Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
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| Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
| Descritores: | ARBITRAGEM VOLUNTÁRIA DECISÃO ARBITRAL ANULAÇÃO DA DECISÃO FUNDAMENTOS CONHECIMENTO DO MÉRITO ARGUIÇÃO DE NULIDADES OMISSÃO DE PRONÚNCIA INCONSTITUCIONALIDADE ORDEM PÚBLICA INTERNACIONAL IMPOSTO REVISÃO DE SENTENÇA ESTRANGEIRA ANULAÇÃO DE SENTENÇA INTERPRETAÇÃO DA LEI | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2024 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO AO RECURSO | ||
| Sumário : | I - A sentença arbitral, objecto da presente acção de anulação, não padece de vício de omissão de pronúncia por nela não ter sido apreciada a questão da inconstitucionalidade da norma que cria e impõe à Recorrida a obrigação de financiamento da Tarifa Social (D.L.138-A/2010), uma vez que não estava em causa a aplicação pelo Tribunal Arbitral de qualquer norma desse diploma, mas sim interpretar uma estipulação contratual constante do Contrato de Aquisição de Energia (CAE) celebrado entre as partes. II - Chegando à conclusão que a referida tarifa social deve ser integrada na categoria de “imposto relevante”, nos termos do CAE, as contratantes definiram o termo “Impostos Relevantes” de forma ampla, de modo a abranger todas as formas de imposições do Estado como é o caso da tarifa social. Não quer dizer que esta seja um “imposto” no sentido em que este é definido pela Lei Portuguesa. Em consonância com tal entendimento por parte do Tribunal Arbitral, ficou prejudicada a apreciação da invocada inconstitucionalidade. III - A sentença arbitral não enferma de omissão de pronúncia relativamente à questão suscitada pelas Requerentes quanto à natureza da Cláusula 20.ª do CAE como “cláusula de estabilidade”, pois tal questão foi analisada e ponderada pela sentença. A eventual discordância das partes em relação a essa abordagem não constitui fundamento de anulação da sentença. IV - Nas acções de anulação da decisão arbitral não está em causa um controle sobre o mérito da decisão, mas o controle da sua validade em função do cumprimento ou não das regras procedimentais e princípios elencados, de forma taxativa, no art.º 46 n.º 3, da Lei da Arbitragem Voluntária (LAV). Donde decorre que o erro de interpretação ou aplicação da norma bem como a inobservância de uma norma legal, imperativa ou supletiva, não constitui, só por si, fundamento de anulação de uma sentença arbitral. V - A ordem pública internacional do Estado Português reporta-se a determinadas leis que, pela sua natureza estritamente imperativa ou por razões éticas, funcionam como excepções ao princípio da aplicabilidade do Direito estrangeiro, que é afastada sempre que dele resulte ofensa para o núcleo indisponível nacional, estando prevista no art.º 22º do Código Civil. VI - O controlo que o Tribunal estadual tem de fazer para aquilatar da ofensa da ordem pública internacional do Estado, por parte da sentença arbitral, consiste em verificar apenas se a sentença, pelo resultado a que conduz, ofende algum princípio considerado como essencial pela ordem jurídica, daí que a contrariedade à ordem pública internacional do Estado português a que alude o art.º 46º n.º 1 e nº 3, alínea b), ii), da LAV, significa que essa decisão conduzirá a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir um efetivo atropelo grosseiro do sentimento ético-jurídico dominante e de interesses de primeira grandeza ou princípios estruturantes da nossa ordem jurídica. VII - Nos termos do art.º 267.º do Tratado de Funcionamento da União Europeia (TFUE), o Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) é competente para decidir a título prejudicial “Sobre a validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos e organismos da União”. VIII - O efeito útil do art.º 267.º do TFUE visa a harmonização europeia, razão pela qual só faz sentido o reenvio prejudicial quando se coloquem questões de interpretação, relativas à aplicação do direito comunitário. Logo, se estiver em causa a interpretação e aplicação do direito nacional não há lugar à intervenção do TJUE e não tem aplicação o mecanismo do reenvio prejudicial. | ||
| Decisão Texto Integral: | Acordam na 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I - RELATÓRIO REN – REDE ELÉCTRICA NACIONAL, S. A.[1], com sede na Avenida ..., ... e REN TRADING. S. A.[2], com sede na Praça ..., ... intentaram a presente acção especial de anulação de decisão arbitral contra: TEJO ENERGIA – PRODUÇÃO E DISTRIBUIÇÃO DE ENERGIA ELÉCTRICA, S. A.[3], com sede na ..., ..., formulando o pedido de anulação da sentença arbitral de 7 de Março de 2023, proferida no âmbito do procedimento arbitral que correu termos entre elas e em que foi demandante a Tejo Energia, arbitragem CCI n.º 24371/JPA/AJP.[4] Invocam, para o efeito, três fundamentos principais: a) Falta de pronúncia sobre questões que o Tribunal Arbitral devia apreciar; b) Falta de conformidade do processo arbitral com a convenção das partes e com a Lei de Arbitragem Voluntária - Lei n.º 63/2011, de 14 de Dezembro[5] ; c) Ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português. * Importa contextualizar os termos em que se desenvolve o presente litígio: A arbitragem foi iniciada ao abrigo da convenção de arbitragem contida num Contrato de Aquisição de Energia[6], celebrado em 1993, de que as autoras e a ré eram partes, à data do surgimento do litígio, que incide sobre a tarifa social de fornecimento de energia eléctrica, criada pelo Decreto-Lei n.º 138-A/2010, de 28 de Dezembro[7], que consiste num desconto a ser aplicado na factura de electricidade dos clientes finais economicamente vulneráveis, cujo financiamento foi imposto à Ré, de cujos custos pretende ser reembolsada, ao abrigo da Cláusula 20ª do CAE, por considerar que tais custos configuram um “imposto relevante”, tal como ali definido, do que as autoras discordam. A Ré deu início ao mecanismo geral de resolução de litígios previsto no CAE, ao abrigo do qual começou por peticionar a um painel financeiro constituído ao abrigo do CAE, o reconhecimento do seu direito ao referido reembolso, que lhe foi negado, apesar de o painel financeiro ter entendido, embora apenas por maioria, que tais custos configurariam um “imposto relevante”, tal como definido no CAE. Posteriormente, a Ré pediu perante o Tribunal Arbitral, não o reembolso directo, mas o direito a uma alteração ao CAE, de modo a ser compensada pelos custos do financiamento da Tarifa Social que lhe foi imposta por lei. O Tribunal Arbitral decidiu que aqueles custos constituem um “Imposto Relevante”, reconhecendo à Ré o direito a obter a alteração do CAE de modo a, no possível, ser colocada na situação financeira em que se encontrava antes de lhe ter sido imposto o financiamento da Tarifa Social, tendo ainda ordenado às autoras a observância de determinados procedimentos contratuais previstos no CAE relacionados com a referida alteração. A Cláusula 26ª do CAE prescreve uma regra geral e genérica aplicável à resolução de litígios relacionados com o CAE, devendo o litígio ser previamente submetido a um Painel, com peritos independentes (mas não árbitros), cuja decisão unânime será final e vinculativa, até que o litígio seja objecto de transacção ou submetido a arbitragem. Se uma das partes pretender contestar uma decisão do Painel que não tenha reunido consenso ou caso não tenham sido observadas as regras aplicáveis ao procedimento, a parte deverá submeter o litígio a um procedimento de resolução amigável para obtenção de uma resolução conjunta e unânime. Se as partes não lograrem resolver o litígio de forma amigável, qualquer delas poderá submetê-lo a arbitragem para resolução definitiva, de acordo com o Parágrafo 12 da Parte I do Apêndice 9. Prevêem-se ainda procedimentos específicos para resolução de determinados litígios, de que é exemplo o procedimento previsto na Cláusula 20ª e no Apêndice 11 do CAE. A Cláusula 20.1, alínea a), do CAE estabelece que se, após a data de 27 de Novembro de 1992, o Produtor – isto é, a Ré – ficar obrigado a pagar Impostos Relevantes, tal como contratualmente definidos, e desde que o efeito de tal alteração seja material (nos termos definidos no Apêndice 11), serão aplicáveis as Cláusulas 20.2 a 20.5.. A Cláusula 20.2.1. determina que, nas situações antes referidas, uma notificação deve ser enviada pelo Produtor (a ré), após o que um de dois procedimentos poderá ser seguido: (i) nos casos previstos na Cláusula 20.3 do CAE, o Produtor (a ré) tem o direito de repassar automaticamente os custos associados ao Imposto Relevante para a autora REN Trading; (ii) em todas as outras situações, o Produtor (a ré) tem apenas o direito a recorrer ao mecanismo previsto na Cláusula 20.4.1, nos termos do qual poderá solicitar a alteração do cálculo do Encargo de Potência Instalada e/ou do Encargo de Energia Produzida (isto é a alteração do CAE), “de acordo com os procedimentos e princípios previstos no Parágrafo 10 do Apêndice 11 na medida necessária para garantir, tanto quanto possível, que o Produtor esteja na mesma posição financeira sob o presente Contrato que estaria se a Alteração ao Imposto Relevante não tivesse ocorrido”. Nos termos do Parágrafo 10 do Apêndice 11 do CAE, as Partes deverão acordar na alteração ao cálculo do Encargo de Potência Instalada e/ou do Encargo de Energia Produzida e, caso tal acordo não seja possível, será a questão submetida a um painel que, de forma final e definitiva, independentemente de ser a decisão tomada por unanimidade ou por maioria, poderá apenas e tão-só escolher entre as duas propostas de alteração do CAE. Nos termos da Cláusula 25ª, o CAE “será interpretado e executado de acordo com as leis de Portugal”, devendo assim quaisquer litígios entre as Partes relacionados com o CAE ser dirimidos à luz do Direito português. O financiamento da Tarifa Social criada no quadro de liberalização do sector energético e protecção aos consumidores economicamente vulneráveis seria “assegurado pelos titulares de centros electroprodutores em regime ordinário, nomeadamente os beneficiários de incentivos relacionados com a garantia de potência, nos termos da Portaria n.º 765/2010, de 20 de Agosto, publicada ao abrigo do artigo 33.º-A do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto, alterado pelo Decreto-Lei n.º 264/2007, de 24 de Julho”. A Portaria n.º 765/2010 estabeleceu o regime dos serviços de garantia de potência que os centros electroprodutores em regime ordinário podem prestar ao Sector Eléctrico Nacional especificando os respectivos termos e condições, através de duas modalidades: o serviço de disponibilidade e o incentivo ao investimento. O serviço de disponibilidade consiste na colocação à disposição da entidade responsável pela gestão técnica da Rede Nacional de Transporte de Electricidade (operador do sistema ou “ORT”) de determinada capacidade de produção de um centro electroprodutor em regime ordinário, num horizonte temporal predeterminado, remunerado em função de um montante máximo anual fixado por despacho do membro do Governo com a tutela da área de energia, aplicável apenas aos centros electroprodutores relativamente aos quais se mantivesse um contrato de aquisição de energia, entre os quais figura o centro electroprodutor gerido pela ré, nos termos do CAE. Ao ser sujeita ao pagamento dos custos com o financiamento da Tarifa Social, a ré optou por apresentar tais custos à autora REN Trading, solicitando o respectivo reembolso, referindo-se genericamente à Cláusula 20 do CAE e que, inicialmente, esta aceitou suportar, condicionada à posição que a Entidade Reguladora do Sector Energético (ERSE) viesse a tomar quanto à possibilidade de consideração dos referidos custos nos custos gerais do sistema eléctrico. Após a ERSE ter tomado posição no sentido de que tais custos não podiam ser aceites, a autora REN Trading informou a ré de que não poderia suportar tais custos, solicitando a devolução dos montantes entretanto adiantados condicionalmente. Perante a recusa da autora REN Trading em suportar tais custos, a ré notificou as autoras (a REN Eléctrica na qualidade de responsável solidária pelo cumprimento das obrigações assumidas pela REN Trading no âmbito do CAE) de que dava início ao procedimento de resolução de litígios previsto na Cláusula 26ª e no Apêndice 9 do CAE, que se inicia com um painel, in casu, um painel financeiro composto por três membros. Perante o Painel Financeiro, a ré concretizou o objecto do litígio na petição inicial apresentada, onde formulou os seguintes pedidos: “(i) DECLARE que a REN Trading violou o CAE e que as Requeridas são solidariamente responsáveis pelo reembolso dos custos incorridos pela Tejo Energia com a Tarifa Social desde a data efetiva a partir da qual esses montantes deveriam ter sido reembolsados pelas Requeridas; (ii) DECLARE que as Requeridas estão obrigadas, até ao termo de vigência do CAE, a reembolsar os custos suportados pela Tejo Energia com o financiamento da Tarifa Social; (iiii) ATRIBUA à Tejo Energia o montante de 6.957.683,16 € (seis milhões, novecentos e cinquenta e sete mil, seiscentos e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos) correspondente ao montante devido resultante da violação do CAE, atinente ao reembolso dos custos incorridos pela Tejo Energia com o financiamento da Tarifa Social desde janeiro de 2015 até dezembro de 2017 (inclusive) e de todos os montantes a incorrer com esse financiamento até ao momento em que for proferida decisão pelo Painel Financeiro; (iv) ATRIBUA à Tejo Energia juros desde a data da notificação de cada fatura pendente emitida pela Tejo Energia à REN Trading relativamente ao financiamento da Tarifa Social até pagamento integral desses montantes, à taxa aplicável; (vi) CONDENE as Requeridas no pagamento de todos os encargos do processo, nomeadamente os honorários e despesas do Painel Financeiro e todos os custos incorridos pela Tejo Energia, incluindo os honorários devidos aos seus advogados e honorários e despesas periciais; e (vii) CONCEDA à Tejo Energia qualquer outra medida considerada adequada.” Perante o Painel Financeiro, a ré pretendia obter das autoras o reembolso dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social, tendo baseado essa pretensão na Cláusula 20 do CAE e não pretendia alterar disposições do CAE. Por sua vez, as autoras suscitaram questões a respeito da validade e da exequibilidade da Cláusula 20ª do CAE, para efeitos do reembolso pretendido. O Painel Financeiro considerou, por maioria, que tais custos deveriam ser considerados um “Relevant Tax” para efeitos da Cláusula 20ª do CAE, mas entendeu que não se incluíam nas categorias de custos que permitiam o reembolso ao abrigo do CAE, pretensão que julgou improcedente e emitiu a sua Decisão e tomou posição final, definitiva e unânime, sobre todas os pedidos formulados pelas Partes, nos seguintes termos: “Com base nas considerações acima expostas, este Painel Financeiro DECIDE unanimemente: 1. Rejeitar todos os pedidos da Tejo Energia. 2. Condenar a Tejo Energia a pagar o valor de € 145.198,00 (cento e quarenta e cinco mil, cento e noventa e oito euros) à REN Trading, correspondentes ao montante pago à Tejo Energia relativamente aos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social desde janeiro de 2011 a dezembro de 2014 (inclusive). 3. Condenar a Tejo Energia a pagar à REN Trading os juros acrescidos sobre o valor de € 145.198,00 (cento e quarenta e cinco mil, cento e noventa e oito euros) à taxa legal aplicável desde a data da sua Contestação até ao integral pagamento […]”. Na sequência da Decisão do Painel Financeiro, a ré procedeu aos pagamentos devidos, mas informou as autoras de que entendia que aquela decisão lhe permitia prosseguir o procedimento especial de resolução de litígios previsto na Cláusula 20ª e no Apêndice 11 do CAE, pelo que as notificou que pretendia proceder a uma alteração do CAE, por via da alteração do cálculo do Encargo de Potência Instalada. As autoras suscitaram diversas questões relacionadas com a legalidade da pretensão da ré e esta notificou-as de que entendia que estava a contestar certas decisões não unânimes alegadamente tomadas pelo Painel Financeiro, pelo que dava início ao procedimento de resolução amigável ao abrigo do Apêndice 9 do CAE, pretendendo, deste modo, dar continuidade ao sistema de resolução de litígios iniciado com a submissão das suas pretensões ao Painel Financeiro. No entender das autoras, todas as pretensões das Partes submetidas ao Painel Financeiro haviam sido por este decididas por unanimidade, pelo que não subsistia qualquer litígio que pudesse ser submetido aos procedimentos subsequentes – resolução amigável e arbitragem -, mas a ré recorreu à arbitragem nos termos do disposto na Parte I do Apêndice 9 do CAE, tendo dado início ao processo CCI n.º 24371/JPA/AJP, no âmbito do qual veio a ser proferida a Sentença Final. No seu requerimento de arbitragem, a Tejo Energia formulou a pretensão de reembolso dos custos de financiamento e perante a argumentação das autoras que essa questão já havia sido rejeitada pelo Painel Financeiro, por unanimidade, a ré densificou a sua pretensão do seguinte modo: “a. O reconhecimento da natureza vinculativa de quaisquer decisões unânimes tomadas pelo Painel Financeiro em 27 de setembro de 2018 e da existência de competência para definitivamente dirimir o presente litígio e decidir conceder os pedidos formulado pela Requerente; b. O reconhecimento da Tarifa Social como uma Alteração ao Imposto Relevante nos termos do CAE; c. A confirmação de que a Tarifa Social é uma Alteração ao Imposto Relevante que excede o Montante Limiar Aplicável, de acordo com os cálculos propostos pela Requerente ou em conformidade com quaisquer outros cálculos determinados pelo Tribunal nos termos e condições do CAE; d. A confirmação do direito da Requerente ao reembolso pelas Requeridas dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social desde a sua criação até à cessação do CAE ou à revogação da Tarifa Social (conforme a que ocorra primeiro); e. A alteração ao cálculo do Encargo de Potência Instalada de acordo com a fórmula proposta pela Requerente ou por qualquer outra fórmula de cálculo que mantenha a Requerente, tanto quanto possível, na mesma situação financeira que se considere mais apropriada; e f. O reembolso pelas Requeridas dos custos suportados com o financiamento da Tarifa Social desde a sua criação e até à cessação do CAE ou à revogação da Tarifa Social (conforme a que ocorra primeiro) nos termos e condições do CAE (incluindo os juros às taxas aplicáveis) e de acordo com as decisões do presente Tribunal”. As partes acordaram que o processo arbitral teria uma primeira fase na qual se iria discutir e decidir apenas a questão relativa à competência do Tribunal Arbitral e, caso este se considerasse competente, o processo arbitral seguiria para uma segunda fase onde seria apreciado e decidido o mérito do litígio. O Tribunal Arbitral emitiu uma sentença parcial sobre competência, na qual decidiu do seguinte modo: “A [maioria] do Tribunal declara que: As matérias contidas na Secção VI (Decisão do Painel Financeiro), Parte 2 (O Mérito do Caso) da Decisão são “decisões” para os efeitos do Procedimento de Resolução de Litígios do CAE, na medida em que constituem determinações após a consideração dos factos e da lei; b) O Painel Financeiro decidiu por unanimidade que a aplicação da Cláusula 20.ª não depende da capacidade da Segunda Demandada de repercutir o custo da tarifa social nas tarifas pagas pelos consumidores; em conformidade, esta decisão é final e vinculativa para as Partes; c) O Painel Financeiro decidiu por unanimidade que a aplicação da Cláusula 20.ª do CAE não é vedada pela lei Portuguesa relevante; e em conformidade, esta decisão é final e vinculativa para as Partes; d) O Painel Financeiro decidiu que a aplicação da Cláusula 20.ª do CAE não configura um Auxílio de Estado. Em conformidade, esta decisão é final e vinculativa para as Partes; e) As questões decididas de forma não unânime pelo Painel Financeiro são definitivas e vinculativas para as Partes ao abrigo do CAE, salvo quando contestadas; f) As Demandadas contestaram: (i) a decisão não unânime do Painel Financeiro de que a Tarifa Social constituía uma Alteração Relevante; e (ii) a decisão não unânime do Painel de que a Demandante tem direito a utilizar os mecanismos estabelecidos nas Cláusulas 20.2 a 20.5 do CAE, se for capaz de demonstrar o efeito material da imposição da Tarifa Social. Consequentemente, a Demandante tem direito a remeter o litígio para arbitragem nos termos do Apêndice 9 do CAE; g) O Tribunal tem competência, mas a sua competência é limitada a decisões não unânimes do Painel Financeiro que foram contestadas pelas Demandadas; e h) O Tribunal tem poderes para condenar as Demandadas ao cumprimento do procedimento nos termos da Cláusula 20.ª e do Apêndice 11 do CAE, caso venha a decidir que a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE. (….) A maioria do Tribunal indefere outros os pedidos apresentados pelas Partes nesta fase do processo”. O Tribunal Arbitral entendeu, assim, que o Painel Financeiro tomou decisões, incluídas no corpo da sua decisão, que, tendo sido tomadas por maioria e contestadas, podiam ser reapreciadas. As autoras impugnaram a sentença parcial de competência perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que deu origem ao processo n.º 1435/20.8YRLSB, 6.ª Secção, no qual foi proferido acórdão que a anulou. A ré interpôs recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que deu origem ao processo n.º 1435/20.8YRLSB.S1, 2.ª Secção, no qual foi proferido acórdão que, concedendo a Revista, julgou improcedente a impugnação da sentença parcial. O procedimento arbitral prosseguiu os seus termos até à prolação da sentença final, notificada às Partes a 14 de Março de 2023, onde o Tribunal Arbitral decidiu o seguinte: «a) Este Tribunal declara por maioria que a Tarifa Social corresponde a um Imposto Relevante nos termos do CAE; b) O Tribunal declara por maioria que, desde que comprovado o efeito relevante da Tarifa Social perante o futuro painel financeiro (a ser constituído nos termos do Ponto 10.4 do Anexo 11 do CAE), a Requerente tem direito a uma alteração do Encargo de Potência, nos termos da Cláusula 20.4 e ponto 10, do Anexo 11 do CAE, “na medida do necessário para garantir, na medida do possível, que o Produtor esteja na mesma situação financeira ao abrigo deste Contrato em que estaria se a [Tarifa Social] não tivesse ocorrido;” c) Este Tribunal condena por maioria as Requeridas a cumprir o procedimento para a alteração do Encargo de Potência estabelecido na Cláusula 20.4 e no ponto 10, Anexo 11 do CAE; d) o Tribunal condena as Requeridas a reembolsar à Requerente 70% dos seus custos legais e outros custos, e 70% da taxa de sucesso do advogado da Requerente, no valor, respetivamente, de 277.642,25 € e 140.000,00 €, acrescido de 32.200,00 € de IVA, ou seja, num total de 449.842,25 €; e) o Tribunal condena as Requeridas a pagar 70% das custas de arbitragem da CCI (honorários e despesas dos árbitros e custas administrativas da CCI), fixadas pelo Tribunal em 485.800,00 USD, em 17 de fevereiro de 2023, ou seja, 340.060,00 USD. As Requeridas são condenadas a reembolsar a Requerente pela sua provisão para custas de arbitragem da CCI no montante de 97.160,00 USD; e f) o Tribunal condena as Requeridas ao pagamento de juros simples sobre os montantes indicados nos itens (d) e (e) acima, à taxa de juro legal prevista no Código Civil Português, desde a data em que forem notificadas desta Sentença Final até ao pagamento integra. Todos os demais pedidos são indeferidos.» O Tribunal da Relação de Lisboa apreciou o pedido de anulação desta decisão do Tribunal arbitral, tendo proferido acórdão com o seguinte dispositivo: “Tudo visto e ponderado, acordam os juízes desta 7.ª Secção do Tribunal de Relação de Lisboa em julgar improcedente a acção e, em consequência, absolver a ré do pedido. Custas a cargo das autoras. Valor da acção: o indicado na petição inicial (30 000,01 €). Tendo em conta a especial complexidade da presente acção face à natureza das múltiplas questões suscitadas, que importaram a análise de matérias complexas e de âmbito muito diverso, determina-se, ao abrigo do disposto no art.º 530º, n.º 7, b) do CPC e art.º 6º, n.º 5 do Regulamento das Custas Processuais, a aplicação do valor de taxa de justiça constante da Tabela IC anexa ao Regulamento (9 UC).” Inconformadas com o acórdão proferido, do mesmo vêm as Autoras interpor recurso de REVISTA para este Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: (a) A presente Revista versa sobre o Acórdão proferido pelo TRL no âmbito de uma ação intentada pelas Recorrentes, visando a anulação da Sentença Arbitral Final proferida no âmbito de uma arbitragem iniciada pela Recorrida contra as Recorrentes, a respeito de um litígio relacionado com o CAE de que Recorrentes e Recorrida eram partes. (b) O litígio que opôs as Partes relaciona-se com a obrigação de financiamento da Tarifa Social, imposta à Recorrida pelo DL da Tarifa Social. Em concreto, a Recorrida sustentou que a imposição de financiamento da Tarifa Social consiste num “Imposto Relevante” nos termos e para os efeitos do CAE, pelo que peticionou, num primeiro momento, o reembolso dos custos incorridos com aquele financiamento e, depois, a alteração da fórmula da sua remuneração ao abrigo do CAE, de modo a ser compensada pelos referidos custos. (c) Na Sentença Arbitral Final, o Tribunal Arbitral decidiu o litígio entre as Partes de forma parcialmente favorável às pretensões da Recorrida. Sucede que a Sentença Arbitral Final está inquinada de diversos vícios que impõem a sua anulação, nos termos e ao abrigo das disposições do artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalíneas iv),v) e vii), e alínea b), subalínea ii), da LAV, designadamente, (i) o Tribunal Arbitral deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar (ii) o processo arbitral não foi conforme com a convenção das partes e com a LAV, o que teve influência decisiva na resolução do litígio, e (iii) o conteúdo da sentença ofende os princípios da ordem pública internacional do Estado português. (d) O Tribunal a quo apreciou de forma errada os fundamentos de anulação invocados pelas Recorrentes na Petição Inicial, violando, deste modo, a lei substantiva aplicável assim como as regras adjetivas relevantes, o que fundamenta a presente Revista e impõe a anulação do Acórdão Recorrido. (e) A Sentença Arbitral Final padece de vício de omissão de pronúncia por nela o Tribunal Arbitral não ter apreciado a questão da inconstitucionalidade da norma que cria e impõe à Recorrida a obrigação de financiamento da Tarifa Social, o que determina a anulação da Sentença Arbitral Final ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV. (f) A Recorrida alegou, perante o Tribunal Arbitral, que a obrigação de financiamento da Tarifa Social é uma forma de tributação no direito português, “definindo-a quer como forma de tributação atípica, quer como imposto ou contribuição”. Com vista a fundamentar a sua tese, juntou três pareceres jurídicos a atestara natureza tributária da obrigação de financiamento da Tarifa Social. (g) Esta alegação da Recorrida surge, precisamente, no âmbito da primeira questão a decidir identificada pelo Tribunal Arbitral, a saber, se a obrigação de financiamento da Tarifa Social corresponde a um “Imposto Relevante” nos termos e para os efeitos do CAE, pelo que tem indiscutível relevância no âmbito da resolução do litígio. (h) Conforme alegado pelas Recorrentes perante o Tribunal Arbitral, se a obrigação de financiamento da Tarifa Social imposta à Recorrida consistir numa forma de tributação ao abrigo do Direito português, então trata-se de medida ilegal na medida em que a norma que a cria e impõe – o artigo 4.º, n.