Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
23/17.0PEBJA.S1
Nº Convencional: 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL)
Relator: RAUL BORGES
Descritores: TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES AGRAVADO
ESTABELECIMENTO PRISIONAL
ALTERAÇÃO DA QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
CONVOLAÇÃO
TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE
MEDIDA DA PENA
PENA SUSPENSA
Data do Acordão: 01/15/2020
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Indicações Eventuais: TRANSITADO EM JULGADO
Sumário :
I - Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580 - Acórdão n.º 7/95 -, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

II – Está em causa saber se a conduta da recorrente dada por provada cai na previsão do crime de tráfico de estupefacientes agravado na modalidade apontada - alínea h) -, ou antes do tipo fundamental, o crime base/essencial/nuclear do artigo 21.º, ou se diversamente a integração é de fazer no tipo privilegiado do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, procedendo-se à convolação para crime de tráfico de menor gravidade, como entendeu o voto de vencida, solução, aliás, propugnada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no douto parecer emitido.

III - O artigo 21.º é a norma referência a partir da qual se constroem as figuras dos artigos 24.º, 25.º, 26.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

IV - Como vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples. Assim foi entendido nos acórdãos de 23-11-2000, proferido no processo n.º 2766/00, de 22-02-2001, processo n.º 4129/00, de 25-01-2001, processos n.º 3710/00 e n.º 3557/00, de 18-10-2001, processo n.º 1188/01, de 23-05-2002, processo n.º 1687/02 e de 24-10-2002, processo n.º 3211/02. 

V - Versando sobre a concorrência de circunstâncias agravativas e privilegiadoras, decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 14-07-2004, da 3.ª Secção, publicado nos Sumários de Julho/Setembro 2004: “Concorrendo no caso a decidir circunstâncias previstas, umas, como qualificativas, outras, como privilegiadoras, constitui erro na aplicação do direito eleger, à partida, como (única) norma aplicável a que contempla as circunstâncias de uma espécie – desde logo, as da primeira – e postergar a que prevê as da outra ou considerar que os efeitos de ambas, de sinal contrário, se anulam algebricamente, com a consequente reversão ao tipo simples. A valoração da ilicitude como fortemente agravada ou como especialmente diminuída dependerá da apreciação global de todos os elementos com incidência nesse elemento do tipo”.

 

VI - Analisando o crime base/essencial/nuclear/fundamental/matricial, com previsão e punição constantes do artigo 21.º, a partir do qual são configurados os tipos, “as modificativas variantes”, agravado (as) e privilegiado (as).

Inserto no Capítulo III - Tráfico, branqueamento e outras infracções, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, publicado no Diário da República, n.º 18, de 22 de Janeiro de 1993, com texto integral corrigido pela Declaração de Rectificação n.º 20/93, Diário da República, I Série-A, n.º 43, de 20 de Fevereiro de 1993, sob a epígrafe “Tráfico e outras actividades ilícitas”, estabelece o artigo 21.º, n.º 1:

      1 – Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

VII – Começando pela caracterização do tipo base, seguindo-se na exposição que segue o constante dos acórdãos de 28-11-2007, de 05-12-2007, de 22-10-2008, de 9-05-2012, de 26-09-2012, de 05-06-2013, de 28-10-2015 e de 18-12-2019, por nós relatados nos processos n.ºs 3253/07, 3406/07, 215/08, 202/11.4JELSB.S1, 139/02.8TASPS.S1, 7/11.2GAADV.E1.S1, n.º 10/13.8GAAMT.P1.S1 e n.º 51/18.9SFPRT.S1.

VIII – A previsão legal do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a exemplo do “antecessor” artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 480/83, de 13 de Dezembro, contém a descrição da respectiva factualidade típica, de maneira compreensiva e de largo espectro, contendo o tipo base, fundamental, essencial, matricial.

IX - Trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.

Não importa ao preenchimento deste tipo legal a intenção específica do agente, os seus motivos ou os fins a que se propõe; o conhecimento do fim apenas pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto.

X – O tráfico de estupefacientes tem sido englobado na categoria do “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único acto conducente ao resultado previsto no tipo. Dito de outra forma, o resultado típico alcança-se logo com aquilo que surge por regra como realização inicial do iter criminis, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente ao consumo. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados na norma, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.

A consumação verifica-se com a comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente.

XI – O conceito foi introduzido na nossa jurisprudência a propósito deste tipo legal de crime (anteriormente esta qualificação foi versada, estando em causa crimes de falsificação e de contrafacção de moeda, no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 05-05-1993, recurso n.º 42.290, publicado na CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 220, onde se aborda a questão de várias resoluções criminosas e seu enquadramento nas figuras de crime único, crime continuado ou de acumulação de infracções) com o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Abril de 1996, proferido no recurso n.º 254/96, publicado na CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 170, proferido pelo mesmo Relator do anterior (aqui com um voto de vencido, em que se aborda a temática da unidade e pluralidade de crimes, continuação criminosa e unificação de conduta, e a figura de crime único de execução continuada), onde se define o crime exaurido como sendo “uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos actos, com produção de sucessivos resultados, é, ou pode ser, imputada a uma realização única”, isto é, “aquele em que o resultado típico se obtém logo pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que a continuação da mesma, mesmo que com propósitos diversos do originário, se não traduz necessariamente na comissão de novas violações do respectivo tipo legal”.

XII – O conceito foi retomado pelo mesmo Relator dos anteriores no acórdão de 18-06-1998, recurso n.º 256/98, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 167, se bem que aqui olhado mais na perspectiva da unificação da conduta plural, abarcando a extensão do período temporal de conexão entre comportamentos protraidos em determinado lapso de tempo, abrangidos pelo caso julgado, tendo este aresto sido seguido de perto no acórdão de 12-07-2006, recurso n.º 1709/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 2, págs. 239/241, versando a natureza do crime de tráfico de estupefacientes, concebido como crime de trato sucessivo, de execução permanente e de crime exaurido, procedendo a unificação de condutas praticadas num curto hiato temporal, constando do sumário: “A posse para venda, em dois momentos distintos mediando entre eles um mês, num mesmo quadro solicitante, de carência económica, permite concluir que se trata de um único desígnio criminoso despoletado pela condição pessoal e que suporta uma única resolução criminosa”. No caso, a arguida foi condenada por um crime único na pena de 2 anos e meio de prisão suspensa na sua execução por 4 anos.  

XIII – Já no dealbar deste século, a abordagem neste conspecto é feita no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Março de 2001, proferido no recurso n.º 101/01, publicado na CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 237/239, no qual o recorrente argumentava que, «embora seja o crime de tráfico de estupefacientes um crime de perigo em que é punível a mera detenção, tal não impede que se possa verificar a simples tentativa - o que seria a situação concreta -, uma vez que não se tinha apurado que “o agente tivesse tido a disponibilidade sobre o produto estupefaciente e muito menos a posse desse mesmo produto, tendo em consideração que o referido produto nunca passou para a esfera de disponibilidade do agente, já que não foi levantado dos Correios, nem pelo agente nem por interposta pessoa a seu mando”». Na posse do aviso o arguido J entregou-o ao arguido F seu irmão, para que este procedesse ao levantamento da encomenda, o qual solicitou a um colega seu, JN, para proceder ao levantamento da encomenda que, uma vez na sua posse, entregaria ao irmão arguido J.

XIV – O acórdão após citar o acórdão do STJ de 18-04-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 170, afirma:

«Isto quer dizer que o “primeiro passo” dado pelo agente na senda do “iter criminis” já constitui o preenchimento do tipo, valendo os passos seguintes apenas para efeitos de estabelecimento da medida concreta da pena a impor.

Daí que não seja possível conceber para tais crimes - de que o tráfico de estupefacientes é um exemplo vivo - quer a tentativa, quer a desistência “compensando-se” a falta desta com a figura do “arrependido”, susceptível de conduzir à menorização da censura”.

Em causa estava importação de 197,818 grs. de cocaína, através de contacto do arguido J com um desconhecido, residente na Colômbia, através de uma encomenda postal dissimulada na capa de um livro, tendo J fornecido a identidade de um destinatário falecido e que conhecera por ser irmão da sua cunhada M, continuando esta a morar naquele endereço, facto conhecido pelo arguido J.

Consta do sumário: “O crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido pelo que a mera detenção de estupefacientes, importados pelo arguido, destinados à venda, integra a prática do crime de tráfico daqueles produtos previsto e punido no artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22-1, desde que tenha agido livre e conscientemente e com conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei”.

XV – Como se referiu no acórdão de 5-12-2007, processo n.º 3406/07 “Já nos acórdãos da Relação do Porto de 11-05-1983, CJ 1983, Tomo 3, 281 e de Lisboa, de 28-07-1982, CJ 1982, tomo 4, 142, se defendia não ser necessário que o produto chegasse à posse do destinatário, por ser apreendido na Alfândega ou por ter sido descoberta a remessa por correio”.

XVI – O delito de empreendimento é referido por Hans Heinrich Jescheck, no Tratado de Derecho Penal, tradução de S. Mir Puig e F. Munõz Conde, edição de 1981, volume II, pág. 715, em parágrafo respeitante ao conceito, tipo e punição da tentativa, ao abordar a questão da punibilidade dos actos preparatórios e da tentativa, avançando como definição de empreendimento de um delito, como sendo a sua consumação e a sua tentativa.

 Especifica o Autor que “O sentido do delito de empreendimento é agravar a reacção jurídico-penal, equiparando a tentativa e consumação e impedindo assim a atenuação da pena na tentativa”, esclarecendo que “o empreendimento castiga-se como a consumação” e daí não ser possível a desistência – ibidem, pág. 754.

XVII – Trata-se de crimes que, como as falsificações e outros, ficam perfeitos com a comissão de um só acto, sendo crime formal com antecipação de punição - para o crime de falsificação, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15-02-2006, proferido no processo n.º 4306/05-3.ª Secção.

XVIII – Sobre esta categoria de crime, versando antecipação da tutela penal e defendendo uma concepção ampla de tráfico, pronunciou-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2001, de 30 de Maio de 2001, proferido no processo n.º 274/2001, 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 165, de 18 de Julho de 2001, em que estava em causa a inconstitucionalidade da dimensão normativa do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, apreciando recurso interposto do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Março de 2001, proferido no recurso n.º 101/01, publicado na CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 237/239, entendendo que o crime em questão não admite a tentativa, por violação do princípio da legalidade penal e do artigo 32.º da Constituição.

Aí pode ler-se: “A intervenção penal não tem de acontecer apenas nas situações em que o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora é efectivamente lesado pela conduta proibida. Em várias situações o legislador procede a uma antecipação da tutela penal, punindo comportamentos que ainda não lesaram efectivamente esse bem jurídico. Tal acontece, quando o comportamento em questão apresenta uma especial perigosidade para bens jurídicos essenciais à subsistência da própria sociedade, sendo, por essa via, legitimada aquela antecipação”.

O preceito incriminador define o tráfico de substâncias proibidas por uma série de condutas conducentes à efectiva transmissão da substância. Assim, qualquer um dos comportamentos previstos implica a consumação do crime.

Subjacente a esta concepção está o cariz particularmente perigoso das actividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não tanto como resultado de um processo.

As consequências pessoais e sociais do tráfico de droga justificam plenamente uma intervenção penal preventiva sobre o processo que conduz a tais consequências, abrangendo várias actividades relacionadas com a actuação no mercado onde a droga se transacciona.

O preceito encontra o seu fundamento na particular perigosidade das condutas que justifica uma concepção ampla de tráfico, desligada da obtenção do resultado da transacção. Porque se trata de condutas que concretizam de modo particularmente intenso o perigo inerente à actividade relacionada com o fornecimento de estupefacientes, o legislador antecipa a tutela penal relativamente ao momento da transacção”.

E finaliza o acórdão do modo seguinte: “A não punição da tentativa tem por justificação o facto de este crime não ser um crime de dano nem de resultado efectivo. Assim, a não punição de tentativa é apenas consequência de não se pretender antecipar mais a tutela penal já suficientemente antecipada na descrição típica”, concluindo pela não violação de qualquer disposição constitucional.

XIX – No acórdão de 15-12-2005, processo n.º 2890/05-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 235/7, é seguida de perto a orientação do acórdão do TC referido, qualificando o crime como exaurido e de tutela antecipada, afirmando “não ser concebível a tentativa de crimes do tipo de tráfico de estupefacientes, por pertencer à categoria dos chamados crimes exauridos ou de tutela antecipada” e “ no crime de tráfico punem, como realizações do crime consumado, comportamentos recuados, em relação à efectiva consumação, dado o cariz particularmente perigoso das actividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não como resultado dum processo”, e do mesmo modo no acórdão de 19-04-2007, processo 449/07-5ª Secção - cfr acs. de 08-02-2007, processo 4460/07-5ª Secção, “aquele em que para a incriminação do agente é suficiente a prática de um qualquer acto  de execução, independentemente de corresponder à execução do facto” e de 26-04-2007, processo 3181/06-5ª Secção.

XX – Para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-06-1994, recurso n.º 45.530, publicado na CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258, o crime de tráfico de estupefacientes é “crime de trato sucessivo, em que até a mera detenção da droga é já punida como crime consumado, dada a sua vocação (é um crime de perigo presumido) para ser transacionada”.

XXI – O crime de tráfico de estupefacientes enquadra-se na categoria dos crimes de perigo abstracto: aqueles que não pressupõem nem o dano, nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a um desses bens jurídicos.

XXII – O perigo presumido envolve-se na mera comprovação da detenção de uma determinada quantidade de substância tóxica, independentemente da real demonstração do perigo, ou o que dá no mesmo, da intenção de transmiti-la.

Cada uma das actividades previstas no preceito, sem mais, é dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime.

Trata-se de crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo; o crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral), como se refere nos acórdãos de 12-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 331; de 30-04-1986, BMJ n.º 356, pág. 166; de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 464; de 24-11-1999, processo n.º 1029/99, BMJ n.º 491, pág. 88; de 01-07-2004, processo n.º 2035/04-5.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 239; de 04-10-2006, processo n.º 2549/06-3.ª Secção; de 11-10-2006, processo n.º 3040/06-3.ª Secção; de 12-04-2007, processo n.º 1917/06-5.ª Secção; de 19-04-2007, processo n.º 449/07-5.ª Secção.

XXIII – Tem-se entendido que a natureza do crime p. e p. pelo artigo 21.º referido, enquanto crime de perigo abstracto, se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação consubstanciada na punição dos primeiros actos de execução do agente, sem se exigir, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente.

XXIV - Da verificação ou não da qualificativa da alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – Tráfico cometido em estabelecimento prisional.

O acórdão recorrido, por maioria, decidiu verificar-se o tipo agravado.   

XXV – O artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, na redacção dada pelo artigo 54.º da Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, preceitua que:

As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:

h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações.

XXVI – Como referia o acórdão deste Supremo Tribunal de 26-05-2005, proferido no processo n.º 3438/05-3.ª Secção, o tipo desenhado no artigo 24.º com o aditamento de circunstâncias atinentes à ilicitude que agravam a pena prevista para o crime fundamental destina-se a prevenir os casos de excepcional gravidade.

XXVII – No Comentário das Leis Penais Extravagantes, volume II, Universidade Católica Editora, Lisboa 2011, de Paulo Pinto Albuquerque e José Branco (Org.), versando o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, Pedro Patto, comentando o artigo 24.º, no ponto 2, pág. 500, refere: “Na interpretação deste preceito, e das suas várias alíneas, deve partir-se do pressuposto de que estamos perante um crime de gravidade excepcional e extraordinariamente elevada, substancialmente mais elevada do que aquela (já de si elevada) que corresponde ao tipo base do artigo 21.º. Só dessa forma poderá ser respeitada a proporcionalidade entre a gravidade do crime e a gravidade das penas aqui previstas. Sublinham este aspecto, entre outros, os Acs. do STJ de 8.2.06, proc. n.º 05P2988, e de 26.9.07, proc. n.º 07P1890, ambos in www.dgsi.pt”.”.

E no ponto 19, pág. 505, afirma: “A jurisprudência tem acentuado que a circunstância agravante em causa não opera de modo automático e que pode haver situações de tráfico em estabelecimento prisional punidas nos termos gerais do artigo 21.º. Nos casos que envolvam quantidades diminutas, cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação da droga entre a população prisional, não pode dizer-se que, à luz da ratio do preceito, estejamos perante condutas de ilicitude equiparável à ilicitude excepcionalmente elevada correspondente ao artigo 24.º em apreço”. 

XXVIII – É uniforme neste Supremo Tribunal o entendimento de que a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador.

XXIX – Os casos analisados reportam crimes de tráfico de estupefacientes cometidos no interior do estabelecimento prisional, detectados em buscas a cela, ou revistas pessoais, sendo as substâncias detidas pelo recluso, e casos em que há transporte destinado a dar entrada no estabelecimento prisional, mas em que a introdução no interior do estabelecimento é barrada logo à entrada, não chegando ao destino. Acórdão de 3-10-2002, proferido no processo n.º 2359/04-5.ª Secção, Acórdão de 19-02-2004, processo n.º 3466/03-5.ª Secção, Acórdão de 12-05-2004, processo n.º 4220/03-3.ª Secção, Acórdão de 14-07-2004, processo n.º 2147/04-3.ª Secção, Acórdão de 21-10-2004, proferido no processo n.º 3205/04-5.ª Secção (pelo mesmo Relator do acórdão de 3-10-2002), publicado na CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 202, Acórdão de 30-03-2005, proferido no processo n.º 3963/04-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 1, págs. 224/5/6, seguindo muito de perto o acórdão de 14-07-2004, processo n.º 2147/04-3.ª Secção, Acórdão de 20-04-2005, processo n.º 3434/04-3.ª Secção, Acórdão de 21-04-2005, processo n.º 1273/05-5.ª Secção, acórdão de 8-02-2006, proferido no processo n.º 3790/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 181, Acórdão de 14-03-2006, processo n.º 4413/05-5.ª Secção,         Acórdão de 06-06-2006, processo n.º 2034/06-5.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, págs. 204/207, Acórdão de 28-06-2006, proferido no processo n.º 1796/06-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2006, tomo 2, págs. 230/233, com o mesmo Relator do acórdão de 8-02-2006,        Acórdão de 6-07-2006, processo n.º 2034/06-5.ª Secção,  Acórdão de 12-10-2006, processo n.º 2427/06-5.ª Secção, com o mesmo Relator do acórdão de 6-07-2006, processo n.º 2034/06-5.ª, agora com dois votos de vencido, Acórdão de 23-11-2006, processo n.º 4065/06-5.ª Secção, Acórdão de 29-11-2006, processo n.º 2426/06-3.ª Secção, Acórdão de 15-02-2007, processo n.º 4092/06-5.ª Secção, Acórdão de 02-05-2007, processo n.º 1013/07-3.ª Secção,       Acórdão de 12-07-2007, processo n.º 3507/06-5.ª Secção,  Acórdão de 12-09-2007, processo n.º 2165/06-3.ª Secção, Acórdão de 16-01-2008, processo n.º 4638/07-3.ª Secção, CJSTJ 2008, tomo 1, págs. 198/206, em que interviemos como adjunto, Acórdão de 6-11-2008, processo n.º 2501/08-5.ª Secção, Acórdão de 21-01-2009, processo n.º 4029/08 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, Acórdão de 7-07-2009, processo n.º 52/07.2PEPDL.S1-3.ª Secção, Acórdão de 24-02-2010, processo n.º 59/06.7GAPFR.P1.S1, por nós relatado,        Acórdão de 26-09-2012, processo n.º 139/02.8TASPS.S1, por nós relatado, Acórdão de 02-12-2013, processo n.º 116/11.8JACBR.S1 - 5.ª Secção, Acórdão de 13-02-2014, processo n.º 160/13.0TCLSB.L1.S1 - 5.ª Secção, Acórdão de 29-10-2014, processo n.º 69/13.8PFPDL.L1.S1-3.ª Secção, acórdão de 11-06-2015, processo n.º 23/13.0PAVNF.P1-B.S1, da 5.ª Secção, em recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, os acórdãos em confronto haviam versado os artigos 21.º e 24.º, alínea h), do DL n.º 15/93, estando em causa a necessidade (ou não) de representação da circunstância qualificativa prevista na alínea h). Foi considerado não se verificar oposição de julgados, concluindo-se: “Considera-se que o dolo enquanto elemento intelectual se deve estender às circunstâncias qualificativas”, Acórdão de 12-10-2016, processo n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1- 3.ª Secção, Acórdão de 10-05-2018, processo n.º 311/16.3JELSB.L1.S1 - 5.ª Secção, Acórdão de 12-07-2018, por nós relatado no processo n. º 116/15.9JACBR.C1.S1, Acórdão de 13-09-2018, processo n.º 184/17.9JELSB.L1.S1- 3.ª Secção, Acórdão de 17-10-2018, processo n º 6077/16.0T9MTS.P1.S1 - 3.ª Secção, Acórdão de 27-06-2019, processo n.º 3405/17.4JAPRT.P1.S1 - 5.ª Secção.

XXX – Da análise da jurisprudência que vem de ser feita, resulta que nos casos de tráfico de estupefacientes cometidos em estabelecimento prisional são diversas as soluções, como a manutenção da circunstância modificativa agravante da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, ou convolação para o tipo matricial, ou mesmo para o tipo privilegiado, dependendo naturalmente do enquadramento específico de cada caso. Mas, com um denominador comum: a agravativa não é de funcionamento automático.

XXXI – Sendo desqualificado o crime por afastamento da agravativa da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, a convolação é feita em alguns casos, integrando a conduta no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do mesmo diploma legal, e em outros casos, afasta-se o preenchimento do tipo privilegiado, considerando-se integrado o tipo base do artigo 21.º.

XXXII – Como exemplos da primeira opção, temos os acórdãos de 14-07-2004, processo n.º 2147/04-3.ª Secção (detenção de 4 panfletos de heroína com o peso líquido de 0,313 gramas); de 24-11-2004, processo n.º 3239/04 -3.ª Secção (211 gramas de haxixe - 18 meses de prisão efectiva); de 30-03-2005, proferido no processo n.º 3963/04-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 1, págs. 224/5/6; de 8-02-2006, proferido no processo n.º 3790/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 181, 15 meses de prisão e pena suspensa; de 14-03-2006, processo n.º 4413/05-5.ª Secção; de 28-06-2006, proferido no processo n.º 1796/06-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230 (estando em causa 3 panfletos de heroína com o peso líquido de 0,213 gramas, na 1.ª instância fora o arguido condenado pelo crime agravado na pena de 7 anos de prisão e após convolação foi condenado na pena de 16 meses de prisão efectiva); de 29-11-2006, processo n.º 2426/06-3.ª Secção; de 2-05-2007, processo n.º 1013/07-3.ª Secção; de 12-09-2007, processo n.º 2165/06-3.ª Secção; de 07-07-2009, processo n.º 52/07.2PEPDL.S1-3.ª Secção; de 26-09-2012, por nós relatado no processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1 (pena suspensa) e de 02-12-2013, processo n.º 116/11.8JACBR.S1 - 5.ª Secção, em que operada a convolação, foi a arguida condenada na pena de 3 anos de prisão suspensa na execução.

XXXIII – Em sentido contrário, considerando que a imagem global da ilicitude do facto nunca pode ser consideravelmente diminuída pelo facto de o tráfico ocorrer num estabelecimento prisional, pronunciaram-se os acórdãos de 11-04-2002, processo n.º 376/02, da 5.ª Secção, apreciando recurso interposto pelo Ministério Público e revogando a qualificação pelo tipo privilegiado e alterando para o crime base; de 17-04-2002, processo n.º 2359/02; de 19-02-2004, processo n.º 3466/03-5.ª Secção, afastando o privilegiamento, mas não descartando atenuação especial; de 21-10-2004, processo n.º 3205/04-5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 202; de 12-05-2004, processo n.º 4220/03-3.ª Secção; de 21-04-2005, processo n.º 1273/05-5.ª Secção (a circunstância do tráfico ser exercido em estabelecimento prisional é suficientemente forte para impedir que a imagem global do facto seja a de uma ilicitude acentuadamente diminuída, considerando preenchido o tipo matricial); de 21-04-2005, processo n.º 766/05-5.ª Secção; de 6-07-2006, processo n.º 2034/06-5.ª Secção; de 11-10-2006, processo n.º 3040/06-3.ª Secção (considerando preenchido o tipo matricial); de 12-10-2006, processo n.º 2427/06-5.ª Secção; de 15-02-2007, processo n.º 4092/06-5.ª Secção, que decidiu que a lei considera que o crime praticado nas instalações de um estabelecimento prisional, tal como de um estabelecimento de educação, de acção social ou de tratamento de consumidores de droga, é mais grave, quer devido às características funcionais desses estabelecimentos, quer aos objectivos que lhes presidem, quer ainda ao maior perigo de disseminação do consumo pelas pessoas que os frequentam; de 16-01-2008, processo n.º 4638/07, da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, in CJSTJ 2008, tomo 1, págs. 198/206, neste aspecto citando os acórdãos de 21-4-2005 e 15-2-2007 (considerando preenchido o tipo matricial); de 6-11-2008, processo n.º 2501/08-5.ªSecção; de 21-01-2009, processo n.º 4029/08.3.ª Secção (considerando preenchido o tipo matricial); de 24-02-2010, por nós relatado no processo n.º 59/06.7GAPFR.P1.S1 (considerando preenchido o tipo matricial e suspendendo a execução da pena imposta a um dos arguidos); de 12-10-2016, processo n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1-3.ª Secção; de 14-12-2016, processo n.º 206/14.5GDCTX.S1-5.ª Secção, onde se afirma: “a verificação da agravativa da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, tem como consequência a impossibilidade de qualificação jurídica do facto típico na previsão do artigo 25.º, a), do mesmo diploma legal, já que por si só aumenta excepcionalmente a sua ilicitude”, sendo o arguido condenado na pena de 5 anos de prisão suspensa na execução e acompanhada de regime de prova; de 12-07-2018, por nós relatado no processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1 (considerando preenchido o tipo matricial, fixando a pena em 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução), no citado acórdão de 13-09-2018, processo n.º 184/17.9JELSB.L1.S1- 3.ª Secção (Difícil já será defender que em situações excecionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do art. 25.º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos. O que será adequado, em nosso entender, é recusar a automaticidade da agravação pelo simples facto da ocorrência do facto em ambiente prisional. A convocação do art. 25.º, numa situação de menor ilicitude em crime cometido em ambiente prisional, parece pois além do mais desnecessária para a prossecução de uma decisão justa) e acórdão de 19-09-2019, processo n.º 63/02.4TBPVZ.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, afastando a agravativa e considerando preenchido o tipo matricial.

XXXIV – Procurando estabelecer alguma semelhança entre o caso de tentativa de introdução de droga em estabelecimento prisional e os correios de droga, veja-se a nota de rodapé n.º 7 no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 249/11.0PECBR.C1.S1, da 5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 207 a 214 e o acórdão de 12 de Julho de 2018, por nós relatado no processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1, pág. 67.

XXXV – Não sendo de aplicação automática a qualificativa em apreciação, estando em causa a passagem de um pequeno invólucro em plástico contendo no seu interior 0,19 gramas de heroína, entende-se ser de desqualificar o crime, o que pode ser feito oficiosamente  

XXXVI –  Havendo um efectivo impedimento quanto a agravamento de pena aplicada – de acordo com o artigo 409.º do Código de Processo Penal, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo do arguido – o tribunal superior não está inibido de proceder a requalificação jurídica, quando o entender necessário.

XXXVII – Nada impede este Supremo Tribunal de indagar, por iniciativa própria, da correcção e justeza da subsunção jurídica feita no acórdão recorrido, como tem sido entendido em vários arestos, sem olvidar, desde logo, o Acórdão n.º 4/95, de 7 de Junho de 1995, publicado no Diário da República, I Série, de 6 de Julho de 1995, e no BMJ n.º 448, pág. 107, que então decidiu: “O Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”.

XXXVIII – O crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito.

A título exemplificativo, indicam-se no preceito como índices, critérios, exemplos padrão, ou factores relevantes, de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspectiva global, uma mais ampla e correcta percepção das acções desenvolvidas (actividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental do artigo 21.º, n.º 1.

XXXIX – O Decreto-Lei n.º 15/93 abriu o leque sancionatório relativamente ao antecessor Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, adicionando ao elenco dos tipos já previstos um novo específico tipo legal de crime, o denominado tráfico de menor gravidade.

Na anterior lei, o artigo 23.º – “antecessor” do actual artigo 21.º – abrangia as grandes, médias e pequenas quantidades de substâncias estupefacientes.

De fora, ficavam apenas as quantidades diminutas, situação prevista no artigo 24.º, definidas no n.º 3 do preceito como as que não excediam o necessário para consumo individual durante 1 dia, estabelecendo-se então para as substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, a pena compósita de prisão de 1 a 4 anos e multa de 20.000$ a 1.500.000$.

O novo artigo 25.º veio colmatar uma lacuna existente no sistema e prevenir os casos de diminuição considerável da ilicitude baseada, entre outros critérios, na qualidade ou quantidade de plantas, substâncias ou preparações.

XL – Não estando em causa no novo crime apenas um critério quantitativo relativo ao produto estupefaciente, até porque considerado isoladamente de pouco valerá, é óbvio que nunca o artigo 25.º poderia ser encarado como um “sucessor directo” do artigo 24.º do DL n.º 430/83, cuja marca distintiva era apenas a quantidade – a diminuta quantidade de estupefaciente – independentemente da sua conjugação com outros factores de avaliação, e mesmo no plano da mera dosimetria, do que isso pudesse exactamente significar, ou do modo como pudesse ser computada, sendo que nessa altura – dificuldade acrescida – não havia lugar sequer a reporte a diploma legal, como veio a acontecer já no âmbito da nova lei, com a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, norma complementar, que veio dar expressão, por força do critério do valor probatório da remissão nela contida, à norma sancionatória (em branco) – norma incompleta – do artigo 71.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, que veio definir os limites quantitativos máximos admitidos nas doses individuais de estupefacientes (em função dos quais se aplicam tipos de ilícitos comuns ou privilegiados) e de entender como norma de natureza meramente técnica, devendo ser interpretada como um critério de prova pericial, permitindo, pois, impugnação dos dados apresentados, nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal – neste sentido, cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 534/98, de 7 de Agosto de 1998, comentado in Revista do Ministério Público, n.º 75, págs. 173-180; ver ainda, a propósito, O Regime Legal do Erro e as Normas Penais em Branco, de Teresa Pizarro Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, Almedina, 2001, págs. 37/38.

XLI – Segundo Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Edição Bosch, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, pág. 363, a modificação dos tipos tem lugar através de «variantes dependentes do tipo básico completamente reguladas, que constituem por sua vez tipos qualificados ou privilegiados», ou pelo recurso a «causas inominadas de agravação ou de atenuação da pena», que a lei designa como «casos especialmente graves» ou «casos menos graves».

XLII – O artigo 25.º encerra um específico tipo legal de crime, o que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artigo 21.º – cfr. Jescheck, Tratado citado, pág. 363.

XLIII – A sua aplicação tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

XLIV – Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta.

XLV – Os índices, exemplos padrão, ou Regelbeispiel, enumerados no preceito, a par de outros, são atinentes uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), ou seja, pertinem todos estes factores ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízo sobre a culpa.

XLVI – Haverá que proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias. O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto) do bem jurídico protegido (saúde pública).

XLVII – Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de pouca importância do facto da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72.º do Código Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.

XLVIII – Qualquer que seja a posição adoptada sobre o posicionamento dogmático do novo crime, a verdade é que entre o citado artigo 25.º e o artigo 72.º do Código Penal, ressalta uma evidente conexão. Aquele dispositivo comina uma redução substancial da pena de prisão, relativamente ao tipo matricial (mínimo de 1 ano de prisão, em vez de 4 anos estabelecido para o tipo base, e máximo de 5 anos de prisão, em vez de 12 anos, encurtando-se de forma sensível, considerável, os limites da moldura abstracta cabível ao tipo fundamental) para os casos de tráfico em que a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, estabelecendo, inclusive, uma mais benévola moldura penal – 1 a 5 anos de prisão – do que a que resultaria de atenuação especial do crime base, pois, por força do artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, a moldura penal seria então de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão!

Por outras palavras, o artigo 25.º possibilita a aplicação de uma pena cujo limite máximo fica aquém da aplicação à moldura penal do tráfico base das regras de atenuação modificativa da pena do artigo 73.º do Código Penal.

XLIX – Revertendo ao caso concreto, está em causa o transporte pela arguida de 0, 19 gramas de heroína que entregou ao namorado, sendo efémera por parte deste a posse do produto, logo detectado, funcionando a arguida como correio, não havendo consumo e muito menos disseminação, atenta a diminuta quantidade.

L – A questão da quantidade foi abordada no acórdão de 9 de Maio de 2018, por nós relatado no processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1, em que o recorrente pugnava pela convolação de um crime de tráfico de menor gravidade por que vinha condenado para o de traficante consumidor, p. e p. pelo artigo 26.º do DL n.º 15/93, como consta do segmento “A questão da quantificação - O conceito indeterminado de consumo médio individual”.

LI – O n.º 9 da Portaria 94/96 estabeleceu os limites quantitativos máximos por cada dose média individual das plantas e substâncias constantes das tabelas, e do mapa anexo consta como limite quantitativo máximo para a heroína 0,1, o que significa que a quantidade em causa ficava ligeiramente abaixo do necessário para perfazer duas doses diárias, não chegando a perfazer 1/5 de um grama. Em termos comparativos, um invólucro de pilha para relógio pesa 0,29 gramas, o mesmo invólucro sem capa, pesa 0,21 gramas, um palito pesa 0,10 gramas, realidades que permitem ter uma ideia da dimensão do produto em causa.

LII – Se é certo que o artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, abandonou a referência de quantidades diminutas do artigo 24.º do DL n.º 480/83, não menos certo é que aquele alberga as quantidades diminutas.     

LIII – A tipificação do referido artigo 25.º permite ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21.º do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25.º.

LIV – O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do artigo 21.º do citado Decreto-Lei n.º 15/93.

LV – Face ao concreto quadro presente, perante uma conduta única, isolada, episódica, temos que ter em conta que o que privilegia o crime é a diminuição sensível, ponderosa, da ilicitude, o que se mostra verificado no caso; a avaliação global da conduta olhada no contexto em que a recorrente operou, demonstrando a conduta apurada um reduzido grau de ilicitude, conduz a não aceitar como boa a interpretação da primeira instância.

 Em suma, procede a pretensão de integração da conduta da recorrente no tipo privilegiado do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

LVI – Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.

LVII – No que toca ao bem jurídico protegido, como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstracto, noutra perspectiva, estamos face a um crime pluriofensivo.

LVIII – Trata-se de um crime de perigo comum, dado a sua incriminação visar proteger uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente, de carácter pessoal e ainda um de carácter mais geral, a saber, a saúde pública. Com efeito, o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores – visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral – a saúde pública – pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo – neste sentido o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 6 de Novembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, n.º 78, de 2 de Abril de 1992 e no BMJ n.º 411, pág. 56 e ss., o qual versou o princípio da presunção de inocência do arguido e abordou a constitucionalidade do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83 (seguido de perto pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 441/94, de 7 de Junho de 1994, publicado no Diário da República, II Série, n.º 249, de 27 de Outubro de 1994 e no BMJ n.º 438, pág. 99 e ss.), que abordou a constitucionalidade da mesma norma e onde se afirma: “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia”. Estes acórdãos vieram a ser citados e seguidos pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 604/97, de 14-10-1997, proferido no processo n.º 507/96, da 1.ª Secção, versando o princípio da presunção de inocência do arguido, tendo em conta a norma do artigo 40.º do DL n.º 15/93.

LIX – Para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-06-1983, publicado no BMJ n.º 328, pág. 317, o bem jurídico protegido é a saúde psicossomática da população.

Extrai-se do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Maio de 1985, in BMJ, n.º 347, pág. 220 - No crime de tráfico o legislador estabeleceu a punição das condutas aí especificadas porquanto as considerou em si mesmas perigosas, já que, segundo as regras da experiência comum são aptas a produzir efeitos danosos num número indeterminado de bens jurídicos.

Segundo o acórdão do STJ de 29-03-2000, proferido no processo n.º 1201/99, da 3.ª Secção, sumariado em SASTJ, n.º 39, Março de 2000, pág. 58, o tipo legal de tráfico de estupefacientes viola uma pluralidade de bens jurídicos da mais alta importância, entre os quais devem salientar-se a vida humana, a saúde física e psíquica e a própria estabilidade social.

Segundo o acórdão do STJ de 17-05-2000, proferido no processo n.º 44/2000, publicado na CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 193, o bem jurídico essencial que a previsão das normas sobre os crimes de tráfico de estupefacientes visa proteger é o da saúde pública, a que se acrescenta o da própria economia e da organização do Estado (em alguns países afectada por este tipo de criminalidade).

De acordo com o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1-03-2001, recurso n.º 4128, CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 234/7, o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões incriminatórias do tráfico de estupefacientes é a saúde pública

em conjugação com a liberdade do cidadão aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência que a droga gera.

O bem jurídico protegido pela tipificação do crime de tráfico de estupefacientes é a saúde pública, que se reconduz, segundo a jurisprudência, a bens jurídicos como a “vida, a saúde, coesão interindividual das organizações fundacionais da sociedade” – assim, o acórdão do STJ de 28-04-2004, processo n.º 0491116, in www.dgsi.pt.

Para o acórdão de 4-10-2006, proferido no processo n.º 069812, in www.dgsi.pt, o bem jurídico tutelado é “a saúde individual dos consumidores e pública, liberdade individual e estabilidade familiar e até a economia do Estado, afetada por negócios com origem no mundo subterrâneo da droga”.

Para o acórdão de 21-03-2007, processo n.º 34/07-3.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 220, “O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo comum protegendo uma multiplicidade de bens jurídicos reconduzidos à saúde pública. E é também um crime de perigo abstracto, porque não pressupõe nem o dano, nem o perigo dos bens jurídicos protegidos, bastando-se com a perigosidade da acção para esses bens jurídicos”.

De acordo com o acórdão deste Supremo Tribunal de 15-09-2010, proferido no processo n.º 1977/09.6JAPRT.S1-3.ª Secção “Os bens jurídicos a acautelar com a incriminação pelo tráfico de estupefacientes são a protecção da saúde individual, da liberdade individual do consumidor, da economia do Estado, porque o tráfico propicia economias paralelas, subterrâneas, de complexa sindicância, fazendo do tráfico um negócio temível e comunitariamente repugnante, fundamentalmente pela devastação física e psíquica do consumidor, geralmente as camadas mais jovens do tecido social, instabilidade e, na maior parte dos casos, a desgraça total do seu agregado familiar, censurável em alto grau no plano ético-jurídico, até pelos custos sociais a que conduz, relacionados com o absentismo laboral e a contracção de doenças transmissíveis”.

LX – Concretizando, temos que quanto ao período temporal da conduta delitiva temos um acto isolado, conduta única. No caso presente há que atender à natureza e qualidade do produto estupefaciente em causa, reveladora de ilicitude dentro daquela que caracteriza o tipo legal, por se tratar de heroína – substância incluída na Tabela I – A, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – tratando-se de droga considerada como dura. Será de atender ainda à quantidade de heroína transportada pela recorrente e modo de execução, o que releva para aferição de uma visão global do facto, pela perigosidade que envolve, no caso de considerar como reduzida/baixa. O dolo da recorrente foi directo, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, mas, não obstante, quis a realização do facto típico. A arguida como antecedentes criminais tem uma condenação no processo n.º 1043/15.5Y2EVR, por crime de furto praticado em 05-11-2015, punido com multa de 100 dias à razão diária de € 5, tendo a decisão transitada em julgado no dia 01-09-2017, como consta do FP 8.

LXI – As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tráfico, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública – e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme.

LXII – Concluindo. Por todo o exposto, tendo em conta a moldura penal cabível de um a cinco anos de prisão, ponderando todos os elementos supra mencionados, entende-se fixar a pena em dois anos de prisão, que se considera como equilibrada e adequada, a qual respeita os critérios legais enunciados, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado, mostra-se ajustada à culpa da recorrente pelo facto praticado e responde às necessidades de prevenção especial, não afrontando os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – nem as regras da experiência, antes se mostrando adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa da recorrente.

