Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
Relator: | SÉNIO ALVES | ||
Descritores: | RECURSO PER SALTUM CONCURSO DE INFRAÇÕES CÚMULO JURÍDICO PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL PENA ÚNICA | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 03/01/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | I - As exigências de especial fundamentação que a doutrina e a jurisprudência vêm fazendo, no que diz respeito à determinação da pena única, têm especial campo de actuação em casos de conhecimento superveniente de concurso. Nestes casos, posto que o acórdão cumulatório (ou sentença cumulatória, sendo caso disso) parte de penas parcelares previamente fixadas, e porque a determinação da pena única não assenta numa mera operação mecânica e aritmética, antes contempla uma apreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, exige-se que tal apreciação seja vertida, de forma expressa, detalhada e inequívoca, na fundamentação do acórdão. II - Quando a determinação da pena única é subsequente à aplicação das penas parcelares, no mesmo processo e após apreciação dos critérios definidos no art. 71.º do CP, é de aceitar que a fundamentação da pena única dispense a revisitação exaustiva desses critérios, para esse fim específico. III - Mostra-se justa e adequada uma pena de 6 anos e 4 meses aplicada a um arguido condenado nas penas parcelares de 5 anos e 6 meses de prisão e 2 anos de prisão, pela prática de um crime de roubo qualificado e de um crime de detenção de arma proibida, respectivamente, quando é certo que o recorrente e um seu co-arguido, em conjugação de esforços e em execução de plano conjunto, se introduziram numa residência que sabiam estar habitada e, sob ameaça de uma arma de fogo, carregada e pronta a disparar, obrigaram os seus ocupantes – que imobilizaram e a quem, provocaram lesões físicas - a entregar-lhes uma mala com 2.000 euros, que jamais foram recuperados. | ||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, no Supremo Tribunal de Justiça: I. 1. No Juízo Central Criminal ..., J..., o arguido AA, com os demais sinais dos autos, foi – com outros - submetido a julgamento, acusado da prática de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nºs 1, alínea a) e 2, alíneas e) e f), ambos do Código Penal e de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86º, nº 1, alínea c), por referência aos artigos 3º, nºs 1 e 4, alínea a), e 6º, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro. Por acórdão proferido em 8/11/2022 foi o arguido condenado a) pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204º, nºs 1, alínea a) e 2, alíneas e) e f), ambos do Código Penal, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. b) pela prática, em co-autoria material e na forma consumada, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86º, nº 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006 de 23/02, na pena de 2 (dois) anos de prisão. c) em cúmulo jurídico de ambas as penas parcelares, na pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão. 2. Inconformado, o arguido recorreu dessa decisão directamente para este Supremo Tribunal de Justiça, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões (transcritas): «A - No âmbito do processo comum coletivo nº. 978/21.GCALM, do Tribunal Judicial da Comarca ... – Juízo Central Criminal ... – Juiz ..., realizada a audiência de julgamento, foi proferido o acórdão, cujo dispositivo se transcreve: “Assim, tendo em atenção as fortes razões de prevenção geral e especial supra descritas, o número de crimes praticados pelo arguido, o espaço temporal em que os factos delituosos foram praticados, o tribunal fixa ao arguido AA a pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão.”. B - No acórdão recorrido, após teorização sobre a dosimetria da pena conjunta, motiva-se a respetiva individualização, expendendo: “Assim, tendo em atenção as fortes razões de prevenção geral e especial supra descritas, o número de crimes praticados pelo arguido, o espaço temporal em que os factos delituosos foram praticados, o tribunal fixa ao arguido AA a pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão.”. C - É assim, evidente a parcimónia da fundamentação da decisão nesta parte, sem especificado reporte ao concreto circunstancialismo fático e da personalidade do arguido, sem que tenham sido expostos os motivos porque se chegou àquela medida concreta. D - Dispõe o artigo 205.º, da Constituição da República Portuguesa, o artigo 71.º, do Código Penal, artigo 97.º, n.º 5 e artigo 375.º, n.º 1 do Código de Processo Penal, bem como a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça entende impor-se “um dever especial de fundamentação na elaboração da pena conjunta, que se, por um lado, não pode reconduzir-se à vacuidade de fórmulas genéricas, tabelares e conclusivas, desprovidas de razões de facto, por outro, dispensa a excessividade da exposição (…)”. E - A explanação dos fundamentos, que a luz da culpa e prevenção conduzem o Tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer rutura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. F - Os factos que permitam traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão à face da personalidade do arguido devem constar da decisão de aplicação de pena conjunta, que deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria, sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões. G - Deste modo, a mera enunciação dos tipos legais em que incorreu o arguido/condenado nada fornece sobre os elementos necessários à determinação da pena única e quem lê a decisão cumulatória fica sem saber o como e o porquê da dimensão punitiva aplicada, não ficando minimamente demonstrada a relação de proporcionalidade, da justa medida, entre a pena conjunta fixada e a avaliação conjunta dos factos e da personalidade do condenado. H - No Acórdão de 20/11/2013 do Supremo Tribunal de Justiça, disponível in www.dgsi.pt, sustenta-se que “a conceção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, de modo a evitar que a medida da pena do concurso surja como um ato intuitivo, da ultrapassada arte de julgar, puramente mecânico e, por isso, arbitrário. Aliás estabelece o n.º 3, do art.º 71., do CP que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena. A determinação da pena do cúmulo exige um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação dos factos e a personalidade do condenado, de molde a poder valorar-se o ilícito global perpetrado.”. I - Da análise da decisão recorrida verifica-se que, relativamente a esse cúmulo de penas omite-se inteiramente os factos que determinaram a condenação do recorrente, omitindo-se várias das circunstâncias, com relevo para a boa decisão, em que esses factos foram praticados, a eventual ligação entre eles, os contornos de cada um, a concreta ilicitude dos factos, a concreta postura do arguido quanto a eles. J - A determinação da pena do concurso exige, pois, um exame crítico de ponderação conjunta sobre a conexão e interligação entre todos os factos praticados. Esses factos são aqueles que foram apurados e provados e que estiveram na base da condenação do arguido em cada uma das penas parcelares englobadas no cúmulo jurídico, «aí cabendo, conforme se salienta no Acórdão de 16 de Maio de 2015 do Supremo Tribunal de Justiça, Proc. n.º 471/11.0GAVNF.P1.S1 disponível in www.dgsi.pt, a concreta conduta do agente, o seu modo de atuar, de agir, o dolo com que praticou os factos, a sua postura perante os mesmos, de arrependimento ou indiferença, de confissão ou negação, a motivação, resultados do crime, indemnização das vítimas, enfim, todo o circunstancialismo que, de algum modo, permita a dita avaliação que deve ser estabelecida entre todos os factos concorrentes». K - Na verdade, tal determinação não pode ser um ato eivado de discricionariedade, mas tem de estar esplanada em razões de natureza lógico jurídico que permita a sua compreensão L - O Tribunal “a quo” não fundamentou devidamente a medida concreta da pena aplicada nos autos, ignorando a necessária conexão exigida entre os artigos 71.º, n.º 3 e 77.º, n.º 1 e 78.º, n.º 1, todos do Código Penal. M - Omitindo ainda qualquer referência aos artigos 70.º e 71.