º 1, do DL da Tarifa Social – é inconstitucional, tanto do ponto de vista orgânico – porque não consta de Lei emanada do Parlamento nem de Decreto-Lei autorizado pelo Parlamento – e material – porque o montante do imposto/tributo não é calculado sobre o rendimento real do sujeito passivo (inter alia, a Recorrida) mas antes sobre a capacidade instalada do centro electroprodutor de que o sujeito passivo é titular. (i) Na Sentença Arbitral Final o Tribunal Arbitral omitiu, por completo, qualquer referência nos segmentos decisórios à matéria da inconstitucionalidade expressamente invocada pelas Recorrentes, sendo que os tribunais arbitrais, como órgãos que exercem a função jurisdicional, “devem verificar a conformidade constitucional das normas aplicáveis, e, recusar a aplicação das normas que considerem inconstitucionais”. (j) De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 475/2023), há “interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto”. (k) A apreciação da inconstitucionalidade da norma que criou e impôs a obrigação de financiamento da Tarifa Social à Recorrida – artigo 4.º, n.º 1, do DL da Tarifa Social – é essencial à decisão do mérito do litígio submetido ao Tribunal Arbitral. (l) A Recorrida fundamentou as suas pretensões perante o Tribunal Arbitral no disposto na Cláusula 20 do CAE, a qual determina que se a Recorrida ficar obrigada a pagar quaisquer “Impostos Relevantes”, que em 27 de novembro de 1992 não existiam ou não a afetavam, e desde que o efeito de tal alteração seja material (nos termos definidos no CAE), então a fórmula de cálculo da remuneração da Recorrida no CAE (Encargo de Potência Instalada e/ou do Encargo de Energia Produzida) será alterada na medida necessária para garantir, tanto quanto possível, a reposição da posição financeira da Recorrida no CAE. (m) Verificando-se a inconstitucionalidade referida na conclusão (h) supra, conclui-se que a Recorrida não está obrigada a suportar os custos com o financiamento da Tarifa Social, por força do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que determina que ninguém pode estar obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da CRP, ficando assim excluída a aplicação da Cláusula20 do CAE. Neste contexto, a Recorrida não teria direito a qualquer alteração da fórmula de cálculo da sua remuneração ao abrigo do CAE, nem as Recorrentes poderiam ser condenadas a cumprir o procedimento atinente a tal alteração, contrariamente ao que foi decidido no Parágrafo 369, alíneas b) e c) da Sentença Arbitral Final. (n) A apreciação da questão de inconstitucionalidade do artigo 4.º, n.º 1, do DL da Tarifa Social e da decorrente ilegalidade da obrigação de financiamento da Tarifa Social imposta à Recorrida não se encontra prejudicada por qualquer outra decisão do Tribunal Arbitral, designadamente pelo facto de o Tribunal Arbitral entender que o conceito de “Impostos Relevantes” no CAE é muito abrangente. (o) A apreciação que o Tribunal a quo fez da omissão de pronúncia do Tribunal Arbitral sobre a questão da inconstitucionalidade invocada pelas Recorrentes é ilegal, evidenciando uma grave violação da lei substantiva, assim como sérios erros na aplicação da lei processual. (p) Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o facto de o Tribunal Arbitral ter afastado a premissa sustentada pelas Recorrentes no sentido de que a definição de “Imposto Relevante” que consta da Cláusula 1.1 do CAE se refere a formas de tributação nos termos da legislação portuguesa, tendo antes concluído ser “mais abrangente”, não impede nem implica que fique prejudicada a apreciação da questão de inconstitucionalidade suscita pelas Recorrentes. (q) É precisamente por o Tribunal Arbitral ter entendido que o conceito de “Impostos Relevantes” no CAE é muito abrangente, podendo, portanto, abarcar impostos e outras formas de tributação, que se impunha ao Tribunal Arbitral (i) determinar a natureza da obrigação de financiamento da Tarifa Social imposta à Recorrida pelo Artigo 4.º do DL da Tarifa Social para assim (ii) apreciar a sua conformidade constitucional. Nada disto foi feito na Sentença Arbitral Final, verificando-se uma situação de omissão de pronúncia na Sentença Arbitral Final sobre a inconstitucionalidade suscitada pelas Recorrentes, sendo tal questão suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, nas decisões proferidas na Sentença Arbitral Final. (r) A Sentença Arbitral Final padece ainda de vício de omissão de pronúncia por nela o Tribunal Arbitral não ter apreciado a questão suscitada pela Recorrente REN Eléctrica de que a Cláusula 20 do CAE é uma ‘cláusula de estabilidade’ (ou de intangibilidade) típica, própria de contratos com intervenção do Estado, a qual não pode ser oposta às Recorrentes, o que determina a anulação da Sentença Arbitral Final ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV. (s) Mesmo que se entendesse (sem conceder) que a questão relativa à Cláusula 20 como ‘cláusula de estabilidade’ foi decidida pelo Tribunal Arbitral ao ter entendido que não a podia apreciar, por sobre ela haver uma decisão unânime do Painel Financeiro, as Recorrentes conservam o direito inelutável de impugnar a Decisão do Painel Financeiro a respeito de tal matéria por meio da impugnação da Sentença Arbitral Final em sede de ação anulatória, nos termos do artigo 46.º da LAV. (t) O Tribunal a quo confirmou, e bem, o princípio segundo o qual “sempre se teria de admitir que as decisões finais e vinculativas do Painel Financeiro devem ser susceptíveis de sindicância pelo Tribunalestadual”, designadamente atenta a sua vinculação meramente obrigacional visto que são emanadas de órgão desprovido de poderes jurisdicionais. (u) Não está na disponibilidade das Partes atribuir às decisões de órgãos desprovidos de poderes jurisdicionais – como o Painel Financeiro – efeitos equivalentes aos de uma sentença arbitral, isto é, efeitos jurisdicionais. (v) Assim, a eventual situação de omissão de pronúncia imputada à Decisão do Painel Financeiro que não seja colmatada através de uma decisão do Tribunal Arbitral, determina que também a Sentença Arbitral Final está inquinada por um vício de omissão de pronúncia, sendo tais vícios sindicáveis em sede de ação anulatória da sentença arbitral, sob pena de se impor uma inaceitável restrição do acesso à justiça e do necessário controlo da conformidade das sentenças arbitrais pelos tribunais estaduais. (w) A apreciação, nesta sede anulatória, sobre se a questão da natureza da Cláusula 20 como ‘cláusula de estabilidade’ foi decidida de forma unânime pelo Painel Financeiro reconduz-se à apreciação de uma decisão do Tribunal Arbitral versando sobre uma questão concreta no domínio da sua competência, pelo que pode ser suscitada perante os tribunais estaduais em sede de anulação da Sentença Arbitral Final. (x) O Tribunal a quo estava vinculado a apreciar se o Painel Financeiro havia decidido de forma unânime a questão suscitada pela Recorrente REN Eléctrica. Caso considerasse que existe, de facto, uma decisão unânime do Painel Financeiro sobre esta matéria, seria forçado a declarar que a Sentença Arbitral Final não padece de vício de omissão de pronúncia; contrariamente, caso concluísse não existir uma decisão unânime do Painel Financeiro sobre a referida matéria, seria forçado a declarar que a Sentença Arbitral Final padece de vício de omissão de pronúncia, que justifica a sua anulação. (y) Porém, na hipótese de se considerar que o Painel Financeiro apreciou e decidiu de forma unânime que a Cláusula 20 do CAE não é uma ‘cláusula de estabilidade’ (quod non), então sempre teríamos de concluir que tal decisão padece de um vício de falta de fundamentação – sindicável nesta sede nos termos referidos nas conclusões (t) a (v) supra – uma vez que o parágrafo 6.2. da Parte II do Anexo 9 do CAE exige que seja “apresentada fundamentação para a decisão e para qualquer opinião vencida”, pelo que, subsidiariamente, sempre se estaria perante um vício de falta de fundamentação e/ou de violação da convenção das partes imputável à Sentença Arbitral Final por via da Decisão do Painel Financeiro, o que determina a anulação da Sentença Arbitral Final nos termos e ao abrigo do disposto no Artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalíneas iv) e vi), da LAV. (z) O processo arbitral foi, por outro lado, desconforme com a convenção das Partes, nomeadamente por o Tribunal Arbitral não ter aplicado o Direito português por estas escolhido, o que determina a anulação da Sentença Arbitral Final nos termos e ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea iv), da LAV. (aa) A apreciação da primeira grande questão a ser decidida no âmbito da arbitragem – se o financiamento da Tarifa Social pela Recorrida é um “Imposto Relevante” nos termos e para os efeitos do CAE – exigia que o Tribunal Arbitral interpretasse as disposições do CAE de acordo com as regras prescritas no Código Civil português, nomeadamente as relativas à interpretação de declarações negociais – artigo 236.º e seguintes –, as quais não foram aplicadas ou sequer tidas em consideração pelo Tribunal Arbitral. (bb) Do mesmo modo, na apreciação pelo Tribunal Arbitral sobre se os custos com o financiamento da Tarifa Social se enquadrariam na definição de “Imposto Relevante” do CAE, aquele limitou-se a aludir à letra do CAE e a considerações do Painel Financeiro, furtando-se à obrigação de aplicar as regras de interpretação das declarações negociais à luz da lei portuguesa. (cc) A mera verificação de que o Tribunal Arbitral não aplicou o Direito português ao apreciar as questões referidas nas conclusões (aa) e (bb) e que tais questões têm uma influência decisiva na resolução do litígio é suficiente para impor a anulação da Sentença Arbitral Final. (dd) Mesmo que se entenda que, para verificação do fundamento de anulação identificado nas conclusões (z) a (bb), o legislador português exige que se demonstre que a não aplicação do Direito designado pelas Partes teve uma influência determinante na forma como o litígio foi resolvido (quod non), a verdade é que na Petição Inicial as Recorrentes demonstraram à saciedade que, tivesse o Tribunal Arbitral aplicado, nomeadamente, as regras de interpretação das declarações negociais prescritas no Código Civil – artigos 236.º e seguintes –, teria concluído que o conceito de “Impostos Relevantes” não inclui custos que não sejam considerados tributos, e ainda, que os custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social, sendo uma obrigação de serviço público, não poderão ser considerados tributos, pelo que os custos incorridos pela Recorrida com o financiamento da Tarifa Social não são um “Imposto Relevante” o que levaria à improcedência das pretensões da Recorrida perante o Tribunal Arbitral. (ee) Por fim, a Sentença Arbitral Final viola a ordem pública internacional do Estado Português, o que determina a sua anulação ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea b), subalínea ii), da LAV. (ff) A ordem pública internacional do Estado português encontra arrimo no texto constitucional, em particular no segmento relativo à proteção dos direitos fundamentais e nas respetivas cláusulas materiais (igualdade, condições formais de restrição) enformadas pelas deveres constitucionalmente cometidos ao Estado-regulador na concretização do princípio da solidariedade, com destaque para a proteção dos direitos dos consumidores (em particular dos mais desfavorecidos) em situações de pobreza energética. (gg) A construção e a garantia de integridade e regular funcionamento do mercado interno da eletricidade é também essencial para o regular funcionamento de uma sociedade moderna, sendo uma condição de acesso a bens e serviços que condicionam a plena fruição de vários direitos fundamentais. (hh) A Sentença Arbitral Final, ao desconsiderar importantes segmentos do quadro regulatório português do sector da eletricidade, coloca em crise elementos essenciais da ordem pública internacional do Estado português. (ii) Conformando-se com a conclusão de que a Cláusula 20 do CAE não é uma ‘cláusula de estabilidade’, o Tribunal a quo estaria então, como decorrência lógica, obrigado a averiguar as consequências desta decisão para a ordem pública internacional do Estado português e, designadamente, se tal decisão não teria como consequência necessária a atribuição de uma compensação com natureza de auxílio de Estado, designadamente a apurar se o pagamento da compensação solicitada pela Recorrida, que a colocaria numa situação de ‘neutralidade fiscal’ ou económica, não beneficiaria uma determinada empresa, produtora de eletricidade, atuante num mercado competitivo transnacional, em detrimento dos demais produtores de eletricidade . (jj) Ao escusar-se a proceder a esta averiguação com fundamento em que estamos perante matéria respeitante exclusivamente ao mercado nacional o Tribunal recorrido labora em manifesto erro por não considerar a livre circulação de eletricidade no espaço da UE no âmbito do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (artigos 107, 114º e 197º). (kk) A Sentença Arbitral Final viola assim e também o Direito da Concorrência da União Europeia. E há muito que o Tribunal de Justiça da UE qualificou as regras da concorrência fixadas pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia como regras fundamentais da ordem jurídica da União, pelo que a sua violação por uma sentença arbitral releva diretamente para a violação da ordem pública internacional do Estado português. (ll) A essencialidade das questões suscitadas pela errada aplicação do Direito da União Europeia feita pela Sentença Arbitral recomenda que, havendo dúvidas quanto ao bem fundado do invocado pelas Recorrentes, se convoque a faculdade conferida a qualquer órgão jurisdicional dos Estados membros, mas com maior responsabilidade no caso dos Tribunais de última instância, pelo artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e que sejam dirigidas ao Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, as seguintes questões: a) Pode considerar-se excluída do âmbito da proibição de auxílio de Estado no setor da energia, uma decisão que reconheça a um produtor de eletricidade sedeado num Estado Membro o direito de, por via de contrato celebrado inicialmente com uma sociedade integralmente detida pelo Estado português, obter a compensação por imposto ou obrigação de serviço público por si suportada, cujo objetivo seja obter a neutralidade económica e/ou fiscal sem que tal contrarie, designadamente, o disposto nos artigos 107º, 114º e 194º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia? b) A obrigação, prevista no n.º 3 do artigo 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, de informação atempada à Comissão Europeia sobre a instituição de um auxílio de Estado, inclui o conteúdo de decisões de tribunais arbitrais que interpretem e apliquem contratos celebrados entre o Estado ou entidades por si controladas e entidades privadas, produtoras de energia elétrica, em que tais decisões compensem aquelas entidades privadas pelos valores pagos a título de "relevant taxes" (impostos relevantes) ao contrário do que acontece com as restantes empresas do mesmo sector de actividade? c) A obrigação de stand still em relação à execução do referido auxílio de Estado, enquanto a Comissão Europeia não produzir uma decisão final, prevista no n.º 3 do artigo 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, integra a ordem pública internacional da União Europeia. Nestes termos e nos mais de Direito aplicáveis, deve o Acórdão Recorrido ser revogado e substituído por outro que declare verificados os fundamentos de anulação invocados pelas Recorrentes. * A Recorrida TEJO ENERGIA -Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, SA, apresentou contra-alegações nas quais pugnou pela improcedência do recurso de revista, devendo a presente acção de anulação ser julgada improcedente na sua totalidade, por não provada, quer de facto quer de Direito. Sem prescindir e à cautela requer ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 8, da LAV que, caso o Tribunal entenda existir algum fundamento para anulação – o que apenas se concebe –, seja determinada a suspensão dos presentes autos, concedendo-se ao Tribunal Arbitral a possibilidade de tomar medidas suscetíveis de eliminar algum fundamento para anulação. Por fim, deve ainda ser recusado, por manifestamente improcedente e inútil, o pedido de reenvio prejudicial, formulado pelas Recorrentes. * II - OS FACTOS A factualidade dada como assente pelo Tribunal da Relação é a seguinte: 1. Com data de 24 de Novembro de 1993 foi celebrado entre a EDP – Electricidade de Portugal, S. A., como adquirente (as purchaser) e a Tejo Energia – Produção e Distribuição de Energia Eléctrica, S. A., como produtor (as generator), um Contrato de Aquisição de Energia (CAE) (Power Purchase Agreement), nos termos do qual a segunda se obrigou a explorar e manter as Unidades 1 e 2 e as partes comuns da Central Eléctrica de produção de energia a carvão em Abrantes, Portugal, sendo ali estabelecidas as condições para a venda de toda a electricidade produzida, até o termo do contrato, celebrado com uma duração de 28 anos, obrigando-se a compradora de energia a adquirir a capacidade total e a produção total dessa Central, pagando os dois elementos (capacidade e produção) através do encargo de potência instalada e do encargo de energia produzida (conforme Cláusulas 1.1. e definição de “expiry date[8]”, 2.1., 8ª e 9ª do CAE) [cf. documento n.º 3 junto com a petição inicial[9], que se dá por integralmente reproduzido, tendo em conta a tradução das cláusulas relevantes constantes dos autos e ainda que, de acordo com a Cláusula 23.[10], em caso de tradução para outras línguas, a versão em língua inglesa prevalece]. 2 - Em 27 de Junho de 1997, a REN – Rede Eléctrica Nacional, S. A. sucedeu à EDP – Electricidade de Portugal, S. A.[11], na posição de contraente no âmbito do contrato referido em 1., através de uma alteração ao CAE que estabeleceu o seguinte: ““1.2 A Cláusula 2.2 deve ser alterada renumerando a Cláusula 2.2 existente do CAE como Cláusula 2.2.1 e inserindo, como uma nova Cláusula 2.2.2, o seguinte: 2.2.2 Todos os direitos a exercer pela REN ao abrigo do presente Contrato relativos ao CAC ou à Locação e suscetíveis de ser exercidos pela EDP poderão ser exercidos pela EDP e, caso quaisquer obrigações a cumprir pela REN ou qualquer reconhecimento a prestar pela REN relativamente ao CAC ou à Locação só possa ser executado ou (conforme o caso) reconhecido pela EDP, a REN deverá assegurar o cumprimento dessas obrigações ou a entrega desses reconhecimentos pela EDP como se a obrigação relevante ao abrigo do presente Contrato fosse devida diretamente pela EDP ou como se o respectivo reconhecimento tivesse sido dado diretamente pela EDP nos termos das disposições relevantes do presente Contrato.” C-2,Cláusula 1.ª. 3 - Em 29 de Janeiro de 2010, entre a REN Eléctrica, a REN Trading e a Tejo Energia foi celebrado o Aditamento ao CAE, constando do respectivo Considerando (b) que a REN Trading foi constituída como nova subsidiária integral da REN para efeitos de gestão dos interesses da REN (designadamente) no CAE, na sequência de acordo celebrado entre o Ministro da Economia e Inovação português e o Ministro da Indústria, Comércio e Turismo espanhol no dia 7 de Maio de 2007 e em cumprimento do Decreto-Lei n.º 172/2006, de 23 de Agosto[12] e que, consequentemente, a REN Trading se torna parte do CAE e passa a assumir, solidariamente com a REN, todos os direitos e obrigações nos termos do contrato [cf. documento 12 junto com a oposição[13]]. 4 -icou consignado, designadamente, nas Cláusula 2. “Alterações” e 6. “Permanência em Vigor” do Aditamento referido em 3. o seguinte: “2.1 A partir da Data da Entrada em Vigor, a REN Trading torna-se parte do CAE, passando, para todos os efeitos, a ser considerada como se tivesse sido inicialmente designada como parte do mesmo e, solidariamente com a REN, assumirá e beneficiará de todos os direitos, poderes e privilégios e executará e dará cumprimento a todas as obrigações, responsabilidades e deveres tenham sido constituídos antes ou depois da Data de Entrada em Vigor (incluindo todos os direitos e obrigações resultantes de documentação complementar, cartas de acompanhamento e quaisquer outras comunicações entre a TE e a REN ao abrigo ou relativamente ao CAE). 2.2 A partir da Data de entrada em Vigor, as referências no CAE à REN devem ser tidas como referências à REN e à REN Trading, conjunta e solidariamente. 2.3. O presente Aditamento não implicará, em caso algum, em qualquer alteração ou modificação dos direitos e obrigações da TE ao abrigo do CAE, salvo que, a partir da Data de Entrada em Vigor; (i) a TE deverá cumprir as suas obrigações, responsabilidades e deveres relativos à execução do CAE perante a REN ou a REN Trading, e as suas obrigações, responsabilidades ou deveres cumpridos perante a REN ou a REN Trading, consideram-se como cumpridos perante ambas as entidades; e (ii) a REN e a REN Trading devem, solidariamente, cumprir as suas obrigações, responsabilidades e deveres relativos à execução do CAE perante a TE. […] 6. Permanência em Vigor As disposições do CAE que não sejam alteradas pelo presente Aditamento mantêm-se plenamente em vigor e produzem todos os seus efeitos.” 5 - No dia 28 de Dezembro de 2010, o Decreto-Lei n.º 138-A/2010 criou a Tarifa Social, dispondo o respectivo art.º 1º: “O presente decreto-lei tem como objecto a criação da tarifa social de fornecimento de energia eléctrica a aplicar a clientes finais economicamente vulneráveis.” 6 - A tarifa social consiste num desconto a ser aplicado na factura de electricidade dos clientes finais economicamente vulneráveis, cujo financiamento foi imposto pelo art.º 4º do diploma referido em 5. a incidir “sobre todos os titulares de centros electroprodutores em regime ordinário, na proporção da potência instalada de cada centro electroprodutor”. 7 - A Tejo Energia assegurou o financiamento da Tarifa Social na parte que lhe competia, mas apresentou os respectivos custos à REN Trading, solicitando o seu reembolso, invocando a Cláusula 20.ª do CAE, por considerar que tais custos configuram um “Imposto Relevante”, tal como definido no CAE. 8- De 2011 até Dezembro de 2014, a REN Trading reembolsou a Tejo Energia por todos os custos incorridos em relação ao financiamento da Tarifa Social, mediante um procedimento de (re)facturação mensal directa desses custos. 9-Desde Janeiro de 2015, após a ERSE ter tomado posição no sentido de que os custos com a Tarifa Social não podiam ser aceites para repercussão na Tarifa de Uso Global do Sistema[14], a REN Trading cessou o pagamento das facturas emitidas pela Tejo Energia referentes àqueles custos. 10-Perante a recusa da REN Trading em suportar tais custos, a ré notificou as autoras (a REN Eléctrica na qualidade de responsável solidária pelo cumprimento das obrigações assumidas pela REN Trading no âmbito do CAE) de que dava início ao procedimento de resolução de litígios previsto na Cláusula 26 e no Apêndice 9 do CAE, que se inicia com um painel, in casu, um painel financeiro composto por três membros. 11-A ré entendia que as autoras estavam obrigadas a proceder ao pagamento das facturas por ela emitidas com vista à repassagem/reembolso dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social, ao passo que estas se haviam oposto ao pagamento, designadamente por considerarem inexistir a necessária base contratual ou legal e atenta a recusa da ERSE em reconhecer tais custos como custos passíveis de enquadramento/repercussão nos custos gerais do sistema eléctrico, ao contrário dos demais custos regulados, que são suportados pela REN Trading e posteriormente submetidos à ERSE para repercussão na TUGS, tarifa que integra o preço da electricidade pago por todos os consumidores. 12-A recusa, pela ERSE, de considerar os custos incorridos pela ré com o financiamento da Tarifa Social como custos gerais do sistema eléctrico baseou-se, também, no Parecer n.º 39/2012 do Conselho Consultivo da Procuradoria-Geral da República[15] e homologado pelo Secretário de Estado da Energia que, sobre esta matéria refere: “[…] a tarifa social de fornecimento de energia elétrica está concebida como uma medida de política social, de proteção para os consumidores economicamente débeis, ou, na expressão que é usada no diploma, para os consumidores ou clientes finais «economicamente vulneráveis». Esta medida configura-se como uma obrigação de serviço público na linha das orientações europeias […]”, mais referindo que “[o] Decreto-Lei n.º 138-A/2010 é expresso e inequívoco quando determina, na disposição citada, que os custos com o financiamento da tarifa social recaem sobre «todos os titulares de centros electroprodutores em regime ordinário», e não apenas sobre alguns desses titulares e, muito menos, sobre os consumidores de eletricidade, «o que sucederia, como se afirma no pedido de consulta, em segmento que merece a nossa concordância, no caso de recálculo da remuneração devida aos titulares dos centros electroprodutores com CAE, com vista à sua compensação pelos custos suportados com o financiamento da tarifa social […]” 13 - Após a nomeação dos membros do Painel Financeiro, ao abrigo do Apêndice 9 do CAE, e uma vez acordadas regras específicas que disciplinariam o procedimento, este seguiu uma tramitação completa, tendo a Tejo Energia formulado, na petição inicial apresentada, os seguintes pedidos: “(i) DECLARE que a REN Trading violou o CAE e que as Requeridas são solidariamente responsáveis pelo reembolso dos custos incorridos pela Tejo Energia com a Tarifa Social desde a data efetiva a partir da qual esses montantes deveriam ter sido reembolsados pelas Requerida; (ii) DECLARE que as Requeridas estão obrigadas, até ao termo de vigência do CAE, a reembolsar os custos suportados pela Tejo Energia com o financiamento da Tarifa Social; (iiii) ATRIBUA à Tejo Energia o montante de 6.957.683,16 € (seis milhões, novecentos e cinquenta e sete mil, seiscentos e oitenta e três euros e dezasseis cêntimos) correspondente ao montante devido resultante da violação do CAE, atinente ao reembolso dos custos incorridos pela Tejo Energia com o financiamento da Tarifa Social desde janeiro de 2015 até dezembro de 2017 (inclusive) e de todos os montantes a incorrer com esse financiamento até ao momento em que for proferida decisão pelo Painel Financeiro; (iv) ATRIBUA à Tejo Energia juros desde a data da notificação de cada fatura pendente emitida pela Tejo Energia à REN Trading relativamente ao financiamento da Tarifa Social até pagamento integral desses montantes, à taxa aplicável; (vi) CONDENE as Requeridas no pagamento de todos os encargos do processo, nomeadamente os honorários e despesas do Painel Financeiro e todos os custos incorridos pela Tejo Energia, incluindo os honorários devidos aos seus advogados e honorários e despesas periciais; e (vii) CONCEDA à Tejo Energia qualquer outra medida considerada adequada”. 14. No âmbito do CAE, a Cláusula 20.ª refere-se a “Alterações de Impostos”. 15-A Cláusula 20.1 refere-se a “Alterações Relevantes” estabelecendo: “Se, após a data do presente Contrato: (a) o Produtor, Operador ou Empresa Fornecedora de Combustível (1) ficar obrigado a pagar ou a deduzir quaisquer Impostos Relevantes, que em 27 de novembro de 1992 não existiam ou não afetavam o Produtor ou (2) incorrer num aumento de custos, em ambos os casos motivados por: (i) introdução, imposição, tributação ou cobrança de quaisquer Impostos Relevantes e/ou a um aumento na taxa pela qual quaisquer Impostos Relevantes são cobrados e/ou (ii) qualquer alteração na legislação ou no procedimento publicitado de qualquer autoridade tributária de qualquer modo relacionado com Impostos Relevantes, e/ou (iii) qualquer outra alteração que seja adversa aos interesses financeiros do Produtor, do Operador ou da Empresa de Fornecimento de Combustível, com base na qual quaisquer Impostos Relevantes são cobrados; ou (b) [...] e desde que (no caso das alíneas (a) ou (b) acima mencionadas) o efeito de tal alteração seja material (conforme definido para os fins da presente Cláusula no Apêndice 11) então, sujeito às disposições das Cláusulas 20.2.2. e 20.3, aplicar-se-ão as Cláusulas 20.2 a 20.5. Não obstante as disposições precedentes, as Cláusulas 20.2.2 e 20.3 são aplicáveis nas circunstâncias previstas nessas Cláusulas. 16-As disposições das Cláusulas 20.2 a 20.5 versam sobre as eventuais consequências da entrada em vigor de uma Alteração de Impostos Relevante prevendo-se nas Cláusulas 20.3 e 20.4 o seguinte: “20.3 Isenções e Repassagem de Custos 20.3.1 Para os efeitos da presente Cláusula 20, considera-se que: (a) isenções ao abrigo do artigo 36 do Estatuto dos Benefícios Fiscais em relação à retenção na fonte sobre juros pagos terão sido obtidas na data ou anteriormente à data do presente Contrato. Se as isenções não tiverem sido obtidas, a retenção na fonte será incluída no cálculo do Encargo de Potência Instalada; (b) o montante total de PTE 1.586.000.000 deverá ser pago pelo Produtor em relação a: (i) i valores selados (imposto do selo que recaia pelo Decreto-Lei n.