Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ANTÓNIO MAGALHÃES | ||
| Descritores: | DIREITO DE PROPRIEDADE DESCRIÇÃO PREDIAL POSSE USUCAPIÃO PRESSUPOSTOS CONTRATO DE COMPRA E VENDA IMOVEL ANULAÇÃO REGISTO PREDIAL PENHORA EXECUÇÃO EMBARGOS DE TERCEIRO SUSPENSÃO NULIDADE DE ACÓRDÃO CONDENAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 11/11/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | CONCEDIDA A REVISTA | ||
| Sumário : | I-A usucapião pode ser invocada implicitamente, desde que o autor alegue os factos àquela conducentes; II- Na dúvida quanto aos termos em que alguém exerce o poder de facto, deve enteder-se que o faz em termos correspondentes ao exercíco do direito de propriedade; III- Verificada a sobreposição de duas descrições do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais pode invocar a presunção decorrente do art. 7º do CRP, devendo a solução do conflito ser procurada no plano do direito substantivo, designadamente na usucapião, se a mesma tiver sido invocada. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça: * AA , instaurou a presente acção contra BB, CC e DD, pedindo que (a) seja declarado nulo o contrato de compra e venda dos imóveis, identificados na petição inicial, celebrado entre os réus; (b) Seja anulado o registo dos imóveis supra referidos a favor do Réu BB; (c) Seja cancelado o registo que diz respeito à AP. ..33 de 2021/06/17 que abrange dois prédios cujo registo foi lavrado pela Conservatória do Registo Predial da Golegã. Alega, em resumo, que é dono dos prédios inscritos na matriz predial sob os arts. ... da secção HH e ... da secção II da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, por aquisição a EE e esposa FF; Os referidos prédios foram adquiridos pelo autor no ano de 1969 e desde essa data que os explora e cultiva à vista de toda a gente, designadamente instalando vinhas nos imóveis em apreço; No dia 26 de Junho de 2019, tomou conhecimento de que tais prédios haviam sido alvo de uma penhora nos autos de execução que correm termos no Juízo de Execução do Entroncamento (J2) sob o nº3685/14.7T8ENT, no qual é exequente CC e executada GG; O autor deduziu um incidente de embargos de terceiro para defesa do seu direito de propriedade, incidente esse que corre por apenso aos mencionados autos de execução; No dia 1 de Julho de 2019, foi proferido despacho no processo de embargos determinando a suspensão do processo de execução; No entanto, contrariando a decisão proferida nessa sede, o réu CC continuou a praticar actos que põem em causa a propriedade e posse do autor sobre os referidos prédios, nomeadamente incentivando o réu BB a invadir tais imóveis e provocar os trabalhadores do ora demandante, actos que têm sido participados à Guarda Nacional Republicana; No dia 10 de Setembro de 2019, o autor recebeu uma notificação do IFAP para comparecer no dia 12 desse mês na Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, delegação do concelho da Chamusca, a fim de prestar “esclarecimentos sobre o parcelário”, Tendo comparecido na data em apreço, o autor tomou conhecimento que o réu CC tinha celebrado com o réu BB um contrato nos termos do qual aquela cedia a este a exploração dos prédios supra identificados; O autor informou imediatamente o réu BB, ali presente, que os ditos prédios lhe pertencem, mais tendo promovido a notificação judicial avulsa do referido réu, em 18 de Outubro de 2019, para se abster de praticar quaisquer actos relativamente aos imóveis em causa; Tendo comparecido no dia 4 de Dezembro de 2019 na Associação dos Jovens Agricultores de Portugal, delegação do concelho da Chamusca, na sequência de notificação que lhe foi efectuada pelo IFAP, o autor tornou a informar o réu BB que se mantinham os efeitos do despacho proferido nos supra mencionados embargos de terceiro; Na mesma data, o réu BB disse que iria tomar posse dos referidos prédios independentemente de qualquer decisão do Tribunal e que tinha sido informado que poderia celebrar a escritura de compra venda de tais imóveis com CC quando entender. Dizendo o réu, após essa reunião, a quem quisesse ouvir, que os prédios já lhe pertenciam e que arrancaria todos os marcos ali implantados, já tendo feito medições para se apropriar das terras e ali iniciar novas culturas; Em Janeiro de 2020, constatando a atitude do réu BB, o autor instaurou contra o mesmo e contra o réu CC uma providência cautelar que foi apensa ao identificado processo de execução, na qual é requerido que os ora réus se abstenham de praticar quaisquer actos que onerem os ditos prédios ou ponham em causa a posse e propriedade do autor, até ser proferida decisão no apenso de embargos de terceiro; Apesar de todos os factos supra descritos, os três réus, no dia 17 de Junho de 2021, celebraram um contrato nos termos do qual o réu BB comprou aos réus CC e DD os referidos prédios; Sendo registada a aquisição de tais imóveis a favor do réu BB; Pelos motivos expostos, tendo sido alienado um imóvel que não pertence aos réus CC e DD, deverá ser declarada a nulidade da respectiva venda, com as consequências daí resultantes, designadamente ao nível dos registos que foram lavrados em decorrência do negócio jurídico ora impugnado. Os réus contestaram. Por despacho proferido a 3/2/2022 foi o autor convidado a fazer intervir nos autos a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Chamusca e, simultaneamente, a reconfigurar o pedido inicialmente formulado, em virtude de se ter apurado que tinha sido constituída a favor da referida instituição de crédito uma hipoteca que onera os imóveis que estão no cerne do litígio. Consequentemente, o autor deduziu o competente incidente de intervenção principal provocada e procedeu à ampliação do pedido, requerendo que (a) Seja declarado nulo o contrato de hipoteca celebrado entre o réu BB e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Chamusca; (b) Seja cancelado o registo, referente à dita hipoteca, constituída a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Chamusca, a que se reporta a Ap. ..64 de 2021/06/17. Oportunamente citada, a chamada/interveniente contestou, impugnando, o acervo factual alegado pelo autor. Realizou-se a audiência final, com observância do formalismo legalmente prescrito, após, o Tribunal proferiu a seguinte decisão: “Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido: a) Declarar nulo o contrato de compra e venda, celebrado entre os réus em 17/6/2021, que incidiu sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09 (o qual corresponde ao imóvel aí descrito sob o nº...........07); b)Determinar o cancelamento do registo de aquisição a que corresponde a Ap. ..33, de 17/6/2021, na parte em que o mesmo incide sobre o imóvel descrito na sobre Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09; c) Declarar nula a constituição de hipoteca feita pelo réu BB a favor da Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca, C.R.L., que incide sobre o prédio o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09 e determinar, e consequência, o cancelamento do registo a que se reporta a Ap. ..64, de 17/6/2021, na parte que diz respeito a esse prédio; d) Absolver os réus da restante parte do pedido;” Inconformados vieram o autor e os réus interpor recurso, que a Relação decidiu nos seguintes termos: “Acordam os Juízes desta Relação em: A. Conceder provimento ao recurso de Apelação interposto pelo autor e, em consequência, julgam a acção procedente por provada e: a) Declaram nulo o contrato de compra e venda, celebrado entre os réus CC e DD como vendedores e BB como comprador, em 17/6/2021, que incidiu sobre o imóvel sito na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº..........09 e inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II. b) Determinam o cancelamento dos registos de aquisição a que correspondem a Ap. .75 de 9-7-2018, a Ap. ..15 de 28-6-2019 e a Ap...33 de 17/6/2021, na parte em que os mesmos incidem sobre o imóvel sito na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº..........09, inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II; c) Determinam o cancelamento do registo a que se reporta a Ap. ..64, de 17/6/2021, registo da hipoteca, a favor da Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca, C.R.L., que incide sobre o prédio sito na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº..........09 e inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II. B. Negar provimento ao recurso de Apelação interposto pelos réus, confirmando a sentença recorrida, na parte objecto deste recurso. Custas a cargo dos réus.” Inconformados, vêm agora os RR. interpor recurso de revista do acórdão da Relação, formulando as seguintes conclusões: “A) O Autor/Recorrido deu entrada da presenta acção, peticionando que, relativamente aos prédios inscritos nas matriz predial rústica da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, sob os artigos ..., da Secção II e ... da Secção HH: a. “Seja declarado nulo o contrato de compra e venda dos imóveis, identificados na petição inicial, celebrado entre os réus; b. Seja anulado o registo dos imóveis supra referidos a favor do Réu BB; c. Seja cancelado o registo que diz respeito à AP. ..33 de 2021/06/17 que abrange dois prédios cujo registo foi lavrado pela Conservatória do Registo Predial da Golegã.” B) E, porque entretanto sobre os referidos prédios havia sido constituída, pelo Réu e Recorrente BB, hipoteca voluntária a favor da entretanto Interveniente Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Chamusca (doravante abreviadamente a CCAMC), peticionou ainda, também relativamente a ambos os prédios que “Seja declarado nulo o contrato de hipoteca celebrado entre o réu BB e a Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Chamusca e (…) cancelado o registo, referente à dita hipoteca” C) Para tanto, o Autor alegou, em suma, ser dono dos referidos prédios, que diz ter adquirido no ano de 1969 (embora, como veremos, não tenha logrado prová-lo). Mais alegou que “tomou conhecimento de que tais prédios haviam sido alvo de uma penhora nos autos de execução que correm termos no Juízo de Execução do Entroncamento (J2) sob o nº............NT, no qual é exequente CC e executada GG” e nessa sequência “deduziu [extemporaneamente, diga-se, já que se prova o conhecimento dos factos desde muitos mais de 60 dias antes da apresentação do incidente a juízo] um incidente de embargos de terceiro para defesa do seu direito de propriedade, (…) que corre por apenso aos mencionados autos de execução. Alegou ainda que “contrariando a decisão proferida nessa sede, o réu CC continuou a praticar actos que põem em causa a propriedade e posse do autor” que culminaram com a celebração no dia 17 de Junho de 2021, de um “contrato nos termos do qual o réu BB comprou aos réus CC e DD os referidos prédios; Sendo registada a aquisição de tais imóveis a favor do réu BB” D) Concluiu peticionando a anulação das vendas e, por conseguinte, das hipotecas. E) Os Réus, aqui Recorrentes, contestaram de forma motivada, fundamentada, juridicamente sustentada e provada tudo o alegado pelo Autor, o mesmo tendo feito a Interveniente CCAMC quanto aos factos que a visavam ou de que para si se extraiam consequências. F) Foi proferido despacho de sanador que fixou o objeto do litígio (excluindo qualquer outro thema decidendum) da seguinte forma: Objecto do litígio. No presente litígio discute-se a validade de um contrato de compra e venda através do qual os réus CC e DD alienaram ao réu BB dois imóveis (prédios rústicos) descritos na Conservatória do Registo Predial da Chamusca sob os nºs .16 e ..53, mais se discutindo se uma hipoteca, constituída a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo da Chamusca, CRL, que onera os imóveis supra referenciados, padece de invalidade, com as consequências que o autor daí pretende extrair, designadamente no que diz respeito ao cancelamento dos registos que foram lavrados com base nos negócios jurídicos impugnados nos autos.(destaque e sublinhados nossos) G) E que [embora enunciando um outro tema de prova referente a existência de actos possessórios (sem qualquer pretensão de os qualificar)], reconhecendo e acolhendo a que fora acausadepedir do Autor, particularizou como modo aquisitivo, logonoprimeirotema da prova a “Compra, por parte do autor, dos prédios rústicos descritos na Conservatória do Registo Predial da Chamusca sob nºs ..53 e .16, da freguesia de Vale de Cavalos; (destaque e sublinhados nossos) H) E logo de aqui se antevia que no que tange à sobreposição de descrições o Tribunal de 1.ªa Instância formara já a sua convicção e sentença, acolhendo acriticamente a certidão titulada pelo Autor, de que viria a retirar a presunção de propriedade a que alude o artigo 7.º do CRP. I) E assim, de facto, veio a ocorrer, tendo o Tribunal a quo na douta sentença recorrida, entendido terem ficado provados e não provados os seguintes factos com interesse para o objecto do presente recurso: “Factos provados. (…) 2 – Por escritura pública lavrada no mesmo cartório em 5 de Maio de 1971, EE, HH e FF declararam vender ao autor uma parcela de terreno, com a área de três hectares e sete mil quatrocentos e quarenta e sete centiares, a destacar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Golegã sob o nº....47, a fls. ... do Livro B-37. 3 – Na sequência da instauração, em 1984, de um processo de cadastro geométrico, tramitado sob o nº....84, foi suprimido, na respectiva matriz, o art. ...º da secção HH, tendo em substituição sido criados três artigos – ..., ... e ...-, correspondentes à actualização que os serviços de finanças então efectuaram. 4 – Pela Ap. ... de 11/6/1969, foi inscrita a favor do autor a aquisição da parcela de terreno a que se alude em 1, parcela que, na respectiva matriz, corresponde ao art. ... da secção HH, encontrando-se actualmente descrita na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........07 (anteriormente sob o nº...38, do Livro 46). 5 – Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca, sob o nº..........09, um prédio rústico sito na dita freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II, tendo pela AP. ...de 11/3/1969 sido inscrita a favor de EE e HH a aquisição de tal prédio, por sucessão de II. 6 – Pela Ap. .75 de 9/7/2018, foi inscrita a favor de GG a aquisição do prédio a que se alude em 5, por sucessão hereditária de EE e HH. 7 – O ora réu CC instaurou contra GG uma acção executiva que corre termos no Juízo de Execução do Entroncamento (J2) sob o nº............NT, com vista obter o pagamento coercivo da importância de 37.329,01 €. 8 – No âmbito da referida execução, procedeu-se à penhora do imóvel a que se alude em 6, mais tendo sido penhorado o imóvel referido em 1 e 4, como se fosse omisso na respectiva conservatória, sendo aberta, para o efeito, na Conservatória do Registo Predial de Chamusca, a descrição nº...........09. 