Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | FERNANDO BAPTISTA | ||
| Descritores: | ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA PRESSUPOSTOS CAUSA JUSTIFICATIVA AUSÊNCIA ÓNUS DA PROVA FACTO NEGATIVO SUBSIDIARIEDADE VANTAGEM PATRIMONIAL NULIDADE DE ACÓRDÃO FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO | ||
| Data do Acordão: | 02/27/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA | ||
| Sumário : | I. O enriquecimento sem causa exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos ou pressupostos: a) Existência de um enriquecimento à custa de outrem; b) Existência de um empobrecimento; c) Nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; d) Ausência de causa justificativa; e) Inexistência de acção apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído. II. Quem invoca o instituto do enriquecimento sem causa, tem o ónus de alegação e prova (por força do preceituado no artigo 342.º, n.º 1 do CCivil) dos referidos pressupostos, maxime da inexistência de causa justificativa do enriquecimento – dessa deslocação patrimonial – (quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, quer porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento), não bastando que não se prove a existência de causa, constituindo esse requisito da ausência, originária ou subsequente, de causa no enriquecimento um elemento constitutivo do direito do autor à restituição, a tal não obstando a circunstância de estarmos perante um facto negativo. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível I – RELATÓRIO AA intentou acção declarativa de condenação sob a forma comum contra BB. Pede a condenação da Ré no pagamento do montante de € 289.616,81, acrescido dos juros que se vencerem a partir de 01.10.2016 sobre o capital, bem como a condenação da Ré a ver reconhecido a favor da Autora o direito desta a adquirir, por acessão industrial imobiliária, a ½ pertence à Ré da propriedade do prédio urbano referido na acção, com efeitos desde 31/12/1998 ou, na pior das hipóteses, desde 31/12/2010, com o consequente cancelamento de quaisquer registos a favor da Ré sobre tal imóvel; ou, em alternativa que a Ré seja condenada a pagar à A. a quantia de € 15.058,00, correspondente às obras e melhoramentos incorporados no prédio, com juros de mora desde a citação. A título subsidiário, pede que os empréstimos que eventualmente sejam declarados nulos por falta de forma, sejam reembolsados à Autora a título de enriquecimento sem causa1. * Devidamente citada, a Ré apresentou contestação, pedindo a improcedência da acção. * A Autora veio requerer a INTERVENÇÃO PRINCIPAL PROVOCADA ao abrigo do disposto no art.316º, nº2, do CPC, na qualidade de Réus de, CC e DD, seus irmãos, porquanto, à luz do alegado pela Ré, sua mãe, pretende que os seus irmãos figurem também como Réus, a fim de prevenir que em sede dos presentes autos os mesmos sejam eventualmente condenados solidariamente com a Ré ou em vez da Ré. * Pela A. foi deduzida oposição ao incidente. * Por despacho de 8.9.2017, foi admitida a intervenção principal provocada, decisão esta que veio a ser revogada por Acórdão do Tribunal da Relação de 8.9.2017 (cfr. Ap. A). * Por se ter considerado essencial averiguar o valor do prédio sito na Rua ..., ..., descrito na 1ª Conservatória do Registo Predial de Oeiras sob a ficha nº..27/......26 da freguesia de ... em 2006, concelho de ..., para apurar da probabilidade de configurar a aquisição, por acessão industrial imobiliária, de ½ do mesmo, pela autora, foi determinada a realização de perícia para tal efeito. A final, veio a ser proferida sentença com o seguinte dispositivo: « IV. Decisão Pelo exposto, julgo a presente acção intentada por AA contra AA, parcialmente procedente e, consequentemente, condeno a ré a restituir à autora a quantia de € 74.117,20, acrescida de juros de mora civis contados desde a data da citação e até integral pagamento. Custas pela autora e pela ré na proporção do decaimento. Notifique e registe.» * Não se conformando com a decisão, recorreu a Ré e outrossim a Autora em recurso subordinado. A Relação anulou a sentença e determinou o cumprimento do disposto no art.3º, nº 3, do CPCivil. * Baixaram os autos, vindo a ser proferida nova sentença mantendo, no essencial, o outrora decidido na sentença objecto de anulação. * Mais uma vez não se conformando com a decisão, dela vem recorrer a R., vindo a Relação de Lisboa, em acórdão, a proferir a seguinte “Decisão Em face do exposto, acordam os Juízes que constituem esta 8ª Secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar procedente o recurso de apelação interposto e, improcedente o recurso subordinado e, consequentemente: a) Revoga-se a sentença no segmento em que condenou a ré a restituir à autora a quantia de € 74.117,20, acrescida de juros de mora civis contados desde a data da citação e até integral pagamento; b) No mais, confirma-se a sentença recorrida.”. Por sua vez inconformada, vem a Autora interpor recurso de revista, apresentando alegações que remata com as seguintes CONCLUSÕES 1- O presente Recurso vem interposto do douto acórdão que julgou procedente o recurso principal e improcedente o recurso subordinado sendo ambas as decisões recorríveis. 2- No douto acórdão recorrido alterou-se a matéria de facto dada como provada na primeira instância, com recurso a presunções judiciais, nomeadamente o vertido no artigo 45 dos factos provados em primeira instância, o qual foi dado como não provado alterando-se, assim o sentido da decisão, bem como julgou improcedente o pedido de restituição das quantias entregue à Recorrida, a título de enriquecimento sem causa, no recurso subordinado. DA NULIDADE ACÓRDÃO RECORRIDO. 3- A alteração da matéria de facto não está fundamentada. 4- E o Tribunal da Relação, usando alguns factos apenas, diz simplesmente que não concorda com o raciocínio expedido na sentença da primeira instância com recurso a presunções. 5- O Tribunal da Relação não fundamenta a sua discordância relativamente ao raciocínio, em provas concretas produzidas, ou em factos, limitando-se a um não concordamos. 6- A Relação de Lisboa alterou, também a redação do ponto 46 da matéria de facto provada de forma totalmente incompreensível e não fundamentada alterando o seu sentido, limitando-o injustificadamente. 7- As decisões de alteração da matéria de facto são obrigatoriamente fundamentadas aplicando-se aos acórdãos proferidos pelas Relações emrecurso, o disposto no artigo 607º, n.º 3 e 4 do CPC por força do disposto no artigo 663º nº 2 do CPC 8- Ao não analisar criticamente as provas e ao não fundamentar as razões objetivas da sua discordância quanto à decisão proferida em primeira instância relativa à aplicação das presunções judiciais, padece o douto acórdão recorrido de nulidade nos termos do disposto no artigo 615º nº1 alínea c) do CPC. Nulidade esta que expressamente se argui para todos os efeitos legais. 9- A Recorrente demandou a Recorrida peticionando o seguinte: a. Que a Ré fosse condenada a pagar à Autora, no montante de € 289.616,81, acrescido dos juros que se vencerem a partir de 01.10.2016 sobre o capital, b. bem como a condenação da Ré a ver reconhecido a favor da Autora o direito desta adquirir, poracessão industrial imobiliária a metade da Casa de C..... - com o consequente cancelamento de quaisquer registos a favor da Ré sobre tal imóvel; c. ou, em alternativa que a Ré fosse condenada a pagar à A. a quantia de € 15.058,00, correspondente às obras e melhoramentos incorporados no prédio, com juros de mora desde a citação. d. A título subsidiário, os empréstimos que eventualmente sejam declarados nulos por falta de forma, deverão ser reembolsados à Autora a título de enriquecimento sem causa. 10-Na douta sentença proferida em primeira instância decidiu-se julgar parcialmente procedente a ação, condenando a ali Ré, nos termos do art. 527.º do CPC, a restituir à Autora a quantia de € 74.117,20, acrescida de juros de mora civis contados desde a data da citação e até integral pagamento, absolvendo a Ré do pedido quanto ao demais peticionado. 11-A Relação revogou a decisão proferida em primeira instância. 12-Entendeu a Relação que não ficou provada a obrigação de restituição, qual é elemento essencial do contrato de mútuo nos termos do disposto no artigo 1142.º do Código Civil, que não se verificavam os pressupostos da sub-rogação e que não fora alegada, e em consequência provada, a ausência de causa justificativa das transferências patrimoniais e como tal não podia operar o instituto do enriquecimento sem causa. 