Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
323/24.3T8OER.L1.S1
Nº Convencional: 1.ª SECÇÃO
Relator: ANTÓNIO MAGALHÃES
Descritores: COMPETÊNCIA MATERIAL
JUÍZO CÍVEL
JUÍZO DO TRABALHO
RESPONSABILIDADE CONTRATUAL
CONTRATO DE TRABALHO
DEVER LABORAL
VIOLAÇÃO
ILICITUDE
INDEMNIZAÇÃO
NULIDADE DO CONTRATO
RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
Data do Acordão: 10/14/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA A REVISTA
Sumário :
A competência para conhecer de acção em que se pede a indemnização com fundamento em actos ilícitos praticados por ex-trabalhadores na pendência da relação laboral ( e não com fundamento na violação de deveres laborais) é dos tribunais cíveis
Decisão Texto Integral:

Acordam os Juízes na 1ª Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça:

*

ISQ – Instituto da Soldadura e da Qualidade, intentou acção declarativa de condenação contra AA, BB e CC, peticionando a declaração de nulidade do pretenso contrato por simulação e a condenação solidária dos RR. no pagamento ao A. de € 44.200,00, a título de restituição do recebido quanto à simulação e de indemnização por responsabilidade aquiliana pelos danos com ela causados ao A., acrescidos de juros de mora à taxa legal contados até integral pagamento. E subsidiariamente, condenação no pagamento dos € 44.200,00 ao A.: pela R. BB, como indemnização por responsabilidade contratual; e pelos RR. solidariamente, a título de enriquecimento sem causa.

Foi proferida decisão que julgou o Juízo Local Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras – materialmente incompetente para conhecer da presente acção.

Com base na seguinte fundamentação:

“São da competência dos Tribunais judiciais as causas que não sejam atribuídas a outra ordem jurisdicional (artigos 64.º do Código de Processo Civil, 130.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário; vd., ainda, o artigo 209.º e seguintes da Constituição da República Portuguesa). Aos Juízos do Trabalho compete, além do mais, conhecer, em matéria cível (artigo 126.º, n.º 1, al. b), h e n) da Lei da Organização do Sistema Judiciário): 1 - Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível: - Das questões emergentes de relações de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho; - Das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de acto ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal; - Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o juízo seja directamente competente. A competência em razão da matéria tem a ver com a natureza da situação jurídica em causa.

Assim, a competência do Tribunal fixa-se no momento em que a acção é proposta (artigo 38.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário) e em face do pedido formulado pelo autor, tendo em conta a causa de pedir.

A presente acção tem por fundamento uma relação laboral entre o primeiro e terceiro Réu com a Autora, e entre esta e a segunda Ré enquanto terceiro conexo, estando em causa actos praticados em comum na execução das relações de trabalho e que resultam de actos ilícitos praticados pelos mesmos.

O direito invocado pela Autora emerge da relação jurídico-laboral que manteve com os Réus. Assim, concluímos que a competência para a presente acção pertence ao Tribunal do Trabalho de Sintra.

A incompetência em razão da matéria determina a incompetência absoluta do tribunal (artigos 96.º, al. a) e 97.º, n.º 1 do Código de Processo Civil). A incompetência absoluta do Tribunal é uma excepção dilatória insuprível e constitui fundamento para indeferimento liminar ou absolvição do Réu da instância, nos termos conjugados dos artigos 96.º, al. a), 97.º, n.º 1, 99.º, 278.º, n.º 1, al. a), 576.º, n.º 1 e 2 e 577.º, al. a), todos do Código de Processo Civil.”

Dessa decisão recorreu o autor, para a Relação que, concedendo provimento ao recurso, revogou a decisão recorrida, mandado baixar os autos ao Juízo Local Cível do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras para o seu normal prosseguimento.

Da fundamentação consta o seguinte:

“ (…)

Estatui o artigo 126.º, n.º 1, al. b), h e n) da Lei da Organização do Sistema Judiciário que: (…)

Assim, a competência do Tribunal fixa-se no momento em que a acção é proposta (artigo 38.º da Lei da Organização do Sistema Judiciário) e em face do pedido formulado pelo autor, tendo em conta a causa de pedir.