9 – Na sequência de venda por negociação particular ocorrida na mencionada acção executiva, foi inscrita a favor do ora réu CC, pela Ap. ..15 de 28/6/2019, a aquisição dos dois imóveis penhorados. 10 – Por título de compra e venda lavrado na Conservatória do Registo Predial de Golegã em 17/6/2021, os réus CC e DD declararam vender ao ora réu BB os dois imóveis mencionados em 8. 11 – Tendo pela Ap. ..33, de 17/6/2021, sido registada a favor do réu BB a aquisição de tais prédios. (…)*** 2.2. Factos não provados. Não se provou a demais factualidade alegada nos autos, designadamente a seguinte, com interesse para a decisão da causa: - O autor adquiriu a EE e FF, no ano de 1969, o prédio inscrito na matriz predial sob o art. ... da Secção II, da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, aquisição celebrada por escritura pública (arts. ...º,...º e ...º da petição inicial). - Desde 1969, que o autor explora e cultiva tal prédio à vista de toda a gente, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente vinhas aí instaladas (art. 2º da petição inicial).” J)E acolhendo essa factualidade e fazendo aplicar o direito – em termos que, com o devido respeito, merecem também (em parte) censura – decidiu, a final, o Tribunal a quo: “a) Declarar nulo o contrato de compra e venda, celebrado entre os réus em 17/6/2021, que incidiu sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09 (o qual corresponde ao imóvel aí descrito sob o nº...........07); b)Determinar o cancelamento do registo de aquisição a que corresponde a Ap...33,de17/6/2021, na parte em que o mesmo incide sobre o imóvel descrito na sobre Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09; c) Declarar nula a constituição de hipoteca feita pelo réu BB a favor da Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca, C.R.L., que incide sobre o prédio o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09 e determinar, e consequência, o cancelamento do registo a que se reporta a Ap. ..64, de 17/6/2021, na parte que diz respeito a esse prédio; d) Absolver os réus da restante parte do pedido;.” K) Notificados que foram da sentença proferida, entenderam os Recorrentes não merecer qualquer censura no que tange à absolvição ínsita na alínea d) do trecho decisório e, pelo contrário, inconformados com a decisão proferida na parte em que declara procedentes os pedidos do Autor, dela recorreram, concretamente quanto ao que decide nas alíneas a), b) e c) do trecho decisório, não só porque a prova ditava, a seu ver, decisão distinta, mas porque a decisão tomada encerra em si mesma todo um sentido de injustiça, patente no “judicialmente abençoado” enriquecimento do Recorrido – que não demonstrando ter adquirido ou ao menos ser o proprietário do bem à data da penhora, adjudicação e venda ao Réu CC, se apropria judicialmente desse mesmo bem – à custa do empobrecimento dos Recorrentes (que, muito embora tal não importe à matéria da presente acção, não deixarão de fazer notar, em resultado da inércia dos Tribunais e Agentes de Execução e do abuso generalizado e ilegalidades evidentes cometidas pelos serviços do Estado, esperam há quase duas décadas pelo recebimento efectivo de uma dívida), que legitimamente e custeando o que era devido (incluindo os correspondentes impostos) o adquiram. L) Por seu lado e igualmente inconformado com a sentença proferida o Autor dela recorreu, visando o seu recurso, de acordo com a delimitação do próprio Autor, exclusivamente “a reapreciação da decisão proferida em relação à matéria de facto dada por não provada, concretamente quanto ao ponto da matéria de facto não provada: <2Desde 1969, que o autor explora e cultiva tal prédio à vista de toda a gente, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente vinhas aí instaladas (art. ...º da petição inicial), com a consequente reapreciação da prova gravada”. M) E embora os Réus tivessem e mantenham a convicção de que não lhe assiste qualquer razão acaba o Tribunal da Relação, no Acórdão ora em crise, a decidir: “A. Conceder provimento ao recurso de Apelação interposto pelo autor e, em consequência, julgam a acção procedente por provada e: a) Declaram nulo o contrato de compra e venda, celebrado entre os réus CC e DD como vendedores e BB como comprador, em 17/6/2021, que incidiu sobre o imóvel sito na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº..........09 e inscrito na matriz sob o art. ...da Secção II. b) Determinam o cancelamento dos registos de aquisição a que correspondem a Ap. .75 de 9-7-2018, a Ap. ..15 de 28-6-2019 e a Ap...33 de 17/6/2021, na parte em que os mesmos incidem sobre o imóvel sito na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº..........09, inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II; c) Determinam o cancelamento do registo a que se reporta a Ap. ..64, de 17/6/2021, registo da hipoteca, a favor da Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca, C.R.L., que incide sobre o prédio sito na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº..........09 e inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II. B. Negar provimento ao recurso de Apelação interposto pelos réus, confirmando a sentença recorrida, na parte objecto deste recurso.” N) Com esta decisão não se conformam os Réus, nem poderiam, já que padece de uma evidente ilegalidade e encerra em si mesma uma profunda injustiça. E, assim, vem o presente recurso interposto do Acórdão proferida pelo Tribunal a quo, o qual – erradamente, como demonstraremos – reconhece inteiro provimento às pretensões do Autor e, abusiva e ilegalmente, vai mesmo além destas, sendo as seguintes as questões que pretende ver reapreciadas: (iv) Saber se, por violação do disposto no n.º 1 do artigo 609.º e no n.º 2 do artigo 608.º e nos termos da al. d) e e) do n.º 1 do art. 615.º e do n.º 1 do artigo 666.º ex vi al. c) do n.º 1 do art. 674.º, todos do CPC, é nulo o Acórdão recorrido por condenar em quantidade superior e objecto diverso do pedido e, para tanto, conhecer de questões que extravasam (gritantemente) o objecto do Recurso e – mais grave – o da própria acção; E, sem prejuízo: (v) Quanto ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção II: a. Saber se, neste tocante, merecia censura a douta sentença recorrida ou se, pelo contrário, mal andou a Relação ao decidir, como faz no Acórdão recorrido, pela procedência do pedido do Autor e, concretamente: i. Saber se do processo constam documentos que, por si só, implicariam decisão diversa da proferida (art.º 616º, n.º 2, al. b) do CPC) e, assim, se é nula, porque contrária à lei, a ponderação do valor probatório dos meios de prova que conduziram à alteração dos factos feita pelo Tribunal da Relação, em provimento da pretensão do Autor e, consequentemente, se – sendo inadmissível a alteração da matéria de facto pelo Tribunal de Revista – deve o processo retornar à Relação para a reapreciação desta decisão ou se deve a revista incidir sobre a matéria de facto (art.º 674.º, n.º 3 CPC); ii. Saber se, apesar da matéria de facto assente, merece censura a decisão preferida pela Relação no douto Acórdão em crise. (vi) Quanto ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção HH: a. Saber se, quanto a este prédio e apesar da dupla conforme decisória, merece censura o Acórdão recorrido, e se, merecendo, é recorrível, e, concretamente: i. Saber se padece de nulidade, em consequência da omissão de pronúncia (alínea d) do n.º 1 do art. 615.º e do n.º 1 do artigo 666.º ex vi al. c)do n.º1doart.674.º,todos do CPC do CPC) porquanto, embora formalmente aludindo ao recurso dos Réus, o Acórdão omita, em absoluto, qualquer pronúncia acerca da questão central do objecto desse recurso – e que é a de saber como se chega à conclusão de que o prédio “descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........07 corresponde ao inscrito na respectiva matriz sob o art. ... da Secção HH” e, designadamente, qual o raciocínio em que baseia a exclusão (que, assim, é meramente conclusiva) de que o prédio seja, na verdade, correspondente o artigo... dessa mesma Secção HH, como desde início é sustentado pelos Réus – questão cujo esclarecimento se afigura determinante (e não apenas instrumental) para a apreciação da causa (não constituindo mero fundamento-argumento da parte que não esteja o Tribunal obrigado a atender) e que se impunha, por isso, sob pena de violação do disposto no artigo 608.º, n.º 2, apreciar, apresentando o raciocínio lógico (com as premissas de que se retire a conclusão) de que se possa extrair com clarividência as razões da improcedência do alegado pelos Réus; e, em qualquer caso, ii. Saber se, na mesma questão de direito, está em contradição com outros, já transitados em julgado, das relações ou do Supremo Tribunal De Justiça; e, em qualquer caso, iii. Saber se é nula a decisão, por violação da lei processual, e concretamente do princípio do inquisitório, plasmado no artigo411.º do CPC, por, reconhecendo que “permaneceu por clarificar, (…) a abertura na Conservatória do Registo Predial da Chamusca, promovida pelo agente de execução para registar a penhora, da descrição nº...........09 como se estivesse omisso” e sabendo-se que a lei só admite a abertura da descrição nestas circunstâncias quando, após pesquisas, resulte confirmada a omissão, não ter sido determinado que fosse oficiada a dita Conservatória para vir esclarecer a situação deste prédio e esclarecer a razão pela qual não foi considerado descrito, o que se impunha, mesmo oficiosamente, por ser determinante para o apuramento da verdade – em particular por ter sido alegado nos autos que a confusão emerge de alterações à descrição que com esta se confunde. Vejamos pois: DA NULIDADE DO ACÓRDÃO POR CONHECER E CONDENAR EM QUANTIDADE SUPERIOR E EM OBJECTO DIVERSO DO PEDIDO,EM FUNÇÃO DA DELIMITAÇÃO TRAZIDA PELAS PARTES, NA PI,CONTESTAÇÃO E RESPECTIVOS RECURSOS O) Acordam os Juízes da Relação, no dispositivo do aresto em crise, declarar nulo o contrato de compra e venda do imóvel sito na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o n.º ..........09 e inscrito na matriz sob o art.º ... da Secção II celebrado entre os primeiros e o terceiro réus e determinar o cancelamento do respectivo registo, bem como do de hipoteca e, ainda, julgar improcedente o recurso dos Réus. P) Nestes pontos, por mais que deles os Réus discordem, os Digníssimos Juízes se encontram dentro dos seus poderes cognitivos (salvo, como veremos, quanto ao fundamento/ causa de pedir em que sustentam essa apreciação), já não assim quando, nesse mesmo dispositivo: c) Determinam o cancelamento dos registos de aquisição a que correspondem a Ap. .75 de 9-7-2018, a Ap. ..15 de 28-6-2019 (…) na parte em que os mesmos incidem sobre o imóvel sito na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº..........09, inscrito na matriz sob o art. ...da Secção II” Q) Nos termos do disposto no n.º 4 do artigo 635.º do CPC “pode o recorrente restringir, expressa ou tacitamente, o objeto inicial do recurso”, sendo que, do disposto no n.º 3 do mesmo artigo resulta inequivocamente que só “na falta de especificação, o recurso abrange tudo o que na parte dispositiva da sentença for desfavorável ao recorrente” R) Ora, dada a delimitação objectiva que o próprio Autor expressamente faz (de que emerge a inexistência de qualquer falta de especificação), impõe-se concluir que a única questão que pretendia ver reapreciada é ade que não se ache provado que “Desde1969,queo autor explora e cultiva tal prédio à vista de toda a gente, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente vinhas aí instaladas.”, para, admitindo-se este facto provado, daí retirar a conclusão de que é sua a propriedade, o que, sustenta, levaria à nulidade peticionada (da venda dos primeiros ao terceiro Réus). S) Em momento algum, nem tão pouco em sede de Apelação (o que sempre seria inadmissível, por extemporâneo), o Autor coloca ao Tribunal o pedido de declaração de nulidade da penhora e/ou da adjudicação e venda ao Réu CC, nem tão pouco, consequentemente, o pedido de cancelamento dos registos correspondentes às Ap. .75 de 9-7-2018, a Ap. ..15 de 28-6-2019. T) De facto, como bem se reconhecer na nota de rodapé n.º 14 da Sentença proferida em primeira instância, nesta acção, o Autor apenas coloca em crise a venda celebrada entre os Réus e – reitere-se – nunca, em momento algum, a adjudicação judicial que veio a determinar a aquisição pelo primeiro R. CC ou, sequer, a penhora que incidiu sobre os prédios, factos a que correspondem as referidas Ap. .75 de 9-7-2018, a Ap. ..15 de 28-6-2019, o que prejudica a apreciação desses factos, negócios e actos no âmbito desta acção, sendo certo que devem os Senhores Juízes abster-se de qualquer pronúncia que extravase os limites objectivos da acção. U) Dispõe o n.º 2 do artigo 608.º do CPC que “O juiz (…) não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes” e, acrescenta o n.º 1 do artigo 609.º do CPC que “A sentença não pode condenar em quantidade superior ou em objeto diverso do que se pedir.” e daí que, ao pronunciar-se quanto a estes, o Acórdão proferido pelo Tribunal de Apelação padeça irremediavelmente de nulidade (al. e) do n.º 1 do art. 615.º e do n.º 1 do artigo 666.º ex vi al. c) do n.º1 do art. 674.º, todos do CPC), a qual urge reconhecer e declarar. V) Acresce que, os Digníssimos Senhores Juízes somam ainda o alargamento inadmissível do objecto, tentado e logrado pelo Autor nesta fase, pois que só em sede recursória o Autor declaradamente alega a existência de uma aquisição originária – já que em momento próprio, na PI, se fica pela alegação de que a explora e cultiva a terra o que diz dever-se sempre a tê-la adquirido por (compra) escritura. W) Ocorre que, como a dita escritura teime em não aparecer, o Autor “vira” a sua tese para a aquisição originária, a qual é incompatível com a aquisição derivada que sempre alegara, tanto mais que a pessoa de quem diz ter adquirido jamais foi proprietária do bem em questão (o ... da Secção II) e, por isso, não deveria esta alegação (que é, no fundo, aquela em que exclusivamente se baseia a decisão) ter procedido, menos ainda quando é extemporânea neste pleito, já que o recurso e a decisão que dele resulta não pode abranger questões e factos não colocados em primeira instância e, menos ainda, pode sustentar-se em causa de pedir distinta da(s) trazida(s) pela(s) parte(s). X) Nesse mesmo sentido se pronunciou já esse Supremo Tribunal, em 29/03/2022, no Acórdão proferido no âmbito do processo n.