13-Entendeu a Relação, mal na opinião da Recorrente, que a Recorrida não está obrigada a reembolsar os valores entregues em cheques pois não estava convencionada a obrigação de reembolso e como tal não configuram um contrato de mútuo. 14-Ora, decorre da matéria de facto dada como provada que todos os valores entregues à Recorrida (com exceção das despesas hospitalares) e todos os pagamentosfeitose dados como provadosforam-no a pedido da Recorrida e no interesse desta. 15-A Recorrente entregou o dinheiro à Recorrida e pagou despesas desta convicta que a mãe estava obrigada a restituí-los, e que o faria, e não atuou com espírito de liberalidade. 16-A Recorrida sempre asseverou à filha que lhe restituiria o dinheiro, prometeu que pagaria à Recorrente mediante contas com os irmãos, através de uma dação em pagamento de metade da casa de C...... 17-A Recorrida não nega a obrigação de restituir estas verbas, mas a obrigação de restituição destes montantes para a herança da sua mãe EE e, consequentemente, para os herdeiros. 18-Houve, sim, uma convenção entre Recorrida e Recorrente de que aquela lhe restituiria tais montantes. A Recorrente atuou convicta de tal facto e da obrigação da mãe. 19-A Recorrida enganou a Recorrente prometendo pagar à filha inicialmente com o produto da venda da madeira dos terrenos rústicos com eucaliptal e posteriormente com um bem que ainda não tinha, o direito a 1/2 da propriedade da casa de C..... o qual apenas foi reconhecido em 2016. 20-As instâncias deram como provado que a Recorrida recebeu e pediu à filha, aqui Recorrente, que lhe entregasse dinheiro e pagasse dívidas e responsabilidades por si contraídas. 21-Ora, como é evidente a incorporação destes valores no património da Recorrida, não constituindo uma liberalidade da Recorrente, nem se tendo provado a obrigação de restituição, configura um enriquecimento sem causa. 22-Existe enriquecimento, sem causa, sempre que ocorra: a) a existência de um enriquecimento; b) que ele careça de causa justificativa; c) que o mesmo tenha sido obtido à custa do empobrecimento daquele que pede a restituição; d) que a lei não faculte ao empobrecido outro meio de ser restituído/indemnizado. (Cfr. Artigo 473 do C. Civil) 23-Ora, as transferências patrimoniais da Recorrente para a Recorrida não podendo subsumir-se ao contrato de mútuo, e carecendo de motivo justificativo, constituem um enriquecimento da Recorrida à custa do património da Recorrente, inexistindo outro meio da Recorrente ser ressarcida. 24-E tudo isto com referência aos factos dados como provado sob os artigos 5 a 38, 46, 47 e 48 do acórdão recorrido. 25-O mesmo se diga no que se refere ao pagamento dos honorários dos advogados da Recorrida, Dr. FF e Mulher Dra GG, e às custas judiciais. 26-A Recorrente, convicta da obrigação que tinha assumido para com a sua mãe, e que esta lhe iria restituir os valores, pagou aos ilustres advogados Senhora Dr.ª GG e Senhor Dr. FF os honorários e custas. 27-Com o pagamento de todas as despesas que eram da mãe, a Recorrente empobreceu e a Recorrida viu acrescer o seu património por ter ficado desonerada do pagamento destas obrigações. 28-A Recorrida manteve-se sempre como comproprietária da casa de R.. ..... – tem 1/4 dessa casa- doou aos filhos em 03-06-2008 apenas o seu direito na herança da sua mãe EE e mantem-na como sua, de nela vivendo e contraiu obrigações perante terceiros que foram solvidas pela filha. 29-A Recorrida assumiu obrigações perante os empreiteiros e fornecedores e “mandava” ou pedia, à Recorrente para lhes pagar, o que aconteceu desde 2004 a 2011, com a promessa dequelhe pagaria. Nomeadamente,a Recorrente pagou a HH, II, A..., Lda, JJ, KK, LL, MM, ao Eng NN( cfr. pontos 22, a 30 do factos provados) a pedido e no interesse da mãe, aqui Recorrida. 30 - O facto de as obras terem sido efetuadas num bem que em parte é de uma da herança – indivisa desde 2001- não afasta o facto de a Recorrida ser comproprietária da casa de R.. ...... 31-ARecorrentedemandou a Recorrida pedindo pediu, que caso não se verificassem em concreto a obrigação de restituir em virtude do mútuo, que essa obrigação viesse a ser reconhecida a título de enriquecimento sem causa (cfr. alínea d) do pedido). 32-A prova da inexistência de causa justificativa das transferência patrimoniais e pagamentos de despesas decorre claramente da alegação e prova que as mesmas só foram feitas a pedido da mãe e com a convicção da Recorrente, embora errónea e errada porque foi enganada, que havia obrigação de restituição. 33-No douto acórdão recorrido violou-se por erro de interpretação e aplicação o disposto no artigo 473º, 474ºe 479º, todos do Código Civil. 34-Nestes termos deve dado provimento ao presente recurso, ser revogado o Acórdão recorrido e ser a Recorrida condenada a restituir à Recorrente a quantia de € 289.616,81, a título de enriquecimento sem causa, acrescida de juros desde a data da citação. * A Ré/Recorrida responde à alegação, pugnando pela improcedência do recurso. Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir. ** II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO Nada obsta à apreciação do mérito da revista. Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC). ** Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), as questões a decidir consistem em saber: • Se o acórdão recorrido é nulo por falta de análise crítica das provas e falta de fundamentação na parte em que foi determinada a alteração da matéria de facto; • Se o acórdão recorrido incorreu em erro de interpretação e aplicação do instituto do enriquecimento sem causa (violando o disposto nos arts. 473.º, 474.º e 479.º, todos do CC – defendendo a Recorrente que a prova da inexistência de causa justificativa das transferências patrimoniais e pagamentos de despesas decorre da matéria de facto provada). * III – FUNDAMENTAÇÃO III. 1. FACTOS PROVADOS É a seguinte a matéria de facto provada (estabilizada nos autos, em face da alteração operada pelo acórdão do Tribunal da Relação – e que não se mostra impugnada no âmbito do presente recurso de revista). 1. A autora AA é filha da Ré AA e de OO. 2. Em 1998, o pai da autora abandonou o lar conjugal, o que culminou num divórcio litigioso, tendo entre os pais da autora corrido diversas acções judiciais que se arrastaram ao longo do tempo. 3. A autora solidarizou-se com a ré, dando-lhe apoio emocional e psicológico. 4. A autora, desde a separação dos pais, ajudou financeiramente a ré, nomeadamente com despesas relativas a acções judiciais em que esta esteve envolvida e a fazer face a outras necessidades da ré. 5. Por alturas de 1998, estavam em fase de execução obras na casa de morada de família da ré, sita na Rua ... (“casa de ...”), em virtude de ter ocorrido um desabamento de terras, com a queda do muro de suporte que afectou um prédio vizinho. 6. Por força de uma decisão judicial, era necessário proceder a diversas obras nomeadamente para levantar terras caídas, reconstruir o muro de suporte e colectar o esgoto. 7. No âmbito da acção que correu termos no então ... Juízo de Competência Cível de ..., sob o n.º 1302/06.8..., por sentença proferida em 28-12-2012, confirmada por acórdão da Relação de Lisboa de 19-11-2015, transitado em julgado em 08-01-2016, foi julgado procedente o pedido reconvencional deduzido pela ré contra o seu ex-marido, e declarado ter a ré, adquirido por usucapião, a metade indivisa do prédio urbano sito na Rua ..., correspondente à casa de C....., tendo a sua posse tido início em 02-07-1979. 8. No âmbito dessa mesma acção judicial foi elaborado um relatório pericial que se referiu, nomeadamente, às obras que a ré teria efectuado na referida moradia. 9. A autora, a pedido da ré, preencheu os seguintes cheques a favor da ré, os quais foram descontados: - € 1.600,00, em 09-09-2003; - € 4.000,00, em 26-01-2004; - € 1.100,00, em 15-01-2007; 10. A autora fez igualmente as seguintes transferências, a pedido da ré, para as suas contas bancárias: - € 5.000,00, em 18-08-2005; - € 3.000,00, em 11-08-2006; - € 1.500,00, em 05-12-2006; - € 3.494,17, em 20-12-2006; - € 2.460,00, em 12-03-2007; - € 3.200,00, em 11-06-2007; - € 1.200,00, em 11-06-2007; - € 500,00, em 13-02-2008; - € 500,00, em 14-04-2008; - € 500,00, em 13-10-2008; - € 500,00, em 28-01-2009; - € 550,00, em 06-04-2010; - € 500,00, em 16-06-2010; - € 500,00, em 28-06-2010; - € 2.000,00, em 05-07-2010; - € 5.000,00, em 03-03-2011; - € 10.000,00, em 03-03-2011; - € 2.000,00, em 26-04-2012; - € 3.000,00, em 15-11-2012. 