A causa de pedir como vem factualmente configurada pelo ora apelante na sua petição inicial da acção, colocar-se-á, deste modo no âmbito da simulação 240 .º e segs. Do Cód. Civil e do enriquecimento sem causa, regulado nos arts. 473.º e segs. do Cód. Civil, porquanto o montante pedido na acção foi recebido pela apelada em virtude de uma causa que não existia.

Ora, a causa de pedir nestes autos não tem como fonte uma relação de trabalho subordinado mas sim a existência de um enriquecimento, a obtenção desse enriquecimento à custa do apelante e a ausência de causa justificativa para o enriquecimento, que teve como fonte a invocada simulação pelos RR da celebração de um contrato de prestação de serviços pela R. , serviços que o A. pagou sem que tivessem sido prestados.

Ora, pelo art. 85.° da LOFTJ, atribui-se à competência especializada dos tribunais do trabalho todas as decisões sobre litígios que surjam durante a vigência dessa relação e que com ela sejam, por algum modo, conexos e ainda os que surjam nos preliminares ou na formação dessa relação (cfr. Ac. TRL 17.10.2012, in www.dgsi.pt ) não se vê, porém, onde o referido preceito atribua aos tribunais do trabalho competência para conhecerem dos litígios respeitantes às relações que surjam entre as partes, após a extinção dessa relação de trabalho subordinado ainda que esta possa ter sido causa indirecta e remota daquelas.

E bem se compreende que assim seja: a autonomização da competência dos tribunais do trabalho, tal como resulta do art. 85.º da LOFTJ, deriva simplesmente do facto de estes tribunais exercerem jurisdição laboral. Isto porque como refere Menezes Cordeiro (“Da situação jurídico-laboral, perspectivas dogmáticas do Direito de Trabalho”, ROA) a especialização do trabalho não apresenta quaisquer especialidades em face das outras prestações obrigacionais. As suas especialidades são sociais e derivam do entendimento de a força do trabalho ser a única mercadoria que os trabalhadores possuem, que tem que ser colocada no mercado para garantir a sobrevivência do seu titular.

Mas quando essa situação cessa pela extinção da relação de trabalho – as questões que posteriormente possam surgir devem ser dirimidas pelo tribunal comum, uma vez que já não se está perante situações de cariz social que justifiquem a autonomização daquela jurisdição.

É por esta razão que a alínea b) do art. 85.º da LOFTJ não abrange nem na sua letra nem no seu espírito, as questões que surgem posteriormente à extinção da relação de trabalho, as quais, por isso, ficam abrangidas pela competência do tribunal comum.

É evidente que, no nosso caso, a causa de pedir tal como estruturada na petição inicial não emerge da relação de trabalho subordinado que pré-existiu entre o autor e a ré, ou os RR., nem das relações entre estes estabelecidas como vista à celebração do contrato de trabalho. E a competência do tribunal afere-se pelos termos em que a acção é proposta.

Por tudo o exposto, competente para apreciação da presente acção é o Juízo Local Cível concluindo-se, pois, pela revogação da decisão recorrida. (…) “

Inconformados, vêm agora os réus interpor recurso de revista, formulando, para o efeito, as seguintes conclusões:

“I. A SENTENÇA PROFERIDA EM PRIMEIRA INSTÂNCIA PELO TRIBUNAL JUDICIAL DA COMARCA DE LISBOA OESTE, JUÍZO LOCAL CÍVEL DE OEIRAS CONSIDERA EXISTIREM TRÊS NÚCLEOS DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL, CADA UM DELES CORRESPONDENTE ÀS ALÍNEAS B), H E N) DO N.º 1 DO ARTIGO 126.º DA L.O.S.J.

II. O ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA APENAS ANALISOU A INCOMPETÊNCIA MATERIAL QUE DECORRE DA ALÍNEA B) DO REFERIDO PRECEITO LEGAL, NÃO SE PRONUNCIANDO SOBRE A INCOMPETÊNCIA MATERIAL FUNDADA NAS RESTANTES DUAS ALÍNEAS REFERIDAS PELA PROFERIDA PELA PRIMEIRA INSTÂNCIA.