º 19655/15.5T8PRT.P3.S1, consultável em www.dgsi.pt, cujo sumário sintetiza, a propósito, que: “I – A nulidade por excesso de pronúncia, prevista no artigo 615º, nº 1, d), do CPC, não se reporta aos fundamentos considerados pelo tribunal para a prolação de decisão, nem aos argumentos esgrimidos, aferindo-se antes pelos limites da causa de pedir e do pedido.” (destaque e sublinhados nossos). Y) Em suma, e tal qual reiteradamente reafirmado pela nossa melhor jurisprudência, o tribunal estava vinculado ao pedido, tal como foi formulado, com a respectiva causa de pedir, tal como delimitado pelo Autor. A circunstância de o Tribunal da Relação ter alterado o sentido decisório baseando esta sua decisão na apreciação e reconhecimento dos pressupostos da usucapião – que não haviam sido debatidos, nem julgados – quando o Autor enunciara como causa de pedir a compra, não se enquadra apenas como mero erro de julgamento (este não passível de Revista), mas antes faz enfermar o acórdão recorrido das nulidades previstas na alínea d) do nº 1 do artigo 615º, do Código de Processo Civil, por excesso de pronúncia, porquanto constitua decisão surpresa, atentatória do princípio do contraditório, consagrado no art. 3º, nº 3 do mesmo código e no art. 20º, nºs 1 e 4 da Constituição da República Portuguesa. Z) E isto porque, tal qual como decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa do dia 11/01/2024 (processo n.º 1099/21.1T8AMD.L1-2) consultável em www.dgsi.pt, “ao fazer uma diferente qualificação jurídica dos factos em termos que não poderiam ter sido perspetivados pelas partes, suscitou uma nova questão jurídica da qual não podia ter conhecido sem que tivesse sido precedida da audição das partes, o que não deixa de conduzir à nulidade da sentença, por violação do princípio do contraditório.” AA) Destarte, é nulo o Acórdão recorrido por condenar em quantidade superior e objecto diverso do pedido e, para tanto, conhecer de questões que extravasam (gritantemente) o objecto do Recurso e – mais grave – o da própria acção (ao apreciar a usucapião que não havia sido debatida, nem constituído tema da prova em primeira instância e não constituía causa de pedir), em violação evidente do disposto no n.º 1 do artigo 609.º e no n.º 2 do artigo 608.º, nulidade que, nos termos da al. d) e e) do n.º 1 do art. 615.º e do n.º 1 do artigo 666.º ex vi al. c) do n.º 1 do art. 674.º, todos do CPC, deve ser reconhecida e declarada, com as legais consequências. VII. QUANTO AO PRÉDIO INSCRITO NA MATRIZ SOB O ARTIGO ...DA SECÇÃO II BB) Entendem os Réus desde início e assim afirmaram, com fundamentação detalhada e lógica, na sua Contra-Alegação ao Recurso de Apelação do Autor, que não merece censura a Douta Sentença do Tribunal de 1.ª Instância, no que concerne à absolvição dos Réus dos pedidos respeitantes ao prédio a que corresponde o artigo 13 da Secção II. CC)Assim não entendeu, porém, o Tribunal da Relação, acabando por, como vimos, julgar inteiramente procedentes a Apelação do Autor e ir ainda além destas. Mal andou, porém, ao decidir como decidiu. DD) Ocorre que, independentemente da restante prova produzida, era a prova documental carreada para os autos, de entre esta alguns documentos autênticos, que impunha, por si só, a improcedência do pedido do Autor, implicando decisão diversa da proferida (art.º 616º, n.º 2, al. b) do CPC), pois, como faziam notar os Réus já sua contra-alegação em apelação “o que resulta [dos autos] é uma total inadmissão de uma qualquer conclusão em linha com o pretendido pelo Apelante, pois que, salvo o devido respeito, essa sim resultaria contrária ao que se extrai da prova documental carreada para os autos e só com o acolhimento totalmente acrítico e descontextualizado do depoimento de algumas testemunhas poderia eventualmente cogitar-se.” EE) De facto, aos autos encontra-se junta a certidão predial, que é o documento idóneo para a demonstração de quem seja o proprietário em virtude da presunção que emerge do artigo 7.º do CPR (a menos que outro título afaste essa presunção, ou que se haja cuidado, em tempo útil, da demonstração da aquisição originária) da qual se extrai uma sequência de transmissões sucessórias sempre entre os herdeiros dos primitivos proprietários da Localização 1, ou seja, os ascendentes da Executada de quem o R. CC adquiriu. Tal documento, que é autêntico, evidencia ainda, inequivocamente, que ao menos nos anos 70, ou seja, uma década volvida desde a data em que o Autor pretende afirmar a sua aquisição, que esses mesmos senhores (ascendentes da executada) agiam como proprietários, hipotecando o dito prédio para garantia de financiamentos que foram contraindo. E, enfim, demonstra que só em 2013, já após a desanexação de uma parcela (a correspondente ao artigo matricial ..., da Secção II), foi essa parcela (que não o prédio aqui em disputa) vendido (pelos proprietários inscritos no registo, ou seja, o Senhor EE, o que é confirmado pelo próprio Autor) ao senhor JJ. FF) Por outro lado, numa tentativa de fazer prova do direito de propriedade em que se arroga, é o próprio Autor que junta aos Autos um pedido de divisão de prédio que diz ter apresentado. E pese embora estes seja, de todo em todo, irrelevante para a prova do pretenso direito de propriedade do Autor sobre o prédio em disputa o facto de este ser o requerente de um pedido de divisão do prédio, a verdade é que, desse mesmo processo de cadastro resulta cristalinamente que o proprietário do prédio a essa data – corria o ano de 1987 – era o senhor EE, emergindo ainda que o Autor figurava (apenas) como pretenso adquirente – assim se lê na página 59 da Certidão emitida pelo SF Chamusca, e junta ao requerimento do autor de 6/12/2021 com a referência .....64. GG) Em rigor, nem o processo cadastral, nem a liquidação de SISA têm a virtude de fazer operar a aquisição, a qual deve ser titulada por escritura, pelo que deles não poderia o Tribunal a quo ter extraído, como clama o Autor, a conclusão de que pelo menos desde essa data que o Autor actua como proprietário. De facto, nem poderia, pois que oque extrai desses documentos é apenas que até pelo menos essa data (ano de 1987) o Autor nunca se tornou ou agiu como proprietário deste prédio, reconhecendo [o Autor], aliás, em documento por si apresentado e assinado diante dos serviços cadastrais e de finanças, que o proprietário era o Senhor EE (pai da Executada GG, de quem esta herdou). HH) E assim sendo, independentemente de qualquer prova testemunhal – de que, de resto, também não se retira nada distinto – forçoso seria concluir que é falso que o Autor tenha adquirido o prédio em 1969, como desde início invoca, pois que a prova documental basta para a demonstração do contrário, o que é de tal forma evidente que o Autor não adquiriu o prédio em 1969, que o próprio Autor, nas suas Alegações, como que “desiste” de o afirmar e, mudando uma vez mais a versão, clama agora que lhe seja reconhecida a posse desde o ano de 1987. II) Ocorre que, para além de ser evidente a inadmissibilidade da alteração aos factos alegados que o Autor, mais uma vez, tenta (e logra), este facto – posse remontando pelo menos a 1987 – seria de todo em todo incompatível com o dado por provado em sentença junta nos presentes autos com a Contestação dos Réus, e que é título executivo integrante da certidão do processo de execução – documento autêntico, portanto – que corre termos no tribunal do Entroncamento, Juízo de execução, Juiz 2, sob n.º 3685/14.7T8ENT, de que consta que “Porsentença proferida em 22.11.1995, no âmbito do processo n.º 98-B/82, foram adjudicados a EE os seguintes bens:(…) b) (…) o prédio inscrito na nas matrizes prediais rústica e urbana, da freguesia de Vale de Cavalos, sito do Cabido, (…) inscrito sob o art.º 4.º, da secção II rústica (…) sendo a área total do prédio de 10.7200ha…” (destaque e sublinhados nossos) JJ) E assim é expressamente reconhecido pelo tribunal e fica evidenciado nos presentes Autos, por certidão judicial extraída de outro processo (o de execução com o n.º 3685/14.7T8ENT ) que no ano de 1995 esse bem (o prédio a que corresponde a matriz ....º da Secção II) fora à Partilha por divórcio dos pais da executada no dito processo n.º 3685/14.7T8ENT, tendo ficado atribuído ao pai, senhor EE. É, pois, absolutamente inverosímil, tanto mais que é conhecido e reconhecido e resulta do próprio teor predial que a maioria dos bens provinham da família deste cônjuge, que na partilha por divórcio este tivesse aceite que fosse inventariado e, a final, lhe fosse adjudicado um bem de que já não fosse os esposos proprietários, sem que a tanto o adjudicatário se tivesse oposto. KK) Assim, estão os Réus em crer que, revisitados os documentos juntos (muitos dos quais pelo próprio Autor), resulta clarividente a inexistência de qualquer erro de julgamento quanto à matéria de facto dada como não provada pelo Tribunal de 1.ª Instância, (como sustentado pelo Autor e acolhido pelo Tribunal de Apelação) de que devesse extrair-se decisão diversa daquela a que se chegou na alínea d) do trecho decisório da douta sentença proferida em 1.ª Instância. LL) E isto porque toda a prova documental - – toda ela junta aos autos e de que se extrai com cristalina evidencia que, pelo menos no ano de 1995 (ou seja, 8 anos após a data que o Tribunal da Relação assume como a de início da posse do Autor), os pais da Executada atuavam como proprietários do bem em disputa, partilhando-o por divórcio – é inequívoca e basta para refutar a pretensão do autor (art.º 616º, n.º 2, al. b) do CPC), sendo de todo em todo irrelevante a prova testemunhal, mormente quando a causa de pedir da acção fosse, como era, a alegada aquisição por escritura. MM) Com efeito, tanto a certidão predial (completa e com histórico) junta pelo próprio Autor, quanto a sentença judicial proferida no processo de partilha supra aludido e que se encontra junta a estes autos por certidão extraída de outro processo constituem documentos autênticos nos termos previstos no artigo 369.º do CC. Ora, tais documentos fazem prova plena “dos factos que neles são atestados” (artigo 317.º, n.º 1 do CC) e o seu valor probatório sobrepõe-se legalmente ao de qualquer prova testemunhal. NN) Por assim ser, estava o Tribunal a quo vinculado, em respeito pela lei vigente e apesar do disposto no artigo 662.º do CPC, a acolher o que dessa prova resulta com prioridade sobre qualquer depoimento testemunhal, tanto mais que a veracidade dos ditos documentos ou do seu conteúdo não esteve jamais em crise. Assim não tendo ocorrido é de todo em todo censurável a decisão de Apelação, e não (apenas) porque dela se discorde ou porque se verifique um mero erro na ponderação da prova, mas porque é manifesta a desconsideração de documentos com força probatória plena e outros meios de prova com semelhante efeito, com influência direta e causal no resultado, se atendidos. OO) Pelo que, a decisão quanto à matéria de facto enferma, neste tocante, de um grosseiro erro grosseiro (de subsunção dos factos ao direito e de violação de uma normas legais, sendo estas as supra referidas referentes ao valor probatório) e deve ser reapreciada e revista, nos termos previstos na parte final do n.º 3 do artigo 674.º do CPC, o que redunda em afirmar, sem necessidade de qualquer outra consideração, que deve o Acórdão, na parte em que declara o direito de propriedade do Autor sobre o imóvel a que corresponde a matriz 13.ª da Secção II, ser revogado e substituído por outro que reconheça que a prova documental afasta a pretensão do Autor. PP) Acresce que, ainda que a prova documental não fosse, como é, inequívoca, e mesmo que o Autor tivesse oportunamente invocado a usucapião como causa de pedir e ainda que dos depoimentos se pudesse extrair que o Autor explora o imóvel, não se conclui desde que data, nem (e diríamos, sobretudo) a que título o faz. E assim sendo, é ainda menos legítimo o estabelecimento de um direito de propriedade originário, quando o que o Autor alegara era o direito derivado, que fica afastado e, por outro lado, se suscitam sempre as maiores dúvidas sobre que tipo de posse exerce. QQ) Em primeiro lugar porque – importa relembrar –, o pedido formulado na Petição Inicial tem como causa de pedir a escritura supostamente celebrada no ano de 1969 com os senhores EE e FF, pelo que está, consequentemente, condenado a improceder, como determinado da sentença de 1.ª Instância. RR) E,aliás, facto nãoprovadoque Oautor adquiriu a EE e FF, no ano de 1969, o prédio inscrito na matriz predial sob o art. ... da Secção II, da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, aquisição celebrada por escritura pública (arts. 1º, 2º e 14º da petição inicial), o que o próprio Autor não coloca em crise e, assim sendo, este facto/trecho da sentença transitou já em julgado, encontrando-se definitivamente fixado, sobre ele nada mais havendo a acrescentar. SS) E deste facto (não provado) se extrai a conclusão de que o Autor não adquiriu – ou, por certo, não logrou prová-lo – a EE e FF, no ano de 1969, o prédio inscrito na matriz predial sob o art. ... da Secção II, da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca. E resultando assim não só por não provado o contrário, mas sobretudo porque se extrai cristalinamente da ausência de qualquer prova documental nesse sentido e, também, da confirmação que o próprio Autor afirma nessas suas Alegações (quando aceita que não é localizado tal documento) que não existiu qualquer escritura pública de compra e venda do referido prédio inscrito na matriz predial sob o art. ... da Secção II, da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca. TT)Nestas circunstâncias, muito embora nem a douta sentença, nem o Acórdão recorrido expressamente o mencionem, não será demais fazer notar que, invocando ter adquirido por compra e venda aos antepassados da Executada GG o prédio, mas não demonstrando que essa pretensa transmissão tenha sido formalizada em escritura, como invocara – ao contrário ficando implícita a inexistência desse escrito – do que trataríamos, consequentemente, mesmo que o Autor tivesse logrado demonstrar a existência desse negócio – o que não logrou e nisso, portanto, não se consente – seria de um negócio nulo, pois que, como bem clarificam os Venerandos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão desse Mais Alto Tribunal proferido em 08/02/2018, no âmbito do processo n.º 642/14.7T8GRD.C1.S1, consultável em www.dgsi.pt: “a exigência legal de escritura pública ou documento particular autenticado para a compra e venda de bens imóveis (artº 875º do C.Civil) implica que a falta de forma prescrita na lei torne nulo o negócio celebrado, por omissão de uma formalidade ad substantiam e não meramente ad probationem. A expressão ad substantiam significa para a substância do acto praticado, é dizer, para a performação da própria figura contratual e não apenas como meio ou instrumento de prova. Efectivamente, dispõe o artº 220º do nosso diploma legal substantivo fundamental que «a declaração negocial que careça de forma legal é nula, quando outra não seja a sanção especialmente prevista na lei». Ora, como é sabido, o que é nulo não produz efeitos jurídicos (quod nullum est, nullum producit effectum) pelo que uma venda nula não pode transmitir qualquer direito, maxime o direito de propriedade, por isso que é um negócio jurídico inválido.