11. Parte das transferências referidas em 10., em particular as relativas a valores correspondentes a € 500,00 e € 550,00, serviram para reembolsar a ré do adiantamento do pagamento de vencimentos de empregadas domésticas contratadas pela autora mas que prestavam serviços na casa de C..... onde residia a ré. 12. Após o nascimento dos filhos da autora, um rapaz nascido em 2003 e uma rapariga nascida em 2005, as crianças passavam o dia ou parte do dia, e algumas vezes dormiam, em casa da ré, sua avó, pelo que a autora contratou, sucessivamente, empregadas para ajudar a ré a tomar conta dos netos. 13. A autora, em ...-...-2005 adquiriu o veículo da marca Nissan modelo Primera com a matrícula ..-..-UI pelo valor de € 18.750,00, tendo destinado este a ser utilizado pela ré. 14. Esse veículo substituiu um veículo antigo que a ré utilizava e que era propriedade do seu filho CC. 15. A autora pagou custos de reparação do veículo, nomeadamente, em ...-...-2011, efectuou duas transferências, respectivamente, no montante de € 442,00 para PP e € 1.899,92 para a Auto..., Lda 16. O veículo, em 2015, foi vendido à sociedade N..., Lda, que até ao dia 10-11-2016 era detida pela autora em 70% e pela ré em 30%, tendo, contudo, continuado a ser utilizado pela ré. 17. A ré liquidou algumas das despesas relativas ao veículo, nomeadamente IUC e o prémio do seguro automóvel. 18. Por volta de 2004, e no seguimento de problemas numa parte do telhado, a ré, com a anuência do irmão, decidiu efectuar obras numa casa de família sita na Rua ..., em ... (“casa de R.. .....”). 19. A ré decidia que obras seriam feitas e em que termos, contratando, directamente, por sua iniciativa, os mais diversos prestadores de serviços da área da construção civil e fornecedores de materiais e negociado com os mesmos os termos e condições dos respectivos trabalhos. 20. A pedido e por indicação da ré, a autora fez pagamentos aos tais prestadores de serviços da área da construção civil. 21. As obras na casa de R.. ..... que, inicialmente tiveram carácter preventivo com vista à remoção do telhado que estava em risco de ruir, foram posteriormente alargadas e visaram a reabilitação de parte da casa que seria destinada à ré, prolongando-se durante até cerca de 2011. 22. A autora, com referência às obras da casa de R.. ....., fez os seguintes pagamentos ao empreiteiro HH, mediante transferências bancárias ou emissão de cheques: - € 2.829,34, em 20-04-2005; - € 2.200,00, em 02-05-2005; - € 1.485,21, em 18-12-2006; - € 1.500,00, em 04-01-2007; - € 2.000,00, em 13-02-2007; - € 800,00, em 15-02-2007; - € 1.755,22, em 27-03-2007; - € 2.226,43, em 11-04-2007; - € 1.997,78, em 26-04-2007 - € 1.874,62, em 08-05-2007; - € 2.111,60, em 14-05-2007; - € 2.142,11, em 22-05-2007; - € 5.093,61, em 18-06-2007; - € 2.039,12, em 25-06-2007; - € 2.278,96, em 28-06-2007; - € 2.500,00, em 10-07-2007; - € 2.700,00, em 20-07-2007; - € 3.000,00, em 07-08-2007; - € 3.500,00, em 23-08-2007; - € 4.872,00, em 12-09-2007; - € 3.327,35, em 10-10-2007; - € 989,00, em 19-02-2008; - € 2.287,83, em 03-03-2008; - € 3.372,47, em 17-03-2008; - € 2.965,50, em 31-03-2008; - € 4.559,91, em 07-04-2008; - € 3.072,00, em 06-05-2008; - € 4.637,14, em 16-05-2008; - € 3.084,00, em 24-06-2008; - € 6.172,18, em 14-07-2008; 23. A autora, com referência às obras da casa de R.. ....., quanto ao empreiteiro II/ Sociedade de Construções..., Lda, fez os seguintes pagamentos por transferência bancária: - € 5.000,00, em 21-10-2008; - € 5.000,00, em 17-11-2008; - € 5.000,00, em 21-11-2008; - € 6.045,00, em 16-12-2008; - € 9.390,54, em 22-01-2009; - € 7.500,00, em 18-02-2009; - € 12.900,00, em 26-05-2009; - € 5.000,00, em 26-10-2009; - € 5.000,00, em 26-10-2009; - € 3.681,00, em 15-03-2010. 24. A autora, com referência às obras da casa de R.. ....., quanto ao fornecedor de alumínios A..., Lda, a Autora efectuou a seguinte transferência: - € 3.700,00, em 07-08-2008. 25. A autora, com referência às obras da casa de R.. ....., efectuou as seguintes transferências para o pintor JJ: - € 5.712,00, em 09-07-2009; - € 4.210,00, em 10-02-2010 26. A autora, com referência às obras da casa de R.. ....., efectuou a seguinte transferência relativa a trabalhos de carpintaria para o NIB indicado pela ré: - € 2.847,96, em 13-10-2009. 27. A autora, com referência às obras da casa de R.. ....., efectuou a seguinte transferência bancária para I..., Lda, fornecedor de madeiras, para o NIB indicado pela ré: - € 4.358,24, em 23-06-2008. 28. A autora, com referência às obras da casa de R.. ....., efectuou a seguinte transferência bancária a favor do canalizador LL: - € 2.362,72, em 30-06-2008. 29. A autora, com referência às obras da casa de R.. ....., emitiu cheque a favor para MM, fornecedor de materiais de construção: - € 3.478,26, em 10-07-2008. 30. A pedido da ré a autora, com referência às obras da casa de R.. ....., fez a seguinte transferência bancária para o NIB identificado como Eng. Valdoeiros, director técnico das obras e como autor do projecto de estabilidade: - € 1.400,00, em 19-02-2008. 31. Para além disso, a pedido da ré mas com referência ao pagamento de mudanças de bens que integravam a herança da sogra da ré, de quem esta não era herdeira, a autora, em 2005, entregou-lhe um cheque em branco que a ré preencheu a favor de QQ, profissional da área das mudanças, que posteriormente a ré preencheu pelo montante de € 245,00, em 28-06-2005. 32. A pedido da ré a autora, em 2005, emitiu cheque a favor de RR, no valor de € 800,00, em 12-10-2005. 33. A pedido da ré, a autora, em 2009 e 2010, efectuou as seguintes transferências bancárias a favor de SS, relativo à cessão de espaço para acomodar móveis de valor estimativo que advieram de herança da sogra da ré: - € 1.800,00, em 07-12-2009; - € 900,00, em 22-12-2010. 34. Entre 2007 e 2016 a autora efectuou, a pedido da Ré, pagamentos de honorários a advogados contratados pela ré para assuntos do seu interesse, e suportou ainda custas judiciais, também relativas a processos judiciais em que a ré era interessada. 35. Assim, a autora efectuou as seguintes transferências bancárias para a Ilustre Advogada Dr.ª GG: - € 3.979,54, em 10-12-2007; - € 1.383,00, em 04-10-2010; - € 4.250,00, em 09-05-2016. 36. A autora efectuou as seguintes transferências bancárias para o Ilustre Advogado Dr. FF: - € 4.000,16, em 10-12-2007; - € 612,67, em 05-11-2010; - € 1.369,96, em 26-04-2012; - € 2.477,00, em 13.11.2012; - € 6.225,79, em 09.05.2016. 37. A autora, mais uma vez a pedido da ré, efectuou o pagamento de custas judiciais no montante de € 3.322,80, em 27-06-2016. 38. A ré esteve hospitalizada no hospital 1, em Junho de 2014, devido a uma grave infecção respiratória com risco iminente de vida, tendo a autora liquidado o pagamento das despesas hospitalares no montante total de € 4.807,46. 39. A autora, na altura encontrava-se no estrangeiro, e face à urgência da situação e por já na trabalhar como médica no Hospital 1 para onde a ré queria ir, deu indicação de que a ré fosse assistida na 1 atenta a gravidade e urgência da situação. 40. A autora trocou correspondência com os irmãos no sentido de saber como iriam repartir as despesas, que incluíam ainda a caução no valor de € 750,00, liquidada pelo irmão CC, e estando pendente um reembolso parcial da ADSE que ficou para a autora, assumindo a autora a responsabilidade de parte das despesas decorrentes dessa situação de saúde. 41. Por escritura de doação outorgada em 03-06-2008, a ré declarou doar à autora e aos seus irmãos CC e CC, por conta da quota indisponível, para além de direitos sobre prédios rústicos, o quinhão hereditário a que tinha direito na herança aberta por óbito de EE, falecida em ...-...-2001, em comum e em partes iguais aos aí donatários, os quais declararam aceitar a doação. 42. A herança da avó da autora e mãe da ré, EE, cujo quinhão da ré foi objecto de doação, integrará, na proporção de ½, o direito de propriedade sobre a casa de R.. ....., correspondente ao prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n.º ...69, ainda inscrito em nome do avô da autora e pai da ré TT pela Ap. 5 de 21-09-1945, falecido em ...-...-1965. 43. A referida ½ do direito de propriedade sobre o imóvel que integrava a herança de EE, adveio à titularidade desta (ainda que não se encontre registada), por partilha da herança do seu marido TT, tendo na altura, no mais, sido adjudicado à ré ¼ desse imóvel e o restante ¼ adjudicado ao irmão da ré UU. 44. A casa de R.. ..... encontra-se, actualmente, inscrita na matriz predial urbana sob o artigo 359, tendo como titulares, para efeitos de contribuições fiscais, o tio da autora e irmão da ré UU, na proporção de ¼, a ré na proporção de ¼, e os donatários da escritura de doação na proporção de 1/6 cada um. 45. A autora procedeu aos pagamentos referentes à realização das obras da casa de R.. ..... -pelo menos até à data da escritura de doação do quinhão da ré na herança de EE a pedido e em favor da ré, estando ambas as partes de acordo que a ré teria de reembolsar a autora desses montantes. 