LXIII – No presente recurso apenas num cenário de uma redução na medida da pena aplicada, poderá equacionar-se tal eventualidade, pois face à pena aplicada no acórdão recorrido não era possível ventilar a hipótese, por encontrar-se ultrapassado o limite de cinco anos de prisão.

 Com a pena ora fixada a questão é diferente, impondo-se um outro tipo de abordagem, já que se mostra preenchido o pressuposto formal, pois que a pena queda-se por patamar que corresponde se situa abaixo do limite estabelecido para a ponderação da suspensão da execução no artigo 50.º do Código Penal.   

 Atenta a dimensão da pena ora fixada, que se situa abaixo do limite até ao qual é possível fazer funcionar a substituição, há que indagar da possibilidade de suspender a respectiva execução, impondo-se pronúncia sobre a concessão ou denegação de aplicação no caso presente da pena de substituição, havendo que averiguar se a pena cominada deve ou não ser objecto de suspensão na sua execução, o que demanda a necessidade de avaliar a situação concreta em ordem a ver se é possível a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente à conduta futura da recorrente.

LXIV – Neste quadro, tendo presente que sempre serão de evitar riscos de fractura familiar, social, e comportamental como factores de exclusão, e assumindo por outra via, o risco que sempre estará presente em decisões deste tipo, com projecção e avaliação da sua justeza no futuro, suspender-se-á a execução da pena, nos termos do artigo 50.º do Código Penal.

LXV – Nesta perspectiva, crê-se ser fundada a esperança de que a socialização em liberdade possa ser lograda e não saírem defraudadas as expectativas comunitárias de reposição/estabilização da ordem jurídica, da confiança na validade da norma violada e no cumprimento do direito, nem será demasiado arriscado conceder uma oportunidade à recorrente, suspendendo a execução da pena, por haver condições para alcançar a concretização da socialização em liberdade, enfim, a finalidade reeducativa e pedagógica, que enforma o instituto, e que face ao disposto no n.º 5 do artigo 50.º, terá a duração de dois anos, com sujeição a regime de prova.

LXVI – A simples ameaça da execução da pena como medida de reflexos sobre o comportamento futuro será suficiente para dissuadir a recorrente de futuros crimes, evitará a repetição de comportamentos delituosos por parte da mesma, dando-se crédito à capacidade de resposta e inserção social nos próximos dois anos.

 LXVII – Sendo certo que todo o juízo de prognose sobre um futuro comportamento comporta inevitavelmente algum risco, no caso concreto, podemos afirmar que tal juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento da recorrente não se mostra demasiado arriscado. Por outro lado, a pena de suspensão não colocará em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.

 LXVIII – Certa da solene advertência que lhe é feita, a recorrente terá de aproveitar a oportunidade agora concedida, e após esta chamada à razão tem de mostrar ser merecedora da confiança que agora o tribunal nela deposita no sentido de uma forte muralha na prevenção da reincidência. Oportunidades de mudança de rumo, nem sempre as há. Mas, quando surgem, há que agarrá-las, preservá-las, e fazer por merecer o voto de confiança. Nestes termos, considera-se estarem reunidas as condições para que seja decretada a suspensão da execução da pena aplicada à recorrente.

LXIX – Concluindo: A pena aplicada à arguida será suspensa por dois anos, com sujeição a regime de prova, nos termos do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, assente em plano de reinserção social, nos termos a definir pelos serviços competentes.

LXX – Foi deliberado:

a) Julgar procedente o recurso interposto pela arguida AA, e em consequência:

b) Revogar o acórdão recorrido na parte em que considerou estar preenchido o crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

c) Convolando, condenar a arguida AA, pela autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, fixando a pena em dois anos de prisão;

d) Suspender a execução da pena por dois anos, com sujeição a regime de prova, nos termos do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, assente em plano de reinserção social, nos termos a definir pelos serviços competentes.

Decisão Texto Integral:

      No âmbito do processo comum com intervenção de Tribunal Colectivo n.º 23/17.0PEBJA do Juízo Central Cível e Criminal de Beja, foi submetida a julgamento a arguida AA, natural da freguesia da ….., …, nascida a … de… de 1983, solteira, residente na Rua da …, n.º ...., em … .

      O Ministério Público deduziu acusação, a fls. 88/90, imputando à arguida a prática, em autoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo disposto nos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por referência à Tabela I-A), anexa ao citado diploma legal.


**

      Realizou-se audiência de julgamento em 13-05-2019, na ausência da arguida, após adiamento por falta da mesma a 29-04-2019, como se colhe do teor das actas respectivas. (Fls. 140/1 e fls. 148 a 150).

      Por acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Cível e Criminal de …, da Comarca de …, de 22 de Maio de 2019, constante de fls. 164 a 173, depositado no mesmo dia, conforme declaração de depósito de fls. 178, por maioria, foi deliberado:

      - Condenar a arguida AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º 1 e 24.º, alínea h), do DL n.º 15/93, de 22.01 com referência à Tabela I-A em anexo na pena de 5 (cinco) anos e 3 (três) meses de prisão.

       - Declarar perdido a favor do Estado o estupefaciente apreendido, determinando a sua destruição.

       A anteceder o acórdão recorrido consta a seguinte

       “Nota prévia:

       Deixa-se consignado que após concluída a deliberação e votação, a Mma. Juiz Presidente do Colectivo ficou vencida, motivo pelo qual o presente acórdão é elaborado pela Juiz mais antiga dos que fizeram vencimento, nos termos do disposto no art. 372º n.º 1 do CPC”.

      A declaração de voto consta de fls. 174 a 176.


***

       Inconformada com o assim deliberado, a arguida interpôs recurso a fls. 187, para este Supremo Tribunal, apresentando a motivação de fls. 188 a 198 verso, que remata com as seguintes conclusões (em transcrição integral, incluindo realces):

CONCLUSÕES:

     NÃO PODEMOS CONCLUIR, como, no Douto Acórdão, de fls. ..., do Tribunal “a quo”, se CONCLUI.

Trata-se, de uma DECISÃO IMPERFEITA, tendo violado, os normativos legais, aplicáveis, ao caso concreto, pelo que deve ser alterada, o que por certo, Vossas Excelências, providos da Experiência e do Saber, que os caracteriza, DETERMINARÃO, dando provimento ao Recurso, por, assim ser de Direito.

I – O douto Tribunal “a quo” andou mal ao condenar a Arguida, pelo art.º 21.º, n.º 1 do Dec-Lei 15/93 de 22 de Janeiro e Tabelas I-A, lançando mão da agravação do art.º 24.º h) do mesmo diploma, condenando-a numa pena de prisão efectiva de cinco anos e três meses.

II – Porém, o Acórdão de que ora se recorre aplicou erroneamente o Direito ao caso concreto pelo que se impõe diverso enquadramento jurídico dos factos apurados e diferente pena a aplicar à Arguida.

III – O Tribunal “a quo” andou mal na subsunção jurídico-penal e aplicou uma pena manifestamente gravosa até porque violou o disposto no art.º 71 n.º 1 e 2 do Codigo Penal.

IV – Mais, foram mal interpretadas pelo Tribunal “a quo”, as normas do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro, aplicando indevidamente a agravação do art.º 24.º h) do mencionado diploma.

V – Na interpretação da norma e sua subsunção aos factos impunha-se considerar relevante a diminuta quantidade de droga transportada pela Arguida (0,19g).

VI – A agravação aqui em causa não pode ser aplicada de modo automático pelo facto de ocorrer em Estabelecimento Prisional.

VII – Enferma de erro a decisão posta em crise, quando não afasta a agravação que só deveria operar perante situações de difusão ou potenciadoras dessa difusão em Estabelecimento Prisional.

VIII – Pois ficou patente e bem claro, inclusive no voto de vencida da MM Juiz do tribunal “a quo” que era adequada a subsunção dos factos ao art.º 25.º do Dec-Lei 15/93.

IX – Não pode senão concluir-se que o crime de tráfico de droga ao admitir várias graduações pune de modo mais grave as situações em meio prisional susceptíveis de por em risco a saúde a população prisional ou potenciadoras desse risco, mas não automaticamente,

X - O Tribunal “a quo” ignora, o parco desvalor do comportamento da Arguida, e o diminuto perigo causado.

XI -O Acórdão do tribunal “a quo” deveria concluir pela aplicação aos factos do art.º 25.º do diploma aqui em causa, uma vez que não existiram quaisquer circunstâncias de planificação e complexidade no factos praticados pela Arguida.

XII – Não se logrou provar qualquer intenção de disseminação e muito menos de lucro, pelo que, afastada a agravante, nada obsta a optar pela aplicação do crime de tráfico de “menor gravidade”.

XIII – A valoração global do episódio é determinante, para que se conclua que todos os pressupostos da aplicação do art.º 25.º do Decreto-Lei 15/93 estejam reunidos.

XIV - Ora a aplicação de tal entendimento ao caso concreto resultará não só no afastamento do tipo agravado como a aplicação do tipo privilegiado.

XV - Deve entender-se que a imagem global dos factos permite concluir pela considerável diminuição da ilicitude pela desvalorização resultante da subsunção destes elementos do tipo do art.º 25.º.

XVI - Diga-se desde logo porque o comportamento da Arguida não assumiu um cariz nocivo relevante.

XVII – Impunha-se ao douto Tribunal “a quo” uma imperativa interpretação teleológica, respeitando a tendência jurisprudencial concluindo pela condenação da Arguida pelo crime de tráfico de menor gravidade.

XVIII – A actuação da Arguida circunscreveu-se a uma situação isolada.

XIX – A medida da pena não pode exceder a medida da culpa. E a culpa decide a medida da pena.

XX - No caso não poderá ser de afastar a suspensão da pena pois as finalidades da punição nomeadamente a prevenção geral poderão ser suficientemente e adequadamente realizadas pela mera censura do facto.

XXI - Na determinação da medida da pena há que, num primeiro momento, escolher o fim da pena, depois há que fixar os factores que influem no seu doseamento, tecendo-se, por fim, os considerandos que fundamentam a pena concreta aplicável.

XXII – A reclusão decidida nos Autos terá um efeito negativo estigmatizante e perverso.

XXIII – Deverá ser concedida a Arguida a hipótese de comprovar à sociedade e a si que está disposta a refazer a sua vida fora do quadro da vivência abusiva que viveu, e para tal é necessário que se reduza e suspenda a pena.

XXIV – A Arguida encontra-se em tratamento aditivo e de perturbação histriónica da personalidade junto do CRI de …, e apenas uma pena suspensa na sua execução permitirá manter esse acompanhamento.

XXV - O Tribunal “a quo” violou, como se pretende demonstrar, o disposto no art.º 71.º do Código Penal, por incorrecta e imprecisa aplicação, desde logo porque ignorou, e não valorou,

XVI - Na verdade, pese embora as considerações tecidas por esse douto tribunal a Arguida é toxicodependente em tratamento e “traficante” de menor gravidade pois apenas pretendeu ceder a droga para fazer face à “ressaca” do seu então companheiro.

XVII Urge dar a esta Arguida uma oportunidade, e assim, concluiu a MMJuíza no seu voto de vencida, propondo uma pena de dois anos e seis meses de prisão, suspensa na sua execução, sanção que a Arguida considera conforme ao Direito e aos factos.

XVIII - Em arestos de natureza semelhante tem vindo esse Colendo Tribunal a concluir que pesadas as necessidades de prevenção geral e especial do caso não é de excluir a suspensão da pena.

XIX – A moldura penal que consideramos correctamente aplicável ao caso concreto vai até ao máximo de 5 anos de prisão.

XX – A relativa juventude da Arguida bem como a sua estrutura familiar permitem concluir que a mera censura do facto e a ameaça de pena bastarão para a afastar desta delinquência episódica na sua vida.

XXI - A aqui Recorrente nunca foi condenada por crime de idêntica natureza, e resulta do relatório social e dos Autos o seu arrependimento.

XXII - Deve assim, ser suspensa a sua pena sob pena de violação do art.º 18.º n.º 2 da C.R.P., e art.º 72.º do Código Penal como violou o Tribunal “a quo”.

XXIII -A prática do crime deveu-se ao consumo de estupefacientes e à relação abusiva que vivia com o ex-companheiro.

XXIV – A Arguida tem o apoio incondicional da família, onde se insere um filho menor com 15 anos.

XXV – A Arguida tem casa onde ir morar e conta com o apoio da família para lhe proporcionar os rendimentos necessários à sua subsistência, mantendo o propósito de encontrar trabalho.

XXVI - Assim as REACÇÕES CRIMINAIS, só se podem justificar, por aplicação, por RAZÕES DE PREVENÇÃO, nomeadamente por “necessidade” de Prevenção Geral, tal como se retira do art.º 18º, n.º 2, da Constituição da Republica Portuguesa.

XXVII - Atendendo à expectativa e à necessidade de uniformidade na actuação penal parece-nos manifesto que andou mal o tribunal “a quo” ao condenar a recorrente numa pena privativa da liberdade.

XXVIII - E existe já jurisprudência verdadeiramente demolidora para os argumentos genéricos apresentados pelo tribunal “a quo” em referência às necessidades de prevenção geral a que aderimos na totalidade:

XXIX – Aos tribunais cabe, serenamente, apreender os factos - trazidos pela acusação e pela defesa – compreender os fenómenos e, na aplicação da lei, seja nas fases preliminares, seja para a qualificação jurídica dos factos já na fase de julgamento, seja para a determinação da espécie e medida de pena, atender aos valores e princípios de civilidade em que todos nos acoitamos e aplicar, sem excepção, as regras do direito penal.

XXX - Considerando a personalidade do agente as suas condições de vida, a sua conduta anterior ou posterior ao factos e à circunstância deste, é de concluir que a simples censura do facto e a ameaça do cumprimento da pena realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XXXI - Porquanto e tendo em conta o supradito todas as circunstâncias acima referidas pesadas, permitirão, seguramente, concluir por uma menor necessidade da pena conjugada com um juízo de censura atenuado pelo quadro de circunstâncias em que agiu, pelo facto de ter interiorizado o mal da sua actuação e por ter um quadro favorável à sua reintegração numa vida social e profissional activa, perspectivando-se a possibilidade de a manutenção da liberdade favorecer tal prognóstico.

XXXII - É possível hoje, no que à Arguida AA diz respeito, formular um muito favorável juízo de prognose, sendo de crer que a simples censura do facto e a ameaça da pena vão realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

XXXIII - Desta forma, o Tribunal “a quo” violou, entre outros: os art.ºs 18.º n.º 2 da Constituição da República Portuguesa, os art.º 50.º, 70.º e 71.º  e 72.º do Código Penal, e o art.ºs 25.º do Decreto-Lei 15/93 de 22 de Janeiro.

      Termina pedindo seja dado provimento ao recurso e, por via dele, seja revogado o Douto Acórdão, e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta, condenando a Arguida em pena não privativa da liberdade, e suspendendo a execução da pena concretamente aplicada, tudo com as legais consequências.

       Nota – Na enunciação das conclusões ocorreu lapso, pois a seguir à conclusão XXV, deveria vir a conclusão XXVI, mas em vez disso seguiu-se a conclusão XVI, assim continuando até à última XXXIII, que de forma correcta deveria ser XLIII.

       Daí que as conclusões sejam 43 e não 33!


***

     O recurso foi admitido por despacho de fls. 200.

     O Ministério Público respondeu, conforme fls. 206 a 210, pugnando pela confirmação integral do decidido, rematando assim:

      “Aqui chegados, só nos resta, por isso, concluir que as críticas que a recorrente aponta ao douto acórdão, quanto à subsunção jurídica do crime, quanto à medida concreta da pena e quanto à não aplicação de uma pena de suspensão, carecem de justificação atendível.

E daí que o douto acórdão deva ser integralmente confirmado.

V. Ex.ªs, no entanto, decidirão, fazendo, como sempre, Justiça”.


***

      Por despacho de fls. 211 foi ordenada a subida dos autos ao “Venerando Tribunal da Relação de Évora” (SIC).

     Porém, de forma correcta, o processo foi enviado para este Supremo Tribunal de Justiça, conforme fls. 212 e 213.


***

      O Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal emitiu douto parecer de fls. 214 a 225, defendendo a manutenção do decidido, e após afirmar concordar em termos gerais com o voto de vencido e citar os acórdãos deste Supremo Tribunal de 12 de Julho de 2018, proferido no processo n º 6077/16.0T9MTS.P1.S1 e de 2 de Dezembro de 2013, proferido no processo n.º 116/11.8JACBR.S1, diz:

      “10. (…) Ora, se há circunstâncias previstas no art. 24.º que são incompatíveis com uma ilicitude acentuadamente diminuída, como aquela que é pressuposto da aplicação do art. 25.º (são os casos, entre outros, de as substâncias estupefacientes terem sido distribuídas por grande número de pessoas ou de o agente ter obtido ou procurar obter avultada compensação remuneratória (alíneas b) e c) do art. 24.º), outras há que não contêm essa incompatibilidade.

     É o caso de a infracção ter sido praticada no interior de estabelecimento prisional. Será ela incompatível com uma ilicitude consideravelmente diminuída? Tudo depende do restante circunstancialismo que rodeou a infracção, que tem de ser globalmente considerado. Diz o Acórdão citado: "A circunstância prevista na alínea h) do art. 24.º do DL 15/93, de 22/1, é paradigmática (…) Com efeito, a posse de droga em estabelecimento prisional por quem lá cumpre pena de prisão constitui facto particularmente perigoso se a finalidade do agente é disseminá-la pela população prisional, e ainda mais perigoso, quando o mesmo agente visa a obtenção de lucro, seja pela indiferença que revela pelos fins da pena que cumpre, seja pelo perigo que isso representa para a saúde dos detidos. Se este é o fundamento da agravação, somos forçados a concluir que a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador».

       […].

      Existirá ilícito agravado, em princípio, quando houver disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, quando a quantidade for significativa, ou quando a intenção for meramente lucrativa. É a análise do caso que determinará a verificação, ou não, da agravação.

      Não se verificando a agravação e reconduzidos os factos ao crime comum do art. 21º do mesmo diploma, nada obsta a que eles possam ser subsumidos ao art. 25º, também do DL nº 15/93, desde que, evidentemente, os respectivos pressupostos (menor gravidade) estejam reunidos. 

      […] [O] que não significa que» a circunstância de os factos terem ocorrido em estabelecimento prisional «não seja levada em conta na fixação judicial da pena».

      11. Volvendo, então, ao caso dos autos, quase que se pode afirmar que a eloquência das transcrições que se acabam de efectuar dispensam considerações adicionais: recordando da súmula dos factos provados que apenas ficou assente que a arguida, visita do recluso, lhe entregou, uma (única) vez, 0,19 g de heroína – é dizer, não mais do que o equivalente a duas doses médias individuais, de acordo com o mapa anexo à Port. n.º 94/96, de 26.3 – e que nem sequer se apurou a sua destinação – isto é, se para consumo dele ou se para posterior venda ou cedência, no todo ou em parte, a terceiros –, bem se pode dizer – sem quebra do muito respeito devido por diversa opinião – que, perante um tal «circunstancialismo […] globalmente considerado», só por absurdo se pode sustentar que a conduta sub judicibus releva da ilicitude exasperada suposta pelo art.º 24º al.ª h) do Decreto-Lei n.º 15/93 – ou, é o mesmo, do tráfico de excepcional gravidade que ele quer combater – ou, até, do patamar mínimo da ilicitude própria do tráfico de média a muito elevada gravidade para que o tipo-base do art.º 21º está pensado.

      Bem diferentemente – parece ao signatário –, trata-se de uma situação em que os meios utilizados – a propósito do que nada se apurou a não ser que a heroína foi transportada heroína pela arguida –, a modalidade e as circunstâncias da acção – a propósito do que nada se apurou, designadamente, se a droga foi, sim ou não, encomendada pelo recluso ou se tratou de um acto de venda, de permuta ou de dádiva –, e a quantidade de produto – diminuta, como se viu –, apontam muito claramente para a considerável diminuição da ilicitude do tráfico para que a válvula de segurança do art.º 25º al.ª a) do Decreto-Lei n.º 15/93 foi, precisamente, criada.

       12. Por tudo o que, e rematando nesta parte, o Ministério Público é pela procedência do recurso quanto à qualificação dos factos, entendendo que eles devem ser reconduzidos para a previsão e punição do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade do art.º 25º a) do Decreto-Lei n.º 15/93 e Tabela I-A anexa. 

Medida da pena.

      13. Quanto à questão da medida da pena seguidamente colocada no recurso, começar-se-á por dizer que, devendo os factos ser tratados no contexto do art.º 25º al.ª a) do Decreto-Lei n.º 15/93, cabe-lhes pena de prisão de 1 a 5 anos, que outra sanção não lhe comina alternativamente a lei: «Se, nos casos dos artigos 21.º e 22.º, a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações, a pena é de: […] Prisão de um a cinco anos, se se tratar de plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III, V e VI». (…)

     15. Neste quadro e in casu:

 -A matéria de facto fixada preenche, objectiva e subjectivamente, a previsão do crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade do art.º 25º al.ª a) do Decreto-Lei n.º 15/93, a que corresponde pena de prisão de 1 a 5 anos;

- A culpa é acentuada e o dolo directo;

- Dentro da suposta pelo tipo, a ilicitude é de grau médio superior: a quantidade de produto estupefaciente é muito pequena mas, do ponto de vista do bem jurídico protegido – a saúde pública – a substância – heroína – é das mais perniciosas e os factos ocorreram em local particularmente defeso – o meio prisional.

- A arguida, que não esteve presente em julgamento, conta com uma condenação anterior, em pena de multa, por crime de furto, dispõe de apoio familiar e vem seguindo, mas com irregularidade, tratamento à dependência de drogas.

      Ora, como repetidamente vem afirmando este Supremo Tribunal, nos crimes de tráfico de estupefacientes as finalidades de prevenção geral impõem-se com particular acuidade, desde logo pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que, em geral, os consubstanciam. E são, de outro lado, conhecidas as muito graves consequências do consumo de estupefacientes, não só ao nível da saúde dos consumidores, como também no plano da desinserção social e familiar que lhe anda quase sempre associada.

     Sendo, por tudo e no caso, as exigências de prevenção geral já de significado, muito por conta, aliás, da circunstância de o episódio ter ocorrido em estabelecimento prisional.

  Menos acentuadas são, de seu lado, as necessidades de ressocialização: a arguida segue, ainda que com irregularidade, tratamento à toxicodependência, tem apoio familiar e não conta com antecedentes criminais conexos com drogas.

       A culpa, como se disse, é acentuada.

      Tudo ponderado e sem que os 2 anos e 6 meses de prisão sustentados no voto de vencido – um pouco aquém do ponto médio da moldura abstracta – repugnem, afigura-se ao signatário (mais) adequada e (mais) proporcionada pena na ordem dos 3 anos de prisão.

     16. O que, concluindo nesta parte, se propõe, nessa medida também aqui procedendo o recurso.

Substituição da pena de prisão pela da suspensão da sua execução.

       17. Como referido, além da requalificação dos factos e da redução da pena de prisão, quer a arguida vê-la suspensa na sua execução.

      Já se viu, que o signatário é pelo atendimento das duas primeiras pretensões, entendendo que a arguida deve ser condenada pelo crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e na pena de 3 anos de prisão.

       E – acrescenta-se agora – também é pela pena de substituição.

       (…)

      «Ter a pena aplicada sido estabelecida em medida não superior a cinco anos é [, assim,] o primeiro pressuposto (o pressuposto indispensável) para a substituição da pena de prisão, sendo então obrigatório equacionar essa substituição no cumprimento de um poder/dever ou poder vinculado».

      Quanto ao pressuposto material exigido pela segunda parte do mesmo preceito, que «fundamenta o juízo de prognose favorável, ou seja a conclusão de que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição», sabe-se que são «sobretudo considerações de prevenção especial (e não de culpa) as que estão na sua base permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva».

      E sabe-se também que tal juízo «assenta na análise das circunstâncias do caso em correlação com a personalidade do agente, visando obter em toda a linha possível a socialização em liberdade, em consonância com a finalidade político-criminal do instituto, que é o afastamento do condenado da prática de novos crimes por meio da simples ameaça da pena, eventualmente com sujeição a deveres e regras de conduta, se tal se revelar adequado a tal objectivo e desde que as exigências mínimas de prevenção geral fiquem também satisfeitas com a aplicação da pena de substituição» [1].

     20. No caso, sendo fixada a prisão em medida não superior o 5 anos, estará verificado o pressuposto formal da pena de substituição.

      Já quanto ao pressuposto substancial, crê-se que a juventude da arguida – conta com (quase) 36 anos de idade, (ainda) muito a tempo de arrepiar caminho –, a ausência de antecedentes criminais por tráfico de drogas, a existência de uma única condenação por furto e em pena de multa e o apoio familiar por parte dos pais, constituem índices de uma condição pessoal e de uma personalidade para quem a reprovação própria da condenação e a ameaça da pena constituirão suficiente contramotivação relativamente à prática de futuros crimes.

       Reprovação e ameaça que, do mesmo modo, constituirão satisfação bastante à comunidade, reafirmando perante ela a validade e a vigência dos valores violados, apesar do já significativo grau em que o foram. 

      21. Sendo, desse modo e por tudo, de suspender a execução da pena de prisão por período igual ao da sua medida, ainda assim o deverá ser com sujeição ao regime de prova. E assim no sentido de, mediante o acompanhamento pela DGRSP, incentivar a arguida a, entre o mais, seguir com maior efectividade a terapia à dependência de drogas de que se mostra carecida.

       22. Termos em que, rematando nesta parte – e, afinal, em tudo – o Ministério Público é pela procedência do recurso também no tocante à suspensão de execução da pena de prisão, a decretar pelo mesmo tempo desta e com sujeição a regime de prova nos termos dos art.os 50º n.º 2 e 53º do CP”.


***

      Cumprido o disposto no artigo 417.º, n.º 2, do CPP, a recorrente silenciou.

***

      Não tendo sido requerida audiência de julgamento, o processo prossegue com julgamento em conferência, nos termos do disposto no artigo 411.º, n.º 5, do Código de Processo Penal. 

***

     Como é jurisprudência assente e pacífica, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso – detecção de vícios decisórios ao nível da matéria de facto emergentes da simples leitura do texto da decisão recorrida, por si só, ou conjugada com as regras da experiência comum, previstos no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal (neste sentido, Acórdão do Plenário das Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça, de 19 de Outubro de 1995, proferido no processo n.º 46580 - Acórdão n.º 7/95 -, publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 298, de 28 de Dezembro de 1995, e BMJ n.º 450, pág. 72, que no âmbito do sistema de revista alargada fixou jurisprudência, então obrigatória, no sentido de que “É oficioso, pelo tribunal de recurso, o conhecimento dos vícios indicados no artigo 410.º, n.º 2, do Código de Processo Penal, mesmo que o recurso se encontre limitado à matéria de direito”, bem como o Acórdão de uniformização de jurisprudência n.º 10/2005, de 20 de Outubro de 2005, publicado no Diário da República, Série I-A, de 7 de Dezembro de 2005, em cuja fundamentação se refere que a indagação dos vícios faz-se “no uso de um poder-dever, vinculadamente, de fundar uma decisão de direito numa escorreita matéria de facto”) e verificação de nulidades, que não devam considerar-se sanadas, nos termos dos artigos 379.º, n.º 2 e 410.º, n.º 3, do Código de Processo Penal – é pelo teor das conclusões que o recorrente extrai da motivação, onde sintetiza as razões de discordância com o decidido e resume o pedido (artigo 412.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), que se delimita o objecto do recurso e se fixam os limites do horizonte cognitivo do Tribunal Superior.

     Como assinalava o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 118/96, in BMJ n.º 458, pág. 98, as conclusões destinam-se a habilitar o tribunal superior a conhecer das pessoais razões de discordância do recorrente em relação à decisão recorrida e devem conter, por isso, um resumo claro e preciso das razões do pedido, sendo estas que delimitam o âmbito do recurso.

      As conclusões deverão conter apenas a enunciação concisa e clara dos fundamentos de facto e de direito das teses perfilhadas na motivação (assim, acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Março de 1998, proferido no processo n.º 53/98-3.ª Secção, in BMJ n.º 475, pág. 502).

       E como referia o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 11 de Março de 1998, processo n.º 1444/97, da 3.ª Secção, in BMJ n.º 475, págs. 480/8, o âmbito do recurso define-se pelas conclusões extraídas pelo recorrente da motivação apresentada, sem prejuízo de se pronunciar sobre questões de conhecimento oficioso; as conclusões servem para resumir a matéria tratada no texto da motivação.


***

      Colhidos os vistos, realizou-se a conferência, cumprindo apreciar e decidir.

***

       Questões propostas a reapreciação.

       Atento o teor das conclusões, onde a recorrente sintetiza as razões de discordância com o decidido, vêm colocadas as seguintes questões a apreciar e decidir:

     Questão I – Alteração da qualificação jurídica – Descaracterização do tipo agravado e convolação para o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade – Conclusões I a XVIII;

     Questão II – Medida da pena – Conclusões III, XIX a XXI; 

    Questão III – Suspensão da execução da pena – Conclusões XX, XXII, XXIII, XXIV a XXV e XXXII.


*****

       Apreciando. Fundamentação de facto.

       Foi dada como provada a seguinte matéria de facto, que é de ter-se por imodificável e definitivamente assente, já que da leitura do texto da decisão, por si só considerado, ou em conjugação com as regras de experiência comum, não emerge a ocorrência de qualquer vício decisório ou nulidade de conhecimento oficioso, mostrando-se a peça expurgada de insuficiências, erros de apreciação ou contradições que se revelem ostensivos, sendo o acervo fáctico adquirido suficiente para a decisão, coerente, sem contradição, congruente, harmonioso, e devidamente fundamentado.

A) - Factos Provados

    1. No dia 19 de Novembro de 2017, a arguida dirigiu-se ao Estabelecimento Prisional (E.P.) de …. para visitar o seu namorado BB que aí se encontrava recluso.

     2. Pelas 16h30, já no interior do E.P, na sala destinada às visitas, a arguida de forma não determinada, transferiu para BB um pequeno involucro em plástico contendo no seu interior 0,19 gramas de heroína.

     3. A arguida tinha perfeito conhecimento que o produto que detinha e que entregou a BB é considerado, pela sua composição, natureza, característica e efeitos, substância estupefaciente e, como tal, que toda a actividade relacionada com ele, designadamente: posse, detenção, consumo, oferta ou cedência a qualquer título a terceiros, por ela levada a cabo, lhe estava vedada.

    4. Mais sabia que os factos acima descritos foram realizados em Estabelecimento Prisional, local onde é especialmente proibida a posse, detenção, consumo, oferta ou cedência a qualquer título a terceiros de produto estupefaciente.

     5. A arguida agiu deliberada, voluntária e conscientemente.

     6. Sabia que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

       Mais se provou relativamente à arguida:

      7. Realizado relatório social pelos serviços da DGRSP, do mesmo consta:

      I – Condições sociais e pessoais

      À data dos factos que deram azo ao processo, AA vivia só, na morada constante nos autos. O companheiro, com quem mantém união de facto há cerca de 5 anos, encontrava-se detido já se encontrando atualmente em liberdade, mantendo o casal vivência em comum.

       AA é a única filha de um casal normativo que se dissolveu por falecimento da figura masculina, tinha a arguida oito anos de idade. A partir de então, cresceu entregue aos cuidados da mãe e avó materna.

      Neste núcleo familiar terá beneficiado de um ambiente afetivo e securizante, bem como de condições favoráveis, ao seu desenvolvimento pessoal, baseado em normas de conduta sócio-familiares. Frequentou a escola em idade própria, até à frequência do 11º ano de escolaridade.

       Terá sido nesta época, com cerca de 16/17 anos que iniciou o consumo de produtos estupefacientes, registando uma escalada abrupta do consumo de haxixe para a heroína. Entretanto, saiu de casa e iniciou uma relação afetiva, tendo engravidado, regressando pouco tempo depois à família de origem. O filho, no presente com 14 anos, foi criado pela avó e bisavó, vivendo em …., embora a arguida se tenha mantido naquele núcleo familiar até ter iniciado a relação com o atual companheiro.

       Ao longo do seu trajeto de vida AA tem mantido períodos de elevados consumos de produtos estupefacientes intercalados com períodos de abstinência que lhe permitiram completar o 12º ano de escolaridade no âmbito de um curso de formação profissional de secretariado.

       A problemática toxicodependente tem condicionado o seu percurso de vida quer ao nível da sua estabilidade emocional, quer em termos laborais e familiares, apesar de continuar a contar com o apoio da família. Acrescem ainda os processos judiciais, direta ou indiretamente ligados às condutas aditivas.

       De salientar que para além do presente processo, a arguida é acompanhada neste serviço numa suspensão provisória do processo por dois anos, por crime de extorsão, tendo por coarguido o seu companheiro (1061/16.6…), cujo acompanhamento foi iniciado em março de 2018. Tem ainda a cumprir uma medida de trabalho comunitário em substituição de multa, por crime de furto simples (1043/15.5…) decisão datada de junho de 2017, após incumprimento de suspensão provisória do processo.

       O sustento da arguida tem dependido do rendimento social de inserção. Neste âmbito foi integrada em curso de formação de técnico de maquinação em março de 2018, cujo termo se previa para fevereiro do presente ano, no entanto desistiu volvidos poucos meses do seu início. Trabalhou então, durante cerca de 4 meses na …de …e cerca de dois meses em limpezas na … de …, mantendo-se no presente desempregada e sem Rendimento Social de Inserção, porque segundo afirma não tratou da renovação do mesmo.

       Nesta circunstância o sustento do casal depende da atividade do companheiro, no setor da construção civil, auferindo cerca de 30€/dia. A habitação onde habitam, não reúne condições da habitabilidade, todavia, trata-se de um arrendamento antigo (já era dos avós da arguida) com uma renda de 40€ mensais.

       AA encontra-se em tratamento no CRI de …, desde o início do presente ano, integrada no programa de metadona, afirmando-se abstinente. Todavia, a sua instabilidade pessoal contribui para uma progressão muito reduzida, com reações inconstantes e pouco fiáveis ao nível do tratamento.

       A arguida revela conhecimento do normativo social, noção do ilícito, assumindo a prática do crime de que vem indiciada revelando apreensão e receio pelas consequências do mesmo, justificando-se com a mágoa que sentia por saber que o companheiro estava a “ressacar a frio”(sic).

        AA revela uma atitude imatura e irresponsável, com dificuldades em enfrentar os problemas/ adversidades do quotidiano, optando por uma postura de evitamento e fuga, contribuindo assim para um avolumar de situações com que não consegue ou quer lidar.

        Esta conduta tem-se refletido no cumprimento das medidas que lhe foram aplicadas, cuja resolução vai adiando com sucessivas desculpas, embora afirmando sempre a sua motivação para cumprir com todas as obrigações.

       De acordo com a informação prestada pelo OPC, nada mais consta acerca da arguida.

        II – Conclusão

       AA apresenta um trajeto de vida integrado numa estrutura familiar normativa, mas que terá sido condicionado, pelo início de consumos de produtos estupefacientes durante a fase adolescente com agravamento por volta dos 17 anos.

       A partir de então, apesar do apoio dos familiares e do empenhamento destes no tratamento da arguida, os períodos de abstinência e recaídas têm sido uma constante, na vida de AA. Também a gravidez precoce e o nascimento do filho se enquadram neste estilo de vida desorganizado como cuidados do menor entregues à avó e bisavó, com quem sempre tem vivido.

       A relação com o atual companheiro que é descrita como gratificante a nível afetivo, também se tem constituído como fator de instabilidade, tendo em conta a prevalência de consumos de estupefacientes por parte de ambos, circunstância que determinou o cometimento do crime em questão.

        No presente, encontram-se ambos sujeitos a tratamento no CRI de …. .

       A arguida assume a prática do ilícito de que vem acusada. Mostrando-se receosa das suas consequências.

       No entanto, a imaturidade que manifesta e a incapacidade em enfrentar e resolver as adversidades quotidianas, levam-na a desresponsabilizar-se, protelando decisões e ações que contribuem para o agravamento de problemas que poderia ter resolvido em tempo útil.

        Assim, tendo em conta as dificuldades de adesão ao cumprimento das medidas probatórias anteriormente aplicadas e ainda em curso, que AA manifesta, bem como a fragilidade do processo de tratamento à toxicodependência, vemos com apreensão a eficácia de novas medidas desta natureza.”

        8. Pela prática em 05.11.2015 de um crime de furto veio a arguida a ser condenada, por decisão transitada em julgado no dia 01.09.2017, na pena de 100 dias de multa, à razão diária de € 5 - Proc. nº. 1043/15.5… ..


***

        B) - Factos não provados:

        - o produto estupefaciente foi transferido através de um beijo.


***

       Apreciando. Fundamentação de direito.

       Vejamos então se a conduta da recorrente dada por provada cai na previsão do crime de tráfico de estupefacientes agravado na modalidade apontada, ou antes do tipo fundamental, o crime base/essencial/nuclear do artigo 21.º, ou se diversamente a integração é de fazer no tipo privilegiado do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, procedendo-se à convolação para crime de tráfico de menor gravidade, como entendeu o voto de vencida, solução, aliás, propugnada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto no douto parecer emitido.

     O artigo 21.º é a norma referência a partir da qual se constroem as figuras dos artigos 24.º, 25.º, 26.º e 40.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

       Como vem entendendo este Supremo Tribunal de Justiça, quando o legislador prevê um tipo simples, acompanhado de um tipo privilegiado e um tipo agravado, é no crime simples ou no crime tipo que desenha a conduta proibida enquanto elemento do tipo e prevê o quadro abstracto de punição dessa mesma conduta. Depois, nos tipos privilegiado e qualificado, vem definir os elementos atenuativos ou agravativos que modificam o tipo base conduzindo a outros quadros punitivos. E só a verificação afirmativa, positiva desses elementos atenuativo ou agravativo é que permite o abandono do tipo simples. 

     Assim foi entendido nos acórdãos de 23-11-2000, proferido no processo n.º 2766/00, de 22-02-2001, processo n.º 4129/00, de 25-01-2001, processos n.º 3710/00 e n.º 3557/00, de 18-10-2001, processo n.º 1188/01, de 23-05-2002, processo n.º 1687/02 e de 24-10-2002, processo n.º 3211/02. 

     Versando sobre a concorrência de circunstâncias agravativas e privilegiadoras, decidiu o acórdão deste Supremo Tribunal de 14-07-2004, da 3.ª Secção, publicado nos Sumários de Julho/Setembro 2004: “Concorrendo no caso a decidir circunstâncias previstas, umas, como qualificativas, outras, como privilegiadoras, constitui erro na aplicação do direito eleger, à partida, como (única) norma aplicável a que contempla as circunstâncias de uma espécie – desde logo, as da primeira – e postergar a que prevê as da outra ou considerar que os efeitos de ambas, de sinal contrário, se anulam algebricamente, com a consequente reversão ao tipo simples. A valoração da ilicitude como fortemente agravada ou como especialmente diminuída dependerá da apreciação global de todos os elementos com incidência nesse elemento do tipo”.

 

  Comecemos pelo crime base/ essencial/ nuclear /fundamental/ matricial, com previsão e punição constantes do artigo 21.º, a partir do qual são configurados os tipos, “as modificativas variantes”, agravado (as) e privilegiado (as).

 

      Inserto no Capítulo III - Tráfico, branqueamento e outras infracções, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, publicado no Diário da República, n.º 18, de 22 de Janeiro de 1993, com texto integral corrigido pela Declaração de Rectificação n.º 20/93, Diário da República, I Série-A, n.º 43, de 20 de Fevereiro de 1993, sob a epígrafe “Tráfico e outras actividades ilícitas”, estabelece o artigo 21.º, n.º 1:

      1 – Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.°, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.