(…)” UU) Ora, desenhando-se no decurso do julgamento a conclusão inevitável de que ou o Autor não “comprou”, o Autor enceta, uma estratégia tendente à demonstração da aquisição originária que nunca invocara. Com efeito, entendendo que não procederia este pedido, não só porque não se exibia a aclamada escritura, como sobretudo porque não se lograva de algum outro modo demonstrar ou indiciar ter sido efectivamente concretizada essa transmissão –o Autor alterou a sua estratégia, procurando enxertar no processo uma nova e distinta causa de pedir – que seria a aquisição originária, por via da usucapião. VV) Para tanto, vem o Autor, já em sede de recurso, impugnar a matéria de facto, insistindo na afirmação – sendo este o objecto o único objecto do seu recurso – de que “A matéria constante do facto não provado - Desde 1969, que o autor explora e cultiva tal prédio à vista de toda a gente, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente vinhas aí instaladas (art. 2º da petição inicial) foi incorretamente julgada pelo tribunal a quo em face dos elementos de prova carreados para os autos”. Pretendendo desta impugnação retirar o preenchimento dos requisitos para a verificação de uma forma originária de aquisição do direito de propriedade, que seria a usucapião. WW) E assim, olvidando em absoluto que não foi esta a causa de pedir que invocou, o Autor segue dissecando os meios de prova, dando-lhe a interpretação que mais lhe convém e omitindo ou desvalorizando deliberadamente os trechos da prova – seja documental ou testemunhal – que influiriam negativamente na conclusão a que pretende chegar, na expectativa de que, com novos argumentos e nova causa de pedir, possa alcançar a demonstração da existência de um direito de propriedade (originário), que manifestamente não adquiriu. XX)Ocorre que, ainda que o Tribunal a quo tenha acolhido tal pretensão, a alteração à causa de pedir e de todo em todo intempestiva e, por conseguinte, inadmissível, sendo nula qualquer decisão que a acolha e aprecie, porquanto, como muito bem sumaria o Acórdão desse STJ de 18/09/2018, consultável em www.dgsi.pt uma decisão proferida com base numa causa de pedir distinta da trazida pelo Autor na sua PI, extravasa “o limite da condenação prescrito no art.º 609.º, n.º 1, do CPC e atentando contra os princípios do dispositivo e do contraditório, em função dos quais as partes pautaram a configuração do litígio e a discussão da causa.” (destaque e sublinhados nossos) YY)Sendo que é imprescindível, em nome da segurança jurídica e protecção do valor do registo, esta forma de aquisição deve ser inquestionavelmente demonstrada , tanto mais quando o que se pretende é afastar a presunção estabelecida a favor do Autor e de, pelo menos, os seus dois antepossuidores (e anteproprietários) (artigo 7.º CRP) para fazer nascer uma outra a favor do Autor. ZZ)De facto, como muito bem sumaria o Acórdão desse STJ de 25/03/2009 (processo n.º 09ª0524), consultável em www.dgsi.pt “O adquirente de um direito de propriedade (ou de outro direito real de gozo) que omita o registo do negócio aquisitivo não pode invocar perante terceiros protegidos pelo registo, para efeito de afastar a prevalência destes, a posse do alienante, sob pena da regra da inoponibilidade por falta de registo não ter, na prática, qualquer eficácia. Em boa verdade, a aceitar-se a tese da oponibilidade da usucapião, por via de acessão de posses, bem poderia o adquirente que não registou invocar as posses que o precederam, inutilizando, assim, por completo o valor e eficácia da presunção derivada do registo, tal-qualmente está consagrada no artigo 7º do Código de Registo Predial.” (destaque e sublinhados nossos) AAA) Até porque, fossem quais fossem as circunstâncias, certo é que o próprio Autor estava bem ciente de que o imóvel não se encontrava registado a seu favor e isso resulta cristalino dos autos BBB) Em todo o caso – repise-se –, o que o Autor sempre invocou foi ter adquirido de por compra e venda, celebrada por escritura, no ano de 1969, aos senhores EE e FF, factualidade que não logrou demonstrar, pelo que – com tal causa de pedir e sem consentir quanto à procedência do pedido com outra causa – muito bem andou o douto Tribunal de 1.ª Instância ao concluir, como concluiu, e assim devia esta decisão ter sido confirmada pelo Tribunal de Apelação. CCC) Éque importa fazer notar que o Autor logra com a decisão ora em crise é o resultado de uma acção de reivindicação, que não propôs. É que, para tanto, o Autor teria ter exigido o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence (assim dita o n.º 1 do artigo 1311.º do CC), o que manifestamente não fez. DDD) Nesse mesmo sentido, o Tribunal da Relação de Guimarães (Acórdão de 05/04/2018, processo n.º 75/15.8T8TMC.G1, consultável em www.dgsi.pt) esclarece, com toda a clareza que “A ação de reivindicação é uma ação real, petitória e condenatória, destinada à defesa da propriedade (…) O pedido é o reconhecimento do direito de propriedade do reivindicante sobre a coisa e a restituição desta àquele.” Não é, manifestamente, este o pedido do Auto. EEE) Com efeito, do que tratamos nesta acção é da validade da escritura de compra e venda celebrada entre os Réus e da consequente validade da hipoteca constituída a favor da Interveniente. FFF) Acresce que, ainda que fosse tempestiva a alteração da causa de pedir e/ou que o Tribunal tivesse considerado que a petição tinha implícita a reclamação da aquisição originária (cumulativa ou alternativamente face à aquisição derivada que afirmava ter ocorrido), em todo ocaso não seria de proceder a pretensão do Autor, já que este não logrou, de modo algum, demonstrar os elementos constitutivos dessa forma de aquisição, pelo que também aqui não lhe assiste razão. GGG) Em rigor, para que se desse por provado o facto objecto da impugnação do Autor -Desde 1969, que o autor explora e cultiva tal prédio à vista de toda a gente, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente vinhas aí instaladas (art. 2º da petição inicial) – teria o Autor que ter demonstrado inequivocamente que: explora e cultiva o prédio, o faz à vista de toda a gente, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente vinhas aí instaladas (art. 2º da petição inicial) e que faz tudo isto “Desde 1969” (ou, acrescentamos, ao menos inequivocamente desde há 15 anos HHH) Mas teria também que ter demonstrado se e que o faz (e desde quando) com o animus de um proprietário. III) Nesse mesmo sentido é vasta a jurisprudência dos nossos Tribunais, incluindo, desde logo, desse Supremo Tribunal. Revisitando os muitos arestos, extrai-se inequivocamente a necessidade de demonstrar o animus com que é exercida a posse, sem o que qualquer arrendatário ou quem tenha passado a deter um imóvel no seguimento de um contrato de promessa poderia arrogar-se, volvido certo lapso temporal, proprietário de um bem, ainda que esse mesmo bem se encontrasse – como o dos autos – inequivocamente registado a favor de outrem. JJJ) Lê-se, a este propósito, no Acórdão do Superior Tribunal (de 03/11/2009, o qual ocorre no âmbito do processo n.º 2172/06.1TBGRD.C1.S.1 e está patente para consulta em www.dgsi.pt) que, por todos os antes citados, em sede conclusiva se reproduz que a aquisição originária “só se verifica pela verificação simultânea do corpus e do animus em relação à coisa objecto de acção, e pelo decurso do prazo, consoante a posse seja de boa (15 anos) ou de má fé (20 anos). III – A simples ocupação ou detenção de um prédio, por virtude da celebração de um contrato-promessa, não é, de per se, suficiente, para se poder falar numa situação de verdadeira posse, a menos que, entretanto, tenha havido inversão do título, altura em que começa a correr o prazo necessário para a verificação da usucapião.” KKK) E, sem prejuízo da evidência de que a presente não é uma acção de reivindicação, como se impunha para alcançar o resultado vertido no Aresto em crise, certo é que, fundando-se a decisão no pretenso reconhecimento de uma usucapião, e no pressuposto de que essa alegação era admissível nesta fase processual (o que, evidentemente, não é), sempre teria esta que respeitar a mesma verificação de requisitos que ocorreria numa acção de reivindicação próprio sensu. LLL) Resulta, porém, claríssimo que o animus da posse usucapível fica por demonstrar. Aliás, o próprio Autor não carreia aos autos factos de que se permita extrair esse animus e, bem pelo contrário, aporta documentos de que se conclui que reconhece ser o Senhor EE o proprietário deste bem – assim, sobre todos os outros, a certidão do processo cadastral. MMM) Que o Autor explora e cultiva o prédio e que o faz à vista de toda a gente, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente as vinhas aí instaladas é factualidade mais ou menos pacífica. A este propósito tanto o Autor quanto o Aresto em crise afirmam que posse exercida “nunca foi colocada em causa pelos restantes intervenientes processuais”. É, porém, absolutamente abusiva esta afirmação, com o sentido pretendido dar-lhe, já que, ainda que o Autor não tenha invocado esta suposta posse como causa ou elemento de direito em que se arroga, desde a sua primeira intervenção processual, na Contestação, sempre cautela, os Réus esclarecem o seguinte: “o 2.º R esclareceu que não só não conhecia, nem reconhece que o A. seja proprietário de qualquer um dos bens, (…) O que sabe é que a terra agrícola sensivelmente correspondente ao que na sua juventude fora o faustoso “Cabido”, inteiramente pertencente à família da Executada, foi sendo dividida e arrendada e, mais tarde, em parte vendida, mantendo-se contudo diversas parcelas de arrendamento. 43º. Como foram aquelas que o próprio R. CC durante largos anos de actividade agrícola tomou de arrendamento. 44º. Nada sabe, nem nada tem que saber sobre as aquisições feitas por cada uma das casas agrícolas que foram tendo de arrendamento as terras.(…) O que sabe, porém, é que algumas das terras que o A. tentou adquirir, por nelas ser arrendatário, não vieram a ser efectivamente adquiridas e registadas em seu nome por divergências quanto ao pagamento do preço, entre o valor pedido pelos proprietários (Executada e seus ascendentes) e o que o A. desejava pagar, em face de contas que o próprio teria feito, mas que não mereceram acolhimento e acordo dos potenciais vendedores. 47º. Por esta razão, o R. CC não estranhou de forma alguma quando, já em cima da celebração da escritura a seu favor e após a declaração de adjudicação, veio a descobrir que se tratava da terra cultivada pelo A. 48º. A qual julgou legitimamente sê-lo a título de arrendamento, (…)..” NNN) Decorre deste trecho e, no geral, de todo o teor da Contestação, que o que os Réus não ignoram e nunca colocaram em causa é que o Autor/Apelante seja detentor da ou tenha uma posse precária dos bens abrangidos pela penhora e que vieram a ser adquiridos, em execução, pelo 2.º Réu. OOO) O facto de não recusarem essa situação, porém, em nada se confunde, nem importa, como pretendido agora pelo Apelante, que não coloquem em causa a posse (como manifestação correspondente ao exercício do direito de propriedade) pretensamente exercida pelo Autor. Em verdade, os Apelados não aceitam, não reconhecem e nunca assentiram na verificação dessa posse e, bem pelo contrário, o Apelado CC confirmou, por ser do seu conhecimento pessoal, saber que o Apelante trazia arrendadas há vários anos diversas terras da família da Executada e até afirmou ser do seu conhecimento que, em tempos, existiu a intenção de adquiri-las, assumindo também saber porque razão não se concretizou essa aquisição. E a razão, reitere-se, foi a recusa de pagamento do preço pelo Apelante, do preço reclamado pelos legítimos proprietários. PPP) Proprietários entre os quais – evidenciam com clarividência os documentos juntos pelo próprio Autor, e desde logo a certidão predial com histórico que acompanha o requerimento datados de 6/12/2021 com a referência 8252663 – não consta em nenhum momento a Exma. Senhora FF, de quem o Autor diz ter adquirido (!), sendo evidente que o Autor mente quando nem tão pouco sabe a quem efectivamente pertenceu à época o bem que diz ter adquirido QQQ) Porém tudo isso (explorar a terra, contratar trabalhadores, à vista de todos…) também Réu CC fez, como o fazem tantos arrendatários terras de campo – como o é o prédio em disputa – sem que isso importe, ou daí se possa retirar a conclusão de que esse mero detentor (ou possuidor precário)é ou se arroga proprietário. Aliás, pelo contrário, a lei expressamente exclui a possibilidade de adquirirem para si o direito possuído (conforme o disposto no artigo 1290.º do CC). RRR) Acresce que, porque, no caso deste prédio a prova documental patente nos autos demonstra inequivocamente o registo de propriedade a favor do proprietário “original” inquestionado, de quem, após a sucessão para a executada, os Réus sucessivamente adquiriram, é de todo em todo aplicável a presunção de titularidade do direito emergente do artigo 7.º do CRP, a qual, em resultado do disposto no n.º 1 do artigo 1268.º do CC, se estabelece a favor dos Réus: “1. O possuidor goza da presunção da titularidade do direito, excepto se existir, a favor de outrem, presunção fundada em registo anterior ao início da posse.” SSS) Isso mesmo é reconhecido por esse Superior Tribunal, no já citado aresto de 03/11/2009, afirmando sumariamente que: “I – O êxito de uma qualquer acção de reivindicação passa sempre pela verificação de uma aquisição originária na pessoa do A., maxime pela via da usucapião, excepto se houver registo de aquisição e não tiver sido ilidida a presunção prevista no artigo 7º do Código de Registo Predial. TTT) No mais, e porque é o próprio Autor que afirma ter adquirido dos mesmos titulares (ou dos seus antecessores, o que no caso não releva) é o R. CC, para efeitos do disposto no artigo 5.º do CRP, terceiro, estabelecendo-se consequentemente, a favor dos Réus a presunção de titularidade do bem a que alude o artigo 7.º do CRP. UUU) A este propósito é claríssima a conclusão vertida no sumário do Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, proferido no processo n.