46. A autora, apesar de saber que a mãe não teria disponibilidade financeira para, de imediato, proceder ao reembolso dos pagamentos referentes à casa de R.. ....., contava vir a ser ressarcida desses montantes, nomeadamente, com recurso a outros bens ou direitos da mãe, tendo configurado a possibilidade de ser paga através da transmissão em seu favor da quota parte da mãe na casa de C...... – redação conferida pelo Tribunal da Relação 47. A autora, em face das quantias avultadas por si suportadas ao longo de vários anos, interpelou a ré, sua mãe, em Agosto de 2016, para proceder ao seu pagamento, nomeadamente através da transmissão da sua quota-parte da casa de C...... 48. A ré recusou-se a proceder a qualquer pagamento, sugerindo que a autora acertasse contas com os seus irmãos, pelo que se romperam as relações familiares entre ambas a partir dessa altura. 49. A casa de C....., no âmbito da perícia realizada nos autos, foi avaliada, com referência ao ano de 2006, em € 803.788,00. ** Factos não provados: A. A autora, em 1998, não só realizou a suas expensas as mais diversas obras que tiveram lugar na casa de morada de família da Ré que se prolongaram até 2000, como também posteriormente. B. A ajuda financeira da autora à ré permitiu que esta suportasse uma das diversas acções judiciais que a ré intentou contra o seu ex-marido, referente à obtenção da compropriedade da aludida moradia. C. Das diversas obras que foram efectuadas entre 1998 e 2007 e que constam do relatório pericial junto à acção n.º 1302/06.8..., foi a autora que mandou efectuar e pagou com o seu dinheiro as seguintes obras: gabiões € 3.000, muro de alvenaria rebocado e pintado € 1.400, caminhos de serviço € 1.150, gradeamento € 690, portão de correr da garagem € 615, porta de homem na entrada da rua € 154, cobertura da lareira € 231, gradeamento escada € 150, alteamento do portão principal e muros sobre a rua € 677, muro lateral na escada de acesso ao muro de suporte € 231, escada de acesso ao muro de suporte € 769, remoção do entulho, alisamento terreno e reposição do jardim € 3.077, demolição muro rua, desmontagem e remontagem portão € 769, rede de malha elástica na extrema Norte € 308, 4 grades de ferro pintado em janela € 551, electrificação do portão da rua e seus comandos € 923, iluminação dos topos dos pilares € 95, wc-cabines e duche e ajuda deficiente € 1.261, tratamento madeiras escadas interiores € 180, tratamento madeiras caixilharia exterior € 688, pinturas interiores parciais € 481, tratamento madeiras caixilharia exterior € 735, tudo num total de € 15.058,00. D. Apesar do que ficou provado no aludido processo judicial, na realidade tais montantes referentes às obras na casa de C..... provieram da autora. E. A autora, no período compreendido entre 2003 e 2016, a pedido da ré, efectuou diversos empréstimos a esta não só por emissão de cheques e transferência para as contas bancárias da mesma, como também procedeu a pagamentos às mais diversas entidades indicadas por esta, destinando-se esses montantes a despesas diversas da ré. F. Os montantes a que se referem os cheques referidos em 9., destinaram-se à satisfação de necessidades da ré relativas a gastos inerentes a obras e custas judiciais. G. O cheque referido em 9., no valor de € 1.600,00, foi entregue pela autora à ré para que esta adquirisse um presente para si, por ocasião do seu 59.º aniversário. H. As transferências referidas em 10. tiveram em vista a satisfação de gastos da ré inerentes à realização de obras, custos com processos judiciais incluindo honorários de advogados, bem como de outras necessidades pessoais desta. I. Os cheques referidos em 9. e as transferências referidas em 10., referiam-se a despesas com a casa de R.. ...... J. Os cheques referidos em 9. e as transferências referidas em 10., referiam-se montantes entregues pela autora à ré com obrigação desta proceder à sua restituição. K. A autora, a pedido da ré, entregou-lhe, em 09-02-2009, um cheque no montante de € 800,00, sem indicação de beneficiário, que posteriormente foi depositado em conta sedeada no Banco BES. L. Em 16-04-2007, a autora, com o mesmo objectivo de satisfação de necessidades pessoais da ré, descontou na sua conta bancária, a pedido da ré, um cheque com a importância de € 3.000,00 com vista a entregar esse mesmo montante em numerário à ré. M. O mesmo sucedendo a 29-10-2007 relativamente ao cheque emitido pelo montante de € 1.300,00. N. Bem como a 09-11-2009 relativamente ao cheque emitido pelo montante de € 600,00. O. O cheque emitido, em 2005, a favor de RR pela autora serviu para pagamento de ordenados de empregada doméstica da casa de família de R.. ...... P. O veículo automóvel referido em 18. foi adquirido pela autora, a pedido e por conta da ré. Q. Na altura, a autora alegou que assim a ré poderia transportar os seus filhos com mais comodidade e segurança. R. À data, a ré solicitou que o referido veículo ficasse em nome da autora em virtude do litígio que a ré tinha com o seu ex-marido. S. A ré solicitou à autora que lhe pagasse os custos da reparação do veículo e a autora procedeu a esses pagamentos, conforme indicação da ré. T. A autora apenas tem vindo a emprestar todas as quantias alegadas, ao longo do tempo, com a promessa de transmissão por parte da Ré da quota-parte que lhe pertence do prédio urbano sito R ... em .... U. A autora e os seus irmãos assumiram que a ré deveria ser ajudada no pagamento das despesas com processos judiciais, já que lhes havia feito uma doação e por, a partir de 2010, se ter aposentado. V. Bem como por tais despesas judiciais respeitarem a um processo judicial que visava defender o património da ré, o qual, mais tarde, lhes pertenceria, como herdeiros. W. As quantias entregues pela autora à ré, bem como os pagamentos feitos a pedido desta a terceiros, por cheque ou transferência bancária, com excepção dos referidos em 45., corresponderam a empréstimos e apenas não foram formalizados por se tratar de uma relação familiar e existir um elemento de confiança. ** III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO • DA ALEGADA NULIDADE DO ACÓRDÃO RECORRIDO (por falta de análise crítica das provas e falta de fundamentação) A recorrente começa por invocar a nulidade do acórdão recorrido por falta de análise crítica das provas e falta de fundamentação, alegando, para tanto, o seguinte: “Ao não analisar criticamente as provas e ao não fundamentar as razões objetivas da sua discordância quanto à decisão proferida em primeira instância relativa à aplicação das presunções judiciais, padece o douto acórdão recorrido de nulidade nos termos do disposto no artigo 615.º, n.º 1, al. c) do CPC. Nulidade esta que expressamente se argui para todos os efeitos legais.”. Da alegação da recorrente, constata-se que a mesma não se conformou com a alteração fáctica operada pelo tribunal da Relação, em sede de reapreciação da matéria de facto e aponta à decisão falta de análise critica das provas e falta de fundamentação da sua discordância quanto à decisão proferida em primeira instância relativa à aplicação das presunções judiciais. A ser assim, a nulidade apontada não se circunscreve à prevista na al. c), do n.º 1, do art. 615.º, mas antes na sua al. b), que se reporta à falta de especificação dos fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. A este respeito cumpre dizer que só se verifica a nulidade prevista no art. 615.º n.º 1, al. b), do CPC quando a sentença não especificar os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão. Como sublinham Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa2, existe uma “frequente confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida.”. A este propósito, Teixeira de Sousa3 defende que “esta causa de nulidade verifica-se quando o tribunal julga procedente ou improcedente um pedido (e, por isso, não comete, nesse âmbito, qualquer omissão de pronúncia), mas não especifica quais os fundamentos de facto ou de direito que foram relevantes para essa decisão. Nesta hipótese, o tribunal viola o dever de motivação ou fundamentação das decisões judiciais (art. 208.º, n.º 1, CRP; art. 158º, n.