       Começar-se-á pela caracterização do tipo base, seguindo-se na exposição que segue o constante dos acórdãos de 28-11-2007, de 05-12-2007, de 22-10-2008, de 9-05-2012, de 26-09-2012, de 05-06-2013, de 28-10-2015 e de 18-12-2019, por nós relatados nos processos n.ºs 3253/07, 3406/07, 215/08, 202/11.4JELSB.S1, 139/02.8TASPS.S1, 7/11.2GAADV.E1.S1, n.º 10/13.8GAAMT.P1.S1 e n.º 51/18.9SFPRT.S1.

       Assim:

       A previsão legal do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a exemplo do “antecessor” artigo 27.º do Decreto-Lei n.º 480/83, de 13 de Dezembro, contém a descrição da respectiva factualidade típica, de maneira compreensiva e de largo espectro, contendo o tipo base, fundamental, essencial, matricial.

      Trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.

       Não importa ao preenchimento deste tipo legal a intenção específica do agente, os seus motivos ou os fins a que se propõe; o conhecimento do fim apenas pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto.

       O tráfico de estupefacientes tem sido englobado na categoria do “crime exaurido”, “crime de empreendimento” ou “crime excutido”, que se vem caracterizando como um ilícito penal que fica perfeito com o preenchimento de um único acto conducente ao resultado previsto no tipo.

       Dito de outra forma, o resultado típico alcança-se logo com aquilo que surge por regra como realização inicial do iter criminis, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo droga que se não destine exclusivamente ao consumo. A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados na norma, que podem ir de uma mera detenção à venda propriamente dita.

      A consumação verifica-se com a comissão de um só acto de execução, ainda que sem se chegar à realização completa e integral do tipo legal pretendido pelo agente.

       O conceito foi introduzido na nossa jurisprudência a propósito deste tipo legal de crime (anteriormente esta qualificação foi versada, estando em causa crimes de falsificação e de contrafacção de moeda, no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 05-05-1993, recurso n.º 42.290, publicado na CJSTJ 1993, tomo 2, pág. 220, onde se aborda a questão de várias resoluções criminosas e seu enquadramento nas figuras de crime único, crime continuado ou de acumulação de infracções) com o acórdão deste Supremo Tribunal de 18 de Abril de 1996, proferido no recurso n.º 254/96, publicado na CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 170, proferido pelo mesmo Relator do anterior (aqui com um voto de vencido, em que se aborda a temática da unidade e pluralidade de crimes, continuação criminosa e unificação de conduta, e a figura de crime único de execução continuada), onde se define o crime exaurido como sendo “uma figura criminal em que a incriminação da conduta do agente se esgota nos primeiros actos de execução, independentemente de os mesmos corresponderem a uma execução completa, e em que a repetição dos actos, com produção de sucessivos resultados, é, ou pode ser, imputada a uma realização única”, isto é, “aquele em que o resultado típico se obtém logo pela realização inicial da conduta ilícita, de modo que a continuação da mesma, mesmo que com propósitos diversos do originário, se não traduz necessariamente na comissão de novas violações do respectivo tipo legal”.

      O conceito foi retomado pelo mesmo Relator dos anteriores no acórdão de 18-06-1998, recurso n.º 256/98, in CJSTJ 1998, tomo 3, pág. 167, se bem que aqui olhado mais na perspectiva da unificação da conduta plural, abarcando a extensão do período temporal de conexão entre comportamentos protraidos em determinado lapso de tempo, abrangidos pelo caso julgado, tendo este aresto sido seguido de perto no acórdão de 12-07-2006, recurso n.º 1709/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 2, págs. 239/241, versando a natureza do crime de tráfico de estupefacientes, concebido como crime de trato sucessivo, de execução permanente e de crime exaurido, procedendo a unificação de condutas praticadas num curto hiato temporal, constando do sumário: “A posse para venda, em dois momentos distintos mediando entre eles um mês, num mesmo quadro solicitante, de carência económica, permite concluir que se trata de um único desígnio criminoso despoletado pela condição pessoal e que suporta uma única resolução criminosa”. No caso, a arguida foi condenada por um crime único na pena de 2 anos e meio de prisão suspensa na sua execução por 4 anos.  

       Já no dealbar deste século, a abordagem neste conspecto é feita no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Março de 2001, proferido no recurso n.º 101/01, publicado na CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 237/239, no qual o recorrente argumentava que, «embora seja o crime de tráfico de estupefacientes um crime de perigo em que é punível a mera detenção, tal não impede que se possa verificar a simples tentativa - o que seria a situação concreta -, uma vez que não se tinha apurado que “o agente tivesse tido a disponibilidade sobre o produto estupefaciente e muito menos a posse desse mesmo produto, tendo em consideração que o referido produto nunca passou para a esfera de disponibilidade do agente, já que não foi levantado dos Correios, nem pelo agente nem por interposta pessoa a seu mando”». Na posse do aviso o arguido J entregou-o ao arguido F seu irmão, para que este procedesse ao levantamento da encomenda, o qual solicitou a um colega seu, JN, para proceder ao levantamento da encomenda que, uma vez na sua posse, entregaria ao irmão arguido J.

      O acórdão após citar o acórdão do STJ de 18-04-1996, CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 170, afirma:

      «Isto quer dizer que o “primeiro passo” dado pelo agente na senda do “iter criminis” já constitui o preenchimento do tipo, valendo os passos seguintes apenas para efeitos de estabelecimento da medida concreta da pena a impor.

      Daí que não seja possível conceber para tais crimes - de que o tráfico de estupefacientes é um exemplo vivo - quer a tentativa, quer a desistência “compensando-se” a falta desta com a figura do “arrependido”, susceptível de conduzir à menorização da censura”.

       Em causa estava importação de 197,818 grs. de cocaína, através de contacto do arguido J com um desconhecido, residente na Colômbia, através de uma encomenda postal dissimulada na capa de um livro, tendo J fornecido a identidade de um destinatário falecido e que conhecera por ser irmão da sua cunhada M, continuando esta a morar naquele endereço, facto conhecido pelo arguido J.

      Consta do sumário: “O crime de tráfico de estupefacientes é um crime exaurido pelo que a mera detenção de estupefacientes, importados pelo arguido, destinados à venda, integra a prática do crime de tráfico daqueles produtos previsto e punido no artigo 21.º do DL n.º 15/93, de 22-1, desde que tenha agido livre e conscientemente e com conhecimento de que a sua conduta era proibida por lei”.

      Como se referiu no acórdão de 5-12-2007, processo n.º 3406/07 “Já nos acórdãos da Relação do Porto de 11-05-1983, CJ 1983, Tomo 3, 281 e de Lisboa, de 28-07-1982, CJ 1982, tomo 4, 142, se defendia não ser necessário que o produto chegasse à posse do destinatário, por ser apreendido na Alfândega ou por ter sido descoberta a remessa por correio”.

      O delito de empreendimento é referido por Hans Heinrich Jescheck, no Tratado de Derecho Penal, tradução de S. Mir Puig e F. Munõz Conde, edição de 1981, volume II, pág. 715, em parágrafo respeitante ao conceito, tipo e punição da tentativa, ao abordar a questão da punibilidade dos actos preparatórios e da tentativa, avançando como definição de empreendimento de um delito, como sendo a sua consumação e a sua tentativa.

      Especifica o Autor que “O sentido do delito de empreendimento é agravar a reacção jurídico-penal, equiparando a tentativa e consumação e impedindo assim a atenuação da pena na tentativa”, esclarecendo que “o empreendimento castiga-se como a consumação” e daí não ser possível a desistência – ibidem, pág. 754.

      Trata-se de crimes que, como as falsificações e outros, ficam perfeitos com a comissão de um só acto, sendo crime formal com antecipação de punição - para o crime de falsificação, veja-se o acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 15-02-2006, proferido no processo n.º 4306/05-3.ª Secção.

      Sobre esta categoria de crime, versando antecipação da tutela penal e defendendo uma concepção ampla de tráfico, pronunciou-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 262/2001, de 30 de Maio de 2001, proferido no processo n.º 274/2001, 2.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 165, de 18 de Julho de 2001, em que estava em causa a inconstitucionalidade da dimensão normativa do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, apreciando recurso interposto do citado acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 7 de Março de 2001, proferido no recurso n.º 101/01, publicado na CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 237/239, entendendo que o crime em questão não admite a tentativa, por violação do princípio da legalidade penal e do artigo 32.º da Constituição.

      Aí pode ler-se: “A intervenção penal não tem de acontecer apenas nas situações em que o bem jurídico tutelado pela norma incriminadora é efectivamente lesado pela conduta proibida. Em várias situações o legislador procede a uma antecipação da tutela penal, punindo comportamentos que ainda não lesaram efectivamente esse bem jurídico. Tal acontece, quando o comportamento em questão apresenta uma especial perigosidade para bens jurídicos essenciais à subsistência da própria sociedade, sendo, por essa via, legitimada aquela antecipação”.

      “O preceito incriminador define o tráfico de substâncias proibidas por uma série de condutas conducentes à efectiva transmissão da substância. Assim, qualquer um dos comportamentos previstos implica a consumação do crime.

   Subjacente a esta concepção está o cariz particularmente perigoso das actividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não tanto como resultado de um processo.

     As consequências pessoais e sociais do tráfico de droga justificam plenamente uma intervenção penal preventiva sobre o processo que conduz a tais consequências, abrangendo várias actividades relacionadas com a actuação no mercado onde a droga se transacciona.

    O preceito encontra o seu fundamento na particular perigosidade das condutas que justifica uma concepção ampla de tráfico, desligada da obtenção do resultado da transacção. Porque se trata de condutas que concretizam de modo particularmente intenso o perigo inerente à actividade relacionada com o fornecimento de estupefacientes, o legislador antecipa a tutela penal relativamente ao momento da transacção”.

      E finaliza o acórdão do modo seguinte: “A não punição da tentativa tem por justificação o facto de este crime não ser um crime de dano nem de resultado efectivo. Assim, a não punição de tentativa é apenas consequência de não se pretender antecipar mais a tutela penal já suficientemente antecipada na descrição típica”, concluindo pela não violação de qualquer disposição constitucional.

      No acórdão de 15-12-2005, processo n.º 2890/05-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 235/7, é seguida de perto a orientação do acórdão do TC referido, qualificando o crime como exaurido e de tutela antecipada, afirmando “não ser concebível a tentativa de crimes do tipo de tráfico de estupefacientes, por pertencer à categoria dos chamados crimes exauridos ou de tutela antecipada” e “ no crime de tráfico punem, como realizações do crime consumado, comportamentos recuados, em relação à efectiva consumação, dado o cariz particularmente perigoso das actividades em questão e a ideia do tráfico como processo e não como resultado dum processo”, e do mesmo modo no acórdão de 19-04-2007, processo 449/07-5ª Secção - cfr acs. de 08-02-2007, processo 4460/07-5ª Secção, “aquele em que para a incriminação do agente é suficiente a prática de um qualquer acto  de execução, independentemente de corresponder à execução do facto” e de 26-04-2007, processo 3181/06-5ª Secção.

      Como se referia no acórdão deste Supremo Tribunal de 12-12-1991, publicado no BMJ n.º 412, pág. 206, o crime é de perigo, em cuja punição relevam exigências de prevenção de futuros crimes.

       Como consta do acórdão deste Supremo Tribunal de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 464, o crime de tráfico de estupefacientes é um crime formal, de perigo comum, consumando-se com o cultivo, extracção, fabricação, aquisição ou simples detenção do produto estupefaciente destinado ao tráfico. É, afinal, um crime de perigo abstracto, que pune abstractamente o perigo de lesão do bem jurídico tutelado, independentemente da averiguação de um perigo efectivo de lesão. Portanto, o crime de “narcotráfico” consuma-se logo que o agente cultive, produza, fabrique, compre, venda, detenha qualquer droga proibida, sem necessidade de se apurar o fim visado com qualquer dessas actividades, precisamente em razão do perigo que cada uma delas envolve de a droga vir a ser traficada.

      O conhecimento do fim visado só pode interessar para efeitos de determinação da ilicitude do facto e, no caso de ser para o consumo próprio, para a qualificação do crime.

      Para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29-06-1994, recurso n.º 45.530, publicado na CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 258, o crime de tráfico de estupefacientes é “crime de trato sucessivo, em que até a mera detenção da droga é já punida como crime consumado, dada a sua vocação (é um crime de perigo presumido) para ser transacionada”.

       O crime de tráfico de estupefacientes enquadra-se na categoria dos crimes de perigo abstracto: aqueles que não pressupõem nem o dano, nem o perigo de um concreto bem jurídico protegido pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para uma ou mais espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a um desses bens jurídicos.

      O perigo presumido envolve-se na mera comprovação da detenção de uma determinada quantidade de substância tóxica, independentemente da real demonstração do perigo, ou o que dá no mesmo, da intenção de transmiti-la.

       Cada uma das actividades previstas no preceito, sem mais, é dotada de virtualidade bastante para integrar o elemento objectivo do crime.

       Trata-se de crime de perigo abstracto ou presumido, pelo que não se exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo; o crime consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral), como se refere nos acórdãos de 12-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 331; de 30-04-1986, BMJ n.º 356, pág. 166; de 23-09-1992, BMJ n.º 419, pág. 464; de 24-11-1999, processo n.º 1029/99, BMJ n.º 491, pág. 88; de 01-07-2004, processo n.º 2035/04-5.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 239; de 04-10-2006, processo n.º 2549/06-3.ª Secção; de 11-10-2006, processo n.º 3040/06-3.ª Secção; de 12-04-2007, processo n.º 1917/06-5.ª Secção; de 19-04-2007, processo n.º 449/07-5.ª Secção.

       Não é necessário que se prove a venda ou a cedência a outrem para haver crime de tráfico – acórdão de 5-11-2009, processo n.º 418/07.8PSBCL-A.S1-5.ª Secção.

       No sentido de que basta a simples detenção ilícita do estupefaciente para o preenchimento do tipo legal de tráfico de estupefacientes, pronunciaram-se, inter altera, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 12-02-1986, BMJ n.º 354, pág. 331; de 30-04-1986, BMJ n.º 356, pág. 166; de 24-11-1999, BMJ n.º 491, pág. 88; de 8-06-2004, CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 239; de 4-10-2006, processo n.º 2549/06-3.ª Secção; de 8-02-2007, processo n.º 4460/07-5.ª Secção; de 19-04-2007, processo n.º 449/07-5.ª Secção; de 28-11-2007, processo n.º 3253/07, por nós relatado; de 3-09-2008, processo n.º 2192/08 e de 22-10-2008, por nós relatado no processo n.º 215/08.

      Como se expressavam os acórdãos deste Supremo Tribunal de 01-10-2003, processo n.º 2646/03 e de 26-11-2003, processo n.º 2439, ambos in CJSTJ 2003, tomo 3, págs. 182 e 244, em causa está crime de perigo abstracto em que a protecção é recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas.

      Tem-se entendido que a natureza do crime p. e p. pelo artigo 21.º referido, enquanto crime de perigo abstracto, se traduz numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação consubstanciada na punição dos primeiros actos de execução do agente, sem se exigir, para preenchimento do tipo, o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente.

      Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 04-07-2007, proferido no processo n.º 2303/07 - 3.ª Secção, parecendo seguir o registo do acórdão de 1-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 182: «O art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, que define o crime de tráfico e outras actividades ilícitas relacionadas com substâncias estupefacientes, descreve de maneira assumidamente compreensiva e de largo espectro a respectiva factualidade típica.

      Tal preceito contém a descrição fundamental – o tipo essencial – relativa à previsão e ao tratamento penal das actividades de tráfico de estupefacientes, construindo um tipo de crime que assume, na dogmática das qualificações penais, a natureza de crime de perigo: a lei, nas condutas que descreve, basta-se com a aptidão que estas revelam para constituir um perigo para determinados bens e valores (a vida, a saúde, a tranquilidade, a coesão interindividual das unidades de organização fundamental da sociedade), considerando integrado o tipo de crime logo que qualquer das condutas descritas se revele, independentemente das consequências que possa determinar ou determine – a lei faz recuar a protecção para momentos anteriores, ou seja, para o momento em que o perigo se manifesta.

      Os tipos de perigo abstracto descrevem acções que, segundo a experiência, conduzem à lesão, não dependendo da perigosidade do facto concreto, mas sim de um juízo de perigosidade geral.

       O crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º do DL 15/93, de 22-01, é um crime de perigo comum, visto que a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal, reconduzidos à saúde pública. E é, também, um crime de perigo abstracto, porque não pressupõe nem o dano nem o perigo para um dos concretos bens jurídicos protegidos pela incriminação, mas apenas a perigosidade da acção para as espécies de bens jurídicos protegidos, abstraindo de algumas das outras circunstâncias necessárias para causar um perigo a esses bens jurídicos.»

   

      Da verificação ou não da qualificativa da alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – Tráfico cometido em estabelecimento prisional.

     O acórdão recorrido, por maioria, decidiu verificar-se o tipo agravado.

      Após transcrever o artigo 21.º, n.º 1, refere:

      «O crime pelo qual a arguida se encontra acusada tem como bem jurídico protegido a saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, ou seja, a saúde pública.

      Conforme refere A. G. Lourenço Martins, in “Droga e Direito”, pags. 122, fala-se mesmo na protecção da própria humanidade, se encarada a sua destruição a longo prazo ou ainda na protecção da liberdade do cidadão em alusão implícita à dependência que a droga gera.

      Como se pode ver do teor do art. 21º do referido Dec.Lei, o mesmo incrimina um variado número de condutas, bastando no entanto para o cometimento do crime a mera detenção das substâncias em causa.

       No caso concreto da factualidade apurada resulta que a arguida, na sala de visitas do Estabelecimento prisional, entregou ao seu namorado que aí se encontrava recluso, produto estupefaciente (heroína).

       A referida substância – heroína – encontra-se incluída na Tabela I-A anexa ao referido diploma.

      Destarte, a sua conduta integra a materialidade de um crime de tráfico de estupefacientes.

       Importa agora determinar se estamos perante um crime de tráfico na forma agravada, tal como sustenta a acusação.

      Dispõe o art. 24º do diploma em análise, na parte que ora nos importa considerar:

       “As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: (…)

       h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações;

       (…).

      Conforme já se disse, no caso concreto, a arguida conseguiu introduzir produto estupefaciente no interior do estabelecimento prisional produto estupefaciente e logrou mesmo entregá-lo a um recluso. Ora sendo a intenção do legislador evitar a entrada e circulação de produto estupefaciente nas nossas cadeias, precisamente por serem locais destinados à reinserção de indivíduos condenados pela prática de crimes, muitos deles relacionados com o consumo/tráfico de estupefacientes, em que se pretende a sua recuperação e o afastamento de tal vício, a conduta da arguida coloca em perigo o fim visado pela norma, prejudicando os objectivos de tratamento, recuperação e ressocialização daquele (s) a quem o produto se destinava. E, diga-se, não fosse a conduta dos agentes que se encontram no exterior e que, de alguma forma, conseguem introduzir o produto nos estabelecimentos, o flagelo do tráfico na prisão não se verificaria.

       Donde, é entendimento deste Tribunal que a circunstância agravante se verifica pelo que, inexistindo causas de exclusão da ilicitude ou da culpa, deverá a arguida ser condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelos arts. 21º, nº 1 e 24º, alínea h), do Decreto-Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro».

      A Exma. Juíza Presidente do Colectivo lavrou voto de vencida, manifestando a sua discordância, quer quanto ao enquadramento jurídico dos factos apurados, quer no tocante à medida concreta da pena aplicada à arguida, como consta de fls. 174 a 176, o que fez nos termos que seguem.

 

       “Declaração de Voto

      Vencida no tocante à fundamentação jurídica que obteve vencimento, na medida em que considero que os factos provados se subsumern no tipo de crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01.


*

     A respeito da circunstância prevista na alínea h) do artigo 24.º, do mesmo diploma legal, importa salientar que a jurisprudência maioritária tem acentuado que tal agravação não opera de modo automático e que podem existir situações de tráfico em estabelecimento prisional punidas, quer nos termos do artigo 21.º, quer nos termos do artigo 25.º, do referido regime.

      Como tal, nas situações que envolvam quantidades diminutas de estupefaciente, cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação desse produto entre a população prisional, não poderá considerar-se, à luz da ratio do preceito (efeito de disseminação do produto estupefaciente na comunidade prisional) que estamos perante condutas de ilicitude equiparável à ilicitude excecionalmente elevada correspondente ao artigo 24.º (cfr. Patto, Pedro, Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. II, Universidade Católica Editores, 2011, pág. 505).

      Propugnando o entendimento da não automaticidade desta circunstância agravante pelo simples facto de a conduta ocorrer rio interior do estabelecimento prisional, vejam-se os seguintes acórdãos do STJ:

- Acórdão de 11/04/2002, Processo n.º 02P376;

- Acórdão de 28/06/2006, Processo n.º 06P1796;

- Acórdão de 2/05/2007, Processo n.º 07P1013;

- Acórdão de 12/09/2007, Processo n.º 06P2165;

- Acórdão de 7/07/2009, Processo n.º 52/07.2PEPDL.S1;

- Acórdão de 21/01/2009, Processo n.º 08P4029;

- Acórdão de 26/09/2012, Processo n.º 139/02.8TASPS.S1;

- Acórdão de 2/12/2013, Processo n.º 116/11.8JACBR.S1;

- Acórdão de 12/10/2016, Processo n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1;

- Acórdão de 17/10/2018, Processo n º 6077/16.0T9MTS.P1.S1;

- Acórdão de 13/09/2018, Processo n.º 184/17.9JELSB.L1.S1; todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

      Por outro lado, quanto à questão de saber se o tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional, pode configurar um tráfico de menor gravidade, ou se, ao invés, a imagem global da ilicitude do facto nunca pode ser consideravelmente diminuída por ocorrer no interior daquele tipo de estabelecimentos, questão relativamente à qual a jurisprudência apresenta cisão, propendo por considerar que a cedência de uma pequena quantidade de estupefaciente a um único recluso deve ser subsumível na prática de um crime de tráfico de menor gravidade.

       Na verdade, parafraseando Pedro Patto, a punição deste tipo de condutas pelo artigo 21° conduziria, a uma manifesta desproporcionalidade entre a sua gravidade, nos planos da ilicitude e da culpa, e a gravidade da medida da pena (cfr. ob. Cit.).

      Sufragam tal entendimento, a título meramente exemplificativo, os seguintes acórdãos:

- Acórdão do STJ de 28/06/2006, Processo n.º 06P1796;

- Acórdão do STJ de 26/09/2012, Processo n.º 139/02.8TASPS.S1;

- Acórdão do STJ de 2/12/2013, Processo n.º 116/11.8JACBRS1;

- Acórdão do STJ de 7/07/2009, Processo n.º 52/07.2PEPDL.S1;

- Acórdão do STJ de 12/09/2007, Processo n.º 06P2165;

- Acórdão do STJ de 2/05/2007, Processo n.º 07P1013;

- Acórdão do TRE de 14/10/2014, Processo n.º 684/12.7TABJA.E1, todos disponíveis para consulta em www.dgsi.pt.

      Transpondo tais entendimentos para o caso concreto e considerando que a conduta da Arguida se cingiu a um único ato de cedência a um recluso, seu companheiro, de uma quantidade de heroína manifestamente diminuta (0,19 gr), será de afastar a agravante qualificativa, prevista na alínea h) do artigo 24º., do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01, atenta a ausência de disseminação ou de intenção de disseminação pela demais população prisional de tal produto.

       Afastada a agravante qualificativa, e ponderada a imagem global da conduta da Arguida, que se circunscreve à cedência de uma quantidade inferior a um quarto de grama de heroína, subsumo a mesma no tipo privilegiado de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25.º, do diploma legal em análise.

      Muito embora a quantidade não seja o único critério a ter em conta, esta não pode deixar de assumir grande importância até na vertente comparativa relativamente a outras situações abordadas na jurisprudência acima elencada.

      Nesta conformidade, subsumindo a conduta da Arguida nos elementos do tipo objetivo e subjetivo do crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25.º, do diploma legal referenciado, e lançando mão dos princípios ínsitos nos artigos 40.º e 71.º, do Código Penal, entendo que seria adequado e proporcional a aplicação de uma pena concreta de dois (2) anos e seis (6) meses de prisão, a qual deveria ser suspensa na sua execução, atentas as condições pessoais da Arguida e a ausência de antecedentes criminais da mesma pela prática de crime de idêntica natureza.

     Daí a minha discordância quer quanto ao enquadramento jurídico dos factos apurados, quer no tocante à medida concreta da pena aplicada à Arguida”.


***

     Vejamos se se verifica ou não a qualificativa da alínea h) do artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – tráfico cometido em estabelecimento prisional.

      O artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, na redacção dada pelo artigo 54.º da Lei n.º 11/2004, de 27 de Março, preceitua que:

      As penas previstas nos artigos 21.º e 22.º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se:

      h) A infracção tiver sido cometida em instalações de serviços de tratamento de consumidores de droga, de reinserção social, de serviços ou instituições de acção social, em estabelecimento prisional, unidade militar, estabelecimento de educação, ou em outros locais onde os alunos ou estudantes se dediquem à prática de actividades educativas, desportivas ou sociais, ou nas suas imediações.

      Como referia o acórdão deste Supremo Tribunal de 26-05-2005, proferido no processo n.º 3438/05-3.ª Secção, o tipo desenhado no artigo 24.º com o aditamento de circunstâncias atinentes à ilicitude que agravam a pena prevista para o crime fundamental destina-se a prevenir os casos de excepcional gravidade.

    No Comentário das Leis Penais Extravagantes, volume II, Universidade Católica Editora, Lisboa 2011, de Paulo Pinto Albuquerque e José Branco (Org.), versando o Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, Pedro Patto, comentando o artigo 24.º, no ponto 2, pág. 500, refere: “Na interpretação deste preceito, e das suas várias alíneas, deve partir-se do pressuposto de que estamos perante um crime de gravidade excepcional e extraordinariamente elevada, substancialmente mais elevada do que aquela (já de si elevada) que corresponde ao tipo base do artigo 21.º. Só dessa forma poderá ser respeitada a proporcionalidade entre a gravidade do crime e a gravidade das penas aqui previstas. Sublinham este aspecto, entre outros, os Acs. do STJ de 8.2.06, proc. n.º 05P2988, e de 26.9.07, proc. n.º 07P1890, ambos in www.dgsi.pt”.”.

      E no ponto 19, pág. 505, afirma: “A jurisprudência tem acentuado que a circunstância agravante em causa não opera de modo automático e que pode haver situações de tráfico em estabelecimento prisional punidas nos termos gerais do artigo 21.º. Nos casos que envolvam quantidades diminutas, cedências sem fins lucrativos ou de reduzido grau de disseminação da droga entre a população prisional, não pode dizer-se que, à luz da ratio do preceito, estejamos perante condutas de ilicitude equiparável à ilicitude excepcionalmente elevada correspondente ao artigo 24.º em apreço”. 

      É uniforme neste Supremo Tribunal o entendimento de que a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador.

      Os casos analisados reportam crimes de tráfico de estupefacientes cometidos no interior do estabelecimento prisional, detectados em buscas a cela, ou revistas pessoais, sendo as substâncias detidas pelo recluso, e casos em que há transporte destinado a dar entrada no estabelecimento prisional, mas em que a introdução no interior do estabelecimento é barrada logo à entrada, não chegando ao destino.

 

      Vejamos alguns dos arestos que abordaram o tema neste Supremo Tribunal.

      Acórdão de 3-10-2002, proferido no processo n.º 2359/04-5.ª Secção, versando tráfico ocorrido insofismavelmente no estabelecimento prisional (a droga foi apreendida na cela), ou seja, acção e resultado tiveram lugar no interior da prisão, e tendo sido qualificado como de tráfico de menor gravidade, afirmou o Supremo Tribunal de Justiça que, face ao juízo da lei transposto para a alínea h), nunca poderia assim ser qualificado, tendo que ser situado, no mínimo, no tráfico simples, por se ter entendido que a qualificação do artigo 24.º não é automática. Mas não se ponderou no caso a agravação por força do princípio da proibição da “reformatio in pejus” do artigo 409.º do CPP. No acórdão não se excluiu a protecção da saúde dos presos, enquanto fundamentadora da agravação. Como sucede com a comunidade escolar, também a comunidade prisional, pela sua especial fragilidade é protegida pela agravativa em causa.

      Acórdão de 19-02-2004, processo n.º 3466/03-5.ª Secção – Numa situação em que o crime de tráfico de estupefacientes é cometido em estabelecimento prisional, a circunstância agravativa prevista no art. 24.º, al. h), do DL 15/93, de 22-01, não se coloca, por contraditório nos próprios termos, o problema da qualificação da conduta pelo art. 25.º do mesmo DL, o que não obsta a atenuação especial da pena.

      Acórdão de 12-05-2004, processo n.º 4220/03-3.ª Secção – O crime de tráfico de estupefacientes cometido com o concurso da circunstância preenchida pela introdução do estupefaciente no EP, segundo a al. h) do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, pelo risco de consumo entre a população prisional, pela ousadia que representa a introdução, ali, do estupefaciente, pela rebeldia à disciplina prisional, é naturalmente, inconciliável com o tráfico de menor gravidade.

      Acórdão de 14-07-2004, processo n.º 2147/04-3.ª Secção, versando caso em que no dia dos factos, no interior do EP de Caxias, onde cumpria pena, foram encontrados no bolso das calças do arguido, na sequência de uma revista, 4 panfletos de heroína, com o peso líquido de 0,313 gramas. Foi ponderado: “Nos crimes de perigo, como é classificado o crime de tráfico de estupefacientes, em qualquer das suas modalidades, a protecção é recuada a momentos iniciais da acção, independentemente da produção de qualquer resultado.

      A circunstância prevista na al. h) do art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, é paradigmática dessa intenção. Com efeito, a posse de droga em estabelecimento prisional por quem lá cumpre pena de prisão constitui facto particularmente perigoso se a finalidade do agente é disseminá-la pela população prisional, e ainda mais perigoso, quando o mesmo agente visa a obtenção de lucro, seja pela indiferença que revela pelos fins da pena que cumpre, seja pelo perigo que isso representa para saúde dos detidos. Se este é o fundamento da agravação, somos forçados a concluir que a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz o efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção, justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador. Considera-se que as circunstâncias do caso são de molde a afastar a concorrência da qualificativa da al. h) e a ditar necessariamente a subsunção dos factos ao tipo do art. 25.º do DL 15/93.

      Acórdão de 21-10-2004, proferido no processo n.º 3205/04-5.ª Secção (pelo mesmo Relator do acórdão de 3-10-2002), publicado na CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 202, aprecia caso em que só a actuação do arguido B teve lugar no interior da cadeia - EP de Coimbra; toda a restante acção ocorreu no exterior da cadeia e nada indica que a droga se destinasse ao estabelecimento prisional onde este se encontrava, ou outro qualquer. O que vale por dizer que o local onde ocorreu aquela actuação não constitui suficiente conexão para a agravativa da al. h) do art. 24.º. A ser de outro modo ficaria por compreender a razão de só este crime ser especialmente agravado por virtude do local onde tem lugar a actuação de um determinado arguido.

       “Fica, assim, como elemento a atender o desprezo a que o arguido B votou os objectivos da condenação que está a cumprir, como potencia, pelo (mau) exemplo, que os outos presos enveredem pelo mesmo caminho, não só frustrando os objectivos de prevenção, como levando a deixar de lado a sua reinserção, enfim, pondo em causa todo o fim das penas que o sistema prisional é suposto acautelar”.

      Relativamente ao arguido B foi mantida a qualificação do artigo 21.º e a pena de 7 anos de prisão e à arguida H foi mantida a qualificação, afastando-se a convolação para o tráfico de menor gravidade e sendo reduzida a pena.

      Acórdão de 30-03-2005, proferido no processo n.º 3963/04-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 1, págs. 224/5/6, seguindo muito de perto o acórdão de 14-07-2004, processo n.º 2147/04-3.ª Secção, afirma-se que a avaliação da ilicitude de um facto criminoso como consideravelmente diminuída, no caso de tráfico de menor gravidade, ou como especialmente agravada, não pode deixar de envolver uma avaliação global de todos os elementos que interessam àquele elemento do tipo, tanto no domínio do direito penal da droga como em qualquer outro. Aqui, como em qualquer outro campo do direito penal, não bastará seguramente, a presença de uma circunstância fortemente atenuante ou especialmente agravante para considerar preenchido um daqueles conceitos, quando as restantes, com incidência na avaliação, são de sentido contrário, do mesmo modo que um conjunto de circunstâncias fortemente atenuantes ou agravantes não poderá ser postergado, sem mais, pela presença de uma circunstância de sentido contrário. A imagem global do facto, no que se refere à sua ilicitude, é que é decisiva.

       No caso foi ponderado: “a circunstância do tráfico ter sido cometido no interior de estabelecimento prisional (por recluso) não produz o efeito qualificativo automático do artigo 24.º, alínea h), antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção, justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador. A conduta do recluso, a quem foram encontrados, no bolso das calças, 4 panfletos de heroína com o peso líquido global de 0,313 gramas (sem que se haja provado que os destinavam à venda a outros reclusos) deve ser subsumida ao tipo do art. 25.º, mostrando-se ajustada uma pena de 15 meses de prisão”.

       No caso apreciado, o arguido fora acusado da prática de um crime de tráfico agravado, p. p. pelo artigo 21.º e 24.º, alínea h), do DL n.º 15/93, tendo o tribunal considerado que a conduta integrava antes o crime de tráfico de menor gravidade, condenando o arguido na pena de 15 meses de prisão. Inconformado, o Ministério Público recorreu, pretendendo que a qualificação correcta era a vertida na acusação, mas sem sucesso.    

      Acórdão de 20-04-2005, processo n.º 3434/04-3.ª Secção – A incriminação do artigo 24.º, alínea h), do DL 15/93, de 22-01, visa reprimir de forma mais gravosa o tráfico de estupefacientes, que possa propiciar o seu consumo por pessoas que merecem especial protecção, designadamente, por razões de saúde e em função da sua pouca idade.

      Acórdão de 21-04-2005, processo n.º 1273/05-5.ª Secção – As circunstâncias que podem agravar a moldura do crime de tráfico de estupefacientes, previstas no art. 24.º do DL 15/93, de 22-01, não são de funcionamento automático, pelo que é admissível que o arguido que detém cerca de 50 g de haxixe no interior do estabelecimento prisional onde se encontra a cumprir pena, em que não se prova o destino que lhe pretendia dar, não seja punido por força do referido art. 24.º, al. h), dada a natureza e quantidade do produto e a existência de uma mera detenção.

      Mas a circunstância do tráfico ser exercido em estabelecimento prisional é suficientemente forte para impedir que a imagem global do facto seja a de uma ilicitude acentuadamente diminuída, pelo que teria sido correcto punir o arguido no quadro do tráfico comum, p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, e não no de menor gravidade.

       No acórdão de 8-02-2006, proferido no processo n.º 3790/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 181, foi tratada uma situação em que mãe transporta estupefaciente para o filho recluso.

      Aí se diz que a razão de ser da agravante reside no desrespeito pelos objectivos de prevenção e de reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional, sendo tais objectivos inerentes à pessoa dos presos, e, assim, há que distinguir os casos em que o produto estupefaciente chega ao seu alcance dos que não chega.

      Aí pode ler-se: “Na tomada de posição sobre a agravante qualificativa, há que atender ao princípio da proporcionalidade. Quer no plano geral, quer no plano especifico do tráfico de estupefacientes. Como afirma o Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 201) “… já não há, por outro lado, qualquer razão de exigir, para que de circunstância modificativa se trate, que o seu efeito seja automático ou obrigatório, não intercedendo apreciação pelo juiz dos seus pressupostos específicos.”

     Concretamente, no que concerne ao tráfico ilícito de estupefacientes, a não agravação automática integra-se particularmente bem no princípio da proporcionalidade do art.º 3, n.º 4, da Convenção da ONU de 20.12.1988 que foi ratificada em Portugal pelo Decreto do Presidente da República n.º 45/91, de 6.9. e que foi aprovada para ratificação pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 da mesma data. E que foi a razão determinante do citado DL n.º 15/93, como este mesmo refere no início do seu preâmbulo. Reafirmando-se neste mesmo preâmbulo aquele princípio da proporcionalidade.

      Nesta conformidade, e situando-nos já no domínio específico da agravante relativa à prática do facto em estabelecimento prisional - a única que nos interessa, - tem este Tribunal decidido, com reiteração, que não há lugar a efeito qualificativo automático, antes se impondo uma análise concreta do facto e o seu cotejo com a razão de ser de tal agravante, em ordem a tomar-se posição, invocando aqui os acórdãos de 30-03-2005, processo n.º 3963/04, de 21-04-2005, processo n.º 1273/05-5.ª Secção e de 14-07-04, processo n.º 2147/04.

      Para efeitos da averiguação da gravidade merece atenção “o facto de o haxixe nunca ter entrado na zona onde vivem os reclusos. Esteve sempre longe, quer do arguido, quer dos outros a quem podia chegar a notícia da disponibilidade do estupefaciente e que o podiam comprar ou, até, simplesmente, vir a consumir. Não saiu da posse da arguida e esta era um mero “correio” entre quem lho entregou e o filho que lhe daria a utilização que se refere nos factos provados”. (…) A droga foi apanhada no controlo, com as consequências legais daí derivadas. Temos aqui uma realidade que contribui para o afastamento da agravante qualificativa”.    

      Concluindo, diz o acórdão: “Consistindo a actividade de tráfico num único transporte de 10 gr de haxixe, efectuado pela mãe de um recluso e que se destinava a este, não tendo esse produto chegado a entrar na zona exclusiva dos reclusos, dever-se-á excluir a agravante da al. h) do art. 24.º do Dec.-Lei n.º 15/93, enquadrando-se antes, atenta a qualidade, quantidade de tal estupefaciente e do seu agente se tratar de um mero “correio”, numa situação privilegiada de tráfico de menor gravidade”.

       Da requalificação, resultou que tendo o arguido sido condenado em 6 anos e 6 meses de prisão e a arguida na pena de 5 anos e 6 meses de prisão pelo crime agravado, as penas foram reduzidas, respectivamente, para 2 anos e 6 meses e 15 meses de prisão, sendo esta suspensa por 3 anos.

       Acórdão de 14-03-2006, processo n.º 4413/05-5.ª Secção – “No caso de tráfico de estupefacientes ocorrido no interior de um estabelecimento prisional, verificando-se circunstâncias que façam diminuir acentuadamente a ilicitude, por forma a esta não corresponder ao padrão normal pressuposto pelo tipo base, a pena deixa de ser a do art. 21.º, para ser a do art. 25.º e, como tal, a referência do art. 24.º às 2 penas previstas no art. 21.º deixa de ter qualquer suporte, posto que a penalidade correspondente àquela ilicitude diminuída não é já a desse artigo. E, nesse caso, a circunstância a que faz referência a al. h) do art. 24.º (facto praticado em estabelecimento prisional) é tida em conta na fixação judicial da pena (do art. 25.º).

       Acórdão de 06-06-2006, processo n.º 2034/06-5.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, págs. 204/207, afirma que a especial agravação do tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional, não tem tanto a ver com a protecção da saúde dos presos, mas, sobretudo, com a elevadíssima ilicitude do facto, já que praticado por alguém que dá nota não só do inteiro desprezo a que vota os objectivos da condenação que está a cumprir, como potencia, pelo (mau) exemplo, que os outros presos enveredem pelo mesmo caminho, não só frustrando os objectivos de prevenção, como levando a deixar de lado a sua reinserção, enfim, pondo em causa todo o fim das penas que o sistema prisional é suposto acautelar. Deste modo, mesmo a entender-se que as circunstâncias das als. do art. 24.º não são automáticas, gerando inevitavelmente o efeito agravativo especial, impõe-se a consideração de que uma circunstância como a da al. h) do art. 24.º do DL n.º 15/93 (no caso, tráfico em estabelecimento prisional), com forte pendor objectivo e ligada à ilicitude, impede a que, no caso de ser afastada, se declare consideravelmente diminuída a mesma ilicitude, como sustenta a decisão impugnada. Apreciando recurso interposto pelo MP de decisão que integrara a conduta (transporte no bolso do casaco de 0,1 gr de cocaína) no crime do artigo 25.º do DL 15/93, sendo imposta com atenuação especial a pena de 4 meses de prisão, foi entendido que a agravante em causa não podia ser desconsiderada, atenta a razão de ser da agravação, sendo imputada a prática do crime agravado, e entendido ser de atenuar especialmente a pena, foi fixada a pena de 1 ano e 6 meses de prisão, afastando-se a possibilidade de suspensão,  

      Acórdão de 28-06-2006, proferido no processo n.º 1796/06-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2006, tomo 2, págs. 230/233, com o mesmo Relator do acórdão de 8-02-2006, em situação em que em busca realizada a camarata o recluso detinha 3 panfletos que continham 0,213 gr de heroína, sendo a substância introduzida pelo arguido no EP, no mesmo dia, quando regressava de uma saída precária, tendo sido condenado pelo crime agravado em 7 anos de prisão, começa o acórdão por afirmar que na tomada de posição sobre a agravante qualificativa há que atender ao princípio da proporcionalidade.