º 0535644 em 07/12/2005 (consultável em www.dgsi.pt), que assim afirma: I- O comprador na venda judicial é considerado terceiro nos termos do artº 5º do Cód. Registo Predial, relativamente ao que anteriormente adquiriu o imóvel por escritura pública de compra e venda (não registada antes do registo daquela aquisição judicial); (…) III- Tendo um terceiro adquirido uma fracção autónoma e procedido ao respectivo registo, o anterior adquirente da mesma fracção, mas que não registou a aquisição, não pode juntar à sua posse a dos antepossuidores para efeitos de usucapião (acessão na posse), sob pena de o instituto do registo deixar de ter interesse para os particulares, pois nenhuma protecção ou segurança lhes conferiria. (destaque e sublinhados nossos) VVV) Importa, em conformidade, concluir que, porque o Autor invoca e procura, sem sucesso demonstrar é a aquisição derivada, beneficiam os Réus, que também neste caso adquiriram no âmbito de uma venda executiva, desta presunção registal, que o Autor não logrou afastar, sob pena de, como muito bem faz notar o Tribunal da Relação do Porto nesse aresto, o instituto do registo deixar de ter interesse para os particulares. WWW) Está, pois, em causa o uso de uma presunção legal num sentido que ofende diversas normas legais (desde logo a que estabelece a presunção de que o aresto lança mão, mas também as acabadas de aludir) e cujo uso padece de evidente ilogicidade, o que, nos termos do disposto no artigo 674.º, n.º 3 do CPC torna admissível a sua revisitação nesta instância. XXX) Isso mesmo foi já reconhecido em diversos arestos aqui proferidos, de que se citam, pela clarividência e similitude argumentativa, os seguintes: Acórdão do STJ datado de 18/05/2017 e proferido no âmbito do processo n.º 20/14.8T8AVR.P1.S1, que assim sumaria: “I - “V - Como decorre do preceituado nos artºs. 674º, nº. 3, CPC (em conjugação ainda com o artº. 682º desse mesmo diploma), o STJ, como regra, apenas conhece de matéria de direito, carecendo, por isso, de competência para apreciar a matéria de facto, a não ser que haja ofensa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova. VI - Daí que, em sede revista, o STJ só poderá sindicar o uso feito pela Relação de presunções judiciais (que têm a virtualidade de se integrar naquela exceção à regra referida em V) se esse uso ofender norma legal, se padecer de evidente ilogicidade ou se partir de factos não provados. YYY) Destarte, resultando ofendidas normas legais imperativas e a ilogicidade na construção da presunção legal, e assim indevido o uso da presunção legal pela Relação, impõe-se concluir que é nula, porque contrária à lei, a ponderação que conduziu à alteração dos factos feita pelo Tribunal da Relação, em provimento da pretensão do Autor, pelo que, em consequência, deve a revista incidir sobre a matéria de facto (art.º 674.º, n.º 3 CPC), decidindo-a definitivamente ou, ordenando a devolução do processo à Relação para a reapreciação desta decisão (de facto e de direito). ZZZ) De resto, ainda que assim não se entenda, estão os Réus em crer que, de qualquer modo, mesmo assumindo-se o julgamento factual vertido no Acórdão recorrido no sentido em que “Pelo menos desde 1987, que o autor explora e cultiva à vista de toda a gente, o prédio inscrito na matriz predial sob o artº ...º Secção II, da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente vinhas aí instaladas.” tal factualidade não tem, por si só e pelas razões referentes ao animus que amplamente vimos debatendo, o condão de fazer presumir a posse boa para usucapião, porquanto seja evidente e de resto reclamado pelo Autor que o vem fazendo desde 1969, o que não se prova é a que título. AAAA) Com efeito, não restam dúvidas de que o Autor cultiva a terra e a explora e que para o efeito contrata trabalhadores. Os próprios Réus o reconhecem Mas resulta também, face ao que se vem expondo, que o que está em crise é se e a partir de que momento o faz com o animus próprio de um proprietário. E isso, salvo o devido respeito, não consta da matéria provada, nem antes, nem após a Apelação. BBBB) De facto, há que concluir que, contrariamente ao que se afirma no aresto em crise, o Autor não incluiu a usucapião entre as suas causas de pedir. O que afirma, desde sempre, é a compra que não prova. Pelo que na acção não foi cabalmente debatida a posse em moldes compatíveis com o respeito pelo princípio do contraditório. Não poderá, pois, ser exigível aos Réus que, para defesa dos seus direitos, ilidam uma presunção que não se estabelecera, sob pena de violação do artigo 5.º, n.º 3 do CPC. Assim tendo ocorrido – tal qual antes esgrimimos – é nulo o Acórdão nos termos do artigo 615.º, n.º 1, alínea d) do CPC, tal como bem se decidiu no acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 21/11/2023, proferido no âmbito do processo n.º 1416/22.7T8SRE.C1 e consultável em www.dgsi.pt, em que se afirma que “II – O reconhecimento da existência de uma servidão de passagem com base em usucapião, quando tinha sido pedido o reconhecimento da mesma servidão de passagem com base na destinação de pai de família, sem prévia audição das partes sobre a nova fundamentação jurídica, não anteriormente discutida no processo, não sendo expectável a sua utilização, constitui uma «decisão-surpresa», proferida em violação do art. 5º n.º 3 do CPC e nula por excesso de pronúncia, nos termos do art. 615º n.º1 al. d), 2ª parte, do CPC.” CCCC) Não merecia, pois, censura a douta sentença proferida em 1.ª Instância neste ponto relativo à matriz ....º da Secção II (quando conclui que a prova documental afasta o pedido e causa de pedir do Autor) que, como tal, deve ser confirmada e mantida, revogando-se, com qualquer dos fundamentos debatidos nestas alegações, o Acórdão proferido pelo Tribunal de Apelação. De resto e apesar da dupla conforme, merece ainda censura o douto Acórdão em Recurso no que tange à apreciação do Recurso dos Réus. Assim: QUANTO AO PRÉDIO INSCRITO NA MATRIZ SOB O ARTIGO ...DA SECÇÃO HH: DDDD) No que tange ao prédio correspondente ao artigo matricial ....º da Secção HH, entendeu o douto Tribunal de Primeira Instância dar por provado que: 4 – Pela Ap. ... de 11/6/1969, foi inscrita a favor do autor a aquisição da parcela de terreno a que se alude em 1, parcela que, na respectiva matriz, corresponde ao art. ... da secção HH, encontrando-se actualmente descrita na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........07 (anteriormente sob o nº...38, do Livro 46). EEEE) Com tal decisão não se conformaram os Réus, que dela recorreram, contudo sem que lograssem ver reapreciada a questão central do seu recurso, acabando o Tribunal de Apelação a concluir, quase acriticamente, pela improcedência do recurso. Com tal decisão e (falta de) fundamentação não podem os Réus, salvo o devido respeito, concordar, porque atentatória da lei e dos seus direitos processuais. FFFF) Não ignoram, nem contestam os RR que é livre a apreciação da prova pelo Tribunal de Apelação. Não obstante, salvo o devido respeito, não está o Tribunal isentado de se pronunciar sobre uma questão que concretamente lhe tenha sido apresentada, nem de esclarecer, fundamentando, como conclui que que o prédio descrito sob o n.º ..87 tem correspondência com o artigo matricial ... da Secção HH, aqui em disputa, mormente quando esta questão é central para dirimir o litígio. GGGG) É certo que a certidão predial junta pelo Autor como documento nº 3 aparenta apontar no sentido aludido pelo Autor e vertido no ponto 4 dos factos provados. Porém, são vários os aspectos probatórios, extraídos dos elementos documentais e testemunhais, que atestam o oposto desta conclusão e impelem a que não deva figurar como matéria provada, mas sim na matéria não provada, que o prédio do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº1287,cominscriçãoafavor do Autor seja, como pretendido pelo Autor, o mesmo inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção HH. HHHH) E em qualquer caso e porque quer o artigo matricial ....º da Secção HH, quer o ....º dessa mesma Secção (este propriedade incontestada do Autor) provêm demonstradamente do artigo 5 da Secção HH impunha-se clarificar – e nem o Tribunal de 1.ª Instância, nem, no douto Acórdão Recorrido, o Tribunal de Apelação o fazem – como se conclui que o prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº..87, seja o inscrito na matriz sob o artigo... da Secção HH e, sobretudo como e porque excluem que, esse prédio seja na verdade o correspondente ao inscrito na matriz sob o artigo... da Secção HH, esse sim propriedade do Autor. IIII) Era esta a questão que os Réus suscitavam no seu recurso (e já antes na sua contestação), que a alegaram e detalhadamente fundamentaram nas suas Alegações, pedindo reiteradamente – e sendo este o objecto central do seu recurso – que a decisão fosse clara no que tange ao raciocínio que conduz à conclusão desta correspondência predial. JJJJ) Reconheça-se que o Tribunal não está vinculado a apreciar cada um dos argumentos trazidos pelas partes, contando, porém, que decida as questões substantivas que lhe são colocadas. KKKK) O mesmo é dizer que não poderá deixar de apreciar as questões que lhe são colocadas, sendo estas, na jurisprudência desse mesmo Supremo Tribunal (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça do dia 16/02/2005, proferido no processo n.º 05S2137 e consultável em www.dgsi.pt), “as questões de fundo, isto é, as que integram matéria decisória, os pontos de facto ou de direito relevantes no quadro do litígio, ou seja, os concernentes ao pedido, à causa de pedir e às excepções.” LLLL) Ora, a questão de saber, com exactidão, como se estabelece a correspondência entre a certidão predial trazida pelo Autor e a matriz predial ... da Secção HH, com exclusão da matriz ... dessa mesma Secção, quando ambas provêm do mesmo artigo ... da Secção HH e têm sensivelmente a mesma área, foi expressamente submetida pelos Réus à apreciação do Tribunal (já desde a primeira instância) e não foi respondida, não podendo ser questão meramente instrumental, acessória ou atendida como simples “argumento” da parte, pois que, assume sim uma importância vital. MMMM) Impunha-se, por isso, detalhar de forma cognoscível o raciocínio em que o Tribunal baseia a conclusão de que o prédio é correspondente à matriz ... da Secção HH (e não à 12 dessa mesma Secção). NNNN) Não o tendo feito, porém, e limitando-se a afirmar que o que os RR “nenhuma da prova relevada fundamenta a pretensão dos apelantes nem impõe a alteração pretendida” e que “O que os apelantes claramente pretendem, sem qualquer apoio na prova produzida, é uma decisão diversa sobre os factos assentes, para assim pugnarem pelo vencimento da sua pretensão” (como se fosse ilegítima e censurável essa pretensão dos Réus e não fosse esse o propósito de qualquer recorrente diante de uma decisão injusta, infundada e ilegal), sem que, em momento em algum, se descortine como concluem que pela correspondência e correlativa exclusão – ou seja, omitindo, em absoluto, qualquer pronúncia acerca da questão central do objecto desse recurso, que é a de saber como se chega à conclusão de que o prédio “descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........07 corresponde ao inscrito na respectiva matriz sob o art. ...da Secção HH” e, designadamente, qual o raciocínio em que baseia a exclusão (que, assim, é meramente conclusiva) de que o prédio seja, na verdade, correspondente o artigo ... dessa mesma Secção HH, como desde início é sustentado pelos Réus –, incumpre o Tribunal a quo o seu dever de se pronunciar sobre questões que devesse apreciar, resultando incompreensível o silogismo judiciário por não se compreender que premissas levaram à conclusão de correspondência OOOO) Com efeito, tal qual como se sumaria no recente Acórdão desse Supremo Tribunal de Justiça, proferido em 09/01/2024, no âmbito do processo n.º 21/21.0YFLSB e disponível em www.dgsi.pt: “IV - A omissão de pronúncia geradora de nulidade apenas ocorre quando o tribunal não aprecia ou não decide matérias que a lei impõe que conheça e decida. Essas questões são aquelas que as partes submetam à apreciação do tribunal (cfr. n.º 2 do art. 608.º do CPC) e aquelas que o tribunal deve conhecer, independentemente de alegação, quer respeitem à relação material, quer à relação processual. (destaque e sublinhados nossos) PPPP) Verifica-se, por isso, a nulidade da sentença, a qual, como bem resume o Tribunal da Relação de Guimarães no seu Acórdão de 04/10/2018 (processo n.º 1716/17.8T8VNF.G1), consultável em www.dgsi.pt emerge da “verificação vícios intrínsecos da formação desta peça processual, taxativamente consagrados no nº1, do art. 615º, do CPC, sendo vícios formais do silogismo judiciário relativos à harmonia formal entre premissas e conclusão”, como ocorre, precisamente, no caso dos autos. QQQQ) A omissão verificada é, de resto, particularmente gravosa tendo em consideração que deste facto se extrai de forma determinante o desfecho decisório, assim fazendo com que o douto Acórdão (e antes deste a sentença) enferme, neste ponto, da nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a qual é consequente da evidente omissão de pronúncia a que obrigava o artigo 609.º, n.º 1 do CPC e da violação do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do CPC, que deve ser reconhecida e determinada, com as legais consequências. Acresce que, RRRR) No caso concreto, o Tribunal fundamentou a sua decisão de facto tão somente no documento probatório trazido pelo Autor e que é a certidão predial do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........07, daí extraindo, a favor do Autor, a presunção ínsita no artigo 7.º do CRP. SSSS) Porém, tal certidão encontra-se em sobreposição com aqueloutra titulada em nome dos Réus e correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Chamusca sob o nº...........09. TTTT) Mal andou, por isso, o douto Tribunal de Apelação (e antes deste o de primeira instância), uma vez que, no que respeita à questão da sobreposição de descrições prediais,, é diversa a jurisprudência dos nossos Tribunais e vai unanimemente no sentido de afirmar que “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial” (Acórdão STJ de 23/02/2016, proferido no âmbito do processo n.º 1373/06.7TBFLG.G1.S1-A e que é acórdão fundamento junto ao presente recurso). UUUU) No mesmo sentido, o Acórdão da Relação de Coimbra, proferidos no dia 08/05/2019, no âmbito dos processos n.ºs 32/18.2T8MGR.C1, sumaria que: “4.- Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções.” VVVV) Na verdade, se no caso presente e olhando agora o Acórdão recorrido (e a sentença de que se recorreu) os Venerandos Desembargadores do Tribunal da Relação de Évora concluem acriticamente que é o prédio a que corresponde a descrição apresentada pelo Autor e não o da descrição titulada pelos Réus o coincidente com o inscrito na matriz sobre o artigo ... da Secção HH, fazendo valer a presunção do registo a favor do Autor e baseando exclusivamente nela a decisão de mérito (o que é ainda mais grave quando seja evidente que da mesma matriz ... da Secção HH provêm esse ... e um outro, o ... da Secção HH, este sim propriedade incontestada do Autor), pelo contrário, nos arestos em confronto, os Venerandos Juízos Desembargadores da Relação de Coimbra e os Digníssimos Juízes Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça concluem que a presunção emergente dessa certidão registal não pode beneficiar quem a invoca. WWWW) A propósito da solução a dar aos casos de sobreposição de descrições prediais, acrescenta ainda o STJ, no aresto em causa que, nesse caso deve “o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções”. XXXX) Ora, era justamente a fraude que resulta da actualização abusiva, ilegal e ardilosa da descrição do prédio que é trazido pelo Autor que se pretendia ter visto apreciada, designadamente com uma fundamentação lógica (e não com afirmações meramente conclusivas) que permitissem alcançar de que modo se estabelecera a correspondência com o artigo 11.