Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 3ª SECÇÃO | ||
Relator: | PIRES DA GRAÇA | ||
Descritores: | HABEAS CORPUS PRISÃO ILEGAL PRISÃO PREVENTIVA PRAZO DA PRISÃO PREVENTIVA ACUSAÇÃO NOTIFICAÇÃO ARGUIDO DEFENSOR TRADUÇÃO INTÉRPRETE | ||
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Data do Acordão: | 08/09/2013 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | HABEAS CORPUS | ||
Decisão: | INDEFERIDO | ||
Área Temática: | DIREITO CONSTITUCIONAL - DIREITOS, LIBERDADES E GARANTIAS PESSOAIS. DIREITO PENAL - CRIME DE TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES. DIREITO PROCESSUAL PENAL - ACTOS PROCESSUAIS - MEDIDAS DE COACÇÃO. | ||
Doutrina: | - J.J. Gomes Canotilho e Vital Moreira, “Constituição da República Portuguesa”, Anotada, Artigo 1ºa 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, pp. 508, 510. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO DE PROCESSO PENAL (CPC): - ARTIGOS 1.º AL. M), 91.º, 92.º, 202.º, N.º 1, ALS. A) E B), 204.º, 212.º, N.º1, 213.º, N.º1, 215.º, N.ºS 1 E 2, 219.º, N.º2, 222.º, 223.º, N.ºS1 E 4 AL. A). CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA PORTUGUESA (CRP): - ARTIGOS 27.º, N.º3, 31.º, N.º1. DL N.º 15/93, DE 22-01: - ARTIGOS 21.º, N.º 1, E 24.º, AL. C), COM REFERÊNCIA À TABELA I-C ANEXA. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 29-05-2002, PROC. N.º 2090/02- 3.ª SECÇÃO; -DE 20-12-2006, PROC. N.º 4705/06 - 3.ª SECÇÃO; -DE 10-12-2008, PROC. N.º 08P3971 , IN WWW.DGSI.PT; -DE 18-02-2010, PROC. N.º 1546/09.0PCSNT-A.S1, 5.ª SECÇÃO, IN WWW.DGSI.PT. -*- ACÓRDÃOS DO TRIBUNAL CONSTITUCIONAL: -DE 24-9-2003, PROC. Nº 571/03; -N° 280/2008, DE 14-5-2008, PROC. N° 295/08, ÍN D.R. Nº 141, SÉRIE II DE 2008-07-23. | ||
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Sumário : |
I - O habeas corpus é uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. II - Dos autos importa considerar o seguintes: - por despacho de 28-09-2012, foi nomeada a Dra. N, tradutora /intérprete da língua árabe, que prestou compromisso em 08-10-2012, para exercer as respectivas funções no âmbito do inquérito a que respeitam os autos; - aos arguidos AE e AJ, entre outros, foi imposta a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido a final dos respectivos interrogatórios judiciais, ocorridos em 01-02-2013 com a presença de intérprete e defensor, face aos fortes indícios da prática de crimes de tráfico de estupefacientes, p. p. pelo arts. 21.º, n.º 1, e 24.º, al. c), do DL 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C anexa, por se verificarem, em concreto, todos os perigos elencados nas als. a), b) e c) do art. 204.º do CPP; - por despacho proferido em 23-04-2013, foram reexaminados os pressupostos que determinaram essa medida de coação imposta aos arguidos e mantida a prisão preventiva, ao abrigo do art. 213.º, n.º 1, al. a), do CPP; - em 08-07-2013, foi proferida acusação pública contra os arguidos imputando-lhes a prática, para além de outros, do crime de tráfico de estupefacientes agravado por que estavam indiciados e que fundamentaram em momento oportuno a aplicação e manutenção da medida de coação prisão preventiva; - em 09-07-2013 foi requerida aos respectivos EP’s a notificação dos ora requerentes, tendo os mesmos sido notificados em 17-07-2013; - na mesma data foi expedida notificação do teor da acusação deduzida nos autos ao Ilustre mandatário dos requerentes, pelo que se considera notificado a 12-07-2013; - resulta consignado a final da acusação ordenando-se a informação dos arguidos e respectivos defensores, que o libelo iria ser traduzido para a língua árabe e remetida aos arguidos logo que recebida, prevendo-se a sua ultimação até 05 do corrente; - também resulta dos ofícios remetidos aos EP’s para notificação dos arguidos, que deveriam os mesmos serem informados que logo que estivesse disponível, ser-lhes-ía remetido o despacho de acusação, traduzido para a língua árabe; - por despacho proferido em 10-07-2013, foi reexaminada e mantida a referida medida de coação imposta aos arguidos, nos termos do disposto no art. 213.