      A agravante resultante do tráfico ocorrer em estabelecimento prisional não é de aplicação automática.

       A razão de ser da agravante reside no desrespeito pelos objectivos de prevenção e reinserção ínsitos necessariamente no cumprimento das penas e prosseguidos pela instituição prisional, decorrendo o mencionado desrespeito do grau de disseminação da droga por outros reclusos ou pela quantidade de droga em causa.

      “Interessa, pois, saber se a droga foi disseminada pelos outros reclusos ou se é de quantidade que reflita um grau acentuado de desrespeito por aqueles objectivos (cfr. o ac de 14.7.2004).

      No caso presente, temos a ausência de disseminação ou de intenção de disseminação pela demais população prisional e temos uma quantidade que é particularmente relevante, mas antes no sentido contrário ao da gravidade”.

       Conclui, afirmando: “Tratando-se de mera detenção de 0, 213 g de heroína, há que considerar o crime praticado de tráfico de menor gravidade, independentemente de ter sido realizado por um recluso e no interior de estabelecimento prisional”, sendo o arguido condenado na pena de 16 meses de prisão efectiva.

      Acórdão de 6-07-2006, processo n.º 2034/06-5.ª Secção – Mesmo a entender-se que as circunstâncias do art. 24.º do DL 15/93 não são automáticas, gerando inevitavelmente o efeito agravativo especial, impõe-se a consideração de que uma circunstância como a da al. h), com forte pendor objectivo e ligada à ilicitude, impede que, no caso de ser afastada, se declare consideravelmente diminuída essa mesma ilicitude (art. 25.)

       Acórdão de 11-10-2006, processo n.º 3040/06-3.ª Secção - Caso de arguido que comparece no estabelecimento prisional para visitar o irmão, trazendo consigo 335,419 gramas de canabis. Não se tendo provado que o produto se destinasse a venda a terceiros, foi considerado que situando-se fora do âmbito do artigo 25.º do DL 15/93, a situação está no limiar da previsão matricial do artigo 21º do mencionado diploma, fixando a pena em 4 anos e 3 meses de prisão.

       Acórdão de 12-10-2006, processo n.º 2427/06-5.ª Secção, com o mesmo Relator do acórdão de 6-07-2006, processo n.º 2034/06-5.ª, agora com dois votos de vencido.

      “Mesmo que se entendesse que as circunstâncias das als. do art. 24.º não são automáticas, gerando inevitavelmente o efeito agravativo especial, impõe-se a consideração de que uma circunstância como a da al. h) do art. 24.º do DL 15/93, com forte pendor objectivo e ligada à ilicitude, impede a que, no caso de ser afastada, se declare consideravelmente diminuída a mesma ilicitude”.

      Acórdão de 23-11-2006, processo n.º 4065/06-5.ª Secção - Provando-se que o recorrente, que se encontrava preso, acordou, com o co-arguido, que este, durante uma visita, lhe entregaria “línguas” de haxixe – com o peso global de 95,320 g –, que o primeiro, no interior do estabelecimento prisional, venderia a terceiros, verifica-se a agravação da medida da pena em ¼, nos seus limites mínimo e máximo, conforme a al. h) do artigo 24.º, por referência ao artigo 21.º, n.º 1, ambos do DL 15/93, de 22 de Janeiro.

      Acórdão de 29-11-2006, processo n.º 2426/06-3.ª Secção – Confirma a punição nos termos do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22-01, tal como entendeu o tribunal colectivo.

       Acórdão de 15-02-2007, processo n.º 4092/06-5.ª Secção – Não é a qualidade de “preso” do agente (no caso de se tratar de um estabelecimento prisional) que confere gravidade à conduta; é o facto de a infracção ser praticada nos referidos espaços, com desprezo por aquelas características, objectivos e acentuação do perigo de disseminação. Não comete o crime agravado de tráfico de estupefacientes o agente, que, como único elemento de conexão com o espaço prisional tem apenas o facto de estar preso em cumprimento de pena por outro crime.

      Acórdão de 02-05-2007, processo n.º 1013/07-3.ª Secção – Relativamente ao bem jurídico tutelado, afirma-se que o intuito do legislador é o de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e perigos de contacto com os estupefacientes e não o de defesa da autoridade do Estado dentro de certos territórios, podendo ler-se: “Uma leitura atenta do preceito revela, porém, que os estabelecimentos prisionais aparecem a par de outros lugares, todos eles frequentados por segmentos de população relativamente aos quais o Estado sente um acrescido dever de providenciar para evitar o consumo, a circulação ou disseminação de estupefacientes. Que é claramente em função das pessoas (“vítimas”), e não dos territórios, que é feita a agravação resulta do facto de não se elaborar a agravação com base na qualidade pública (estatal) ou privada do edifício ou lugar como seria natural se fosse o respeito pela lei ou a autoridade do Estado que se quisesse salvaguardar de forma reforçada.

       A preocupação do legislador é evitar a circulação de estupefacientes em locais como aqueles, frequentados por pessoas em situação de especial fragilidade, por serem (ex) dependentes de estupefacientes em tratamento ou em recuperação, por se tratar de pessoas marginalizadas, por serem militares, relativamente aos quais se exige uma especial preparação física e uma disciplina específica, ou por serem jovens e assim haver necessidade de evitar a iniciação e a disseminação de drogas entre eles. E também os reclusos são naturalmente entendidos como uma população merecedora de uma disciplina específica, tendo em conta precisamente o elevado número de consumidores e mesmo toxicodependentes encarcerados e a necessidade de políticas especiais para combater o fenómeno nas prisões. Ora, se assim é, não basta a mera circunstância dos factos terem sido praticados nos locais previstos naquela alínea h) do artigo 24.° daquele diploma, para que seja de aplicar de forma automática a agravante prevista.

      Antes será necessário averiguar se a conduta dos arguidos teve como finalidade ofender os bens jurídicos - leia-se, pôr em perigo as populações especialmente vulneráveis - que a norma quis salvaguardar.

      Por isso assim se tem entendido de forma consensual que esta agravante a um crime de perigo comum não prescinde da análise dos pressupostos específicos da aplicação da norma.

    Conclui: “Existirá ilícito agravado, em princípio, quando houver disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, quando a quantidade for significativa, ou quando a intenção for meramente lucrativa. É a análise do caso que determinará a verificação, ou não, da agravação. Não se demonstrando a agravação e reconduzidos os factos ao crime comum do art.º 21.º, nada obsta a que eles possam ser subsumidos ao art. 25.º, também do DL 15/93, desde que, evidentemente, os respectivos pressupostos (menor gravidade) estejam reunidos. 

      Acórdão de 12-07-2007, processo n.º 3507/06-5.ª Secção, com declaração de voto – “A jurisprudência tem considerado que o simples facto de introduzir droga nesses locais, especialmente num estabelecimento prisional, não opera automaticamente a qualificação do crime de estupefacientes, sendo necessário, através de uma interpretação teleológica, verificar se a concreta modalidade da acção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador.

      Acórdão de 12-09-2007, processo n.º 2165/06-3.ª Secção – É entendido não se preencher o crime agravado, adiantando nada obstar a que os factos possam ser subsumidos ao artigo 25.º do DL 15/93, convocando os acórdãos de 8-02-2006, 14-03-2006, 28-06-2006, 29-11-2006 e 2-05-2007, proferidos nos processos n.º 3790/05-3.ª Secção, 4413/05-5.ª Secção, 1796/06-3.ª Secção, 2426/06-3.ª Secção e 1013/07-3.ª Secção.

       Acórdão de 16-01-2008, processo n.º 4638/07-3.ª Secção, CJSTJ 2008, tomo 1, págs. 198/206, em que interviemos como adjunto, depois de afirmar que a detenção de droga, no interior de um estabelecimento prisional, por um recluso, em cumprimento de pena, não é circunstância bastante de per se que agrave automaticamente a punição, qualificando o crime, sendo preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduza numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento, pondera: “Ora, se é certo que a detenção de droga, no interior de uma cadeia, por quem lá cumpre pena, constitui facto particularmente perigoso quando a finalidade do agente é a de disseminá-la pela população prisional e, ainda mais perigoso, se visa a obtenção de lucro (quer pela indiferença que revela pelos fins das penas quer pelo perigo que representa para a saúde da população prisional) então isso significa que a agravação não é automática e que importa demonstrar que a concreta infracção justifica o especial agravamento querido pelo legislador”.

     Seguindo de perto os acórdãos de 28-06-2006, processo n.º 1796/06, da 3.ª Secção CJSTJ 2006, tomo 2, págs. 230/3 e de 15-02-2007, da 5.ª Secção, mas afastando a integração no tipo privilegiado do artigo 25.º, a), do DL 15/93, conclui:

       “Não cometeu o crime agravado de tráfico de estupefacientes, mas apenas o crime simples do art. 21.º do DL n.º 15/93, de 22-01, o preso que detinha na sua cela e dentro de um bolso 15 sacos de plástico contendo heroína, com o peso líquido de 14,846 grs., e como único elemento de conexão com o espaço prisional apenas tinha o facto de estar preso em cumprimento de pena por outro crime”.

      Afastando o crime de tráfico na forma agravada pretendido pelo Ministério Público, como o crime de tráfico na forma privilegiada, pretendido pelo arguido, dando por verificada a reincidência, foi o arguido condenado em sete anos de prisão.

      Acórdão de 6-11-2008, processo n.º 2501/08-5.ª Secção – Versando caso de colocação por um terceiro não identificado de um saco com oito pedaços de canabis (resina), com o peso de 486,362 gramas na horta do EP, tendo sido os pedaços substituídos por tubo com dimensões e peso semelhantes, por ter sido na véspera, detectada a situação por um guarda prisional e de acordo com a chefia que assim determinou por razões de segurança. O coarguido MF trazendo um balde com adubo, aproximou-se do saco, que colocou dentro do balde dissimulado pelo adubo que depois entregou ao recorrente, que, quando abordado por um dos guardas prisionais de imediato retirou o saco, que atirou ao coarguido MF, gritando-lhe que o atirasse para fora do muro, o que este fez. O acórdão versa o tema de tentativa impossível, pois os dois arguidos actuaram no convencimento de que o saco continha substância estupefaciente e ambos quiseram praticar actos de execução.

      Seguindo de perto o acórdão de 14-07-2004, proferido no processo n.º 2147/04 da 3.ª Secção, refere: “Especificamente nos EP, a posse de droga “por quem lá cumpre pena de prisão constitui facto particularmente perigoso se a finalidade do agente é disseminá-la pela população prisional, e ainda mais perigoso, quando o mesmo agente visa a obtenção de lucro, seja pela indiferença que revela pelos fins da pena que cumpre, seja pelo perigo que isso representa para saúde dos detidos. Se este é o fundamento da agravação, somos forçados a concluir que a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz o efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador”.

      Pondera, a final: “No caso em apreço, ficou provado que os arguidos destinariam parte da droga para cedência a terceiros, sendo relevante a quantidade que tinha sido colocada no saco e que os arguidos pretendiam recolher e introduzir no EP por permitir a obtenção de centenas de doses; justifica-se, por isso, o agravamento da pena do art. 21.º, nos termos previstos no art. 24.º, al. h), do DL 15/93, tal como fez a decisão recorrida”.

      Acórdão de 21-01-2009, processo n.º 4029/08 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto – Invocando os acórdãos de 2-5-2007, processo n.º 1013/07 e de 16-01-2008, processo n.º 4638/07, ambos da 3.ª Secção e do mesmo Relator, e de 6-11-2008, processo n.º 2501/08, da 5.ª Secção, afirma que a detenção de droga no interior de um estabelecimento prisional, por um recluso em cumprimento de pena, não é circunstância bastante de per se que agrave automaticamente a punição, qualificando o crime.

      É preciso que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento.

      O arguido em prisão preventiva, ao ser sujeito a uma revista de rotina detinha duas bolotas de canabis com o peso líquido de 17,820 gramas, tendo sido configurado o crime nos termos gerais do artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93.

      Acórdão de 7-07-2009, processo n.º 52/07.2PEPDL.S1-3.ª Secção – A razão de ser da agravação quando a conduta tem lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta.

      No caso concreto, face a mera detenção, por parte do recluso, de pequenas quantidades de heroína e de canabis, sendo o arguido consumidor de substâncias estupefacientes, não se pode configurar a existência de difusão ou de perigo de difusão da droga pelos reclusos, havendo que afastar a aplicabilidade da alínea h) do artigo 24.º do DL 15/93.

      No caso concreto, face à mera detenção dos estupefacientes, a pequena quantidade detida e o facto de o arguido ser consumidor, foi entendido qualificar os factos como tráfico de menor gravidade, sendo fixada a pena em 3 anos e 6 meses de prisão efectiva, atento o passado criminal do arguido, com dez condenações, algumas sancionadas com pena privativa de liberdade.

       Acórdão de 24-02-2010, processo n.º 59/06.7GAPFR.P1.S1, por nós relatado, foi ponderado:

       “Na análise da presente questão a conduta do ora recorrente (JC) não pode obviamente ser dissociada do comportamento do co-arguido, que transportava a droga com destino ao estabelecimento prisional.

       No nosso caso os produtos em causa nunca entraram na zona onde vivem os reclusos. Esteve sempre afastado, quer do arguido JC, quer dos outros. Não chegou tão pouco a sair da posse do arguido AS, que era um mero correio entre quem lhe entregou a encomenda e o arguido JC, que lhe daria, caso se efectivasse a entrega, a utilização que se refere nos factos provados. A ousadia de ambos os arguidos chocou contra a segurança do estabelecimento, que actuou, na zona de controlo, apreendendo a droga, assim impedindo a penetração dos produtos no interior daquele.

       No que respeita à conduta do arguido AS, o crime exauriu-se com o mero transporte, limitando-se a sua tarefa a tal actividade, sendo de anotar que foi delineado no acórdão recorrido um dolo, com contornos de eventual, quando o dolo relativo ao transporte é directo.

      Sendo de afastar como se afasta a qualificativa, cai-se na previsão do crime base, do artigo 21.º, não colhendo a pretensão expressa pelo recorrente JC de integração no tipo privilegiado do artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, atendendo a que se tratava de dois tipos de droga, sendo uma delas heroína, não podendo considerar-se diminuída a ilicitude.

       Conclui-se assim que os arguidos cometeram um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, sendo de revogar a decisão recorrida nesta parte, substituindo a condenação tendo em conta o novo enquadramento, com naturais reflexos na medida da pena, desde logo a convocar uma moldura mais benigna”.

      O arguido AS levava nos sapatos 27,110 gramas de haxixe e 10,232 gramas de heroína, sendo as penas reduzidas para 4 anos e 6 meses de prisão para o recorrente e 4 anos de prisão para o arguido AS, suspensa na execução.

      Acórdão de 26-09-2012, processo n.º 139/02.8TASPS.S1, por nós relatado - Versa situação em que o recorrente limitou-se a encomendar a um outro recluso que ia beneficiar de uma saída precária, a aquisição no exterior de “canabis”, para tanto entregando-lhe 150 euros, mas visando, uma vez na posse da substância, vendê-la a outros reclusos, compensando o co-arguido com parte do produto, bebidas e tabaco. Foi ponderado: “No caso presente, a “canabis” encomendada, tendo entrado no Estabelecimento Prisional de São Pedro do Sul foi-o no interior do corpo do co-arguido RF, nunca tendo chegado ao recorrente. Não chegou tão pouco a sair da posse do arguido R, que era em princípio, um mero executor de uma encomenda. A ousadia de ambos os arguidos chocou contra a segurança do estabelecimento, que por denúncia, actuou de imediato, aquando da entrada do comprador, assim impedindo a entrega do produto ao recorrente.

      Conclui-se assim que o recorrente não cometeu um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, sendo de revogar a decisão recorrida nesta parte.

      Sendo de afastar, como se afasta, a qualificativa em causa, resta saber se a conduta dada por provada cai na previsão do crime base/essencial/nuclear do artigo 21.º, ou antes a integração é de fazer, como pretende o recorrente, no tipo privilegiado do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, ou mesmo do artigo 26.º do mesmo diploma.

      Não se preenchendo a qualificativa, afastado o tipo agravado, havia que ver se funcionava no caso o privilegiamento previsto no artigo 25.º, alínea a), ou no artigo 26.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, tendo sido considerado estar presente um caso de menor gravidade, tendo o recorrente sido condenado pela prática do crime de tráfico de menor gravidade na pena de três anos de prisão, suspensa na execução por igual período.

      Acórdão de 02-12-2013, processo n.º 116/11.8JACBR.S1 - 5.ª Secção – O tipo matricial do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, abrange os casos mais variados de tráfico de estupefacientes, considerados dentro de uma gravidade mínima, mas já suficientemente acentuada para caber no âmbito do padrão de ilicitude requerido pelo tipo, cujo limite inferior da pena aplicável é indiciador dessa gravidade, e de uma gravidade máxima, correspondente a um grau de ilicitude muito elevado. Esse tipo fundamental corresponde, pois, genericamente, a casos que são já de média e de grande gravidade.

      Os casos excepcionalmente graves estão previstos no art. 24.º, pela indicação taxativa das várias circunstâncias agravantes, de natureza heterogénea e, por isso, insubsumíveis a uma teoria unificadora, enquanto que os casos de considerável diminuição da ilicitude estão previstos no art. 25.º, aqui por enumeração exemplificativa de algumas circunstâncias que, fazendo baixar a ilicitude para um limiar inferior ao requerido pelo tipo-base, não justificam a grave penalidade prevista na moldura penal estabelecida para o tráfico normal.

       No caso, o crime foi praticado no interior de EP, o que, nos termos do artigo 24.º, al. h), do DL 15/93, de 22-01, agrava a conduta. Mas, por outro lado, ocorrem circunstâncias que se enquadram no art. 25.º (tráfico de menor gravidade): a qualidade da substância estupefaciente – cannabis – remete-a para o elenco das menos nocivas à saúde e socialmente menos danosas; a quantidade que a arguida pretendia fazer passar para o interior do EP também não é muito significativa, atendendo ao tipo de droga (43,138 g) que, de resto, nem sequer chegou ao seu destino.

      O processo de transporte da droga pela arguida – no interior da vagina – aparentemente revela astúcia e refinamento e um carácter dissimulatório que dariam à conduta um tónus mais acentuado de ilicitude. Porém, essa forma de transporte é hoje uma vulgaridade pela frequência com que se põe em prática e pela difusão que alcançou através dos meios de comunicação social, ao noticiarem casos desse tipo, o que não significa que se deva subestimar o seu alcance em termos de ilicitude, principalmente se se considerar o contexto da acção (EP, hora da visita, acesso facilitado pela ligação da arguida ao preso que ia visitar), mas também que não deve ser sobrevalorizada.

      As circunstâncias referidas, com particular acento para a quantidade e qualidade do produto estupefaciente, apontam para uma ilicitude consideravelmente diminuída, aliadas ainda ao facto de se não ter provado que o companheiro da recorrente, a quem a droga se destinava, pretendesse comercializá-la, não estando excluído que fosse para seu próprio uso, apesar de não haver conhecimento de que fosse consumidor de produtos estupefacientes, fornecem uma imagem global do facto acentuadamente diminuída, afastando o efeito da especial agravação da circunstância contida na al. h) do art. 24.º, o que não significa, porém, que esta circunstância não seja levada em conta na fixação judicial da pena.

      Deste modo, a questão da qualificação jurídica tem toda a pertinência, devendo o facto ser qualificado como tráfico de menor gravidade do art. 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01.

     A pena tem como principal finalidade a tutela dos bens jurídicos, a que está ligada a função de prevenção geral positiva, não podendo todavia ultrapassar a medida da culpa, e também a reinserção social do condenado, a que está ligada a função de prevenção especial ou de socialização (art. 40.º, n.ºs 1 e 2, do CP).

     Considerando, no âmbito do art. 71.º do CP, os factores relevantes para a fixação concreta da pena, em função da culpa e da prevenção, temos que:

    - ao nível da ilicitude, releva o facto de o crime ter sido cometido em EP, mas sem que o produto tenha chegado à posse efectiva do companheiro da arguida;

    - o dolo assumiu a forma correspondente ao dolo directo;

    - o modo de actuação da recorrente – transporte da droga no interior da vagina –, usando assim um processo dissimulatório destinado a dificultar a detecção da droga e a iludir a vigilância do EP agrava a sua conduta;

    - ao nível dos fins ou motivos, não se apurou para que objectivo pretendia o companheiro da recorrente a droga, se bem que tenha ficado provado que não era toxicodependente nem lhe eram conhecidos hábitos de consumo;

    - relativamente às circunstâncias pessoais, relevam sobretudo a idade da recorrente (27 anos à data dos factos e 29, actualmente), a ausência de antecedentes criminais, a inserção social e familiar, os hábitos de trabalho e a vida rude, auferindo o salário mínimo, as responsabilidades maternais, tendo uma filha com 6 anos de idade.

      Tendo em conta este circunstancialismo, em que prevalecem factores de prevenção geral ligados ao tráfico de droga, agravados pelo facto de o acto ilícito ter ocorrido em meio prisional, e uma culpa acentuada, mas em que as exigências de prevenção especial são pouco relevantes, reputa-se adequado aplicar à arguida a pena de 3 anos de prisão.

       Versando suspensão da execução da pena, diz:

      No caso, será de considerar sobretudo a relativa juventude da arguida, os seus hábitos de trabalho e a vida rude que tem de levar para sobreviver, as suas prementes responsabilidades maternais, tendo uma filha de 6 anos de idade em fase de escolarização e exclusivamente a seu cargo, visto que o companheiro (pai da criança) se encontra a cumprir pena, a ausência de antecedentes criminais, a boa inserção social e familiar.

      Todo este circunstancialismo aponta para um juízo de prognose favorável, sendo de crer que a simples censura do facto e a ameaça de pena bastarão para a afastar da delinquência, que terá sido episódica na sua vida.

      Acórdão de 13-02-2014, processo n.º 160/13.0TCLSB.L1.S1 - 5.ª Secção – Não pode deixar de integrar o crime de tráfico comum do art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, a conduta dos arguidos consistente em fazer introduzir num EP, por comparticipação com outros, substâncias estupefacientes (algumas delas pertencentes à categoria das chamadas drogas duras), em quantidades insusceptíveis de serem consideradas irrelevantes.

       O completo desprezo demonstrado pelas finalidades de prevenção e reinserção dos recluídos em EP e a insólita desfaçatez da actuação dos arguidos justificam plenamente o agravamento do crime pela verificação da qualificativa da al. h) do art. 24.º do DL 15/93.

      Certa jurisprudência do STJ tem considerado que o que está em causa no regime especial para jovens adultos delinquentes, previsto no DL 401/82, de 23-09, são razões que se prendem, fundamentalmente, com a prevenção especial, ligadas à reinserção social do menor delinquente, não já razões atinentes à culpa ou mesmo à ilicitude.

      Como a ilicitude e a culpa não constituem factores preponderantes para a aplicação deste regime especial e como os arguidos não tinham antecedentes criminais ou não tinham antecedentes relacionados com a prática de crimes de tráfico e se encontram inseridos nos respectivos meios familiares, que os apoiam, a pena a aplicar a cada um deles deve ser especialmente atenuada, de acordo com o art. 4.º do DL 401/82, de 23-09.

       Se a medida da pena não pode exceder a medida da culpa, o limite a partir do qual aquela não pode ultrapassar esta serve de barreira intransponível às considerações preventivas.

       A suspensão da execução da pena de prisão só deve ser decretada quanto o tribunal concluir, em face da personalidade do agente, das condições de vida e das demais circunstâncias, que é adequada a afastar o delinquente da criminalidade, o que determina a formulação de um juízo de prognose social favorável ao arguido, induzido pela esperança de que sentirá a sua condenação como advertência e que não cometerá novos crimes.

      Como a esperança não é certeza, o tribunal sempre tem de correr um risco calculado ao suspender na sua execução a pena de prisão que tenha sido imposta ao arguido.

      No caso, correndo um risco prudente, como existem razões para esperar que a simples censura do facto e que a ameaça da prisão asseguram as finalidades da punição, decide-se suspender a execução das penas de 3 anos, de 4 anos e de 5 anos de prisão, em que os arguidos foram condenados, sujeitando-os a regime de prova.

      Acórdão de 29-10-2014, processo n.º 69/13.8PFPDL.L1.S1-3.ª Secção – No caso, é afastada oficiosamente a circunstância modificativa agravante da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, estando em causa estabelecimento de ensino. Ao arguido, reincidente, é aplicada a pena de 2 anos de prisão, sendo afastada a possibilidade de suspensão da execução da pena. 

      No acórdão de 11-06-2015, processo n.º 23/13.0PAVNF.P1-B.S1, da 5.ª Secção, em recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, os acórdãos em confronto haviam versado os artigos 21.º e 24.º, alínea h), do DL n.º 15/93, estando em causa a necessidade (ou não) de representação da circunstância qualificativa prevista na alínea h). Foi considerado não se verificar oposição de julgados, concluindo-se: “Considera-se que o dolo enquanto elemento intelectual se deve estender às circunstâncias qualificativas”.

      Acórdão de 12-10-2016, processo n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1- 3.ª Secção – Na valoração global da factualidade, tendo em atenção as circunstâncias em que os factos foram praticados – o meio utilizado para a introdução da droga no EP, a quantidade e qualidade do produto estupefaciente, destacando-se aqui a detenção de heroína, a circunstância de o arguido se encontrar em cumprimento de pena, precisamente pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes – não se observa que a ilicitude do facto seja consideravelmente diminuída, improcedendo a pretensão do arguido na integração dos factos no tráfico de menor gravidade.

       A circunstância de a infracção ter sido cometida em EP, prevista na al. h) do art. 24.º do DL 15/93, não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador.

     As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração são muito elevadas no quadro do crime de tráfico de estupefacientes. Elevado é também o grau da ilicitude dos factos, tendo em conta as circunstâncias em que o arguido praticou o crime, sublinhando-se o objectivo que se propôs de introduzir o produto estupefaciente no EP onde regressava após o gozo de uma licença de saída que lhe fora concedida. Actuou com dolo directo e possui antecedentes criminais pela prática de crimes da mesma natureza, encontrando-se à data dos factos em cumprimento de pena de prisão, pelo que, tudo ponderado se afigura adequada a pena de 6 anos e 6 meses aplicada pela 1.ª instância.

       Acórdão de 10-05-2018, processo n.º 311/16.3JELSB.L1.S1 - 5.ª Secção – “O arguido foi condenado na pena de 5 anos e 6 meses de prisão pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos arts. 21.º, n.º 1 e 24.º, al. h), do DL 15/93, crime a que corresponde, em abstracto uma pena de 5 a 15 anos de prisão.

       É elevado o grau de ilicitude do facto e intensa a culpa do arguido, pois que, beneficiando de uma saída precária, dela abusou, ingerindo 3 “bolotas”, contendo 27,182g. de heroína, correspondente a 40 doses diárias e 18 “bolotas”, contendo 176,215g. de canábis, correspondente a 810 doses diárias, com o objectivo de as introduzir no EP onde cumpria reclusão. São, também, prementes as exigências de prevenção geral e especial.

       Pelo que, tudo ponderado ser de manter a pena aplicada”.

      Acórdão de 12-07-2018, por nós relatado no processo n. º 116/15.9JACBR.C1.S1 – Vindo o arguido acusado de tráfico agravado pelo artigo 24.º, alínea h), do DL n.º 15/93, procedeu-se a alteração oficiosa de qualificação jurídica e resultando da matéria de facto que a substância não era destinada ao filho da recorrente que se encontrava no estabelecimento prisional, concluiu-se estarmos face a um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, sendo a arguida condenada na pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução sujeita a regime de prova.

       Acórdão de 13-09-2018, processo n.º 184/17.9JELSB.L1.S1- 3.ª Secção – “O art. 24.º, do DL 15/93, de 22-01, prevê um tipo agravado de tráfico de estupefacientes, abrangendo situações de especial ilicitude do facto, funcionando como contraponto do art. 25.º do mesmo diploma, que estatui um crime privilegiado de tráfico, em razão da menor gravidade do facto. Assim, a lei prevê, a par do tipo fundamental de tráfico, instituído no art. 21.º, um crime privilegiado, o do art. 25.º, e um outro qualificado, o do art. 24.º, em função da dimensão da ilicitude do facto, que deverá ser consideravelmente menor que a ínsita no tipo fundamental no caso do art. 25.º, e, opostamente, consideravelmente maior no caso do art. 24.º.

       Incidindo a análise neste último, constata-se que o legislador indica taxativamente as situações que merecem a qualificação (ao contrário do que acontece com o art. 25.º que aponta meramente os fatores que podem justificar a atenuação). Entre elas importa seleccionar a da al. h), que foi a aplicada pelo tribunal recorrido. Da leitura do preceito resulta com toda a clareza a especial preocupação do legislador em dissuadir, mediante a agravação significativa da pena, a disseminação de estupefacientes em certos lugares, não tanto por desrespeito pelo funcionamento e disciplina dos serviços em causa, mas sim em atenção à população que os frequenta: consumidores dependentes, pessoas institucionalizadas, reclusos, militares, estudantes. Uma população algo heterogénea, mas que o legislador considera, por razões diversas, especialmente fragilizada na sua capacidade de autodeterminação relativamente ao consumo de estupefacientes, e portanto alvo fácil da ação dos traficantes. É este intuito protetor dos consumidores que preside à norma.

      Assim sendo, e especificamente no caso dos estabelecimentos prisionais, que é o que agora interessa, a agravação dos factos derivará não da infração à disciplina da instituição, mas da adequação do facto à disseminação das drogas entre os reclusos. Por isso, o crime pode ser cometido por reclusos ou não reclusos. O que importa é apurar se a ação era idónea para fazer chegar o estupefaciente à população prisional. No caso afirmativo, a ação deve em princípio ser integrada na citada al. h) do art. 24º.

       Acentue-se porém que, para merecer essa integração, a ação terá de revestir-se de um grau de ilicitude proporcional à medida da pena correspondente ao crime agravado. Expliquemo-nos. A situação que está ínsita na al. h) do art. 24.º é a de uma disseminação com certa escala entre os reclusos, não um ato isolado ou excecional de venda ou cedência a um recluso. A qualificação que aquele preceito prevê implica uma atividade sucessiva por um número indeterminado de reclusos, ainda que eventualmente restrita, como as condições de reclusão normalmente impõem, ou, pelo menos, a detenção de uma quantidade de estupefaciente bastante para tal efeito. Só assim se cumpre o princípio da proporcionalidade das penas.

       Quer isto dizer que, acentuando mais uma vez o que já se escreveu, a ocorrência de um ato subsumível o art. 21.º em EP não determina automaticamente a agravação da al. h) do art. 24.º. Há que indagar e avaliar se o grau de ilicitude excede efetivamente o que é inerente ao crime do art. 21º, ao qual o facto deve ser subsumido, caso contrário.

       Difícil já será defender que em situações excecionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do art. 25.º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos. O que será adequado, em nosso entender, é recusar a automaticidade da agravação pelo simples facto da ocorrência do facto em ambiente prisional. Por outro lado, a atenuação da pena, devido à menor ilicitude do crime, a partir do art. 21.º, sempre pode ser efetuada nos termos gerais do CP, inclusivamente com recurso ao art. 72.º - atenuação especial. A convocação do art. 25.º, numa situação de menor ilicitude em crime cometido em ambiente prisional, parece pois além do mais desnecessária para a prossecução de uma decisão justa.

      No caso dos autos, ao arguido, recluso no EP de Lisboa, foram apreendidas diversas “bolotas”, que ele expelira do próprio corpo, contendo 117,3 g. de cannabis, estupefaciente que ele pretendia comercializar no interior do mesmo estabelecimento, tendo em vista a obtenção de lucro. Esta situação, quer pela quantidade do estupefaciente, suscetível de ser disseminada por uma pluralidade significativa de reclusos, quer pela intenção lucrativa que presidiu à ação ilícita, procurando assim o arguido aproveitar-se da eventual situação de carência de outros reclusos, é indubitavelmente subsumível à al. h) do art. 24.º do DL 15/93”.

      Acórdão de 17-10-2018, processo n º 6077/16.0T9MTS.P1.S1 - 3.ª Secção – “Estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes. O bem jurídico protegido neste tipo de crime é múltiplo, sendo igualmente um crime de perigo abstracto. O STJ nem sempre teve a mesma posição relativamente ao tráfico de estupefacientes. Inicialmente teve uma posição mais rígida, sendo que com o acórdão do STJ de 24-11-1999, BMJ 491, desenha-se uma maior flexibilidade na apreciação dos pressupostos. Este STJ tem, igualmente, considerado prementes as necessidades de prevenção neste tipo de crime.

      São bastante elevadas as necessidades de prevenção geral, sendo forte a censurabilidade do acto de tráfico, a que acresce a circunstância de os factos terem sido praticados pelo arguido no interior do EP, no qual o arguido já foi alvo de 7 sanções disciplinares, 3 das quais por posse de produto estupefaciente. Considera-se, assim, que foi ajustada a pena aplicada ao arguido pela 1.ª instância de 5 anos e 6 meses de prisão.

      Acórdão de 27-06-2019, processo n.º 3405/17.4JAPRT.P1.S1 - 5.ª Secção – “No tráfico de estupefacientes, para a aferição do grau da ilicitude, há que atender, em primeiro lugar, ao facto de se tratar de um acto pontual de detenção que tinha por objecto resina de canabis, uma droga de menor potencial aditivo do que outras incluídas nas tabelas anexas ao DL 15/93, de 22-01.

      Há que atender, para além disso, a que, embora o arguido detivesse 32,19 g. desse produto com um grau de pureza de 8,7%, só parte dele se destinava à cedência a terceiros, sendo a parte restante destinada ao seu próprio consumo. Ignorando-se qual era a quantidade de droga destinada à cedência a terceiros, o princípio de que a dúvida deve beneficiar o arguido impõe que se considere que ele destinava a esse fim apenas uma quantidade diminuta de droga, sendo a maior parte do produto destinado ao seu consumo.

      Releva ainda para a aferição do desvalor da acção o facto de o crime ter sido cometido no interior de um estabelecimento prisional, no qual os reclusos têm uma especial vulnerabilidade, o que, embora não tenha a virtualidade de qualificar a infracção, não deixa de relevar para este efeito.

      Não obstante a agravação da ilicitude proveniente deste último factor, entende este tribunal que, dado tratar-se de uma mera detenção pontual de uma quantidade diminuta haxixe, a conduta do recorrente, sendo um caso de menor gravidade, deve ser punida tendo em conta moldura penal estabelecida pela al. a) do art. 25.º do DL 15/93, de 22-01, ou seja, com prisão de 1 a 5 anos.

      Para a determinação da pena dentro da indicada moldura penal relevam os factores apontados para a graduação da ilicitude, o que se reflecte na culpa, e ainda os seguintes:

- O facto de o arguido ser consumidor de estupefacientes desde há cerca de 10 anos, o que, por ele também ser vítima do fenómeno da droga, diminui a sua culpa, embora, como factor ambivalente que é, incrementa simultaneamente a necessidade de pena para satisfazer a finalidade de prevenção especial;

- Os antecedentes criminais do arguido, em que releva, para além da prática de crimes patrimoniais (danos, roubos e furto), o cometimento anterior de três crimes de tráfico de droga de menor gravidade, o que incrementa a culpa e a necessidade de pena para satisfazer a finalidade de prevenção especial;

- As demais circunstâncias pessoais, descritas no relatório social, que apontam também para um incremento da necessidade de prevenção especial.

       Tudo ponderado, e tendo em particular atenção que, nos termos do n.º 2 do art. 40.º do CP, a pena não pode ultrapassar a medida da culpa, entende este tribunal dever aplicar ao arguido uma pena de 3 anos e 6 meses de prisão, pena esta que, tendo em conta os antecedentes criminais do arguido, em especial os relativos ao tráfico de droga, não deve ser substituída por pena de prisão suspensa na sua execução (art.50.º, n.º 1, do CP).


                                                      ***

      Da análise da jurisprudência que vem de ser feita, resulta que nos casos de tráfico de estupefacientes cometidos em estabelecimento prisional são diversas as soluções, como a manutenção da circunstância modificativa agravante da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, ou convolação para o tipo matricial, ou mesmo para o tipo privilegiado, dependendo naturalmente do enquadramento específico de cada caso. Mas, com um denominador comum: a agravativa não é de funcionamento automático.

      Sendo desqualificado o crime por afastamento da agravativa da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, a convolação é feita em alguns casos, integrando a conduta no crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do mesmo diploma legal, e em outros casos, afasta-se o preenchimento do tipo privilegiado, considerando-se integrado o tipo base do artigo 21.º.

      Como exemplos da primeira opção, temos os acórdãos de 14-07-2004, processo n.º 2147/04-3.ª Secção (detenção de 4 panfletos de heroína com o peso líquido de 0,313 gramas); de 24-11-2004, processo n.º 3239/04 -3.ª Secção (211 gramas de haxixe - 18 meses de prisão efectiva); de 30-03-2005, proferido no processo n.º 3963/04-3.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 1, págs. 224/5/6; de 8-02-2006, proferido no processo n.º 3790/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 181, 15 meses de prisão e pena suspensa; de 14-03-2006, processo n.º 4413/05-5.ª Secção; de 28-06-2006, proferido no processo n.º 1796/06-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 230 (estando em causa 3 panfletos de heroína com o peso líquido de 0,213 gramas, na 1.ª instância fora o arguido condenado pelo crime agravado na pena de 7 anos de prisão e após convolação foi condenado na pena de 16 meses de prisão efectiva); de 29-11-2006, processo n.º 2426/06-3.ª Secção; de 2-05-2007, processo n.º 1013/07-3.ª Secção; de 12-09-2007, processo n.º 2165/06-3.ª Secção; de 07-07-2009, processo n.º 52/07.2PEPDL.S1-3.ª Secção; de 26-09-2012, por nós relatado no processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1 (pena suspensa) e de 02-12-2013, processo n.º 116/11.8JACBR.S1 - 5.ª Secção, em que operada a convolação, foi a arguida condenada na pena de 3 anos de prisão suspensa na execução.