º, como concluído nos autos, e porque razão excluiu que não possa ou não deva ser feita com o artigo 12.º. Não tendo sido apreciada esta questão, verifica-se a nulidade (em razão da omissão de pronúncia, nos termos antes referidos) e, porque em lugar dessa apreciação, se faz uso da presunção registal a favor do Autor, contrariamente ao que é acolhido nesses arestos, merece o Acórdão, também por esta razão, absoluta censura. YYYY) No mais e procurando ao menos fazer parecer que fundamentara a decisão, o Acórdão alude vagamente a um trecho do depoimento da testemunha KK ZZZZ) Porém, conforme alegaram Réus e Interveniente e, em concreto, se clarificou na perícia ao local promovida pelo Tribunal de 1.ª Instância, Trevas e Cabido (ou Terno do Cabido) são localizações distintas, que distam entre si, pelo menos cerca de 7 kms. AAAAA) Ainda a este propósito, mal se compreende que o Tribunal afirme que “Efectivamente o que permaneceu por clarificar, e que foi bem relevado pelo autor nas suas declarações isentas, foi a abertura na Conservatória do Registo Predial da Chamusca, promovida pelo agente de execução para registar a penhora, da descrição nº...........09 como se estivesse omisso ”quando é da Certidão de teor TOTAL junta comodocumenton.º1aorequerimento do Autor com a referência .....63 que se da AP. .64 de 2020/01/20 que, pelo menos até essa data, o prédio em causa era descrito com a área de 4,078 HECT e dele se dizia ser correspondente à matriz rústica da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, inscrita sob o n.º ... da Secção HH, sem qualquer referência que o associasse à matriz ...º da Secção HH, ou que excluísse a ...º dessa mesma Secção. BBBBB) Mais, decorre ainda dessa certidão que esta informação foi corrigida usando da faculdade prevista no artigo 28.º-B,do Código do Registo Predial, ou seja, por declaração do proprietário (o Autor), para, após essa data, passar a constar que o prédio em causa tem a (diga-se, muito convenientemente equivalente à do prédio em disputa) área de 4,040 HECT e corresponde à matriz rústica da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, inscrita sob o n.º ... da Secção HH. CCCCC) Acresce que, contrariamente ao afirmado no Acórdão – mas refutado pela prova documental junta aos autos – é falso que a caderneta respeitante e este prédio tenha em algum momento anterior à aquisição pelo Réu CC – a caderneta que o aqui Autor junta como documento n.º 1 ao seu requerimento de embargos de terceiro, cuja certidão, para fazer prova e ficar a constar, se encontra integralmente junta aos presentes autos, com a referência .....59, elucida clarividente que a dita caderneta não se encontrava antes da aquisição pelo Réu CC titulada em nome do Autor, mas sim em nome da Executada nesses autos, GG, filha e herdeira do titular inscrito à data do inicio do processo cadastral – tramitado a partir do dia 4/6/1987 – e de que resulta que a parte que ao Autor cabe nesse prédio, depois de efectuada a respectiva divisão, é a correspondente ao artigo ... da Secção HH (e nunca ao ... dessa mesma Secção). DDDDD) Sendo que, ainda hoje o Autor é dono e legitimo possuidor do prédio resultando da divisão do artigo ... da Secção HH, hoje inscrito na matriz sob o artigo ...da Secção HH – o que os Réus não contestam, nem nunca contestaram. EEEEE) E assim sendo, creem os Autores que da prova documental se extrairia já, sem grande dificuldade, a conclusão de que ao Autor pertence, porque o adquiriu dos antepassados da Executada nos autos de Execução melhor identificados neste processo, uma quarta parte do prédio ... da Secção HH, a qual contudo tem correspondência com o hoje artigo ... dessa mesma Secção e não, como pretendido pelo Autor e acriticamente concluído pelo Tribunal a quo, com o artigo... também dessa Secção. FFFFF) Em suma, é evidente que a correspondência estabelecida pela certidão junta como documento n.º 3 e que serviu de base à fixação do facto 4 dos Factos Provados na douta Sentença recorrida enferma, à partida, de uma fraude insanável, já que, como confessado pela Testemunha, Dra. LL, a actualização predial que lhe deu origem teve como único suporte documental a caderneta predial rústica referente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção HH, tendo sido autorizada em face apenas da menção, feita nessa caderneta de que o prédio “Resultou da divisão do prédio n.º ...”. GGGGG) Era, pois, mais do que evidente a fraude promovida pelo Autor e que, na linha do determinado nos Acórdãos-fundamento, bastaria para fazer prevalecer a presunção emergente da certidão predial do prédio descrito sob o n.º nº...........09, a qual corre a favor dos Réus, no limite podendo apenas, como igualmente nessas decisões-fundamento, determinar a perda do benefício da presunção para Autor e Réus. HHHHH) Enfim valerá fazer notar que a prova de que os locais seriam (ou teriam sido em tempos/ à época da abertura da descrição?) indistintamente referenciados se faria pela obtenção de uma singela certidão camarária, que, contudo, o Autor não juntou, nem o Tribunal diligenciou por esclarecer, apesar do disposto no artigo 411.º do CPC. IIIII) Mal se compreende, por isso, que diante de tamanhas evidências, entendam os Digníssimos Desembargadores, como dizíamos, que o que fica por esclarecer é a abertura da descrição aquando da penhora. Tal afirmação, porém, não deixa de ser sintomática de que permaneceram por esclarecer factos determinantes ao bom julgamento da causa, oque colocava o Tribunal na obrigação de, em lugar de limitar a afirmar, como afirmou, que este tao importante facto ficou por esclarecer, tivesse determinado, oficiosamente, e ao abrigo do disposto no artigo 411.º do CPC que fosse oficiada a Conservatória e a Câmara Municipal respectiva para os vir esclarecer, ainda que, para tanto, se impusesse devolver o processo à 1.ª Instância. JJJJJ) Assim não tendo ocorrido e porque é evidente que permanecem sobrepostas duas descrições, sem que se clarifique onde reside a falsidade, sendo aplicável o previsto no artigo 411.º do CPC impõe-se concluir pela omissão de um dever que a lei impõe, o que redunda na conclusão de que é nula a decisão, por violação da lei processual, e concretamente do princípio do inquisitório, plasmado no artigo 411.º do CPC, por, reconhecendo que “permaneceu por clarificar, (…) a abertura na Conservatória do Registo Predial da Chamusca, promovida pelo agente de execução para registar a penhora, da descrição nº...........09 como se estivesse omisso” e sabendo-se que a lei só admite a abertura da descrição nestas circunstâncias quando, após pesquisas, resulte confirmada a omissão, não ter sido determinado que fosse oficiada a dita Conservatória para vir esclarecer a situação e a Câmara Municipal para explicar as designações dos locais, o que se impunha, mesmo oficiosamente, por ser determinante para o apuramento da verdade – em particular por ter sido alegado nos autos que a confusão emerge de alterações à descrição que com esta se confunde. KKKKK) E isto sem prejuízo, quanto a este prédio, da já invocada nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º do CPC, a qual é consequente da evidente omissão de pronúncia, que deve ser reconhecida e determinada, com a consequente revogação do Acórdão recorrido e a remessa dos autos ao Tribunal recorrido para reapreciação da matéria de facto nos termos exactos das Alegações de Apelação dos Réus e com as consequências então peticionadas, suprindo-se as insuficiências agora (e então) apontada, julgando-se de novo (e neste aspecto) a causa, de harmonia com a lei vigente e nossa melhor jurisprudência. TERMOS EM QUE, NOS MAIS DE DIREITO E SEMPRE COM O MUI DOUTO SUPRIMENTO DE V. EXAS., VENERANDOS CONSELHEIROS, DEVE O PRESENTE RECURSO SER JULGADO PROCEDENTE E, CONSEQUENTEMENTE, A DECISÃO RECORRIDA SER REVOGADA E SUBSTITUÍDA POR OUTRA NOS EXACTOS TERMOS AQUI EXPLANADOS, COMO É DE DIREITO, SÓ ASSIM SE FAZENDO A DEVIDA JUSTIÇA! Os Autores contra-alegaram pugnando pela improcedência do recurso. Cumpre decidir. A matéria de facto fixada pela Relação, após impugnação da decisão de facto, é a seguinte: “1– Por escritura pública lavrada no Cartório Notarial de Torres Novas em 12 de Maio de 1969, FF declarou vender ao ora autor, MM, a nua propriedade de uma parcela de terreno, composta de terra e vinha, com a área de quatro hectares e setecentos e oitenta e dois centiares, situado na freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, a destacar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial da Golegã sob o nº....47, a fls. 93 do Livro B-37, e que na matriz cadastral e constituído por metade do art. ..., secção HH, sendo que a parcela de terreno, então destacada, na matriz cadastral é constituída por um quarto do referido art. ...º, secção HH. 2– Por escritura pública lavrada no mesmo cartório em 5 de Maio de 1971, EE, HH e FF declararam vender ao autor uma parcela de terreno, com a área de três hectares e sete mil quatrocentos e quarenta e sete centiares, a destacar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de Golegã sob o nº....47, a fls. 93 do Livro B-37. 3-Na sequência da instauração, em 1984, de um processo de cadastro geométrico, tramitado sob o nº128/84, foi suprimido, na respectiva matriz, o art. ...º da secção HH, tendo em substituição, sido criados três artigos – ..., ... e ... -, correspondentes à actualização que os serviços de finanças então efectuaram. 4– Pela Ap. 7 de 11/6/1969, foi inscrita a favor do autor a aquisição da parcela de terreno a que se alude em 1, parcela que, na respectiva matriz, corresponde ao art. ... da secção HH, encontrando-se actualmente descrita na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........07 (anteriormente sob o nº...38, do Livro 46). 5– Encontra-se descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca, sob o nº..........09, um prédio rústico sito na dita freguesia de Vale de Cavalos, concelho de Chamusca, inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II, tendo pela AP. ... de 11/3/1969 sido inscrita a favor de EE e HH a aquisição de tal prédio, por sucessão de II. 6– Pela Ap. .75 de 9/7/2018, foi inscrita a favor de GG a aquisição do prédio a que se alude em 5, por sucessão hereditária de EE e HH. 7– O ora réu CC instaurou contra GG uma acção executiva que corre termos no Juízo de Execução do Entroncamento (J2) sob o nº3685/14.7T8ENT, com vista obter o pagamento coercivo da importância de 37.329,01 €. 8– No âmbito da referida execução, procedeu-se à penhora do imóvel a que se alude em 6, mais tendo sido penhorado o imóvel referido em 1 e 4, como se fosse omisso na respectiva conservatória, sendo aberta, para o efeito, na Conservatória do Registo Predial de Chamusca, a descrição nº...........09. 9– Na sequência de venda por negociação particular ocorrida na mencionada acção executiva, foi inscrita a favor do ora réu CC, pela Ap. ..15 de 28/6/2019, a aquisição dos dois imóveis penhorados. 10– Por título de compra e venda lavrado na Conservatória do Registo Predial de Golegã em 17/6/2021, os réus CC e DD declararam vender ao ora réu BB os dois imóveis mencionados em 8. 11– Tendo pela Ap. ..33, de 17/6/2021, sido registada a favor do réu BB a aquisição de tais prédios. 12– Por contrato celebrado em 17 de Junho de 2021, a ora interveniente Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca, C.R.L., concedeu ao réu BB, na qualidade de mutuário, a importância de 20.000,00 €, sendo que para garantia do crédito concedido, o réu constituiu hipoteca a favor da Caixa de Crédito Agrícola Mútuo de Chamusca sobre os dois imóveis referidos em 8, hipoteca que se mostra registada pela Ap. ..64, de 17/6/2021. 13– Por apenso aos supra identificados autos de execução, o ora autor deduziu embargos de terceiro, alegando ser proprietário dos imóveis penhorados, tendo por despacho proferido a 1/7/2019 sido os embargos liminarmente admitidos e determinada a suspensão dos termos do processo de execução quanto aos bens a que dizem respeito. 14- Pelo menos desde 1987, que o autor explora e cultiva à vista de toda a gente, o prédio inscrito na matriz predial sob o artº 13º Secção II, da freguesia de Vale de Cavalos, concelho da Chamusca, contratando trabalhadores e explorando a terra, designadamente vinhas aí instaladas. ( facto introduzido pela Relação)” Nulidade do acórdão por conhecer e condenar em quantidade superior e em objecto diverso do pedido, relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 13 da Secção II: A Relação declarou nulo o contrato de compra e venda, celebrado entre os réus CC e DD e o réu BB, em relação ao prédio inscrito na matriz sob o artigo 13 da Secção II, nula a hipoteca e determinou o cancelamento dos respectivos registos. Argumentam os réus/recorrentes que na apelação o autor se limitou a pedir a nulidade da compra e venda, sem pedir o respectivo cancelamento dos registos, pelo que a apreciação dos mesmos envolve nulidade nos termos da al. e) do nº 1 do art. 615º do CPC por ofensa ao art. 609º do mesmo diploma e também nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da al. d) do nº 1 do mesmo artigo. Importa distinguir a determinação do cancelamento do registo de aquisição a que corresponde a Ap. ..33 de 17.6.2021 (que decorre da nulidade da compra e venda) e do registo a que se reporta a Ap. ..64 de 17.6.2021 (que decorre da nulidade da hipoteca) da determinação do cancelamento dos registos de aquisição a que correspondem a Ap. .75 de 9.7.2018 ( transmissão por sucessão hereditária) e a Ap. ..15 de 28.6.2019 (por compra pelo 1º réu): a primeira corresponde aos pedidos e à causa de pedir; já a segunda extravasa os limites dos pedidos, que se cingem à nulidade da venda ao 1º réu e à nulidade da hipoteca constituída pelo mesmo. Como assim, declara-se parcialmente nulo o acórdão na parte que respeita à determinação do cancelamento dos registos de aquisição a que correspondem a Ap. .75 de 9.7.2018e a Ap. ..15 de 28.6.2019, nulidade que se supre nos termos do art. 684º, nº 1 do CPC com a supressão de tal determinação. Subsiste a nulidade por excesso de pronúncia, nos termos da al. d) do nº 1 do mesmo artigo, relativamente ao registo de aquisição a que corresponde a Ap. ..33 de 17.6.2021 e ao registo a que se reporta a Ap. ..64 de 17.6.2021 Todavia, o cancelamento de tais registos é uma consequência ou um efeito jurídico decorrente da procedência dos pedidos principais (que não foi objecto, aliás de controvérsia). Trata-se, por isso, de uma questão que decorre do princípio ínsito no n.