III. ASSIM, O ACÓRDÃO RECORRIDO INCORRE EM NULIDADE POR VÍCIO DE OMISSÃO DE PRONÚNCIA, NOS TERMOS DO ARTIGO 615.º, N.º1, ALÍNEA D) DO C.P.C., RAZÃO PELA QUAL DEVE SER REVOGADO E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE ORDENE A REMESSA DOS AUTOS AO REFERIDO TRIBUNAL DA RELAÇÃO PARA PRONÚNCIA SOBRE ESSES DOIS FUNDAMENTOS DE INCOMPETÊNCIA MATERIAL.

Subsidiária e condicionalmente, caso assim não se entenda,

IV. QUAISQUER DIREITOS DECORRENTES DE UMA RELAÇÃO LABORAL, MESMO SUSTENTADOS NO INSTITUTO DO ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA, DEVEM SER APRECIADOS PELA JURISDIÇÃO LABORAL.

V. O AUTOR ISQ NÃO EXERCEU O SEU DIREITO DE DEMANDAR, NA INSTÂNCIA LABORAL, OS REÚS CC E AA, POR VIOLAÇÕES ÀS OBRIGAÇÕES LABORAIS QUE OS MESMOS DETINHAM COM AQUELE, EM VIRTUDE DA EXISTÊNCIA DE CONTRATO DE TRABALHO ENTRE AMBOS.

VI. TAL PRAZO MOSTRA-SE, NESTE MOMENTO E À ALTURA DA PROPOSITURA DA PRESENTE ACÇÃO, LARGAMENTE PRESCRITO, RAZÃO PELA QUAL O AUTOR ISQ RECORRE, ERRADAMENTE, A UMA JURISDIÇÃO CÍVEL, APENAS PORQUE O PRAZO DE PRESCRIÇÃO É SUPERIOR AO DA JURISDIÇÃO LABORAL.

VII. O AUTOR ISQ, DE FORMA PROLONGADA NA SUA PETIÇÃO INICIAL, EXPLICITA TODAS AS CARACTERÍSTICAS DA RELAÇÃO LABORAL QUE TEVE COM OS RÉUS CC E AA, DEMONSTRANDO QUE TAL É O FUNDAMENTO DA SUA ACÇÃO.

VIII. A SIMULAÇÃO E O CONSEQUENTE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA QUE O AUTOR ISQ ALEGA TEREM EXISTIDO SÃO INDISSOCIÁVEIS DAS OBRIGAÇÕES LABORAIS QUE IMPENDIAM SOBRE O RÉU CC, EM MAIOR MEDIDA, E SOBRE O RÉU AA.

IX. NÃO É POSSÍVEL A EXISTÊNCIA DE UM CENÁRIO EM QUE A ALEGADA SIMULAÇÃO E O CONSEQUENTE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA OCORRA SEM QUE, PREVIAMENTE, SE DEMONSTRE A EXISTÊNCIA DE UMA VIOLAÇÃO DOS DEVERES LABORAIS A CARGO DOS RÉUS CC E AA, NOS TERMOS DOS ARTIGOS 126.º E 128.º DO CÓDIGO DO TRABALHO.

X. POR ISSO, A CAUSA DE PEDIR DOS PRESENTES AUTOS É, ÚNICA E EXCLUSIVAMENTE, LABORAL, POIS SEM A PRÉVIA EXISTÊNCIA DE UMA VIOLAÇÃO DE OBRIGAÇÕES LABORAIS NÃO SE MOSTRA POSSÍVEL QUE TIVESSE OCORRIDO QUALQUER SIMULAÇÃO E CONSEQUENTEMENTE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA.

XI. A ALEGADA SIMULAÇÃO E O CONSEQUENTE ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA SÃO O MEIO E A CONSEQUÊNCIA DE UMA VIOLAÇÃO DE OBRIGAÇÕES LABORAIS POR PARTE DO RÉU CC E DO RÉU AA E NÃO ACTOS AUTÓNOMOS SUSCEPTÍVEIS DE AVALIAÇÃO JURÍDICA INDEPENDENTE.

XII. A EXISTÊNCIA DE UMA SIMULAÇÃO QUE PREJUDIQUE O AUTOR ISQ DETERMINE QUE SE ANALISE A INTERVENÇÃO DA PESSOA QUE, EM NOME DO AUTOR, PERMITIU QUE ESSA SIMULAÇÃO OCORRESSE.