º 1)”. Também no mesmo sentido seguem Lebre de Freitas e Isabel Alexandre4 defendendo que há nulidade quando falte, em absoluto, indicação dos fundamentos de facto da decisão ou a indicação dos fundamentos de direito da decisão, não a constituindo a mera deficiência de fundamentação. Ora, conforme resulta da leitura do acórdão, as modificações operadas em sede de recurso de facto encontram-se explicitadas com recurso a motivação exaustiva e bastante clara. Com efeito, o acórdão recorrido fundamenta assim a decisão de alteração da matéria de facto: «In casu, não obstante a extensa explicação vertida na sentença, não podemos concordar com as suas premissas e fundamentos. Na verdade, e como ensina Luís Filipe de Sousa, «Os indícios não podem ser valorados em abstracto mas face ao concreto contexto factual em apreciação e às diversas histórias alternativas que defluem do confronto das partes no processo. É essencial que emirjam da fundamentação elementos suficientes para aferir se a utilização da presunção se pautou por critérios de congruência, coerência e logicidade.» In casu, tais critérios não se verificam. Vejamos. Provado está que a A. com referência às obras da casa de R.. ..... fez pagamentos em 2005, 2006, 2007, 2008, 2009, 2010 (pontos 22 a 30 da matéria de facto). Também está provado, é certo, que a A., a pedido da Ré e por sua indicação, fez pagamentos aos prestadores de serviços da área da construção civil que fizeram o seu trabalho na casa de R.. ...... Cfr. ponto 20. Porém, e a respeito, nada mais se provou que possa levar o tribunal a concluir que, integrando a casa herança não partilhada da Ré e de seu irmão, e face ao volume «elevado» das despesas em causa que corresponderam a obras de significado, a A. fez os pagamentos em causa não já com qualquer intenção de ajudar a mãe como terá sucedido com as outras despesas mas antes como empréstimo, sem prescindir do seu reembolso. Veja-se aliás, que tendo sido referido na sentença que se procedeu à análise da certidão de registo predial relativa ao imóvel e, bem assim, da caderneta predial, bem como dos elementos dos processos de inventário, a conclusão a retirar seria que a A. seria credora da Ré e do irmão desta. Mas na sentença vai-se mais longe. Distingue-se, entre os pagamentos feitos antes da outorga da escritura de doação de 3.6.2008 (ponto 41 da matéria de facto) e após essa data sem qualquer suporte factual que o justifique para além de meras conjecturas. Veja-se, aliás, que a A. interpela a mãe para o pagamento em Agosto de 2016. Anote-se o facto nº47: «A autora, em face das quantias avultadas por si suportadas ao longo de vários anos, interpelou a Ré, sua mãe, em Agosto de 2016, para proceder ao seu pagamento, nomeadamente através da transmissão da sua quota parte da casa de C.....». Interpelação essa que ocorre cerca de seis meses após o trânsito em julgado da sentença que declara a aquisição por usucapião da metade indivisa precisamente da dita casa de C....., avaliada com referência ao ano de 2006, em €803.788,00. Cfr. pontos 7 e 49 da matéria de facto. Em face de tudo o que se deixou exposto, entende-se procedente a impugnação da matéria de facto produzida e, em conformidade, considerar como não provada, a matéria que integra o ponto 45 dos factos dados como provados.”. Daqui resulta, pois, que o tribunal fundamentou devidamente a sua decisão, fazendo apelo à prova produzida e justificando, de direito, a decisão tomada. Assim, o que temos é somente que a ora recorrente não se conforma com a alteração operada nesta instância no que à fundamentação de facto diz respeito, e com a consequente subsunção ao direito. Tal, porém, não constitui fundamento da pretensa nulidade ora invocada, quer seja enquadrada no preceituado no art. 615.º, n.º 1, al. c) do CPC, quer na al. b) da mesma disposição legal. Nesta senda, conclui-se pela improcedência da nulidade invocada, decaindo nesta parte a pretensão da Recorrente. • DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA Com a presente ação, a autora, ora recorrente, peticionou, para além do mais que não releva para o objeto do recurso, a condenação da ré a restituir-lhe diversos montantes entregues, ao longo do tempo e a título de “empréstimo”. Subsidiariamente, a autora pediu reembolso dos montantes entregues à ré, a título de enriquecimento sem causa. No âmbito do presente recurso de revista, a recorrente insurge-se quanto à não subsunção da situação sub judice ao instituto do enriquecimento sem causa, assumindo que afastada está a qualificação dos actos por si praticados – consubstanciados nas várias transferências patrimoniais feitas a favor da ré, sua mãe – como contratos de mútuo. Com efeito, segundo enuncia a recorrente “as transferências patrimoniais da recorrente para a recorrida, não podendo subsumir-se ao contrato de mútuo e carecendo de motivo justificado, constituem um enriquecimento da recorrida à custa do património da recorrente, inexistindo outro meio da recorrente ser ressarcida” – cf. conclusão recursória 23. Nesta senda, entende a recorrente que a matéria de facto provada permite concluir que as transferências de dinheiro e pagamento de despesas ocorreram a pedido da mãe, tendo a ré agido com a convicção de que havia obrigação de restituição (cf. conclusão 32). Cumpre apreciar. * Em primeiro lugar, há que sublinhar que a matéria de facto a atender mostra-se definitivamente estabilizada, não tendo sido objecto de impugnação no âmbito do presente recurso de revista. Atendendo, pois, à matéria de facto provada e não provada, dúvidas não podem subsistir que não ficou demonstrada a versão inicial da autora de que a mesma havia procedido aos pagamentos e entregas de dinheiro a sua mãe, a pedido e em favor da ré, estando ambas as partes de acordo que a ré teria de reembolsar a autora desses montantes (sendo, para o efeito, irrelevante a convicção subjectiva com que a autora poderá ter agido). * Vejamos, pois, se, perante o insucesso probatório da versão trazida pela autora a juízo – de que havia sido acordada a obrigação de restituição do dinheiro por si entregue à ré – quadro factual apurado permite concluir pela existência de enriquecimento sem causa por parte da ré. Estabelece o artigo 473.º, n.º 1, do Código Civil 5, que “aquele que, sem causa justificativa, enriquecer à custa de outrem é obrigado a restituir aquilo com que injustamente se locupletou”. Por sua vez, o n.º 2, do mesmo artigo, dispõe que “a obrigação de restituir, por enriquecimento sem causa, tem de modo especial por objecto o que foi indevidamente recebido, ou o que for recebido por virtude de uma causa que deixou de existir ou em vista de um efeito que não se verificou”. O enriquecimento sem causa é, assim, uma fonte de obrigações que cria uma obrigação de restituir, em que figura como credor o sujeito à custa de quem o enriquecimento se verificou e como devedor o beneficiário desse direito6. Idem nas palavras de Manuel de la Camara‑Luis Diez‑Picazo7. É uniformemente entendido que só há enriquecimento sem causa quando o património de certa pessoa ficou em melhor situação, se valorizou ou deixou de desvalorizar, à custa de outra pessoa, sem que para tal exista causa justificativa 8. O enriquecimento traduz‑se, portanto, na obtenção de um valor, de uma vantagem de carácter patrimonial susceptível de avaliação pecuniária. E resulta da comparação entre a situação em que se encontra actualmente o património do enriquecido e aquela que se verificaria se não se tivesse dado o enriquecimento. O enriquecido “fica em melhor situação do que aquela que de outro modo apresentaria”, correspondendo a essa vantagem “um prejuízo suportado pelo sujeito que requer a restituição” 9. Em suma, pode dizer‑se que o facto que enriquece uma pessoa tem de produzir o empobrecimento da outra. É, assim, pacifico na nossa Doutrina e Jurisprudência que a aplicação do instituto do enriquecimento sem causa exige a verificação cumulativa de alguns requisitos: a) Existência de um enriquecimento à custa de outrem; b) Existência de um empobrecimento; c) Nexo de causalidade entre o enriquecimento e o empobrecimento; d) Ausência de causa justificativa; e) Inexistência de acção apropriada que possibilite ao empobrecido meio de ser indemnizado ou restituído 10. Idem, no Acórdão do STJ de 14-03-2023 (processo n.º 5837/19.4T8GMR.G2.S1)11 igualmente se sustenta que a obrigação de restituir com assento no enriquecimento sem causa ocorre se se verificarem cumulativamente os seguintes três requisitos: “1.º Tem de existir um enriquecimento, que consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, que tanto pode constituir um aumento do ativo patrimonial como uma diminuição do passivo, com origem num negócio jurídico, como num ato jurídico não negocial ou num simples ato material; 2.