º 3 do art. 5º do CPC (oficiosidade do julgador quanto à matéria de direito). Como assim, não se verifica qualquer excesso de pronúncia decorrente de qualquer ofensa ao art. 609º, nº 1 do CPC. A propósito do prédio inscrito no art. 13º da matriz entendeu a Relação que o autor alegou na petição inicial factos que consubstanciam a aquisição originária do prédio por usucapião, que se deve considerar invocada. Sustentam, porém, os recorrentes que, tendo o autor invocado a aquisição originária por usucapião não na petição mas apenas na apelação, o acórdão incorre em excesso de pronúncia, baseando a decisão em causa de pedir não invocada pelo autor, o que constitui, além disso, uma decisão surpresa, atentatória do princípio do contraditório. (Y). É certo que o autor não invocou expressamente a usucapião. Ainda assim, afigura-se-nos que o conhecimento da usucapião não extravasa a causa de pedir nem viola o princípio do contraditório. Sobre a causa de pedir, transcreve-se o seguinte excerto do acórdão do STJ de 18.9.2018, proc, nº 21852/15.4T8PRT.S1, em www.dgsi.pt: “(…) “[A] causa de pedir, legalmente definida (art.º 581.º, n.º 4, do CPC) como facto jurídico de que procede a pretensão deduzida, consubstancia-se numa factualidade alegada como fundamento do efeito prático-jurídico pretendido, factualidade esta que não deve ser destituída de qualquer valoração jurídica, mas sim relevante no quadro das soluções de direito plausíveis a que o tribunal deva atender ao abrigo do art.º 5.º, n.º 3, e nos limites do art.º 609.º, n.º 1, do CPC, independentemente da coloração jurídica dada pelo autor. É o que se designa por princípio da causa de pedir aberta. Nessa conformidade, a causa de pedir pode ser, analiticamente, configurada por dois vetores complementares: a) – o seu perfil normativo, que a doutrina designa por causa de pedir próxima [nota3:Vide, MILTON PAULO DE CARVALHO, Do Pedido no Processo Civil, FIEO – Fundação Instituto de Ensino para Osasco, Porto Alegre, 1992, p. 93], traçado não em função da qualificação jurídica dada pelo autor, mas à luz do quadro das soluções de direito plausíveis que ao tribunal cumpre, a final, convocar, em função do efeito prático-jurídico pretendido; b) – o seu substrato factológico, também designado por causa de pedir remota[nota 4: MILTON PAULO DE CARVALHO, ob. cit. p. 93], o qual é preenchido, segundo um critério empírico-normativo, em função do tipo de factualidade desenhada, em abstrato, na factis species aplicável, tendo ainda em conta os critérios de repartição do ónus da prova formulados a partir do sobredito efeito prático-jurídico.” É dentro desta perspectiva de uma causa de pedir aberta que entendemos que, quanto ao ónus de alegação da causa de pedir no que respeita à usucapião, deve ser aceite “a admissibilidade da alegação ou invocação implícita, como se decidiu nos Acs. do STJ, de 3.2.99, BMJ 484º/384, e de 27.4.06 (www.dgsi.pt)“ (cfr. Ac. STJ de 29.1.2014, Col. Tomo I /2014); e que, no que respeita essa invocação, se deve adoptar a posição expressa por Pires de Lima e Antunes Varela, no CC anotado, volume III, 2ª edição, a págs. 71 e 72: “se os factos conducentes à usucapião forem articulados no processo pelo interessado é porque este quer com toda a probabilidade (até prova em contrário ) aproveitar-se dos efeitos dela , ao menos subsidiariamente (… )”. Esta posição é, aliás, corroborada no Ac. STJ de 21.11.2006, proc. 6A2770: “V - A usucapião não produz efeito “ipso jure”, antes necessita de ser invocada pelo titular do direito (isto é, pelo usucapiente), que igualmente deve manifestar a vontade de fazer valer o efeito aquisitivo, ainda que se possa aceitar que essa vontade se manifeste tacitamente, emergindo com toda a probabilidade da circunstância de terem sido alegados factos conducentes à usucapião pelo usucapiente.” Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que o autor alegou -de forma imperfeita mas ainda assim suficiente -os pressupostos de facto da usucapião. Com efeito, no art. 2 da petição, alegou que: “Os referidos prédios foram adquiridos pelo Autor no ano de 1969 e desde tal data que os explora e cultiva à vista de toda a gente, contratando trabalhadores e trabalhando a terra, tendo neles instalado vinhas de campo em exploração de sequeiro, as quais se encontram até à data implantadas, tendo procedido à replantação de parte delas; no art....: “O Autor, à semelhança de todos os prédios de que é dono e legítimo proprietário, possui e explora os prédios “...” da secção HH e “...” da secção II desde que os adquiriu em 1969 (i.e. há mais de 50 anos), sendo beneficiário do Instituto de Financiamento da Agricultura e Pescas, IP, doravante IFAP, entidade à qual candidata entre outros prédios de que é possuidor, os prédios “...” da secção HH e “...” da secção II recebendo, anualmente, benefícios e apoios à produção das plantações realizadas nos referidos terrenos; no art. ...: “Em suma…Por aquisição celebrada por Escritura Pública com pagamento da respetiva sisa, há cerca de 50 anos que o Autor é proprietário, tem a posse e cultiva os dois prédios rústicos em causa, tendo neles instaladas vinhas de campo registadas no Instituto da Vinha e do Vinho.; no art. ...: “Para além disso, há cerca de 50 anos que é público e de conhecimento geral no Concelho da Chamusca e em particular na Freguesia de Vale de Cavalos, que o Autor é proprietário e possuidor dos prédios em causa trabalhando neles, ininterruptamente, todos os dias, pessoalmente ou através de empregados seus”. Consideram os recorrentes que o autor não alegou o animus de proprietário, necessário à existência da posse do direito de propriedade, uma vez que o corpus da posse nada revela sobre essa intenção. Discorda-se, no entanto. Embora não se socorra das expressões que são usualmente alegadas para caracterizar o elemento subjectivo intencional da posse, o autor alega, repetidamente, que possui como proprietário, o que permite supor que se quis prevalecer também da posse conducente à usucapião, para o caso de se revelar necessária (na expressão dos autores acima citados, “ao menos subsidiariamente”). Argumentam, ainda, os recorrentes que o autor não formula qualquer pedido condizente com o reconhecimento do direito de propriedade, adquirido com base em usucapião. Porém, é desnecessário que a invocação, em processo judicial, dos factos reveladores da usucapião seja acompanhada do pedido do seu reconhecimento, bastando que esses factos integrem a causa de pedir de um outro pedido que a pressuponha ou sejam alegados como elemento integrador da legitimidade de quem na acção a invoca (cfr. Ac. STJ de 8.11.2018, proc. 48/15.0T8VNC.G1.S1). É o caso: a nulidade da venda e da hipoteca dependem do reconhecimento do direito de propriedade adquirido por usucapião. Improcede, pois, a invocação da nulidade por excesso de pronúncia, por conhecimento de causa de pedir não alegada. Tal como improcede a invocada nulidade por violação do princípio da proibição de decisões surpresa. Com efeito, a decisão surpresa que a lei, com respeito pelo princípio do contraditório, proíbe, corresponde a uma decisão que “contende com a solução jurídica que as partes não tinham a obrigação de prever, para evitar que sejam confrontadas com decisões com que não poderiam contar, e não com os fundamentos que não perspetivavam de decisões que já eram esperadas” (Ac. STJ de 12.7.2018, proc. 177/15.0T8CPV-A.P1.S1). Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que, tendo o autor alegado os factos conducentes à usucapião, tinham os réus obrigação de prever que o autor podia vir a invocar esse instituto. Prova documental (relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção II): Como se sabe, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, a não ser nas duas hipóteses previstas no nº 3 do art. 674º do CPC, isto é, quando haja ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou haja violação de norma legal que fixe a força probatória de determinado meio de prova. Invocam os recorrentes a certidão predial do prédio do art. ... da matriz do qual se extrai uma sequência de transmissões sucessórias entre os herdeiros dos primitivos proprietários da Localização 1, permite concluir que os ascendentes da executada agiam como proprietários. No entanto, de tal documento não se pode extrair, com força probatória plena, que os ascendentes da executada eram proprietários e que, por isso, o autor não podia adquirir a propriedade por usucapião. O registo constitui mera presunção, que pode ser afastada. Alegam, também, os recorrentes que do processo de cadastro resulta que, pelo menos até 1987 o Autor nunca se agiu como proprietário do prédio em causa, reconhecendo [o Autor], aliás, em documento por si apresentado e assinado diante dos serviços cadastrais e de finanças, que o proprietário era EE (pai da executada GG, de quem esta herdou). No entanto, deverá, ter-se em conta que o facto 14 se reporta a data posterior (“Pelo menos desde 1987…) “. Depois, ao conteúdo de tal cadastro, mesmo que levantado por autoridade pública, não se pode atribuir força probatória plena impeditiva da livre apreciação do julgador (cfr. Ac. STJ de 10.12.2019, proc. 1808/03.0TBLLE.E1.S1 e o Ac. STJ de 9.9.2010, proc. 398/04.1TBPNI.L1.S1). Nem ao mesmo se pode atribuir o valor de confissão extrajudicial, sendo certo que, ainda que assim fosse, se trataria de uma confissão extrajudicial feita a terceiro que deveria ser apreciada livremente pelo tribunal (art. 358º, nº 4 do CC). Invocam os recorrentes que de processo de execução no Tribunal do Entroncamento consta que “Por sentença proferida em 22.11.1995, no âmbito do processo n.º 98-B/82, foram adjudicados a EE os seguintes bens:(…) b) (…) o prédio inscrito na nas matrizes prediais rústica e urbana, da freguesia de Vale de Cavalos, sito do Cabido, (…) inscrito sob o art.º ....º, da secção II rústica (…) sendo a área total do prédio de 10.7200ha…”; e que de outro processo execução consta também que no ano de 1995 esse bem (o prédio a que corresponde a matriz ....º da Secção II) fora à partilha por divórcio dos pais da executada tendo ficado atribuído ao pai, EE ( II e JJ). Porém, tais documentos não têm força probatória plena susceptível de abalar irremediavelmente o facto 14 e os actos de posse aí dados como provados. A partilha não é acto de posse incompatível com a posse alegada pelo autor. Assim, nem a certidão predial junta pelo autor, nem a adjudicação acima referida, nem a invocada sentença judicial no processo de partilha (MM) ) fazem prova plena de que os autores não cultivam a parcela desde, pelo menos, 1987. Fazem apenas prova dos factos que foram atestados pelas autoridades com base nas percepções das mesmas. O caso não se integra, pois, na previsão do art. 674º, nº 3 do CPC, escapando, por isso, à sindicabilidade do Supremo. Dos pressupostos da usucapião (ainda relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção II): Entendeu a Relação, com base no facto 14, que o autor ora apelante, desde 1987, detém o prédio sobre o qual actua de facto, do mesmo modo como actuaria se fosse o seu proprietário, sendo assim evidente o chamado “corpus” da posse, dele resultando, por presunção, o animus. Considerou a posse como não titulada, nos termos do art. 1259º, nº 1, do CC, mas de boa fé, uma vez que o recorrente sempre actuou com a convicção de que o prédio lhe pertencia, pelo que, sendo a posse do autor sobre o prédio de boa fé, pública e pacífica, entendeu que o prazo de usucapião é de 15 anos, nos termos do art. 1296º, nº 1 do CC. Assim, considerando que tinham já decorridos 15 anos desde 1987 até à data da entrada em juízo da petição inicial, em 2021, concluiu que o autor adquiriu, pela via da usucapião, o direito de propriedade sobre o prédio inscrito sob o artigo ...º Secção II., com efeitos retroagidos a 1987 (art. 1288º do CC). Consequentemente, considerou o contrato de compra e venda celebrado nulo face ao disposto no art. 892º do CC e, também consequentemente, nula a hipoteca, nos termos do art. 892º do CC, ex vi do art. 939º do mesmo Código, ordenando, finalmente, o cancelamento do registo respectivo, nos termos do arts. 13º do CRP. Sustentam os recorrentes que, não tendo o autor alegado nem provado o “animus possidendi”, não ficou demonstrada a posse do direito de propriedade. Porém, para se adquirir a posse do direito de propriedade basta praticar actos materiais que correspondam a algum dos poderes de uso, fruição e administração, característicos daquele direito (cfr. art. 1252º, nº 2 do CC; e o Ac. STJ de 5.3.2009, proc. 09B0148). Mas também aqui questionam os recorrentes a verificação do corpus da posse do direito de propriedade que, alegam, não tem nada que o distinga do corpus de um possuidor precário. É verdade que explorar, cultivar o prédio à vista de toda a gente, contratar trabalhadores e explorar a terra, designadamente vinhas, são actos que podem ser praticados por quem é possuidor precário (v.g. arrendatário) ou por quem possui por forma correspondente a outro direito real que não o da propriedade. É, aliás, para os casos de posse equívoca, quando os corpus são idênticos, que a alegação e a prova do animus de proprietário se revelam importantes, para dilucidar o conteúdo da posse (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, ob. cit., pág. 66). No entanto, perfilhou-se no Ac. STJ de 5.3.2009, no proc. 09B0148, o entendimento de que, na dúvida quanto aos termos em que se exerce o poder de facto sobre a coisa, isto é, quanto ao direito em termos do qual se possui, se deve entender que é em termos de propriedade, que se trata de actos correspondentes ao direito de propriedade. Faz-se, para o efeito, apelo à lição de Orlando Carvalho, no sentido de que a propriedade “envolve no seu licere toda a «lógica da coisa» e, por isso, qualquer tipo de manifestação empírica” (Introdução à Posse, na Rev. Leg. Jur., ano 122º, n.