XIII. SE A INTERVENÇÃO DESSA PESSOA FOR AO ABRIGO DE UM CONTRATO CIVIL, ENTÃO A COMPETÊNCIA PARA JULGAR OS PRESENTES AUTOS É A DA JURISDIÇÃO CIVIL, MAS SE A INTERVENÇÃO DESSA PESSOA FOR ACOBERTO DE UM CONTRATO DE TRABALHO, ENTÃO A COMPETÊNCIA PARA JULGAR OS PRESENTES AUTOS É DA JURISDIÇÃO LABORAL.

XIV. NÃO EXISTE QUALQUER DÚVIDA DE QUE A INTERVENÇÃO DO RÉU CC, EM MAIOR GRAU, E DO RÉU AA, EM MENOR GRAU, NOS TERMOS CONFIGURADOS PELO AUTOR ISQ NA SUA PETIÇÃO INICIAL APENAS OCORRE DEVIDO AO VÍNCULO LABORAL QUE OS MESMOS DETINHAM PARA COM ESTE.

XV. A ORIGEM DOS FACTOS EM ANÁLISE NOS PRESENTES AUTOS DECORRE, APENAS E SÓ, DA FORMA COMO AS PARTES, NO CASO OS RÉUS CC E AA, EXERCERAM OS PODERES QUE LHE ASSISTIAM EM VIRTUDE DO CONTRATO DE TRABALHO QUE CELEBRARAM COM O AUTOR ISQ.

XVI. ASSIM, COMO BEM REFERE A SENTENÇA DE PRIMEIRA INSTÂNCIA “A PRESENTE ACÇÃO TEM POR FUNDAMENTO UMA RELAÇÃO LABORAL

ENTRE O PRIMEIRO E TERCEIRO RÉU COM A AUTORA, E ENTRE ESTA E A SEGUNDA RÉ ENQUANTO TERCEIRO CONEXO, ESTANDO EM CAUSA ACTOS PRATICADOS EM COMUM NA EXECUÇÃO DAS RELAÇÕES DE TRABALHO E QUE RESULTAM DE ACTOS ILÍCITOS PRATICADOS PELOS MESMOS. O DIREITO INVOCADO PELA AUTORA EMERGE DA RELAÇÃO JURÍDICO-LABORAL QUE MANTEVE COM OS RÉUS.”, RAZÃO PELA QUAL, A JURISDIÇÃO COMPETENTE PARA JULGAR OS PRESENTES AUTOS É A JURISDIÇÃO LABORAL

XVII. O AUTOR ISQ NÃO IMPUTA, NEM AO ARGUIDO CC, NEM AO ARGUIDO AA, QUALQUER FACTO QUE SEJA POSTERIOR À DATA EM QUE OS RESPECTIVOS VÍNCULOS LABORAIS CESSARAM.

XVIII. TODOS OS FACTOS QUE O AUTOR ISQ DIZ QUE OS RÉUS CC E AA PRATICARAM OCORRERAM, NAS PRÓPRIAS PALAVRAS DAQUELE, NO DECURSO DA RELAÇÃO LABORAL QUE OS UNIA.

XIX. A QUESTÃO SUB JUDICE NÃO SURGE, PORTANTO, APÓS A CESSAÇÃO DOS VÍNCULOS LABORAIS DOS RÉUS CC E AA COM O AUTOR ISQ.

NESTE TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO E SEMPRE COM MUI DOUTO SUPRIMENTO DOS VENERANDOS CONSELHEIROS, DECIDINDO V. EXAS PELA PROCEDÊNCIA DO PRESENTE RECURSO, REVOGANDO O ACÓRDÃO PROFERIDO PELO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA E SUBSTITUÍDO POR OUTRO QUE DECIDA QUE A COMPETÊNCIA PARA JULGAR OS PRESENTES AUTOS ENCONTRA.SE ATRIBUÍDA AOS JUÍZOS DO TRABALHO, NOS TERMOS DO ARTIGO 126.º, N.º 1, ALÍNEAS B), H E N) DA L.O.S.J. E, CONSEQUENTEMENTE, SE ESTARMOS PERANTE UMA SITUAÇÃO DE INCOMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA DETERMINA A INCOMPETÊNCIA ABSOLUTA DO TRIBUNAL (ARTIGOS 96.º, ALÍNEA A) E 97.º, N.º 1 DO C.P.C.), O QUE, POR SUA VEZ, CONSTITUI A EXCEPÇÃO DILATÓRIA INSUPRÍVEL QUE DETERMINA A ABSOLVIÇÃO DOS RÉUS DA INSTÂNCIA, NOS TERMOS CONJUGADOS DOS ARTIGOS 96.º, ALÍNEA A),97.º, N.º 1, 99.º, 278.º, N.º 1, ALÍNEA A), 576.º, N.º 1 E 2 E 577.º, ALÍNEA A) TODOS DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, FARÃO, COMO SEMPRE, INTEIRA, E SÃ JUSTIÇA!”