       Em sentido contrário, considerando que a imagem global da ilicitude do facto nunca pode ser consideravelmente diminuída pelo facto de o tráfico ocorrer num estabelecimento prisional, pronunciaram-se os acórdãos de 11-04-2002, processo n.º 376/02, da 5.ª Secção, apreciando recurso interposto pelo Ministério Público e revogando a qualificação pelo tipo privilegiado e alterando para o crime base; de 17-04-2002, processo n.º 2359/02; de 19-02-2004, processo n.º 3466/03-5.ª Secção, afastando o privilegiamento, mas não descartando atenuação especial; de 21-10-2004, processo n.º 3205/04-5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2004, tomo 3, pág. 202; de 12-05-2004, processo n.º 4220/03-3.ª Secção; de 21-04-2005, processo n.º 1273/05-5.ª Secção (a circunstância do tráfico ser exercido em estabelecimento prisional é suficientemente forte para impedir que a imagem global do facto seja a de uma ilicitude acentuadamente diminuída, considerando preenchido o tipo matricial); de 21-04-2005, processo n.º 766/05-5.ª Secção; de 6-07-2006, processo n.º 2034/06-5.ª Secção; de 11-10-2006, processo n.º 3040/06-3.ª Secção (considerando preenchido o tipo matricial); de 12-10-2006, processo n.º 2427/06-5.ª Secção; de 15-02-2007, processo n.º 4092/06-5.ª Secção, que decidiu que a lei considera que o crime praticado nas instalações de um estabelecimento prisional, tal como de um estabelecimento de educação, de acção social ou de tratamento de consumidores de droga, é mais grave, quer devido às características funcionais desses estabelecimentos, quer aos objectivos que lhes presidem, quer ainda ao maior perigo de disseminação do consumo pelas pessoas que os frequentam; de 16-01-2008, processo n.º 4638/07, da 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, in CJSTJ 2008, tomo 1, págs. 198/206, neste aspecto citando os acórdãos de 21-4-2005 e 15-2-2007 (considerando preenchido o tipo matricial); de 6-11-2008, processo n.º 2501/08-5.ªSecção; de 21-01-2009, processo n.º 4029/08.3.ª Secção (considerando preenchido o tipo matricial); de 24-02-2010, por nós relatado no processo n.º 59/06.7GAPFR.P1.S1 (considerando preenchido o tipo matricial e suspendendo a execução da pena imposta a um dos arguidos); de 12-10-2016, processo n.º 15/13.9PEBJA.E1.S1-3.ª Secção; de 14-12-2016, processo n.º 206/14.5GDCTX.S1-5.ª Secção, onde se afirma: “a verificação da agravativa da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, tem como consequência a impossibilidade de qualificação jurídica do facto típico na previsão do artigo 25.º, a), do mesmo diploma legal, já que por si só aumenta excepcionalmente a sua ilicitude”, sendo o arguido condenado na pena de 5 anos de prisão suspensa na execução e acompanhada de regime de prova; de 12-07-2018, por nós relatado no processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1 (considerando preenchido o tipo matricial, fixando a pena em 4 anos e 6 meses de prisão suspensa na execução), no citado acórdão de 13-09-2018, processo n.º 184/17.9JELSB.L1.S1- 3.ª Secção (Difícil já será defender que em situações excecionais o facto, mesmo que ocorrido em estabelecimento prisional, possa ser integrado no crime do art. 25.º. Com efeito, um crime qualificado pela ilicitude poder ser de menor gravidade parece ser uma contradição nos termos. O que será adequado, em nosso entender, é recusar a automaticidade da agravação pelo simples facto da ocorrência do facto em ambiente prisional. A convocação do art. 25.º, numa situação de menor ilicitude em crime cometido em ambiente prisional, parece pois além do mais desnecessária para a prossecução de uma decisão justa) e acórdão de 19-09-2019, processo n.º 63/02.4TBPVZ.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, afastando a agravativa e considerando preenchido o tipo matricial.

      Procurando estabelecer alguma semelhança entre o caso de tentativa de introdução de droga em estabelecimento prisional e os correios de droga, veja-se a nota de rodapé n.º 7 no acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Novembro de 2014, proferido no processo n.º 249/11.0PECBR.C1.S1, da 5.ª Secção, publicado na CJSTJ 2014, tomo 3, págs. 207 a 214 e o acórdão de 12 de Julho de 2018, por nós relatado no processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1, pág. 67.

      Revertendo ao acaso concreto 

     Não sendo de aplicação automática a qualificativa em apreciação, estando em causa a passagem de um pequeno invólucro em plástico contendo no seu interior 0,19 gramas de heroína, entende-se ser de desqualificar o crime, o que pode ser feito oficiosamente  

      Alteração oficiosa da qualificação jurídica

      A recorrente foi condenada pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

      Havendo um efectivo impedimento quanto a agravamento de pena aplicada – de acordo com o artigo 409.º do Código de Processo Penal, o tribunal superior não pode modificar, na sua espécie ou medida, as sanções constantes da decisão recorrida, em prejuízo do arguido – o tribunal superior não está inibido de proceder a requalificação jurídica, quando o entender necessário.

      Nada impede este Supremo Tribunal de indagar, por iniciativa própria, da correcção e justeza da subsunção jurídica feita no acórdão recorrido, como tem sido entendido em vários arestos, sem olvidar, desde logo, o Acórdão n.º 4/95, de 7 de Junho de 1995, publicado no Diário da República, I Série, de 6 de Julho de 1995, e no BMJ n.º 448, pág. 107, que então decidiu: “O Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, da proibição da reformatio in pejus”.

       Mesmo quando o recorrente não ponha operativamente em causa a incriminação definida pelas instâncias, não pode, nem deve, o Supremo Tribunal de Justiça dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções, como tem sido decidido, por exemplo, nos acórdãos seguintes: de 02-05-1996, processo n.º 171, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 179; de 19-10-2000, processo n.º 2803/00-5.ª Secção (não pode nem deve o STJ – enquanto tribunal de revista e órgão, por excelência e natureza, mentor de direito – dispensar-se de reexaminar a correcção das subsunções); de 08-02-2001, processo 2745/00-5.ª Secção, SASTJ, n.º 48, pág. 62; de 04-10-2001, processo n.º 1091/01-5.ª Secção, CJSTJ 2001, tomo 3, pág. 178 (o entendimento do colectivo não vincula o STJ que, sem prejuízo da proibição da reformatio in pejus tem, como tribunal de revista que é, plena liberdade de julgar de direito, ou seja, de qualificar juridicamente os factos, mesmo divergindo da qualificação operada no tribunal a quo, e que tal qualificação não venha directamente posta em causa. “Sendo a determinação da concreta medida da pena decorrência jurídica da qualificação dos factos, não faria qualquer sentido, e seria, mesmo, absurdo, que tal (des)qualificação (inatacada pelo recorrente) levada a cabo pelo tribunal recorrido manietasse o tribunal de revista naquilo que é a sua natural área de actuação: dizer o direito em última instância”); de 17-01-2002, processo n.º 3132/01-5.ª Secção, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 183; de 11-04-2002, processo n.º 376/02-5.ª Secção; de 02-10-2003, processo n.º 2606/03-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 194; de 05-02-2004, processo n.º 151/04 - 5.ª Secção, CJSTJ 2004, tomo 1, 195; de 12-05-2004, processo n.º 4220/03-3.ª Secção; de 17-11-2005, processo n.º 2527/05-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 212; de 07-12-2005, processo n.º 2894/05-5.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 233; de 06-06-2006, processo n.º 2034/06-5.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 204, (como é jurisprudência fixada, o Tribunal Superior pode, em recurso, alterar oficiosamente a qualificação jurídico-penal efectuada pelo Tribunal recorrido, mesmo para crime mais grave, sem prejuízo, porém, do princípio da proibição da “reformatio in pejus”); de 12-07-2006, processo n.º 1709/06 -3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 239 (assiste ao Supremo Tribunal de Justiça enquanto tribunal de revista (art. 434º do CPP) o poder – dever de reexaminar sem reservas, ressalvada a proibição da “reformatio in pejus”, o direito aplicado, melhorando a decisão…); de 02-04-2008, por nós relatado no processo n.º 4197/07-3.ª Secção (caso de tráfico de estupefacientes considerado abrangido em conduta já apreciada em anterior julgamento, com verificação de caso julgado); de 22-10-2008, por nós relatado no processo n.º 215/08 (onde se ponderou: Antes de entrarmos na análise da medida concreta da pena, por estar em causa o afastamento de moldura penal abstracta mais gravosa, conhecer-se-á oficiosamente da verificação da circunstância modificativa da reincidência, terminando a solução por desconsideração da reincidência); de 21-01-2009, processo n.º 4029/08-3.ª Secção; de 05-02-2009, processo n.º 2381/08-5.ª Secção (O STJ, como tribunal de revista, pode alterar a qualificação dos factos feita pelas instâncias, mesmo que a questão da qualificação não constitua fundamento do recurso); de 24-02-2010, processo n.º 59/06.7GAPFR.P1.S1, por nós relatado (caso de tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional, onde se referiu: “Mesmo que assim não se entendesse, sempre seria possível conhecer oficiosamente da alteração de qualificação jurídica, estando em causa matéria de direito, a permitir pronúncia desde logo pelas implicações que pode ter na medida da pena”); de 27-05-2010, por nós relatado no processo n.º 18/07.2GAAMT.P1.S1-3.ª (requalificando em caso de tráfico de estupefacientes, o crime de associação criminosa para a qualificativa integração em bando); de 02-03-2011, processo n.º 58/09.7GBBGC.S1 - 5.ª Secção (convolando, oficiosamente do crime matricial para tráfico de menor gravidade, em situação de cultivo e detenção em casa por parte do arguido de 30.147,790 gramas de cannabis – “erva, marijuana, e não o compacto com resina designado por haxixe” –, sendo ponderado que o tráfico era rudimentar, não havendo que valorizar demasiado a quantidade “e devemo-nos concentrar no facto de que se tratava da posse, para venda futura, de uma das substâncias estupefacientes menos prejudicial para a saúde dos consumidores”); de 31-01-2012, por nós relatado no processo n.º 2381/07.6PAPTM.E1.S1 (roubo e extorsão, onde se citam vários acórdãos que abordam este tema”); de 27 de Junho de 2012, por nós relatado no processo n.º 3283/09.7TACBR.S1, sendo oficiosamente questionada a justeza da integração da conduta da arguida na figura de co-autoria no homicídio); de 26-09-2012, por nós relatado no processo n.º 139/02.8TASPS.S1 (tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional); de 17-04-2013, por nós relatado no processo n.º 237/11.7JASTB.L1.S1 (homicídio com uso de técnica marcial chave “mata leão”); de 24-09-2014, por nós relatado no processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1 (triplo homicídio qualificado); de 29-10-2014, processo n.º 69/13.8PFPDL.L1.S1-3.ª Secção, sendo afastada oficiosamente a circunstância modificativa agravante da alínea h) do artigo 24.º do DL n.º 15/93, estando em causa estabelecimento de ensino; de 28-10-2015, processo n.º 735/14.0JAPRT.S1-3.ª Secção; de 9-03-2017, processo n.º 14392/15.3T8LRS.L1.S1; de 4-05-2017, processo n.º 110/14.7JASTB.E1.S1; de 21-06-2017, processo n.º 294/16.0PCBRG.S1-3.ª Secção; de 12-04-2018, processo n.º 104/17.0JACBR,S1-5.ª Secção; de 12-07-2018, por nós relatado no processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1 (tráfico em estabelecimento prisional, convolando para o tipo base); de 9-05-2019, por nós relatado no processo n.º 10/16.6PGPDL.S1 (alteração de burla para furto).

     Mais recentemente, no acórdão de 19-09-2019, processo n.º 63/02.4TBPVZ.S1 - 3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, foi operada convolação de tráfico agravado para o crime base, aí constando: “Mesmo que a qualificação jurídica não seja impugnada no recurso pelo arguido o STJ pode conhecer da mesma, oficiosamente, quando tem entendimento diverso do tribunal de 1.ª instância no que se reporta ao enquadramento jurídico”.


*****

       Tráfico de menor gravidade 

      Vejamos se colhe a posição do voto de vencida da Exma. Presidente do Colectivo de Beja, no que concerne à subsunção da conduta dada por provada no crime de tráfico de menor gravidade, posição acompanhada pelo Exmo. Procurador-Geral Adjunto neste Supremo Tribunal no douto parecer emitido.

      (Seguir-se-á neste particular a linha de exposição que adoptámos nos acórdãos de 30-04-2008, de 28-05-2008, de 22-10-2008, de 27-05-2009, de 01-10-2009, de 26-09-2012, de 05-06-2013, de 28-10-2015 e de 18-12-2019, por nós relatados nos processos n.º s 4723/07, 1147/07, 215/08, 484/09, 185/06.2SVLSB.L1.S1, 139/02.8TASPS.S1, 7/11.2GAADV.E1.S1, 10/13.8GAAMT.P1.S1 e n.º 51/18.9SFPRT.S1).

      O crime de tráfico de menor gravidade contempla, como a própria denominação indica, situações em que o tráfico de estupefacientes, tal como se encontra definido no tipo base, se processa de forma a ter-se por consideravelmente diminuída a ilicitude, ou seja, em que se mostra diminuída a quantidade do ilícito.

      A título exemplificativo, indicam-se no preceito como índices, critérios, exemplos padrão, ou factores relevantes, de graduação da ilicitude, circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações objecto do tráfico, os quais devem ser analisados numa relação de interdependência, já que há que ter uma visão ou perspectiva global, uma mais ampla e correcta percepção das acções desenvolvidas (actividade disseminadora de produtos estupefacientes) pelo agente, de modo a concluir-se se a conduta provada fica ou não aquém da gravidade do ilícito justificativa da integração no tipo essencial, na descrição fundamental do artigo 21.º, n.º 1.

      O Decreto-Lei n.º 15/93 abriu o leque sancionatório relativamente ao antecessor Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, adicionando ao elenco dos tipos já previstos um novo específico tipo legal de crime, o denominado tráfico de menor gravidade.

      Na anterior lei, o artigo 23.º – “antecessor” do actual artigo 21.º – abrangia as grandes, médias e pequenas quantidades de substâncias estupefacientes.

      De fora, ficavam apenas as quantidades diminutas, situação prevista no artigo 24.º, definidas no n.º 3 do preceito como as que não excediam o necessário para consumo individual durante 1 dia, estabelecendo-se então para as substâncias ou preparados compreendidos nas tabelas I a III, a pena compósita de prisão de 1 a 4 anos e multa de 20.000$ a 1.500.000$.

      O novo artigo 25.º veio colmatar uma lacuna existente no sistema e prevenir os casos de diminuição considerável da ilicitude baseada, entre outros critérios, na qualidade ou quantidade de plantas, substâncias ou preparações.

      Não estando em causa no novo crime apenas um critério quantitativo relativo ao produto estupefaciente, até porque considerado isoladamente de pouco valerá, é óbvio que nunca o artigo 25.º poderia ser encarado como um “sucessor directo” do artigo 24.º do DL n.º 430/83, cuja marca distintiva era apenas a quantidade – a diminuta quantidade de estupefaciente – independentemente da sua conjugação com outros factores de avaliação, e mesmo no plano da mera dosimetria, do que isso pudesse exactamente significar, ou do modo como pudesse ser computada, sendo que nessa altura – dificuldade acrescida – não havia lugar sequer a reporte a diploma legal, como veio a acontecer já no âmbito da nova lei, com a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, norma complementar, que veio dar expressão, por força do critério do valor probatório da remissão nela contida, à norma sancionatória (em branco) – norma incompleta – do artigo 71.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, que veio definir os limites quantitativos máximos admitidos nas doses individuais de estupefacientes (em função dos quais se aplicam tipos de ilícitos comuns ou privilegiados) e de entender como norma de natureza meramente técnica, devendo ser interpretada como um critério de prova pericial, permitindo, pois, impugnação dos dados apresentados, nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal – neste sentido, cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 534/98, de 7 de Agosto de 1998, comentado in Revista do Ministério Público, n.º 75, págs. 173-180; ver ainda, a propósito, O Regime Legal do Erro e as Normas Penais em Branco, de Teresa Pizarro Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, Almedina, 2001, págs. 37/38.

      Segundo Hans Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Edição Bosch, tradução de S. Mir Puig e F. Muñoz Conde, pág. 363, a modificação dos tipos tem lugar através de «variantes dependentes do tipo básico completamente reguladas, que constituem por sua vez tipos qualificados ou privilegiados», ou pelo recurso a «causas inominadas de agravação ou de atenuação da pena», que a lei designa como «casos especialmente graves» ou «casos menos graves».

      Com o argumento da moldura da pena, tomou a pena aplicável como círculo dentro do qual se estabelecem as variações próprias dos casos especialmente graves e dos casos menos graves, com formação de grupos valorativos especiais, que correspondem a diversos graus de gravidade.

      O artigo 25.º encerra um específico tipo legal de crime, o que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artigo 21.º – cfr. Jescheck, Tratado citado, pág. 363.

      A sua aplicação tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito.

      Os pressupostos da disposição respeitam, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta.

      Os índices, exemplos padrão, ou Regelbeispiel, enumerados no preceito, a par de outros, são atinentes uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), ou seja, pertinem todos estes factores ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, a juízo sobre a culpa.

      Haverá que proceder à valorização global do episódio, não se mostrando suficiente que um dos factores interdependentes indicados na lei seja idóneo em abstracto para qualificar o facto como menos grave ou leve, devendo valorar-se complexivamente todas as circunstâncias.

       O critério a seguir será a avaliação do conjunto da acção tendo em conta o grau de lesividade ou de perigo de lesão (o crime de tráfico é um crime de perigo abstracto) do bem jurídico protegido (saúde pública).

       Valerá o tipo privilegiado ou atenuado para os casos menos graves e equivale aos casos de pouca importância do facto da lei italiana, sendo de assinalar a similitude e paralelismo com os pressupostos gerais da atenuação especial da pena, mas quedando-se aqui a “atenuação” em função do juízo de ilicitude, sem intervenção da culpa do agente e da necessidade de pena, presentes no artigo 72.º do Código Penal, pois o princípio regulativo da aplicação do regime da atenuação especial é a diminuição acentuada não apenas da ilicitude do facto ou da culpa do agente, mas também da necessidade da pena e, portanto, das exigências da prevenção.

      Qualquer que seja a posição adoptada sobre o posicionamento dogmático do novo crime, a verdade é que entre o citado artigo 25.º e o artigo 72.º do Código Penal, ressalta uma evidente conexão.

      Aquele dispositivo comina uma redução substancial da pena de prisão, relativamente ao tipo matricial (mínimo de 1 ano de prisão, em vez de 4 anos estabelecido para o tipo base, e máximo de 5 anos de prisão, em vez de 12 anos, encurtando-se de forma sensível, considerável, os limites da moldura abstracta cabível ao tipo fundamental) para os casos de tráfico em que a ilicitude do facto se mostrar consideravelmente diminuída, estabelecendo, inclusive, uma mais benévola moldura penal – 1 a 5 anos de prisão – do que a que resultaria de atenuação especial do crime base, pois, por força do artigo 73.º, n.º 1, alíneas a) e b), do Código Penal, a moldura penal seria então de 9 meses e 18 dias a 8 anos de prisão!

      Por outras palavras, o artigo 25.º possibilita a aplicação de uma pena cujo limite máximo fica aquém da aplicação à moldura penal do tráfico base das regras de atenuação modificativa da pena do artigo 73.º do Código Penal.

      A moldura atenuada emergente (prevista) deste tipo não é, pois, coincidente com a que resulta do Código Penal para a atenuação em geral e nessa medida será, incontornavelmente, uma regra de determinação de pena, de medida judicial da pena (consagra uma pena mais leve) a que se refere Jescheck, in loc. cit..

       Trata-se de uma especial forma de atenuação para a qual aqui só se tem em consideração o plano da ilicitude, quando nos termos gerais é necessário estar-se perante diminuição acentuada, não só da ilicitude do facto, mas também da culpa do agente ou da necessidade da pena.

        Desde há muito o Supremo Tribunal de Justiça vem afirmando que, “(...) o advérbio “consideravelmente”, da cláusula geral, não está lá por acaso. No seu significado etimológico, prevalece a ideia de digno de consideração, notável, grande, importante ou avultado. (Dos Dicionários). E os “exemplos padrão” de que se serve o preceito corroboram tal ideia, em particular a qualidade e a quantidade dos produtos estupefacientes”. Afastando, em caso de venda a menores, a subsunção no artigo 25.º, afirma-se: “O que verdadeiramente conta é a situação concreta, individualizada, com todas as suas particularidades, que variam de caso a caso, sendo impraticável um critério jurídico fundado em pesos, preços e outras medidas”. – Assim, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Julho de 1996, proferido no recurso n.º 132/96, in CJSTJ, 1996, Tomo II, págs. 206/208.

      Como se expressou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2000, processo n.º 1200/99 - 3.ª Secção, in SASTJ, n.º 38, pág. 75 «É na acentuada diminuição da ilicitude e/ou da culpa e/ou das exigências da prevenção que radica a autêntica ratio da atenuação especial da pena».

       Algo semelhante se passa com o crime de homicídio privilegiado, p. e p. pelo artigo 133.º do Código Penal, punível com idêntica penalidade, mas em que o privilegiamento assenta num especial tipo de culpa.

       Aliás, o novo crime veio colmatar uma lacuna existente no anterior regime, face ao fosso existente entre a previsão das quantidades diminutas e o tipo fundamental, de tal modo que o equilíbrio do sistema se procurava então entre o uso abusivo do artigo 24.º e o recurso, mais frequente, à atenuação especial da pena do artigo 23.º, para as situações de pequenas quantidades que se não devessem subsumir no artigo 24.º do Decreto-Lei n.º 480/83, de 13 de Dezembro.

     

      Maria João Antunes, em Droga - Decisões de Tribunais de 1.ª instância, Comentários, 1993, pág. 296, expendia que o artigo 25.º «exige do intérprete, fundamentalmente, que equacione se a imagem global do facto se enquadra ou não dentro dos limites das molduras fixadas nos artigos 21.º e 22.º, sob pena de a reacção criminal ser, à partida, desproporcionada».

      Adiantava que o legislador «consagrou para o efeito o critério da diminuição considerável da ilicitude do facto, adoptando a denominada técnica dos exemplos padrão, uma vez que só exemplificativamente fornece o substrato a partir do qual se poderá concluir por aquela diminuição».

      E finalizava, dizendo que significava isto duas coisas fundamentais: “Por um lado, «os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações» são meramente indiciadoras da consideravelmente diminuída ilicitude do facto; por outro, não sendo a enumeração esgotante, mas só exemplificativa, o tribunal pode concluir que a ilicitude do facto se mostra consideravelmente diminuída, apesar do substrato que funda esta conclusão ser alheio à enumeração prevista no artigo 25.º».

      Como se extrai do acórdão deste Supremo Tribunal de 08-10-1998, proferido no processo n.º 838/98, in CJSTJ 1998, tomo 3, págs. 188/9, citando o comentário de Lourenço Martins em Nova Lei da Droga: Um Equilíbrio Instável, o artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, de 22-01, constitui uma “válvula de segurança do sistema”, destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial.

       Para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 24-11-1999, processo n.º 1029/99, BMJ n.º 491, pág. 88 (seguindo os acórdãos de 11-01-1995 e de 11-10-1995, in BMJ n.º 443, pág. 85 e n.º 450, pág. 111, no sentido de uma maior flexibilização do funcionamento dos pressupostos de aplicação deste tipo privilegiado), o crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º do DL n.º 15/93, é um tipo de crime privilegiado que se fundamenta na diminuição considerável da ilicitude do facto, revelada pela valoração conjunta de diversos factores, alguns deles exemplificativamente indicados na norma: meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade ou quantidade das substâncias.

       Para o acórdão deste Supremo Tribunal de 15-12-1999, processo n.º 912/99, “A tipificação do artigo 25.º do DL 15/93, parece significar o objectivo de permitir ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza, encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, ficam aquém da gravidade do ilícito justificativo da tipificação do artigo 21.º e têm resposta adequada dentro da moldura penal prevista na norma indicada em primeiro lugar”.

      Como se diz no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12-07-2000, processo n.º 266/2000-3.ª Secção, in BMJ n.º 499, pág. 117, no artigo 25.º prevê-se uma ilicitude do facto consideravelmente diminuída, por referência à ilicitude pressuposta no artigo 21.º, exemplificando aquela norma circunstâncias factuais com susceptibilidade de influírem no preenchimento valorativo da cláusula geral aí formulada. Esse artigo 25.º tem na sua base o reconhecimento de que a intensidade das circunstâncias pertinentes à ilicitude do facto não encontra na moldura penal do artigo 21.º, pela sua gravidade diminuta, acolhimento justo, equitativo, proporcional.

      Segundo os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 21-10-1998, processo n.º 585/98-3.ª Secção, BMJ n.º 480, pág. 43, de 17-01-2001, processo n.º 2821/00-3.ª Secção, in CJSTJ, 2001, tomo 1, págs. 210/6, e de 01-03-2001, processo n.º 4128, da 5.ª Secção in CJSTJ, 2001, tomo 1, págs. 234/7, de 01-07-2004, processo n.º 2035/04-5.ª Secção, in CJSTJ 2004, tomo 2, pág. 239; de 29-11-2005, processo n.º 2940/05-5.ª Secção, in CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 219; de 22-03-2006, processo n.º 664/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 216; de 23-03-2006, processo n.º 767/06-5.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 219, a qualidade e quantidade do estupefaciente traficado, embora sejam elementos relevantes para aferição da imagem global do facto, não são decisivos; de 28-06-2006, processo n.º 2035/06-5.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 227 (O critério de distinção do tráfico de maior gravidade do de menor gravidade, reside, não só, na quantidade de droga detida, mas também, na qualidade de droga detida pelo arguido e na valoração das concretas circunstâncias em que o crime foi realizado); de 20-12-2006, processo n.º 3059/06-3.ª Secção; de 15-02-2007, processo n.º 4339/06-5.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 1, págs. 191/5 (Não se mostra consideravelmente diminuída a ilicitude do facto, a integrar o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, a revenda de drogas ilícitas pelo arguido, em parceria com um irmão, de 13 de Fevereiro de 2002 a 2 de Outubro de 2003, com poiso certo, quando detinha consigo, para outras revendas, 3,808 quilogramas de haxixe e 1.000 euros provenientes de anteriores transacções, sem que naquele período tenha trabalhado ou beneficiado de qualquer outra fonte de rendimento. No caso, a qualificação da actividade do arguido como de «tráfico menor» seria fazê-lo passar por um mero «passador de rua», que o arguido, decididamente, não era. O que não prejudicará, obviamente, que – tratando-se, como se trata, de tráfico de fronteira entre o tráfico comum e o tráfico menor - a respectiva penalização reflicta essa proximidade); de 22-03-2007, processo n.º 4808/06-5.ª Secção, in CJSTJ 2007, tomo 1, págs. 226/233 (Ainda que se trate de um simples transporte de haxixe, considerada como uma das ditas “drogas leves”, existe uma elevada ilicitude quando esse estupefaciente corresponde a 250 kg e se utiliza meios sofisticados para esse transporte, como sucede com a utilização de uma aeronave, com sistemas GPS, a troco de uma quantia em dinheiro. Como tem referido a jurisprudência deste Supremo, as circunstâncias relevantes do ponto de vista da ilicitude têm de ser complexivamente analisadas, delas tendo de sobressair uma imagem global do facto acentuadamente diminuída, de forma a poder dizer-se que puni-lo pelo art. 21.º seria desproporcionado, já que a ilicitude que lhe corresponde se não enquadra no padrão de ilicitude que constitui o pressuposto da punição prevista no tipo-base do tráfico); de 24-05-2007, processo n.º 1409/07-5.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 2, págs. 200/205, com dois votos de vencido foi operada a convolação do crime do artigo 21.º para o do artigo 25.º do DL 15/93 (A simples guarda e ocultação de 47,54 gr de heroína, eventualmente pertencente a outrem, rebaixa a ilicitude do facto a níveis consideravelmente inferiores àqueles contemplados no paradigma do art. 21.º do DL 15/93, sendo por isso punível no quadro do “tráfico menor de drogas ilícitas”, da previsão do art. 25.º do mesmo diploma; no quadro a pena foi reduzida de 4 anos e 3 meses de prisão para 3 anos de prisão); de 4-07-2007, processo n.º 2303/07-3.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 2, págs. 234 a 239, (A inexistência de uma estrutura organizativa e/ou a redução da actividade de tráfico a um único negócio de rua, sem recurso a qualquer técnica ou meio especial, aponta para uma ilicitude consideravelmente diminuída. Tanto a quantidade da droga traficada, como a sua natureza ou o seu grau de pureza, influem decisivamente na aferição da gravidade do tráfico, permitindo diferenciar entre os grandes (21.º, 22.º e 24.º) e os pequenos e médios traficantes (25.º) – Operada a convolação do art. 21.º para o crime do art. 25.º, ao arguido A foi aplicada a pena de 3 anos de prisão, não se decretando a suspensão da execução da pena); de 12-07-2007, processo n.º 2084/07-5.ª Secção; de 16-01-2008, processo n. º 4638/07-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto, in CJSTJ 2008, tomo 1, págs. 198/206, supra citado, em que é afastada a figura do tipo privilegiado.

     Sobre este ponto pode ver-se ainda os acórdãos de 24-02-2010, processo n.º 141/08.6PTPRT.S1-3.ª Secção (a actuação isolada do agente, por sua conta e risco, não constitui, em si, índice de que a ilicitude do tráfico que praticou deva considerar-se diminuída, e muito menos, consideravelmente diminuída, como exige o art. 25.º…); de 17-03-2010, processo n.º 291/09.1TBALM.L1.S1-3.ª Secção; de 25-03-2010, processo n.º 312/09.8JELSB.S1-3.ª Secção (afastado em caso de correio de droga); de 15-04-2010, processo n.º 17/09.0PJAMD.L1.S1-3.ª Secção; de 02-06-2010, processo n.º 10/08.0PBOLH.S1-3.ª Secção; de 04-11-2010, processo n.º 1002/09.7JACBR.S1-5.ª Secção; de 02-03-2011, processo n.º 58/09.7GBBGC.S1 - 5.ª Secção, supra citado (em caso de produção de cannabis, convolando, oficiosamente do crime matricial para tráfico de menor gravidade); de 13-04-2011, proferido no processo n.º 6929/09.3TAVNG.S1-3.ª Secção; de 27-04-2011, processo n.º 20/10.7SLSB.S1-3.ª Secção (a aferição de qualquer situação de tráfico no sentido de saber se se deve ou não qualificar como de menor gravidade não pode prescindir de uma análise de todas as circunstâncias objectivas que em concreto se revelem e sejam susceptíveis de aumentar ou diminuir a quantidade de ilícito); de 08-06-2011, processo n.º 87/09.0PARGR.L1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (adoptada a configuração do tráfico de menor gravidade, fixando-se a pena em 3 anos e 6 meses de prisão, sendo afastada a suspensão da execução); de 20-10-2011, processo n.º 1/10.0GATMR.C1.S1-5.ª Secção; de 26-10-2011, processo n.º 173/09.8JDLSB.L1.S1-3.ª Secção, em que interviemos como adjunto (sendo afastada a configuração do tráfico de menor gravidade); de 23-11-2011, processo n.º 20/09.0GALLE.E1.S1-5.ª Secção; de 23-11-2011, processo n.º 127/09.3PEFUN.S1-5.ª Secção (a diminuição de ilicitude que o tráfico de menor gravidade pressupõe resulta de uma avaliação global da situação de facto, atenta a qualidade ou a quantidade do produto, os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da acção), com uma declaração de voto (onde se enunciam de forma clara as circunstâncias tendencialmente acumulativas, mas com exclusão de quaisquer dados mencionadas no artigo 24.º); de 7-12-2011, processo n.º 111/10.4PESTB.E1.S1-5.ª Secção (é considerada desproporcionada a punição pelo artigo 21.º, concluindo pela verificação de três crimes de tráfico de menor gravidade e não um único crime de trato sucessivo como considerara a 1.ª instância, pois que as três condutas muito distanciadas temporalmente umas das outras, não obedeciam à mesma resolução criminosa); de 05-01-2012, processo n.º 3399/10.7TASXL.L1.S1-5.ª Secção, com um voto de vencida, e de 12-01-2012, processo n.º 118/09.4PJAMD.S1-5.ª Secção (dos factos provados, no caso, não emerge uma imagem global susceptível de fundamentar um juízo positivo sobre uma considerável diminuição da ilicitude; a modalidade e características da acção e as quantidades de droga implicadas no abastecimento regular dos consumidores, fornecem uma imagem global do facto inadequada à formulação de um juízo positivo sobre a diminuição considerável da ilicitude reclamado para a integração da conduta no tipo do art. 25.º, al. a), do DL 15/93).

      No acórdão de 12-04-2012, proferido no processo n.º 106/07.5PCPRT.P1.S1, 5.ª Secção, é subsumida a conduta provada no tipo privilegiado, o mesmo acontecendo no acórdão de 12-03-2014, processo n.º 189/12.6GAANS.S1-3.ª Secção, donde se extrai: “O privilegiamento deste tipo legal não resulta de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental, mas de uma avaliação global da situação de facto que fundamente um juízo de menor gravidade”.

      No acórdão de 16-05-2012, processo n.º 77/11.3JELSB.L1.S1-3.ª Secção, afirma-se não ser possível integrar a actividade do correio de droga na previsão típica do artigo 25.º do DL n.º 15/93. 

      Como se extrai dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 26-11-2003, recurso n.º 2439, in CJSTJ 2003, tomo 3, págs. 244/6, de 13-04-2005, processo n.º 459/05, in CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 173/4, e o já referido de 22-03-2006, processo n.º 664/06, in CJSTJ 2006, tomo 1, págs. 216/8, todos da 3.ª Secção e do mesmo Relator, «A essência da distinção entre os tipos fundamental e privilegiado reverte, assim, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objectivas que se revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida na lei, e significativas para a conclusão (rectius, para a revelação externa) quanto à existência da considerável diminuição da ilicitude pressuposta no tipo fundamental, cuja gravidade bem evidente está traduzida na moldura das penas que lhe corresponde. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas constituem, também, um padrão de referência na densificação da noção, com alargados espaços de indeterminação, de “considerável diminuição de ilicitude”.

    A diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico».

      A este propósito, veja-se o acórdão de 13-02-2003, processo n.º 167/03-5.ª Secção, in CJSTJ 2003, tomo 1, págs. 191 a 201, onde se procede a um “corrido respigo da jurisprudência mais recente do STJ”, elencando 40 acórdãos de 20-10-1999 a 24-10-2002, dando-se nota da jurisprudência que então começava a contrariar uma interpretação mais restritiva até então dominante e que quase esvaziara de conteúdo útil os artigos 25.º e 26.º do DL n.º 15/93, remetendo para o artigo 21.º a generalidade das situações (cfr. Do mesmo Relator, o acórdão de 28-06-2006, processo n.º 2035/06, CJSTJ 2006, tomo 2, pág. 227).

     Mais recentemente, podem ver-se:

     Acórdão de 02-10-2014, processo n.º 45/12.8SWLSB.S1 - 5.ª Secção, onde se pode ler:

      “Aquilo que distingue o crime de tráfico de estupefacientes, previsto no art. 21.º do DL 15/93, de 22-01, do crime previsto no art. 25.º do mesmo diploma, reside na menor ilicitude da conduta punida neste último dispositivo.

      Constituem, entre outros, fatores relevantes dessa menor ilicitude, os meios utilizados na venda do estupefaciente, a modalidade e circunstância em que a conduta é realizada, a qualidade e quantidade do produto vendido, o lucro obtido, o facto da atividade constituir ou não modo de vida, a utilização do lucro da venda para a aquisição de produto para consumo próprio, a duração e intensidade da atividade desenvolvida, o número de clientes contactados e o posicionamento do agente na cadeia de distribuição clandestina.

      É enquadrável no art. 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01, a conduta do agente que se dedica ao pequeno tráfico, com venda de estupefaciente diretamente ao consumidor final, através de contacto directo e de rua, sem a utilização de quaisquer meios sofisticados, em pequenas doses, ainda que de forma regular.

      A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização (arts. 71.º, n.º 1, e 40.º do CP), deve corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências decorrentes dessa lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade do delinquente.

      A confissão do arguido, o ter cessado o cumprimento da liberdade condicional pouco tempo antes da prática dos factos, os seus antecedentes relacionados com este e com outros crimes e a verificação dos pressupostos formais e material da reincidência, levam a que se considere adequada a aplicação ao agente da pena de 5 anos de prisão.

   Como se trata de um crime contra a saúde pública, onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes, como o “sentimento jurídico da comunidade” apela a uma eliminação do tráfico de estupefacientes destruidor de vidas e famílias e como são alargadas as exigências de prevenção da reincidência e de advertência individual (o arguido voltou a cometer crimes logo após o fim do período de liberdade condicional), não deve ser aplicada a pena de substituição de suspensão da execução da pena de prisão.

      Acórdão de 28-10-2015, processo n.º 411/14.4PFVNG.P1.S1-3.ª Secção – Afasta a configuração de tráfico de menor gravidade e aplica a pena de 4 anos e 3 meses de prisão, sem suspensão.

      Acórdão de 9-03-2017, processo n.º 91/14.7GBLMG.C1.S1-3.ª Secção – Sobressai da factualidade apurada o período de tempo da actividade de tráfico desenvolvida pelo arguido (de Outubro de 2013 até ser preso em Junho de 2015, ressalvado o tempo em que esteve em França desde Junho de 2014 até Outubro de 2014), o número de pessoas identificadas como adquirentes (26), a repetição das vendas, as quantidades adquiridas, as quantidades vendidas e os montantes pecuniários envolvidos no negócio, tudo revelador da dimensão de um tráfico que na verificação objectiva e subjectiva do tipo comum se mostra de ilicitude elevada.

      A actividade de tráfico, abrangendo essencialmente cocaína, integrada no grupo das designadas drogas duras, foi desenvolvida pelo arguido-recorrente de forma persistente e consistente. Os meios utilizados na actividade de tráfico não foram incipientes, como pretende o recorrente, nem resulta que a mesma fosse bastante limitada ou que não tivesse qualquer estrutura organizativa. O quadro factual assente no acórdão recorrido é, assim, manifestamente incompatível com uma ilicitude consideravelmente diminuída, ou sequer diminuída, não podendo como pretende o recorrente ser subsumido à norma do art. 25.º do DL 15/93.

      Acórdão de 9-03-2017, processo n.º 272/14.3GBAGD.S1-5.ª Secção - Dois dos arguidos são condenados pelo crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, nas penas de 2 anos e 10 meses de prisão, sem suspensão da execução.

      Acórdão de 16-05-2018, processo n.º 64/15.2GGBJA.E1.S1-5.ª Secção – Afastado o enquadramento no artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, subsumindo-se as condutas ao artigo 21.º. Relativamente ao arguido R, foi aplicada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa pelo período de 4 anos, sem necessidade de regime de prova.

      Acórdão de 23-05-2018, processo n.º 145/15.2PCVCD.P1.S1-3.ª Secção – Afastada a configuração de tráfico de menor gravidade, impondo-se a subsunção ao artigo 21.º do DL n.º 15/93.

      Acórdão de 6-12-2018, processo n.º 564/17.0PABCL.S1-5.ª Secção – Afasta a configuração do artigo 25.º, alínea a), do DL 15/93, e reduz pena de prisão para 4 anos e 6 meses, efectiva.

       No acórdão de 12-12-2018, processo n.º 394/17.9T8PTM.S1-3.ª Secção, pode ler-se: “A descrição fundamental, a matriz típica do crime de tráfico de estupefacientes encontra-se acolhida no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 22-01, previsão legal que contém a descrição do tipo base, matricial, contemplando um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum - a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação.

      O art. 25.º do DL 15/93 prevê o crime de tráfico de menor gravidade, um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude em relação do tipo fundamental de artigo 21º que pressupõe, por referência àquele tipo fundamental, que a ilicitude do facto se mostre “consideravelmente diminuída” em razão de circunstâncias específicas, mas objectivas e factuais, verificadas na acção concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da acção, e a qualidade ou a quantidade dos produtos.

      Como o STJ tem entendido, o tipo legal de crime de tráfico de menor gravidade procura dar resposta, em nome da proibição de excesso, da equidade e da justiça, àquelas situações que, sem atingirem a gravidade pressuposta no tráfico simples, merecem reprovação, sendo injusto, sem se lançar mão de atenuação especial, não eficazes métodos para se atingir o tráfico no seu escalão médio e de maior dimensão.

      O acórdão configura a conduta como tráfico de menor gravidade, aplicando a pena de 3 anos de prisão efectiva.

      No acórdão de 14-02-2019, processo n.º 1263/17.8JAPRT.P1.S1, da 5.ª Secção, na presença de haxixe com o peso líquido de 8791,790 gramas e parcial confissão, foi mantida a pena de 5 anos e 10 meses de prisão.

       Pelo acórdão de 20-02-2019, processo n.º 12/18.8GTBJA.S1-5.ª Secção, foi corrigida a qualificação para o tipo do artigo 25.º, alínea a), do DL 15/93, e sendo o arguido reincidente, foi fixada a pena em 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.