º O enriquecimento não apresenta causa justificativa, que tanto pode ser por a mesma nunca ter ocorrido, como por ter deixado de existir, apesar de inicialmente existir. A causa justificativa do enriquecimento sem causa não tem uma definição legal concreta, mas podemos acolher como princípio geral de que a mesma não existe quando, de acordo com a lei, o enriquecimento deva pertencer a outra pessoa. Para aferirmos se tal ocorre, devemos efetuar sempre um juízo direcionado para o caso concreto, pois o mesmo depende sempre da fonte de que emerge, e deve ser interpretado e integrando a lei à luz dos factos apurados. 3.º A obrigação de restituir pressupõe que o enriquecimento tenha ocorrido à custa de quem requer a restituição, isto é, é exigida uma correlação entre o enriquecimento e o empobrecimento, pois que o benefício obtido pelo enriquecido deve decorrer de um prejuízo ou desvantagem do empobrecido.”. A obrigação de restituir e a correspondente pretensão à restituição constituem, no dizer de Antunes Varela 12, uma forma de compensação instituída pela lei para certas situações que, embora formalmente conformes aos seus preceitos, conduzem a resultados substancialmente reprovados pelo Direito 13. Muitas das situações de enriquecimento sem causa capazes de justificar a transmissão de valores materiais operados entre dois patrimónios provêm de um negócio jurídico, normalmente celebrado entre aquele que enriquece e a pessoa à custa do qual o enriquecimento ocorre, como sucede nos casos dos contratos bilaterais em que uma das prestações já tenha sido efectuada quando a outra se tornou impossível. Porém, há inúmeros actos não negociais que podem conduzir a uma vantagem de carácter patrimonial para o destinatário à custa de outrem. Esta tanto pode assentar numa deslocação de valores do património do lesado para o do enriquecido, como num acto praticado por terceiro ou na poupança de uma despesa. Em vez de se quedar numa previsão de um princípio geral, o legislador concretizou algumas situações: — No artigo 476.º estatuiu que, sem prejuízo das obrigações naturais, o que foi prestado com intenção de cumprir uma obrigação pode ser repetido, se esta não existia no momento da prestação — A norma anteriormente citada dá a mesma possibilidade quando a prestação seja feita a terceiro enquanto não se tornar liberatória de harmonia com o artigo 770.º; — No artigo 447.º estabeleceu que quem cumprir uma obrigação alheia julgando‑a própria, por erro desculpável, goza de direito de repetição, salvo se o credor, desconhecendo esse erro, se privar do título ou das garantias do crédito, tiver deixado prescrever ou caducar o seu direito ou não o tiver exercido contra o devedor ou o fiador enquanto solventes 14; — No artigo 478.º, embora preveja em primeira linha que aquele que cumprir obrigação alheia na convicção errada de estar obrigado para com o devedor não tem direito de repetição contra o credor 15, dá‑lhe o direito de exigir do devedor exonerado aquilo em que este injustamente se locupletou. O enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial que pode assumir‑se como um aumento de activo patrimonial, uma diminuição do passivo, no uso ou consumo de coisa alheia ou exercício de um direito alheio susceptíveis de avaliação pecuniária 16 ou na poupança de despesas. A vantagem patrimonial pode ser objectiva ou isoladamente considerada (enriquecimento real) ou medida através da projecção concreta do acto na situação patrimonial (enriquecimento patrimonial), sendo este dado pela diferença entre a situação em que o beneficiário se encontra e aquela em que estaria se não fosse a deslocação patrimonial operada. Neste influi não apenas o conhecimento dos encargos que o beneficiário estaria disposto a assumir ou teria de suportar sem a deslocação operada, mas igualmente a utilização que ele tiver dado à vantagem adquirida até ao momento em que se determina o montante do benefício17. Quando a obrigação tem carácter negocial a sua causa consiste no fim típico do negócio em que se integra. Quando este falha por qualquer motivo as obrigações resultantes do negócio ficam sem causa. Fora destes casos, o critério de determinação do enriquecimento reside na justificação que Antunes Varela refere: a restituição baseia‑se no facto de segundo a ordenação substancial de bens aprovada pelo Direito a vantagem patrimonial dever pertencer a outrem 18, 19. De resto, de acordo com este Autor, e segundo as regras de repartição do ónus da prova, compete ao empobrecido alegar e provar a falta de causa da atribuição patrimonial, não bastando que não se prove a existência de causa 20, 21. É necessário, ainda, que aquele que se arroga o direito de obter a restituição demonstre que o enriquecimento foi obtido à sua custa, ou seja, a vantagem patrimonial de um tem de resultar necessariamente do sacrifício económico suportado pelo outro. Porém, nem sempre existe uma coincidência entre os valores da perda e da vantagem patrimoniais, pois em alguns casos o enriquecimento não importa uma diminuição do património mas apenas a privação de um aumento deste. Ainda assim, essa situação merece a tutela jurídica como resulta no âmbito da redacção do artigo 473.º — “enriquecer à custa de outrem”. Noutras situações não existe uma diminuição do património do dono duma coisa fruída por terceiro, nem tão pouco uma privação do seu aumento, na medida em que aquele não tinha intenção de praticar qualquer acto que conduzisse à obtenção da vantagem patrimonial que foi alcançada pelo enriquecido. No entanto, porque a vantagem patrimonial existiu e foi obtida à custa de meios ou instrumentos pertencentes a outrem — e porque a estrutura inerente aos direitos reais determine que o aproveitamento económico dos bens sobre os quais incidem fique reservado para o seu titular 22 — justifica‑se que a restituição tenha lugar. Contudo, para haver restituição tem de existir, em todos os casos, um enriquecimento obtido através duma atribuição patrimonial directa 23. * Como se afirma no Acórdão do STJ, de 4-07-2019 (processo n.º 2048/15.1T8STS.P1.S1), “para se reconhecer a obrigação de restituir sustentada no enriquecimento, não é suficiente que se demonstre a obtenção duma vantagem patrimonial, à custa de outrem, sendo ainda exigível mostrar que não exista uma causa justificativa para essa deslocação patrimonial, quer porque nunca a houve, por não se ter verificado o escopo pretendido, ou, porque, entretanto, deixou de existir, devido à supressão posterior desse fundamento, importa também anotar que a falta originária ou subsequente de causa justificativa do enriquecimento assume a natureza de elemento constitutivo do direito à restituição, impondo-se, assim, ao demandante que reclama a restituição, por enriquecimento sem causa, o ónus da demonstração dos respectivos factos constitutivos que contém a falta de causa justificativa desse enriquecimento, conforme decorre das regras estatuídas no direito substantivo civil acerca do ónus da prova (…).”. Assim, “quem invoca o instituto do enriquecimento sem causa, terá de demonstrar a ausência de causa justificativa do enriquecimento, porquanto, conforme é entendido unanimemente, o requisito da “ausência de causa no enriquecimento” perfila-se como constitutivo do direito do autor que terá de o alegar e provar, a isto não obstando a circunstância de estarmos perante um facto negativo”24. * Este instituto, no entanto, apenas funciona a título subsidiário 25, já que em muitos casos a falta de causa justificativa da deslocação patrimonial pode ser ultrapassada através de outros meios facultados aos interessados 26 e noutros nega o direito à restituição 27 ou atribui outros efeitos ao enriquecimento 28. Esse princípio foi consagrado de forma clara no artigo 474.º, de acordo com o qual “não há lugar à restituição por enriquecimento, quando a lei facultar ao empobrecido outro meio de ser indemnizado ou restituído, negar o direito à restituição ou atribuir outros efeitos ao enriquecimento”. Como realçou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 28.06.201829 (processo n.º 1567/11.3TVLSB.S2), “o princípio da subsidiariedade do enriquecimento sem causa não pode ser entendido de forma absoluta, mas também não pode ir ao ponto de permitir lançar mão daquele instituto perante o mero insucesso do meio de tutela específico utilizado, sob pena de se fazer letra morta do artigo 474.º do CC.”. Não ignoramos, porém, tal como é notado no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 18-12-201230 (processo n.