O recorrido contra-alegou enfatizando que os “ autos têm uma causa de pedir puramente civil, a título principal, a responsabilidade aquiliana, e também subsidiário, a responsabilidade contratual e o enriquecimento sem causa, sendo esta e só esta a ditar a competência material.

A Relação proferiu, ainda, acórdão em que julgou improcedente a arguição de nulidade

Cumpre decidir.

Os elementos fácticos considerados relevantes para a decisão são os seguintes:

1) - Veio o autor ISQ, «peticionar a

1. Declaração de nulidade do pretenso contrato por simulação e a condenação solidária dos RR. no pagamento ao A. dos € 44.200,00, a título de restituição do recebido quanto à simulação e de indemnização por responsabilidade aquiliana pelos danos com ela causados ao A., acrescidos de juros de mora à taxa legal contados até integral pagamento.

2. E subsidiariamente, condenação no pagamento dos € 44.200,00 ao A.:

a. Pela R. BB, como indemnização por responsabilidade contratual;

b. E pelos RR. solidariamente, a título de enriquecimento sem causa.»

2) - Como fundamento do pedido alega o Autor que

«- 1.Os RR. AA e BB são casados entre si.

2. O primeiro exerceu funções ao serviço do A..

3. E a partir de um certo momento passou a fazê-lo na dependência hierárquica do R. CC.

4. A R. BB era desconhecida para o A..

5. Até o A. ter descoberto que durante 34 meses lhe tinha pago valores elevados, por iniciativa dos outros RR a pretexto do pagamento de serviços por ela pretensamente prestados ao A..

6. Mas que ele nunca solicitou e nunca foram prestados.

7. O A. (…) reagiu com uma participação criminal contra os RR..

8. Foi apresentada em 29 de junho de 2021 e naturalmente leva o seu tempo a ser investigada e tramitada, pelo que, (…) por esta via, deduzir em separado o respetivo pedido de indemnização civil.

38. (…) o A. incumbiu os seus serviços jurídicos de solicitarem uma explicação à R. BB.

39. Aos quais ela respondeu ter celebrado um contrato de prestação de serviços com a Direção de Laboratórios que previa a prestação de serviços de marketing, comunicação e estratégia digital.

45. (…) os RR. CC e AA deixaram de ser colaboradores do A. por revogação dos seus contratos em 30 de setembro de 2020 e 8 de março de 2021 respetivamente.»

3) - Os RR. contestaram alegando, em suma, que:

«5.º Resulta da petição inicial que, entre o réu CC e o autor ISQ, vigorou um contrato de trabalho e que o fundamento da presente acção assenta numa eventual violação de deveres laborais, nomeadamente, o dever de lealdade,

7.º

Não parece suscitar grande dúvida que o autor ISQ imputa responsabilidades ao réu CC no âmbito do exercício de actividade laboral, prestada por este e a favor daquele, conforme resulta do alegado no artigo 12.º da petição inicial.

8.º

Assim sendo, é, para nós, claro, que a jurisdição cível, e concretamente, o presente Tribunal, não tem competência para julgar o conteúdo do exercício de actividade laboral que o réu CC desenvolveu em benefício do autor ISQ, pois tal competência cabe, nos termos acima descritos, à jurisdição laboral.

47.º

Não temos dúvidas que, a final, o Tribunal “a quo” irá concluir que a ré BB prestou serviços ao autor ISQ, entre Janeiro de 2018 e Outubro de 2020, e que o seu processo de contratação foi transparente e consonante às directrizes que o próprio autor ISQ aplicava a situações similares, à altura dos factos.»

Da nulidade por omissão de pronúncia:

Consideram os recorrentes que tendo, ao invés da sentença, analisado apenas a incompetência material que decorre da al. b) do nº 1 do art. 126º da LOSJ, a Relação incorreu em nulidade por omissão de pronúncia, nos termos do art. 615º, nº 1, al. d) do CPC.