º do Código Penal, não aludindo às finalidades de prevenção geral e especial que devem presidir à fixação da pena conjunta. N - Perante isto, o acórdão “a quo” não demonstrou, fundamentadamente, que ponderou e avaliou o conjunto dos factos concretos praticados pelo arguido e a sua relação com a personalidade deste, nem tão pouco que sopesou as concretas necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir no caso concreto, em particular estas últimas O - Na falta de tal fundamentação de facto e de direito, a decisão recorrida é nula, nos termos do disposto no artigo 379.º, n.º 1, al. a), do Código de Processo Penal. Sem conceder, P - A pena em que o Arguido foi condenado é manifestamente exagerada e violadora dos artigos 40º, 71º, nº1 e nº2, al.s b), c) e f) do Código Penal Q - O quantum de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão fixado pelo Tribunal “a quo” viola claramente as regras de experiência, é exacerbado e desproporcional. R - A prevenção e culpa são os fatores a ter em conta na aplicação da pena e determinação da sua medida (arts. 40º, nºs 1 e 2 e 71º, nº 1 do C. Penal), refletindo a primeira a necessidade comunitária da punição do caso concreto e constituindo a segunda, dirigida ao agente do crime, o limite inultrapassável da pena (cfr. Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Aequitas, Editorial Notícias, pág. 214 e ss.). S - A medida concreta da pena resultará da medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos no presente caso requerida – tutela das expetativas da comunidade na manutenção e reforço da norma violada (prevenção geral positiva ou de integração) -, temperada, tanto quanto possível, pela necessidade de reintegração social do Arguido (prevenção especial positiva de socialização). T - Mas, em qualquer caso, com respeito pelo limite inultrapassável da medida da culpa. U - Assim, relevando tais limites, o tribunal deve atender a todas as circunstâncias que, não sendo típicas, depuseram a favor e contra o Recorrente, havendo, entre outras, que atender às previstas no nº 2 do art. 71.º, do C. Penal. V - Os fatores que o Tribunal “a quo” decidiu ponderar, em concatenação, para determinar a medida da pena a aplicar, que pareceu concentrar-se nos pontos mais desfavoráveis ao arguido, esquecendo alguns outros aspetos que militam claramente a favor do mesmo. W - O Tribunal Recorrido decidiu assim, porque não atendeu a nenhuma das circunstâncias que depõem a favor do Arguido, nomeadamente: - Estar bem inserido social, familiar e profissionalmente; - Ter confessado os factos e descrito as motivações que o determinaram, de forma credível e sincera; - A sua postura em audiência ter revelado possuir condições favoráveis para interiorizar as finalidades das penas e autocensurar a sua conduta; - O Arguido não ter antecedentes criminais. X - Neste caso concreto, as exigências de prevenção especial são médias, visto que, o Arguido não tem antecedentes criminais e é de considerar que o Arguido/Recorrente mostrou vontade de mudança, aderindo já ao apoio dos familiares e apresenta uma atitude de autocrítica face às suas condutas que motivam a presente situação jurídico-penal. Y - No que diz respeito à ressocialização do delinquente (prevenção especial positiva), há que atender que o Recorrente, uma vez em liberdade, poderá contar com o seu apoio familiar e o da sua companheira, que tem vida estruturada, sendo que o Arguido/Recorrente apresenta capacidade para avaliar as situações sociais em que se envolver e aptidões para conseguir atingir os objetivos a que propõe. Z - As perspetivas de ressocialização do Arguido são, assim, muito positivas e assentam em fatores que indiciam que a mesma se dará com sucesso e sem percalços. AA - Ao demonstrar arrependimento, o Arguido revela sentido autocrítico e a assunção de responsabilidades pelos seus atos, o que demonstra que é, atualmente, um homem diferente. AB - A autocrítica e a evolução psicossocial positiva são provas de que as exigências de prevenção especial em relação a este caso concreto não são tão altas que justifiquem uma pena única de prisão tão elevada, sendo que uma pena de prisão em menor grau será certamente suficiente para que o Arguido assimile a advertência que a condenação que sofreu implica. AC - Para determinação da medida concreta da pena, há que atender, de acordo com o nº 2 do artigo 71º do C. Penal, às circunstâncias do crime, nomeadamente à ilicitude e à gravidade das consequências do facto; a intensidade do dolo; os sentimentos manifestados pelo agente e os fins ou motivos que o determinaram; as condições pessoais do agente; a personalidade do agente e a sua conduta anterior e posterior ao crime. AD - Acresce que importaria relevar o efeito previsível da pena sobre o comportamento do futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização), através da ponderação dos seus antecedentes criminais e a sua personalidade expressa nos factos, perscrutando-se ainda a existência de um processo de socialização e de inserção na comunidade. AE - Por força desse circunstancialismo e arrimado na premissa de que se está perante um jovem de 27 anos, impunha-se que o cúmulo harmonizasse as finalidades punitivas com a almejada integração do Arguido/Recorrente, o que não fez, pelo que se impõe a sua censura. AF - Como refere o Douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, no processo n.º 86/08.0GBOVR.P1.S1, em 21/11/2012 (disponível in www.dgsi.pt.): “ III. Com a fixação da pena conjunta (se) pretende(-se) sancionar o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto, (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente.” AG - Sem esquecer, contudo, que a pena única também “deverá respeitar os princípios da proporcionalidade, (…) necessidade, adequação e proibição do excesso”. (Acórdão do STJ, de 25/03/2015, sumário publicado na C.J. acórdãos do STJ, tomo I, ano 2015). AH - Não se desconhecendo as exigências de prevenção geral subjacentes ao tipo de ilícitos aqui em discussão, mas é notório que resulta claramente excessiva uma pena de prisão de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses para que a prevenção geral adequada a este caso concreto opere na comunidade. AI - É forçoso reconhecer que uma pena de prisão de 6 (seis) anos e 4 (meses), in caso, é desproporcional, desajustada, excessiva e violadora dos princípios que norteiam as disposições legais penais, nomeadamente os arts. 40º, 70º e 71º do C. Penal, e em nada contribuirá para a reintegração do Arguido/Recorrente. AJ - O Tribunal “a quo” interpretou as normas supra referenciadas de forma errada, ao aplicar uma pena de prisão ao Arguido em medida demasiado elevada, e, por conseguinte, desadequada em relação aos factos e à personalidade do agente em presença, bem como não acautelando devidamente a reintegração do agente na sociedade. AK - Considerando os factos e a personalidade do agente, bem como as exigências de prevenção do caso, deverá ser aplicada ao Arguido uma pessoa mais reduzida, respeitando-se aí também a própria reintegração do agente na sociedade e com isso respeitando-se as normas dos artigos 77.º, nº 1 e 40.º, nº 1, ambos do C. Penal. AL - Por todos os motivos acima enunciados, deve ser aplicada ao Arguido, uma pena de prisão não superior a 5 (cinco) anos é adequada e já importa um sacrifício considerável. Devendo, ainda, esta ser suspensa na sua execução, “não como uma clemência, mas como uma autêntica medida de tratamento bem definido com sentido pedagógico e educativo” como defende Leal Henriques e Simas Santos, em C. Penal Anotado, Vol. 1, 1986, pág. 289. AM - Conforme o Acórdão do STJ de 17/05/2001, in Proc. nº 683/01 – 5ª Secção: “Tem hoje de entender-se o instituto da suspensão da execução da pena como uma autêntica medida penal, suscetível de servir tão bem (ou tão eficazmente), quanto a efetividade das sanções, aos desideratos da prevenção geral positiva, com a acrescida vantagem de, do mesmo passo, satisfazer aos da prevenção especial.”. NA - Pelo que, considerando que o grau de ilicitude do facto é mediano e pesando todos os fatores supra mencionados que devem ser tido em conta na moldura penal e na fixação da pena, impunha-se a suspensão da pena de prisão sujeita a deveres ou à observância de regras de conduta ou mesmo acompanhada do regime de prova. Nestes termos e nos demais de direito deve o presente recurso ser recebido por tempestivo, considerado procedente por provado e em consequência: A) Ser o Douto Acórdão Recorrido declarado nulo, nos termos do artigo 379.º, nº 1 al. a) do C.P.P, por violação do dever de fundamentação, estatuído pelo artigo 374.º, nº 2 do C.P.P, sem conceder, B) Deve revogar-se o Douto Acórdão, substituindo-se o mesmo por outro que condene o Arguido/Recorrente em cúmulo numa pena única de 5 (cinco) anos de prisão, suspensa na sua execução, fazendo a costumada JUSTIÇA!» 