º 3781, pág. 105). Assim, e nos termos do art. 1252º, nº 2 do CC, deve presumir-se o animus possidendi e a posse, ficando, deste modo, arredada a discussão da possibilidade e da necessidade de ampliação de facto tendente à demonstração do animus possidendi. Presumida a posse, competia aos réus alegar e provar que o autor não era possuidor, o que não fizeram. Alegar, na contestação, que o réu CC sabia que “algumas das terras que o A. tentou adquirir, por nelas ser arrendatário, não vieram a ser efectivamente adquiridas (…)e que por essa. razão, não estranhou quando, já em cima da celebração da escritura a seu favor e após a declaração de adjudicação, veio a descobrir que se tratava da terra cultivada pelo A., a qual julgou legitimamente sê-lo a título de arrendamento, (…)..” ( arts. 46,º 47º e 48º da contestação) revela-se manifestamente insuficiente para provar o que quer seja. Ora, nos termos do AUJ de 14.5.1996 publicado no DR, II, de 24/06/96: “Podem adquirir por usucapião, se a presunção de posse não for ilidida, os que exercem o poder de facto sobre uma coisa”. Ou seja: é possível a aquisição por usucapião com base em posse presumida. No caso, a posse é pública, pois foi exercida à vista de toda a gente ( art. 1262º do CC). Embora o autor não tenha alegado expressamente que a posse era pacífica (art. 1261, nº 1 do CC), dos factos provados resulta que exercia a posse pacificamente e que ela foi adquirida sem violência (art. 1261º, nº 1 e 1263º, al. a) do CC). Aliás, os réus não invocaram qualquer violência. Mais difícil é a qualificação da posse como posse de boa fé. Em primeiro lugar, não está provado que o autor sempre actuou com a convicção de que o prédio lhe pertencia. Em segundo lugar, ter o animus da posse não equivale a dizer que o possuidor ignorava, ao adquiri-la, que lesava o direito de outrem. Poderia, eventualmente. deduzir-se do alegado no art. 17 da petição de que “é visível e público que o autor é o “legítimo possuidor” de tais prédios há mais de 50 anos”, que o autor ignorava que lesava o direito de outrem, mas a expressão “legitimo possuidor” não se apresenta como esclarecedora. Assim sendo, devendo a posse do autor, não titulada, presumir-se de má fé (presunção que o autor não logrou ilidir), deverá concluir-se que a usucapião se tinha dado, à data da propositura da acção, não ao fim de 15 mas de 20 anos (art. 1296º do CC). Com a verificação da usucapião, fica prejudicada a invocação do art. 1268º do CC, que os recorrentes/ réus invocam em ordem a fazer valer a presunção de titularidade a favor da executada, fundada em registo anterior ao início da posse. Com efeito, na aquisição por usucapião, havendo registo ainda que anterior ao início desta posse, o registo cede perante a usucapião (cfr. Ac. STJ de 1.7.2021, proc. 363/13.8T2STC.E2.S1). Os recorrentes aludem ainda, ao art. 5º, nº 4 do CRP, segundo o qual terceiros são os adquirentes, de boa fé, de um mesmo transmitente comum, de direitos incompatíveis, sobre a mesma coisa, mas não se provou a aquisição pela autora e pelos réus, de um mesmo transmitente comum, de direitos de propriedade incompatíveis sobre a mesma coisa. Embora não tenha sido abordada, sempre se deverá afastar aqui a aplicação do art. 291º, nº 1 do CC Com efeito, não ficou provado que o 1º réu - que adquiriu o prédio ao 2º réu, que o tinha adquirido, previamente, na execução – tenha actuado de boa fé. Por outro lado, vem sendo entendido que a protecção conferida pelo art. 291º do CC a terceiros adquirentes a título oneroso (e de boa fé) não se aplica em casos de ineficácia do acto aquisitivo, como sucede, em relação ao verdadeiro proprietário, com a venda de coisa alheia (v. Ac. STJ de 6.12.2018, proc. 7787/12.6TBSTB.E1.S1). É, aliás, constante a jurisprudência no sentido de que o art. 291º do CC não protege o terceiro adquirente que beneficia dos requisitos do nº 1, caso não tenha sido o verdadeiro proprietário a iniciar a cadeia de negócios nulos, como parte do primeiro negócio inválido (cfr., ainda, v.g., o Ac. STJ 19.4.2016, proc. 5800/12.6TBOER.L1-A.S1, Ac.. STJ de 12.1.2012, proc. 74/1999.P1.S1; e o Ac. STJ de 16.11.2010, proc. 42/2001.C1.S1); na doutrina, deverá conferir- se a anotação de Clara Sottomayor ao art. 291º do CC, e a bibliografia aí citada, que inclui a obra daquela autora “Invalidade e registo. A protecção do terceiro adquirente de boa fé”, Almedina, Coimbra, 2010). Como assim, tem de se concluir, como se concluiu no acórdão recorrido, que o contrato de compra e venda celebrado é nulo em face do disposto no art. 892º do CC e, que a hipoteca é nula também, nos termos do mesmo preceito, aplicável ex vi do art. 939º do mesmo Código, e que se deverá ordenar o cancelamento dos respectivos registos. Admissibilidade do recurso de revista relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o artigo ... da Secção II. Da sentença consta o seguinte dispositivo: “Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido: a) Declarar nulo o contrato de compra e venda, celebrado entre os réus em 17/6/2021, que incidiu sobre o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09 (o qual corresponde ao imóvel aí descrito sob o nº...........07); b) Determinar o cancelamento do registo de aquisição a que corresponde a Ap. ..33, de 17/6/2021, na parte em que o mesmo incide sobre o imóvel descrito na sobre Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09; c) Declarar nula a constituição de hipoteca feita pelo réu BB a favor da Caixa de Crédito Agrícola da Chamusca, C.R.L., que incide sobre o prédio o imóvel descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........09 e determinar, e consequência, o cancelamento do registo a que se reporta a Ap. ..64, de 17/6/2021, na parte que diz respeito a esse prédio” A ré interpôs recurso de apelação deste segmento da sentença mas esta foi, nessa parte, confirmada, sem fundamentação essencialmente diferente. Na verdade, a sentença considerou que na execução instaurada pelo 1º réu contra GG o prédio inscrito na matriz no art....da secção HH e descrito na CRP de Chamusca sob o nº ..........07, que foi penhorado, pertencia não à executada mas ao autor, por força da presunção estabelecida no art. 7º do CRP. Consequentemente, declarou nula a venda de 17.6.2021, dos 2ºs réus, do prédio que estes tinham adquirido na execução ao 1º réu, nos termos do art. 892º do CC, e nula a hipoteca subsequente, que o 1º réu constituiu para garantia de um empréstimo, nos termos do mesmo preceito, aplicável por força do art. 939º do CC. Os 2ºs réus CC e DD impugnaram na apelação a decisão de facto do ponto 4, segundo o qual o prédio descrito sob o nº ..87 tem correspondência com o artigo matricial ... da secção HH, entendendo que tem antes correspondência com o art. ... da secção HH, e, ainda, o ponto 8. Sustentaram que das alterações pretendidas devia resultar a absolvição dos réus, declarando-se válida a venda do prédio e a subsequente hipoteca. Todavia, a Relação, julgando improcedente a impugnação, concluiu;: “O que os apelantes claramente pretendem, sem qualquer apoio na prova produzida, é uma decisão diversa sobre os factos assentes, para assim pugnarem pelo vencimento da sua pretensão, o que obviamente não podem lograr alcançar com tal impugnação. Não há, pois, que alterar a decisão recorrida nesta parte, quanto à matéria de facto, improcedendo, por isso, o recurso quanto à impugnação da matéria de facto, mantendo-se a fixada pela 1ª instância. Improcedendo a impugnação desta, improcede a apelação. Concluindo, a parte da sentença objecto do recurso dos réus não merece reparo, já que nesta parte foi feita, correcta e devidamente, a subsunção dos factos provados ao direito. Improcedem assim todas as conclusões do recurso interposto pelos réus, o que implica o total inêxito do mesmo e a manutenção nesta parte da decisão recorrida.” Do exposto resulta, assim, como evidente a dupla conformidade no que respeita ao segmento decisório e autónomo relacionado com as al. a) a c) do dispositivo da sentença (cfr. Ac. STJ de 22.02.2017, proc. n.º 811/10.9TBBJA.E1.S1, Ac. STJ 29.10.2009, proc. n.º 1449/08.6TBVCT.G1.S1, Ac. STJ de 13.5.2021, proc. n.º 10157/16.3T8LRS.L1.S1; e, ainda, os Acórdãos do STJ de 10.5.2021, proc. n.º 4679/19.1T8CBR-C.C1.S1, de 6.4.2021, proc. n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1, de 12.1.2021, proc. nº 1141/18.3T8PVZ.P1-A.S1, de 21.5.2020, proc. 289/12.2TVPRT.P1.S1 e 23.5.2019, proc. n.º 2222/11.0TBVCT.G1.S1; e por último, o AUJ de 20.9.2022, proc. 545/13.2TBLSD.P1.S1-A). Contradição com acórdãos da Relação e /ou do Supremo: Para além do acórdão da Relação de Coimbra de 8.5.2019, proferido no proc. 32/18.2T8MGR.C1, os réus invocaram, como acórdão em contradição com o recorrido, o do Supremo de 23.2.2016, proferido no proc. 1373/06.7TBFLG.G1.S1-A, que é um acórdão uniformizador. Porém, o acórdão recorrido mostra-se proferido contra a jurisprudência uniformizada do Supremo, precisamente no citado acórdão do Supremo de 23.2.2016, que uniformizou jurisprudência nos seguintes termos: “Verificando-se uma dupla descrição, total ou parcial, do mesmo prédio, nenhum dos titulares registais poderá invocar a seu favor a presunção que resulta do artigo 7.º do Código do Registo Predial, devendo o conflito ser resolvido com a aplicação exclusiva dos princípios e das regras de direito substantivo, a não ser que se demonstre a fraude de quem invoca uma das presunções”. Esta jurisprudência tem sido seguida em vários arestos. Assim, no Ac. STJ de 6.12.2018, no proc. 7787/12.6TBSTB.E1.S1: “Verificada uma situação de dupla descrição de um mesmo prédio no registo predial e de inscrições de actos de aquisição, a favor de adquirentes diferentes, lançados em ambas as descrições, a determinação de qual é o direito que prevalece resulta das regras do direito substantivo aplicável – no caso, o regime da venda de bens alheios –, e não dos princípios registais.”; no Ac. STJ de 12.1.2022, proc. 49/18.7T8MFR.L1.S1: “ (…) IV – Existe duplicação de descrições prediais, independentemente de o prédio não estar rigorosamente descrito da mesma forma nas duas descrições diferentes, se se provou reconduzirem-se à mesma realidade física. V – (…); VI – Existindo duplicação de descrições, a lei não prevê a eliminação directa das situações contraditórias e o registo publicita a situação jurídica do prédio, ainda que prestando informações incompatíveis, cumprindo aos interessados a resolução do problema, seja por acordo, seja pela via judicial.” Ora, revertendo ao caso sub judice, verifica-se que: a parcela que, na respectiva matriz, corresponde ao art. ... da secção HH, encontrando-se actualmente descrita na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........07 (anteriormente sob o nº...38, do Livro 46). (4); e que no âmbito da referida execução, que foi penhorado o imóvel referido em 1 e 4, como se fosse omisso na respectiva conservatória, sendo aberta, para o efeito, na Conservatória do Registo Predial de Chamusca, a descrição nº...........09. Ou seja: o mesmo prédio passou a ser objecto de duas discrições. Como assim, o acórdão recorrido, ao considerar que, não obstante a existência de duplicação de descrições prediais, o autor beneficiava da presunção decorrente do art. 7º do CRP, decidiu contra jurisprudência uniformizada. Por conseguinte, deve o recurso de revista ser admitido também relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II. Nulidade por omissão de pronúncia: Arguem os recorrentes a nulidade do acórdão por entenderem que o mesmo se devia ter pronunciado sobre a questão central do objecto do recurso de apelação “que é a de saber como se chega à conclusão de que o prédio “descrito na Conservatória do Registo Predial de Chamusca sob o nº...........07 corresponde ao inscrito na respectiva matriz sob o art. ... da Secção HH” e, designadamente, qual o raciocínio em que baseia a exclusão (que, assim, é meramente conclusiva) de que o prédio seja, na verdade, correspondente o artigo ... dessa mesma Secção HH, como desde início é sustentado pelos Réus”. Porém, a omissão de pronúncia diz respeito à decisão de facto, não constituindo uma verdadeira e causa de nulidade. Corresponde, antes, à invocação de erro no julgamento da decisão de facto, que só poderia ser apreciado se integrasse alguma das hipóteses em que, excepcionalmente, o Tribunal pode sindicar a matéria de facto ( Ac. STJ de 26.11.2020, proc. 11/13.6TCFUN.L2.S1). Improcede, assim, a arguição de tal nulidade. Violação do art. 411º do CPC: Consideram os recorrentes que a Relação devia ter oficiado à Conservatória em ordem a esclarecer a situação do prédio inscrito na matriz sob o art. ..., que estava descrito duas vezes. Porém, não esclarecem para que efeitos e com que consequências pretendiam tal informação. Por outro lado, não tendo a Relação manifestado quaisquer dúvidas que impusessem essa diligência ao abrigo do art. 662º, nº 2, al c) do CPC, não pode agora o Supremo verificar se a Relação tinha ou não razões para a fazer, por tal implicar a sindicação no plano fáctico que está vedada ao Supremo (v. Ac. STJ de 18.10.2018, proc. 1295/11.0TBMCN.P1.S2; e Abrantes Geraldes, em Recursos no Novo Código de Processo Civil, 5ª edição, pág. 296). Improcede, assim, a invocada nulidade da decisão por alegada violação da lei processual, e concretamente, do princípio do inquisitório plasmado no art. 411º do CPC. Sobreposição das descrições prediais: Como acima se sublinhou, o autor não se pode prevalecer da presunção decorrente do art. 7º do CRP, uma vez que se verifica a sobreposição de duas descrições do mesmo prédio. De acordo com o acórdão de uniformização citado, de 23.2.2016, a solução deve ser, pois, procurada no plano do direito substantivo, o que remete para a apreciação da usucapião, que, também aqui, e à semelhança do prédio inscrito sob o art. ..., se considera invocada. Sucede, porém, que, sobre a matéria do art. 2 da petição (na origem do facto 14) em relação ao prédio inscrito na matriz sob o art. ..., não incidiu decisão, o que justifica a ampliação de facto, ao abrigo do nº 3 art. 682º do CPC e a baixa dos autos à Relação para esse efeito (com recurso, se necessário, à 1ª instância). O direito aplicável é o que foi definido a propósito do prédio inscrito na matriz do art. ... da secção II. Se se fizer prova nos termos do alegado no art. 2º da petição, ou de facto idêntico ao facto 14, deverá considerar-se que o autor exerceu a posse boa para usucapião; e se essa posse (de má fé) perdurar por mais de 20 anos, deverá considerar-se que adquiriu a propriedade por usucapião. De seguida, concluir-se-á pela nulidade da venda e da hipoteca, tal como se concluiu relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o art. ...da Secção II. Nesse caso, deverá a sentença ser confirmada, ainda que por outros fundamentos. Pelo exposto, acordam os Juízes desta Secção em: a) revogar o acórdão na parte que respeita à determinação do cancelamento dos registos de aquisição a que correspondem a Ap. .75 de 9.7.2018 e a Ap. ..15 de 28.6.2019; b) confirmá-lo na parte restante, relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o art. ...da Secção II; c) determinar a baixa dos autos à Relação para ampliação da matéria de facto nos sobreditos termos, relativamente ao prédio inscrito na matriz sob o art. ... da Secção II, devendo, de seguida, ser proferida decisão, de harmonia com o direito que se deixou definido. Custas pelos recorrentes e recorrido, em partes iguais, * Lisboa, 11 de Novembro de 2025 António Magalhães (Relator) Nelson Borges Carneiro Jorge Leal |