º 978/10.6TVLSB-A.L1.S1), que a regra da subsidiariedade do enriquecimento sem causa “não é absoluta, pois a ação de enriquecimento poderá concorrer com a responsabilidade civil, sempre que esta não atribua uma proteção idêntica à ação de enriquecimento.” Também a doutrina adverte para a necessidade de interpretar o artigo 474.º do Código Civil “em termos hábeis”31. * Revertendo ao caso concreto, temos que a autora, ora recorrente, começou por invocar que a deslocação que se verificou, do seu património para o da ré, teve por fundamento sucessivos empréstimos e um acordo de restituição. Mas, para além das deslocações patrimoniais e do pagamento de despesas, tal como entenderam as instâncias, dos factos provados não é possível concluir pela versão trazida a juízo pela autora e, em particular, pela celebração de contratos (verbais) de mútuo. E, como também já se deixou dito, a ausência de causa que justifique aquelas deslocações constitui facto constitutivo do direito de restituição que a autora acionou pelo que está onerada com sua prova, não bastando, segundo as regras desse ónus que não se prove a existência de uma causa da atribuição, sendo preciso convencer o tribunal da falta de causa, sob pena de ver a causa julgada contra si32. No mesmo sentido, pode ver-se, ainda, inter alia, o Acórdão do STJ de 16-09-2014 (processo n.º 1489/09.8TBVNO.C1.S1), que apresenta similitudes factuais com o caso sob escrutínio e em cujo sumário se escreve (com destaque nosso): “I - A mera demonstração de uma deslocação patrimonial que é suposta no enriquecimento sem causa, desconsiderando os demais requisitos legalmente exigidos para a exigência da obrigação de restituir, não assegura o direito a essa restituição. II - Não demonstrados os contratos de mútuo em que a autora assentou o seu direito, este não pode ser reconhecido também com fundamento no enriquecimento sem causa, por falta de alegação e prova dos requisitos que presidem a essa cláusula geral. III - Nomeadamente, o pressuposto da falta de causa da deslocação patrimonial que integra o enriquecimento tem de ser alegada e demonstrada por quem invoca o direito à restituição dela recorrente, em conformidade com as regras decorrentes do ónus de alegação e prova. IV - A mera falta de prova da existência de causa da atribuição não é suficiente para fundamentar a restituição do indevidamente pago, sendo preciso convencer o tribunal da efectiva falta dessa mesma causa.” Ora, no caso presente, em relação às disposições patrimoniais efetuadas pela autora, nomeadamente as respeitantes a cheques passados, transferências, e pagamento diversos, realizados a pedido da ré, o que se verifica é que a Autora não logrou provar a ausência de causa justificativa, nos termos e para os efeitos do preenchimento dos pressupostos necessários à verificação de uma situação de enriquecimento sem causa. Na verdade, percorrida a matéria de facto provada, constata-se que não resulta, de todo, demonstrada uma inexistência de uma causa justificativa para a deslocação patrimonial ocorrida – sendo certo, porém, que a autora sempre alegou a existência de uma causa para a ocorrência de tais transferências e pagamentos, mas que, afinal, não se provou. Como se escreveu no Acórdão do STJ de 06-06-2012 (processo n.º 1445/05.5TBBGC.P1.S1), com realce nosso33: “…não basta que uma pessoa tenha obtido uma vantagem económica à custa de outra, sendo ainda necessária a ausência de uma causa jurídica justificativa da deslocação patrimonial, sendo apenas esta e não qualquer outra situação de enriquecimento que aqui poderá estar equacionada. Ora, assim sendo, sempre se imporia ao Autor, in casu à Autora, que pede a restituição com base no enriquecimento da Ré à sua custa sem qualquer causa justificativa, por força do preceituado no artigo 342.º, n.º 1 do CCivil, o ónus de alegação e prova dos referidos pressupostos, maxime, da ausência de causa da sua prestação pecuniária, sendo a carência de causa justificativa da deslocação patrimonial facto constitutivo de quem requer a restituição, cfr Antunes Varela, Das Obrigações em Geral, vol. I, 467, Menezes Leitão, Direito das Obrigações, vol. I, 381, Ac. do STJ de 17 de Outubro de 2006 (Relator Nuno Cameira), 5 de Dezembro de 2006 (Relator João Camilo), 29 de Maio de 2007 (Relator Azevedo Ramos), 10 de Julho de 2008 (Relator Nuno Cameira), 2 De Julho de 2009 (Relator Serra Baptista) e 19 de Fevereiro de 2013 (Relator Alves Velho) in www.dgsi.pt. Ora, este non liquet, quer quanto à causa da transferência dos dinheiros da conta da Autora para a conta da Ré, como também, quanto à inexistência de causa para a respectiva ocorrência, impõe, segundo as regras do ónus da prova, que a acção tenha de ser decidida a favor da Ré.”34. Esta fundamentação é diretamente transponível para a situação concreta dos autos. Efectivamente, se é certo que a autora provou, na presente acção, a transferência de vários montantes pecuniários para a ré, a verdade é que ficou por demonstrar a inexistência de causa para a sua ocorrência, surgindo, desde logo, duas versões contraditórias sobre a que título é que as quantias foram entregues pela autora à ré: se a título de empréstimo (que não se provou), se mera liberalidade (que tão pouco se provou). Por outra banda, a improcedência de uma ação de restituição de determinada quantia, por falta de prova dos invocados contratos de mútuo, não determina, necessariamente, a ausência da causa para a dita deslocação patrimonial. Ora, cabia à autora que formulou o pedido de restituição, por enriquecimento sem causa, como acima ficou dito, o ónus da prova dos respectivos factos integradores ou constitutivos do seu invocado direito, incluindo a falta de causa justificativa desse enriquecimento, sendo certo que em caso de dúvida o caso resolve-se em seu desfavor, atento o disposto pelo artigo 342.º, n.ºs 1 e 3 do CC. * Em conformidade, andou bem o acórdão recorrido quando concluiu que “Não resulta dos factos provados nem, em rigor, a autora o alegou concretamente (uma vez que, pelo contrário, invocou expressamente em relação a todas estas despesa uma causa que não provou), a inexistência de causa justificativa para as referidas deslocações patrimoniais. Por se tratar de um elemento constitutivo da pretensão formulada pela autora, e na medida em que não se verifica, pelo menos, um dos pressupostos fácticos essenciais à sua demonstração, no caso, a falta de causa jurídica justificativa, nos termos do art. 473.º do CCivil, conclui-se pela improcedência da pretensão subsidiária formulada com base no instituto do enriquecimento sem causa.”. Há, pois, que concluir que não assiste à autora, ora recorrente, o direito à restituição da quantia peticionada, com fundamento no enriquecimento sem causa, por não se mostrarem preenchidos os respectivos pressupostos, maxime a falta de causa justificativa da apurada deslocação patrimonial. ** De igual modo, não merece censura o acórdão recorrido quando afasta a aplicação, no que respeita ao pagamento dos honorários dos advogados da ré35, do regime previsto no art. 478.º do CC, que dispõe: “aquele que cumprir obrigação alheia, na convicção errónea de estar obrigado para com o devedor a cumpri-la, não tem o direito de repetição contra o credor, mas apenas o direito de exigir do devedor exonerado aquilo com que este injustamente se locupletou, exceto se o credor conhecia o erro ao receber a prestação.”. Ora, como bem assinalado pelo acórdão recorrido, nunca a autora configurou esses pagamentos sob a alçada do regime previsto no citado preceito legal, não existindo, pois, quaisquer factos alegados (e, por consequência, provados) de onde se possa concluir que os pagamentos foram feitos pela autora na convicção de estar obrigada a cumprir tal obrigação. Daí a improcedência das conclusões recursórias também neste segmento. ** IV. DECISÃO Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação. Custas a cargo da Recorrente. Lisboa, 27.02.2025 Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator) Catarina Serra (Juíza Conselheira 1º adjunto) Orlando dos Santos Nascimento (Juiz Conselheiro 2º Adjunto) ______