º, n.º 1, al. b), do CPP. III - Na data da apresentação da petição de habeas corpus (31-07-2013) já tinha sido deduzida acusação contra os ora peticionantes, antes de terminar o prazo de 6 meses, contados a partir da data em que ficaram em prisão preventiva à ordem dos mesmos autos (art. 215.º, n.º 1, do CPP). IV - Mesmo se porventura os ora peticionantes e seu Exmo. mandatário, na data da apresentação da petição do habeas corpus, não tivessem ainda conhecimento da dedução da acusação, por eventualmente dela ainda não terem sido efectivamente notificados, seria irrelevante para efeitos de julgamento da providência de habeas corpus, uma vez que a notificação de acto processual, nomeadamente da acusação, e a tradução da acusação para a língua nacional do arguido, não é fundamento legal de habeas corpus, pois que não é a notificação, ou a sua falta, bem com a tradução linguística, que confere estatuto jurídico com as legais consequências, à privação de liberdade, e que delimita o prazo da prisão. V - Acusação e notificação são actos processuais distintos. A notificação é obviamente consequência do despacho acusatório, e destina-se a dar conhecimento do acto ao sujeito processual visado, e daí a também legal tradução Só depois de existir acusação é que obviamente pode proceder-se à sua notificação, e comunicar-se a sua tradução. Mas para efeitos do disposto no art. 215.º, n.º 1, al. a), e n.º 2, do CPP, não é a notificação e tradução, da acusação que delimita o prazo máximo da prisão preventiva, na fase a que respeita, mas sim a dedução ou não de acusação em determinado período temporal.
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Decisão Texto Integral: | * Acordam no Supremo Tribunal de Justiça - Nos autos de inquérito (actos jurisdicionais) com o nº 374/12.0jelsb- do Tribunal de Instrução Criminal de Lisboa, vêm os arguidos AA e BB com os demais sinais dos autos, através de Exmo. Mandatário, requerer providência de habeas corpus nos termos do disposto no artº 222º do CPP, instruída com cópia de elementos indicados a final da petição, e com os fundamentos e factos processuais seguintes:;
• os arguidos estão detidos preventivamente e apenas à ordem dos presentes autos, desde o pretérito dia 30.01.13. • os arguidos estão indiciados, em co-autoria e em concurso real, pela prática de; a) um crime de tráfico de estupefacientes agravado, pº e pº pelos artºs 21, nº 1 e 24º, aI. c) do D.L. 15/93 de 22.01 por referência à Tabela I-C anexa. • Com data de 08.07.2013, foi proferido a fls. 1352 despacho a declarar encerrado o inquérito e a partir de fls. 1358 vem lavrado nos autos despacho de acusação com a mesma data. • Como se vê de fls. 625 e por os arguidos apenas se expressarem em Árabe foi pelo MP promovida a nomeação de intérprete para o 1° interrogatório judicial de arguido detido, o que, em conformidade com o disposto no artº 91°, nº 2 do CPP, foi determinado como consta dos autos de interrogatório constantes de fls. 641 e 657. • Como se vê de fls. 1592 e com data de 17 /7 / 2013 foi ao último arguido notificado o referido despacho de acusação apenas em língua portuguesa. • Em 28.06.13 foi pelo OPC elaborado o relatório final que merecendo a concordância do superior hierárquic04 foram os autos remetidos ao Digno Magistrado do MºPº com proposta de acusação. • Como se vê de fls. 1332, foi em 2/7/2013 determinado pelo titular da acção penal que fosse contactada a Sra. intérprete de língua árabe nomeada nos autos (fls. 50-51 e 54) e averiguado da sua disponibilidade para nos próximos dias efectuar a tradução do despacho de acusação que iria ser proferido nos autos e