, de forma a apurar se a pena aplicada honra os aludidos critérios de adequação e proporcionalidade que devem regular a sua aplicabilidade (Vd. Acórdão do STJ, de 29-06-2023, proc. 15/11.3PEALM.L5.S1).

Como se supra concluiu, o arguido cometeu, além de três crimes de burla simples, e, em concurso efectivo, 33 crimes de burla qualificada pelo “modo de vida” (artigos 217.º e 218.º n.ºs 1 e 2 alínea b), do Código Penal).

Nos termos do art.º 77.º, do Código Penal, “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (n.º 1). A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes” (n.º 2).

Ao referir-se no art.º 77.º ao “conjunto, dos factos e a personalidade do agente”, faz o legislador apelo a que se considere na determinação da pena conjunta com se pretende sancionar o agente, não apenas os factos individualmente considerados, mas também e especialmente o respectivo conjunto, entendido este «não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente», visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, e não unitariamente, os factos e a personalidade do agente. A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo «deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e a gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado» (Vd. Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-01-2021, proc. 1663/16.0T9LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt).

Como salienta Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1.ª Edição, págs. 290 a 291 “Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art.º 72.º, nº 1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente”. (Itálicos e sublinhados nossos).

A este respeito, como tem sido assinalado pela jurisprudência, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”

A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais.

Aqui, o todo não equivale à mera soma das partes e, além disso, os mesmos tipos legais de crime são passíveis de relações existenciais diversíssimas, a reclamar uma valoração que não se repete, de caso para caso. A este novo ilícito corresponderá uma nova culpa (que continuará a ser culpa pelo facto) mas, agora, culpa pelos factos em relação. Afinal, a valoração conjunta dos factos e da personalidade, de que fala o Código Penal.

Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspetiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela atividade”.

“Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. (Itálicos e sublinhados nossos). (Vd. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2022, proc. 16048/94.OTDPRT-B.S1 e os Acórdãos do mesmo Supremo de 27-01-2016, proc. 178/12.0PAPBL.S2, e de 12-02-2014, proc. 1335/12.5JAPRT.S1, todos disponíveis em ,).

No presente caso, foram aplicadas ao arguido as seguintes penas:

- Pela prática de 3 (três) crimes de burla simples, a pena de prisão 8 meses por cada um.

- Pela prática de 7 (sete) crimes de burla qualificada, pelo modo de vida, onde o prejuízo causado pelo arguido não ultrapassou os 1.000€, a pena de 2 anos de prisão para cada;

- Pela prática de 22 (vinte e dois) crimes burla qualificada, pelo modo de vida, onde o prejuízo causado pelo arguido ultrapassou os 1.000€ mas não ultrapassou os 5.100€, a pena de 2 anos e 4 meses, por cada;

- Pela prática de 4 (quatro) crimes de burla qualificada, pelo modo de vida, onde o prejuízo causado pelo arguido ultrapassou os 5.100€ a pena de 2 anos e 8 meses, por cada.

Na sequência, nos termos do referido art.º 77.º, do Código Penal, foi aplicada ao arguido a pena única de 6 anos e 4 meses de prisão.

Vejamos, então, se essa pena é excessiva, à luz dos critérios acima expostos e tendo em conta, reitera-se, que de acordo com aquele normativo legal, na fixação da pena única “são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente”

A esse respeito importa considerar que o arguido cometeu os referidos crimes de burla simples e de burla qualificada, o que se desdobrou em múltiplos actos, durante os quais arrecadou para si, à custa do património dos ofendidos, consideráveis vantagens económicas, cerca de 100.000€.

Para além disso, como demonstram os factos provados, a actuação do arguido não foi espontânea, mas repetidamente bem pensada e executada, tendo enganado vários ofendidos e obtido os referidos benefícios patrimoniais ilegítimos à custa do património destes, sendo que, pese embora tal actuação se tenha espraiado apenas por dois períodos de seis meses cada, o número de vítimas e a intensidade da sua actuação criminosa foi de tal ordem que se pode afirmar não estarmos perante uma situação de simples pluriocasionalidade, que não radica na personalidade, mas sim perante verdadeira tendência criminosa para a prática de crime, o que agrava a pena a aplicar.

Acresce que embora alguns dos factos ilícitos praticados pelo arguido não tenham assumido a mesma intensidade, visto alguns veículos terem sido recuperados e mesmo devolvidos por aquele, a reiteração e persistência com que foram praticados e os valores dos prejuízos, revelam um conjunto de factos bastante graves. Para os praticar o arguido agiu com reiterado dolo intenso.

O arguido beneficia da sua inserção social, é ... de profissão, ofício que tem exercido aquando da sua permanência em .... Tem dois filhos de uma anterior relação, de 13 e 6 anos de idade, com quem mantém estreita ligação e tem gozado do apoio da família (pais e irmão), que o apoia incondicionalmente. Tem uma nova namorada que o visita no EP. O arguido confessou parcialmente os factos e perspectiva de forma positiva o seu futuro. Não tem antecedentes criminais.

Com base neste quadro, considerando, a gravidade do conjunto dos factos e a personalidade do arguido, manifestada na prática dos mesmos, bem como as necessidades de prevenção geral, que se revelam exigentes atento o alarme e intranquilidade sociais gerados pelo tipo de comportamento em questão, impondo-se repor a validade das normas violadas, deve também atender-se às suas condições pessoais e familiares que se mostram favoráveis aos objetivos de ressocialização e o comportamento assumido pelo arguido na prisão.

Em caso de concurso de crimes a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Tendo em consideração que o limite máximo da pena única é de 25 anos (visto a soma das penas concretamente aplicadas ultrapassar esse limite) e que o limite mínimo é de 2 anos e 8 meses de prisão, considera-se justo e adequado fixar ao arguido a pena única seis anos de prisão.

Atenta a pena única aplicada de 6 anos de prisão, não se mostra verificado o pressuposto formal de aplicação da suspensão da execução da prisão, estabelecidos no artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal.

Procede, assim, parcialmente a presente questão.

5. Decisão

Pelo exposto, acorda-se na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em julgar parcialmente procedente o recurso e, em consequência, alterando o acórdão recorrido nesta parte, condena-se o arguido na pena única de 6 (seis) anos de prisão, pela prática de três crimes de burla simples, p. e p. pelo artigo 217.º, n.º 1, do Código Penal, e de trinta e três crimes de burla qualificada, p. e p. pelos artigos 217.º, n.º 1, e 218.º, n.os 1 e 2, al. b), do Código Penal.

Sem custas.

Lisboa, STJ, 2024.10.03

Albertina Pereira (Relatora)

Vaques Osório (1.º Adjunto)

Leonor Furtado (2.ª Adjunta)