3. Respondeu a Exmª Magistrada do MºPº, pugnando pelo não provimento do recurso: «(…) III – Salvo melhor opinião, entende o Ministério Público não assistir razão ao arguido AA nos argumentos aduzidos em sede de recurso. Com efeito, compulsada a factualidade dada como provada verifica-se que, nos presentes autos foram dados como provados os seguintes factos: (…) O arguido AA vinha acusado e foi condenado pela prática de um crime de roubo qualificado e de um crime de detenção de arma proibida, pela prática dos factos acima mencionados. Em face de toda a factualidade dada como provada, procedeu o Tribunal à integração jurídico-penal dos mesmos e após a operação de escolha e determinação das medidas concretas de cada uma das penas a aplicar a cada um dos crimes, pelos quais o arguido AA foi condenado. Tais crimes são punidos com as seguintes molduras penais abstractas: - o crime de roubo qualificado com pena de prisão de três a quinze anos (artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por remissão do artigo 204º, nºs 1, alínea a) e 2, alíneas e) e f), do Código Penal); - o crime de detenção de arma proibida com pena de prisão de um a cinco anos ou pena de multa até 600 dias (artigo 86º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006 de 23/02). Na operação de escolha e determinação da medida concreta da pena, recorreu o Tribunal “a quo” ao critério global do artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal, nos termos do qual “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção” e o disposto no artigo 40º, n.º2, que estabelece que “em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa”. No caso dos autos, as exigências de prevenção geral assumem incontornável relevo, atendendo ao elevado número de ilícitos contra o património, executados com recurso à violência física e executados com recurso a armas de fogo, como sucedeu nestes autos, tendo o Tribunal “a quo” inclusivamente mencionado no acórdão proferido a “necessidade de reprimir de forma eficaz estas condutas e de consciencializar para o desvalor das mesmas.”. O alarme social é elevado. O grau de ilicitude é elevadíssimo, tendo o arguido AA actuado em execução de um plano comum previamente traçado e em conjugação de esforços e intentos, envergando luvas, munido com abraçadeiras de plástico e uma arma de fogo, de tipo pistola semiautomática, de calibre 6,35 mm Browning, agindo com dolo directo e intenso. Relativamente às exigências de prevenção especial, e pese embora a ausência de antecedentes criminais registados no certificado de registo criminal do arguido e a aparente inserção social, familiar e profissional do mesmo, considerou o Tribunal “a quo”, e salvo melhor entendimento, bem que: “a conduta do arguido foi gravosa, pois agiu em conjugação de esforços com outro indivíduo, o que maximiza a execução do ilícito, tendo entrado numa residência habitada, com pessoas no seu interior, com uma arma de fogo, municiada, tendo não só exibido e apontado a arma às pessoas com quem se depararam, como agrediram BB e CC, causando-lhes lesões. Aliás, era objectivo dos arguidos assaltarem uma residência com pessoas no seu interior, pois o arguido AA afirmou que ele e o indivíduo que o acompanhava visavam uma casa com pessoas no seu interior pois seria mais rápida a execução do assalto pois elas entregariam o dinheiro e objectos de valor que tivessem, não tendo os arguidos de os procurar.” O Tribunal “a quo” teve em consideração tudo o que acima se deixou exposto e bem assim os motivos, os sentimentos manifestados e os fins determinativos da prática dos factos pelo arguido AA condenando-o em penas parcelares de prisão. Refira-se que a alegada inserção do arguido AA e a ausência de antecedentes criminais, que deviam ter obstado á prática pelo mesmo dos factos gravíssimos aqui dados como provados, não foram impeditivos da prática daqueles. O acórdão proferido mostra-se devidamente fundamentado, quer no que respeita á motivação da decisão de facto, quer na operação de escolha e determinação concreta da medida das penas parcelares aplicadas ao arguido, entendendo o Ministério Público que bem andou o Tribunal “a quo” em condenar o arguido AA em pena privativa da liberdade na dosimetria fixada para cada um dos crimes. O mesmo se diga, no que respeita á determinação da pena única fixada pelo tribunal, por via do cúmulo de penas realizado. Nos termos do disposto no artigo 77.º, n.º 2 do Código Penal, a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas, não podendo, contudo, ultrapassar 25 anos, tratando-se de pena de prisão, e como limite mínimo, a mais elevada daquelas penas. A moldura do concurso de crimes, ou seja, a pena aplicável em abstracto, é, assim, formada a partir das penas singulares concretamente aplicadas aos vários crimes. Com efeito, e salvo melhor entendimento, dir-se-á que o acórdão do Tribunal “a quo” expressa com clareza e de forma fundamentada a opção tomada no que respeita á pena única fixada. Levou em consideração o Tribunal a disposição legal contida no artigo 77º, n.º1 do Código Penal, levando em consideração “as fortes razões de prevenção geral e especial supra descritas, o número de crimes praticados pelo arguido, o espaço temporal em que os factos delituosos foram praticados” e que acima ficaram expresso em sede de acórdão. A pena única alcançada pelo Tribunal “a quo” de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão não se mostra nem exagerada, nem violadora de qualquer disposição legal, e tampouco desproporcional tendo em conta a gravidade dos factos dados como provados praticados pelo arguido AA, as exigências de prevenção geral e especial verificadas, e bem assim as molduras penais aplicáveis aos crimes em causa. Por tudo quanto se deixou exposto, entende o Ministério Público que o Acórdão proferido não merece qualquer censura, mostrando-se plenamente justificada a opção tomada pelo Tribunal “a quo” em primeiro lugar de optar pela aplicação de penas de prisão relativamente a cada um dos crimes e bem assim na determinação da pena única a aplicar ao arguido AA concluindo-se que a pena única, nos termos em que se mostra fundamentado o acórdão, se mostra adequada e proporcional à gravidade dos factos praticados pelo arguido, não merecendo o mesmo qualquer censura. Assim, inexistindo qualquer razão ao arguido/recorrente AA no recurso formulado, deve o mesmo ser julgado totalmente improcedente por não provado, e em consequência ser o douto acórdão proferido ser integralmente confirmado nos seus precisos termos, fazendo assim V.Exªs, Colendos Juízes Conselheiros, como sempre Justiça!». II. 1. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Exmº Procurador-Geral Adjunto emitiu douto parecer, no sentido da improcedência do recurso: «1. No que ora importa considerar, o tribunal coletivo do Juízo Central Criminal ... (Juiz ...) condenou o arguido AA: - Pela prática, em coautoria, de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210.º, n.ºs 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.º, n.ºs 1, alínea a), e 2, alíneas e) e f), ambos do Código Penal, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão; - Pela prática, em coautoria, de um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 86.º, n.º 1, alínea c), do Regime Jurídico das Armas e suas Munições (Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro), na pena de 2 anos de prisão; - Em cúmulo jurídico, na pena única de 6 anos e 4 meses de prisão [referência citius ...57 (8 de novembro de 2022)]. 2. Sem contestar a matéria de facto provada [e neste recurso apenas poderia fazê-lo pela via do artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (cf. o artigo 432.º, n.º 1, alínea c), parte final, do Código de Processo Penal)], o seu enquadramento jurídico-penal, ou a medida das penas parcelares, o arguido interpôs recurso para o Supremo Tribunal de Justiça alegando que o acórdão é nulo por falta de fundamentação no que toca à medida da pena única (conclusões A a O) e que esta é exagerada e deve ser reduzida para não mais de 5 anos e ficar suspensa na sua execução (conclusões P a NA) [referência citius ...62 (10 de dezembro de 2022)]. 3. Na sua resposta, o Ministério Público defende que o recurso deve ser julgado totalmente improcedente [referência citius ...52 (19 de janeiro de 2023)]. 4. O Supremo Tribunal de Justiça é competente para a apreciação do recurso (artigo 432.º, n.