      Acórdão de 13-03-2019, proferido no processo n.º 227/17.6PALGS.S1, da 3.ª Secção – “O privilegiamento deste tipo legal de crime art. 25.º do DL n.º 15/93 não resulta pois de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (art. 21.º do mesmo diploma), mas sim da constatação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo a porta à densificação doutrinal ou jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”.

      Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade:

- a qualidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração nomeadamente a distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”;

- a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim;

- a dimensão dos lucros obtidos;

- o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida;

- a afetação ou não de parte dos lucros conseguidos ao financiamento do consumo pessoal de drogas;

- a duração temporal, a intensidade e a persistência no prosseguimento da atividade desenvolvida;

- a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes;

- o número de consumidores contactados;

- a extensão geográfica da atividade do agente;

- o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização ou meios mais sofisticados, nomeadamente recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente.

      É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, de menor gravidade, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º do DL nº 15/93.

       Provando-se que as drogas comercializadas eram heroína e cocaína, típicas “drogas duras”, para além de MDMA; que as quantidades de estupefacientes detidas pelo arguido não podem ser consideradas diminutas, já que somam 73,818 gramas de heroína (71 doses), 55,349 gramas de cocaína (109 doses) e 7,976 gramas de MDMA (37 doses); que, à época, ao arguido não era conhecida qualquer atividade laboral, pelo que se deduz que a venda de estupefacientes constituiria, ao menos, a fonte principal de obtenção de rendimentos; que essa atividade duraria desde havia alguns meses (um máximo de cinco), sendo o arguido normalmente contactado por telemóvel pelos interessados, tendo no entanto sido identificados apenas dois deles; que o arguido era um “retalhista”, atuava isoladamente, e a sua área de ação não ultrapassava o concelho de Lagos, onde então residia; uma ponderação global destes factos não aponta para uma situação de gravidade consideravelmente diminuída, pois pesa, em sentido negativo, a qualidade e a quantidade dos estupefacientes detidos pelo arguido e a existência de “clientes fixos”, embora só dois tenham sido identificados; em sentido oposto é de salientar a atuação isolada; mas tal não basta para sustentar uma “imagem global” de ilicitude diminuta”.

      A pena foi reduzida de 6 para 5 anos de prisão e suspensa na execução.

      Acórdão de 28-03-2019, processo n.º 373/15.0JACBR.C1.S1-5.ª Secção – Aborda a configuração dos elementos subjectivos do crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, por referência ao AFJ n.º 1/2015 (de 20 de Novembro de 2014, Diário da República, 1.ª série, n.º 18, de 27 de Janeiro de 2015), ordenando novo julgamento face a absolvição da 1.ª instância, nestes termos: “O recurso merece provimento pelo que se impõe revogar a decisão recorrida na parte que determinou a absolvição do recorrente mas também das arguidas não recorrentes. E que deve ser substituída por outra que tenha como pressuposto que os elementos subjectivos do crime estão suficientemente descritos na acusação relativamente a todos os arguidos”.

      Acórdão de 11-09-2019, processo n.º 141/17.5T9RGR.S1-3.ª Secção – O tipo de tráfico de estupefacientes matricial está previsto no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, 22-01, visando salvaguardar a saúde pública, pela nocividade das substâncias, suscetíveis de provocar desequilíbrios físico-psíquico dos indivíduos e, reflexamente, impacto na comunidade pelos comportamentos desviantes gerados pelo tráfico.

Pela sua danosidade social impõe-se um combate permanente ao tráfico de estupefacientes.

      O art. 25.º, do DL 15/93, de 22.01, contempla o crime de tráfico de menor gravidade, relativamente ao qual a ilicitude do facto é «consideravelmente diminuída», firmando a lei os seguintes critérios para aferir dessa diminuta ilicitude: a natureza dos meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação e a qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações.

    A norma faz derivar o privilegiamento de um esvaziamento da densidade ilícita da ação conduzida pelo arguido que se traduz num esmorecimento da carga punitiva.

      Não é pelo facto de a apreensão de estupefaciente no decurso de uma busca ter sido diminuta que o crime de tráfico de estupefacientes deve ser qualificado juridicamente de menor gravidade.

     A qualidade do estupefaciente – heroína –, a sua venda diária, o período temporal do ilícito – dois anos – o facto de ser modo de vida do arguido – inferível pela apreensão de um numerário de € 20.280 –, habilitam a integração da atividade delitiva do arguido na norma incriminadora do art. 21.º do DL 15/93, 22-01.

      Acórdão de 12-09-2019, processo n.º 25/16.4GAGMR.S1 - 5.ª Secção – O art. 25.º do DL 15/93, de 22.01 reporta-se à figura do tráfico de menor gravidade partindo da tipificação das condutas do art. 21.º e da ilicitude (que não da culpa) consideravelmente diminuída tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a qualidade ou a quantidade do produto estupefaciente.

     O facto de o arguido AA ser dependente de drogas, se poderá ter alguma incidência ao nível da culpa, tal não é recondutível ao nível da ilicitude do facto em que se traduz o tráfico e a circunstância de o arguido se assumir fundamentalmente como um dealer de rua, importa atentar que a sua conduta foi deveras intensa e desenvolvida por cerca de 1 ano, de resto só interrompida com a detenção e na organização criada pelo co-arguido BB assumiu-se também como revendedor por grosso, para tanto adquirindo quantidades de heroína com algum significado ao co-arguido BB, com o que movimentou quantidades de dinheiro significativas como o demonstrou a quantia de € 2000,30 que lhe foi apreendida, pelo que e não havendo qualquer outra circunstância susceptível de integrar esse tipo legal, arredada está a opção por aquela qualificação.

      Quanto ao crime do art. 26.º, que prevê a figura do “traficante-consumidor”, importa assinalar que a sua tónica diferenciadora assenta no dolo específico privilegiador do crime, que consiste em o traficante praticar as suas actividades agindo com a finalidade exclusiva ou única de conseguir meios para a aquisição de droga para seu próprio consumo.

     Acórdão de 2-10-2019, processo n.º 18/18.7GALGS,E1.S1-3.ª Secção – Mantida a qualificação jurídica como crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do DL n.º 15/93 e não do crime de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do mesmo DL.

     Extrai-se do acórdão de 2-10-2019, processo n.º 2/18.0GABJA.S1-3.ª Secção, do mesmo Relator do acórdão de 13-03-2019, processo n.º 227/17.6PALGS-S1:

       “Prevê o art. 25.º, do DL 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no art. 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma.

      Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”.

       O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta, pois, de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (art. 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir, exemplificativamente, “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”.

      Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade: - o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”; - a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza; - a dimensão dos lucros obtidos; - o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; - a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas; - a duração temporal da atividade desenvolvida; - a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma; - a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores; - o número de consumidores contactados; - a extensão geográfica da atividade do agente; - a existência de contactos internacionais; - o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados, por exemplo, recorrendo a colaboradores dependentes e pagos pelo agente, ou a automóveis.

      Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade.

      A situação de vendedor de rua, contactando o agente diretamente os consumidores, enquadra-se normalmente neste preceito, mas não necessariamente. Também a cedência gratuita ou a guarda por conta de outrem sem intuito lucrativo integrarão normalmente, mas não obrigatoriamente, este tipo criminal. É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21º.

     Acórdão de 3-10-2019, processo n.º 292/17.6GBSLV.S1- 5.ª Secção – Relativamente ao arguido A, foi entendido ser de alterar a qualificação jurídica dos factos, considerando o âmbito geográfico da sua actuação, quantidade de droga e de dinheiro apreendidos, número de consumidores, venda directa de rua, condição modesta do arguido, condenando este arguido pelo crime p. e p. pelo artigo 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 e suspendendo a execução da pena; no tocante ao arguido B, foi entendido não poder a conduta deixar de ser qualificada por referência ao tipo base do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, sendo afastada a suspensão da execução.

      Acórdão de 17-10-2019, processo n.º 511/16.6PAENT.S1-5.ª Secção – Afasta o enquadramento no artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93.

   Acórdão de 18-12-2019, por nós relatado no processo n.º 51/18.9SFPRT.S1 – O arguido foi acusado por cultivo de cannabis pela prática de um crime de tráfico agravado, pelo artigo 24.º, alínea c), do DL n.º 15/93, tendo sido condenado na primeira instância – após afastar-se o tráfico de menor gravidade por “o regular cultivo de canabis (folhas e sumidades) e a habitual guarda daquela e também de canabis (resina), com destino à venda por terceiros, face às elevadas quantidades em causa, não ser compatível com a menor gravidade do art.º 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93” –, pelo crime do artigo 21.º, na pena de 5 anos e 6 meses de prisão. Foi afastada a integração da conduta no tipo privilegiado, sendo a pena fixada em cinco anos de prisão suspensa na execução sujeita a regime de prova.

       Revertendo ao caso concreto.

       Está em causa o transporte pela arguida de 0, 19 gramas de heroína que entregou ao namorado, sendo efémera por parte deste a posse do produto, logo detectado, funcionando a arguida como correio, não havendo consumo e muito menos disseminação, atenta a diminuta quantidade.

       A questão da quantidade foi abordada no acórdão de 9 de Maio de 2018, por nós relatado no processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1, em que o recorrente pugnava pela convolação de um crime de tráfico de menor gravidade por que vinha condenado para o de traficante consumidor, p. e p. pelo artigo 26.º do DL n.º 15/93, como consta do segmento “A questão da quantificação - O conceito indeterminado de consumo médio individual”.

     Inserto no Capítulo VIII do DL n.º 15/93 – Disposições finais – estabelece o


Artigo 71.º

Diagnóstico e quantificação de substâncias


  1 – Os Ministros da Justiça e da Saúde, ouvido o Conselho Superior de Medicina Legal, determinam, mediante portaria:

       a) Os procedimentos de diagnóstico e exames periciais necessários à caracterização do estado de toxicodependência;

       b) O modo de intervenção dos serviços de saúde especializados no apoio às autoridades policiais e judiciárias;

       c) Os limites quantitativos máximos do princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente.

  2 – A portaria a que se refere o número anterior deve ser actualizada sempre que a evolução dos conhecimentos científicos o justifique.

  3 – O valor probatório dos exames periciais e dos limites referidos no n.º 1 é apreciado nos termos do artigo 163.º do Código de Processo Penal.

       A Portaria n.º 94/96, de 26 de Março

       Ao abrigo do artigo 71.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, foi publicada a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, no Diário da República – I Série-B, n.º 73, de 26-3-1996.

      Considerando que a definição prévia dos limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao DL 15/93, de consumo mais frequente, constitui elemento importante para aplicabilidade do n.º 3 do artigo 26.º e do n.º 2 do artigo 40.º, e considerando o disposto no artigo 71.º do mesmo DL, a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, de 26-03-1996, estabeleceu aqueles limites no artigo 9.º e mapa anexo, sendo de 0,5 gramas o limite quantitativo máximo para Canabis (resina).

     Como referimos no acórdão de 22-10-2008, no processo n.º 215/08, a Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, norma complementar, que veio dar expressão, por força do critério do valor probatório da remissão nela contida, à norma sancionatória (em branco) – norma incompleta – do artigo 71.º, n.º 1, al. c), do DL n.º 15/93, que veio definir os limites quantitativos máximos admitidos nas doses individuais de estupefacientes (em função dos quais se aplicam tipos de ilícitos comuns ou privilegiados) é de entender como norma de natureza meramente técnica, devendo ser interpretada como um critério de prova pericial, permitindo, pois, impugnação dos dados apresentados, nos termos do artigo 163.º do CPP – neste sentido, cfr. acórdão do Tribunal Constitucional n.º 534/98, de 7 de Agosto, comentado in Revista do Ministério Público, n.º 75, págs. 173-180; ver ainda, a propósito, O Regime Legal do Erro e as Normas Penais em Branco, de Teresa Pizarro Beleza e Frederico de Lacerda da Costa Pinto, Almedina, Outubro de 2001, págs. 37/38. 

       Há que ter em conta que os valores indicados na Portaria referem-se ao peso líquido da substância e não a quantidades puras dos estupefacientes, que se não confundem com aquele e que por outro lado os limites fixados na portaria têm um mero valor indiciário, de meio de prova.

      Defendendo que estes limites não podem ser aplicados de forma automática, tendo apenas um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial e que os valores definidos não são de aplicar à Lei n.º 30/2000, veja-se Patrícia Naré Agostinho, Posse de estupefacientes em quantidade que exceda o necessário para o consumo médio individual durante dez dias, Revista do Ministério Público, Ano 25, Jan/Mar 2004, n.º 97, págs. 139 a 143.

      Versando o tema na mesma Revista, n.º 97, págs. 127 a 137, Manuel José Gonçalves Pereira em Detenção de estupefacientes em quantidade superior a dez doses diárias para consumo pessoal.

      O acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 26 de Março de 1998, proferido no processo n.º 1434/97, publicado na CJSTJ 1998, tomo 1, págs. 246/7, recusou a aplicação do artigo 9.º da Portaria n.º 94/96 (e do mapa que o integra), por sofrer de inconstitucionalidade orgânica a alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 15/93, pois define os pressupostos dos crimes de tráfico sem autorização da Assembleia da República ou, para a hipótese de o normativo não vir a ser considerado inconstitucional na sede própria, por ilegalidade resultante da violação da lei geral contida no artigo 71.º, n.º 1, alínea c), do mesmo Decreto-Lei.

      O acórdão refere decisões do Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que “a dose individual diária de heroína ronda a quantidade de 1,5 gramas, podendo ir até aos 2 gramas (acórdãos de 19-09-1990, 5-02-1991, 3-04-1991, 19-09-1991 e de 25-05-1995, in BMJ n.ºs 399.º-264, 404.º-151, 406.º-287, 409.º-456 e 447.º-174). E a dose em gramas para a cocaína, pode ser ainda superior, como se vê da anotação ao acórdão de 11-07-90, in BMJ n.º 399.º-227”.

      O acórdão no caso apreciado confirmou a incriminação pelo artigo 26.º, n.º 1, afastando a do artigo 21.º, como aquele do Decreto-Lei n.º 15/93.

     Deste acórdão foi interposto recurso obrigatório pelo Ministério Público, para o Tribunal Constitucional, defendendo a inconstitucionalidade da norma constante do artigo 71.º, n.º 1, alínea c), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, por violação da reserva relativa de competência legislativa da Assembleia da República.

       O recurso foi apreciado pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 534/98, de 7 de Agosto de 1998, no âmbito do processo n.º 545/98, da 3.ª Secção, publicado in Acórdãos do Tribunal Constitucional, volume 40.º, págs. 559 e segs., no BMJ n.º 479, págs. 204 a 211, e na Revista do Ministério Público, Ano 19.º, n.º 75, Julho/Setembro de 1998, pág. 173 e segs., com anotação de Eduardo Maia Costa.

      No acórdão, pode ler-se: Os limites fixados na portaria, tendo meramente um valor de meio de prova, a apreciar nos termos da prova pericial, não constituem verdadeiramente, dentro do espírito e da letra do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 15/93, uma delimitação negativa da norma penal que prevê o tipo de crime privilegiado. Não está em causa a remissão para regulamento da definição dos comportamentos puníveis através do artigo 26.º, mas tão só, bem mais modestamente, a remissão para valores indicativos, cujo afastamento pelo tribunal é possível, embora acompanhado da devida fundamentação.

      Claro que esta conclusão só é legítima porque, por um lado, está em causa uma determinação de natureza eminentemente técnica, própria da prova pericial; e porque, por outro, é sempre por decisão do juiz e não por força da Portaria n.º 94/96 que se concretiza o conceito de «princípio activo para cada dose média individual diária» utilizado na lei.

      Não parece assim que o princípio da legalidade criminal esteja posto em causa.

      Conclui-se, então, que a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, interpretada no sentido de que remete para a portaria a definição, a título análogo ao que resulta da prova pericial, dos limites quantitativos máximos para cada dose média individual diária das plantas, substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV anexas ao diploma, não viola o princípio da legalidade da lei penal incriminadora, consagrado no n.º 1 do artigo 29.º, em conjugação com a alínea c) do n.º 1 do artigo 165.º, ambos da Constituição da República Portuguesa”. 

      Concedendo provimento ao recurso, decidiu o Tribunal Constitucional:

      “Interpretar a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 15/93, no sentido de que, ao remeter para a portaria nela referida a definição dos limites quantitativos máximos de princípio activo para cada dose média individual diária das substâncias ou preparações constantes das tabelas I a IV, de consumo mais frequente, anexas ao mesmo diploma, o faz com o valor de prova pericial”.

    A solução alcançada neste acórdão foi adoptada no Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 43/2002, de 31 de Janeiro de 2002, no processo n.º 443/2001, da 3.ª Secção, publicado no Diário da República, II Série, n.º 164, de 18 de Julho de 2002, versando igualmente a norma constante da alínea c) do n.º 1 do artigo 71.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

      Vejamos alguns acórdãos em que são analisadas as quantidades a ter em conta.

      No acórdão deste Supremo Tribunal de 12 de Junho de 1997, proferido no recurso n.º 5, 3.ª Secção, in CJSTJ 1997, tomo 2, págs. 233/5, versando caso de arguido que tinha na sua posse, quando detido, um saco plástico, contendo 145,200 gramas (peso líquido) de cannabis, correspondente a pouco mais de 58 doses diárias, que destinava à cedência a terceiros, mediante contrapartida económica, pugnava o arguido pela subsunção da conduta no artigo 25.º e não, como foi decidido, no artigo 21.º.

      “O artigo 25.º não privilegia a mera detenção de produto estupefaciente. Portanto, a simples posse ou detenção ilícita de droga não serve para privilegiar o crime de tráfico.

      Atendo-se à quantidade de droga que o recorrente detinha em seu poder, refere o acórdão que “A este respeito, o entendimento da jurisprudência deste Supremo Tribunal vai no sentido de que, para se aplicar o artigo 25.º do DL n.º 15/93, a quantidade das drogas aí referidas não pode ultrapassar a necessária para o consumo médio individual durante o período de cinco dias – v. os acórdãos de 7/2/96 (processo n.º 48.574-3.ª Secção) e de 14/2/96, (processo n.º 48.693- 3.ª Secção), in “Sumários”, n.º 38 e 45, respectivamente.

       É curioso que idêntico critério é utilizado pelo n.º 3 do art.º 26.º do referido DL para descaracterizar o crime previsto no n.º 1 do mesmo artigo - traficante consumidor - também ele um crime de tráfico de menor gravidade.

       Ora, mesmo antes da entrada em vigor da Portaria n.º 94/96, de 26 de Março, já se entendia que se situava em 2,5 gramas a quantidade máxima de haxixe - “cannabis” - comummente considerada necessária ao consumo médio individual diário - v. o acórdão deste Supremo Tribunal, de 3/7/96 (processo n.º 48.170-3.ª Secção), in “Sumários”, 3, 43.

     (…)“A mencionada Portaria no seu artigo 9.º e respectivo mapa anexo fixou em relação à “cannabis” para o mesmo efeito, 2,5 gramas como limite quantitativo máximo; (…) 

      Assim, a quantidade de “cannabis” detida pelo recorrente impede que se privilegie a sua conduta, pelo que, logo, por aí, o crime por ele cometido não pode ser considerado de tráfico de menor gravidade”.

       Na defesa da posição assumida cita acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça  de 14-02-1996 (processo n.º 48.872-3.ª Secção), de 2-10-1996 (processo n.º 47.477/96-3.ª Secção) e de 14-11-1996 (processo n.º 604/96-3.ª Secção), in “Sumários”, 0-43, 4-68 e 5-73, respectivamente.   

       Acórdão de 20 de Março de 2002, proferido no processo n.º 121/02, da 3.ª Secção, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 239 – Em causa detenção de 0,505 gramas de heroína, de uma vez, e 0,216 gr de heroína e 0,109 de cocaína, de outra vez: incriminação pelo artigo 25.º do DL n.º 15/93, sendo o arguido punido com 3 anos de prisão suspensa na execução.

      Acórdão de 20 de Março de 2002, proferido no processo n.º 4013/01, da 3.ª Secção, CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 243 – Em causa detenção de 12,225 gramas de heroína, peso líquido, passível de confecção de cerca de 120 doses médias individuais, com invocação da Portaria n.º 94/96. - Alterada a incriminação do artigo 26.º para a do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93.

     

       Analisando.

 

      O n.º 9 da Portaria 94/96 estabeleceu os limites quantitativos máximos por cada dose média individual das plantas e substâncias constantes das tabelas, e do mapa anexo consta como limite quantitativo máximo para a heroína 0,1, o que significa que a quantidade em causa ficava ligeiramente abaixo do necessário para perfazer duas doses diárias, não chegando a perfazer 1/5 de um grama.

     Em termos comparativos, um invólucro de pilha para relógio pesa 0,29 gramas, o mesmo invólucro sem capa, pesa 0,21 gramas, um palito pesa 0,10 gramas, realidades que permitem ter uma ideia da dimensão do produto em causa.

       Se é certo que o artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, abandonou a referência de quantidades diminutas do artigo 24.º do DL n.º 480/83, não menos certo é que aquele alberga as quantidades diminutas.     

      A tipificação do referido artigo 25.º permite ao julgador que, sem prejuízo do natural rigor na concretização da intervenção penal relativamente a crimes desta natureza (de elevada gravidade considerando a grande relevância dos valores postos em perigo com a sua prática e a frequência desta), encontre a medida justa da punição em casos que, embora porventura de gravidade ainda significativa, fica aquém da gravidade do ilícito justificativa da tipificação do artigo 21.º do mesmo diploma e encontram resposta adequada dentro das molduras penais previstas no artigo 25.º.

      O crime de tráfico de menor gravidade, previsto no artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, como a sua própria denominação legal sugere, caracteriza-se por constituir um minus relativamente ao crime matricial, ou seja, ao crime do artigo 21.º do citado Decreto-Lei n.º 15/93.

   Face ao concreto quadro presente, perante uma conduta única, isolada, episódica, temos que ter em conta que o que privilegia o crime é a diminuição sensível, ponderosa, da ilicitude, o que se mostra verificado no caso; a avaliação global da conduta olhada no contexto em que a recorrente operou, demonstrando a conduta apurada um reduzido grau de ilicitude, conduz a não aceitar como boa a interpretação da primeira instância.

     Em suma, procede a pretensão de integração da conduta da recorrente no tipo privilegiado do artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

       Questão II – Medida da pena  

     A pena aplicada à arguida na 1.ª instância teve em consideração, obviamente, na lógica sequência da adoptada qualificação jurídico-criminal, por si assumida, elegendo a integração da singela, única e ocasional actuação da arguida, no tipo criminal agravado, a moldura penal relativa ao tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea h), do Decreto – Lei n.º 15/93, ou seja, uma moldura de 5 a 15 anos de prisão, dentro de cujos parâmetros, escolha feita, havia que concretizar.

       No nosso caso, face à convolação operada, a moldura é agora de 1 a 5 anos de prisão.

       A recorrente pugna por, na sequência de convolação para tráfico de menor gravidade, por redução da medida da pena aplicada que considera manifestamente gravosa, não especificando medida, mas de forma a poder ser suspensa na execução, o que faz nas conclusões XX e seguintes.

        

       Vejamos.

      O crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, é punível com pena de prisão de um a cinco anos.

      O crime de tráfico de estupefacientes é infracção que cada vez prolifera mais, quer no âmbito nacional, quer a nível internacional, de efeitos terríveis na sociedade e que permite auferir, para os “donos do negócio” enormes proventos ilícitos, sendo, pois, imperioso e urgente, combatê-lo.

      Isto mesmo era expressamente referido no preâmbulo da Convenção das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e de Substâncias Psicotrópicas de 1988, adoptada em Viena, na conferência realizada entre 25 de Novembro e 20 de Dezembro desse ano, que “sucedeu” a outros instrumentos, por onde passam as orientações políticas prosseguidas nesta matéria, como a Convenção Única sobre Estupefacientes de 1961, concluída em Nova Iorque, em 31 de Março de 1961 (Convenção Única sobre Entorpecentes, reconhecendo que «a toxicomania é um grave mal para o indivíduo e constitui um perigo social e económico para a humanidade», e a necessidade de uma actuação conjunta e universal, exigindo uma cooperação internacional), aprovada para ratificação pelo Decreto-Lei n.º 435/70, de 12 de Setembro, publicado no BMJ n.º 200, págs. 348 e ss. e ratificada em 30 de Dezembro de 1971, modificada pelo Protocolo de 1972, e a Convenção sobre Substâncias Psicotrópicas de 1971, feita em Viena, em 21 de Fevereiro de 1971, aprovada para adesão pelo Decreto n.º 10/79, de 30 de Janeiro e ratificada por Portugal em 24 de Abril de 1979, estando em causa nestas convenções assegurar o controlo de um mercado lícito de drogas.

      É a partir desta Convenção que surgirá, no plano interno, o Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro de 1983.

      Com a referida Convenção de 1988, aprovada na sequência do despacho do Ministro da Justiça n.º 132/90, de 5 de Dezembro de 1990, publicado no Diário da República, II Série, n.º 7, de 9 de Janeiro, pela Resolução da Assembleia da República n.º 29/91 e Decreto do Presidente da República n.º 45/91, publicados no Diário da República, de 6 de Setembro de 1991, pretende-se controlar o acesso aos chamados «precursores», colmatar as lacunas das convenções anteriores e, sobretudo, reforçar o combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, sendo a razão determinante do Decreto - Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro.

      Aí se pode ler que “… o tráfico ilícito de estupefacientes … representa(m) uma grave ameaça para a saúde e bem estar dos indivíduos e provoca(m) efeitos nocivos nas bases económicas, culturais e políticas da sociedade; preocupadas … com o crescente efeito devastador do tráfico ilícito de estupefacientes … nos diversos grupos sociais …; reconhecendo a relação existente entre o tráfico ilícito e outras actividades criminosas com ele conexas que minam as bases de uma economia legítima e ameaçam a estabilidade, a segurança e a soberania dos Estados; reconhecendo igualmente que o tráfico ilícito é uma actividade criminosa internacional cuja eliminação exige uma atenção urgente e a maior prioridade; conscientes de que o tráfico ilícito é fonte de rendimentos e fortunas consideráveis que permitem a organizações criminosas transnacionais invadir, contaminar e corromper as estruturas do Estado, as actividades comerciais e financeiras legítimas a todos os seus níveis; decididas a privar as pessoas que se dedicam ao tráfico dos produtos das suas actividades criminosas e a eliminar, assim o seu principal incentivo para tal actividade; desejando eliminar … os enormes lucros resultantes do tráfico ilícito; … reconhecendo que a erradicação do tráfico ilícito é da responsabilidade colectiva de todos os Estados e que nesse sentido é necessária uma acção coordenada no âmbito da cooperação internacional; … reconhecendo igualmente que é necessário reforçar e intensificar os meios jurídicos eficazes de cooperação internacional em matéria penal para eliminar as actividades criminosas internacionais de tráfico ilícito; …”.

      Trata-se, pois, de um problema universal, de dimensão mundial, que, obviamente, atinge também o nosso País.

      No plano interno, releva neste domínio a Estratégia Nacional de Luta contra a Droga, aprovada pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 22 de Abril de 1999, publicada no Diário da República, I Série - B, n.º 122, de 26 de Maio de 1999, e em edição da «Presidência do Conselho de Ministros – Programa de Prevenção da Toxicodependência – Projecto Vida», com o depósito legal 140101/99 e com prefácio do então Ministro Adjunto do Primeiro Ministro.

       Partindo do reconhecimento da dimensão planetária do problema da droga, que em termos de tratamento jurídico, a nível internacional data desde 1912, com a Convenção da Haia, ou Convenção Internacional sobre o Ópio, elaborada na sequência da primeira conferência internacional sobre drogas ocorrida em Xangai, em 1909, a estratégia nacional de luta contra a droga assentava em oito princípios estruturantes, a saber: 1 – Princípio da cooperação internacional; 2 – Princípio da prevenção; 3 – Princípio humanista; 4 – Princípio do pragmatismo; 5 – Princípio da segurança; 6 – Princípio da coordenação e da racionalização de meios; 7 – Princípio da subsidiariedade; e 8 – Princípio da participação.

     Sublinhando a estratégia da cooperação internacional, estabeleceu o documento como um dos seus objectivos principais o reforço do combate ao tráfico ilícito e ao branqueamento de capitais, como opção estratégica fundamental para o nosso País, a partir de seis objectivos gerais e de treze opções estratégicas individualizadas – cfr. Capítulo II – estratégia nacional: princípios, objectivos gerais e opções estratégicas – pontos 8, 9 e 10 (págs. 2980/3 do Diário da República e págs. 45 a 47 da referida edição).

     A última disposição estabelecia a revisão da estratégia nacional de luta contra a droga, preconizando a sua revisão obrigatória, pelo menos, dentro de cinco anos, ou seja, no ano de 2004.

      Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 30/2001, de 22 de Fevereiro de 2001, publicada no Diário da República, I Série – B, n.º 61, de 13 de Março de 2001, foram fixados os 30 objectivos da luta contra a droga e a toxicodependência no horizonte 2004, o que foi feito em Anexo, nomeadamente, o combate ao tráfico ilícito de drogas e ao branqueamento de capitais (objectivos 24, 25 e 26). 

      Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 39/2001, de 30 de Março de 2001, publicada no Diário da República, I Série – B, n.º 84, de 9 de Abril de 2001, foi aprovado o Plano de Acção Nacional de Luta contra a Droga e a Toxicodependência – Horizonte 2004, constante do Anexo integrante da Resolução.

      Pela Resolução do Conselho de Ministros n.º 115/2006, de 24 de Agosto de 2006, publicada no Diário da República, I série, n.º 180, de 18 de Setembro de 2006, foi aprovado o Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências no médio prazo até 2012, constituindo o Anexo I, integrante da Resolução - Plano Nacional contra a Droga e as Toxicodependências 2005-2012 - (págs. 6835 a 6857) e o Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte no curto prazo até 2008 - Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte 2008 -, constituindo o Anexo II, integrante da Resolução, o qual operacionalizou o Plano Nacional contra a Droga e a Toxicodependência 2005-2012 (págs. 6857 a 6881).

      Este Plano de Acção contra as Drogas e as Toxicodependências Horizonte 2008, anexo II à Resolução 115/2006, por ter saído com várias inexactidões, foi republicado na Declaração de Rectificação n.º 79/2006, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 222, de 17 de Novembro de 2006.

      Seguiu-se o Plano de Acção Contra as Drogas e as Toxicodependências 2009-2012, IDT - Instituto da Droga e da Toxicodependência, IP.

       Actualmente está em vigor o Plano Nacional para a Redução dos Comportamento Aditivos e das Dependências 2013-2020 (aprovado pela Resolução do Conselho de Ministros de 23 de Outubro de 2014, constituindo o seu Anexo I, e publicado no Diário da República, 1.ª série, n.º 250, de 29 de Dezembro de 2014, págs. 6294-6348), que mantém os princípios consagrados no anterior ciclo estratégico, prevendo a sua operacionalização através de dois Planos de Acção de quatro anos, designadamente, 2013-2016 e 2017-2020.

 

      A produção, tráfego e consumo de certas substâncias consideradas como prejudiciais à saúde física e moral dos indivíduos passou a ser punida após a publicação do Decreto n.º 12.210, de 24 de Agosto de 1926.

       A este diploma, seguiram-se os Decretos-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, n.º 430/83, de 13 de Dezembro e n.º 15/93, de 22 de Janeiro, actualmente em vigor (publicado no Diário da República, I Série-A, n.º 18, de 22 de Janeiro de 1993, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 20/93, de 20 de Fevereiro de 1993, in Diário da República, I Série - A, n.º 43, de 20 de Fevereiro, a qual reproduziu o texto integral corrigido do Decreto-Lei n.º 15/93 e objecto de várias alterações, sendo a última alteração – a 23.ª – pela Lei n.º 8/2019, de 1 de Fevereiro, publicada no Diário da República, 1.ª série, n.º 23, de 1 de Fevereiro de 2019, que republicou as tabelas I-A, II-A, II-B e IV).


****

       Passando à determinação da medida concreta da pena.

     A moldura abstracta penal cabível ao crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, aqui assumido, é de prisão de um a cinco anos.

   Dentro desta moldura funcionam todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, deponham a favor ou contra o agente, designadamente:

     - O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;

     - A intensidade do dolo ou da negligência;

     - Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;

   - As condições pessoais do agente e a sua situação económica;

    - A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;

       - A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

                                                                     ***

     No domínio da versão originária do Código Penal de 1982 (aprovado pelo Decreto-Lei n.º 400/82, de 23 de Setembro, entrado em vigor em 1 de Janeiro de 1983 – artigo 2.º), alguma jurisprudência, dizendo basear-se em posição do Professor Eduardo Correia (Actas das Sessões, pág. 20), segundo a qual o procedimento normal e correcto dos juízes na determinação da pena concreta, em face do novo Código, seria o de utilizar, como ponto de partida, a média entre os limites mínimo e máximo da pena correspondente, em abstracto, ao crime, adoptou tal orientação, considerando-se em seguida as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depusessem a favor do agente ou contra ele, sendo exemplos de tal posição inicial os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-07-1983, BMJ n.º 329, pág. 396; de 15-02-1984, BMJ n.º 334, pág. 274; de 26-04-1984, BMJ n.º 336, pág. 331; de 19-12-1984, BMJ n.º 342, pág. 233; de 10-01-1987, processo n.º 3 8627- 3.ª Secção, na Tribuna da Justiça, n.º 26; de 11-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 226; de 11-05-1988, processo n.º 39401-3.ª Secção, na Tribuna da Justiça, n.ºs 41/42.

      Manifestou-se contra esta interpretação Figueiredo Dias em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 277, págs. 210/211.

       A refutação de tal critério – graduação da pena concreta a partir da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta – foi feita por Carmona da Mota, in Tribuna da Justiça, n.º 6, Junho 1985, págs. 8/9 e pelo Advogado Alfredo Gaspar, neste caso, em anotação ao acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 2 de Maio de 1985 (onde foi defendido: “são de dosear as penas respectivas em medida um tanto superior ao ponto médio entre os limites mínimos e máximos legais, até mais perto dos máximos…”), in Tribuna da Justiça, n.º 7, págs. 11 e 13, dando-se conta, em ambos os casos, de que o primeiro aresto em que se verificou uma inflexão na jurisprudência foi o acórdão da Relação de Coimbra de 9 de Novembro de 1983, in Colectânea de Jurisprudência 1983, tomo 5, pág. 73, onde foi ponderado: “A individualização judicial da pena pressupõe proporcionalidade entre aquela e a culpabilidade, não sendo correcto utilizar, como ponto de partida na graduação da pena, a média entre os limites mínimo e máximo da pena”.

       Posteriormente, e ainda antes de 1995, partindo da ideia de que a culpa é a medida que a pena não pode ultrapassar nem mesmo lançando apelo às necessidades de prevenção, mesmo que acentuadas, começou a considerar-se não ser correcto partir-se dum ponto médio dos limites da moldura penal para a agravação ou atenuação consoante o peso relativo das respectivas circunstâncias, como vinha sendo entendido, salientando-se que a determinação da medida da pena não depende de critérios aritméticos.

       Neste sentido, podem ver-se os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 16-12-1986, BMJ n.º 362, pág. 359; de 25-11-1987, BMJ n.º 371, pág. 255; de 22-02-1989, BMJ n.º 384, pág. 552; de 09-06-1993, BMJ n.º 428, pág. 284; de 22-06-1994, processo n.º 46.701, CJSTJ 1994, tomo 2, pág. 255, citando o acórdão de 18-10-1989, proferido no processo n.º 40.101, assinalando que a medida da pena é questão de direito e não de facto, valendo a máxima latina «da mihi facta dabo tibi jus».

      E no acórdão de 27-02-1991, in Actualidade Jurídica, ano 3.º, n.ºs 15/16, pág. 9 (citado no acórdão de 15-02-1995, proferido no processo n.º 47.549, CJSTJ 1995, tomo 1, pág. 216), decidiu-se que “na fixação concreta da pena não deve partir-se da média entre os limites mínimo e máximo da pena abstracta. A determinação concreta há-de resultar de a adaptar a cada caso concreto, liberdade que o julgador deve usar com prudência e equilíbrio, dentro dos cânones jurisprudenciais e da experiência, no exercício do que verdadeiramente é a arte de julgar”.

      No aludido acórdão de 15 de Fevereiro de 1995, versando caso de crime de roubo, foi afirmado: “Para a determinação do quantum da pena não se deve partir do «meio da moldura penal aplicável», agravando ou atenuando depois em função das circunstâncias. A determinação da pena é feita em função da culpa e da prevenção”.

      Anteriormente, não manifestando preocupações de adesão à pena média, pronunciaram-se, v. g.,  os acórdãos de 21-06-1989, BMJ n.º 388, pág. 245 e de  17-10-1991, processo n.º 42 040, BMJ n.º 410, pág. 360, podendo ler-se neste: “Na determinação da medida da pena concreta, a culpa perfila-se como primeiro e inviolável princípio, a conjugar a reprovação com a dissuasão (individual e colectiva) e com a reinserção social (na esfera da prevenção especial). Funciona, a respeito, uma simbiose de diversas solicitações, em interacção, cujas fronteiras se demarcam por um limite mínimo (já adequado à culpa) e por um limite máximo (ainda adequado à culpa), dentro de critério que muito tem a ver com a teoria da margem de liberdade, formulada por Roxin”.

     Hans Heinrich Jescheck, in Tratado de Derecho Penal, Parte General, II, pág. 1194, diz: “o ponto de partida da determinação judicial das penas é a determinação dos seus fins, pois, só partindo dos fins das penas, claramente definidos, se pode julgar que factos são importantes e como se devem valorar no caso concreto para a fixação da pena”.

      Definindo o papel que cabe à culpa na determinação concreta da pena, nos termos da teoria da margem de liberdade (Claus Roxin, Culpabilidade y Prevención en Derecho Penal, págs. 94 -113) é ele o seguinte: a pena concreta é fixada entre um limite mínimo (já adequado à culpa) e um limite máximo (ainda adequado à culpa), limites esses que são determinados em função da culpa do agente e aí intervindo dentro desses limites os outros fins das penas (as exigências da prevenção geral e da prevenção especial).

 

      A partir de 1 de Outubro de 1995 foram alterados os dados do problema, passando a pena a servir finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena.

       A terceira alteração ao Código Penal operada pelo Decreto-Lei n.º 48/95, de 15 de Março, entrado em vigor em 1 de Outubro seguinte, proclamou a necessidade, proporcionalidade e adequação como princípios orientadores que devem presidir à determinação da pena aplicável à violação de um bem jurídico fundamental, introduzindo a inovação, com feição pragmática e utilitária, constante do artigo 40.º, ao consagrar que a finalidade a prosseguir com as penas e medidas de segurança é «a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade», ou seja, a reinserção social do agente do crime, o seu retorno ao tecido social lesado.

      Com esta reformulação do Código Penal, como se explica no preâmbulo do diploma, não prescindiu o legislador de oferecer aos tribunais critérios seguros e objectivos de individualização da pena, quer na escolha, quer na dosimetria, sempre no pressuposto irrenunciável, de matriz constitucional, de que em caso algum a pena pode ultrapassar a culpa, dispondo o n.º 2 que «Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa».

       Em consonância com estes princípios dispõe o artigo 71.º, n.º 1, que “a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção”; o n.º 2 elenca, a título exemplificativo, algumas das circunstâncias, agravantes e atenuantes, a atender na determinação concreta da pena, dispondo o n.º 3, que na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, injunção com concretização adjectiva no artigo 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, ao prescrever que a sentença condenatória especifica os fundamentos que presidiram à escolha e à medida da sanção aplicada. (Em sede de processo decisório, a regulamentação respeitante à determinação da pena tem tratamento autónomo relativamente à questão da determinação da culpabilidade, sendo esta tratada no artigo 368.º, e aquela prevista no artigo 369.º, com eventual apelo aos artigos 370.º e 371.º do CPP).

     Jorge Figueiredo Dias, em Temas Básicos da Doutrina Penal, Coimbra Editora, 2001, no tema Fundamento, Sentido e Finalidades da Pena Criminal, págs. 65 a 111, diz que o legislador de 1995 assumiu, precipitando no artigo 40.º do Código Penal, os princípios ínsitos no artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa (princípios da necessidade da pena e da proporcionalidade ou da proibição do excesso) e o percurso doutrinário, resumindo assim a teoria penal defendida:

    1) Toda a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial.