º 21 916, de 28 de novembro de 1932, ou em leis especiais, bem como quaisquer outros impostos, direitos, taxas, emolumentos e custos) sobre a Dívida Sénior; (ii) valores selados devidamente pagos em qualquer documento no qual a Dívida Sénior esteja presente ou possa ser incorrida ou que garanta a referida Dívida Sénior; iii) valores selados, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros, fatores percentuais (imposto de selo que recaia sobre quaisquer documentos, livros, papéis, atos ou produtos designados na tabela aprovada pelo Decreto n.º 21 916, de 28 de novembro de 1932, ou em leis especiais, bem como quaisquer outros impostos, direitos, taxas, emolumentos e custos), emolumentos notariais e registrais referentes a: (aa) concessão da Locação (a constituição do direito de superfície) com exceção do imposto de selo, dos emolumentos registrais, notariais e outros, pagáveis sobre o montante de PTE 192.000.000 do valor de prémio referido no Apêndice às Condições estabelecidas pelo Contrato de Aquisição e Construção, o qual será pago pelo Produtor e que não será incluído no Encargo de Potência Instalada em virtude da presente Cláusula 20.3; (bb) a entrega pela EDP ao Produtor de título ou de qualquer outro direito ou interesse na Central Termoelétrica, no Local, na Linha Ferroviária, na Planta e em todos os materiais mencionados no Contrato de Aquisição e Construção e no Contrato de Locação, e o referido montante foi incluído no cálculo do Encargo de Potência Instalada. 20.3.2 O Produtor deve empregar todos os esforços razoáveis para minimizar a quantidade de valores selados, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros, fatores percentuais e emolumentos referidos nas Cláusulas 20.3.1(b) (i) e (ii) e deve providenciar para que no prazo máximo de 30 dias após a data do presente Contrato: (a) A Price Waterhouse entregue à EDP uma declaração contendo a confirmação do montante de todos os referidos valores selados, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros, fatores percentuais e emolumentos previstos nas Cláusulas 20.3.1 (b) (i) e (ii) pagos pelo Produtor; e (b) A Price Waterhouse confirme por escrito que, em sua opinião, o Produtor empregou todas os esforços razoáveis para minimizar o montante de tais valores selados, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais previstos nas Cláusulas 20.3.1 (b) (i) e (ii) e se esta não considerar que o Produtor empregou todos os esforços razoáveis para minimizar os montantes, deve indicar os montantes que considera que o Produtor deveria ter pago. 20.3.3 Se o montante total dos valores selados, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais e emolumentos previstos na Cláusula 20.3.1 (b) pago pelo Produtor for: (a) menor que a quantia especificada na referida Cláusula; ou (b) no caso previsto pela Cláusula 20.3.1 (b) (i) e (ii), for maior do que teria sido se o Produtor tivesse empregue esforços razoáveis para minimizá-lo, O Pagamento Base de Potência será reduzido, de acordo com as disposições da alínea 1.2 do Anexo 3 do Apêndice 1, para refletir o montante pelo qual tais valores selados, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais e emolumentos pagos ou que deveriam ter sido pagos pelo Produtor eram inferiores ao montante incluído no respetivo Encargo de Potência. 20.3.4 Se o montante total dos valores selados, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais e emolumentos previstos na Cláusula 20.3.1 (b) pago pelo Produtor for superior ao montante especificado na referida Cláusula, e, nos casos previstos na Cláusula 20.3.1 (b) (i) e (ii), o Produtor tenha empregado esforços razoáveis para minimizá-lo, o Pagamento Base de Potência será aumentado de acordo com as disposições do ponto 1.2 do Anexo 3 no Apêndice 1 para refletir o montante adicional que foi pago. 20.3.5 De acordo com o previsto na Cláusula 20.3.6, o Produtor tem direito a recuperar: (a) quaisquer impostos ou valores selados sobre pagamentos de capital e de juros incluídos na Dívida Sénior e (se a Dívida Sénior tiver sido refinanciada) sobre os pagamentos de capital e de juros, conforme certificado nos termos do Apêndice 1 do Anexo 4 ou no pagamento de capital e juros referentes a empréstimos, com o objetivo de implementar o Apêndice 11; (b) quaisquer impostos ou valores selados sobre operações de câmbio pagáveis em relação a: (i) pagamentos de capital e de juros incluídos na Dívida Sénior e (se a Dívida Sénior tiver sido refinanciada) sobre pagamentos de capital e de juros conforme certificado nos termos do Apêndice 1 do Anexo 4 ou no pagamento de capital e juros referentes a empréstimos, com o objetivo de implementar o Apêndice 11; (ii) a compra de combustível para a Central Termoelétrica; (c) qualquer imposto municipal sobre imóveis (Contribuição Autárquica) a pagar com referência à Central Termoelétrica, ao Local, à Linha Ferroviária ou em relação à Locação; (d) quaisquer encargos, impostos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais, emolumentos ou custos previstos e na medida determinada pela Cláusula 20.2.2. 20.3.6 No prazo máximo de 5 dias úteis depois do fim de cada trimestre de cada ano civil, o Produtor deve entregar à EDP uma declaração contendo: (a) um certificado, confirmado como correto pela Price Waterhouse, estabelecendo o valor de quaisquer impostos ou valores selados pagos pelo Produtor durante o respetivo trimestre e que o Produtor tenha direito a recuperar, nos termos da Cláusula 20.3.5 (a); (b) um certificado, confirmado como correto pela Price Waterhouse, estabelecendo o montante de quaisquer impostos, impostos de selo, encargos, tributações, emolumentos ou custos, que foram pagos pelo Produtor durante esse trimestre e que o Produtor tenha direito a recuperar, nos termos da Cláusula 20.3.5 (b), 20.3.5 (c) ou 20.3.5 (d). (c) no prazo máximo de 7 dias após requerimento da EDP, o Produtor deverá fornecer todas as informações que a EDP possa razoavelmente exigir para verificar se tais valores ou montantes podem ser recuperados pelo Produtor, nos termos da Cláusula 20.3.5; (d) um certificado de pagamento dos referidos montantes. Sujeito às disposições da Cláusula 20.4.2, as disposições das Cláusulas 10.2, 10.3 e 10.5 a 10.9 aplicar-se-ão mutatis mutandis à referida declaração, e os montantes nela previstos serão pagos como se a declaração fosse entregue nos termos da Cláusula 10.1. 20.4 Alteração do Contrato 20.4.1 Se o Produtor (no caso previsto pela Cláusula 20.1 (a) ou pela Cláusula 20.3.1 (a)) ou a EDP (no caso previsto pela Cláusula 20.1 (b)) mediante notificação à contraparte assim escolher, o cálculo do Encargo de Potência Instalada e/ou do Encargo de Energia Produzida no presente Contrato será alterado de acordo com os procedimentos e princípios previstos no ponto 10 do Apêndice 11 na medida necessária para garantir, tanto quanto possível, que o Produtor esteja na mesma posição financeira sob o presente Contrato que estaria se a Alteração ao Imposto Relevante não tivesse ocorrido. 20.4.2 Não obstante o disposto na Cláusula 20.3.6, se a EDP assim o escolher, mediante notificação ao Produtor, pode exigir que o Produtor recupere o imposto municipal sobre imóveis previsto na Cláusula 20.3.5 (c) através de uma alteração ao cálculo do Encargo de Potência Instalada, e os impostos, encargos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais emolumentos ou custos previstos na Cláusula 20.3.5 (d) através de uma alteração ao cálculo do Encargo da Potência Instalada e/ou do Encargo da Energia Produzida, de acordo com os procedimentos e princípios relevantes previstos no parágrafo 10 do Apêndice 11, como se (para os efeitos apenas da presente Cláusula) o pagamento de tais impostos, encargos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais, emolumentos e custos previstos nas Cláusulas 20.3.5 (c) e (d) fosse uma Alteração ao Imposto Relevante, desde que o Montante Limiar Aplicável seja considerado zero”. 17- Na Cláusula 1.1. do CAE referente a “Definições” consta a seguinte definição de “Impostos Relevantes” (Relevant Taxes): “Todos os tipos de impostos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais (“impostos”) imponíveis onde quer que seja e quando quer que seja, ao Produtor, ao Operador ou à Empresa Fornecedora de Combustível ou sobre os quais o Produtor, o Operador ou a Empresa Fornecedora de Combustível tenham de responder por uma Autoridade Competente em relação com a propriedade, manutenção ou operação da Central Elétrica, alguma das suas Unidades ou Partes Comuns ou em relação com a aquisição de combustível para a Central Elétrica ou relativamente a este Contrato, ao Contrato de Aquisição e Construção, e o Contrato de Locação incluindo, sem limitar, Impostos Ambientais Relevantes, valores selados e impostos sobre empréstimos em divisas estrangeiras e transações cambiais e qualquer retenção ou outros impostos sobre o pagamento de juros aos Mutuantes mas excluindo: (i) Imposto sobre o rendimento empresarial (exceto na medida em que tais impostos ou qualquer aumento em tais impostos constitua um Imposto Ambiental Relevante); (ii) Qualquer imposto sobre o rendimento ou lucros ou mais-valias do Produtor, do Operador ou da Empresa Fornecedora de Combustível (exceto na medida em que tais impostos ou qualquer aumento em tais impostos constitua um Tributo Ambiental Relevante); (iii) Imposto sobre o valor acrescentado ou outro imposto ad valorem na medida em que o mesmo seja recuperável ou passível de contabilização como imposto a montante de acordo com a legislação portuguesa, salvo se diferentemente determinado pela Cláusula 20.2.2; (iv) Quaisquer impostos considerados nas fórmulas ou preços referidos nos Apêndices 1, 2 ou 3 na medida em que os mesmos sejam tidos em conta; (v) Sem prejuízo das disposições contidas na Cláusula 20.3, quaisquer impostos ou valores selados sobre capital e juros sobre empréstimos e refinanciamentos; (vi) Quaisquer impostos ou valores selados sobre transações cambiais para além das que (na medida em que sejam recuperáveis ao abrigo da Cláusula 20.3.5(b)):- (a) Devidas em relação a Dívida Sénior ou a pagamentos de capital e juros respeitantes a empréstimos feitos com o propósito de implementar o Apêndice 11; ou (b) Devidas em relação a combustível para a Central Elétrica; (vii) Retenções na fonte respeitantes a pagamento de dividendos ou empréstimos subordinados concedidos direta ou indiretamente por qualquer acionista do Produtor, do Operador ou da Empresa de Fornecimento de Combustível”. 18-A Cláusula 25. do CAE referente a “Lei Aplicável” estabelece: “Lei Portuguesa Este Contrato será interpretado e executado de acordo com as leis de Portugal.” 19-A Cláusula 26. do CAE referente a “Litígios e Arbitragem” prevê: “Resolução de litígios Salvo disposição em contrário expressa no presente Contrato, todos os litígios serão resolvidos de acordo com as disposições previstas no Anexo 9.” 20-O Anexo 9, Parte I do CAE estabelece um “Procedimento de Resolução de Litígios” nos seguintes termos: Geral 1. Submissão de Litígios ao Painel Se um Litígio (expressão que, na aceção do presente Anexo 9, deve incluir um Litígio conforme definido pelo presente Contrato, o Contrato de Aquisição e de Construção, o Acordo Adicional de Unidades e o Contrato de Locação) surgir, seja antes ou depois da rejeição ou de outra forma de cessação do presente Contrato, do Contrato de Aquisição e de Construção, do Acordo Adicional de Unidades e do Contrato de Locação, ao abrigo dos quais o Litígio tenha surgido (no qual o contrato para os fins do presente Anexo 9 se refere como o “Contrato Relevante”) então qualquer uma das partes pode submeter o Litígio em primeiro lugar à decisão do Painel que atuará como peritos independentes e não como árbitros. Decisões do Painel que são vinculativas Qualquer decisão unânime do Painel será final e vinculativa para as partes mas por outro lado uma decisão do Painel será final e vinculativa para as partes se e até que o Litígio tenha sido objeto de transação ou submetido a arbitragem como disposto a seguir e tenha sido proferida uma decisão arbitral. Será uma condição suspensiva ao início de qualquer ação judicial que, em relação ao objeto da referida ação, tenha havido: 2.1 uma decisão unânime do Painel; ou 2.2 uma decisão do tribunal arbitral; ou 2.3 um acordo de transação entre as partes. 3. Representações sem prejuízo A menos que ambas as partes decidam em contrário por escrito, quaisquer representações ou concessões feitas quer por uma das partes, no âmbito ou em conexão com o procedimento submetido perante o Painel ou quaisquer representações, concessões ou acordos (que não o acordo de transação) feitos por qualquer uma das partes no decurso das discussões nos termos do Anexo 9, parte 1, parágrafo 11 entre o diretor executivo do Produtor e o representante oficial nomeado para esses fins pela EDP, serão feitas sem prejuízo e não serão por isso questionadas por qualquer parte em qualquer arbitragem subsequente ou em quaisquer outros processos judiciais. […] 11. Procedimento para resolução amigável No caso de qualquer uma das partes desejar contestar uma decisão não unânime do Painel ou no caso de o Painel não ter chegado a uma decisão de acordo com o Regra do Painel 6.1, o Litígio será submetido por notificação escrita para o diretor executivo do Produtor e para o representante oficial da EDP, nomeado para o referido fim pela EDP, os quais se reunirão e envidarão esforços para resolver as questões que existam entre as partes. A decisão conjunta e unânime dos referidos diretor executivo e representante oficial será vinculativa para as partes, mas caso não cheguem a acordo no prazo de 28 dias contados a partir da data em que o assunto lhes foi remetido, qualquer das partes pode submeter o Litígio a arbitragem. 12. Arbitragem Sujeito sempre ao disposto no parágrafo 11, qualquer uma das partes pode requerer que um Litígio seja submetido a arbitragem no caso de o Painel não conseguir chegar a uma decisão unânime ou de acordo com o previsto na Regra do Painel 6.1. 13. Arbitragem de Litígios relacionados com Obras No caso de Litígios que envolvam ou que estejam relacionados com Obras, a submissão a arbitragem pode prosseguir antes da Data da Exploração da Unidade 1 ou na data em que a mesma deveria ter sido emitida, desde que as obrigações da EDP e do Produtor não sejam alteradas pela arbitragem ser conduzida durante a realização das Obras. Salvo o acima exposto, nenhuma medida deve ser tomada na submissão de qualquer Litígio para a arbitragem até à emissão da Data da Exploração da Unidade 1, a menos que as partes acordem, por escrito, o contrário. 14. Regras de Arbitragem Os Litígios que venham a ser objeto de arbitragem deverão ser submetidos a dois árbitros e um árbitro de desempate, de acordo com o Regulamento de Arbitragem da Câmara de Comércio Internacional ou qualquer alteração ou modificação vigente. O lugar da arbitragem será em Lisboa. Sem prejuízo do referido regulamento, cada requerimento de arbitragem deve ser enviado por escrito, especificando o assunto ou a questão em litígio, e deve afirmar que é apresentado nos termos da Cláusula, Apêndice ou Anexo do Contrato Relevante. 15. Poder dos Árbitros Salvo disposição expressa em contrário, os árbitros terão plenos poderes para abrir e rever qualquer decisão, opinião, instrução, notificação, objeção, determinação ou certificado relacionado com o Litígio e qualquer decisão não unânime do Painel e de ordenar a retificação do Contrato Relevante e de qualquer acordo feito entre as partes ao abrigo do mesmo, sujeito a qualquer regra jurídica que possa restringir o referido poder. 16. Inelegibilidade dos membros do Painel para serem Árbitros Um antigo ou atual membro do Painel não será elegível para nomeação como árbitro, exceto se as partes acordarem por escrito em contrário. 17. Exclusão de Direitos de recorrer a um Tribunal de Jurisdição Competente As partes concordam em excluir os seus direitos de recorrer a qualquer tribunal de jurisdição competente: - 17.1 para interpor recurso numa questão de direito decorrente da decisão do Painel ou de quaisquer árbitros nomeados de acordo com o previsto no presente Apêndice 9; 17.2 para obter decisão exigindo que o Painel ou que os referidos árbitros exponham as razões para a sua decisão; 17.3 para obter decisão que cesse a produção de efeitos do Procedimento de Resolução de Litígios quando o Litígio envolver a questão de saber se uma parte foi considerada culpada por fraude; 17.4 para decidir sobre uma questão preliminar de direito decorrente de qualquer Procedimento de Resolução de Litígios.” 21-O Anexo 9, Parte II do CAE estabelece quanto às “Regras do Painel” o seguinte: “1. Início 1.1 Qualquer uma das partes pode iniciar um processo ao abrigo das presentes regras através da notificação ao presidente do Painel Técnico ou ao presidente do Painel Financeiro, de acordo com as disposições da Regra do Painel 1.3. 1.2 Uma notificação entregue ao abrigo da Regra do Painel 1.1 deverá incluir: - 1.2.1 um resumo conciso sobre a natureza e o enquadramento do Litígio e as questões daí decorrentes; e 1.2.2 a indicação do pedido formulado; 1.2.3 em relação aos Litígios apresentados perante o Painel Técnico, uma referência a todos os relatórios mensais formais submetidos nos termos das disposições relevantes do Contrato Relevante nos os quais o objeto do Litígio tenha surgido; 1.2.4 uma declaração de quaisquer questões que as partes tenham já acordado em relação ao processo para decisão do Litígio; 1.2.5 cópias de todos os documentos que tenham importância e relação direta com as questões e nos quais a demandante se baseia (ou uma lista dos referidos documentos, se estes já estiverem na posse do destinatário da notificação). 1.3 A menos que as partes acordem por escrito em submeter um Litígio ao Painel Técnico ou se o presidente do Painel Financeiro decidir em contrário ao abrigo da Regra do Painel 1.6, o demandante deve submeter o Litígio ao Painel Financeiro se este surgir de ou em conexão com as disposições que lidem com: - 1.3.1 – Interpretação; – Prestação de Garantias; – Termos e Documentação Financeira; – Legislação; – Obrigações de Seguro; – Propriedade Intelectual e Confidencialidade; – Impostos; – Força Maior; – Rescisão por Incumprimento; e/ou 1.3.2 Apêndices 1 e 2 e Cláusulas com os mesmos relacionadas. 1.4 A menos que as partes acordem por escrito em submeter um Litígio ao Painel Financeiro ou se o presidente do Painel Financeiro decidir em contrário aos termos da Regra do Painel 1.6, a demandante deve submeter todos os Litígios que não se enquadrem nas Regras do Painel 1.3.1 e .1.3.2. ao Painel Técnico.” 22- O Anexo 11 do CAE contém disposições sobre “Alterações nas Circunstâncias” tais como, “Alterações nos Impostos Relevantes” estabelecendo o Parágrafo 1: “1. Definições 1.1 Para os efeitos do presente Apêndice, as seguintes expressões devem, salvo contexto em contrário, ter os seguintes significados: “Montante Limiar Aplicável” significa, para o primeiro Ano de Exploração; (a) para os efeitos do ponto 1.3, um sexto do montante médio estimado do Cꞔ1 , calculado de acordo com o previsto ao abrigo do parágrafo 2 do Apêndice 1 para os doze meses completos imediatamente precedentes à relevante Alteração nos Custos ou Alteração dos Impostos Relevantes, conforme o caso; e (b) para os efeitos do ponto 3.5, o montante médio estimado do Cꞔ2, calculado de acordo com o previsto ao abrigo da alínea 2 do Apêndice 1 para os doze meses completos imediatamente precedentes à relevante Alteração na Lei e para cada Ano de Exploração subsequente, deve ser o montante relevante aplicável referente ao Ano de Exploração precedente, ajustado pela alteração percentual no “Índice de Preços no Consumidor, total com exclusão da habitação no território continental” no Boletim Estatístico Mensal conforme publicado pelo Instituto Nacional de Estatística durante o período precedente de 12 meses terminando em setembro no referido Ano de Exploração precedente e o ano precedente ao referido Ano de Exploração; “Alteração nos Custos” significa: (a) qualquer aumento ou redução nos custos do Produtor (quer seja no capital ou na receita) incluindo a descontaminação do local necessária antes da Data de Vencimento da (i) exploração e manutenção de qualquer Unidade ou da Central Elétrica ou (ii) no cumprimento das obrigações do Produtor por força do presente Contrato; ou (b) qualquer alteração na eficiência térmica de uma Unidade; ou (c) qualquer aumento ou redução nas receitas da produção de eletricidade na Central Elétrica; na medida em que, em qualquer caso, resulte de uma Alteração Relevante na Lei; “Alteração na Lei” significa após 20 de novembro 1992: (a) a promulgação de qualquer nova lei ou Diretiva de uma Autoridade Competente; (b) a modificação de qualquer lei ou Diretiva de uma Autoridade Competente existente; (c) o início de qualquer lei ou Diretiva de uma Autoridade Competente, que ainda não tenha entrado em vigor; (d) a entrada em vigor de padrões de desempenho numa data futura fixada por lei ou por Diretivas em vigor a 20 de novembro 1992; (e) uma alteração na interpretação da lei que vincule ambas as partes; (f) qualquer alteração ou substituição do Apêndice 6: (g) a aplicação de qualquer lei ou Diretiva de Autoridade Competente existente não aplicada antes de 20 de novembro 1992 ou qualquer alteração na forma ou na medida em que a referida lei ou Diretiva é aplicada; e (h) o exercício pela EDP ou pela Autoridade de Planeamento do Sistema ou qualquer outra Autoridade Competente de qualquer direito estatutário em se retirar do serviço ou de restringir a produção da Unidade 1 ou 2 que não seja conforme o previsto nas Cláusulas 3.9 ou 3.10. “Alteração na Prática Operacional” significa uma alteração nas políticas e nas práticas adotadas pelo Produtor em conexão com a produção de eletricidade na Central Elétrica (incluindo uma alteração na qualidade de qualquer combustível usado pelo Produtor) e que não envolva qualquer Modificação; “Modificação do Produtor” significa uma Modificação Estatutária em relação à qual o Produtor faz propostas ao abrigo do parágrafo 3; “Modificação” significa um aditamento ou modificação, alteração, ou substituição ou renovação das instalações fabris e equipamento que constituem uma Unidade ou qualquer outra instalação, equipamentos e instalações usadas pelo Produtor para os efeitos de, ou incidental à produção de eletricidade da Central elétrica; “Modificação da EDP” significa a Modificação em relação à qual a EDP faz propostas ao abrigo do parágrafo 4; e “Modificação Estatutária” significa a Modificação exigida por ou para atingir os padrões de desempenho estabelecidos por uma Alteração Relevante na Lei (que não seria necessária senão fosse tal Alteração Relevante na Lei); 1.2 Para os efeitos do presente Contrato “Alteração Relevante na Lei” significa uma Alteração na Lei que não seja: (a) qualquer uma das seguintes Alterações na Lei: (i) modificações nas condições de qualquer licença, consentimento ou autorização necessárias ao direito de propriedade ou exploração da Central Elétrica, a menos que tal modificação seja feita unicamente como resultado dos objetivos da implementação da Alteração na Lei; (ii) uma Alteração na Lei que altera, modifica, complementa ou revoga qualquer lei ou Diretiva de uma Autoridade Competente ou qualquer uma das suas disposições, o objetivo ou qualquer um dos seus propósitos os quais seriam derrogados se tal Alteração na Lei fosse uma Alteração Relevante na Lei para os efeitos no presente Contrato; e (iii) qualquer outra Alteração na Lei que determine (independentemente de estar ou não prevista nos termos do presente Contrato) que tal Alteração na Lei não possa ser uma Alteração Relevante na Lei para os fins do presente Contrato; e (c) uma Alteração na Lei referente a Impostos Relevantes. 1.3 Para os fins do disposto na Cláusula 20.1 e do presente Apêndice, uma Alteração nos Custos ou Alteração nos Impostos Relevantes é “material” se, quer por si só quer em conjunto com outras Alterações nos Custos ou (conforme o caso) outras Alterações nos Impostos Relevantes, que não tenham sido tomadas em conta para os fins da Cláusula 20.3 ou do presente Apêndice, exceder o Montante Limiar Aplicável, líquido de qualquer poupança nos custos ou aumento de receita que o Produtor possa fazer ou realizar, sujeito às disposições do presente Contrato. As Alterações nos Custos ou Alterações nos Impostos Relevantes que sejam incorridas periodicamente ou durante um período de tempo indefinido devem ser avaliadas para se determinar se são materiais por referência a um terço do valor líquido atual da quantia estimada de tal alteração aplicada a uma taxa de desconto acordada pelas partes e, na ausência de acordo, conforme determinado nos termos do Procedimento de Resolução de Litígios. Se for requerido por escrito pela EDP, o Produtor informará do valor de qualquer Alteração nos Custos ou Alteração nos Impostos Relevantes especificados pela EDP logo que o referido valor possa ser razoavelmente determinado, desde que tal afirmação não prejudique os direitos de ambas as partes, previstos na Cláusula 20 ou no parágrafo 8.2 1.4 Para que não subsistam quaisquer dúvidas, os direitos do Produtor previstos no presente parágrafo não devem ser prejudicados ou afetados pelo facto de qualquer Alteração na Lei seja conhecida ou proposta na data do presente Contrato ainda que não seja eficaz, incluindo mas não se limitando à implementação da Diretiva Europeia referente a Grandes Instalações de Combustão (88/609/CEE) ou a aplicação contra o Produtor de qualquer obrigação (existente ou não à data do presente Contrato ou de outra forma) para instalar ou ajustar qualquer equipamento ou maquinaria destinada a limitar, reduzir ou impedir emissões. 1.5 Para que não subsistam quaisquer dúvidas, para os efeitos do presente Apêndice quer uma “Alteração na Lei” quer uma “Alteração Relevante na Lei” incluem qualquer obrigação vinculativa em ajustar o equipamento para reduzir, restringir ou eliminar a saída de emissões.” 23- O Anexo 11 do CAE contém ainda disposições sobre “Alterações nos Impostos Relevantes” estabelecendo o Parágrafo 10. sobre “Princípios e Procedimentos para Alterações nas Circunstâncias” nos seguintes termos: “10.1 O presente parágrafo é aplicável relativamente à aplicação das disposições referentes a uma Alteração nos Impostos Relevantes, uma Alteração Relevante na Lei que dê lugar a uma Modificação do Produtor, a uma Modificação da EDP (ou Modificação do Produtor ao invés da mesma e conforme o previsto no parágrafo 4.6), Alteração nos Custos ou Alteração Relevante de Emissões (cada uma considerando-se “Alteração nas Circunstâncias”). 10.2 Se este parágrafo 10 for aplicável, cada Parte deverá (sujeito a quaisquer restrições de confidencialidade vinculativas para essa parte), assim que possível, e sem prejuízo de quaisquer requisitos específicos de notificação deste Contrato, providenciar à outra parte a informação escrita que esta possa razoavelmente solicitar de modo a aferir a natureza das circunstâncias em causa e o seu efeito na primeira parte. 10.3 Se as partes não conseguirem acordar nas alterações exigidas pela Alteração das Circunstâncias tendo trocado e comentado as suas respetivas propostas de alteração por escrito (se apropriado), no prazo de 3 meses a contar da data em que qualquer das partes notifique a outra por escrito sobre a necessidade de acordar alterações ao abrigo das disposições relevantes do presente Contrato, qualquer das partes, mediante o envio de notificação à outra pode requerer que o assunto seja remetido para o Procedimento de Resolução de Litígios para determinação ao abrigo do parágrafo 10.4. 10.4 Quando um assunto seja remetido para determinação ao abrigo do parágrafo 10.3 tal determinação será para estabelecer qual das propostas de ambas as partes reflete mais de perto a letra e a intenção deste Contrato tendo em conta este Contrato na presente data e a natureza das circunstâncias em causa e não caberá ao Painel ao abrigo do Procedimento de Resolução de Litígios propor ou selecionar qualquer proposta que não seja uma das propostas submetidas pelas partes. […] 10.6 Não obstante as disposições da Cláusula 26 e do Apêndice 9, qualquer referência neste Anexo 11 ao Procedimento de Resolução de Litígios será para o Painel Técnico ou para o Painel Financeiro, consoante o caso, cuja decisão (seja por unanimidade ou por maioria) será final e vinculativa para as partes. […]” 24 -Perante o Painel Financeiro, as autoras suscitaram questões a respeito da validade e da exequibilidade (enforceability) da Cláusula 20.