1. Para tanto, alegou, em síntese, ser filha da ré e de OO, tendo o seu pai abandonado o lar em 1998, seguindo-se um processo de divórcio litigioso com diversas acções. Na altura, solidarizou-se com a ré, sua mãe, a quem deu todo o apoio, nomeadamente financeiro, relativo a essas acções e outras necessidades da ré, como com a realização de obras na casa de morada de família, sita em C....., devido a um desabamento de terras, e com outras obras posteriores. No âmbito de uma das acções que correu entre os seus pais foi reconhecido à ré o direito, por via de acessão, a ½ da casa de C....., tendo, nesses autos, sido realizada uma perícia a obras realizadas no imóvel entre 1998 e 2007, no valor total de € 15.058,00, as quais foram por si suportadas em numerário, apesar de na acção se ter considerado que teria sido a ré a efectuar essas obras. Para além disso, alega que, no período compreendido entre 2003 e 2012, a pedido da ré, efectuou diversos empréstimos não só por emissão de cheques e transferência para as contas bancárias desta, como também procedeu a pagamentos às mais diversas entidades indicadas pela sua mãe, emitindo, nesse contexto, cheques e realizou diversas transferências bancárias, que serviram para suportar despesas judiciais e honorários de advogado, e ainda com obras e despesas pessoais, discriminando, por ano, essas operações. Mais alegou, que, também a pedido da ré, em 2005 adquiriu, por conta desta, um veículo da marca Nissan, pelo valor de € 18.750,00, tendo a ré solicitado que o referido veículo ficasse em nome da autora em virtude do litígio que a ré tinha com o seu ex-marido e ter, ainda, pago as despesas com custos de reparações do veículo, no montante de € 2.341,92. O mencionado veículo, foi vendido em 2016 a uma sociedade detida maioritariamente em 70% pela autora e em 30% pela ré, tendo, contudo, a ré continuado a usufruir exclusivamente do seu uso, conforme já o vinha fazendo, pagando o IUC e o seguro automóvel. Alegou também ter a ré decidido realizar diversas obras numa casa de família, sita em ..., para o que lhe solicitou diversos empréstimos, contratando a ré, por sua iniciativa, os empreiteiros e prestadores de serviços e fornecedores de material, tendo sido a autora a proceder a esses pagamentos por indicação da ré, nos termos que discrimina na petição e que se referem a cheques e transferências bancárias diversas entre os anos de 2005 e 2010. Ainda no contexto da intervenção realizada pela ré na casa de R.. ....., procedeu ao pagamento de despesas relativas a mudanças, a armazenamento de móveis e a empregadas domésticas, a título de empréstimos solicitados pela ré, tendo ainda alegado ter suportado novas despesas com uma solicitadora, honorários de advogado e custas judiciais de processos do interesse da ré e, ainda, com o adiantamento de despesas hospitalares aquando da hospitalização da ré, em ... de 2014, no Hospital 1, no montante total de € 4.807,46. Finalmente, alega que apenas tem vindo a emprestar as quantias em causa ao longo do tempo com a promessa de transmissão por parte da ré da quota-parte que lhe pertence na casa de C....., uma vez que a sua mãe não tem condições financeiras para pagar os montantes mutuados, sendo certo que os empréstimos não foram formalizados por se tratar de empréstimos a um familiar e existir uma relação de confiança, ascendendo o valor total dos empréstimos à quantia de € 289.616,81. Em Agosto de 2016, interpelou a ré para liquidar esses empréstimos e formalizar a transmissão da quota-parte de que é titular na casa de C....., recusando-se esta a cumprir e sugerindo que acertasse contas com os seus irmãos. Em termos de matéria de direito, defendeu ter efectuado obras na casa de C..... pelo que lhe assiste o direito de adquirir por via da acessão industrial imobiliária a quota-parte da ré e que, por outro lado, procedeu a diversos mútuos, não onerosos, pelo que, ainda que nulos por falta de forma, deve o montante mutuado ser restituído, acrescido de juros de mora, ou, subsidiariamente, por enriquecimento sem causa. 2. In Código de Processo Civil Anotado, Vol. I, 3.ª edição, pag. 793 3. In Estudos sobre o Novo Processo Civil, 2.ª edição, pag. 221 4. In Código de Processo Civil Anotado, Volume 2.º, 3.ª edição, pags. 735-736 5. A este diploma se reportam todas as citações de normas jurídicas sem indicação de proveniência. 6. Cfr. Rui de Alarcão, in Direito das Obrigações, Coimbra, 1983, p. 178. 7. Dos Estudios Sobre el Enriquecimiento Sin Causa, Civitas, 1988, pp. 49 a 60. 8. Cfr. Galvão Telles, in Direito das Obrigações, 6.ª ed., p. 179; Vaz Serra, in BMJ n.º 81, p. 56. 9. Rui de Alarcão, in ob. cit., p. 185. 10. Pires de Lima / Antunes Varela, Código Civil Anotado, I, Coimbra Editora, 4.ª ed., pp. 454 e ss.; Júlio Manuel Vieira Gomes, O Conceito de Enriquecimento, O Enriquecimento Forçado e os Vários Paradigmas do Enriquecimento Sem Causa, Universidade Católica, Porto, 1998; Luís Manuel Telles de Menezes Leitão, O Enriquecimento Sem Causa no Direito Civil, Cadernos de Ciência e Técnica Fiscal n.º 176, Centro de Estudos Fiscais, 1996, pp. 858 a 896 — que concentra os requisitos em três, a saber, o enriquecimento, a sua ocorrência à custa de outrem, e que tenha ocorrido sem causa justificativa; Galvão Telles, ob. cit., 6.ª ed., pp. 179 e ss.; Pessoa Jorge, Direito das Obrigações, I, AAFDL, p. 237; Moitinho de Almeida, Enriquecimento sem Causa, Almedina, 1996, p. 45; Manuel de la Camara‑Luis Diez Picazo, ob. cit., pp. 100 a 116; Manuel Albaladejo, Derecho Civil — Derecho de Obligaciones, II, 2.º, 10.ª edicion, Bosch, 1997, pp. 473 a 477; Puig Brutau, Compendio de Derecho Civil, II, Bosch, 1997, pp. 615 a 624. 11. Disponível em www.dgsi.pt. 12. Cfr. Das Obrigações em Geral, vol. I, Almedina, 7.ª ed., 1991, p. 463. 13. Como sucede, por exemplo, com a acessão industrial na qual o legislador atribuiu o domínio sobre todo o conjunto das coisas ou valores que se reuniram e que não podem ser separadas por ser desaconselhável economicamente ou ocorrer impossibilidade material, caso em que ao dirimir o conflito de interesses manda compensar o titular do interesse sacrificado. 14. No entanto, neste caso, o autor da prestação fica sub‑rogado nos direitos do credor. 15. Salvo quando o credor conhecia o erro ao receber a prestação. 16. Cfr. Ac. RP de 6.01.96 in CJ Ano XXI, T. 1, p. 181. 17. Este montante varia consoante se consolide no património do beneficiário ou no caso deste a consumir total ou parcialmente assumindo um nível de vida superior ao que teria noutras condições. 18. O que sucede quando tem na sua origem um acto de intromissão do enriquecido em direitos ou bens jurídicos alheios ou actos de outra natureza praticados pelo devedor ou por terceiro. 19. Assim também quando o proprietário de um imóvel o aliena e o adquirente não regista o seu direito, transferindo aquele novamente a titularidade sobre o bem que já não lhe pertencia, com registo desta aquisição pelo terceiro: o direito consolida‑se na esfera jurídica deste, mas o primeiro adquirente fica empobrecido porque desembolsou o preço e perdeu a titularidade sobre o bem devido ao funcionamento das regras do registo. Neste caso, justifica‑se que o património do alienante responda pela perda patrimonial do adquirente. 21. No mesmo sentido ver Ac. RE de 11.04.91 in CJ Ano XVI, T. 2, p. 335; Ac. STJ de 14.05.96 in CJ Ano IV, T. 2, p. 70. 22. O mesmo se passa, aliás, com os direitos de autor. 23. Cfr. Ac. STJ de 14.05.96 in CJ Ano IV, T. 2, p. 70. 24. Cfr., entre outros, o Acórdão do STJ de 29-01-2014, processo n.º 3354/05.9TBAGD.C2.S1, disponível em www.dgsi.pt. 25. O que não significa que em alguns casos certas previsões específicas não tenham sido inspiradas, justamente, no funcionamento deste instituto: exemplo claro dessa situação é a compensação daqueles que em virtude da acessão não ficam na titularidade do objecto transformado ou perdem direito aos bens incorporados. 26. Como acontece com a anulação ou anulabilidade, com a resolução do contrato por impossibilidade de uma das prestações dos contratos bilaterais estando a correlativa já realizada (situações que repõem o património empobrecido mediante o funcionamento destes institutos, nomeadamente, por efeito da retroactividade) e com a responsabilidade civil. 27. Existe a negação do direito de restituição na prescrição, usucapião, prestação de alimentos provisórios, frutos integrados no património do possuidor de boa fé. 28. Existem regimes especiais previstos para as benfeitorias úteis que podem ser levantadas sem detrimento da coisa, na resolução ou modificação do contrato por alteração superveniente das circunstâncias em que as partes fundaram a decisão de contratar, na transformação de má fé de coisa móvel pertencente a terceiro (especificação) ou na violação da propriedade intelectual. 29. Disponível em www.dgsi.pt. 30. Disponível em www.dgsi.pt. 31. Pires de Lima e Antunes Varela, in e Código Civil Anotado, Vol I, p. 460. 32. Pires de Lima/Antunes, ob cit., p 456. 33. Disponível em www.dgsi.pt. 35. Questão também suscitada pela recorrente em sede de conclusões recursórias – v. pontos 25 e 26. |