    2) A pena concreta é limitada, no seu máximo inultrapassável, pela medida da culpa.

   3) Dentro deste limite máximo ela é determinada no interior de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico.

   4) Dentro desta moldura de prevenção geral de integração a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa ou de intimidação ou segurança individuais.

     No dizer de Fernanda Palma, inAs Alterações Reformadoras da Parte Geral do Código Penal na Revisão de 1995: Desmantelamento, Reforço e Paralisia da Sociedade Punitiva”, nas “Jornadas sobre a Revisão do Código Penal”, edição de 1998, da Associação Académica da Faculdade de Direito de Lisboa – AAFDL –, pág. 25, «a protecção de bens jurídicos implica a utilização da pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos (prevenção geral negativa), incentivar a convicção de que as normas penais são válidas e eficazes e aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos (prevenção geral positiva). A protecção de bens jurídicos significa ainda prevenção especial como dissuasão do próprio delinquente potencial».

    Américo A. Taipa de Carvalho, em Prevenção, Culpa e Pena, no Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 322, afirma resultar do actual artigo 40.º que o fundamento legitimador da aplicação de uma pena é a prevenção, geral e especial, e que a culpa do infractor apenas desempenha o (importante) papel de pressuposto (conditio sine qua non) e de limite máximo da pena a aplicar por maiores que sejam as exigências sociais de prevenção.

      Está subjacente ao artigo 40.º uma concepção preventivo-ética da pena. Preventiva, na medida em que o fim legitimador da pena é a prevenção; ética, uma vez que tal fim preventivo está condicionado e limitado pela exigência da culpa.

      O Autor, em 1985, em “Condicionalidade Sócio-Cultural do Direito Penal. Análise Histórica, Sentido e Limites”, Coimbra, 1985, pág. 96, nota 172, defendera que a culpa não é uma grandeza matemática.

     Paulo Pinto de Albuquerque, no Comentário do Código de Processo Penal, Universidade Católica Editora, 2007, pág. 218 (e pág. 224 na 4.ª edição actualizada de Abril de 2011), defende que a questão da determinação da espécie e da medida da sanção criminal redunda numa verdadeira questão de direito.

      Segundo Maria João Antunes, em Consequências Jurídicas do Crime, Lições 2007-2008, págs. 19 e 20, no procedimento de determinação da pena trata-se de autêntica aplicação do direito – na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena, por imposição do artigo 71.º, n.º 3, do CP. Consequentemente, há uma autonomização do processo de determinação da pena em sede processual penal (artigos 369.º, 370.º e 371.º do CPP) e a possibilidade de controlo da decisão sobre a determinação da pena em sede de recurso, ainda que este seja apenas de revista.

      Figueiredo Dias, em Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, edição de 1993, a págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada.

       Ainda de acordo com o mesmo Professor, na mesma obra de 1993, § 280, pág. 214 e repetido nas Lições ao 5.º ano da Faculdade de Direito de Coimbra, 1998, págs. 279 e seguintes: «Culpa e prevenção são os dois termos do binómio com auxílio do qual há-de ser construído o modelo da medida da pena (em sentido estrito, ou de «determinação concreta da pena»).

      As finalidades da aplicação de uma pena residem primordialmente na tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, na reinserção do agente na comunidade. A pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

      Assim, pois, primordial e essencialmente, a medida da pena há-de ser dada pela medida da necessidade de tutela dos bens jurídicos face ao caso concreto e referida ao momento da sua aplicação, protecção que assume um significado prospectivo que se traduz na tutela das expectativas da comunidade na manutenção (ou mesmo no reforço) da validade da norma infringida. Um significado, deste modo, que por inteiro se cobre com a ideia da prevenção geral positiva ou de integração que vimos decorrer precipuamente do princípio político-criminal básico da necessidade da pena».

      Anabela Miranda Rodrigues em “O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena”, in Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 147 e ss., como proposta de solução defende que a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definida e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

      Adianta que “é o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada - que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas - até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral”.

      Apresenta três proposições em jeito de conclusões e da seguinte forma sintética:

      “Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.

      Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas”.

       E finaliza, afirmando: “É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente”.

      Uma síntese destas posições sobre os fins das penas foi feita no acórdão deste Supremo Tribunal de 10 de Abril de 1996, proferido no processo n.º 12/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 168, nos seguintes termos: “O modelo de determinação da medida da pena no sistema jurídico-penal português comete à culpa (juízo de apreciação, de valoração, que enuncia o que as coisas valem aos olhos da consciência e o que deve ser do ponto de vista da validade lógica e da moral ou do direito) a função de determinar o limite máximo e inultrapassável da pena, mas disso já cuidou, em primeira mão, o legislador, quando estabeleceu a moldura punitiva.

       Acontece, porém, que outras exigências concorrem naquele modelo: a prevenção geral (dita de integração) que tem por função fornecer uma moldura de prevenção, cujo limite é dado, no máximo, pela medida óptima de tutela dos bens jurídicos - dentro do que é consentido pela culpa - e, no mínimo, fornecido pelas exigências irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Cabe à prevenção especial a função de encontrar o quantum exacto da pena, dentro dessa função, rectius, moldura de prevenção que melhor sirva as exigências de socialização (ou, em casos particulares) de advertência ou de segurança”.

       Ainda do mesmo Relator, e a propósito de um caso de tráfico de estupefacientes, diz-se no acórdão de 08-10-1997, proferido no processo n.º 356/97-3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos, Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, volume II, págs. 133/4: «As “exigências de prevenção” variam em função do tipo de criminalidade de que se trata. Na criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, com todo o seu cortejo de lesão de bens jurídicos muito relevantes, a carecerem de adequada protecção pelo direito penal - além do efeito propulsor de outras formas de criminalidade, nomeadamente contra as pessoas e contra o património, a que, a justo título, se tem chamado de “flagelo social” - são de considerar as particulares exigências de prevenção, tanto geral como especial».

      Uma outra formulação, em síntese, na esteira da posição de Figueiredo Dias, em As consequências jurídicas do crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, § 301 e ss., é a que consta dos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 17-09-1997, processo n.º 624/97; de 01-10-1997, processo n.º 673/97; de 08-10-1997, processo n.º 874/97; de 15-10-1997, processo n.º 589/97, sendo os três últimos sumariados in Sumários de Acórdãos do Gabinete de Assessoria do STJ, n.º 14, Outubro de 1997, II volume, págs. 125, 134 e 145, e de 20-05-1998, processo n.º 370/98, este publicado na CJSTJ 1998, tomo 2, pág. 205 e no BMJ n.º 477, pág. 124, todos da 3.ª Secção e do mesmo Relator, nos seguintes termos: “A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quanto possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização.

      Ou seja, devendo ter um sentido eminentemente pedagógico e ressocializador, as penas são aplicadas com a finalidade primordial de restabelecer a confiança colectiva na validade da norma violada, abalada pela prática do crime, e, em última análise, na eficácia do próprio sistema jurídico-penal”.

      No sentido deste último segmento, ver do mesmo Relator, os acórdãos de 08-10-1997, processo n.º 976/97 e de 17-12-1997, processo n.º 1186/97, in Sumários de Acórdãos, n.º 14, pág. 132 e n.º s 15/16, Novembro/Dezembro 1997, pág. 214.   

      A intervenção do Supremo Tribunal de Justiça em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da adequação e proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, porque não ilimitada, sendo entendido, de forma uniforme e reiterada, que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras da experiência, ou a desproporção da quantificação efectuada” - cfr. neste sentido, acórdãos de 09-11-2000, processo n.º 2693/00-5.ª; de 23-11-2000, processo n.º 2766/00 - 5.ª; de 30-11-2000, processo n.º 2808/00-5.ª; de 28-06-2001, processos n.ºs 1674/01-5.ª, 1169/01-5.ª e 1552/01-5.ª; de 30-08-2001, processo n.º 2806/01-5.ª; de 15-11-2001, processo n.º 2622/01 – 5.ª; de 06-12-2001, processo n.º 3340/01-5.ª; de 17-01-2002, processo 2132/01-5.ª; de 09-05-2002, processo n.º 628/02-5.ª, CJSTJ 2002, tomo 2, pág. 193; de 16-05-2002, processo n.º 585/02 – 5.ª; de 23-05-2002, processo n.º 1205/02 – 5.ª; de 26-09-2002, processo n.º 2360/02 – 5.ª; de 14-11-2002, processo n.º 3316/02 – 5.ª; de 30-10-2003, CJSTJ 2003, tomo 3, pág. 208; de 11-12-2003, processo n.º 3399/03 – 5.ª; de 04-03-2004, processo n.º 456/04 – 5.ª, CJSTJ 2004, tomo 1, pág. 220; de 11-11-2004, processo n.º 3182/04 – 5.ª; de 23-06-2005, processo n.º 2047/05 - 5.ª; de 12-07-2005, processo n.º 2521/05 – 5.ª; de 03-11-2005, processo n.º 2993/05 - 5ª; de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, págs. 229 e 235; de 29-03-2006, processo n.º 478/06-3.ª Secção, CJSTJ 2006, tomo 1, págs. 222/5; de 15-11-2006, processo n.º 2555/06 – 3.ª; de 14-02-2007, processo n.º 249/07 – 3.ª; de 08-03-2007, processo n.º 4590/06 – 5.ª; de 12-04-2007, processo n.º 1228/07 – 5.ª; de 19-04-2007, processo n.º 445/07 – 5.ª; de 10-05-2007, processo n.º 1500/07 – 5.ª; de 14-06-2007, processo n.º 1580/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 220; de 04-07-2007, processo n.º 1775/07 – 3.ª; de 05-07-2007, processo n.º 1766/07-5.ª, CJSTJ 2007, tomo 2, pág. 242; de 17-10-2007, processo n.º 3321/07 – 3.ª; de 10-01-2008, processo n.º 907/07 – 5.ª; de 16-01-2008, processo n.º 4571/07 – 3.ª; de 20-02-2008, processos n.ºs 4639/07 – 3.ª e 4832/07–3.ª; de 05-03-2008, processo n.º 437/08 – 3.ª; de 02-04-2008, processo n.º 4730/07 – 3.ª; de 03-04-2008, processo n.º 3228/07 – 5.ª; de 09-04-2008, processo n.º 1491/07 – 5.ª e processo n.º 999/08 – 3.ª; de 17-04-2008, processos n.ºs 677/08 e 1013/08, ambos desta secção; de 30-04-2008, processo n.º 4723/07 – 3.ª; de 21-05-2008, processos n.ºs 414/08 e 1224/08, da 5.ª Secção; de 29-05-2008, processo n.º 1001/08 – 5.ª; de 03-09-2008, no processo n.º 3982/07 – 3.ª; de 10-09-2008, processo n.º 2506/08 – 3.ª; de 08-10-2008, nos processos n.ºs 2878/08, 3068/08 e 3174/08, todos da 3.ª Secção; de 15-10-2008, processo n.º 1964/08 – 3.ª; de 29-10-2008, processo n.º 1309/08 – 3.ª; de 21-01-2009, processo n.º 2387/08 – 3.ª; de 27-05-2009, processo n.º 484/09 –3.ª; de 18-06-2009, processo n.º 8523/06.1TDLSB – 3.ª; de 1-10-2009, processo n.º 185/06.2SULSB.L1.S1 –3.ª; de 25-11-2009, processo n.º 220/02.3GCSJM.P1.S1 – 3.ª; de 03-12-2009, processo n.º 136/08.0TBBGC.P1.S1 – 3.ª; de 28-04-2010, processo n.º 126/07.0PCPRT.S1 – 3.ª; de 14-07-2010, processo n.º 149/07.9JELSB.E1.S1; de 10-11-2010, processo n.º 145/10.9JAPRT.P1.S1-3.ª; de 29-06-2011, processo n.º 21/10.5GACUB.E1.S1-3.ª; de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1-3.ª; de 12-09-2012, processo n.º 1221/11.6JAPRT.S1-3.ª; de 05-12-2012, processo n.º 250/10.1JALRA.E1.S1-3.ª; de 29-05-2013, processo n.º 454/09.0GAPTB.G1.S1-3.ª; de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1-3.ª, CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 11-06-2014, processo n.º 14/07.0TRLSB.S1-3.ª; de 24-09-2014, processo n.º 994/12.3PBAMD.L1.S1-3.ª; de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1-3.ª; de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1-3.ª; de 25-02-2015, processo n.º 1514/12.5JAPRT.P1.S1-3.ª; de 25-11-2015, processo n.º 24/14.0PCSRQ.S1-3.ª; de 15-02-2017, processo n.º 976/15.3PATM.E1.S1-3.ª; de 21-03-2018, processo n.º 49/16.1T9FNC.L1.S1-3.ª.

       Como enunciou o acórdão deste Supremo Tribunal e desta Secção, de 28-04-2016, proferido no processo n.º 37/15.5GAELV.S1:

      “A eventual intervenção correctiva do STJ no domínio do procedimento de determinação da medida da pena só se justificará se, for de concluir, face aos factos julgados provados, que o Tribunal Colectivo falhou na indicação de algum dos factores relevantes para o efeito ou se, pelo contrário, valorou outros que devem considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, se tiver violado as regras da experiência ou se o quantum fixado se mostrar de todo desproporcionado em comparação com o que, para casos semelhantes, vem sendo decidido, nesta matéria, pelo STJ”.

       Na determinação da medida concreta da pena deve o Tribunal, em conformidade com o disposto no artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, atender a todas as circunstâncias que deponham a favor ou contra o agente, abstendo-se, no entanto, de considerar aquelas que já fazem parte do tipo de crime cometido.

      O limite mínimo da pena a aplicar é determinado pelas razões de prevenção geral que no caso se façam sentir; o limite máximo pela culpa do agente revelada no facto; e servindo as razões de prevenção especial para encontrar, dentro daqueles limites, o quantum de pena a aplicar – cfr. Jorge de Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, Editorial Notícias, págs. 227 e seguintes.

      Para o efeito de determinação da medida concreta ou fixação do quantum da pena que vai constar da decisão o juiz serve-se do critério global contido no referido artigo 71.º do Código Penal (preceito que a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro, deixou intocado, como de resto aconteceu com o citado artigo 40.º), estando vinculado aos módulos - critérios de escolha da pena constantes do preceito.

       Observados estes critérios de dosimetria concreta da pena, há uma margem de actuação do julgador dificilmente sindicável, se não mesmo impossível de sindicar.

      O referido dever jurídico-substantivo e processual de fundamentação visa justamente tornar possível o controlo – total no caso dos tribunais de relação, limitado às «questões de direito» no caso do STJ, ou mesmo das relações quando se tenha renunciado ao recurso em matéria de facto – da decisão sobre a determinação da pena.

       Estando a cognoscibilidade em recurso de revista limitada a matéria de direito, coloca-se a questão da controlabilidade da determinação da pena nesta sede.

       Como se refere no acórdão de 28-09-2005, processo n.º 2537/05, da 3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 173, em caso de homicídio qualificado, na forma tentada, afirma-se: “Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71.º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento) ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente”.

       Na graduação da pena deve olhar-se para as funções de prevenção geral e especial das penas, mas sem perder de vista a culpa do agente, ou, como diz o acórdão de 22-09-2004, proferido no processo n.º 1636/04, da 3.ª Secção, in Sumários de Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça (SASTJ), n.º 83: “a pena, no mínimo, deve corresponder às exigências e necessidades de prevenção geral, de modo a que a sociedade continue a acreditar na validade da norma punitiva; no máximo, não deve exceder a medida da culpa, sob pena de degradar a condição e dignidade humana do agente; e, em concreto, situando-se entre aquele mínimo e este máximo, deve ser individualizada no quantum necessário e suficiente para assegurar a reintegração do agente na sociedade, com respeito pelo mínimo ético a todos exigível”.

      Ou, como expressivamente se diz no acórdão deste Supremo Tribunal de 16-01-2008, proferido no processo n.º 4565/07, da 3.ª Secção (e igualmente no acórdão do mesmo Relator de 13-01-2011, processo n.º 369/09.1JELSB.L1.S1-3.ª Secção):

      «A norma do art. 40.º do CP condensa em três proposições fundamentais o programa político-criminal sobre a função e os fins das penas: a) protecção de bens jurídicos; b) a socialização do agente do crime; c) constituir a culpa o limite da pena mas não o seu fundamento.

      O modelo do C P é de prevenção: a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do art. 40.º determina, por isso, que os critérios do art. 71.º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição.

       O modelo de prevenção acolhido – porque de protecção de bens jurídicos – estabelece que a pena deve ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva, e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa.

       Dentro desta medida de prevenção (protecção óptima e protecção mínima – limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa.

       Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e critérios do art. 71.º do CP devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente».

       Como salientou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Dezembro de 1998, relatado por Leonardo Dias, no processo n.º 1155/98, publicado no BMJ n.º 482, págs. 77/84, após citar o artigo 40.º do Código Penal:

       “Do nosso ponto de vista deve entender-se que, sempre e tanto quanto for possível, sem prejuízo da prevenção especial positiva e, sempre, com o limite imposto pelo princípio da culpa - nulla poena sine culpa - a função primordial da pena consiste na protecção de bens jurídicos, ou seja, consiste na prevenção dos comportamentos danosos dos bens jurídicos.

       A culpa, salvaguarda da dignidade humana do agente, não sendo o fundamento último da pena, define, em concreto, o seu limite máximo, absolutamente intransponível, por maiores que sejam as exigências de carácter preventivo que se façam sentir. A prevenção especial positiva, porém subordinada que está à finalidade principal de protecção dos bens jurídicos, já não tem virtualidade para determinar o limite mínimo; este, logicamente, não pode ser outro que não o mínimo de pena que, em concreto, ainda, realiza, eficazmente, aquela protecção.

      Enfim, devendo proporcionar ao condenado a possibilidade de optar por comportamentos alternativos ao criminal (sem, todavia, sob pena de violação intolerável da sua dignidade, lhe impor a interiorização de um determinado sistema de valores), a pena tem de responder, sempre, positivamente, às exigências de prevenção geral de integração.

      [Poderia objectar-se que esta concepção abre, perigosamente, caminho ao terror penal. Uma tal objecção, porém, ignoraria, para além do papel decisivo reservado à culpa, que, do que se trata, é do direito penal de um estado de direito social e democrático, onde quer a limitação do jus puniendi estatal, por efeito da missão de exclusiva protecção de bens jurídicos, àquele atribuída (a determinação do conceito material de bem jurídico capaz de se opor à vocação totalitária do Estado continua sendo uma das preocupações prioritárias da doutrina; entre nós Figueiredo Dias que, como outros prestigiados autores, entende que na delimitação dos bens jurídicos carecidos de tutela penal haverá que tomar-se, como referência, apropria Lei Fundamental — propõe a seguinte definição: «unidade de aspectos ônticos e axiológicos, através da qual se exprime o interesse, da pessoa ou da comunidade, na manutenção ou integridade de um certo estado, objecto ou bem em si mesmo socialmente relevante e por isso valioso», cfr. «Os novos rumos da política criminal», Revista da Ordem dos Advogados, ano 43º, 1983, pág. 15) e os princípios jurídico-penais da lesividade ou ofensividade, da indispensabilidade da tutela penal, da fragmentaridade, subsidiariedade e da proporcionalidade, quer os próprios mecanismos da democracia e os princípios essenciais do Estado de direito são garantias de que, enquanto de direito, social e democrático, o Estado não poderá chegar ao ponto de fazer, da pena, uma arma que, colocada ao serviço exclusivo da eficácia, pela eficácia, do sistema penal, acabe dirigida contra a sociedade. Depois, prevenção geral, no Estado de que falamos, não é a prevenção estritamente negativa ou de pura intimidação. Um direito penal democrático que, por se apoiar no consenso dos cidadãos, traduz as convicções jurídicas fundamentais da colectividade, tem de, pela mesma razão, colocar a pena ao serviço desse sentimento jurídico comum; isto significa que ela não pode ser aplicada apenas para intimidar os potenciais delinquentes mas que, acima de tudo, deve dar satisfação às exigências da consciência jurídica geral, estabilizando as suas expectativas na validade da norma violada. Assim, subordinada a função intimidatória da pena a esta sua outra função socialmente integradora, já se vê que a pena preventiva (geral) nunca poderá ser pura intimidação mas, sim, intimidação limitada ao necessário para restabelecer a confiança geral na ordem jurídica ou, por outras palavras, intimidação conforme ao sentimento jurídico comum].

      Ora, se por um lado, a prevenção geral positiva é a finalidade primordial da pena e se, por outro, nunca esta pode ultrapassar a medida da culpa, então parece evidente que - dentro, claro está, da moldura geral - a moldura penal aplicável ao caso concreto («moldura de prevenção») há-de definir-se entre o mínimo imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias e o máximo que a culpa do agente consente; entre tais limites encontra-se o espaço possível de resposta às necessidades da sua reintegração social”.

       Revertendo ao caso concreto.

 

     Na 1.ª instância pela prática do crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, perante uma moldura de 5 a 15 anos de prisão, foi fixada à arguida a pena de 5 anos e 3 meses de prisão.

     Sobre a determinação da medida concreta da pena aplicada à ora recorrente, num quadro de tráfico agravado, discorreu o acórdão recorrido, nestes termos: 

     «No caso concreto há que considerar que:

    - o grau de ilicitude do facto: reduzido, atendendo a que a arguida conseguiu introduzir no interior do Estabelecimento Prisional e entregar a um recluso 0,19 gramas de heroína;

  - intensidade do dolo – a arguida agiu com dolo directo;

   - as condições pessoais da arguida e personalidade – a arguida revela-se imatura, desresponsabilizando-se dos seus problemas;

   - a ausência de qualquer acto demonstrativo de arrependimento;

   - os seus antecedentes criminais, ainda que por crime de diferente natureza;

   - necessidades de prevenção geral que se mostram bastante elevadas em face do elevado número de crimes de idêntica natureza cometidos anualmente e que possibilitam o aumento do tráfico de droga no interior do EP e problemáticas associadas.

       Por tudo o exposto, entende este Tribunal adequado fixar a pena a aplicar à arguida em 5 anos e 3 meses de prisão».


***

       Vejamos qual a medida concreta da pena cabível no caso.

      Sendo uma das finalidades das penas a tutela dos bens jurídicos – artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal – definindo a necessidade desta protecção os limites daquelas, há que ter em atenção o bem jurídico tutelado no tipo legal em causa.

      No que toca ao bem jurídico protegido, como é consabido, para além de estarmos perante um crime de perigo abstracto, noutra perspectiva, estamos face a um crime pluriofensivo.

      Trata-se de um crime de perigo comum, dado a sua incriminação visar proteger uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente, de carácter pessoal e ainda um de carácter mais geral, a saber, a saúde pública.

      E é um crime de perigo abstrato ou presumido, pois que à verificação e punição do crime de tráfico basta tão só a ocorrência de qualquer uma das atividades previstas no referido artigo, sendo que a punição decorre do seu perigo potencial, não sendo necessária a verificação de qualquer perigo em concreto.

      O tráfico de estupefacientes é um crime de consequências gravíssimas para a sociedade e por isso o legislador o sancionou com penas pesadas.

      Com efeito, o normativo incriminador do tráfico de estupefacientes tutela uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de carácter pessoal – a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores – visando ainda a protecção da vida em sociedade, o bem-estar da sociedade, a saúde da comunidade (na medida em que o tráfico dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos), embora todos eles se possam reconduzir a um bem geral – a saúde pública – pressupondo apenas a perigosidade da acção para tais bens, não se exigindo a verificação concreta desse perigo – neste sentido o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91, de 6 de Novembro de 1991, publicado no Diário da República, II Série, n.º 78, de 2 de Abril de 1992 e no BMJ n.º 411, pág. 56 e ss., o qual versou o princípio da presunção de inocência do arguido e abordou a constitucionalidade do artigo 23.º do Decreto-Lei n.º 430/83 (seguido de perto pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 441/94, de 7 de Junho de 1994, publicado no Diário da República, II Série, n.º 249, de 27 de Outubro de 1994 e no BMJ n.º 438, pág. 99 e ss.), que abordou a constitucionalidade da mesma norma e onde se afirma: “O escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia”. Estes acórdãos vieram a ser citados e seguidos pelo acórdão do Tribunal Constitucional n.º 604/97, de 14-10-1997, proferido no processo n.º 507/96, da 1.ª Secção, versando o princípio da presunção de inocência do arguido, tendo em conta a norma do artigo 40.º do DL n.º 15/93.

      Ainda sobre o tema, a propósito do concurso – real – do crime de tráfico de estupefacientes e de associação criminosa, versando o dever de fundamentação, nos termos do artigo 374.º, n.º 2, do CPP e o princípio ne bis in idem, seguindo o citado acórdão n.º 426/91, pode ver-se o acórdão do Tribunal Constitucional n.º 102/99, de 10 de Fevereiro de 1999, proferido no processo n.º 1103/98-3.ª Secção, publicado in Diário da República, II Série, n.º 77, de 1 de Abril de 1999, pág. 4.843 e no BMJ n.º 484, pág. 119.

       A doutrina do acórdão n.º 426/91 foi reafirmada, através da citação do acórdão n.º 102/99, no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 319/2012, de 20 de Junho de 2012, proferido no processo n.º 300/12, da 1.ª Secção, que versou sobre concurso entre crime de homicídio e detenção de arma proibida, p. e p. pelo artigo 86.º, n.º 1, alínea c) e n.ºs 3 e 4, da Lei n.º 5/2006, de 23 de Fevereiro, na redacção dada pela Lei n.º 17/2009, de 6 de Maio.      

       Neste sentido, podem ver-se o acórdão de 28-10-2015, proferido no processo n.º 411/14.4PFVNG.P1.S1-3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2015, tomo 3, pág. 217, e os acórdãos por nós relatados de 5-01-2011, processo n.º 448/09.5JELSB.S1 (correio de droga, afastando atenuação especial); de 15-12-2011, processo n.º 17/09.0TELSB.L1.S1 (tráfico de estupefacientes); de 2-05-2012, processo n.º 132/11.0JELSB.S1 (correio de droga); de 09-05-2012, processo n.º 202/11.4JELSB.S1 (correio de droga); de 5-06-2013, processo n.º 7/11.2GAADV.E1.S1 (tráfico de estupefacientes), in CJSTJ 2013, tomo 2, pág. 213; de 4-07-2013, processo n.º 12/11.9GAAMT.P1.S1 (tráfico de estupefacientes); de 15-10-2014, processo n.º 353/13.0JAFAR.S1 (correio de droga, afastando a suspensão da execução da pena, tendo-se então consignado: “Percorridos os acórdãos proferidos por este Supremo Tribunal sobre a matéria, desde 16 de Abril de 1997, estando em causa um universo de 271 recursos apreciados, verifica-se que apenas num caso foi concedida a suspensão da execução da pena, o que aconteceu no acórdão de 6 de Fevereiro de 2003, proferido no processo n.º 4646/02, da 5.ª Secção, com um voto de vencido, em que estava em causa transporte de 1.949,50 gramas de heroína da Holanda para Portugal, tendo sido aplicada ao arguido de 18 anos a pena de 3 anos de prisão, suspensa na execução por 3 anos, já decretada na primeira instância, e na sequência de atenuação especial por força do regime especial de jovens adultos”); de 12-11-2014, processo n.º 56/11.0SVLSB.E1.S1 (tráfico de estupefacientes); de 28-10-2015, processo n.º 10/13.8GAAMT.P1.S1 (tráfico de estupefacientes, versando imputações genéricas); de 9-03-2016, processo n.º 50/12.4SMLSB.L1.S1 (tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida); de 14-09-2016, processo n.º 71/13.0JACBR.C1.S1 (tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional); de 26-10-2016, processo n.º 58/13.2PEVIS.C1.S1 (tráfico de estupefacientes e detenção de arma proibida); de 4-01-2017, processo n.º 967/15.4JAPRT.P1.S1 (tráfico de estupefacientes); de 18-01-2017, processo n.º 5/14.4GHSTC.E1.S1 (tráfico de estupefacientes, branqueamento e resistência e coacção sobre funcionário); de 15-02-2017, processo n.º 976/15.3PAPTM.E1.S1 (tráfico de estupefacientes); de 23-05-2018, no processo n.º 75/17.3JELSB.L1.S1 (correio de droga); de 12-07-2018, processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1 (tráfico de estupefacientes em estabelecimento prisional com pena suspensa); de 10-10-2018, processo n.º 44/16.0GANLS.S1 (tráfico de estupefacientes, com reincidência); de 11-09-2019, processo n.º 6045/16.1T9LSB.S1 (correio de droga); de 14-11-2019, processo n.º 104/16.8JAPTM.S1 (tráfico de estupefacientes, pena suspensa) e de 18-12-2019, processo n.º 51/18.9SFPRT.S1 (tráfico de estupefacientes, pena suspensa).

      

     Já no preâmbulo da Convenção Única de 1961 Sobre os Estupefacientes se referia a preocupação com a saúde física e moral da humanidade, reconhecendo a toxicomania como um grave mal para o indivíduo, constituindo um perigo social e económico para a humanidade.

     No preâmbulo do Decreto-Lei n.º 420/70, de 3 de Setembro, referia-se terem-se presentes os perigos que o consumo de estupefacientes comportava para a saúde física e moral dos indivíduos e a sua não rara interpenetração com fenómenos de delinquência.

     E no preâmbulo do Decreto-Lei n.º 430/83, de 13 de Dezembro, que efectuou a adaptação do direito interno ao constante da Convenção Única de 1961 e da Convenção sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971, fazia-se referência a um relatório recente de um organismo especializado das Nações Unidas, onde se dizia: “A luta contra o abuso de drogas é antes de mais e sobretudo um combate contra a degradação e a destruição de seres humanos. A toxicomania priva ainda a sociedade do contributo que os consumidores de drogas poderiam trazer à comunidade de que fazem parte. O custo social e económico do abuso das drogas é, pois, exorbitante, em particular se se atentar nos crimes e violências que origina e na erosão de valores que provoca”.

     E no mesmo preâmbulo assinalava-se ainda, que “Na verdade, também pelo lado do consumo, isto é, da prática cada vez mais frequente de delitos por consumidores de droga, se vem notando outro elo de ligação com a criminalidade em geral”.

      Segundo João Luís de Moraes Rocha, inTráfico de estupefacientes e liberdade condicional”, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 10, Fasc. 1.º, Janeiro-Março 2000, Coimbra Editora, pág. 106, da exegese do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro e da Convenção das Nações Unidas de 1988 é possível concluir que a incriminação do tráfico de estupefacientes visa proteger diversos bens jurídicos: saúde pública da população, a estabilidade económica, financeira, cultural e política da sociedade e a segurança e soberania do Estado, não sendo defensável a recondução de todos eles a um só bem jurídico aglutinador.

      Para Paulo Pinto de Albuquerque e José Branco, no Comentário das Leis Penais Extravagantes, Volume 2, Universidade Católica Editora, Novembro de 2010, pág. 482, “O bem jurídico protegido é uma amálgama de bens jurídicos variados de índole pessoal, tais como a vida, a saúde individual dos consumidores e a saúde pública, a liberdade individual, a estabilidade familiar, a coesão inter-individual das organizações fundacionais da sociedade, e até a economia de Estado afetada pela realização de negócios ilegais, todos recondutíveis à saúde pública”.

      Para o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7-06-1983, publicado no BMJ n.º 328, pág. 317, o bem jurídico protegido é a saúde psicossomática da população.

      Extrai-se do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 28 de Maio de 1985, in BMJ, n.º 347, pág. 220 - No crime de tráfico o legislador estabeleceu a punição das condutas aí especificadas porquanto as considerou em si mesmas perigosas, já que, segundo as regras da experiência comum são aptas a produzir efeitos danosos num número indeterminado de bens jurídicos.

       Segundo o acórdão do STJ de 29-03-2000, proferido no processo n.º 1201/99, da 3.ª Secção, sumariado em SASTJ, n.º 39, Março de 2000, pág. 58, o tipo legal de tráfico de estupefacientes viola uma pluralidade de bens jurídicos da mais alta importância, entre os quais devem salientar-se a vida humana, a saúde física e psíquica e a própria estabilidade social.

       Segundo o acórdão do STJ de 17-05-2000, proferido no processo n.º 44/2000, publicado na CJSTJ 2000, tomo 2, pág. 193, o bem jurídico essencial que a previsão das normas sobre os crimes de tráfico de estupefacientes visa proteger é o da saúde pública, a que se acrescenta o da própria economia e da organização do Estado (em alguns países afectada por este tipo de criminalidade).

      De acordo com o acórdão deste Supremo Tribunal, de 1-03-2001, recurso n.º 4128, CJSTJ 2001, tomo 1, págs. 234/7, o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões incriminatórias do tráfico de estupefacientes é a saúde pública em conjugação com a liberdade do cidadão aqui se manifestando uma alusão implícita à dependência que a droga gera.

      O bem jurídico protegido pela tipificação do crime de tráfico de estupefacientes é a saúde pública, que se reconduz, segundo a jurisprudência, a bens jurídicos como a “vida, a saúde, coesão interindividual das organizações fundacionais da sociedade” – assim, o acórdão do STJ de 28-04-2004, processo n.º 0491116, in www.dgsi.pt.

      Para o acórdão de 4-10-2006, proferido no processo n.º 069812, in www.dgsi.pt, o bem jurídico tutelado é “a saúde individual dos consumidores e pública, liberdade individual e estabilidade familiar e até a economia do Estado, afetada por negócios com origem no mundo subterrâneo da droga”.

     Para o acórdão de 21-03-2007, processo n.º 34/07-3.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 1, pág. 220, “O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo comum protegendo uma multiplicidade de bens jurídicos reconduzidos à saúde pública. E é também um crime de perigo abstracto, porque não pressupõe nem o dano, nem o perigo dos bens jurídicos protegidos, bastando-se com a perigosidade da acção para esses bens jurídicos”.

       De acordo com o acórdão deste Supremo Tribunal de 15-09-2010, proferido no processo n.º 1977/09.6JAPRT.S1-3.ª Secção “Os bens jurídicos a acautelar com a incriminação pelo tráfico de estupefacientes são a protecção da saúde individual, da liberdade individual do consumidor, da economia do Estado, porque o tráfico propicia economias paralelas, subterrâneas, de complexa sindicância, fazendo do tráfico um negócio temível e comunitariamente repugnante, fundamentalmente pela devastação física e psíquica do consumidor, geralmente as camadas mais jovens do tecido social, instabilidade e, na maior parte dos casos, a desgraça total do seu agregado familiar, censurável em alto grau no plano ético-jurídico, até pelos custos sociais a que conduz, relacionados com o absentismo laboral e a contracção de doenças transmissíveis”.

       Extrai-se do acórdão deste Supremo Tribunal de 13 de Janeiro de 2011, proferido no processo n.º 369/09.1JELSB.L1.S1-3.ª Secção:

       “Os tráficos de estupefacientes são comunitariamente sentidos como actividades de largo espectro de afectação de valores sociais fundamentais, e de intensos riscos para bens jurídicos estruturantes, e cuja desconsideração perturba a própria coesão social, não só pelo enorme perigo e dano para a saúde dos consumidores de produtos estupefacientes, como por todo o cortejo de fracturas sociais que lhes anda associado, quer nas famílias, quer decorrente de infracções concomitantes, quer ainda pela corrosão das economias legais com os ganhos ilícitos resultantes das actividades de tráfico.

      A dimensão dos riscos e das consequências faz surgir, neste domínio, uma particular saliência das finalidades de prevenção geral – prevenção de integração para recomposição dos valores afectados e para a afirmação comunitária da validade das normas – que, punindo as actividades de tráfico, protegem tais valores.

     Extrai-se do acórdão de 02-10-2014, proferido no processo n.º 45/12.8SWLSB.S1 - 5.ª Secção – O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protetor de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública.

      Para o acórdão de 13-11-2014, proferido no processo n.º 249/11.0PECBR.C1.S1 - 5.ª Secção “Quanto ao bem jurídico, e considerando que o crime protege primariamente o bem jurídico da saúde pública (e em segundo plano protege diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores), tem sido este classificado como um crime de perigo abstrato, considerando-se que daquelas atividades descritas no tipo há já um perigo de lesão daquele bem jurídico”.

      Para o acórdão de 30-10-2019, processo n.º 419/18.0JELSB.L1.S1-3.ª Secção “O tráfico de estupefacientes põe em causa pilares essenciais da sociedade entre eles a ordem pública e a segurança dos cidadãos. Concita uma necessidade ingente de combate permanente pela danosidade social que comporta”.         

        Concretizando.

      Quanto ao período temporal da conduta delitiva temos um acto isolado, conduta única.

     No caso presente há que atender à natureza e qualidade do produto estupefaciente em causa, reveladora de ilicitude dentro daquela que caracteriza o tipo legal, por se tratar de heroína – substância incluída na Tabela I – A, anexa ao Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro – tratando-se de droga considerada como dura.

      Sendo certo que o Decreto-Lei n.º 15/93 não adere totalmente à distinção entre drogas duras e drogas leves, não deixa de no preâmbulo referir uma certa gradação de perigosidade das substâncias, dando um passo nesse sentido com o reordenamento em novas tabelas e daí extraindo efeitos no tocante às sanções, e de afirmar que “A gradação das penas aplicáveis ao tráfico, tendo em conta a real perigosidade das respectivas drogas afigura-se ser a posição mais compatível com a ideia de proporcionalidade”, havendo, pois, que atender à inserção de cada droga nas tabelas anexas, o que constitui indicativo da respectiva gradação, pois a organização e colocação nas tabelas segue, como princípio, o critério da sua periculosidade intrínseca e social.

      Por outro lado, de acordo com Relatório de 11 de Maio de 1992, aprovado pela Comissão de Inquérito, criada por decisão do Parlamento Europeu de 24 de Janeiro de 1991, sobre a proliferação, nos países da Comunidade Europeia, do crime organizado ligado ao tráfico de droga, in Sub Judice, n.º 3, 1992, pág. 95, a heroína é classificada como droga ultra dura e a cocaína como droga dura. (Neste sentido, acórdãos de 27-05-2015, proferido no processo n.º 445/12.3PBEVR.E1.S1 e de 28-10-2015, proferido no processo n.º 411/14.4PFVNG.P1.S1-3.ª Secção, in CJSTJ 2015, tomo 3, pág. 217).

      Sobre a distinção entre drogas leves e duras refere a citada Estratégia Nacional de 1999, a págs. 88: «É hoje evidente que as drogas não são todas iguais nos seus efeitos para a saúde e nas consequências sociais do seu consumo (…), devendo ter-se em atenção o grau de perigosidade inerente ao consumo das diferentes drogas, sem prejuízo do reconhecimento e divulgação dos efeitos nefastos de todas as drogas».

      No já aludido Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020, pág. 106, pode ler-se: “As tabelas de substâncias abrangidas pelas Convenções das Nações Unidas contra o Tráfico Ilícito de Estupefacientes e Substâncias Psicotrópicas de 1988, sobre as Substâncias Psicotrópicas de 1971 e Única de 1961 foram adaptadas no sentido de incluir uma certa gradação da sua perigosidade, daí extraindo efeitos no tocante às sanções penais, de acordo com o princípio da proporcionalidade, sem referências à distinção entre drogas duras e leves”.

      Será de atender ainda à quantidade de heroína transportada pela recorrente e modo de execução, o que releva para aferição de uma visão global do facto, pela perigosidade que envolve, no caso de considerar como reduzida/baixa.

      O dolo da recorrente foi directo, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei, mas, não obstante, quis a realização do facto típico.

      A arguida como antecedentes criminais tem uma condenação no processo n.º 1043/15.5Y2EVR, por crime de furto praticado em 05-11-2015, punido com multa de 100 dias à razão diária de € 5, tendo a decisão transitada em julgado no dia 01-09-2017, como consta do FP 8.

      As razões e necessidades de prevenção geral positiva ou de integração - que satisfaz a necessidade comunitária de afirmação ou mesmo reforço da norma jurídica violada, dando corpo à vertente da protecção de bens jurídicos, finalidade primeira da punição - são elevadas, fazendo-se especialmente sentir no tráfico, tendo em conta o bem jurídico violado no crime em questão – a saúde pública – e impostas pela frequência do fenómeno e do conhecido alarme social e insegurança que estes crimes em geral causam e das conhecidas consequências para a comunidade a nível de saúde pública e efeitos colaterais, justificando resposta punitiva firme.