previsivelmente com cerca de 50 páginas bem como do tempo que necessitará para tal •Tal ordem vem cumprida no dia imediato, com a informação que o prazo necessário para tal tradução era de cerca de 15 dias e, até ao final do corrente mês de Julho •Por requerimento de 31 de Julho arguiram os requerentes a nulidade da notificação da acusação em virtude de, por não lhes ter sido facultada cópia traduzida em língua árabe, não entenderem ou percepcionarem o seu conteúdo, nomeadamente quanto aos factos que lhes são imputados e pelos quais se pretende venham a responder em juízo. •Também por requerimento da mesma data (31.7.13), arguiram os aqui requerentes o excesso de prisão preventiva por entre tal data e o dia da respectiva detenção ter sido ultrapassado o prazo legal máximo para manutenção de tal medida de coacção. • Até ao momento não foi notificado qualquer Despacho ou Decisão sobre tais requerimentos mantendo-se a reclusão dos ora Requerentes. A descrita factualidade processual comporta gravíssima ilegalidade, viola princípios constitucionais, porque violadora dos mais elementares direitos, liberdades e garantias constitucionalmente protegidos e consubstancia prisão para além dos prazos fixados por lei. […] afigura-se que o caso dos autos integra cada um dos pressupostos de deferimento da presente providência. Com efeito, A - DO PRAZO MÁXIMO DA PRISÃO PREVENTIVA Nos precisos termos da lei processual, o prazo máximo de prisão preventiva aplicável aos ora Requerentes e por não ter sido deduzido acusação, é de seis meses ¬cfr. artº 215°, nº 2 do CPP- e uma vez que, até à data em que a presente e providência é requerida, o Digmº Snr. Procurador, enquanto único e exclusivo titular da fase preliminar em que se encontra o processo, não requereu a declaração de especial complexidade, nem ela veio declarada. B - DA NULIDADE DA NOTIFICAÇÃO DA ACUSAÇÃO Tal como se verifica, nos precisos termos do disposto no nº 1 do artº 92º do Cód. Proc. Penal, "nos actos processuais, tantos escritos como orais, utiliza-se a língua portuguesa, sob pena de nulidade”. Porém e acautelando, expressamente, as situações de intervenção no processo de pessoa que não conheça ou não domine a língua portuguesa, logo o nº2 do mesmo normativo processual é determinado que "... é nomeado, sem encargo para ela, intérprete idóneo, ainda que a entidade que preside ao acto ou qualquer dos participantes processuais conheçam a língua por aquela utilizada .
Aqui chegados, mister se torna equacionar que consequências advêm do facto de se não ter observado o citado comando legal, omitindo-se, assim, tal formalidade que constitui garante do direito de defesa e mesmo da dignidade de um qualquer arguido. Por outro lado e porque em matéria de nulidades, vigora o princípio da legalidade, tal qual definido no artº 118°, nº 1 do CPP, o nº 2 do mesmo normativo processual determina que "nos casos em que a lei não cominar a nulidade, o acta é irregular". Porém, não vindo elencada a omissão de entrega ao notificando estrangeiro de cópia de tradução na respectiva língua pátria como urna própria nulidade – artºs 118 e 119 do CPP -, a verdade é que dispõe a alínea c) do nº 2 do artº 120° do mesmo Código que constitui nulidade … "a falta de nomeação de intérprete, nos casos em que a Lei a considerar obrigatória.” Ora, é manifesto que em tal normativo se incluem todos os actos, tanto orais, como escritos, que seja mister traduzir para a língua de origem de qualquer arguido e de que este deva tomar conhecimento e de que é paradigma a Acusação sob pena de o arguido até ao início da audiência de julgamento nem sequer conhecer quais os factos que lhe são imputados e pelos quais responde em Juízo! Por outro lado a inobservância do disposto no nº 2 - c) do artº 120º do CPP, constitui, por isso nulidade, ainda que dependente de arguição e foi-o em tempo como se vê de fls.