º 1, alínea c), do Código de Processo Penal). 5. Brevitatis causa damos por integralmente reproduzida a factualidade provada em que assenta a condenação. Principiando pela questão da nulidade do acórdão. Subordinado ao disposto no artigo 205.º, n.º 1, da Constituição, que prescreve que as decisões dos tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei, o artigo 71.º, n.º 3, do Código Penal, dispõe que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, o artigo 97.º, n.º 4, do Código de Processo Penal, estabelece que os atos decisórios – acórdãos, sentenças e despachos – devem ser fundamentados, através da especificação dos respetivos motivos de facto e direito, o artigo 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, preceitua que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada, indicando, nomeadamente, se for caso disso, o início e o regime do seu cumprimento, outros deveres que ao condenado sejam impostos e a sua duração, bem como o plano individual de readaptação social, e os artigos 374.º, n.º 2, e 379.º, n.º 1, alínea a), ainda do Código de Processo Penal, determinam que a sentença não fundamentada, nomeadamente a sentença que não contenha os motivos de facto e de direito que fundamentam a decisão, é nula. As finalidades perseguidas com a exigência de fundamentação são várias: «Autocontrole por parte daquele que profere a decisão, permitindo-lhe refletir, reponderar e reanalisar os seus próprios motivos que terão que ser pessoais e corresponder a uma posição sua. Heterocontrole por parte dos destinatários do ato de modo a que sendo perfeitamente percetível as razões da decisão possam exercer na sua plenitude o direito de recurso, bem como por aqueles que vão sindicar a decisão (v.g. tribunais de recurso, juiz de instrução, superior hierárquico do MP). Garantia de defesa, de intervenção no processo e pleno acesso ao Direito e aos Tribunais, pois só conhecendo os argumentos de uma decisão podem os visados, destarte os sujeitos processuais, reagir processualmente, apresentar a sua contra-argumentação e, assim, efetivar os seus direitos. Legitimação, transparência e prestação de contas, no sentido de justificar perante os cidadãos em nome de quem se administra a justiça o porquê do decidido» [1]. Dito por outras palavras, a «nulidade da sentença carecida de fundamentação justifica-se por duas ordens de razões. A primeira, baseada na função dos tribunais como órgãos de pacificação social, consiste na necessidade de a decisão judicial explicitar os seus fundamentos como forma de persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada pelo Estado. (…) A segunda liga-se diretamente à recorribilidade das decisões judiciais. A lei assegura aos particulares (…) a possibilidade de impugná-la, submetendo-a à consideração de um tribunal superior. Mas, para que a parte lesada com a decisão que considera injusta a possa impugnar com verdadeiro conhecimento de causa, torna-se de elementar conveniência saber quais os fundamentos de direito em que o julgador a baseou»[2]. No que respeita às decisões ou segmentos de decisões cumulatórias, tem sido preconizado que o julgador, face ao disposto no artigo 77.º, n.º 1, parte final, do Código Penal, que na operação de concretização da pena conjunta impõe que se atendam, em conjunto, aos factos e à personalidade do agente, «não deve limitar-se a enumerar os ilícitos cometidos pelo arguido de forma genérica, mas descrever, ainda que resumidamente, os factos que deram origem às condenações, “por forma a habilitar os destinatários da decisão a perceber qual a gravidade dos crimes, bem como a personalidade do arguido, modo de vida e inserção social”» [3], «[s]em prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. [71.º do Código Penal]» [4]. Refira-se, enfim, que para «que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito» [5]. No caso em análise, estão circunstanciadamente retratados os factos que preenchem a descrição típica dos crimes de roubo e de detenção de arma proibida e que são pertinentes para a caracterização do grau de ilicitude e da culpa do recorrente (factos provados 1 a 20 e 22) e os factos relativos aos antecedentes criminais e à condição pessoal e sociofamiliar do mesmo (factos provados 23 e 24). Na operação de determinação da medida das penas (parcelares e única), o tribunal coletivo ponderou que: (…) O grau de ilicitude mostra-se de elevada gravidade. No que concerne à culpa, a mesma molda-se pelo dolo directo pois os arguidos agiram de forma livre e conscientemente, representando os factos que preenchem o tipo de crime, agindo com a intenção de o realizar (artigo 14.º, n.º 1, do Código Penal). As exigências de prevenção geral positiva são elevadas atento o elevado número de ilícitos contra o património, executados com recurso à violência física e executados com recurso a armas de fogo, havendo necessidade de reprimir de forma eficaz estas condutas e de consciencializar para o desvalor das mesmas. Quanto às razões de prevenção especial temos que: - Relativamente ao arguido AA: O arguido tem actualmente 27 (vinte e sete) anos de idade, não tem antecedentes criminais registados, sendo que aquando da prática dos factos mostrava-se social, familiar e profissionalmente integrado, vivendo com uma companheira e o filho desta e trabalhando como ... no cemitério de .... O arguido admitiu a prática dos factos, demonstrando arrependimento pela sua conduta, que justificou com o facto de ter contraído dívidas, necessitando de dinheiro. Porém, a conduta do arguido foi gravosa, pois agiu em conjugação de esforços com outro indivíduo, o que maximiza a execução do ilícito, tendo entrado numa residência habitada, com pessoas no seu interior, com uma arma de fogo, municiada, tendo não só exibido e apontado a arma às pessoas com quem se depararam, como agrediram BB e CC, causando-lhes lesões. Aliás, era objectivo dos arguidos assaltarem uma residência com pessoas no seu interior, pois o arguido AA afirmou que ele e o indivíduo que o acompanhava visavam uma casa com pessoas no seu interior pois seria mais rápida a execução do assalto pois elas entregariam o dinheiro e objectos de valor que tivessem, não tendo os arguidos de os procurar. Por outro lado, os arguidos lograram subtrair e fazer seus €20.000,00 (vinte mil euros), os quais não foram recuperados. Tudo ponderado, atentas as razões de prevenção geral e especial supra referidas temos que a pena de multa não se mostra adequada, nem suficiente para exprimir um juízo de censura sobre a conduta do arguido no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, pelo que o tribunal opta por lhe aplicar pena de prisão em ambos os ilícitos, a graduar concretamente em: - 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão no que respeita ao crime de roubo qualificado; - 2 (dois) anos de prisão no que respeita ao crime de detenção de arma proibida; Assim se satisfazendo as razões de prevenção geral e especial. Nos termos do artigo 77.º, n.º 1, do Código Penal “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal). Assim, tendo em atenção as fortes razões de prevenção geral e especial supra descritas, o número de crimes praticados pelo arguido, o espaço temporal em que os factos delituosos foram praticados, o tribunal fixa ao arguido AA a pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão. (…) Constata-se, assim, que o raciocínio expendido pelo tribunal para chegar à medida da pena única é percetível e fiscalizável e muito embora, agora do nosso ponto de vista, pudesse ter sido um pouco mais aprofundado, não nos podemos esquecer, repetimo-lo, que uma fundamentação «sem a devida profundidade (…) ou, dito de outro modo, uma fundamentação deficiente não se reconduz a uma falta de fundamentação» [6]. Não temos, por isso, dúvidas de que as exigências legais de fundamentação estão suficientemente cumpridas e de que, por conseguinte, o acórdão não padece da nulidade que lhe é assacada. Passando à questão da medida da pena única. Comecemos por salientar que a partir do momento em que o recorrente abdicou de impugnar a medida das penas parcelares a pretensão de aplicação de uma pena única de prisão não superior a 5 anos é legalmente insustentável (cf. o artigo 77.º, n.º 2, parte final, do Código Penal). Prosseguindo. Conforme já referido, na determinação da medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente (artigo 77.º, n.º 1, parte final, do Código Penal). Para além deste critério especial, há que ter em conta igualmente as exigências gerais da culpa e da prevenção estabelecidas no artigo 71.