ª do CAE e, após apreciar as posições e os argumentos das partes, o Painel Financeiro, embora tendo considerado, por maioria, que tais custos deveriam ser considerados um Relevant Tax para efeitos da Cláusula 20.ª do CAE, entendeu que estes não se incluíam nas categorias de custos que permitiam o reembolso ao abrigo do CAE, referindo: “Uma leitura atenta das cláusulas supracitadas do CAE revela que a Tarifa Social – que, conforme as Partes referiram nas respetivas alegações, é um desconto sobre as tarifas de eletricidade reguladas que se destina a beneficiar determinados consumidores de energia economicamente vulneráveis – não se enquadra no âmbito da Cláusula 20.3 do CAE, mesmo que a Tejo Energia tivesse provado o seu efeito material, porque tem uma natureza diferente dos encargos especificados nessa cláusula. Por conseguinte, este Painel Financeiro concluiu que, ao abrigo do CAE, a Tejo Energia não pode solicitar à REN Trading o reembolso dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social por parte da Tejo Energia”. 25 - Em 27 de Setembro de 2018, o Painel Financeiro emitiu a sua Decisão nos seguintes termos[16]: “Com base nas considerações acima expostas, este Painel Financeiro DECIDE unanimemente: 1. Rejeitar todos os pedidos da Tejo Energia. 2. Condenar a Tejo Energia a pagar o valor de € 145.198,00 (cento e quarenta e cinco mil, cento e noventa e oito euros) à REN Trading, correspondentes ao montante pago à Tejo Energia relativamente aos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social desde janeiro de 2011 a dezembro de 2014 (inclusive). 3. Condenar a Tejo Energia a pagar à REN Trading os juros acrescidos sobre o valor de € 145.198,00 (cento e quarenta e cinco mil, cento e noventa e oito euros) à taxa legal aplicável desde a data da sua Contestação até ao integral pagamento. 4. Condenar a Tejo Energia a suportar os seus próprios custos e despesas neste processo, que se cifram em € 631.503,47 (seiscentos e trinta e um mil, quinhentos e três euros e quarenta e sete cêntimos) e metade dos custos e despesas das Requeridas. Assim, a Tejo Energia deve pagar à REN Elétrica o valor de € 129.749,15 (cento e vinte e nove mil, setecentos e quarenta nove euros e dezasseis cêntimos) e à REN Trading o valor de € 119.080,77 (cento e dezanove mil, oitenta euros e setenta e sete cêntimos). 5. Condenar a REN Eléctrica e a REN Trading a suportarem metade dos seus próprios custos e despesas neste processo, isto é, € 129.749,15 (cento e vinte e nove mil, setecentos e quarenta nove euros e dezasseis cêntimos) e € 119.080,77 (cento e dezanove mil, oitenta euros e setenta e sete cêntimos), respetivamente”. 26 - Na sequência da Decisão do Painel Financeiro, a ré procedeu aos pagamentos devidos, mas informou as autoras que entendia que tal decisão lhe permitia prosseguir o procedimento especial de resolução de litígios previsto na Cláusula 20. e no Apêndice 11 do CAE, pelo que as notificou de que pretendia proceder a uma alteração do CAE por via da alteração do cálculo do Encargo de Potência Instalada. 27 - As autoras suscitaram diversas questões relacionadas com a legalidade dessa pretensão e a ré notificou-as de que entendia que estaria a contestar certas decisões não unânimes tomadas pelo Painel Financeiro, pelo que dava início ao procedimento de resolução amigável, ao abrigo do Apêndice 9 do CAE, pretendendo dar continuidade ao sistema de resolução de litígios iniciado com a submissão das suas pretensões ao Painel Financeiro. 28 - O procedimento de resolução amigável não conduziu à obtenção de acordo por ser entendimento das autoras que todas as pretensões das partes submetidas ao Painel Financeiro haviam sido por ele decididas por unanimidade, pelo que não subsistia qualquer litígio – submetido ao Painel Financeiro – que pudesse ser submetido aos procedimentos subsequentes – resolução amigável e arbitragem – ao abrigo do Apêndice 9 do CAE. 29 - Porém, a ré recorreu à arbitragem, nos termos do disposto na Parte I do Apêndice 9 do CAE, tendo dado início do processo CCI n.º 24371/JPA/AJP, tendo formulado, entre o mais, a pretensão de obter “o reembolso dos custos de financiamento da tarifa social desde a sua promulgação até à data de cessação do CAE ou outras medidas novas ou adicionais consideradas adequadas pelo Tribunal Arbitral.” 30 - No processo arbitral, as autoras suscitaram a questão da falta de competência do Tribunal Arbitral para decidir a pretensão da ré. 31 - Na Acta de Missão da arbitragem, a ré densificou a sua pretensão do seguinte modo: “a. O reconhecimento da natureza vinculativa de quaisquer decisões unânimes tomadas pelo Painel Financeiro em 27 de setembro de 2018 e da existência de competência para definitivamente dirimir o presente litígio e decidir conceder os pedidos formulado pela Requerente; b. O reconhecimento da Tarifa Social como uma Alteração ao Imposto Relevante nos termos do CAE; c. A confirmação de que a Tarifa Social é uma Alteração ao Imposto Relevante que excede o Montante Limiar Aplicável, de acordo com os cálculos propostos pela Requerente ou em conformidade com quaisquer outros cálculos determinados pelo Tribunal nos termos e condições do CAE; d. A confirmação do direito da Requerente ao reembolso pelas Requeridas dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social desde a sua criação até à cessação do CAE ou à revogação da Tarifa Social (conforme a que ocorra primeiro); e. A alteração ao cálculo do Encargo de Potência Instalada de acordo com a fórmula proposta pela Requerente ou por qualquer outra fórmula de cálculo que mantenha a Requerente, tanto quanto possível, na mesma situação financeira que se considere mais apropriada; e f. O reembolso pelas Requeridas dos custos suportados com o financiamento da Tarifa Social desde a sua criação e até à cessação do CAE ou à revogação da Tarifa Social (conforme a que ocorra primeiro) nos termos e condições do CAE (incluindo os juros às taxas aplicáveis) e de acordo com as decisões do presente Tribunal. g)A requerente procura ainda obter o reembolso de todos os custos incorridos com o presente Litígio, nomeadamente, todos os custos do Tribunal Arbitral (honorários e despesas com os árbitros e as despesas administrativas), bem como honorários de advogados e peritos e outros custos e despesas incorridas pela Requerente”.[17] 32 - Foi acordado entre as partes processuais que o processo arbitral seria bifurcado, passando a ter uma primeira fase na qual se iria discutir e decidir apenas a questão relativa à competência do Tribunal Arbitral e, caso este se considerasse competente, o processo arbitral seguiria para uma segunda fase onde seria apreciado e decidido o mérito do litígio. 33 - Em 10 de Junho de 2020, o Tribunal Arbitral emitiu uma sentença parcial sobre competência, na qual decidiu do seguinte modo[18]: “A [maioria] do Tribunal declara que: a) As matérias contidas na Secção VI (Decisão do Painel Financeiro), Parte 2 (O Mérito do Caso) da Decisão são “decisões” para os efeitos do Procedimento de Resolução de Litígios do CAE, na medida em que constituem determinações após a consideração dos factos e da lei; b) O Painel Financeiro decidiu por unanimidade que a aplicação da Cláusula 20.ª não depende da capacidade da Segunda Demandada de repercutir o custo da tarifa social nas tarifas pagas pelos consumidores; em conformidade, esta decisão é final e vinculativa para as Partes; c) O Painel Financeiro decidiu por unanimidade que a aplicação da Cláusula 20.ª do CAE não é vedada pela lei Portuguesa relevante; e em conformidade, esta decisão é final e vinculativa para as Partes; d) O Painel Financeiro decidiu que a aplicação da Cláusula 20.ª do CAE não configura um Auxílio de Estado. Em conformidade, esta decisão é final e vinculativa para as Partes; e) As questões decididas de forma não unânime pelo Painel Financeiro são definitivas e vinculativas para as Partes ao abrigo do CAE, salvo quando contestadas; f) As Requeridas contestaram: (i) a decisão não unânime do Painel Financeiro de que a Tarifa Social constituía uma Alteração Relevante; (ii) e a decisão não unânime do Painel de que a Demandante tem direito a utilizar os mecanismos estabelecidos nas Cláusulas 20.2 a 20.5 do CAE, se for capaz de demonstrar o efeito material da imposição da Tarifa Social. Consequentemente, a Demandante tem direito a remeter o litígio para arbitragem nos termos do Apêndice 9 do CAE; g) O Tribunal tem competência para apreciar o litígio. Mas a sua competência é limitada a decisões não unânimes do Painel Financeiro que foram contestadas pelas Requeridas; e h) O Tribunal tem poderes para condenar as Requeridas ao cumprimento do procedimento nos termos da Cláusula 20.ª e do Apêndice 11 do CAE, caso venha a decidir que a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE. O Tribunal rejeita todos os outros pedidos apresentados pelas Partes nesta fase do processo; e O Tribunal reserva a sua decisão sobre as custas desta fase do processo, bem como sobre todos os outros pedidos, para uma data posterior, ou, o mais tardar, para a sentença final (….) A maioria do Tribunal indefere outros os pedidos apresentados pelas Partes nesta fase do processo”. 34 - As autoras impugnaram a sentença parcial perante o Tribunal da Relação de Lisboa, que deu origem ao processo n.º 1435/20.8YRLSB, 6.ª Secção, no qual foi proferido acórdão que anulou tal decisão. 35 - A ré Tejo Energia interpôs recurso de Revista para o Supremo Tribunal de Justiça, que deu origem ao processo n.º 1435/20.8YRLSB.S1, 2.ª Secção, no qual foi proferido acórdão, em 30 de Novembro de 2021, que julgou improcedente a impugnação da sentença parcial e absolveu a requerida do pedido e onde se concluiu o seguinte[19]: “I — A anulação da sentença arbitral pode ser pedida quando a mesma sentença não observar os limites subjectivo ou objectivo da convenção de arbitragem - art° 46.° n.°3 al.a)iii) LAV, nos termos dos arts.° 18.° n.° 9 LAV. II — A interpretação dos actos de terceiros decisores, em direito português, sentenças de tribunais estaduais ou arbitrais, dispositivos de formações técnicas, v.g., contratualmente previstas, constituem actos jurídicos, aos quais se aplicam as regras regulamentadoras dos negócios jurídicos (arts.º 295.º e 236.º n.º 1 CCiv), pelo que cabem ser interpretados com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, pudesse deduzir do seu contexto. III — A decisão de um Painel Financeiro, integrado por técnicos e não por juristas, não tem por força que possuir a estrutura de uma decisão judicial no ordenamento português - mas é necessário que tal decisão exprima explícita, claramente, qual o seu sentido, qual o seu dispositivo, independentemente de o mesmo se revelar a final da decisão, ou integrando quaisquer fundamentos, de forma não contraditória. IV — Concebe-se que o Painel pudesse conhecer de uma questão prejudicial, relativamente ao objecto directo de conhecimento, questão que, mesmo em processo civil, pode caber ao "tribunal competente para a acção" (art.ºs 91.° n.º1 e 92.º CPCiv). V — Se a intervenção do tribunal arbitral se convencionou que apenas ocorreria na inexistência de unanimidade na decisão do Painel Técnico ou Financeiro, teria por força de considerar-se como abrangendo dois segmentos ou premissas dessa ausência de unanimidade do Painel, ainda por solucionar, e que tinham tido relevância directa na apreciação do pedido formulado ao Painel.” 36 - Atenta a manutenção da sentença parcial sobre competência do Tribunal Arbitral, o procedimento arbitral prosseguiu os seus termos até à prolação da Sentença Final, em 7 de Março de 2023, notificada às Partes a 14 de Março de 2023, onde o Tribunal Arbitral decidiu o seguinte[20]: “369. Face ao exposto: a) Este Tribunal declara por maioria que a Tarifa Social corresponde a um Imposto Relevante nos termos do CAE; b) O Tribunal declara por maioria que, desde que comprovado o efeito relevante da Tarifa Social perante o futuro painel financeiro (a ser constituído nos termos do Ponto 10.4 do Anexo 11 do CAE), a Requerente tem direito a uma alteração do Encargo de Potência, nos termos da Cláusula 20.4 e ponto 10, do Anexo 11 do CAE, “na medida do necessário para garantir, na medida do possível, que o Produtor esteja na mesma situação financeira ao abrigo deste Contrato em que estaria se a [Tarifa Social] não tivesse ocorrido;” c) Este Tribunal condena por maioria as Requeridas a cumprir o procedimento para a alteração do Encargo de Potência estabelecido na Cláusula 20.4 e no ponto 10, Anexo 11 do CAE; d) o Tribunal condena as Requeridas a reembolsar à Requerente 70% dos seus custos legais e outros custos, e 70% da taxa de sucesso do advogado da Requerente, no valor, respetivamente, de 277.642,25 € e 140.000,00 €, acrescido de 32.200,00 € de IVA, ou seja, num total de 449.842,25 €; e) o Tribunal condena as Requeridas a pagar 70% das custas de arbitragem da CCI (honorários e despesas dos árbitros e custas administrativas da CCI), fixadas pelo Tribunal em 485.800,00 USD, em 17 de fevereiro de 2023, ou seja, 340.060,00 USD. As Requeridas são condenadas a reembolsar a Requerente pela sua provisão para custas de arbitragem da CCI no montante de 97.160,00 USD; e f) o Tribunal condena as Requeridas ao pagamento de juros simples sobre os montantes indicados nos itens (d) e (e) acima, à taxa de juro legal prevista no Código Civil Português, desde a data em que forem notificadas desta Sentença Final até ao pagamento integra. 370. Todos os demais pedidos são indeferidos”. 37.Nas suas alegações finais no âmbito da Arbitragem n.º 24371/JPA a REN Eléctrica alegou, entre o mais, o seguinte[21]: “3.1.2 Os custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social não podem, de forma alguma, ser considerados abrangidos pela definição de Impostos Relevantes constante do CAE 42. A segunda razão (subsidiária) pela qual a posição da Requerente não pode prevalecer é, em suma, o facto de os custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social não poderem, de forma alguma, ser considerados abrangidos pela definição de Impostos Relevantes constante do CAE. 43. Em primeiro lugar, para que qualquer custo seja considerado um Imposto Relevante, deve constituir uma forma de tributação nos termos da legislação portuguesa. 44. Apesar da argumentação errática da Requerente, é agora consensual que a redação do CAE se refere claramente a formas de tributação, conforme reconhecido pela Requerente. É precisamente por esse motivo que o Apêndice 11 do CAE prevê um regime diferente para outros tipos de Alterações de Custos que não as Alterações de Impostos Relevantes. 45. As únicas formas típicas de tributação previstas (atualmente) no ordenamento jurídico português, aplicáveis ao CAE, nomeadamente na Constituição, são as seguintes: impostos, taxas ou contribuições financeiras. 46. Nenhuma outra poderia obviamente ser imposta à Requerente pela sua contraparte inicial, o Estado, nomeadamente com base numa interpretação correta do CAE, uma interpretação que foi, de facto, confirmada por outro tribunal arbitral que se debruçou sobre a mesma questão. 47. Em segundo lugar, ainda que se admitissem as formas de tributação ditas atípicas como passíveis de enquadramento na definição de Impostos Relevantes (quod non), para que um determinado custo possa ser considerado como uma forma de tributação no direito português, seja ela típica ou atípica, é necessário que se verifiquem quatro requisitos obrigatórios: esses custos devem corresponder a “(i) uma imposição de natureza pecuniária, (ii) de caráter obrigatório, (iii) devida a uma entidade pública, (iv) que tenha como finalidade a arrecadação de receitas”. 48. Este é um ponto consensual entre as Partes (e os seus peritos jurídicos). É igualmente consensual que os dois primeiros requisitos estão preenchidos. A questão das formas atípicas de tributação suscitada pela Requerente é, como tal, totalmente irrelevante. 49. A missão do Tribunal não é outra senão a de apreciar se os custos suportados com o financiamento da Tarifa Social são devidos a uma entidade pública e visam a arrecadação de receitas, as duas únicas questões controvertidas que subsistem a este respeito. Como já anteriormente desenvolvido e abaixo resumido, o Tribunal não pode deixar de concluir de forma negativa. (…) 62. Seja como for, e em síntese, mesmo que esses custos pudessem (quod non) ser qualificados como um imposto, como inicialmente defendido pela Requerente, a Cláusula 20.ª do CAE nunca poderia ser aplicada: (i) Tal imposto seria inconstitucional, quer do ponto de vista orgânico (não foi criado pela Assembleia da República através de Lei ou de Decreto-Lei emitido pelo Governo mediante autorização da Assembleia da República), quer do ponto de vista material (não é calculado sobre o rendimento real do sujeito passivo - in casu, a Requerente - mas sim sobre a capacidade instalada dos centros eletroprodutores); (ii) A Requerente não seria, como tal, obrigada a pagar tal imposto, nos termos do artigo 103.º, n.º 3 da Constituição: “Ninguém pode ser obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição [...]’’; (iii)Dado que a Cláusula 20.ª do CAE exige que o Produtor (Requerente) seja obrigado a pagar qualquer Imposto Relevante, a aplicação da referida disposição contratual seria, neste cenário hipotético, impedida. 63 - Uma vez mais, os argumentos da Requerente em contrário - limitados a (iii) acima – não são válidos: (i) A própria redação da Cláusula 20.ª é muito clara ao afirmar que uma Alteração Relevante apenas ocorre se e na medida em que o Produtor “seja obrigado a pagar” qualquer Imposto Relevante; (ii) O artigo 103.º, n.º 3 da Constituição também é muito claro: os contribuintes não são obrigados a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da Constituição. Nestes casos, o contribuinte pode recorrer ao direito constitucional de resistência ou, se tal não for possível, o contribuinte - e apenas o contribuinte - tem de obter uma decisão sobre a questão junto dos tribunais estaduais. Enquanto essa decisão não for obtida, o contribuinte não pode ser considerado obrigado a pagar; (iii) Na mesma linha, o dever de boa-fé que se aplica ao cumprimento de qualquer contrato, nos termos do artigo 762.º, n.º 2, do Código Civil, impede que a Requerente, ao suspeitar que está perante um imposto inconstitucional, e sem esclarecimento prévio dos tribunais estaduais competentes, se limite a tentar repercutir esse custo na sua contraparte contratual; iv) Contrariamente ao que a Requerente sustenta, existe uma necessidade lógica de este Tribunal (neste cenário hipotético) avaliar a questão da constitucionalidade, porque este é um pré-requisito para a interpretação e aplicação da cláusula 20.ª do CAE. Este Tribunal tem necessariamente de apreciar se a Requerente está obrigada a pagar os custos suportados com o financiamento da Tarifa Social, debruçando-se, se necessário, sobre as disposições constitucionais aplicáveis.” 38 - Por sua vez, a autora REN Trading, nas suas Alegações Finais apresentadas na arbitragem, alegou o seguinte[22]: “A Tarifa Social enquanto imposto seria inconstitucional 82. Como a 2.ª Requerida demonstrou, da taxonomia fechada das formas de tributação previstas na lei portuguesa, a Tarifa Social jamais poderia ser considerada uma taxa ou uma contribuição financeira, uma vez que não existe qualquer reciprocidade subjacente à Tarifa Social, i.e. nenhum benefício ou serviço prestado aos sujeitos passivos da obrigação de financiamento, individual ou coletivamente considerados. 83. A Tarifa Social também não é um imposto na opinião da 2.ª Requerida, uma vez que não visa gerar receita, o cumprimento de deveres por entidades públicas, ou até por entidades privadas encarregadas de prosseguir o interesse público, implementando antes uma série de mecanismos de repassagem nos quais os agentes do mercado são reembolsados da perda de rendimento determinada pelas tarifas descontadas de acesso às redes. 84. Se o Tribunal Arbitral considerasse que a Tarifa Social é uma forma de tributação, teria de a considerar como um imposto em vista da sua natureza unilateral, apesar de lhe faltar a característica acima mencionada do objetivo de geração de receita que caracteriza os impostos, e contrariamente à tradição legislativa e jurisprudencial portuguesa. 85. É entendimento pacífico neste momento que o Decreto-Lei da Tarifa Social foi aprovado pelo Governo fora do âmbito de uma autorização, ou delegação de poderes legislativos, pelo Parlamento, em violação da norma constitucional segundo a qual a competência legislativa relativa ao estabelecimento de impostos é apenas do Parlamento, a não ser que este autorize o Governo a fazê-lo. 86. Em aditamento ao aspeto formal da aprovação da Tarifa Social por ato legislativo do Governo sem autorização parlamentar, a Tarifa Social, se considerada como um imposto, violaria disposições substantivas da Constituição sobre o Sistema fiscal português, nomeadamente no que respeita à determinação dos montantes devidos ao abrigo do Decreto-Lei da Tarifa Social baseados na capacidade instalada em vez de no rendimento real do produtor. 87. A 2.ª Requerida demonstrou que o Tribunal Arbitral deve conhecer da (in)constitucionalidade da Tarifa Social, se vista como um imposto, pois por um lado, o Tribunal Arbitral, funcionando como um tribunal jurisdicional, não pode aplicar uma norma inconstitucional, e, por outro, determinar se a Tarifa Social é inconstitucional é instrumental na determinação acerca da qualificação como um Imposto Relevante ao abrigo do CAE. 88. Se a Tarifa Social fosse considerada como um imposto, e necessariamente um imposto inconstitucional, então (i) o Tribunal Arbitral não pode aplicar as normas inconstitucionais e (ii) a Requerente não poderia “ser obrigada a pagar” por qualquer Autoridade Competente em vista da proibição constitucional de aplicação de impostos inconstitucionais, 89. Uma vez que um Imposto Relevante apenas pode consistir em “de impostos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais (…) que o Produtor (…) fique obrigado a pagar por uma Autoridade Competente”, então mesmo que a Tarifa Social seja considerada um imposto, não pode constituir um Imposto Relevante ao abrigo do CAE por ser inconstitucional e inaplicável.” 39 - No procedimento perante o Painel Financeiro a autora REN Eléctrica alegou que a Cláusula 20 do CAE é uma “cláusula de estabilidade” (fiscal), inserida num contrato celebrado entre um privado e uma entidade pública, motivo pelo qual não podia ser oposta a duas entidades privadas como as autoras, tendo exposto o seguinte, conforme consta da Decisão do Painel Financeiro[23]: “ A REN Eléctrica afirma que a interpretação do contrato deve ter em consideração a evolução do setor da eletricidade em Portugal desde a data de celebração do CAE. Considera que a Cláusula 20 é uma cláusula de estabilidade que, como tal, apenas pode ser validamente concedida pelo Estado e aplicada contra o mesmo – e não contra partes privadas, que não controlam o risco de soberania (§ 81 da Contestação, § 88 da Tréplica e § 22 das Alegações Finais). Afirma que a cláusula de estabilidade em apreço não foi concedida pelas Requeridas, mas sim pelo Estado – por meio da EDP, uma empresa detida a 100% pelo Estado – e foi acordada partindo do princípio de que a EDP e, subsequentemente, as Requeridas estariam numa posição de controlar o risco de soberania (o que já não é o caso). Por conseguinte, sustenta que qualquer tentativa de interpretar o CAE no sentido de que a Cláusula 20 pode ser aplicada contra as Requeridas se traduz numa violação da intenção das partes que negociaram e celebraram o CAE, assim como do princípio da boa-fé contratual, e conduziria a uma situação de total desequilíbrio da posição das Requeridas (§ 9-11 e § 89-90 da Contestação, § 94 da Tréplica e § 24-29, 33 das Alegações Finais). Por conseguinte, a REN Eléctrica argumenta que, devido à natureza da Cláusula 20, quaisquer responsabilidades relativas à mesma apenas podem ser reclamadas junto do Estado (§ 96 da Contestação). (…) Nas suas Alegações Finais, a REN Eléctrica sublinha que a inaplicabilidade da Cláusula 20 decorre diretamente de disposições jurídicas imperativas – designadamente as disposições relativas à interpretação de contratos previstas no Código Civil – e da doutrina jurídica sobre interpretação de contratos (§ 35)”. 40 -Na arbitragem, a autora REN Eléctrica, em resposta, apresentou alegação no sentido de a referida Cláusula 20. constituir uma “cláusula de estabilidade” (fiscal) que, pela sua natureza, não podia ser oposta às autoras, nos seguintes termos sumariados pelo Tribunal Arbitral na Sentença Final: “241. A 1.ª Requerida alega que a posição da Requerente simplifica em demasia o mandato do Tribunal. Exorta o Tribunal a considerar os contextos histórico e jurídico em que o CAE foi celebrado, e as mudanças ocorridas em tais contextos desde então. Neste contexto, a 1.ª Requerida alega ainda que (i) a Cláusula 20.ª é uma cláusula de estabilidade que só pode ser oponível ao Estado Português, e não às Requeridas, que são entidades privadas; (ii) ainda que a Cláusula 20.ª do CAE fosse oponível às Requeridas, não permitiria o reembolso dos custos suportados como resultado da Tarifa Social; e (iii) o CAE não pode ser alterado sem autorização prévia das entidades competentes, nomeadamente da ERSE e da DGEG. 242. A título preliminar, a 1.ª Requerida pede ao Tribunal que considere tanto o contexto histórico em torno da celebração do CAE quanto as mudanças que se seguiram no quadro legal relevante, que resume da seguinte forma: • O setor da eletricidade português foi totalmente nacionalizado na década de 1970, quando foi criada a EDP, a parte original do CAE. Isso começou a mudar no final da década de 1980, quando, no contexto da integração de Portugal na Comunidade Económica Europeia (a “CEE”), a nova legislação permitiu que entidades privadas entrassem no mercado produzindo, distribuindo e transmitindo energia elétrica; • Em 1991, a EDP, então sociedade anónima (ainda totalmente detida pelo Estado), começou a procurar investimento privado para financiar a expansão da rede de distribuição portuguesa. O CAE e outros contratos de aquisição de energia semelhantes foram celebrados neste contexto específico. As partes privadas destes contratos eram consideradas produtores vinculados, “tendo o direito de vender toda a eletricidade produzida [através de] um mecanismo de remuneração garantida;” • Em 1994, uma sociedade denominada REN - Rede Elétrica Nacional, S.A. (“REN”, não confundir com a 1.ª Requerida) - foi criada como uma subsidiária da EDP para substituir esta última em todos os contratos de aquisição de energia existentes (incluindo o CAE). As mudanças no setor energético português continuaram, tendo a EDP passado por um processo de privatização entre 1997 e 2011, enquanto que a REN foi separada do grupo EDP e manteve o capital público; • A partir de 2003, em linha com as diretivas da União Europeia, Portugal procedeu à liberalização total do mercado energético. As condições estabelecidas no CAE e outros acordos semelhantes, como a garantia contratual de aquisição de toda a energia produzida, não se coadunam com a criação de um mercado livre. Assim, o Decreto-Lei n.º 185/2003 e o Decreto-Lei n.º 240/2004 previram a cessação antecipada dos contratos de aquisição de energia. Foi implementado um regime de custos ociosos para compensar a cessação antecipada, e 16 dos 18 titulares de centros eletroprodutores aceitaram a proposta de cessação. Foi criada uma solução temporária para permitir que os outros dois contratos de aquisição de energia - entre os quais o CAE - se mantenham em vigor no novo enquadramento. A REN tornou-se uma sociedade de gestão de participações sociais e a 1.ª Requerida assumiu a sua posição no CAE. A 2.ª Requerida foi criada para administrar os outros dois contratos e aderiu ao CAE, tornando-se solidariamente responsável por todas as obrigações daí decorrentes. O cumprimento destes dois contratos passou a ser acompanhado e regulado pela ERS; e • O Grupo REN foi posteriormente sujeito a um processo de privatização, sendo as duas Requeridas atualmente entidades privadas nas quais o Estado não detém qualquer participação. Portanto, a 1.