      Na verdade, há que ter em atenção as grandes necessidades de prevenção geral numa sociedade assolada pelo fenómeno do tráfico de droga, que a juzante gera outro tipo de criminalidade.

      Como se pode ler no já referido Plano Nacional para a Redução dos Comportamentos Aditivos e das Dependências 2013-2020, pág. 45, “As infrações à legislação nacional em matéria de drogas ilícitas, constituem apenas uma parte da “criminalidade associada à droga”, denominada, segundo uma proposta de tipologia apresentada pela Comissão Europeia ao Conselho da UE (OEDT, 2007), de crimes sistémicos (no contexto do funcionamento dos mercados de substâncias ilícitas), existindo também outros tipos de crimes como os psicofarmacológicos (cometidos sob a influência de substâncias psicoativas), os económicos compulsivos (cometidos para obter dinheiro ou drogas para o consumo), ainda pouco documentados a nível nacional e europeu”.

      Postulando o crime de tráfico de estupefacientes elevadas necessidades de prevenção geral, a matéria da prevenção está presente, constituindo objectivo geral, de acordo com o Plano “reduzir a disponibilidade de drogas ilícitas e das novas substâncias psicoactivas (NSP) no mercado, através da prevenção, dissuasão e desmantelamento das redes de tráfico de drogas ilícitas, em especial do crime organizado, intensificando a cooperação judiciária, policial e aduaneira, a nível internacional, bem como a gestão de fronteiras”.

      Neste segmento, em sede de prevenção, procura-se alcançar a neutralização dos efeitos negativos da prática do crime.

    Como expende Figueiredo Dias em O sistema sancionatório do Direito Penal Português inserto em Estudos em Homenagem ao Prof. Doutor Eduardo Correia, I, pág. 815, “A prevenção geral assume o primeiro lugar como finalidade da pena. Prevenção geral, porém, não como prevenção negativa, de intimidação do delinquente e de outros potenciais criminosos, mas como prevenção positiva, de integração e de reforço da consciência jurídica comunitária e do seu sentimento de segurança face à violação da norma ocorrida; numa palavra, como estabilização das expectativas comunitárias na validade e na vigência da norma infringida”.   

       Como se expressou o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Julho de 1996, n.º 48.774, publicado na CJSTJ 1996, tomo 2, págs. 222/6, “Com a determinação de que sejam tomadas em consideração as exigências da prevenção geral, procura dar-se satisfação à necessidade comunitária de punição do caso concreto, tendo-se em conta, de igual modo, a premência da tutela dos respectivos bens jurídicos”. (Realce do texto).

      Como assinalava há mais de dez anos, o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 25 de Fevereiro de 2009 “As necessidades de prevenção geral são prementes, visto que a situação que se vive em Portugal em termos de tráfico e de toxicodependência é grave, traduzida num significativo aumento da criminalidade e na degradação social de parte importante do sector mais jovem da comunidade”.

      As necessidades de prevenção especial avaliam-se em função da necessidade de prevenção de reincidência.

      Como refere Américo Taipa de Carvalho, a propósito de prevenção da reincidência, in Liber Discipulorum para Jorge Figueiredo Dias, Coimbra Editora, 2003, pág. 325, trata-se de dissuasão necessária para reforçar no delinquente o sentimento da necessidade de se auto-ressocializar, ou seja, de não reincidir.

      A arguida com 34 anos de idade à data dos factos conta actualmente 36 anos.

           

        Concluindo.

      

       Por todo o exposto, tendo em conta a moldura penal cabível de um a cinco anos de prisão, ponderando todos os elementos supra mencionados, entende-se fixar a pena em dois anos de prisão, que se considera como equilibrada e adequada, a qual respeita os critérios legais enunciados, está conforme com a necessidade de tutela do bem jurídico violado, mostra-se ajustada à culpa da recorrente pelo facto praticado e responde às necessidades de prevenção especial, não afrontando os princípios da necessidade, proibição do excesso ou proporcionalidade das penas – artigo 18.º, n.º 2, da Constituição da República Portuguesa – nem as regras da experiência, antes se mostrando adequada e proporcional à defesa do ordenamento jurídico, e não ultrapassa a medida da culpa da recorrente.

       Questão III – Suspensão da execução da pena

   A recorrente nas conclusões XX a XXV e XXXII, pugna pela suspensão da execução da pena, o que pressupunha a pretendida convolação e aplicação de medida da pena em patamar compatível com a pretendida substituição.  

      No presente recurso apenas num cenário de uma redução na medida da pena aplicada, poderá equacionar-se tal eventualidade, pois face à pena aplicada no acórdão recorrido não era possível ventilar a hipótese, por encontrar-se ultrapassado o limite de cinco anos de prisão.

         Com a pena ora fixada a questão é diferente, impondo-se um outro tipo de abordagem, já que se mostra preenchido o pressuposto formal, pois que a pena queda-se por patamar que corresponde se situa abaixo do limite estabelecido para a ponderação da suspensão da execução no artigo 50.º do Código Penal.

       Atenta a dimensão da pena ora fixada, que se situa abaixo do limite até ao qual é possível fazer funcionar a substituição, há que indagar da possibilidade de suspender a respectiva execução, impondo-se pronúncia sobre a concessão ou denegação de aplicação no caso presente da pena de substituição, havendo que averiguar se a pena cominada deve ou não ser objecto de suspensão na sua execução, o que demanda a necessidade de avaliar a situação concreta em ordem a ver se é possível a formulação de um juízo de prognose favorável relativamente à conduta futura da recorrente.

       Pressupostos da suspensão

      

       A partir de 15 de Setembro de 2007, data em que entrou em vigor a alteração introduzida pela Lei n.º 59/2007, de 4 de Setembro (Diário da República, I Série, n.º 170, de 4 de Setembro de 2007, rectificada pela Declaração de Rectificação n.º 102/2007, Diário da República, I Série, n.º 210, de 31 de Outubro de 2007), que operou a 23.ª alteração ao Código Penal, alargou-se o campo de aplicação da pena de substituição a penas de prisão até cinco anos, em vez do limite anterior de três anos.

       Decorre do estabelecido pelo artigo 50.º, n.º 1, do Código Penal, que a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a 5 anos é suspensa se o tribunal, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

       Estabelecia o n.º 5 que o período de suspensão tem duração igual à da pena de prisão determinada na sentença, mas nunca inferior a um ano, a contar do trânsito em julgado da decisão.

      Com a redacção dada pela Lei n.º 94/2017, de 23 de Agosto, passou a estabelecer:

       “5. O período de suspensão é fixado entre um e cinco anos”.

    

      Circunscrevendo-se as finalidades das penas, a partir de 1 de Outubro de 1995, de acordo com o artigo 40.º do Código Penal, à protecção dos bens jurídicos e à reintegração do agente na sociedade, é em função de considerações de natureza exclusivamente preventivas – prevenção geral e especial – que o julgador tem de se orientar na opção ora em causa.

      Como refere Figueiredo Dias, in Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Editorial Notícias, Aequitas, 1993, § 518, págs. 342/3, pressuposto material de aplicação do instituto é que o tribunal, atendendo à personalidade do agente e às circunstâncias do facto, conclua por um prognóstico favorável relativamente ao comportamento do delinquente: que a simples censura do facto e a ameaça da pena – acompanhadas ou não da imposição de deveres e (ou) regras de conduta – «bastarão para afastar o delinquente da criminalidade».

      E acrescentava: para a formulação de um tal juízo – ao qual não pode bastar nunca a consideração ou só da personalidade, ou só das circunstâncias do facto –, o tribunal atenderá especialmente às condições de vida do agente e à sua conduta anterior e posterior ao facto.

       Por outro lado, há que ter em conta que a lei torna claro que, na formulação do prognóstico, o tribunal reporta-se ao momento da decisão, não ao momento da prática do facto.

       Como refere a págs. 344: “A finalidade político-criminal que a lei visa com o instituto da suspensão é clara e terminante: o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes e não qualquer “correcção”, “melhora” ou - ainda menos - “metanoia” das concepções daquele sobre a vida e o mundo. É, em suma, como se exprime Zipf, uma questão de “legalidade” e não de “moralidade” que aqui está em causa. Ou, como porventura será preferível dizer, decisivo é aqui o “conteúdo mínimo” da ideia de socialização, traduzida na “prevenção da reincidência”.

       Adverte ainda o citado Professor – § 520, pág. 344 – que “Apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz, consequentemente, de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização –, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem «as necessidades de reprovação e prevenção do crime».

      Reafirma que “estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas exigências se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto em causa”.

      Como refere Hans Heinrich Jescheck, Tratado, Parte Geral, versão espanhola, volume II, págs. 1152 e 1153, «na base da decisão de suspensão da execução da pena deverá estar uma prognose social favorável ao agente, baseada num risco prudencial. A suspensão da pena funciona como um instituto em que se une o juízo de desvalor ético - social contido na sentença penal com o apelo, fortalecido pela ameaça de executar no futuro a pena, à vontade do condenado em se reintegrar na sociedade».

       Trata-se de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, tendo na sua base uma prognose social favorável ao arguido, a esperança fundada e não uma certeza – assumida sem ausência de risco – de que a socialização em liberdade se consiga realizar, que o condenado sentirá a sua condenação como uma advertência séria e solene e que em função desta, não sucumbirá, não cometerá outro crime no futuro, que saberá compreender, e aceitará, a oportunidade de ressocialização que lhe é oferecida, pautando a conduta posterior no sentido da fidelização ao direito.

      A suspensão da execução da pena insere-se num conjunto de medidas não institucionais que, não determinando a perda da liberdade física, importam sempre uma intromissão mais ou menos profunda na condução da vida dos delinquentes, pelo que, embora funcionem como medidas de substituição, não podem ser vistas como formas de clemência legislativa, pois constituem autênticas medidas de tratamento bem definido, com uma variedade de regimes aptos a dar adequada resposta a problemas específicos – assim, acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 3 de Abril de 2003, processo n.º 865/03-5.ª Secção, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 157, e de 25 de Outubro de 2007, processo n.º 3247/07-5.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 3, págs. 233 a 236.

       Conforme se pode ler no acórdão do STJ de 25 de Junho de 2003, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 221, o instituto em causa “Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

      A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

      A suspensão de execução da pena, enquanto medida com espaço autónomo no sistema de penas da lei penal, traduz-se numa forte imposição dirigida ao agente do facto para pautar a sua vida de modo a responder positivamente às exigências de respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão, e por isso também socialmente valiosa”. 

      Como se extrai do acórdão de 31de Janeiro de 2008, proferido no processo n.º 2798/07 da 5.ª Secção “São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto, permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação de deveres que se impõem ao condenado, destinados a reparar o mal do crime e (ou) de regras de conduta, estabelecidas com o fim de melhor reinserir aquele socialmente em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração) se pretende obter”; do mesmo modo no acórdão de 17 de Janeiro de 2008, processo n.º 3762/07 – 5.ª Secção.

      A aplicação de uma pena de substituição não é uma faculdade discricionária do tribunal mas, pelo contrário, constitui um verdadeiro poder/dever, sendo concedida ou denegada no exercício de um poder vinculado.

      Como afirma Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As consequências jurídicas do crime, Editorial Notícias, Aequitas, 1993, § 515, pág. 341, então face ao artigo 48.º, n.º 1, do Código Penal de 1982, não se trata de mera «faculdade» em sentido técnico-jurídico, antes de um poder estritamente vinculado e portanto, nesta acepção, de um poder-dever.

   Maia Gonçalves, no Código Penal Português Anotado, 8.ª edição, 1995, pág. 314, afirmava: “Trata-se de um poder-dever, ou seja de um poder vinculado do julgador, que terá que decretar a suspensão da execução da pena, na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades da punição, sempre que se verifiquem os apontados pressupostos”.     

      O Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a entender, de forma pacífica, tratar-se a suspensão da execução de um poder-dever, de um poder vinculado do julgador, tendo o tribunal sempre de fundamentar, especificadamente, quer a concessão quer a denegação da suspensão.

      Como se extrai do acórdão de 11 de Maio de 1995, proferido no processo n.º 46.233, CJSTJ 1995, tomo 2, pág. 196, a suspensão da execução da pena não constitui uma mera faculdade de que o julgador possa livremente dispor, mas antes um verdadeiro poder-dever funcional, o que supõe que o tribunal só a pode declarar, caso se verifiquem os pressupostos formais e materiais previstos no artigo 48.º do Código Penal. 

       O acórdão de 4 de Junho de 1996, proferido no âmbito de crime de tráfico de estupefacientes, no processo n.º 47.969, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 186, já face ao artigo 50.º do Código Penal de 1995, afirma estar-se perante um poder-dever, um poder vinculado do julgador, que terá, obrigatoriamente, de suspender a execução da pena de prisão, sempre que se verifiquem os pressupostos do artigo 50.º do Código Penal, realçando-se que a suspensão da execução da pena de prisão é uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, como unanimemente salientado.

      O acórdão de 27 de Junho de 1996, proferido no processo n.º 581/96, in CJSTJ 1996, tomo 2, pág. 204, do mesmo Colectivo do anterior, igualmente em caso de condenação pelo crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, reafirmando tratar-se de um poder-dever e de uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, pondera que “A finalidade político-criminal que a lei visa com este instituto é o afastamento do delinquente, no futuro, da prática de novos crimes, estando aqui em causa uma questão de «legalidade» e não de «moralidade», citando, a propósito, Figueiredo Dias «Direito Penal Português - Das consequências jurídicas do crime, 1993, pág. 343.

       Conforme se pode ler no acórdão do STJ de 25-06-2003, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 221, o instituto em causa “Constitui uma medida de conteúdo reeducativo e pedagógico, de forte exigência no plano individual, particularmente adequada para, em certas circunstâncias e satisfazendo as exigências de prevenção geral, responder eficazmente a imposições de prevenção especial de socialização, ao permitir responder simultaneamente à satisfação das expectativas da comunidade na validade jurídica das normas violadas, e à socialização e integração do agente no respeito pelos valores do direito, através da advertência da condenação e da injunção que esta impõe para que o agente conduza a vida de acordo com os valores inscritos nas normas.

      A suspensão da execução, acompanhada das medidas e das condições admitidas na lei que forem consideradas adequadas a cada situação, permite, além disso, manter as condições de sociabilidade próprias à condução da vida no respeito pelos valores do direito como factores de inclusão, evitando os riscos de fractura familiar, social, laboral e comportamental como factores de exclusão.

      Não são, por outro lado, considerações de culpa que devem ser tomadas em conta, mas juízos prognósticos sobre o desempenho da personalidade do agente perante as condições da sua vida, o seu comportamento e as circunstâncias do facto, que permitam supor que as expectativas de confiança na prevenção da reincidência são fundadas.  

      A suspensão de execução da pena, enquanto medida com espaço autónomo no sistema de penas da lei penal, traduz-se numa forte imposição dirigida ao agente do facto para pautar a sua vida de modo a responder positivamente às exigências de respeito pelos valores comunitários, procurando uma desejável realização pessoal de inclusão, e por isso também socialmente valiosa”. 

      Como se extrai do acórdão de 31-01-2008, processo n.º 2798/07-5.ª Secção “São sobretudo razões de prevenção especial (e não considerações de culpa) as que estão na base do instituto, permitindo substituir uma pena institucional ou detentiva, por outra não detentiva, isoladamente aplicada ou associada à subordinação de deveres que se impõem ao condenado, destinados a reparar o mal do crime e (ou) de regras de conduta, estabelecidas com o fim de melhor reinserir aquele socialmente em ordem ao acatamento dos valores comunitários, cujo respeito, pelo afastamento do condenado da criminalidade (e não pela sua regeneração) se pretende obter”; do mesmo modo no acórdão de 17-01-2008, processo n.º 3762/07 – 5.ª Secção.

      No mesmo sentido, os acórdãos de 10-10-1996, proferido no processo n.º 583/96-3.ª Secção, in SASTJ, n.º 4, págs. 76/7; de 13-02-1997, processo n.º 40/96, SASTJ, n.º 8, pág. 91; de 14-02-2000, processo n.º 2769/00-5.ª Secção, SASTJ, n.º 46, pág. 54; de 17-02-2000, processo n.º 1162/99-5.ª Secção, SASTJ, n.º 38, pág. 82; de 11-01-2001, processo n.º 3095/00-5.ª Secção; de 24-05-2001, CJSTJ 2001, tomo 2, pág. 201; de 08-11-2001, processo n.º 3130/01; de 14-11-2001, processo n.º 3097/01; de 29-11-2001, processo n.º 1919/01; de 20-02-2003, CJSTJ 2003, tomo 1, pág. 206; de 25-06-2003, processo n.º 2131/03-3.ª Secção, CJSTJ 2003, tomo 2, pág. 221 (a suspensão da execução da pena não depende de um qualquer modelo de discricionariedade, mas antes, do exercício de um poder-dever vinculado, devendo ser decretada, na modalidade que for considerada mais conveniente, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos legais; no mesmo sentido e do mesmo Relator, os acórdãos de 16-02-2005, processo n.º 3491/04 e de 13-04-2005, processo n.º 459/05-3.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 2, pág. 176); de 25-07-2003, processo n.º 2131/03 (a suspensão da execução da pena, prevista no art. 50.º do Código Penal, depende não de considerações de culpa, mas apenas de juízos de prognóstico sobre o desempenho da personalidade do agente perante as suas condições de vida e perante o seu comportamento, e deve ser decretada, como poder-dever do juiz, sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos); de 02-10-2003, processo n.º 2615/03; de 02-12-2004, processo n.º 4219/04; de 19-01-2005, processo n.º 4000/04; de 25-05-2005, processo n.º 1939/05; de 09-06-2005, processo n.º 1678/05; de 09-11-2005, processo n.º 2234/05-3.ª CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 209 (nulidade por omissão de pronúncia); sde 25-01-2006, processo n.º 3798/05-3.ª Secção, rejeitando a suspensão, in CJSTJ 2006, tomo 1, págs. 173/6; de 08-03-2006, recurso n.º 269/06-3.ª Secção, em caso de homicídio tentado, CJSTJ 2006, tomo 1, págs. 200/4; de 10-05-2006, processo n.º 1184/06-3.ª Secção; de 21-09-2006, processo n.º 3132/06; de 14-03-2007, processo n.º 617/07-3.ª Secção; de 18-04-07, processo n.º 1120/07-3.ª Secção; de 19-04-2007, processo n.º 1424/07-5.ª Secção; de 19-09-2007, processo n.º 2806/07-3.ª Secção; de 10-10-2007, processo n.º 3407/07-3.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 210; de 25-10-2007, processo n.º 3213/07-5.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 3, págs. 239 a 242 (o artigo 50.º consagra um poder-dever, ou seja, um poder vinculado do julgador, que terá de decretar a suspensão da execução da pena na modalidade que se afigurar mais conveniente para a realização das finalidades previstas no preceito, sempre que se verifiquem os necessários - respectivos - pressupostos); de 14-11-2007, processo n.º 3305/07-3.ª; de 20-02-2008, processo n.º 118/08-3.ª Secção; de 04-12-2008, processo n.º 3279/08-3.ª Secção (roubo); de 18-12-2008, processo n.º 3060/08-3.ª Secção (roubo); de 14-05-2009, por nós relatados nos processos n.º 96/09 e n.º 19/08.3PSPRT.S1-3.ª (ambos de tráfico de estupefacientes); de 24-02-2010, por nós relatado no processo n.º 59/06.7GAPFR.P1.S1-3.ª (tráfico de estupefacientes); de 26-09-2012, por nós relatado no processo n.º 139/02.8TASPS.S1 (tráfico de estupefacientes); de 21-01-2015, por nós relatado no processo n.º 12/09.9GDODM.S1-3.ª Secção (peculato); de 30-06-2016, processo n.º 360/13.3PBBJA.S1 – 5.ª Secção (tráfico de estupefacientes); de 9-05-2018, por nós relatado no processo n.º 671/15.3PDCSC.L1.S1 (roubo); de 12-07-2018, por nós relatado no processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1 (tráfico de estupefacientes, com pena suspensa) e de 18-09-2018, processo n.º 8/15.1GGVNG.P1.S1-3.ª Secção.

      Sobre o instituto, veja-se a fundamentação do acórdão de uniformização de jurisprudência - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça n.º 8/2012 -, proferido no âmbito do processo n.º 139/09.7IDPRT.P1-A.S1-3.ª Secção, de 12 de Setembro de 2012, publicado no Diário da República, 1.ª Série, n.º 206, de 24 de Outubro.  

      O Tribunal Constitucional no acórdão n.º 61/2006, de 18 de Janeiro de 2006, in Diário da República, II Série, de 28 de Fevereiro de 2006, julgou inconstitucionais, por violação do artigo 205.º, n.º 1, da CRP, as normas dos artigos 50.º, n.º 1, do Código Penal e 374.º, n.º 2 e 375.º, n.º 1, do Código de Processo Penal, interpretados no sentido de não imporem a fundamentação da decisão de não suspensão da execução de pena de prisão aplicada em medida não superior a 3 anos.

      A caracterização da suspensão da execução da pena de prisão como um poder vinculado conduz à necessidade de fundamentação da decisão que a aplica, ou a desconsidera, incorrendo em nulidade a decisão que não contemple tal injunção.

      A inobservância da consideração/ponderação desta necessidade de fundamentação consubstancia omissão de pronúncia que conduz a nulidade, de conhecimento oficioso, nos termos do artigo 379.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP.

      Assim se pronunciaram os acórdãos deste Supremo Tribunal, de 14-12-2000, processo n.º 3036/00-5.ª Secção; de 09-01-2005, processo n.º 123/05-5.ª Secção; de 09-11-2005, processo n.º 2234/05-3.ª Secção, CJSTJ 2005, tomo 3, pág. 209, onde se refere: “no caso de aplicação de pena de prisão não superior a 3 anos, deve o tribunal fundamentar a sua opção pela aplicação de pena detentiva, sob pena de tal omissão constituir uma nulidade, que é de conhecimento oficioso - artigo 379.º, n.º 1, alínea c) e n.º 2 do CPP”.

       No mesmo sentido, i. a., os acórdãos de 12-10-2006, processo n.º 3523/06-5.ª Secção; de 10-10-2007, processo n.º 3407/07-3.ª Secção, CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 210 (seguindo o acórdão de 29-05-2007, processo n.º 1598/07 refere: a omissão de pronúncia sobre a questão da não suspensão da execução da pena de prisão imposta em medida igual ou inferior a 5 anos constitui nulidade insanável e de conhecimento oficioso); de 14-11-2007, processo 3305/07-3.ª Secção; de 19-09-2007, processo n.º 2806/07-3.ª Secção, em caso de omissão de pronúncia sobre aplicação de regime de prova; de 20-02-2008, processo n.º 118/08-3.ª Secção.

       Revertendo ao caso concreto.

      Como se refere no acórdão de 19-12-2007, processo n.º 4088/07-3.ª Secção, in CJSTJ 2007, tomo 3, pág. 261, a medida constitui uma chamada à razão do condenado, reforçada pelo facto de poder vir a executar no futuro a prisão, para que não volte a incorrer em nova situação criminal, sendo também uma pena de correcção, de ajuda social e sócio-pedagógica.

      E como refere H. H. Jescheck, Tratado, versão espanhola, volume II, págs. 1152 e 1153, a suspensão da execução da pena tem uma coloração sócio-pedagógica activa, pelo «estímulo ao condenado para que seja ele mesmo quem com as suas próprias forças possa durante o regime de prova reintegrar-se na sociedade».

      Foram efectuadas aplicações concretas de suspensão da execução da pena de prisão em caso de tráfico de estupefacientes, nos acórdãos deste Supremo Tribunal de 20-03-2002, processo n.º 121/02, da 3.ª Secção, publicado na CJSTJ 2002, tomo 1, pág. 239, de 8-02-2006, processo n.º 3790/05-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 1, pág. 181, no acórdão de 12-07-2006, proferido no processo n.º 1709/06-3.ª Secção, in CJSTJ 2006, tomo 3, pág. 239, e nos acórdãos por nós relatados de 26-11-2008, processo n.º 2294/08, de 14 de Maio de 2009, processos n.ºs 96/09 e 19/08.3PSPRT.S1, de 24-02-2010, processo n.º 59/06.7GAPFR.P1.S1, neste caso para um dos arguidos, de 26-09-2012, processo n.º 139/02.8TASPS.S1, de 12-07-2018, processo n.º 116/15.9JACBR.C1.S1, alterando oficiosamente a qualificação do tipo agravado do artigo 24.º, alínea h), para o artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93, fixando a pena em 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na execução e sujeita a regime de prova, de 14-11-2019, processo n.º 104/16.8JAPTM.S1, com redução de pena, no caso do arguido de 5 anos e 6 meses para 4 anos e 6 meses e no caso da arguida de 6 anos e 6 meses para 5 anos, ambas suspensas na execução, no 1.º caso, pelo período de 4 anos e no 2.º caso, pelo período de 4 anos e 6 meses, sujeitas a regime de prova e de 18-12-2019, processo n.º 51/18.9SFPRT.S1, sendo que no caso, o acórdão de 1.ª instância afastou agravação da alínea c) do artigo 24.º e pela prática de um crime, p. e p. pelo artigo 21.º foi o arguido condenado na pena de 5 anos e 6 meses e por crime de detenção de arma na pena de 3 meses, e na pena única de 5 anos e 7 meses. No recurso foi negada a pretendida convolação para o crime de tráfico de menor gravidade, mas reduzida a pena pelo tráfico para 4 anos e 10 meses e pena única de 5 anos, suspensa na execução por 5 anos sujeita a regime de prova.

  E ainda nos acórdãos de 30-06-2016, processo n.º 360/13.3PBBJA.S1 – 5.ª Secção (concedida a suspensão em caso de tráfico de estupefacientes); de 16-05-2018, processo n.º 64/15.2GGBJA.E1.S1-5.ª Secção (Afastado o enquadramento no artigo 25.º, alínea a), do DL n.º 15/93, subsumem-se as condutas ao artigo 21.º. Relativamente ao arguido R, foi aplicada a pena de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa pelo período de 4 anos, sem necessidade de regime de prova); de 4-07-2018, proferido no processo n.º 38/16.6PBPTM.E1.S1, desta 3.ª Secção; de 18-09-2018, processo n.º 8/15.1GGVNG.P1.S1-3.ª Secção (concurso real de tráfico do artigo 21.º do DL n.º 15/93, tráfico de menor gravidade e detenção de arma proibida, com as penas parcelares de 4 anos e 6 meses de prisão, 3 anos de prisão e 4 meses de prisão, pena única de 5 anos de prisão, suspensa e sujeita regime de prova).

       Mais recentemente, pronunciaram-se nesse sentido:

       Acórdão de 25-10-2018, processo n.º 83/14.6T9STS.P1.S1 - 5.ª Secção – A criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes tem um efeito devastador sobre a saúde e mesmo sobre a vida dos consumidores, relevando ainda como potencialmente desestruturante da tranquilidade social e comunitária. As exigências de prevenção geral são pois de acentuada intensidade.

      As imposições de prevenção especial, por seu lado, devem ser levadas na direcção da prevenção da reincidência, de modo a obter, na melhor medida possível, um reencontro do agente com os valores comunitários afectados, e a orientação da sua vida no futuro de acordo com tais valores.

     Elementos de referência na determinação da pena são o grau de ilicitude do facto, o modo de execução e a gravidade das consequências.

      Face a conduta do arguido L, de produção e tráfico de anfetaminas e cannabis, num período de cerca de 1 ano, sendo certo que confessou os factos, mostrou arrependimento, encontra-se abstinente do consumo de estupefacientes, não possui antecedentes criminais pela prática do crime de tráfico de estupefacientes e tem sólidos factores de inserção social e familiar, afigura-se ser de aplicar a pena de 5 anos de prisão, em lugar dos 6 anos de prisão aplicados pelo tribunal da relação.        Face ao disposto no art. 50.º, do CP, importa determinar se existe a esperança fundada de que a socialização em liberdade pode ser alcançada, a partir de razões fundadas e sérias que levem a acreditar na capacidade de delinquente para a auto-preservação do cometimento de novos crimes, devendo negar-se a suspensão sempre que, fundadamente, seja de duvidar dessa capacidade.

      Atento o trajecto vital do arguido e os referidos factores integrativos, reforçados pelo regime de prova prevenido no art. 53.º, do CP, não se vêem particulares razões, designadamente de prevenção especial, que deslegitimem o recurso à pena de suspensão da execução da pena de prisão, por período de tempo coincidente com a pena de prisão concretizada (5 anos).

     O art. 25.º, do DL 15/93, cuja normação vem avocada pelo recorrente A, refere-se ao tráfico de menor gravidade, fundamentado na diminuição considerável da ilicitude do facto revelada pela valoração conjunta dos diversos factores, alguns dos quais o preceito enumera, a título exemplificativo (meios utilizados, modalidade e circunstâncias da acção, qualidade e quantidade das plantas, substâncias ou preparados) – e assim, tal como não se basta para se configurar este tipo privilegiado de crime a constatação de que a detenção era de uma dose diminuta, será suficiente para que se não verifique, que tenha ocorrido uma única circunstância especialmente censurável.

      Fazendo a avaliação dos factos provados relativos ao arguido A, para além da relevante quantidade de cannabis apreendida (cerca de 12kg), e dos meios com que o arguido se habilitou para a difusão de tal produto, importa também relevar a natureza de tal substância que, reconhecidamente, causa efeitos altamente perniciosos para a saúde pública, não se vendo razoes que fundamentem a diminuição acentuada da ilicitude suposta na tipificação do tráfico de menor gravidade.

      Relativamente ao arguido A não se vê razão para discrepar de quanto se referiu, em matéria de escolha e medida da pena, quanto ao arguido L. Pelo que, também quanto ao arguido A, se considera como adequada aplicação da pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, com regime de prova, em lugar da pena de 5 anos e 6 meses de prisão efectiva aplicada pelo tribunal da relação.

      Acórdão de 12-09-2019, processo n.º 30/16.0PEGMR.G1.S1 - 5.ª Secção – Na concretização da medida da pena de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, 22-01, deve atender-se a qualidade do estupefaciente, grau de pureza, quantidade de produto e montante de dinheiro apreendidos provenientes da venda de droga, integração familiar e social e existência de antecedentes criminais.

      Apesar da heroína se tratar de uma droga dura, ter efeitos muito nefastos na saúde pública e da venda pelo arguido se ter alongado durante um ano, sopesando que a) o grau de pureza – 9,2% - é menos agressivo do que a generalidade traficada em Portugal – entre 14,3% e e 19,5% -; b) o princípio da proporcionalidade (Portugal é atualmente um importante entreposto de trânsito de estupefacientes, existe uma maior oferta de opiáceos, nomeadamente pela oferta na darknet, devendo lograr-se uma diferenciação de penas que se ajuste à amplitude do tipo e gravidade de comportamentos subsumíveis no tráfico); c) a conduta do arguido é subsumível no denominado “tráfico de rua”; d) os compradores correspondiam a um universo circunscrito às redondezas do bar onde trabalhava o arguido; e) abasteceram-se um número pouco elevado de consumidores; f) não houve recurso a meios e procedimentos sofisticados; g) o arguido está integrado social, familiar e social e é primário; é excessiva a pena aplicada pelo Tribunal da Relação - 5 anos e 3 meses de prisão -, sendo proporcional e ajustada, ao invés, a condenação numa pena de 5 anos de prisão, ligeiramente superior à pena de prisão em que tinha sido condenado no tribunal de 1.ª instância - 4 anos e 9 meses de prisão.

      Deve suspender-se a execução da pena de prisão, tal como o tinha feito o tribunal da 1.ª instância, uma vez que a inexistência de antecedentes criminais do arguido, a sua idade - 57 anos de idade -, a boa integração laboral, social e familiar, e o facto de ter sofrido 10 meses de prisão preventiva, permite um juízo de prognose positivo no que se reporta a uma reintegração em liberdade. A suspensão deve corresponder à medida da pena aplicada – 5 anos – e sujeita a um regime de prova a definir pela DGRSP, incluindo, necessariamente, a proibição do arguido acompanhar e frequentar locais conotados com o consumo, compra e venda de estupefacientes.

      Acórdão de 19-09-2019, em que interviemos como adjunto, processo n.º 63/02.4TBPVZ.S1 - 3.ª Secção – Mesmo que a qualificação jurídica não seja impugnada no recurso pelo arguido o STJ pode conhecer da mesma, oficiosamente, quando tem entendimento diverso do tribunal de 1.ª instância no que se reporta ao enquadramento jurídico. Por força do princípio da legalidade e do in dubio pro reo não poderia ter o tribunal de 1.ª instância, aquando da análise de direito, extrair de um facto provado - detenção de 200 kg de estupefaciente -, a verificação das circunstâncias qualificativas previstas nas als. b) e c) do art. 24.º do DL 15/93, 22-01 – fazendo constar que “de certeza” se destinaria a ser distribuído por um grande número de pessoas e o arguido procurava obter avultada compensação económica e, com fundamento nesse juízo especulativo incriminatório, condenar pelo crime de tráfico agravado.  Tais conclusões teriam que resultar de factos dados como provados, o que não sucedeu, razão pelo qual devem ser desconsideradas, qualificando-se a conduta do arguido como crime de tráfico de estupefacientes p. e. p. no art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, 22-01.

      Atendendo a) à natureza do estupefaciente, cannabis resina; b) ao peso total líquido – 199.923,150 g; c) transporte de Espanha para Portugal escondido num veículo; d) o arguido estava na posse de cento e oito mil e quinhentos escudos e na mala do veículo encontrava-se dentro de uma mala trinta e seis mil escudos e cinco mil pesetas; d) o arguido agiu com dolo direto; e) em Espanha foi condenado em 2012 por infrações relacionadas com drogas e precursores e outras infrações contra a saúde público; mas sopesando que o crime foi desqualificado para tráfico simples, os factos já ocorreram há mais de 18 anos, não há conhecimento do arguido ter sido condenado por factos ilícitos ocorridos em data posterior à dos autos, sofre de uma doença pulmonar grave, precisa de oxigénio para caminhar, não tem antecedentes criminais em Portugal, e apelando à proporcionalidade, é adequada uma pena de 5 anos de prisão suspensa por igual período, sem necessidade de regime de prova, ao invés dos seis anos de prisão em que foi condenado em 1.ª instância.

      Acórdão de 02-10-2019, em que interviemos como adjunto, processo n.º 9/17.5PEPTG. S1 - 3.ª Secção – Considerando a gravidade do ilícito (venda de haxixe durante cerca de dois anos a consumidores), modo de execução (encomendas por telemóvel e entregas diretas; compra de produto estupefaciente em Espanha que o arguido depois revendia), gravidade das consequências (venda a diversos consumidores distintos mediante contrapartidas entre € 10 a € 30, consoante a quantidade, e apreensão de € 900 em sua posse adveniente da venda), forte intensidade do dolo, utilização de linguagem codificada, antecedentes criminais pela prática de crime de tráfico de estupefacientes, são elevadas as necessidades de prevenção e existe culpa intensa.

      Contudo, atendendo a que os antecedentes criminais pelo crime de tráfico de estupefacientes já ocorreram há muito tempo – anos de 1996 a 2000 – o arguido reside com namorada em casa com as necessárias condições habitacionais, aufere uma reforma de € 292 e continua a exercer a atividade de padeiro, em termos sociais tem uma imagem positiva, estando bem inserido, é adequado reduzir a pena aplicada pelo tribunal de 1.ª instância pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art. 21.º, n.º 1, do DL 15/93, de 5 anos e 6 meses de prisão para 5 anos de prisão, cuja execução deve ser suspensa por igual período sujeito a regime de prova.

      Acórdão de 3-10-2019, processo n.º 292/17.6GBSLV.S1- 5.ª Secção – Relativamente ao arguido A, foi entendido ser de alterar a qualificação jurídica dos factos, considerando o âmbito geográfico da sua actuação, quantidade de droga e de dinheiro apreendidos, número de consumidores, venda directa de rua, condição modesta do arguido, condenando este arguido pelo crime p. e p. pelo artigo 25.º, al. a) do DL n.º 15/93 e suspendendo a execução da pena; no tocante ao arguido B, foi entendido não poder a conduta deixar de ser qualificada por referência ao tipo base do art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, sendo afastada a suspensão da execução.

       Nesta análise atende-se à idade da recorrente, que à data dos factos contava 34 anos e actualmente 36.

      Há que ter em atenção as condições pessoais, familiares e económicas do recorrente e sua inserção no respectivo agregado familiar, traçadas no FP 7.

     Considera-se ser de conceder uma oportunidade à recorrente, constituindo a substituição da pena um sério aviso e uma solene advertência no sentido de que a recorrente terá de pautar a sua vida de acordo com a lei. 

      Neste quadro, tendo presente que sempre serão de evitar riscos de fractura familiar, social, e comportamental como factores de exclusão, e assumindo por outra via, o risco que sempre estará presente em decisões deste tipo, com projecção e avaliação da sua justeza no futuro, suspender-se-á a execução da pena, nos termos do artigo 50.º do Código Penal.

      Nesta perspectiva, crê-se ser fundada a esperança de que a socialização em liberdade possa ser lograda e não saírem defraudadas as expectativas comunitárias de reposição/estabilização da ordem jurídica, da confiança na validade da norma violada e no cumprimento do direito, nem será demasiado arriscado conceder uma oportunidade à recorrente, suspendendo a execução da pena, por haver condições para alcançar a concretização da socialização em liberdade, enfim, a finalidade reeducativa e pedagógica, que enforma o instituto, e que face ao disposto no n.º 5 do artigo 50.º, terá a duração de dois anos, com sujeição a regime de prova.

      A simples ameaça da execução da pena como medida de reflexos sobre o comportamento futuro será suficiente para dissuadir a recorrente de futuros crimes, evitará a repetição de comportamentos delituosos por parte da mesma, dando-se crédito à capacidade de resposta e inserção social nos próximos dois anos.

         Sendo certo que todo o juízo de prognose sobre um futuro comportamento comporta inevitavelmente algum risco, no caso concreto, podemos afirmar que tal juízo de prognose favorável sobre o futuro comportamento da recorrente não se mostra demasiado arriscado.

      Por outro lado, a pena de suspensão não colocará em causa de forma irremediável a necessária tutela dos bens jurídicos e a estabilização contrafáctica das expectativas comunitárias.

      Certa da solene advertência que lhe é feita, a recorrente terá de aproveitar a oportunidade agora concedida, e após esta chamada à razão tem de mostrar ser merecedora da confiança que agora o tribunal nela deposita no sentido de uma forte muralha na prevenção da reincidência.

      Oportunidades de mudança de rumo, nem sempre as há. Mas, quando surgem, há que agarrá-las, preservá-las, e fazer por merecer o voto de confiança. 

      Nestes termos, considera-se estarem reunidas as condições para que seja decretada a suspensão da execução da pena aplicada à recorrente.

       Concluindo:

      A pena aplicada à arguida será suspensa por dois anos, com sujeição a regime de prova, nos termos do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, assente em plano de reinserção social, nos termos a definir pelos serviços competentes.

        Decisão

     Pelo exposto, acordam na 3.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça em julgar procedente o recurso interposto pela arguida AA, e em consequência:

I – Revogar o acórdão recorrido na parte em que considerou estar preenchido o crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelo artigo 24.º, alínea h), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro;

II – Convolando, condenar a arguida AA, pela autoria material de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, fixando a pena em dois anos de prisão;

III – Suspender a execução da pena por dois anos, com sujeição a regime de prova, nos termos do artigo 53.º, n.ºs 2 e 3, do Código Penal, assente em plano de reinserção social, nos termos a definir pelos serviços competentes.

       Sem custas.

       Consigna-se que foi observado o disposto no artigo 94.º, n.º 2, do Código de Processo Penal.

Lisboa, Escadinhas de São Crispim, 15 de Janeiro de 2020

Raul Borges (Relator)

Manuel Augusto de Matos

  

________


[1] AcSTJ de 2.12.2013 citado.