º, n.º 1, do Código Penal bem como os fatores previstos no n.º 2 do mesmo preceito, reportados agora à globalidade dos crimes. «XII - A determinação da medida concreta da pena única deve atender, como qualquer outra pena, aos critérios gerais da prevenção e da culpa (art. 71.º, do CP); e ainda a um critério especial: a consideração conjunta dos factos e da personalidade do agente, na sua relação mútua, agora reavaliada à luz do conhecimento superveniente dos novos factos (citado art. 77.º, n.º 1, do CP). Ao tribunal impõe-se uma apreciação global dos factos, tomados como conjunto, e não enquanto mero somatório de factos desligados, na sua relação com a personalidade do agente, neles revelada. XIII - Essa apreciação deverá indagar se a pluralidade de factos delituosos corresponde a uma tendência da personalidade do agente, ou antes a uma mera pluriocasionalidade, de carácter fortuito ou acidental, não imputável a essa personalidade, para tanto devendo considerar múltiplos fatores, entre os quais: a amplitude temporal da atividade criminosa; a diversidade dos tipos legais praticados; a gravidade dos ilícitos cometidos; a intensidade da atuação criminosa; o n.º de vítimas; o grau de adesão ao crime como modo de vida; as motivações do agente; as expectativas quanto ao futuro comportamento do mesmo» [7]. Refira-se ainda que “o Tribunal Constitucional tem reiteradamente reconhecido que a Constituição acolhe, designadamente no seu artigo 18.º, n.º 2, os princípios da necessidade e da proporcionalidade das penas e das medidas de segurança, afirmando repetidamente que, por serem as sanções penais aquelas que, em geral, maiores sacrifícios impõem aos direitos fundamentais, devem ser evitadas, na existência e na medida, sempre que não se demonstre a sua necessidade» [8]. Por último, é consensualmente aceite que as operações de determinação da medida da pena apenas são passíveis de correção pela via de recurso se ocorrer «errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de fatores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de fatores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis» ou se «tiverem sido violadas regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.» [9]. In casu, o ilícito global integra um crime de roubo qualificado em razão de várias circunstâncias [pela introdução na habitação dos ofendidos por escalamento, pelo valor elevado da quantia subtraída e pela utilização de uma arma de fogo [10]] e um crime de detenção de arma proibida, ou seja, crimes que atentam contra uma pluralidade de bens jurídicos, a saber, o direito de propriedade, a privacidade, a liberdade de decisão e de ação e a integridade física, neste caso, de três vítimas distintas (roubo) e a segurança e tranquilidade públicas (detenção de arma proibida). O crime de roubo integra a categoria de criminalidade especialmente violenta (cf. o artigo 1.º, alínea l), do Código de Processo Penal). O grau de censurabilidade do conjunto dos factos não deixa de ser assinalável na medida em que o recorrente atuou com dolo direto e em concerto com outro coarguido, o que facilitou a execução dos crimes, denotando uma personalidade violenta (consta, aliás, do facto provado 24 que o recorrente experimenta dificuldades «na gestão e autocontrolo da impulsividade»). As necessidades de prevenção geral são bastante acentuadas face ao alarme e insegurança que os crimes em causa justificadamente provocam na comunidade e sobrepõem-se às inferiores exigências de prevenção especial que, no contexto desvelado pela matéria de facto provada quanto à ausência de antecedentes criminais e à proveitosa situação sociofamiliar do recorrente (a qual, em todo o caso, não o impediu de cometer os ilícitos), efetivamente se fazem sentir. Na ponderação deste conjunto de fatores, estamos convictos de que a pena de 6 anos e 4 meses de prisão (que não admite a suspensão da execução – cf. o artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal), situada dentro da primeira metade da moldura abstrata do cúmulo (a qual, recorde-se, vai de 5 anos e 6 meses de prisão a 7 anos e 6 meses de prisão), amolda-se aos critérios estabelecidos nos artigos 71.º e 77.º, n.º 1, do Código Penal e aos princípios da necessidade e da proporcionalidade que presidem à determinação da pena, não justificando, como tal, a intervenção corretiva por parte desta instância superior. Nada mais se oferecendo aduzir, emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso». 2. Cumprido o disposto no artº 417º, nº 2 do CPP, não se registou qualquer resposta. III. Colhidos os vistos, cumpre decidir, em conferência. São as conclusões extraídas pelo recorrente da sua motivação que delimitam o âmbito do recurso - artº 412º, nº 1 do CPP. E as questões suscitadas neste recurso são as seguintes: A) É nulo o acórdão recorrido, por falta de fundamentação, de facto e de direito, no que concerne à determinação da pena única? B) A pena única aplicada é excessiva e deve ser fixada em não mais do que 5 anos de prisão, suspensa na sua execução? IV. O tribunal a quo fixou a seguinte matéria de facto: 1 – No dia ... de Setembro de 2021, antes das 07:30 horas, os arguidos AA e DD, com o propósito de obterem dinheiro, deslocaram-se à zona da ..., na ..., para escolherem uma vivenda onde entrar e aí se apoderarem de dinheiro que lograssem encontrar. 2 – Na execução do plano previamente traçado entre ambos, os arguidos AA e DD dirigiram-se à moradia dos ofendidos CC e EE, sita na Rua L..., na ..., ..., para aí entrar e se apoderarem do dinheiro que lograssem encontrar. 3 - Entre as 07:30 e as 08:15 horas, os arguidos AA e DD, envergando luvas, munidos com abraçadeiras de plástico e uma arma de fogo, de tipo pistola semiautomática, de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), de marca Fabrique Nationale (FN)/Browning, de modelo Baby, com o número de serie ...42, de origem belga, municiada com seis munições de calibre 6,35 mm Browning, cinco das quais no carregador e uma munição na câmara, escalaram o muro da referida moradia, entraram para o interior do respectivo logradouro e esperaram que um dos ocupantes abrisse a porta da cozinha, que dá para as traseiras, para o atacarem e assim entrarem no interior da casa. 4 - Entretanto BB, que se encontrava no interior da habitação, ao ouvir ladrar a cadela da família, que estava no logradouro, abriu a porta da cozinha para ver o que se passava, altura em que os arguidos AA e DD entraram na residência, tendo o arguido AA agarrado de imediato o BB pelo pescoço, fazendo-lhe um “mata leão”, atirou-o ao chão onde o manietou, atando-lhe as mãos atrás das costas com as abraçadeiras de plástico que levava consigo. 5 - Enquanto o arguido AA manietava BB, o arguido DD, munido com a arma de fogo acima identificada, subiu para o primeiro andar da moradia. 6 - Chegado ao primeiro andar deparou-se com a ofendida FF, que havia saído da cama alertada pelos gritos do marido, apontou-lhe a arma, ordenou-lhe que ficasse quieta e perguntou-lhe quem mais estava em casa. 7 - De seguida, entrou no quarto de CC e EE, apontou a arma à cabeça de CC, que se havia levantado alertado pelo barulho, e ordenou-lhe que se deitasse no chão e colocasse as mãos atrás das costas, o que este fez. 8 - Entretanto, o arguido AA subiu ao primeiro andar e entrou também no quarto de CC, agarrou na arma que DD empunhava, encostou o cano da mesma à cabeça do ofendido CC e ordenou-lhe que lhes desse dinheiro, o que o ofendido, temendo pela sua vida e vida da família fez, dizendo que havia dinheiro dentro de uma mochila guardada no roupeiro, que o arguido DD apanhou. 9 - Ao ver a quantidade que a mesma continha, o arguido DD disse ao ofendido CC que era pouco dinheiro e que queria mais. 10 - Enquanto isso o arguido AA exigiu também mais dinheiro ao ofendido, continuando com a arma de fogo apontada à cabeça daquele, dirigindo-lhe em tom sério e alto que caso não lhe desse mais dinheiro o matava. 11 - O ofendido CC, que permanecia deitado no chão de barriga para baixo, crente que os arguidos estavam dispostos a ferir ou matar alguém, virou-se de barriga para cima e desferiu com a perna um golpe na mão com que o arguido AA segurava a arma, a qual caiu ao chão, envolvendo-se ambos os arguidos e o CC em luta pela posse da arma. 12 – Envolvidos em luta, os arguidos e o ofendido CC desceram as escadas da residência até ao rés-do-chão, tendo o arguido DD logrado fugir do local, levando consigo a mochila, que tinha no seu interior €20.000,00 (vinte mil euros), que os arguidos fizeram seus. 13 – Por seu turno, o arguido AA ainda tentou apanhar uma faca, conseguindo o ofendido CC também agarrar numa faca de cozinha e com a mesma golpeou o arguido AA no tronco e mãos, desarmando-o, o qual caiu na piscina da residência e após logrou fugir do local. 