ª Requerida alega que o CAE é presentemente executado num cenário regulamentar completamente diferente e afirma que: o atual enquadramento legal e regulamentar - estabelecido em benefício exclusivo da Requerente - operou uma modificação dos termos do CAE que condiciona a interpretação das suas disposições, nomeadamente aquelas relevantes para o presente Litígio [...] 243. Considerando este contexto, a 1.ª Requerida alega o seguinte: 244. Em primeiro lugar, a 1.ª Requerida alega que a Cláusula 20.ª do CAE é uma cláusula de estabilidade. Foi celebrada entre o produtor e o Estado, através da empresa pública EDP, no contexto acima descrito. Uma disposição como a Cláusula 20.ª só pode ser executada quando uma das partes puder comprometer unilateralmente o equilíbrio contratual através do exercício de poderes legislativos e regulamentares. A cláusula, nesse contexto, permite o restabelecimento do equilíbrio contratual. Este entendimento é confirmado pelo parecer jurídico apresentado pela Requerente perante o Painel Financeiro (da autoria dos Professores Doutores Paulo Otero e Miguel Prata Roque) e pelos pareceres jurídicos apresentados pela 1.ª Requerida na presente arbitragem. 245. Segundo a 1.ª Requerida, a doutrina define as cláusulas de estabilidade como “disposições pelas quais o Estado aceita que o exercício dos seus poderes legislativos e administrativos não terá por efeito modificar as condições contratuais acordadas com o investidor em detrimento deste”. Assim, as cláusulas de estabilidade só podem ser encontradas em contratos de investimento em que o Estado (ou entidade pública) seja parte para proteger os privados do chamado risco de soberania. 246. A 1.ª Requerida afirma ainda que só o Estado está em condições de garantir que o investidor não será afetado pelas consequências dos atos legislativos. Embora haja algum debate doutrinário sobre se essas cláusulas podem ser incluídas em contratos envolvendo entidades estatais ou empresas da esfera pública, a 1.ª Requerida afirma que “as cláusulas de estabilidade não podem ser validamente concedidas por e executadas contra privados, uma vez que estes não têm controlo algum sobre o risco de soberania [que está] muito além da repartição de risco contratual”. Como tal, a Cláusula 20.ª não poderia ser oponível às Requeridas. (…) 248. A 1.ª Requerida realça ainda que o Painel Financeiro não considerou se a Cláusula 20.ª era uma cláusula de estabilidade, nem considerou a exigência de autorização da ERSE e da DGEG. Sublinha que a Requerente não pode apontar para uma secção ou parágrafo específico da Decisão, pois o Painel Financeiro nunca decidiu sobre tais matérias”. 41 - Para além do decidido pelo Tribunal Arbitral referido no ponto 36., consta o seguinte da sentença arbitral sobre as questões apreciadas[24]: “128. Resulta dos pedidos formulados pelas Partes que as questões a decidir na presente Sentença Final são: • Se a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE; (Secção 5.3); • Sendo a Tarifa Social considerada Imposto Relevante, se a Requerente tem direito ao seu reembolso através da alteração do Encargo de Potência Instalada (desde que comprovado o efeito relevante da Tarifa Social perante o futuro painel financeiro) (Secção 5.4); • Se as Requeridas devem ser condenadas no (i) cumprimento do procedimento previsto na Cláusula 20.ª e ponto 10 do Anexo 11 do CAE, e (ii) na apresentação de uma contraproposta à alteração do Encargo de Potência Instalada no prazo de 15 dias após a notificação da decisão do Tribunal; e, caso não o façam, se a alteração do Encargo de Potência Instalada deve ser conforme proposto pela Requerente (Secção 5.5); e • Dos encargos da arbitragem (Secção 5.6). 129. As Partes apresentaram diversos argumentos para sustentar as suas posições. O Tribunal apreciou e analisou todos os argumentos. No entanto, a fim de explicar as suas conclusões, o Tribunal concentrar-se-á nos argumentos que fundamentam o seu raciocínio ou que exigem uma resposta para que tal raciocínio seja válido. 5.3. A Tarifa Social e os Impostos Relevantes no âmbito do CAE […] 5.3.2. Apreciação do Tribunal 197. A Requerente requereu ao Tribunal a declaração de que a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE. As Requeridas opõem-se a este pedido, alegando que a Tarifa Social não é um Imposto Relevante nos termos contratualmente definidos. Analisados os argumentos apresentados por todas as Partes, o Tribunal chegou à conclusão de que a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE. 198. A questão de saber se a Tarifa Social é um Imposto Relevante é o cerne do litígio entre as Partes. O Painel Financeiro examinou o assunto, mas não conseguiu chegar a uma decisão unânime. A maioria do Painel Financeiro decidiu que a Tarifa Social se enquadra na definição contratual de Imposto Relevante, conforme se segue: a Tarifa Social [...] enquadra-se na definição de Imposto Relevante prevista na Cláusula 1.1 do CAE, [...] independentemente de se enquadrar no conceito em sentido restrito de ‘imposto’ da legislação portuguesa. Deve concluir-se que a promulgação do Decreto-Lei n.º 138-A/2010 [.] se enquadra no âmbito da alínea (a) da Cláusula 20.1 do CAE e que, nos termos da Cláusula 20.1 do CAE, a Relevantes para efeitos do CAE. 199. Este Tribunal já decidiu que as Requeridas contestaram esta decisão não unânime e, portanto, a questão de saber se a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE, é da competência do Tribunal. 200. A Requerente alega que o termo Imposto Relevante é definido de forma ampla no CAE, sem qualquer referência às categorias de tributação previstas na legislação portuguesa. Assim, é irrelevante se a Tarifa Social pode ou não ser qualificada como imposto, taxa ou contribuição - as três categorias de tributação previstas na Constituição da República Portuguesa. Por outro lado, as Requeridas afirmam que o conceito contratual de Imposto Relevante se refere às formas de tributação existentes e, não correspondendo a Tarifa Social a nenhuma das categorias de tributação, não é um Imposto Relevante nos termos do CAE. 201. A Requerente sustenta, subsidiariamente, que a Tarifa Social é uma forma de tributação à luz do direito português, definindo-a quer como forma de tributação atípica, quer como imposto ou contribuição. As Requeridas rejeitam essas propostas e argumentam que a Tarifa Social é uma obrigação de serviço público e, portanto, não pode ser qualificada como uma forma de tributação. Por sua vez, a Requerente concorda que parte da Tarifa Social é uma obrigação de serviço público, nomeadamente o desconto que beneficia os consumidores economicamente vulneráveis, mas defende que o mecanismo de financiamento desse desconto é uma forma de tributação. As Requeridas discordam e afirmam que a obrigação de serviço público não pode ser dissociada do seu mecanismo de financiamento. 202. Subsidiariamente, as Requeridas afirmam que se a Tarifa Social fosse qualificada como imposto, seria um imposto inconstitucional, pois foi instituída por diploma do Governo (Decreto-Lei) e não por lei da Assembleia da República (conforme exigido pela Constituição). 203. A avaliação se a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE requer uma análise (i) da linguagem do CAE e da amplitude da definição de Impostos Relevantes; e (ii) se a Tarifa Social se enquadra nessa definição. 204. Em primeiro lugar, o Tribunal deve analisar a linguagem adotada pelas Partes no CAE. O termo “Impostos Relevantes” é definido na Cláusula 1.1 da seguinte forma: Todos os tipos de impostos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais (“impostos”) imponíveis onde quer que seja e quando quer que seja, ao Produtor, ao Operador ou à Empresa Fornecedora de Combustível ou sobre os quais o Produtor, o Operador ou a Empresa Fornecedora de Combustível tenham de responder por uma Autoridade Competente em relação com a propriedade, manutenção ou operação da Central Elétrica, alguma das suas Unidades ou Partes Comuns ou em relação com a aquisição de combustível para a Central Elétrica ou relativamente a este Contrato, ao Contrato de Aquisição e Construção, e o Contrato de Locação incluindo, sem limitar, Impostos Ambientais Relevantes, valores selados e impostos sobre empréstimos em divisas estrangeiras e transações cambiais e qualquer retenção ou outros impostos sobre o pagamento de juros aos Mutuantes mas excluindo: i. imposto sobre o rendimento empresarial (exceto na medida em que tais impostos ou qualquer aumento desse imposto constitua um Imposto Ambiental Relevante); ii. qualquer imposto sobre o rendimento ou lucros ou mais-valias do Produtor, do Operador ou da Empresa de Fornecimento de Combustível (exceto na medida em que tais impostos ou qualquer aumento desse imposto constitua um Imposto Ambiental Relevante); iii. imposto sobre o valor acrescentado ou outro imposto ad valorem na medida em que o mesmo seja recuperável ou passível de contabilização como imposto a montante de acordo com a legislação portuguesa, salvo disposição em contrário na Cláusula 20.2.2; iv. quaisquer impostos considerados nas fórmulas ou preços referidos nos Anexos 1, 2 e 3 na medida em que os mesmos sejam tidos em conta; v. sem prejuízo do disposto na Cláusula 20.3, quaisquer impostos ou valores selados sobre capital e juros sobre empréstimos e refinanciamentos; vi. quaisquer impostos ou valores selados sobre transações cambiais para além das que (na medida em que sejam recuperáveis ao abrigo da Cláusula 20.3.5, alínea b)): (a) devidos em relação a Dívida Sénior ou a pagamentos de capital e juros respeitantes a empréstimos feitos com o propósito de implementar o Anexo 11; ou (b) devidos em relação a combustível para a Central Elétrica; vii. retenções na fonte respeitantes a pagamento de dividendos ou empréstimos subordinados concedidos direta ou indiretamente por qualquer acionista do Produtor, do Operador ou da Empresa de Fornecimento de Combustível[.] 205. As Requeridas alegam que o termo “Impostos Relevantes” se refere às três formas de tributação ao abrigo da legislação portuguesa: impostos, taxas ou contribuições, conforme definido pela Constituição da República Portuguesa. A 1.ª Requerida afirma que os termos incluídos na definição (impostos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais) indicam “realidades de natureza fiscal” e que seriam essas as realidades de natureza fiscal existentes no ordenamento jurídico português. A 2.ª Requerida afirma que a definição é vaga e deve ser interpretada de acordo com a lei fiscal portuguesa, a lei aplicável ao contrato. A 2.ª Requerida afirma ainda que, se as Partes tivessem pretendido afastar-se das três categorias estabelecidas na Constituição, teriam redigido a Cláusula 1.1 nesse sentido, referindo-se a “quaisquer custos impostos por ato legislativo ou outras fórmulas semelhantes”. De acordo com a 2.ª Requerida, o termo “Impostos Relevantes”, conforme redigido, “restringe a sua aplicabilidade aos fenómenos de tributação previstos na Constituição da República Portuguesa.” 206. A maioria deste Tribunal considera que a linguagem da definição da Cláusula 1.1, no entanto, não sustenta a posição das Requeridas. “Impostos Relevantes” são amplamente definidos como “todos os tipos de impostos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais (“impostos”) imponíveis onde quer que seja e quando quer que seja.” Os termos literais utilizados pelas Partes denotam a intenção de deixar claro que todas as formas de tributação, ou seja, “todas as imposições governamentais,” devem ser englobadas nesta definição e, como tal, consideradas Impostos Relevantes para fins do CAE. As exceções - ou seja, as formas de tributação que não devem ser consideradas Impostos Relevantes - encontram-se precisamente enumeradas na definição. Nada consta dessa definição que indicie que possam existir outras exceções. 207. Se as Partes pretendessem limitar as formas de tributação às taxas, impostos e contribuições - ou às categorias previstas na Constituição da República Portuguesa, que eram, à data da assinatura do CAE, apenas taxas e impostos -, a definição assim o teria declarado expressamente. Ao invés, o termo “Impostos Relevantes” foi definido de forma muito ampla (“de qualquer tipo, onde e quando quer que seja imposto”), sem referência a categorias legal ou doutrinariamente estabelecidas e/ou definidas. A definição também não se refere às três categorias da lei portuguesa mencionadas pelas Requeridas, uma vez que o CAE se refere a “todos os tipos de impostos, direitos de importação, direitos e deveres aduaneiros e fatores percentuais.” 208. Em segundo lugar, agora que a maioria deste Tribunal determinou que a cláusula 1.1 se destinava a abranger todas as formas de tributação, o Tribunal deve determinar se a Tarifa Social se enquadra na definição de Imposto Relevante nos termos do CAE. 209. Ambas as Requeridas sustentam que a Tarifa Social não é um imposto, nem uma taxa ou uma contribuição, pelo que não pode ser considerada um Imposto Relevante. A Requerente, por sua vez, alega que a definição ampla de Imposto Relevante no CAE abrange a Tarifa Social e, mais especificamente, o mecanismo de financiamento da Tarifa Social. 210. O Tribunal observa que as Partes concordam, em última análise, com uma das muitas possíveis qualificações legais da Tarifa Social. Com efeito, é pacífico entre as Partes que a Tarifa Social é uma obrigação de serviço público que contém ou está associada a um mecanismo de financiamento correspondente. As Partes discordam, no entanto, sobre a natureza do referido mecanismo de financiamento. 211. As Requeridas defendem que o mecanismo de financiamento não pode ser dissociado da principal obrigação de serviço público, que é o desconto aplicado nas tarifas pagas pelos consumidores economicamente vulneráveis. Segundo as Requeridas, o mecanismo de financiamento também pode ser qualificado como obrigação de serviço público, não podendo, portanto, ser uma forma de tributação. A Requerente discorda, e afirma que o mecanismo de financiamento é uma forma de de tributação e um Imposto Relevante nos termos do CAE, independentemente de não poder ser dissociado do elemento de desconto da Tarifa Social. 212. O Acórdão do TJUE junto aos autos pela Requerente oferece alguns esclarecimentos sobre a dupla vertente da Tarifa Social, não obstante o facto de que tal Acórdão diz respeito a uma outra obrigação de serviço público ao abrigo da lei espanhola, o bono social. Nesse Acórdão, embora tenha constatado que “o sistema de financiamento é um elemento indissociavelmente ligado à medida de intervenção sobre os preços”, o TJUE considerou que os dois elementos devem ser apreciados separadamente e atribuiu-lhes tratamentos diferenciados. O TJUE entendeu que o mecanismo de financiamento previsto na legislação espanhola – considerado separadamente do elemento de desconto que afeta os preços – violou o princípio da não discriminação previsto no artigo 3.º, n.º 2, da Diretiva 2009/72.221 O TJUE também decidiu que o princípio da proporcionalidade estabelecido no mesmo artigo deveria ser aplicado exclusivamente ao elemento desconto, e não ao mecanismo de financiamento do bono social espanhol. 213. Seguindo esse mesmo raciocínio, a maioria deste Tribunal entende que, embora o mecanismo de financiamento esteja ligado à Tarifa Social, os dois elementos podem ser considerados separadamente. A maioria deste Tribunal entende, portanto, que a caracterização da Tarifa Social como obrigação de serviço público não impede que o seu mecanismo de financiamento seja considerado Imposto Relevante nos termos do CAE. 214. Conforme estabelecido acima, as Partes definiram o termo “Impostos Relevantes” de forma ampla, de modo a abranger todas as formas de imposições do Estado, ou seja, “todos os tipos de impostos [...] imponíveis onde quer que seja e quando quer que seja”, a menos que expressamente excluídas. As Partes não fizeram qualquer referência à legislação portuguesa ou a quaisquer categorias legais de tributação, evidenciando assim a intenção de contornar quaisquer categorias de tributação legal ou doutrinariamente definidas e de incluir uma definição autónoma no CAE. Como o mecanismo de financiamento da Tarifa Social não se enquadra em nenhuma das exceções elencadas, enquadra-se na definição de Imposto Relevante. 215. A maioria deste Tribunal concorda com a maioria do Painel Financeiro, que considerou que a linguagem adotada na definição de Impostos Relevantes “evidencia uma clara intenção das Partes de se afastarem da definição legal de ‘impostos’ a fim de criar um conceito mais amplo que incluiria qualquer imposição cobrada em relação às pessoas e aos eventos referidos na referida definição.” Assim, a Tarifa Social enquadra-se na definição de Imposto Relevante “na medida em que incide sobre a Tejo Energia ‘relativamente à sua titularidade [...] ou exploração da Central’, independentemente de se enquadrar no conceito em sentido restrito de “tributo” ao abrigo da legislação portuguesa. 216. Nesta base, a discussão sobre se a Tarifa Social é uma forma de tributação atípica no direito português ou se se enquadra num dos conceitos tipológicos referidos na Constituição da República Portuguesa, reveste-se de pouca relevância. Da mesma forma, não é necessário iniciar um debate sobre se a Tarifa Social cumpre os quatro requisitos (uma imposição de natureza pecuniária; de aplicação obrigatória; devida a uma entidade pública; e com o fim de arrecadar receita) de um tributo nos termos da lei portuguesa. 217. Os outros elementos invocados pelas Requeridas não conduzem a maioria deste Tribunal a uma conclusão diferente: 218. Em primeiro lugar, as Requeridas referem-se ao parecer jurídico do CCPGR relativo à Tarifa Social, que foi homologado pela ERSE e pela Secretária de Estado da Energia, como autoridade que confirma a sua interpretação do CAE. Este Tribunal considera por maioria que a relevância deste parecer jurídico é limitada para o presente debate. Com efeito, o CCPGR conclui que os custos do financiamento da Tarifa Social devem ser suportados pelos produtores de energia, conforme determinado pelo Decreto-Lei n.º 138-A/2010, não devendo conduzir a quaisquer ajustes dos regimes contratuais desses produtores. O CCPGR está preocupado principalmente com as considerações de interesse público que justificam tal posição, que não foram arguidas pelas Partes, não foram examinadas pelo Painel Financeiro e extravasam a competência deste Tribunal pois vão além dos limites da sua competência nos termos determinados na Sentença Parcial. 219. Em segundo lugar, as Requeridas invocam o parecer jurídico da própria ERSE sobre a Tarifa Social, que remete para o referido parecer do CCPGR, e concluem que não deve haver ajuste do equilíbrio contratual do CAE, salientando que a Tarifa Social não é um imposto à luz da legislação portuguesa. Na medida em que este parecer confirma o parecer do CCPGR e sublinha que a Tarifa Social não se enquadra na categoria de imposto à luz da legislação portuguesa, é também irrelevante para a qualificação da Tarifa Social como Imposto Relevante nos termos do CAE. 220. Em terceiro lugar, os consultores jurídicos indicados pelas Requeridas (Sr. Machete, Sr. Ferreira e Sra. Palma) interpretam a definição de Impostos Relevantes como referindo-se exclusivamente às três categorias de tributação estabelecidas na Constituição da República Portuguesa. Como a maioria deste Tribunal não adotou essa interpretação da definição, os seus pareceres não afetam a sua conclusão. 221. Em quarto lugar, as Requeridas referem-se à sentença proferida no Processo CCI n.º 25128/JPA, que apreciou um litígio semelhante ao litígio aqui em causa. A maioria daquele tribunal concluiu que a Tarifa Social não era um “imposto relevante” no âmbito de um contrato de aquisição de energia similar porque considerou que a definição de “imposto relevante” naquele contrato remetia para as formas de tributação previstas na lei portuguesa. Essa sentença, no entanto, refere-se a um contrato separado e não vincula este Tribunal. A maioria deste Tribunal acrescenta que examinou o raciocínio maioritário nesse caso e chegou a uma conclusão diferente pelas razões expostas na presente Sentença. 222. Este Tribunal declara por maioria que a Tarifa Social corresponde a um Imposto Relevante nos termos do CAE. 5.4. Direito da Requerente ao Reembolso da Tarifa Social através da Alteração do Encargo de Potência Instalada nos termos da Cláusula 20.ª e ponto 10 do Anexo 11 do CAE [….] 5.4.2. Apreciação do Tribunal 267. A Requerente pretende obter uma declaração de que tem direito ao reembolso dos custos incorridos relativos à Tarifa Social - desde que comprovado o efeito relevante de tais custos - através da alteração do Encargo de Potência Instalada, “ajustado à inflação e incluindo juros permitidos à Taxa de Juro de Referência.” 268. As Requeridas opõem-se a este pedido afirmando que (i) a Cláusula 20.ª é uma cláusula de estabilidade que só pode ser oponível ao Estado Português, e não às Requeridas, que são entidades privadas; (ii) ainda que a Cláusula 20.ª do CAE fosse oponível às Requeridas, não permitiria o reembolso dos custos suportados em relação à Tarifa Social; e (iii) o CAE não pode ser alterado sem autorização prévia das entidades competentes, nomeadamente da ERSE e da DGEG. As Requeridas também pedem ao Tribunal que considere o contexto em que o CAE foi celebrado, as mudanças ocorridas desde então e o quadro legal e regulamentar atual. Os argumentos das Requeridas, se aceites, excluem totalmente a aplicação da Cláusula 20.ª. 269. O Tribunal irá (i) examinar se a Cláusula 20.ª do CAE dá direito à Requerente ao reembolso das despesas incorridas com o financiamento da Tarifa Social, antes (ii) de analisar as objeções suscitadas pelas Requeridas e (iii) de apreciar os pedidos da Requerente de correções monetárias e juros. 270. Conforme indicado na Sentença Parcial, o Tribunal tem poderes para (i) rever a decisão não unânime do Painel Financeiro segundo a qual a imposição da Tarifa Social foi considerada Alteração Relevante e (ii) condenar as Requeridas no cumprimento do procedimento nos termos da Cláusula 20.4 e Anexo 11. O “Painel Financeiro assim constituído teria competência para avaliar se o efeito da imposição das Tarifas Sociais foi de facto relevante e, em caso afirmativo, teria competência para optar entre as propostas de alteração sugeridas pelas Partes.” 271. Em primeiro lugar, a Cláusula 20.ª do CAE, intitulada “Alterações dos Impostos”, prevê as consequências da imposição de um Imposto Relevante, conforme definido na Cláusula 5.3.2 acima. 272. Especificamente, a Cláusula 20.1 (“Alterações Relevantes”) estabelece as circunstâncias em que a imposição de um Imposto Relevante desencadeará a aplicação das Cláusulas 20.2 a 20.5. Essas circunstâncias são amplamente definidas, da forma seguinte: 20.1 Alterações Relevantes Se, após a data do presente Contrato, a. o Produtor, o Operador ou a Empresa de Fornecimento de Combustível (1) ficar obrigado a pagar ou a deduzir quaisquer Impostos Relevantes, que em 27 de novembro de 1992 não existiam ou não afetavam o Produtor ou (2) incorrer num aumento de custos, em ambos os casos motivado por: introdução, imposição, tributação ou cobrança de quaisquer Impostos Relevantes e/ou um aumento na taxa pela qual quaisquer Impostos Relevantes são cobrados e//ou (ii) qualquer alteração na legislação ou no procedimento publicitado de qualquer autoridade tributária de qualquer modo relacionada com Impostos Relevantes, e/ou (iii) qualquer outra alteração que seja adversa aos interesses financeiros do Produtor, do Operador ou da Empresa de Fornecimento de Combustível, com base na qual quaisquer Impostos Relevantes são cobrados; ou [...] e desde que (no caso das alíneas a) ou b) acima mencionadas) o efeito de tal alteração seja material (conforme definido para os fins da presente Cláusula no Anexo 11) então, sujeito às disposições das Cláusulas 20.2.2. e 20.3, aplicar-se-ão as Cláusulas 20.2 a 20.5. Não obstante as disposições precedentes, as Cláusulas 20.2.2 e 20.3 são aplicáveis nas circunstâncias previstas nessas Cláusulas. Para os fins da presente Cláusula e do Anexo 11, qualquer circunstância prevista nas alíneas a) ou b) precedentes considera-se uma “Alteração aos Impostos Relevantes” (expressão que deve incluir o impacto financeiro de tal alteração no Produtor, Operador ou Empresa de Fornecimento de Combustível). 273. Daqui decorre que, de acordo com a Cláusula 20.1(a), se um Produtor incorrer num aumento dos custos devido à imposição de um Imposto Relevante, “As Cláusulas 20.2 a 20.5 terão efeito”, desde que o efeito de tal alteração seja “relevante.” Portanto, a cláusula 20.1, estabelece dois requisitos para a aplicação dos mecanismos previstos nas cláusulas seguintes: (i) a existência de Imposto Relevante que cause aumento (ou diminuição nos termos da Cláusula 20.1(b)) dos custos; e (ii) que o efeito desses custos seja relevante. 274. A maioria deste Tribunal já decidiu que a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE (vide supra, Secção 5.3.2). É ainda incontestável que esta Tarifa Social (i) não existia à data da assinatura do CAE e (ii) provocou um aumento dos custos da Requerente. 275. Quanto ao requisito relativo ao efeito relevante dos custos incorridos em relação à Tarifa Social, embora o Painel Financeiro tenha decidido por unanimidade que “a Tejo Energia não demonstrou que tal alteração do Imposto Relevante foi relevante”, também entendeu que a sua decisão “não impede a Tejo Energia de posteriormente provar a relevância dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social entre 2015 e 2017 de forma a desencadear o procedimento previsto na Cláusula 20.4 para cada um daqueles anos” ou “de provar a relevância para 2011 a 2014 e invocando o procedimento previsto na Cláusula 20.4 do CAE também para cada um desses anos.” 276. O termo “relevante” é definido no ponto 1.3 do Anexo 11 como “que excede o Valor Limite Aplicável líquido de qualquer economia de custos ou aumento das receitas que o Produtor seja capaz de obter ou atingir.” O “Valor Limite Aplicável” é, por sua vez, definido como “um sexto do valor médio estimado do [Encargo de Potência Instalada]”, no ponto 1.1(a) do Anexo 11.324 277. O Tribunal observa que a Requerente apresentou à 1.ª Requerida, cálculos e um relatório evidenciando tal efeito relevante para os anos de 2013-2018, conforme exigido pela Cláusula 20.ª do CAE325, que as Requeridas não contestaram no curso da presente arbitragem. A maioria do Tribunal considera que, nestas circunstâncias, as Cláusulas 20.2 a 20.5 “produzirão efeitos”, sujeito a uma futura conclusão do painel financeiro de que o efeito da imposição das Tarifas Sociais foi de facto relevante (conforme determinado no ponto 178 da Sentença Parcial). 278. As cláusulas 20.2 a 20.5 são, na parte relevante, resumidas abaixo: 279. Em primeiro lugar, a Cláusula 20.2 (“Notificação de Alterações”) define os requisitos para a devida notificação de tal alteração, que é condição para a aplicação das Cláusulas 20.3 a 20.5.326 Não se contesta na presente arbitragem que a Requerente notificou as Requeridas da promulgação do Imposto Relevante. 280. Em segundo lugar, a Cláusula 20.3 (“Isenções e Repassagem de Custos”) diz respeito aos casos em que o Produtor pode solicitar o reembolso de custos incorridos em relação a um Imposto Relevante (“repassagem de custos”, na Cláusula 20.3.5) e casos em que leva a um ajuste automático do Pagamento Base de Potência Instalada e, consequentemente, do Encargo Base de Potência Instalada (Cláusula 20.3.3). 281. O Painel Financeiro decidiu, por unanimidade, que a Requerente não tinha direito ao reembolso dos custos incorridos em relação à Tarifa Social nos termos da Cláusula 20.3, uma vez que a Tarifa Social “é de natureza diversa dos encargos aí elencados” e, como tal, não se enquadra no âmbito de aplicação. As Requeridas sustentam que a Requerente não tem direito ao reembolso dos custos incorridos com a Tarifa Social como resultado desta decisão. 