Porém, esse vício não ocorre quando a Relação não aprecia todos os fundamentos ou argumentos que a sentença invocou; só se verifica se o Tribunal omitir pronúncia sobre qualquer questão suscitada pela parte ( art. 608º, nº 2 do CPC).

Por esse motivo, improcede a arguição da nulidade.

Da decisão recorrida:

Consideram os recorrentes que os direitos sustentados pelo autor são decorrentes de uma relação laboral, sendo a simulação e o enriquecimento sem causa alegados na petição indissociáveis das obrigações laborais que impendiam sobre os réus CC e AA.

Assim, consideram que a causa de pedir é única e exclusivamente laboral e que a questão dos autos está incluída na previsão do art. 126º, nº 1, al. b) da LOSJ, concordando, ainda, com a passagem da sentença da 1ª instância em que, com apelo, também às als. h) e n) do nº 1 do mesmo artigo, se afirma que “A presente acção tem por fundamento uma relação laboral entre o primeiro e terceiro Réu com a Autora, e entre esta e a segunda Ré enquanto terceiro conexo, estando em causa actos praticados em comum na execução das relações de trabalho e que resultam de actos ilícitos praticados pelos mesmos. O direito invocado pela Autora emerge da relação jurídico-laboral que manteve com os Réus”.

Alega-se na petição que o 1º réu, por recomendação do 3º, determinou o pagamento de serviços à 2ª ré, que não foram prestados, simulando todos um contrato de prestação de serviços que não existiu, o que deve determinar a nulidade do contrato e a condenação solidária dos réus a pagar o montante pago, seja a título de restituição do recebido nos termos do art. 289º do CC seja a título de indemnização nos termos do art. 483º do CC por danos causados. Subsidiariamente, pede o autor a condenação da 2º ré na indemnização, por responsabilidade contratual, pelos serviços não prestados; e, ainda, subsidiariamente, a condenação dos réus por enriquecimento sem causa.

Ora, afrontando, desde logo, a al. b) do nº 1 do art. 126º da LOSJ - de acordo com a qual compete aos juízes do tribunal conhecer, em matéria cível, conhecer ”das questões emergentes de relações de trabalho subordinado…”, afigura-se-nos que a situação não se quadra na previsão desta alínea.

É certo que os factos imputados aos 1º e 3º réus decorreram na pendência da relação laboral.

Porém, os factos não emergem da relação laboral entre o autor e os réus, não assentam na relação de trabalho. Para que a questão fosse emergente das relações de trabalho subordinado, “era indispensável que a autora [o autor] pretendesse fazer valer um direito emergente, ou seja, um direito proveniente, directamente originado, assente na relação de trabalho” (Ac. STJ de 17.2.2009, proc. 08A3836).

Ora, a acção baseia-se antes em comportamentos ilícitos levados a efeito pelos réus, em que a responsabilidade que o autor pretende extrair não é laboral.

É certo que esses comportamentos ilícitos decorreram na pendência da relação laboral e que eles se traduzem, necessariamente, em violação de obrigações laborais.

Porém, a acção não assenta na violação dos deveres dos trabalhadores e em indemnização decorrente dessa violação. Os pedidos nela formulados assentam apenas na apreciação da existência, ou não, da alegada simulação (configurada na acção penal como crime de burla qualificada e como crime de infidelidade) e, subsidiariamente, na responsabilidade contratual da 2º ré e, também subsidiariamente, no enriquecimento sem causa dos réus.

Por isso se escreve no Ac. STJ de 13.5.2004, em proc. 03S3688, que “os direitos indemnizatórios que derivam para o empregador de ilícito penal cometido pelo trabalhador durante a actividade profissional e aproveitando o exercício dessa actividade - como sucede quando o trabalhador se apropria de bens que pertencem à entidade patronal, desviando o valor de vendas de produtos existentes em estabelecimento comercial - não constituem, em rigor, um crédito resultante à relação laboral, mas antes um crédito atinente a uma relação jurídica delitual de responsabilidade civil, que, sendo inteiramente distinta daquela, apenas mantém, no plano dos factos, uma conexão espácio-temporal com a prestação do trabalho.”