14 - Como consequência direta e necessária do “mata-leão” e da projeção ao solo que o arguido AA lhe desferiu, o ofendido BB sofreu dores e uma ferida e hematoma na orelha esquerda. 15 - Como consequência direta e necessária dos encontrões e pontapés que os arguidos AA e DD lhe desferiram, o ofendido CC sofreu dores, ferida no calcanhar e peito do pé esquerdo, duas feridas no joelho direito, escoriação na parte interna do braço direito, escoriação e duas feridas longitudinais, na horizontal no lado esquerdo das costas, e golpe no polegar da mão esquerda. 16 – Os AA e DD não são titulares de licença de uso e porte de arma. 17 - Ao agirem da forma descrita, os arguidos AA e DD quiseram e representaram, em execução de plano comum previamente traçado e em conjugação de esforços e intentos, mediante ameaça com arma de fogo, introduzir-se no interior da residência de CC, exercer violência sobre o mesmo e sobre os restantes ocupantes da residência, neutralizando assim a sua capacidade de reação, com o propósito conseguido de que aquele lhes desse o dinheiro que tinha em casa. 18 - Bem sabiam os arguidos AA e DD que não estavam autorizados a entrar naquela residência da forma como o fizeram e que o dinheiro não lhes pertencia, agindo contra a vontade do seu dono, o que não os demoveu da sua conduta. 19 - De igual modo os arguidos AA e DD quiseram e representaram deter, levar consigo e usar a arma de fogo, bem sabendo não serem titulares de licença e uso de porte de arma, o que conseguiram. 20 - Os arguidos agiram sempre de forma livre, deliberada e cientes que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, tendo capacidade para se determinar de acordo com esse conhecimento. Mais se provou que: 21 – Após os factos o arguido AA foi transportado por indivíduos não identificados ao Hospital ..., onde deu entrada no respectivo serviço de urgência pelas 08:50 horas, tendo depois, nesse mesmo dia 12/09/2021, pelas 11:51 horas, sido transferido para o Hospital de ..., em ..., apresentando ferimentos por agressão por arma branca com pontos de entrada no hemitórax direito, hemitórax esquerdo e abdómen superior, das quais resultou hemopneumotorax esquerdo, com colocação de dreno torácico ao nível do 4º espaço intracostal esquerdo, e ferida palmar inciso-contusa profunda da mão direita e ferida de D2 com retalho. Foi submetido em bloco operatório de urgência no dia 12/09/2021, sob anestesia geral balanceada, a tenorrafias e neurorrafias da mão direita, sem intercorrências anestésicas ou cirúrgicas, tendo tido alta hospitalar em 16/09/2021. 22 – O ofendido CC não recuperou os €20.000,00 (vinte mil euros). 23 – O arguido AA não tem antecedentes criminais registados. 24 – O arguido AA: - O seu trajeto vivencial decorreu no seio de uma família de emigrantes, tendo nascido na ..., sendo filho único. Vivenciavam uma condição de socioeconómica média, não sendo referenciadas dificuldades ao nível da subsistência e satisfação das necessidades básicas do agregado, que seriam supridas com recurso aos rendimentos provenientes do trabalho de ambos os progenitores. A dinâmica familiar foi pautada pela manutenção de uma relação funcional e de entreajuda entre os membros, não obstante os pais se terem separado quando contava quatro anos de idade. Contudo ambos sempre foram presentes no seu percurso de vida, ainda que com as inevitáveis limitações decorrentes de residirem em países distintos, uma vez que a mãe regressou a Portugal e o pai manteve-se na .... - No plano escolar, refere a conclusão do 7º ano de escolaridade, com registo de duas reprovações por alegada dificuldade de concentração e falta de motivação relativamente aos conteúdos letivos. O facto de residir, alternadamente, entre dois países terá contribuído para a desistência da prossecução dos estudos por forma a dedicar-se ao desenvolvimento de atividade profissional, que valorizava, tendo ido trabalhar com o pai na área da logística na .... - No que diz respeito ao seu percurso profissional e não tendo gostado da área da logística, regressou de novo a Portugal, onde viria a desenvolver funções na área da restauração, armazém entre outras, durante um largo período, acabando por constituir uma empresa na área da construção civil (remodelações) com a sua mãe e padrasto. Viria a abandonar esta atividade no período da pandemia “covid 19” por falta de obras e por dificuldades financeiras decorrentes de compromissos que havia assumido aquando da constituição da empresa. - Na vertente afetiva, autonomizou-se da família de origem aos 18 anos de idade e estabeleceu uma relação afetiva significativa aos 20 anos, da qual existe um filho, tendo esta relação terminado devido a incompatibilidades diversas. O seu filho e a respetiva mãe ficaram a viver na ..., situação que contribuiu para a sua destabilização emocional. - No que concerne à temática da saúde, refere consumos pontuais de bebidas etílicas e por vezes haxixe, em contexto de convívio social. - À data da instauração da presente situação processual, vivia com uma nova relação afetiva com GG e um filho desta, menor de idade, numa dinâmica que é descrita como gratificante por ambos os elementos do casal. - O arguido e agregado residem em Portugal, numa habitação, pertença do pai do arguido, a qual lhe foi disponibilizada devido às dificuldades económicas que este vivenciava, situação que se mantém, referenciando a existência de alguma proximidade com o agregado da companheira. - No plano laboral/económico, trabalhava como ... no cemitério de ... com contrato de trabalho e a sua companheira trabalhava na área das limpezas, referenciando a este nível manter um modo de vida humilde, porém, suficiente para a satisfação das necessidades de subsistência. - Ao nível pessoal, vivia um período de fragilidade que se traduzia em dificuldades na gestão e autocontrolo da impulsividade que não era percetível aos outros e que o próprio não reconhecia, gerando-lhe, em determinados momentos, dificuldades ao nível da elaboração de um pensamento reflexivo, descentrado e consequencial, condicentes com dificuldades na antecipação das consequências dos seus atos no seu quotidiano. - Evidencia preocupação e revolta, essencialmente por recear eventual privação de liberdade. - Na sequência do presente processo o arguido primeiramente esteve em prisão preventiva e desde 19/10/2021 cumpre a medida de coação de obrigação de permanência na habitação com vigilância eletrónica, tendo vindo a cumprir as regras inerentes à mesma. 25 – O arguido DD tem os seguintes antecedentes criminais registados, tendo sido condenado: (…) E o tribunal a quo considerou não provados os seguintes factos: a) Os arguidos HH e II agiram em comunhão de esforços com os arguidos AA e DD, tendo o arguido HH ficado encarregue de possibilitar a fuga rápida do local e o arguido II, de recuo, noutro lugar em outra viatura, para agir em caso de necessidade na fuga dos arguidos AA e DD. b) Após os factos o arguido DD foi recolhido pelos arguidos JJ numa carrinha branca fechada, enquanto o arguido AA se refugiu junto ao muro da moradia sita no nº ...0 da Rua ... onde telefonou a HH e foi recolhido pelos arguidos HH e II, na mesma carrinha, que o deixaram nas imediações do Hospital .... V. Decidindo: A) É nulo o acórdão recorrido, por falta de fundamentação, de facto e de direito, no que concerne à determinação da pena única? Entende o recorrente que sim porquanto, e segundo afirma, no acórdão recorrido “omite-se inteiramente os factos que determinaram a condenação do recorrente, omitindo-se várias das circunstâncias, com relevo para a boa decisão, em que esses factos foram praticados, a eventual ligação entre eles, os contornos de cada um, a concreta ilicitude dos factos, a concreta postura do arguido quanto a eles”. Vejamos a forma como o tribunal a quo fundamenta a determinação das penas parcelares e única: «O crime de roubo qualificado é punido com a moldura penal abstracta de pena de prisão de três a quinze anos (artigo 210º, nºs 1 e 2, alínea b), por remissão do artigo 204º, nºs 1, alínea a) e 2, alíneas e) e f), do Código Penal). O crime de detenção de arma proibida tem a moldura abstracta de pena de prisão de um a cinco anos ou pena de multa até 600 dias (artigo 86º, n.