282. A decisão do Painel Financeiro, no entanto, refere-se especificamente ao reembolso em conformidade com a Cláusula 20.3 do CAE. O Painel Financeiro também decidiu expressamente que a Requerente poderá recorrer à Cláusula 20.4 do CAE, caso consiga demonstrar os efeitos relevantes dos custos incorridos em relação à Tarifa Social: caso a Tejo Energia consiga provar o efeito relevante da Tarifa Social no futuro, a Tejo Energia terá direito a recorrer à Cláusula 20.4 do CAE, ou seja, a pedir a alteração do cálculo do Encargo de Potência Instalada e/ou o Encargo de Energia Produzida de acordo com os procedimentos e princípios relevantes estabelecidos no ponto 10 do Anexo 11[.] 283. Conforme a maioria deste Tribunal já decidiu na Sentença Parcial, esta decisão foi tomada em parte por unanimidade e em parte pela maioria do Painel Financeiro. Um dos membros do painel não concordou que a Tarifa Social seja um Imposto Relevante nos termos do CAE, mas todos os membros entenderam que, se ambas as condições da Cláusula 20.1 estivessem preenchidas, o mecanismo disponível para a Requerente seria o da Cláusula 20.4. Conforme explicado, a maioria deste Tribunal considerou a Tarifa Social um Imposto Relevante. Sem prejuízo da demonstração do efeito relevante dos custos incorridos, a Requerente poderá aplicar o mecanismo previsto na Cláusula 20.4 para obter o reembolso dos referidos custos através de uma alteração do Encargo de Potência Instalada. 284. Em terceiro lugar, a Cláusula 20.4 do CAE tem a seguinte redação: 20.4 Alteração do Contrato 20.4.1 Se o Produtor (no caso previsto pela Cláusula 20.1(a) ou pela Cláusula 20.3.1 a)) ou a EDP (no caso previsto pela Cláusula 20.1 b)) mediante notificação à contraparte assim escolher, o cálculo do Encargo de Potência Instalada e/ou do Encargo de Energia Produzida no presente Contrato será alterado de acordo com os procedimentos e princípios relevantes previstos no ponto 10 do Anexo 11 na medida necessária para garantir, tanto quanto possível, que o Produtor esteja na mesma posição financeira sob o presente Contrato que estaria se a Alteração ao Imposto Relevante não tivesse ocorrido. 285. Portanto, a Requerente pode aplicar o procedimento previsto na Cláusula 20.4 e ponto 10 do Anexo 11 do CAE. 286. A Requerente procura obter uma declaração de que tem direito ao reembolso dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social através da alteração do Encargo de Potência Instalada. A Cláusula 20.4, no entanto, determina apenas que o Encargo de Potência Instalada deve ser alterado “na medida necessária para garantir, tanto quanto possível, que o Produtor esteja na mesma posição financeira sob o presente Contrato que estaria se a Alteração ao Imposto Relevante não tivesse ocorrido.” O Tribunal considera que a extensão desta alteração - que não é uma decisão não unânime do Painel Financeiro contestada pelas Requeridas e sobre a qual este Tribunal, portanto, não tem competência - deve ser determinada pelo futuro painel financeiro, que presidirá ao procedimento conforme descrito no ponto 10 do Anexo 11. 287. Em quarto lugar, a Cláusula 20.5 prevê, inter alia, como as Partes devem trocar informações “necessárias para implementar ou verificar a devida aplicação da presente Cláusula 20.ª” e que as Partes devem procurar minimizar os efeitos de uma alteração dos impostos. 288. Em segundo lugar, tendo determinado, com base na Cláusula 20.4 do CAE, que a Requerente pode, em princípio, ter direito ao reembolso dos custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social, desde que demonstre o efeito relevante desses custos, o Tribunal deve agora examinar se algum dos argumentos das Requeridas conduz a uma conclusão diferente. 289. As Requeridas opõem-se à aplicação da Cláusula 20.ª do CAE com base no facto de que (i) a Cláusula 20.ª é uma cláusula de estabilidade que não é oponível a entidades privadas como as Requeridas; e (ii) não pode haver alteração do CAE sem autorização prévia da ERSE e da DGEG. Quanto à terceira objeção baseada no facto de que a Cláusula 20.ª não permite o reembolso dos custos relativos à Tarifa Social, o Tribunal já esclareceu acima que, embora o reembolso da “repassagem de custos” referido na cláusula 20.3 não seja aplicável à Tarifa Social, a Requerente poderá ser reembolsada através de alteração do Encargo de Potência Instalada nos termos da Cláusula 20.4. 290. Em primeiro lugar, quanto à possibilidade de a Cláusula 20.ª ser lida como uma cláusula de estabilidade, o Tribunal considera que a questão da aplicabilidade da Cláusula 20.ª ao presente litígio já foi decidida por unanimidade pelo Painel Financeiro, que decidiu que “a Cláusula 20.ª do CAE será considerada válida e aplicável”. As duas objecções apresentadas pelas Requeridas já foram apresentadas ao Painel Financeiro, ou deveriam ter sido discutidas perante o Painel e não foram. Este Tribunal não está autorizado a reabrir assuntos que foram decididos por unanimidade pelo Painel Financeiro. A maioria deste Tribunal já considerou que esta decisão é unânime e, como tal, final e vinculativa. 291. Embora a 1.ª Requerida declare que a objeção relativa à aplicabilidade de uma cláusula de estabilidade não foi considerada na Decisão do Painel Financeiro, o Tribunal considera que o Painel Financeiro descreveu a objeção da 1.ª Requerida e os argumentos correspondentes em detalhe e, no entanto, decidiu que a Cláusula 20.ª era plenamente aplicável. A objeção da 1.ª Requerida foi, portanto, rejeitada. Além disso, o Painel Financeiro considerou o seguinte: convém recordar que a finalidade da Cláusula 20.ª do CAE não é alterar a entidade à qual incumbe a responsabilidade de proceder ao pagamento da tarifa perante o organismo competente, mas antes prever os mecanismos contratuais entre as duas entidades privadas de forma a preservar o encargo fiscal para o Produtor no momento da celebração do CAE e, assim, minimizar o impacto de reformas fiscais sobre a Tejo Energia. 292. O Painel Financeiro considerou, portanto, que a verdadeira finalidade da Cláusula 20.ª é estabelecer mecanismos contratuais entre duas entidades privadas para preservar o encargo fiscal do Produtor como era à época da assinatura do CAE. 293. A esse respeito, as Requeridas estavam plenamente cientes dos termos do CAE quando se tornaram partes do mesmo. Embora algumas cláusulas do CAE tenham sido alteradas aquando da sua integração no contrato, a Cláusula 20.ª permaneceu inalterada. As Requeridas, portanto, aderiram à Cláusula 20.ª por vontade própria. 294. O Tribunal indefere, portanto, a objeção das Requeridas e entende que a Cláusula 20.ª é oponível às Requeridas. 295. Em segundo lugar, quanto à necessidade de autorizações prévias da ERSE e da DGEG para a alteração do CAE, a posição da 1.ª Requerida é que esta objeção nunca foi apresentada ao Tribunal Financeiro porque a Requerente apenas solicitou a alteração do CAE através de uma alteração do Encargo de Potência Instalada na presente arbitragem. O argumento segundo o qual todas as alterações ao CAE devem ser precedidas de autorizações da ERSE e da DGEG só pode ter surgido depois de a Requerente ter requerido tal alteração contratual. 296. Embora seja verdade que a Requerente não requereu a alteração do CAE através de uma alteração do Encargo de Potência Instalada perante o Painel Financeiro, a aplicação da Cláusula 20.ª do CAE - incluindo as Cláusulas 20.3 e 20.4 que prevêem alterações ao Encargo de Potência Instalada ou ao Encargo de Energia Produzida - foi discutida perante o Painel Financeiro. As Requeridas poderiam e deveriam ter apresentado o argumento de que as autorizações eram um pré-requisito para a aplicabilidade da Cláusula 20.ª, impedindo a aplicação do procedimento previsto no Anexo 11. A 1.ª Requerida apresentou alegações relativas à aplicação da Cláusula 20.4 perante o Painel Financeiro, mas não apresentou essa alegação específica. O Painel Financeiro decidiu por unanimidade sobre a validade e aplicabilidade da Cláusula 20.ª, não podendo, portanto, a matéria ser reaberta por este Tribunal. 297. A 1.ª Requerida alega que o Tribunal tem poderes conferidos pela Cláusula 15.ª do Anexo 9, Parte I do CAE para apreciar objeções suscitadas pelas Requeridas não tratadas pelo Painel Financeiro. Essa cláusula, no entanto, limita expressamente esse poder à apreciação de decisões não unânimes. As decisões unânimes do Painel Financeiro são finais e vinculativas para as Partes de acordo com o CAE. 298. Em todo o caso, e por uma questão de minúcia, a interpretação das Requeridas do artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 183/95, que alegadamente exige a autorização da ERSE e da DGEG para todas as alterações do CAE, não encontra suporte no texto da disposição, que tem a seguinte redação: Artigo 10.º Alteração do contrato vinculado 1 - Sem prejuízo das cláusulas específicas previstas nos contratos de vinculação, a modificação do contrato de vinculação ocorre por alteração relevante das características do centro electroprodutor em causa. 2 - A alteração relevante das características do centro electroprodutor prevista no número anterior pode ocorrer por iniciativa do titular da respectiva licença de produção vinculada, por iniciativa da entidade concessionária da RNT ou por iniciativa da Entidade de Planeamento. 3 - A alteração relevante das características do centro electroprodutor pode ainda ocorrer por determinação das entidades competentes, resultante de imperativo legal. 4 - Nos casos previstos nos números anteriores, o processo conducente à modificação só pode ser iniciado após parecer favorável da Entidade de Planeamento, no qual esta estabeleça o conjunto de condições mínimas que o contrato de vinculação modificado deve respeitar, nos termos do plano de expansão aprovado. 5 - A modificação do contrato de vinculação deve ser negociada entre a entidade concessionária da RNT e o titular da respectiva licença vinculada. 6 - O contrato de vinculação modificado carece de parecer favorável da Entidade Reguladora para entrar em vigor. 7 - Para o parecer previsto no número anterior, são vinculativas as condições estabelecidas pela Entidade de Planeamento, nos termos previstos no n.º 4. 299. O Tribunal está ciente de que a tradução do artigo 10.º, n.º 1 foi contestada pela Requerente, mas considera que as traduções de ambas as Partes levam à mesma interpretação. O presente artigo trata principalmente das alterações das características dos centros eletroprodutores e não regula todas as alterações aos contratos de aquisição de energia. Concretamente, o artigo 10.º, n.º 1 prevê que a alteração dos contratos de aquisição de energia pode ocorrer caso se verifiquem alterações relevantes nas características dos centros eletroprodutores, sem prejuízo de quaisquer outras cláusulas específicas desses contratos que também regulem a alteração do contrato. Os artigos 10.º, n.º 2, e 10.º, n.º 3, determinam quais as partes que podem tomar a iniciativa de alterar as características das centrais. O artigo 10.º, n.º 4 prevê que, “nos casos previstos nos números anteriores”, ou seja, casos de alterações relevantes das características das centrais, o processo conducente à modificação só pode ser iniciado após parecer favorável da DGEG (Entidade de Planeamento), no qual esta estabeleça o conjunto de condições mínimas a respeitar, nos termos do plano de expansão aprovado. O referido plano de expansão refere-se às alterações das características das centrais. O artigo 10.º, n.º 6, por sua vez, exige o parecer favorável da ERSE (Entidade Reguladora) para a entrada em vigor do contrato alterado. 300. A 1.ª Requerida remete ainda para o ponto 3.4.2.4 do Manual de Procedimentos do Agente Comercial, onde se refere que, “nos termos da legislação em vigor, a DGEG e a ERSE devem pronunciar-se sobre a proposta de alterações”. O Tribunal considera que este Manual, no entanto, é de ajuda limitada para a posição das Requeridas. De facto, mesmo que a interpretação das Requeridas do ponto 3.4.2.4 (ou seja, que se refere a todas as alterações do CAE) fosse aceite, um manual não pode anular as cláusulas do CAE. Em todo o caso, a referência nesse número à “legislação em vigor “ diz respeito ao artigo 10.º do Decreto-Lei n.º 183/95, que, conforme se analisou, abrange apenas alterações relevantes das características dos centros electroprodutores. 301. Essa interpretação é ainda confirmada pelo facto de um número anterior daquele manual (ponto 3.4.2.1) indicar os critérios para novos investimentos, todos relacionados com alterações das características das centrais: os novos investimentos serão objeto de proposta específica a apresentar pelo Produtor ao Agente Comercial e deverão refletir um ou mais dos seguintes critérios: • reabilitação, ampliação, modificação ou reconversão relevantes dos Grupos ou de outras instalações do centro eletroprodutor; • redução ou controlo do impacto ambiental do centro eletroprodutor; • introdução de novas tecnologias; • alteração de combustível ou do sistema de abastecimento. O Agente Comercial também pode solicitar ao Produtor a apresentação de propostas de alterações permanentes das características da energia produzida ou mesmo do próprio centro eletroprodutor, definidas nos parâmetros dinâmicos dos CAE, que afetem a operação técnica ou comercial do centro eletroprodutor. 302. Da mesma forma, enquanto a 2.ª Requerida se refere ao ponto 3.4.4 do mesmo manual, este número refere-se à informação que deve ser produzida nos casos definidos nos números anteriores, ou seja, alterações das características das centrais. 303. A proposta da Requerente não envolve qualquer alteração das características da central. Uma alteração do Encargo de Potência Instalada de forma a colocar o produtor na mesma situação financeira (na medida do possível) daquela em que estaria na ausência de qualquer obrigação de financiamento da tarifa social deixaria inalteradas as características do centro eletroprodutor. 304. Como consequência, a maioria rejeita a objeção das Requeridas à aplicação da Cláusula 20.ª do CAE com base na alegada necessidade de autorizações da ERSE e da DGEG. 305. Em terceiro lugar, a Requerente também procura obter uma declaração de que o reembolso por meio da alteração do Encargo de Potência Instalada será “ajustado pela inflação e incluindo juros permitidos à Taxa de Juro de Referência.” 306. Conforme explicado, a Cláusula 20.4 determina apenas que o Encargo de Potência Instalada deve ser alterado “na medida do necessário para garantir, na medida do possível, que o Produtor esteja na mesma posição financeira sob o presente Contrato que estaria se a Alteração dos Impostos Relevantes não tivesse ocorrido.” As questões relativas aos ajustamentos à inflação e aos juros devidos, caso a Requerente consiga determinar o efeito relevante dos custos relativos à Tarifa Social, são da competência do futuro painel financeiro, que presidirá ao procedimento previsto no ponto 10 do Anexo 11 (ver infra), para determinar. Essas questões serão resolvidas quando este painel decidir sobre a alteração do Encargo de Potência Instalada que deve ser adotada pelas Partes. 307. A maioria do Tribunal declara que, desde que comprovado o efeito relevante da Tarifa Social perante o painel financeiro, a Requerente tem direito à alteração do Encargo de Potência Instalada, nos termos da Cláusula 20.4 e ponto 10, Anexo 11 do CAE, “na medida do necessário para garantir, na medida do possível, que o Produtor esteja na mesma situação financeira ao abrigo do presente Contrato em que estaria se a [Tarifa Social] não tivesse ocorrido”. 5.5. A aplicação do procedimento previsto na Cláusula 20.ª e ponto 10 do Anexo 11 do CAE […] 5.5.2. Apreciação do Tribunal 326. A Requerente pede ao Tribunal que condene as Requeridas no cumprimento do procedimento previsto na Cláusula 20.ª e ponto 10 do Anexo 11 do CAE, e apresenta uma série de pedidos relacionados: (i) um pedido de condenação das Requeridas na apresentação de uma contraproposta para a alteração do Encargo de Potência Instalada no prazo de 15 dias a contar da notificação da decisão do Tribunal (ou seja, a presente Sentença Final); (ii) uma declaração de que, na ausência de tal contraproposta, e desde que comprovado o efeito relevante da Tarifa Social, a alteração do Encargo de Potência Instalada será conforme proposta pela Requerente; e (iii) um pedido de condenação das Requeridas no cumprimento da decisão do futuro painel financeiro quanto à alteração do Encargo de Potência Instalada. 327. As Requeridas opõem-se a esses pedidos porque extravasam a competência do Tribunal, pois cabem ao futuro painel financeiro que presidirá ao procedimento estabelecido na Cláusula 20.ª e ponto 10 do Anexo 11 do CAE. As Requeridas também afirmam que os pedidos da Requerente carecem de base contratual e que os pedidos de condenação e declarações solicitadas não decorrem do procedimento do Anexo 11. 328. Considerando que o Tribunal decidiu que a Requerente tem direito a uma alteração do Encargo de Potência Instalada nos termos da Cláusula 20.4 e ponto 10 do Anexo 11 do CAE (desde que demonstrado o efeito relevante dos custos incorridos com a Tarifa Social), o Tribunal condena as Requeridas no cumprimento de tal procedimento. 329. Os pedidos subsequentes serão analisados de acordo com o procedimento estabelecido no ponto 10, Anexo 11, que tem a seguinte redação: 10. Princípios e Procedimentos para Alterações nas Circunstâncias 10.1 O presente parágrafo é aplicável relativamente à aplicação das disposições referentes a uma Alteração nos Impostos Relevantes, uma Alteração Relevante na Lei que dê lugar a uma Modificação do Produtor, a uma Modificação da EDP (ou Modificação do Produtor em seu lugar e conforme o previsto no parágrafo 4.6), Alteração nos Custos ou Alteração Relevante de Emissões (cada uma considerando-se “Alteração nas Circunstâncias”). 10.2 Se este parágrafo 10 for aplicável, cada Parte deverá (sujeito a quaisquer restrições de confidencialidade vinculativas para essa parte), assim que possível, e sem prejuízo de quaisquer requisitos específicos de notificação deste Contrato, providenciar à outra parte a informação escrita que esta possa razoavelmente solicitar de modo a aferir a natureza das circunstâncias em causa e o seu efeito na primeira parte. 10.3 Se as partes não conseguirem acordar nas alterações exigidas pela Alteração nas Circunstâncias tendo trocado e comentado as respetivas propostas de alteração por escrito (se apropriado), no prazo de 3 meses a contar da data em que qualquer das partes notifique a outra por escrito sobre a necessidade de acordar alterações ao abrigo das disposições relevantes do presente Contrato, qualquer das partes, mediante o envio de notificação à outra, pode requerer que o assunto seja remetido para o Procedimento de Resolução de Litígios para determinação ao abrigo do ponto 10.4. 10.4 Quando um assunto seja remetido para determinação ao abrigo do ponto 10.3, tal determinação será para estabelecer qual das propostas de ambas as partes reflete mais de perto a letra e a intenção deste Contrato tendo em conta este Contrato na presente data e a natureza das circunstâncias em causa e não caberá ao Painel ao abrigo do Procedimento de Resolução de Litígios propor ou selecionar qualquer proposta que não seja uma das propostas submetidas pelas partes. […] 10.6 Não obstante as disposições da Cláusula 26.ª e do Anexo 9, qualquer referência neste Anexo 11 ao Procedimento de Resolução de Litígios será para o Painel Técnico ou para o Painel Financeiro, consoante o caso, cuja decisão (seja por unanimidade ou por maioria) será final e vinculativa para as partes. 330. O pedido formulado pela Requerente de condenação das Requeridas na apresentação de uma contraproposta para a alteração do Encargo de Potência Instalada no prazo de 15 dias a partir da notificação da decisão deste Tribunal, não está, conforme alegado pelas Requeridas, previsto no procedimento estabelecido no CAE. Assim, o Tribunal indefere este pedido. 331. A Requerente requer ainda uma declaração de que, na ausência da apresentação de tal contraproposta pelas Requeridas, e desde que comprovado o efeito relevante da Tarifa Social, a alteração do Encargo de Potência Instalada será conforme proposta pela Requerente. Essa consequência da não apresentação de propostas pelas Requeridas não foi determinada pelo CAE. Considerando que um futuro painel financeiro presidirá a esse procedimento, o Tribunal entende que cabe a esse painel determinar as consequências do eventual incumprimento do procedimento estabelecido no CAE. 332. Quanto ao pedido formulado pela Requerente de condenação das Requeridas no cumprimento da decisão do futuro painel financeiro quanto à alteração do Encargo de Potência Instalada, a competência deste Tribunal é limitada às decisões não unânimes do Painel Financeiro. Como tal, o pedido da Requerente é indeferido por extravasar a competência do Tribunal. Qualquer pedido de condenação relativo ao cumprimento das decisões proferidas pelo futuro painel financeiro será por este deferido. […]” * Cumpre, pois, decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC). III - O DIREITO Assim, as questões a apreciar são as seguintes: 1 - Da omissão de pronúncia 2 - Da falta de conformidade do processo arbitral com a convenção das partes e com a Lei de Arbitragem Voluntária 3 - Da ofensa dos princípios da ordem pública internacional do Estado Português 4 - Do reenvio prejudicial Questão prévia da admissibilidade do recurso: O presente recurso de revista incide sobre o acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa, no âmbito de uma ação intentada pelas Recorrentes, visando a anulação da sentença arbitral final, proferida no âmbito de uma arbitragem iniciada pela Recorrida contra as Recorrentes, a respeito de um litígio relacionado com o CAE de que Recorrentes e Recorrida eram partes. Esse litígio relaciona-se com a obrigação de financiamento da Tarifa Social, imposta à Recorrida pelo diploma legal que regulou essa Tarifa Social. A Recorrida sustentou que a imposição de financiamento da Tarifa Social consiste num “Imposto Relevante” nos termos e para os efeitos do CAE, pelo que peticionou, num primeiro momento, o reembolso dos custos incorridos com aquele financiamento e, depois, a alteração da fórmula da sua remuneração ao abrigo do CAE, de modo a ser compensada pelos referidos custos. A sentença arbitral decidiu o litígio de forma parcialmente favorável à pretensão da ora Recorrida, pelo que as ora Recorrentes vieram deduzir acção de anulação dessa sentença com base em(i) omissão de pronúncia (ii) desconformidade entre o processo arbitral e a convenção das partes e a LAV (iii) violação dos princípios da ordem pública internacional do Estado português. O Tribunal da Relação de Lisboa, apreciando detalhada e exaustivamente todos os fundamentos com base nos quais se pretendia a anulação da decisão arbitral, concluindo pela sua inexistência, julgou a acção improcedente e absolveu a Requerida e ora Recorrida, do pedido. Ora, conforme dispõe o art.º 674.º do Código de Processo Civil (CPC)[25], são fundamentos da revista: “a) Violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de terminação da norma aplicável b) Violação ou errada aplicação da lei de processo c) As nulidades previstas nos artigos 615.º e 666.º” Da análise das conclusões de recurso, observa-se que as Recorrentes insistem na sua alegação dos indicados vícios da sentença arbitral que conduziria, no seu entender, à respectiva anulação. E, concluem, por isso, que o tribunal a quo, ou seja, o Tribunal da Relação apreciou de forma errada os fundamentos de anulação invocados pelas Recorrentes na petição inicial, violando deste modo a lei substantiva aplicável o que fundamenta a presente revista e impõe a anulação do acórdão recorrido”. Certamente se pretendia dizer, “revogação”, pois que não são invocados quaisquer fundamentos de anulação do acórdão da Relação, o que integraria esta revista na previsão da alínea c) do art.º 674.º. Assim, invocando-se a violação por parte da Relação da “lei substantiva aplicável”, de forma algo genérica, diga-se, entende-se que a revista deve ser conhecida ao abrigo da alínea a) do art.º 674.º. Sucede, porém, que as Recorrentes começam por invocar que não foi devidamente apreciado o vício de omissão de pronúncia da decisão arbitral, estando assim subjacente uma “errada aplicação da lei do processo” o que remete a admissibilidade da revista para o âmbito da alínea b) do art.º 674.º. Como é sabido, a actual Lei de Arbitragem Voluntária (LAV)[26], ao contrário da anterior[27], apenas admite, que a impugnação de uma sentença arbitral ocorra por via da acção de anulação, interposta perante o tribunal estadual competente, excepto se as partes tiverem acordado na recorribilidade da sentença arbitral para os tribunais estaduais – cf. art.º 46º, n.º 1 e 39º, n.º 4 da LAV. Cumpre, pois, reapreciar cada um dos invocados vícios da sentença arbitral, conforme conclusões formuladas pelas Recorrentes: 1 - Da omissão de pronúncia (i) Quanto à inconstitucionalidade do financiamento da Tarifa Social A este propósito, as Recorrentes concluem o seguinte: “e) A Sentença Arbitral Final padece de vício de omissão de pronúncia por nela o Tribunal Arbitral não ter apreciado a questão da inconstitucionalidade da norma que cria e impõe à Recorrida a obrigação de financiamento da Tarifa Social, o que determina a anulação da Sentença Arbitral Final ao abrigo do disposto no artigo 46.º, n.º 3, alínea a), subalínea v), da LAV. (f) A Recorrida alegou, perante o Tribunal Arbitral, que a obrigação de financiamento da Tarifa Social é uma forma de tributação no direito português, “definindo-a quer como forma de tributação atípica, quer como imposto ou contribuição”. Com vista a fundamentar a sua tese, juntou três pareceres jurídicos a atestara natureza tributária da obrigação de financiamento da Tarifa Social. (g) Esta alegação da Recorrida surge, precisamente, no âmbito da primeira questão a decidir identificada pelo Tribunal Arbitral, a saber, se a obrigação de financiamento da Tarifa Social corresponde a um “Imposto Relevante” nos termos e para os efeitos do CAE, pelo que tem indiscutível relevância no âmbito da resolução do litígio. (h) Conforme alegado pelas Recorrentes perante o Tribunal Arbitral, se a obrigação de financiamento da Tarifa Social imposta à Recorrida consistir numa forma de tributação ao abrigo do Direito português, então trata-se de medida ilegal na medida em que a norma que a cria e impõe – o artigo 4.º, n.º 1, do DL da Tarifa Social – é inconstitucional, tanto do ponto de vista orgânico – porque não consta de Lei emanada do Parlamento nem de Decreto-Lei autorizado pelo Parlamento – e material – porque o montante do imposto/tributo não é calculado sobre o rendimento real do sujeito passivo (inter alia, a Recorrida) mas antes sobre a capacidade instalada do centro electroprodutor de que o sujeito passivo é titular. (i) Na Sentença Arbitral Final o Tribunal Arbitral omitiu, por completo, qualquer referência nos segmentos decisórios à matéria da inconstitucionalidade expressamente invocada pelas Recorrentes, sendo que os tribunais arbitrais, como órgãos que exercem a função jurisdicional, “devem verificar a conformidade constitucional das normas aplicáveis, e, recusar a aplicação das normas que considerem inconstitucionais”. (j) De acordo com a jurisprudência do Tribunal Constitucional (Acórdão n.º 475/2023), há “interesse processual em apreciar a questão de constitucionalidade suscitada quando o eventual julgamento de inconstitucionalidade for suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, na decisão recorrida, de modo a alterar ou modificar, no todo ou em parte, a solução jurídica que se obteve no caso concreto”. (k) A apreciação da inconstitucionalidade da norma que criou e impôs a obrigação de financiamento da Tarifa Social à Recorrida – artigo 4.º, n.º 1, do DL da Tarifa Social – é essencial à decisão do mérito do litígio submetido ao Tribunal Arbitral. (l) A Recorrida fundamentou as suas pretensões perante o Tribunal Arbitral no disposto na Cláusula 20 do CAE, a qual determina que se a Recorrida ficar obrigada a pagar quaisquer “Impostos Relevantes”, que em 27 de novembro de 1992 não existiam ou não a afetavam, e desde que o efeito de tal alteração seja material (nos termos definidos no CAE), então a fórmula de cálculo da remuneração da Recorrida no CAE (Encargo de Potência Instalada e/ou do Encargo de Energia Produzida) será alterada na medida necessária para garantir, tanto quanto possível, a reposição da posição financeira da Recorrida no CAE. (m) Verificando-se a inconstitucionalidade referida na conclusão (h) supra, conclui-se que a Recorrida não está obrigada a suportar os custos com o financiamento da Tarifa Social, por força do disposto no artigo 103.