Também em situação similar, de comportamentos ilícitos levados a efeitos na pendência da relação laboral, se escreveu no Ac. STJ de 22.11.2018, no proc. 3259/15.5T8CSC-A.L1.S1:

“Estando em causa na acção – consoante a configuração a ela conferida pela autora – apenas um leque de alegados comportamentos ilícitos reiteradamente levados a efeito pelos réus, ainda que se aproveitando do exercício das suas funções profissionais e em desrespeito com os deveres dela decorrentes (consubstanciados, nomeadamente, na subtração de vários produtos alimentares do hotel para o qual trabalhavam), tais comportamentos, e seus reflexos patrimoniais e não patrimoniais, não configuram questões emergentes de relações de trabalho subordinado, para efeitos de atribuição de competência aos tribunais do trabalho, como exigido pela al. b) do n.º 1 do art. 126.º da LOSJ “.

Reiterando, não tendo sido alegada a violação de deveres laborais nem peticionada indemnização decorrente dessa violação, não se pode considerar que as questões aqui em causa emirjam de relações de trabalho subordinado.

Com apelo à sentença, os recorrentes consideraram verificada, também, a hipótese da al. h): “Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível, “das questões entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, a respeito de direitos e obrigações que resultem de atos praticados em comum na execução das suas relações de trabalho ou que resultem de acto ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste, ressalvada a competência dos tribunais criminais quanto à responsabilidade civil conexa com a criminal”

Porém, como é bom de ver, não ocorre qualquer questão entre trabalhadores ao serviço da mesma entidade, que resultem de actos praticados em comum ou que resultem de acto ilícito praticado por um deles na execução do serviço e por motivo deste.

Por último a al. n): “Compete aos juízos do trabalho conhecer, em matéria cível “das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente”.

Sobre o preceito similar do art. 85º da LOFTJ, escreveu-se no supracitado Ac. STJ de 17.2.2009 :

“Neste particular, a competência do Tribunal do Trabalho depende da verificação cumulativa de três requisitos, isto é, que se trate de questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou entre um desses sujeitos e terceiros, que se esteja perante questões emergentes de relações conexas com a relação de trabalho e, finalmente, que o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja, directamente, competente.
Estabelece, assim, este normativo uma extensão da competência dos Tribunais do Trabalho, em virtude da estreita conexão entre os pedidos, tendo subjacente a ligação entre o pedido que se formula e o pedido com que se encontra cumulado e para o qual os Tribunais do Trabalho são, directamente, competentes”.

Ora, verifica-se que, no caso sub judice, não está em causa, entre sujeitos da relação jurídica de trabalho ou entre esses sujeitos e um terceiro (2ª Ré ), uma qualquer relação de conexão substantiva (cfr. Ac. STJ de 18.11.2004, 04B3847) com a relação de trabalho, por acessoriedade - sendo que, de acordo com J.J. Oliveira Martins, em Código de Processo de Trabalho e Anotado e comentado, Casa do Juiz, reimpressão 2022, “Raul Ventura, Competência…, p. 81 escreve que este termo abrange “as relações de garantia de obrigações contidas na relação jurídica de trabalho” bem como “todas as relações que objetivamente concorram para a execução ou garantia de execução das obrigações contidas na relação principal“- complementaridade- que se verificará, segundo o mesmo autor, na mesma obra, a pág. 81, citado no referido CPT anotado e comentado, quando “uma relação objectivamente independente é transformada subjectivamente em complemento de uma relação principal, que por si determina a competência do tribunal do trabalho” - ou dependência, uma vez que não se figura aqui qualquer relação autónoma dependente de uma relação de trabalho.

Além disso, não se verifica a existência de qualquer pedido, para o qual o Tribunal do Trabalho seja directamente competente (e com o qual se pudesse cumular qualquer pedido relacionado com questões emergentes de relações conexas com a relação de trabalho).

É, pois, inaplicável, também, o disposto na al. n) do nº 1 do art. 126º do LSOJ.

Pelo exposto, nega-se a revista e confirma-se o acórdão recorrido, que julgou materialmente competente o Juízo Local Cível de Lisboa do Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste – Oeiras para apreciar a presente causa.

Custas pelos recorrentes.

*

Lisboa, 14 de Outubro de 2025

António Magalhães (Relator)

António Domingos Pires Robalo

Jorge Leal