º 1, alínea c), da Lei n.º 5/2006 de 23/02). Nos termos do n.º 1 do artigo 71º do Código Penal a “determinação da medida da pena, dentro dos limites legais definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (artigo 40º, n.º 2, do Código Penal). Toda a pena tem de ter como suporte axiológico-normativo a culpa concreta do agente, o que implica, por um lado que não há pena sem culpa, e por outro, que esta decide da medida daquela, afirmando-se como seu limite máximo, havendo que ter presente as razões de prevenção geral (protecção dos bens jurídicos) quanto aos fins das penas (artigo 40º, n.º 1, do Código Penal), e os fins de prevenção especial. Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente, ou contra ele, nomeadamente as referidas nas alíneas do n.º 2 do artigo 71º do Código Penal. Assim, há que ponderar: - As exigências de prevenção geral, que constituirão o limiar abaixo do qual não será possível ir, sob pena de ser posta em risco a função tutelar do direito e as expectativas comunitárias na validade da norma violada; - As exigências de culpa do agente, limite inultrapassável de todas e quaisquer considerações preventivas, por respeito do princípio politico-criminal da necessidade da pena, e do princípio constitucional da dignidade da pessoa humana (artigos 1º e 18º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa); e - As exigências de prevenção especial de socialização, sendo elas que irão determinar, em último termo, e dentro dos limites referidos, a medida concreta da pena. [11] Vertendo os princípios supra descritos temos que: O grau de ilicitude mostra-se de elevada gravidade. No que concerne à culpa, a mesma molda-se pelo dolo directo pois os arguidos agiram de forma livre e conscientemente, representando os factos que preenchem o tipo de crime, agindo com a intenção de o realizar (artigo 14º, n.º 1, do Código Penal). As exigências de prevenção geral positiva são elevadas atento o elevado número de ilícitos contra o património, executados com recurso à violência física e executados com recurso a armas de fogo, havendo necessidade de reprimir de forma eficaz estas condutas e de consciencializar para o desvalor das mesmas. Quanto às razões de prevenção especial temos que: - Relativamente ao arguido AA: O arguido tem actualmente 27 (vinte e sete) anos de idade, não tem antecedentes criminais registados, sendo que aquando da prática dos factos mostrava-se social, familiar e profissionalmente integrado, vivendo com uma companheira e o filho desta e trabalhando como ... no cemitério de .... O arguido admitiu a prática dos factos, demonstrando arrependimento pela sua conduta, que justificou com o facto de ter contraído dívidas, necessitando de dinheiro. Porém, a conduta do arguido foi gravosa, pois agiu em conjugação de esforços com outro indivíduo, o que maximiza a execução do ilícito, tendo entrado numa residência habitada, com pessoas no seu interior, com uma arma de fogo, municiada, tendo não só exibido e apontado a arma às pessoas com quem se depararam, como agrediram BB e CC, causando-lhes lesões. Aliás, era objectivo dos arguidos assaltarem uma residência com pessoas no seu interior, pois o arguido AA afirmou que ele e o indivíduo que o acompanhava visavam uma casa com pessoas no seu interior pois seria mais rápida a execução do assalto pois elas entregariam o dinheiro e objectos de valor que tivessem, não tendo os arguidos de os procurar. Por outro lado, os arguidos lograram subtrair e fazer seus €20.000,00 (vinte mil euros), os quais não foram recuperados. Tudo ponderado, atentas as razões de prevenção geral e especial supra referidas temos que a pena de multa não se mostra adequada, nem suficiente para exprimir um juízo de censura sobre a conduta do arguido no que respeita ao crime de detenção de arma proibida, pelo que o tribunal opta por lhe aplicar pena de prisão em ambos os ilícitos, a graduar concretamente em: - 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão no que respeita ao crime de roubo qualificado; - 2 (dois) anos de prisão no que respeita ao crime de detenção de arma proibida; Assim se satisfazendo as razões de prevenção geral e especial. * Nos termos do artigo 77º, n.º 1, do Código Penal “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.” A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes (artigo 77º, n.º 2, do Código Penal). Assim, tendo em atenção as fortes razões de prevenção geral e especial supra descritas, o número de crimes praticados pelo arguido, o espaço temporal em que os factos delituosos foram praticados, o tribunal fixa ao arguido AA a pena única de 6 (seis) anos e 4 (quatro) meses de prisão». O artº 374º do CPP enuncia os requisitos de uma sentença. E, para o que ora importa, estatui-se no nº 2 desse preceito: “Ao relatório segue-se a fundamentação, que consta da enumeração dos factos provados e não provados, bem como de uma exposição tanto quanto possível completa, ainda que concisa, dos motivos, de facto e de direito, que fundamentam a decisão, com indicação e exame crítico das provas que serviram para formar a convicção do tribunal”. Por seu turno, estabelece-se no artº 379º, nº 1, al. a) do mesmo diploma, que é nula a sentença “que não contiver as menções referidas no nº 2 (…) do artigo 374º (…)”. Convenhamos: Como bem refere o Exmº Procurador-Geral Adjunto no parecer que apresentou neste Supremo Tribunal de Justiça, o raciocínio expendido pelo tribunal a quo, na determinação da pena única, poderia “ter sido um pouco mais aprofundado”. Ainda assim, porém, é o mesmo perceptível e, por isso, sindicável. E, ainda que sumária, não se pode sequer dizer que estejamos perante uma fundamentação deficiente (muito menos, perante inexistência de fundamentação). Em matéria de determinação da pena única, o tribunal a quo chamou à colação “as fortes razões de prevenção geral e especial supra descritas, o número de crimes praticados pelo arguido, o espaço temporal em que os factos delituosos foram praticados”. Que é como quem diz, invocou as elevadas razões de prevenção geral, “atento o elevado número de ilícitos contra o património, executados com recurso à violência física e executados com recurso a armas de fogo, havendo necessidade de reprimir de forma eficaz estas condutas e de consciencializar para o desvalor das mesmas” e, bem assim, que o recorrente tinha, então, “27 (vinte e sete) anos de idade, não tem antecedentes criminais registados, sendo que aquando da prática dos factos mostrava-se social, familiar e profissionalmente integrado, vivendo com uma companheira e o filho desta e trabalhando como ... no cemitério de ...”. De outro lado, levou em conta que o arguido praticou, na mesma ocasião, dois distintos crimes. Tudo isto consta do acórdão recorrido. Não exactamente no segmento relativo à determinação da pena única, mas em momento imediatamente anterior, na escolha da espécie da pena (relativamente ao crime de detenção de arma proibida) e na determinação das penas parcelares. As exigências de especial fundamentação que a doutrina e a jurisprudência vêm fazendo, no que diz respeito à determinação da pena única, têm especial campo de actuação em casos de conhecimento superveniente de concurso. Nestes casos, posto que o acórdão cumulatório (ou sentença cumulatória, sendo caso disso) parte de penas parcelares previamente fixadas, e porque a determinação da pena única não assenta numa mera operação mecânica e aritmética, antes contempla uma apreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, exige-se que tal apreciação seja vertida, de forma expressa, detalhada e inequívoca, na fundamentação do acórdão. Quando, como no caso, a determinação da pena única é subsequente à aplicação das penas parcelares, no mesmo processo e após apreciação dos critérios definidos no artº 71º do Cod. Penal, é de aceitar que a fundamentação da pena única dispense a revisitação exaustiva desses critérios, para esse fim específico. Em concreto: Após uma apreciação dos factos e da personalidade do arguido, ora recorrente, tendo em vista a determinação das penas parcelares, fará sentido, in casu, colocar em equação se estamos perante uma “carreira criminosa” ou perante uma pluriocasionalidade, quando é certo que, como resulta dos factos provados, o arguido ora recorrente era primário e os dois crimes em concurso foram praticados na mesma ocasião? Fará sentido, em sede de determinação da medida da pena única, proceder a uma detalhada e minuciosa reapreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido, quando tal operação acabara de ser feita na determinação das penas parcelares, relativamente a cada uma delas? A tendência, cada vez mais generalizada, para uma certa prolixidade nas decisões dos nossos tribunais, está longe de as enriquecer e de contribuir para a sua compreensão pelos seus destinatários. No caso, a fundamentação da determinação da pena única, não pecando certamente por excesso, é contudo suficiente e adequada, em ordem a permitir acompanhar o raciocínio efectuado pelo tribunal e, nessa medida, para analisar do seu acerto ou desacerto. Não existe, pois, qualquer falta de fundamentação da medida da pena única e, consequentemente, não enferma o acórdão recorrido da apontada nulidade. B) A pena única aplicada é excessiva e deve ser fixada em não mais do que 5 anos de prisão, suspensa na sua execução? Sejamos claros: A pretensão do recorrente só pode assentar em mero equívoco. O recorrente, note-se, não questiona a medida concreta das penas parcelares. Ora, foi o mesmo condenado, pela prática de um crime de roubo na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; e pela prática de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 2 (dois) anos de prisão. “Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente” – artº 77º, nº 1 do Cod. Penal – sendo certo que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas parcelares e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas. Assim sendo, a moldura legal onde há-de ser encontrada a pena única resultante do cúmulo jurídico situa-se, no que respeita ao arguido e ora recorrente, entre um mínimo de 5 anos e 6 meses e um máximo de 7 anos e 6 meses de prisão. E porque assim é, manifesta se apresenta a inviabilidade da pretensão do recorrente: não podendo a pena única ser fixada em medida inferior a 5 anos e 6 meses de prisão, naturalmente não o poderá ser em medida igual ou inferior a 5 anos de prisão, eventualmente suspensa na sua execução (a suspensão da execução da pena tem, como pressuposto formal e como é sabido, que a pena não seja superior a 5 anos de prisão – artº 50º, nº 1 do Cod. Penal). Mas vejamos, ainda assim, se a mesma se mostra excessiva. Como bem se refere no Ac. deste STJ de 08-07-2020, Proc. n.º 1667/19.1T8VRL.S1 - 3.ª Secção, “I. A medida da pena conjunta deve definir-se entre um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente. II - Em sede de cúmulo jurídico a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. III - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. IV - De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente- exigências de prevenção especial de socialização”. A pena única a aplicar ao arguido situa-se, como supra referido, entre um mínimo de 5 anos e 6 meses e um máximo de 7 anos e 6 meses. O arguido foi condenado pela prática de um crime de roubo e de um crime de detenção de arma proibida. Essa arma proibida foi usada, aliás, no crime de roubo em causa, o qual teve contornos de violência inusitada: o arguido penetrou no interior de uma habitação e, sob ameaça com uma arma de fogo e com recurso a violência física, apropriou-se da quantia de 20.000 euros, que não mais foi recuperada. Os actos foram praticados pelo arguido e por um outro indivíduo, em comunhão de esforços e em execução de plano conjunto, ainda mais dificultando a eventual resistência de terceiros. No caso, o recorrente e o seu co-arguido não foram surpreendidos no interior da habitação, pelas pessoas que nelas residiam, por um azar do destino ou má preparação do assalto. Bem pelo contrário, os arguidos procuraram uma residência, com os seus moradores no interior, para ser mais fácil e rápido detectar a presença de dinheiro ou outros valores. Dito de outro modo: a coacção de terceiros, a violência sobre os ocupantes da residência, não foi fruto do acaso, antes foi pelos arguidos procurada e, por isso, querida e encarada como inevitável. O arguido recorrente agiu com dolo directo, daí que intenso. Intenso foi, igualmente, o grau de ilicitude dos factos, como graves foram as consequências da infracção, não só no que respeita à apropriação dos bens alheios como, também e essencialmente, no que concerne à integridade física e ao sentimento de segurança dos ofendidos, abalados pelo recorrente, num local onde é suposto qualquer cidadão se sentir em paz e tranquilidade. Como se refere no Ac. deste STJ de 15-07-2020, Proc. n.º 126/19.7JAPRT.S1 - 3.ª Secção, “o crime de roubo é um crime complexo (porque, segundo Luís Osório de Oliveira Batista, contém um crime contra a liberdade e um crime contra o património), de natureza mista, pluriofensivo (na expressão de Antolesi «um típico crime pluri-ofensivo»), em que os valores jurídicos em apreço e tutelados são de ordem patrimonial – direito de propriedade e de detenção de coisas móveis alheias – e abrangendo sobretudo bens jurídicos de ordem eminentemente pessoal – os quais merecem tutela a nível constitucional – arts. 24.º (direito à vida), 25.º (direito à integridade pessoal), 27.º (direito à liberdade e à segurança) e 64.º (protecção da saúde) da CRP – e da lei civil, no reconhecimento dos direitos de personalidade – art. 70.º do CC –, como o direito à liberdade individual de decisão e acção, à própria liberdade de movimentos, à segurança (com as componentes do direito à tranquilidade e ao sossego), o direito à saúde, à integridade física e mesmo a própria vida alheia. Em função do fim do agente, o roubo é um crime contra a propriedade, assumindo, no entanto, outros contornos para além desta vertente; estando em causa valores patrimoniais, está também em jogo na fattispecie em causa, a liberdade e segurança das pessoas, assumindo o elemento pessoal particular relevo, com a violação de direitos de personalidade, nomeadamente, o direito à integridade pessoal, com tutela constitucional, abrangendo as duas componentes, a integridade moral e a integridade física, de cada pessoa – art. 25.º, n.º 1, da CRP - o qual consiste, primeiro que tudo, num direito a não ser agredido ou ofendido, no corpo ou no espírito, por meios físicos ou morais, sendo o direito à integridade física e psíquica, à partida, um direito pessoal irrenunciável”. Na prática do crime de roubo, o recorrente e o seu co-arguido fizeram uso de uma arma de fogo, pistola semiautomática, de calibre 6,35 mm Browning (.25 ACP ou .25 AUTO na designação anglo-americana), municiada com seis munições de calibre 6,35 mm Browning, cinco das quais no carregador e uma munição na câmara, isto é, pronta a disparar. Esta arma foi manuseada numa primeira fase pelo co-arguido do recorrente e, depois, por este, ameaçando de morte os ofendidos, caso não lhes dissessem onde se encontrava o dinheiro que pretendiam. O recorrente era primário, o que naturalmente pesou na fixação das penas parcelares e única. Porém, numa apreciação conjunta dos factos e da personalidade do arguido/recorrente, não é possível ignorar ou menorizar a gravidade da sua conduta e as consequências decorrentes da mesma, não só patrimoniais – os 20.000 euros de que se apropriou jamais foram recuperados pelos seus proprietários – como, principalmente, as relativas à integridade física dos ofendidos (dois deles sofreram lesões físicas decorrentes da actuação do arguido) e ao sentimento de segurança dos 4 ocupantes da residência, surpreendidos no interior da residência onde viviam, ameaçados de morte com recurso a uma arma de fogo, imobilizados no chão e temendo necessariamente pelas suas vidas. E perante este enquadramento, uma pena única de 6 anos e 4 meses de prisão, situada abaixo do ponto médio da pena abstractamente aplicável, está bem longe de pecar por excessividade, inexistindo qualquer razão que justifique a sua redução. VI. São termos em que, sem necessidade de mais considerações, acordam os juízes deste Supremo Tribunal de Justiça em negar provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, confirmando integralmente o acórdão recorrido. Pagará o recorrente as custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 6 (seis) UC’s – artº 513º, nº 1 e tabela III anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Lisboa, 1 de Março de 2023 (processado e revisto pelo relator) Sénio Alves (Juiz Conselheiro relator) Ana Brito (Juíza Conselheira adjunta) Pedro Branquinho Dias (Juiz Conselheiro adjunto) _____ [1] TIAGO CAIADO MILHEIRO, Comentário Judiciário do Código de Processo Penal, Tomo I, Artigos 1.º a 123.º, 2.ª edição, Almedina, página 1090. |