º, n.º 3, da CRP, que determina que ninguém pode estar obrigado a pagar impostos que não hajam sido criados nos termos da CRP, ficando assim excluída a aplicação da Cláusula20 do CAE. Neste contexto, a Recorrida não teria direito a qualquer alteração da fórmula de cálculo da sua remuneração ao abrigo do CAE, nem as Recorrentes poderiam ser condenadas a cumprir o procedimento atinente a tal alteração, contrariamente ao que foi decidido no Parágrafo 369, alíneas b) e c) da Sentença Arbitral Final. (n) A apreciação da questão de inconstitucionalidade do artigo 4.º, n.º 1, do DL da Tarifa Social e da decorrente ilegalidade da obrigação de financiamento da Tarifa Social imposta à Recorrida não se encontra prejudicada por qualquer outra decisão do Tribunal Arbitral, designadamente pelo facto de o Tribunal Arbitral entender que o conceito de “Impostos Relevantes” no CAE é muito abrangente. (o) A apreciação que o Tribunal a quo fez da omissão de pronúncia do Tribunal Arbitral sobre a questão da inconstitucionalidade invocada pelas Recorrentes é ilegal, evidenciando uma grave violação da lei substantiva, assim como sérios erros na aplicação da lei processual. (p) Contrariamente ao entendimento do Tribunal a quo, o facto de o Tribunal Arbitral ter afastado a premissa sustentada pelas Recorrentes no sentido de que a definição de “Imposto Relevante” que consta da Cláusula 1.1 do CAE se refere a formas de tributação nos termos da legislação portuguesa, tendo antes concluído ser “mais abrangente”, não impede nem implica que fique prejudicada a apreciação da questão de inconstitucionalidade suscita pelas Recorrentes. (q) É precisamente por o Tribunal Arbitral ter entendido que o conceito de “Impostos Relevantes” no CAE é muito abrangente, podendo, portanto, abarcar impostos e outras formas de tributação, que se impunha ao Tribunal Arbitral (i) determinar a natureza da obrigação de financiamento da Tarifa Social imposta à Recorrida pelo Artigo 4.º do DL da Tarifa Social para assim (ii) apreciar a sua conformidade constitucional. Nada disto foi feito na Sentença Arbitral Final, verificando-se uma situação de omissão de pronúncia na Sentença Arbitral Final sobre a inconstitucionalidade suscitada pelas Recorrentes, sendo tal questão suscetível de se poder projetar ou repercutir, de forma útil e eficaz, nas decisões proferidas na Sentença Arbitral Final.” Importa analisar o que a este propósito decidiu o acórdão recorrido, a fim de aferir se efectivamente incorre o mesmo na alegada violação da lei substantiva ou processual. A este respeito, o Tribunal da Relação começou por fazer um enquadramento jurídico baseado quer na lei quer na doutrina e na jurisprudência, de modo a contextualizar a questão atinente à omissão de pronúncia, tendo em conta as especificidades da arbitragem, referindo: “No contexto da arbitragem, o tribunal, para além de limitado pela convenção de arbitragem, está delimitado na sua intervenção por aquilo que lhe seja pedido, ou seja, funciona também aqui o princípio do dispositivo, princípio basilar do direito processual civil, que foi assimilado pelo direito da arbitragem. Conforme estatui o art.º 46º, n.º 3, a), v) da LAV, a sentença arbitral pode ser anulada se “o tribunal arbitral […] conheceu de questões de que não podia tomar conhecimento ou deixou de pronunciar-se sobre questões que devia apreciar”. O tribunal arbitral não pode condenar em algo diverso ou superior ao pedido (ultra petitum) ou conhecer de questões de que não podia conhecer, tal como não pode abster-se de considerar questões que lhe cabia resolver (omissão de pronúncia). Com efeito, “o Tribunal arbitral está vinculado ao princípio do dispositivo. Isto é, deve conhecer apenas dos pedidos que lhe foram formulados e dentro dos limites respectivos, quer quanto à quantidade, quer quanto ao seu objeto” – cf. acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-05-2020, processo n.º 1079/16.9YRLSB.S2.S1[28]. Do que se trata é do respeito pela conformação da instância pelas partes (disponibilidade do objecto e das partes), sendo que o que se sanciona na norma referida é o facto de a sentença proferida pelos árbitros ser desconforme com o objecto tal como as partes o definiram, através dos respectivos pedidos e causa de pedir. Na análise da verificação deste vício importará ter presente, pela sua similitude, tudo quanto se refere a tal vício reportado às decisões judiciais, sendo que as considerações doutrinárias jurisprudenciais a propósito do regime do art.º 615º do CPC colhem aqui aplicação – cf. neste sentido, Paula Costa e Silva, Os meios de impugnação de decisões proferidas em arbitragem voluntária no direito interno português, pp. 184-185[29]. As decisões judiciais podem estar feridas na sua eficácia ou validade por duas ordens de razões: por erro de julgamento dos factos e do direito; por violação das regras próprias da sua elaboração e estruturação ou das que delimitam o respectivo conteúdo e limites, que determinam a sua nulidade, nos termos do art. 615.º do CPC. Para a correcta interpretação deste preceito importa distinguir entre nulidades de processo e nulidades de julgamento, sendo que apenas a estas últimas se aplica o normativo em referência. É usual verificar-se alguma confusão entre nulidade da decisão e discordância quanto ao resultado, entre a falta de fundamentação e uma fundamentação insuficiente ou divergente da pretendida ou até entre a omissão de pronúncia (quanto a alguma questão ou pretensão) e a falta de resposta a algum argumento de entre os que são convocados pelas partes – cf. António Abrantes Geraldes, Paulo Pimenta e Luís Filipe Pires de Sousa, Código de Processo Civil Anotado, Vol. I – Parte Geral e Processo de Declaração, 2018, pág. 737. Quanto à omissão de pronúncia sobre questões colocadas ou sobre pretensão deduzida, tem-se entendido que o dever de decidir tem por referência as questões suscitadas e bem assim as de conhecimento oficioso, mas tal não exige que se apreciem todos os argumentos (que são coisa diversa de “questões”). O juiz deve conhecer de todos os pedidos deduzidos, todas as causas de pedir e excepções invocadas e todas as excepções de que oficiosamente lhe cabe conhecer, nos termos do art.º 608º, n.º 2 do CPC, o que não significa considerar todos os argumentos que, segundo as várias soluções plausíveis de direito para a solução do litígio, tenham sido deduzidos pelas partes ou possam ter sido inicialmente admitidos pelo juiz – cf. José Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, op. cit., pp. 713 e 737. (…) A doutrina e a jurisprudência têm assim entendido que a omissão ou excesso de pronúncia enquanto causas de nulidade da sentença têm por objecto questões a decidir na sentença, e não propriamente factos ou argumentos jurídicos, conforme acima já se deixou explanado.” Feitas estas observações que pela sua indiscutível pertinência aqui transcrevemos, quase na íntegra, passou o Tribunal da Relação a apreciar, em concreto, o ponto atinente à “Inconstitucionalidade do financiamento da Tarifa Social se considerado uma “forma de tributação”, discorrendo assim: “ As demandantes sustentam que o tribunal arbitral omitiu pronúncia sobre a questão da inconstitucionalidade que suscitaram quanto ao financiamento da tarifa social, se considerado uma “forma de tributação”, alegando que as pretensões da ré, seja de reembolso de custos, seja de alteração do CAE quanto ao cálculo do encargo de potência, se baseiam na Cláusula 20. do CAE, que prevê a sujeição daquela ao pagamento de um “Imposto Relevante” que não existisse à data da celebração do contrato, sendo que as partes divergem quanto à definição de “Imposto Relevante”, dizendo a ré que seria qualquer forma de tributação à luz do direito português e defendendo as autoras que tal conceito tem de ser interpretado por referência às categorias de tributos previstas na lei portuguesa e que a obrigação de financiamento da Tarifa Social constitui uma obrigação de serviço público, pelo que não pode ser considerada uma forma de tributação e, como tal, não se enquadra no conceito de “Imposto Relevante”. Mais alegaram as autoras que, caso a obrigação de financiamento da Tarifa Social fosse considerada, dentre essas categorias de tributos, como um imposto, conforme defendido pela ré, seria inconstitucional, tanto do ponto de vista orgânico, como do ponto de vista material, porque nos termos da CRP a criação de impostos é, por um lado, matéria da competência reservada da Assembleia da República, tendo a Tarifa Social (e a obrigação do seu financiamento) sido estabelecida por acto do Governo sem autorização legislativa por parte da Assembleia da República e, por outro lado, a tributação das empresas deve incidir sobre o seu rendimento real, mas no caso da Tarifa Social, esta é calculada sobre a potência instalada dos centros electroprodutores em regime ordinário. Concluíram as autoras que, a entender-se que a obrigação de financiamento dos custos da Tarifa Social constitui um tributo, nomeadamente reconduzível à figura do imposto, este seria, no caso concreto, inconstitucional, pelo que a ré não estaria obrigada a cumpri-la, conforme dispõe o artigo 103.º da CRP, tendo a possibilidade de exercer um fundado direito de resistência contra comando inconstitucional; não estando a ré obrigada, em virtude da inconstitucionalidade do (pretenso) imposto, a pagá-lo, não estaria verificado um dos requisitos essenciais de aplicabilidade do mecanismo de alteração do CAE previsto na Cláusula 20.4, razão pela qual o Tribunal Arbitral não poderia condenar as autoras no seu cumprimento. Mais alegam que, na sua decisão, o Tribunal Arbitral reconheceu estar-se perante uma forma de tributação, mas optou por não efectuar a necessária qualificação da obrigação de financiamento da Tarifa Social, designadamente se é ou não um tributo (em particular um imposto), considerando que o facto de a Tarifa Social, em si, constituir uma obrigação de serviço público não impede que o mecanismo do seu financiamento seja um “Imposto Relevante”, não estando esta definição dependente da definição de tributo ou imposto constante da lei portuguesa, sendo abrangente o suficiente de modo a incluir imposições feitas à ré, independentemente de serem ou não um imposto ou tributo nos termos da lei portuguesa, pelo que o financiamento da Tarifa Social está abrangido pelo “Imposto Relevante” para efeitos do CAE. O tribunal arbitral absteve-se, sustentam, de determinar a natureza da obrigação de financiamento da Tarifa Social e de retirar as consequências dessa qualificação, o que, ao contrário do defendido, não é irrelevante para a discussão, pois um dos efeitos da declaração de inconstitucionalidade da obrigação de financiamento da Tarifa Social é que esta deixaria de vincular a ré, pelo que a apreciação e decisão sobre a sua inconstitucionalidade não se encontra prejudicada por qualquer outra decisão do Tribunal Arbitral e é essencial à decisão do mérito do litígio submetido ao Tribunal Arbitral, de modo que a omissão dessa apreciação constitui fundamento para anulação da sentença arbitral. A ré pugna pela não verificação da omissão apontada referindo que o Tribunal Arbitral identificou as questões a decidir, com observância dos pedidos deduzidos pelas partes e resolveu todas as questões identificadas, como decorre dos §§ 369 e 370 da sentença arbitral; a questão da inconstitucionalidade do mecanismo de financiamento não é uma “questão” fáctico-jurídica estruturante da posição das partes, mas apenas um argumento que as autoras aduziram para tentar sustentar o indeferimento de um dos pedidos da ré, sendo que o tribunal apreciou as posições das partes e interpretou o CAE, concluindo que, sendo a Tarifa Social uma obrigação de serviço público, separável do Mecanismo de Financiamento, nada impede a qualificação contratual deste como um Relevant Tax, o que dispensa a qualificação prévia tributária e legal da imposição, discussão que resultou prejudicada e, por consequência, ficou igualmente prejudicada a apreciação da conformidade constitucional do referido Mecanismo. Decidindo (…) No § 128 da sentença arbitral o tribunal consignou o seguinte: “Resulta dos pedidos formulados pelas Partes que as questões a decidir na presente Sentença Final são: • Se a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE; (Secção 5.3); • Sendo a Tarifa Social considerada Imposto Relevante, se a Requerente tem direito ao seu reembolso através da alteração do Encargo de Potência Instalada (desde que comprovado o efeito relevante da Tarifa Social perante o futuro painel financeiro) (Secção 5.4) .Se as Requeridas devem ser condenadas no (i) cumprimento do procedimento previsto na Cláusula 20.ª e ponto 10 do Anexo 11 do CAE, e (ii) na apresentação de uma contraproposta à alteração do Encargo de Potência Instalada no prazo de 15 dias após a notificação da decisão do Tribunal; e, caso não o façam, se a alteração do Encargo de Potência Instalada deve ser conforme proposto pela Requerente (Secção 5.5); e • Dos encargos da arbitragem (Secção 5.6).” Tal como a leitura da decisão arbitral permite aferir e disso deu conta o tribunal arbitral no respectivo § 129, o Tribunal ponderou todos os argumentos apresentados pelas partes, que, designadamente, sumariou, mas para justificar as suas conclusões incidiu a sua análise sobre os argumentos em que fundou o seu raciocínio ou sobre aqueles que exigiam uma resposta para validar tal raciocínio. A primeira questão a solucionar identificada pelo tribunal arbitral – saber se a Tarifa Social é um Imposto Relevante nos termos do CAE – foi por ele apreciada nos §§ 197 a 222 da sentença, em que concluiu constituir aquela «um imposto relevante para os efeitos do CAE». Decorre do atrás expendido e do próprio conteúdo da decisão arbitral e identificação das questões a apreciar efectuada em consonância com as pretensões formuladas pelas partes, que a questão primacial a decidir era a de saber se a tarifa social introduzida pelo DL Tarifa Social deve ser tida como “Imposto Relevante” para efeitos do CAE, para o que o tribunal arbitral analisou o texto das cláusulas deste contrato. Com efeito, a arbitragem foi iniciada ao abrigo da convenção de arbitragem contida no CAE (…) do qual as autoras e a ré eram partes à data do surgimento do litígio. O litígio que opôs as partes relacionava-se com a denominada tarifa social de fornecimento de energia eléctrica - “Tarifa Social” -, criada pelo DL da Tarifa Social, a qual consiste num desconto a ser aplicado na factura de electricidade dos clientes finais economicamente vulneráveis, cujo financiamento o aludido diploma atribuiu aos centros electroprodutores, entre os quais se inclui a Tejo Energia, que, por via da apontada Cláusula 20., pretendia obter a alteração do CAE quanto ao cálculo do encargo de potência instalada. Em sede de análise das questões identificadas como integrando o dissídio das partes, o Tribunal arbitral apreciou se a Tarifa Social devia ser considerada um imposto relevante nos termos do CAE, tendo escrutinado a definição que consta do contrato e exposto nos mencionados §§ 197 a 222 as razões pelas quais reconheceu a respectiva amplitude, abarcando todas as formas de tributação, ou melhor, “todas as imposições governamentais”, para além de ter notado que as partes aceitam que a tarifa social é uma obrigação de serviço público que contém ou está associada a um mecanismo de financiamento correspondente, discordando, porém, quanto à natureza deste mecanismo, mas concluindo que, atenta a extensão do conceito «imposto relevante», que integra qualquer imposição cobrada às partes, se tornava pouco relevante apreciar se a tarifa social constitui uma forma de tributação atípica no direito português ou se enquadra num dos conceitos tipológicos mencionados na CRP. Para o efeito, o tribunal arbitral não deixou de ponderar os argumentos das partes atinentes ao conteúdo dos pareceres jurídicos do Conselho Consultivo da PGR e da ERSE e, bem assim, dos pareceres jurídicos apresentados pelas requeridas, dando nota ainda que a decisão proferida num outro processo arbitral não o vinculava, concluindo nos termos supra referidos. O Tribunal prosseguiu a sua análise e apreciou as demais questões identificadas como questões a decidir, ou seja, se a Tejo Energia tem direito ao reembolso através da alteração do Encargo de Potência Instalada (desde que comprovado o efeito relevante da Tarifa Social perante o futuro painel financeiro), o que fez nos §§ 267 a 307, concluindo a maioria do tribunal que, desde que comprovado o efeito relevante da tarifa social perante o painel financeiro, “a Tejo Energia tem direito à alteração do encargo de potência instalada, nos termos da cláusula 20.4 e ponto 10 do Anexo 11 do CAE, na medida do necessário para garantir, na medida do possível, que o produtor esteja na mesma situação financeira ao abrigo do contrato em que estaria se o encargo com a tarifa social não tivesse ocorrido”. E o tribunal arbitral apreciou também a terceira questão identificada, isto é, se as REN Eléctrica e REN Trading devem ser condenadas no cumprimento do procedimento previsto na Cláusula 20. e ponto 10 do Anexo 11 do CAE e na apresentação de uma contraproposta à alteração do Encargo de Potência Instalada no prazo de 15 dias após a notificação da decisão do Tribunal e, caso não o façam, se a alteração do Encargo de Potência Instalada deve ser conforme proposto pela Tejo Energia, apreciação a que procedeu nos §§ 326 a 332, condenando as requeridas no cumprimento desse procedimento, mas indeferindo o pedido de condenação destas na apresentação de uma contraproposta e na alteração do encargo conforme proposto pela Tejo Energia, por entender que essa apreciação caberá ao futuro painel financeiro que presida a esse procedimento. Foram, assim, apreciadas as questões identificadas e sobre elas o Tribunal arbitral emitiu uma pronúncia. Seguro é que, tal como decorre das alegações finais da REN Eléctrica e da REN Trading (cf. pontos 37. e 38.), estas sustentaram que os custos incorridos com o financiamento da Tarifa Social apenas poderiam ser considerados «imposto relevante» para efeitos do CAE se constituíssem uma forma de tributação, nos termos da legislação portuguesa. Porém, o tribunal arbitral afastou essa interpretação e considerou que a definição de «imposto relevante» era mais abrangente, nela integrando qualquer forma de imposição governamental, concluindo que era suficientemente ampla para nela se integrarem os custos em referência. Perante essa solução, o tribunal arbitral desconsiderou o argumento subsidiário suscitado pelas demandantes/requeridas, ou seja, que, caso se considerasse que os custos pudessem ser qualificados como um imposto, a cláusula 20. do CAE não poderia ser aplicada porque o imposto seria inconstitucional, quer do ponto de vista orgânico, quer do ponto de vista material, conduzindo a que a Tejo Energia não fosse obrigada a pagar tal imposto, nos termos do art.º 103º, n.º 3 da CRP, pelo que teria de ter reagido nos meios jurisdicionais próprios, não podendo agora repercutir os custos nas autoras, assim como o tribunal arbitral não poderia aplicar uma norma inconstitucional. No que diz respeito a este último argumento, importa afastá-lo, porquanto, tal como decorre do supra expendido, o tribunal arbitral não aplicou na sua decisão qualquer norma do DL Tarifa Social, designadamente, o vertido no seu art.º 4º, porquanto se limitou a apreciar se os custos que daí decorrem para a Tejo Energia, enquanto produtor de energia, podiam, à luz do estipulado no CAE, autorizar o pedido de alteração do encargo de potência instalada. Com efeito, independentemente da natureza da obrigação de pagar um determinado valor para cobrir o custo da tarifa social – que consiste numa redução regulamentada da factura de consumo de electricidade que as empresas de comercialização são obrigadas a aplicar a determinados consumidores qualificados como “vulneráveis”[30] [31] – e ainda que se tenha presente que, de acordo com a jurisprudência do TJUE, tal como emerge da decisão que incidiu sobre a apreciação do pedido de decisão prejudicial apresentado Supremo Tribunal de Espanha[32], a obrigação que recai sobre as empresas de comercialização, de fornecer electricidade a tarifa reduzida a determinados vulneráveis, corresponde a uma obrigação de serviço público[33], na acepção do artigo 3º, n.º 2, da Directiva 2009/72, sendo composta por dois elementos que estão indissociavelmente ligados - a saber, por um lado, a redução do preço da energia eléctrica fornecida a determinados consumidores vulneráveis e, por outro, a contribuição financeira destinada a cobrir o custo dessa redução de preço -, na verdade, aquilo que o tribunal arbitral apreciou foi a pretensão da Tejo Energia de, cumprida a obrigação que para si resulta da aplicação do DL Tarifa Social, obter, à luz do CAE, a alteração do encargo de potência instalada, ou seja, a verificação dos pressupostos, tal como foram contratualmente fixados pelas partes, para aquela alcançar ou ter o direito a obter essa visada alteração. Para esse efeito, o tribunal arbitral não tinha que aplicar, nem aplicou, uma norma potencialmente inconstitucional, tal como a configuram as requeridas, tendo antes avaliado a situação fáctica decorrente da aplicação do DL Tarifa Social e a sua repercussão na relação contratual estabelecida entre as partes e aplicabilidade da estipulação contratual convocada pela Tejo Energia para fundamentar a sua pretensão. (…) Assim, não estava em causa a aplicação pelo tribunal arbitral de uma qualquer norma do DL Tarifa Social que fosse potencialmente inconstitucional, mas sim avaliar uma estipulação contratual que se reportava à situação fáctica decorrente da aplicação desse diploma. Acresce que o regime de financiamento desta medida de intervenção sobre os preços - a tarifa social -, constituindo um elemento que lhe está indissociavelmente ligado, não se confunde, porém, com tal medida, podendo os dois elementos ser considerados separadamente, pelo que a questão da eventual inconstitucionalidade da medida não se impunha como questão subjacente à aplicação da cláusula contratual em litígio, tanto mais que o Tribunal arbitral concluiu que o mecanismo de financiamento da tarifa social podia ser considerado um imposto relevante para efeitos da Cláusula 1.1. do CAE, para o que era irrelevante determinar se a tarifa social é uma forma de tributação atípica no direito português ou se se enquadra num dos conceitos tipológicos referidos na CRP, pelo que, face à solução alcançada, sempre a questão da inconstitucionalidade da tarifa social se teria de ter por prejudicada, nos termos do art.º 608º, n.º 2 do CPC. Não ocorre, assim, a apontada omissão de pronúncia por não conhecimento da invocada inconstitucionalidade do financiamento da tarifa social.” A clareza do raciocínio expresso na decisão do Tribunal recorrido, que supra se transcreve quase na íntegra, dispensa maiores desenvolvimentos ou diversos argumentos, impondo-se apenas subscrever essa argumentação. Ainda assim, ad nauseam, sempre se reafirmará, remetendo para o teor da decisão arbitral, ao longo dos parágrafos 191-222, que esta identifica como o cerne do litígio entre as partes, a questão de saber se a tarifa social constitui um “imposto relevante”, nos termos e para os efeitos do CAE. Assinala, precisamente, que “as Requeridas afirmam que se a Tarifa Social fosse qualificada como imposto, seria um imposto inconstitucional, pois foi instituída por diploma do Governo (Decreto-Lei) e não por lei da Assembleia da República (conforme exigido pela Constituição)”. Porém, chegando à conclusão que a referida tarifa social deve ser considerada na categoria de “imposto relevante” nos termos do CAE, a verdade é que as Partes definiram o termo “Impostos Relevantes” de forma ampla, de modo a abranger todas as formas de imposições do Estado como é o caso da tarifa social. Não quer dizer que esta seja um “imposto” no sentido em que este é definido pela Lei Portuguesa. Em consonância com tal entendimento por parte do Tribunal arbitral, ficou prejudicada a apreciação da invocada inconstitucionalidade. Terminam as Recorrentes concluindo que “se impunha ao Tribunal Arbitral determinar a natureza da obrigação de financiamento da Tarifa Social imposta à recorrida pelo art.º 4.º do DL da tarifa social para assim apreciar a sua conformidade constitucional”. Afigura-se não ser assim. O que estava em causa no litígio entre as partes era a interpretação de uma cláusula contratual de forma a abranger ou não a referida “obrigação de financiamento. E foi o que o Tribunal Arbitral fez. Improcedem, “in totum” as conclusões de recurso a este propósito. (ii)Quanto à cláusula 20.ª do Contrato de Aquisição de Energia (CAE) como “cláusula de estabilidade” Referem-se os Recorrentes a este vício de omissão de pronúncia nas suas conclusões r) a y) supra transcritas. No seu entender, a sentença arbitral não apreciou a questão suscitada pela Recorrente REN Eléctrica de que a Cláusula 20.ª do CAE é uma “cláusula de estabilidade” (ou de intangibilidade) típica, própria de contratos com intervenção do Estado, a qual não pode ser oposta às Recorrentes, o que determinaria a anulação da sentença arbitral. A este propósito, pode ler-se nos §§ 289 a 294 da sentença arbitral o seguinte: “289. As Requeridas opõem-se à aplicação da Cláusula 20.ª do CAE com base no facto de que (i) a Cláusula 20.ª é uma cláusula de estabilidade que não é oponível a entidades privadas como as Requeridas; e (ii) não pode haver alteração do CAE sem autorização prévia da ERSE e da DGEG. Quanto à terceira objeção baseada no facto de que a Cláusula 20.ª não permite o reembolso dos custos relativos à Tarifa Social, o Tribunal já esclareceu acima que, embora o reembolso da “repassagem de custos” referido na cláusula 20.3 não seja aplicável à Tarifa Social, a Requerente poderá ser reembolsada através de alteração do Encargo de Potência Instalada nos termos da Cláusula 20.4. 290. Em primeiro lugar, quanto à possibilidade de a Cláusula 20.ª ser lida como uma cláusula de estabilidade, o Tribunal considera que a questão da aplicabilidade da Cláusula 20.ª ao presente litígio já foi decidida por unanimidade pelo Painel Financeiro, que decidiu que “a Cláusula 20.ª do CAE será considerada válida e aplicável”. As duas objecções apresentadas pelas Requeridas já foram apresentadas ao Painel Financeiro, ou deveriam ter sido discutidas perante o Painel e não foram. Este Tribunal não está autorizado a reabrir assuntos que foram decididos por unanimidade pelo Painel Financeiro. A maioria deste Tribunal já considerou que esta decisão é unânime e, como tal, final e vinculativa. 291. Embora a 1.ª Requerida declare que a objeção relativa à aplicabilidade de uma cláusula de estabilidade não foi considerada na Decisão do Painel Financeiro, o Tribunal considera que o Painel Financeiro descreveu a objeção da 1.ª Requerida e os argumentos correspondentes em detalhe e, no entanto, decidiu que a Cláusula 20.ª era plenamente aplicável. A objeção da 1.ª Requerida foi, portanto, rejeitada. Além disso, o Painel Financeiro considerou o seguinte: “convém recordar que a finalidade da Cláusula 20.ª do CAE não é alterar a entidade à qual incumbe a responsabilidade de proceder ao pagamento da tarifa perante o organismo competente, mas antes prever os mecanismos contratuais entre as duas entidades privadas de forma a preservar o encargo fiscal para o Produtor no momento da celebração do CAE e, assim, minimizar o impacto de reformas fiscais sobre a Tejo Energia. 292. O Painel Financeiro considerou, portanto, que a verdadeira finalidade da Cláusula 20.ª é estabelecer mecanismos contratuais entre duas entidades privadas para preservar o encargo fiscal do Produtor como era à época da assinatura do CAE. 293. A esse respeito, as Requeridas estavam plenamente cientes dos termos do CAE quando se tornaram partes do mesmo. Embora algumas cláusulas do CAE tenham sido alteradas aquando da sua integração no contrato, a Cláusula 20.ª permaneceu inalterada. As Requeridas, portanto, aderiram à Cláusula 20.ª por vontade própria. 294. O Tribunal indefere, portanto, a objeção das Requeridas e entende que a Cláusula 20.ª é oponível às Requeridas.” Da leitura da sentença arbitral, é patente que o Tribunal Arbitral ponderou sobre a questão que lhe foi colocada, analisando-a e concluindo pelo seu indeferimento, considerando que a cláusula 20.º é oponível às Requeridas, aqui Recorrentes. Como bem afirma o Tribunal da Relação “as partes podem discordar do entendimento do tribunal arbitral quanto à abordagem da questão da natureza da Cláusula 20. do CAE como cláusula de estabilidade e do seu efectivo conhecimento ou não pelo Painel Financeiro, mas isso não significa que tenha existido uma omissão de pronúncia. Por outro lado, também não colhe o argumento de que, a existir um vício de falta de fundamentação quanto a essa matéria por parte do Painel Financeiro, estava o tribunal arbitral obrigado a conhecer a sua conformidade com a lei e a ordem pública, pois que os padrões de fundamentação de decisões arbitrais e, por maioria de razão, de decisões proferidas por técnicos a quem as partes não conferiram a qualidade de árbitros (como sucede no caso quanto aos elementos do Painel Financeiro), não são idênticos àqueles a que estão sujeitos os juízes, não estando os árbitros obrigados a seguir ou a responder a todos os argumentos das partes, “sendo suficiente a existência de uma relação lógica entre os fundamentos e a decisão”. Não se vislumbra, pois, qualquer reparo a fazer à decisão do Tribunal da Relação quanto a esta matéria, pelo que, na improcedência das conclusões de recurso, se mantém a mesma. 2 - Desconformidade do processo arbitral com a convenção das partes e com a LAV[34] As Recorrentes invocam ainda como fundamento da anulação da sentença arbitral, a desconformidade entre o processo arbitral e a convenção das partes, nomeadamente por o Tribunal Arbitral não ter aplicado o Direito português por estas escolhido, o que determina a anulação da sentença ao abrigo do disposto no art.º 46.º n.º 3 a) subalínea iv) da LAV. Concluem, assim que, na apreciação da primeira grande questão a ser apreciada no âmbito da arbitragem- saber se o financiamento da Tarifa Social pela Recorrida é um “Imposto Relevante” nos termos e para os efeitos do CAE – o Tribunal Arbitral deveria interpretar as disposições do CAE de acordo com as regras prescritas no Código Civil português, nomeadamente as relativas à interpretação de declarações negociais – artigo 236.º e seguintes –, as quais não foram aplicadas ou sequer tidas em consideração pelo Tribunal Arbitral. Do mesmo modo, na apreciação pelo Tribunal Arbitral sobre se os custos com o financiamento da Tarifa Social se enquadrariam na definição de “Imposto Relevante” do CAE, aquele limitou-se a aludir à letra do CAE e a considerações do Painel Financeiro, furtando-se à obrigação de aplicar as regras de interpretação das declarações negociais à luz da lei portuguesa. Sendo certo, concluem também, que tais questões têm uma influência decisiva na resolução do litígio. Quid juris? Mais uma vez, é imperativo não perder de vista que o objecto deste recurso não é a reapreciação da sentença arbitral, mas sim avaliar uma eventual violação da lei substantiva ou processual revelada no acórdão proferido pela Relação. Na verdade, “os poderes de conhecimento e decisão do Tribunal Estadual, na ação de impugnação da sentença arbitral, restringem-se, repete-se, aos fundamentos elencados no art.º 46.º/3 da LAV, nada mais lhe sendo permitido conhecer/decidir a propósito da sentença arbitral, nomeadamente reexaminar todo o processo, corrigir os erros e preencher as omissões de facto ou de direito de que a sentença arbitral padeça e passar a proferir uma sentença de mérito sã sobre a causa (…) . Aliás, continuando a dizer a mesma coisa por diferente modo, não será despiciendo chamar a atenção para o (…) art.º 46.º/9 da LAV, em que se diz expressamente que “o tribunal estadual que anule a sentença arbitral não pode conhecer do mérito da questão ou questões por aquela decidas, devendo tais questões, se alguma das partes o pretender, ser submetida a outro tribunal arbitral para serem por este decididas”, isto é, que situa a impugnação da sentença arbitral no campo da mera revisão e não no domínio do reexame da causa/pedido, o que faz com que seja a própria sentença estadual anulatória, caso se pronuncie sobre o mérito da sentença arbitral, a incorrer em nulidade (por se pronunciar sobre questão de que não pode conhecer – art.º 615.º/1/d)/2.ª parte do CPC).”[35] E daí que, previamente, seja útil destacar aquilo que a propósito desta questão foi referido pela Relação, para a fim de, seguidamente, melhor proceder a essa aferição. E diz o acórdão recorrido, destacando-se, nomeadamente: “ Nos termos do art.º 236º, n.º 2 do Código Civil a declaração negocial valerá de acordo com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário; assim não sucedendo, a declaração valerá com o sentido que possa ser deduzido por um declaratário normal, colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele – cf. art. 236º, n.º 1 do Código Civil. Nos negócios formais, a declaração não pode valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto – cf. art. 238º, n.º 1 do Código Civil. Porém, esse sentido pode, todavia, valer, se corresponder à vontade real das partes e as razões determinantes da forma do negócio se não opuserem a essa validade – cf. art. 238º, n.º 2. (…) Deste modo e em face dos normativos acima referidos, o sentido das declarações negociais das partes será aquele que possa ser deduzido por um declaratário normal colocado na posição do declaratário real, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele, sem prejuízo de, conhecendo o declaratário a vontade real do declarante, ser de acordo com ela que vale a declaração emitida (trata-se da teoria da impressão do destinatário). Para esse efeito atender-se-á “ao real declaratário nas condições concretas em que se encontra e tomam-se em conta os elementos que ele conheceu efectivamente mais os que uma pessoa razoável, quer dizer, normalmente esclarecida, zelosa e sagaz, teria conhecido e figura-se que ele raciocinou sobre essas circunstâncias como o teria feito um declaratário razoável” – cf. Carlos Mota Pinto, op. cit., pág. 447. No caso dos negócios formais a declaração valerá desde que tenha um mínimo de correspondência no texto do documento, ainda que imperfeitamente expresso, salvo se sentido diverso corresponder à vontade real das partes. Para efeitos de interpretação e fixação do sentido da declaração haverá que atender à letra do negócio, às circunstâncias de tempo, lugar e outras que precederam a sua celebração ou dela são contemporâneas, às negociações prévias, à finalidade prática visada pelas partes, ao próprio tipo negocial, à lei e aos usos e costumes por ela recebidos e ainda às precedentes relações negociais entre as partes.(…) De relevar que a interpretação não pode, também, deixar de atender à boa-fé e, neste contexto, existe a necessidade de “atender à globalidade do contrato, à totalidade do comportamento das partes – anterior ou posterior ao contrato -, à particularização das expressões verbais, ao princípio da conservação dos actos – o favor negotii – e, à primazia do fim do contrato. O declaratário normal, figura normativamente fixada, atenderá a todos estes vectores.” – cf. António Menezes Cordeiro, Tratado de Direito Civil Português, I Parte Geral, Tomo I, 2ª edição, 2000, pág. 553. Tendo presentes estas regras da interpretação dos negócios não se pode deixar de divergir da argumentação aduzida pelas autoras para sustentar que o Tribunal arbitral não as aplicou naquela que foi a interpretação por si efectuada quanto aos termos do CAE e, em concreto, quanto ao alcance da definição de “Impostos Relevantes” para efeitos de aplicação da respectiva Cláusula 20ª. Com efeito, se se atentar nos §§ 206 a 215 da decisão arbitral, reproduzidos no ponto 41. dos factos supra enunciados, verifica-se que o tribunal se dedicou, precisamente, a tentar fixar o sentido das cláusulas do contrato que relevavam para efeitos de apreciação da questão que importava decidir.[36] Para isso, atentou no respectivo texto, partindo da linguagem utilizada pelas partes, efectuando o enquadramento do negócio por avaliação do seu conjunto e dos termos literais nele utilizados, para chegar à conclusão que chegou, fixando o alcance da definição de “Impostos Relevantes”, que conduziu à inclusão nesse conceito dos custos reportados ao financiamento da tarifa social. A circunstância de o tribunal não ter feito expressa alusão à aplicação dos normativos dos art.ºs 236º a 238º do Código Civil é despicienda face ao percurso efectuado, sendo evidente que foram os critérios interpretativos tal como fixados na lei portuguesa que foram seguidos e observados na decisão impugnada.[37](…)” E assim conclui a Relação pela improcedência do pedido de anulação da sentença arbitral, também quanto a este fundamento em concreto. E, com efeito, não vislumbramos sombra de qualquer violação de lei por parte do acórdão da Relação que analisa a questão de forma que se nos afigura insusceptível de crítica ou reparo, apoiada na realidade evidenciada no processo, maxime nos termos da sentença arbitral. Aderimos igualmente à percepção, que foi igualmente a da Relação, no sentido de que verdadeiramente, a posição sustentada pelas ora Recorrentes “nada tem a ver com uma eventual não aplicação do direito português na resolução do litígio submetido aos árbitros, mas sim com a discordância daquelas com a decisão proferida”. Com efeito, o que decorre da conclusão recursória dd) não é uma desconformidade entre a convenção das partes, quanto à lei aplicável, tendo sido aplicados outros critérios de interpretação que não os impostos pela lei portuguesa, mas o que verdadeiramente invocam é um erro de julgamento, pretendendo fazer valer a sua própria interpretação do contrato. Ora, como já foi mencionado, a impugnação de uma sentença arbitral perante um tribunal estadual só pode revestir a forma de pedido de anulação, nos termos do disposto no art.º 46.º n.º 1 da LAV. Por conseguinte, nas acções de anulação da decisão arbitral não está em causa um controle sobre o mérito da decisão, mas o controle da sua validade em função do cumprimento ou não das regras procedimentais e princípios elencados, de forma taxativa, no art.º 46 n.º 3, da LAV. Donde decorre que o erro de interpretação ou aplicação da norma “bem como a inobservância de uma norma legal, imperativa ou supletiva, não constitui, só por si, fundamento de anulação de uma sentença arbitral. Este efeito anulatório só pode ser obtido desde que seja pertinente e provado qualquer dos fundamentos previstos no artigo 46º número 3, e apenas este”.[38] Improcedem, assim, as conclusões de recurso também quanto a esta matéria. 3 - Por fim, as Recorrentes concluem que a sentença arbitral final viola a ordem pública internacional do Estado Português, o que determina a sua anulação ao abrigo do disposto no art.º 46.º n.º 3 b), subalínea ii) da LAV[39]. Também em relação a este ponto, as Recorrentes focam a sua argumentação no fundamento da anulação da sentença arbitral e não na concretização da norma violada pela Relação, já que repete-se, esse é que é o objecto do recurso e não a reapreciação da sentença arbitral. Importa, assim, mais uma vez, colocar o enfoque na decisão recorrida, a fim de a partir da respectiva análise verificar se o Tribunal a quo apreciou de forma errada tal fundamento de anulação, tal como vem alegado, ainda que de forma genérica, pelas Recorrentes. Para se avaliar da existência de violação da ordem pública internacional do Estado Português o primeiro passo a percorrer terá de ser o de definir o conceito de ordem pública internacional do Estado Português. E foi o que o Tribunal a quo começou por fazer, tendo procedido a uma análise bastante profunda, com vista a obter uma definição do conceito. Ad brevitatis causae, destacaremos apenas que “(…) A ordem pública internacional reporta-se a determinadas leis que, pela sua natureza estritamente imperativa ou por razões éticas, funcionam como excepções ao princípio da aplicabilidade do Direito estrangeiro, que é afastada sempre que dele resulte ofensa para o núcleo indisponível nacional, estando prevista no art.º 22º do Código Civil – cf. António Menezes Cordeiro, Tratado da Arbitragem…, pp. 446-447. A ordem pública internacional manifesta-se em concreto, ou seja, em face das consequências a que conduza a aplicação do Direito ou de sentenças estrangeiras, relevando o resultado e não os fundamentos da decisão, no momento em que o problema se coloca. Os valores incluídos na ordem pública internacional remetem para duas áreas: a dos direitos fundamentais, que integram a ordem pública internacional quando constitucionalmente garantidos e as posições patrimoniais que sejam atingidas em termos de insuportabilidade. António Menezes Cordeiro refere que a ordem pública internacional mencionada no art.º 46º, n.º 3, b), ii) da LAV, por referência a arbitragens internas, tem um conteúdo próprio e não equivalente à referida no art.º 22º CC e no art.º 980º, f) do CPC ou no 56º, n.º 1, b), ii) da referida LAV, identificando aquilo que designa de ordem pública internacional-interna, que, inserida na lei para sindicar o conteúdo de decisões internas, não equivale à usada para ponderar o resultado de decisões internacionais, para as quais se exige um resultado manifestamente incompatível com os princípios da ordem pública internacional - cf. art.ºs 54º e 56º, n. 1, b), ii) da LAV. Conclui, assim, o referido autor que a ordem pública internacional referida no art.º 46º, n.º 3, b), ii) da LAV é menos exigente, ou seja, perante decisões internas basta que o conteúdo contrarie a ordem pública. – cf. Tratado da Arbitragem..., pág. 454. Acrescenta ainda António Menezes Cordeiro, in Tratado da Arbitragem..., pág. 454: “A o. p. internacional proprio sensu visa prevenir que, no espaço jurídico nacional, surjam elementos legitimados por ordenamentos estrangeiros, mas que contendam com dados estruturantes do sistema: respeito pela pessoa humana, pela igualdade, pela dignidade da mulher, pela segurança e bem-estar dos filhos e por dados básicos do património da pessoa. A o. p. “internacional-interna” pretende constatar se a decisão arbitral, assente no Direito e no ordenamento português, é reconhecida como axiologicamente jurídica. Além de todos os elementos que encontramos na internacional, a “internacional-interna” joga, ainda, com os princípios totalmente injuntivos, isto é: aqueles que se impõem e que não poderiam ser postergados pelo recurso a árbitros. O Estado não pode oferecer os seus Tribunais e as suas estruturas coercivas para fazer impor decisões contrárias a dados básicos do sistema. Digamos que a ordem pública internacional-interna fica próxima da ordem pública interna: dela só se distingue por ter, implícita, uma mensagem legislativa de só se recorrer a ela em casos substancialmente sérios.” Integram a ordem pública “internacional-interna”: princípios processuais – todos os resultantes das subalíneas da alínea a) do n.º 3 do art.º 46º da LAV, desde que possam afectar a solução final e princípios substanciais, como os princípios humanos que defendem a igualdade, a dignidade da mulher, a segurança e o bem-estar dos filhos e, em geral, da família, diversos direitos fundamentais de personalidade; princípios patrimoniais, que vedam condenações expropriativas ou desproporcionadas e enriquecimentos arbitrários e princípios europeus acolhidos na ordem interna, com relevo para a defesa da concorrência, do consumidor, do estabelecimento e outros, desde que seja posto em crise o núcleo intangível desses princípios.” Após definido o conceito para saber o âmbito jurídico - dogmático em que nos situamos, prossegue o acórdão recorrido elaborando a seguinte premissa: “A decisão arbitral só deverá ser anulada por via da ofensa à ordem pública internacional quando conduza a um resultado intolerável e inassimilável pela nossa comunidade, por constituir uma grosseira violação do sentimento ético-jurídico dominante e dos interesses de primeira grandeza ou de princípios estruturantes da nossa ordem jurídica. E ainda que o controlo incida sobre o resultado da decisão, seguro é que o tribunal não se pode abstrair totalmente da respectiva fundamentação, pois que se a lei de arbitragem determina o escrutínio das sentenças arbitrais no confronto com a ordem pública haverá que efectuar um controlo efectivo, não podendo o juiz limitar-se a um exame da parte dispositiva, desapegada da sua fundamentação, dado que será em face dos motivos da decisão e dos elementos do caso que se poderá concluir se a decisão constante do seu dispositivo ofende ou não a ordem pública.” Logo, em conformidade com tal afirmação, o Tribunal a quo prossegue o seu raciocínio: “Há, pois, que proceder ao exame do raciocínio seguido pelo árbitro, quer em sede de direito, quer no âmbito da matéria de facto, para apurar a sua influência sobre a aplicabilidade de um princípio ou regra de ordem pública, escrutinando o modo como o árbitro aplicou tais regras e princípios, confrontando a solução por ele acolhida com aquela que o juiz teria adoptado, examinando os efeitos decorrentes da aplicação das regras ou princípios da ordem pública no caso em apreço, sendo que a anulação da sentença arbitral apenas se justificará se a aplicação criada pela sentença arbitral colidir com os fins prosseguidos por aquelas regras ou princípios.” Ora, em consonância com tal metodologia, o Tribunal a quo analisou demorada e profundamente se a sentença arbitral ofende as regras e princípios fundamentais de Direito Público, concretamente as obrigações de serviço público impostas aos Estados Membros com vista à protecção dos consumidores vulneráveis e o princípio da separação de poderes. Deteve-se seguidamente sobre se a sentença arbitral viola o princípio da racionalidade e eficiência económica do sector eléctrico. Prosseguiu com uma análise detalhada sobre se a decisão arbitral viola o dever de Unbundling[40] e o princípio da segurança no abastecimento. Prossegue o acórdão recorrido na análise sobre a eventual violação, por parte da sentença arbitral do princípio constitucional da protecção dos consumidores e do Direito da Concorrência da EU. E concluiu o Tribunal recorrido, pela improcedência total desses invocados fundamentos de anulação da decisão arbitral. Importa determo-nos com especial enfoque na alegada violação do “Direito da Concorrência da União Europeia” já que tal como concluem as Recorrentes, a sentença arbitral não respeitou o princípio da livre circulação de eletricidade no espaço da UE no âmbito do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (artigos 107, 114º e 197º), sendo certo que “há muito que o Tribunal de Justiça da UE qualificou as regras da concorrência fixadas pelo Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia como regras fundamentais da ordem jurídica da União, pelo que a sua violação por uma sentença arbitral releva diretamente para a violação da ordem pública internacional do Estado português.” Ora, é verdade que a Jurisprudência tem reconhecido como princípio estruturante da ordem jurídica nacional os princípios fundamentais do Direito da UE e princípios fundamentais como os princípios e regras basilares do direito da concorrência, tanto de fonte comunitária quanto de fonte nacional.[41] No entanto, como bem refere o acórdão recorrido, “nem todas as normas de Direito da Concorrência são princípios constitucionais da própria União Europeia e, nem todas as normas imperativas se reconduzem a princípios da ordem pública internacional do Estado português. (…) No parecer da Comissão Europeia, de 22.IX.2004 C (2004) 3468fin elaborado a propósito do projecto de cessação antecipada de contratos de longo prazo no sector da electricidade e de atribuição de compensações relativamente a essa cessação, consignou-se: “para que uma medida constitua um auxílio estatal nessa acepção, tem de ser selectiva, afectar ou ameaçar afectar as trocas comerciais entre Estados-Membros, conceder uma vantagem aos seus beneficiários e ser concedida com base em recursos estatais”. Por outro lado, refere-se: “constituem recursos estatais as receitas de tarifas aplicadas pelo Estado, transferidas para fundos designados pelo Estado e utilizadas para efeitos de concessão de vantagens a certas empresas”. Assim, a eventual internalização dos custos com o mecanismo de financiamento pela REN Trading não envolve qualquer financiamento estatal ou proveniente de recursos estatais[42], nem afectará as trocas comerciais entre os Estados-membros, ou favorecerá a Tejo Energia que, por essa via, apenas verá cumprida uma estipulação contratualmente acordada com vista à reposição do equilíbrio negocial vigente à data da celebração do CAE. Ademais, não se vislumbra, nem as autoras esclarecem, de que modo a eventual internalização dos custos pela REN Trading representará um qualquer acordo ou comportamento com efeitos significativos no comércio entre os Estados-membros, pelo que o caso sempre se teria de ter por subtraído ao fim visado pelo Direito da UE em sede de concorrência. Com efeito, o funcionamento da União Europeia visa um ambiente de paz, harmonia e equilíbrio na Europa, incentivando a iniciativa privada e a economia de mercado, com uma concorrência leal e equilibrada, estabelecendo um regime que garanta que a concorrência não seja falseada no mercado interno e que procura disciplinar as práticas das empresas que sejam susceptíveis de afectar o comércio entre os Estados-Membros (cf. art.ºs 101º e 102º do TFUE). Não havendo, no caso, projecção de efeitos para além das fronteiras nacionais e não estando em causa actos de comércio entre agentes de dois ou mais Estados-Membros ou qualquer elemento de conexão objectiva carácter transfronteiriço relativo à relação jurídica em discussão, a afectação do direito da concorrência europeu não se coloca.” E, assim, concluiu, o Tribunal, como não poderia deixar de concluir e bem, dizemos nós, que “o resultado decorrente da decisão arbitral não implica a violação dos princípios do Direito da Concorrência da EU, pelo que necessariamente improcede tal fundamento de anulação”. Não vemos motivo para não aderir integralmente a este entendimento que resulta, aliás, evidente. De resto, “ quando o tribunal judicial tem de decidir se anula ou não a sentença arbitral impugnada, com fundamento na alegada ofensa da ordem pública internacional, está-lhe vedado proceder à revisão do mérito do litígio decidido pela sentença arbitral: cabe-lhe apenas verificar se o resultado material (ou seja, os efeitos jurídicos criados pela decisão arbitral nas esferas jurídicas das partes) da decisão proferida pelo tribunal arbitral é contrário às regras e princípios jurídicos que constituem a ordem pública internacional do Estado português. É o conteúdo da sentença arbitral que é controlado, mas é em função do seu resultado que ela deverá ser sancionada. Embora todo o raciocínio do árbitro deva poder ser examinado pelo juiz, o controlo deste deve incidir, não sobre esse raciocínio, mas sobre a solução dada ao litígio. O controlo do juiz sobre a sentença do árbitro deve ser efectuado com o preciso fim de apurar se a situação criada pela sentença arbitral ofendeu, concreta e gravemente, os objectivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis ao caso.”[43] Ora, também por esta razão a pretensão dos ora Recorrentes teria de improceder. Nunca estes alegam, na perspectiva da situação criada pela sentença arbitral, em que medida em que essa situação criada pela sentença ofendeu, concreta e gravemente, os objectivos prosseguidos pelas regras e princípios de ordem pública aplicáveis. 4 - Finalmente cumpre apreciar a questão suscitada, na última conclusão, sobre a oportunidade do pedido de reenvio prejudicial: Concluem as Recorrentes: “(ll) A essencialidade das questões suscitadas pela errada aplicação do Direito da União Europeia feita pela Sentença Arbitral recomenda que, havendo dúvidas quanto ao bem fundado do invocado pelas Recorrentes, se convoque a faculdade conferida a qualquer órgão jurisdicional dos Estados membros, mas com maior responsabilidade no caso dos Tribunais de última instância, pelo artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, e que sejam dirigidas ao Tribunal de Justiça da União Europeia, em sede de reenvio prejudicial, as seguintes questões: a) Pode considerar-se excluída do âmbito da proibição de auxílio de Estado no setor da energia, uma decisão que reconheça a um produtor de eletricidade sedeado num Estado Membro o direito de, por via de contrato celebrado inicialmente com uma sociedade integralmente detida pelo Estado português, obter a compensação por imposto ou obrigação de serviço publico por si suportada, cujo objetivo seja obter a neutralidade económica e/ou fiscal sem que tal contrarie, designadamente, o disposto nos artigos 107º, 114º e 194º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia? b) A obrigação, prevista no n.º 3 do artigo 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, de informação atempada à Comissão Europeia sobre a instituição de um auxílio de Estado, inclui o conteúdo de decisões de tribunais arbitrais que interpretem e apliquem contratos celebrados entre o Estado ou entidades por si controladas e entidades privadas, produtoras de energia elétrica, em que tais decisões compensem aquelas entidades privadas pelos valores pagos a título de "relevant taxes" (impostos relevantes) ao contrário do que acontece com as restantes empresas do mesmo sector de actividade? c) A obrigação de stand still em relação à execução do referido auxílio de Estado, enquanto a Comissão Europeia não produzir uma decisão final, prevista no n.º 3 do artigo 108.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia, integra a ordem pública internacional da União Europeia.” Apreciando: Nos termos do art.º 267.º do TFUE, o TJUE é competente para decidir a título prejudicial “Sobre a validade e a interpretação dos actos adotados pelas instituições, órgãos e organismos da União”. Assim, “(…) nas questões de reenvio prejudicial por efeito do disposto na aludida norma, não estão em causa questões relativas à interpretação ou apreciação das normas legislativas ou regulamentares de direito interno, nem matérias relacionadas com as compatibilidades destas normas ou regulamentos com o direito comunitário e muito menos, as questões rrespeitantes à validade ou interpretação das decisões dos tribunais nacionais. Na verdade, o aludido reenvio prejudicial, apenas pode/deve acontecer, quando um tribunal nacional, se vê confrontado com uma situação de interpretação de uma norma comunitária cuja resolução se torne necessária para o julgamento do caso sub judice, pois só aí se justifica a submissão dessa questão prejudicial ao Tribunal de Justiça.”[44] O efeito útil do citado art.º 267.º visa, precisamente a harmonização europeia, razão pela qual só faz sentido o reenvio prejudicial quando se coloquem questões de interpretação, relativas à aplicação do direito comunitário. Logo, se estiver em causa a interpretação e aplicação do direito nacional não há lugar à intervenção do TJUE e não tem aplicação o mecanismo do reenvio prejudicial. Ora, no caso em apreço, está precisamente em causa a aplicação e interpretação de normas de direito nacional apenas de direito português, pelo que não tem lugar o mecanismo jurídico do reenvio prejudicial. De resto, mal se compreende que as Recorrentes venham invocar essas dúvidas sobre a interpretação do Direito Europeu quando em sede de invocação de nulidade da decisão arbitral partiram precisamente do pressuposto da obrigatoriedade da aplicação do direito português. Improcedem, assim, in totum, as conclusões de recurso. IV- DECISÃO Por tudo o que fica exposto, acordam os Juízes desta 7.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar improcedente o recurso, confirmando o acórdão recorrido. Custas pelas Recorrentes. Lisboa, 29 de outubro de 2024 Maria de Deus Correia (relatora) Nuno Ataíde das Neves José Ferreira Lopes _______ [1] Adiante designada por REN Eléctrica. [30] Cf. Art.ºs 3º e 7º do DL Tarifa Social, este último estatuindo: “1 — A aplicação da tarifa social aos clientes finais economicamente vulneráveis é da responsabilidade dos comercializadores que com eles tenham celebrado contrato de fornecimento de energia eléctrica. 2 — O desconto inerente à tarifa social deve ser identificado de forma clara e visível nas facturas enviadas pelos comercializadores aos clientes que beneficiem do respectivo regime.” |