Por outro lado e independente do que se acaba de arguir, a verdade é que mesmo com exclusiva referência ao despacho de acusação e sendo esta pressuposto do referido encerramento, no que a esta concerne e ao contrário daquele, não se reporta a arguida nulidade ao inquérito pelo que sempre será inaplicável, in casu, o disposto no nº 3 - c) do citado artº 120°, A tudo acresce que a referida omissão - entrega de tradução da acusação na língua pátria dos arguentes - sempre constitui uma inadmissível diminuição das garantias de defesa dos arguidos. É que não tendo os arguidos efectivo conhecimento dos factos imputados, nem sequer podem exprimir ao mandatário qualquer explicação ou justificação para os mesmos factos e indicar os meios de defesa e prova a produzir em sede de Instrução. De toda a forma sempre seria inconstitucional, por supressão do direito de defesa, a interpretação dos supra citados normativos quando interpretados no sentido de ser dispensável ou inexigível que a notificação ao arguido do despacho de encerramento de inquérito e de acusação seja acompanhada da respectiva tradução para a língua pátria do mesmo arguido que não domina nem conhece a língua portuguesa. E tanto assim é que o próprio titular da acção penal ordenou, nos moldes supra descritos, que a referida tradução fosse efectuada a tempo de ser notificada aos arguidos e antes que decorresse o prazo máximo da prisão preventiva e não o foi. C - DO ABUSO DE PODER Atentos os poderes legalmente consignados ao Mmo JIC, é patente, desde logo, que a manutenção da reclusão dos arguidos para além do prazo previsto no artº 215°, nº 2 do CPP integra abuso de poder. D - DA ILEGALIDADE Nos termos do disposto no artº 223-º do CPP, constitui fundamento para o presente procedimento a manutenção da prisão para além dos prazos fixados pela Lei. É que, estando ferida de insuprível nulidade a notificação da acusação por falta de tradução para a língua pátria dos arguidos, nem esta tradução tendo sido efectuada até ao termo do prazo máximo da prisão preventiva é patente a ilegalidade da manutenção da respectiva situação de reclusão. E - DA VIOLAÇAO DOS PRINCIPIOS CONSTITUCIONAIS Por determinação da Lei Fundamental – artº 32°, nº 1 da C. R. P. - o processo penal assegura todas as garantias de defesa, incluindo o recurso. Flúi do supra alegado que, in casu" foram violadas as garantias de defesa dosarguidos por não ter sido efectuada, antes que fosse concluído o prazo máximo de prisão preventiva, a notificação aos arguidos do despacho de acusação, contra legem, na língua mãe dos ora requerentes. Assim e porque;
• O artigo 31° da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), consagra a providência de habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal. • A finalidade da providência de habeas corpus é reagir com a máxima celeridade a situações de abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual grave, grosseiro e rapidamente verificável por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, integrando uma das hipóteses previstas no artº 222º, nº 2 do cpp • Foi em 2/7/2013 determinado pelo titular da acção penal que fosse contactada a Sra. intérprete de língua árabe nomeada nos autos (fls. 50-51 e 54) e averiguado da sua disponibilidade para nos próximos dias efectuar a tradução do despacho de acusação que iria ser proferido nos autos e previsivelmente com cerca de 50 páginas bem como do tempo que necessitará para tal. • Tal ordem vem cumprida no dia imediato, com a informação que o prazo necessário para tal tradução era de cerca de 15 dias e, até ao final do corrente mês de Julho. • Por requerimento de 31 de Julho arguiram os requerentes a nulidade da notificação da acusação em virtude de, por não lhes ter sido facultada cópia traduzida em língua árabe, não entenderem ou percepcionarem o seu conteúdo I nomeadamente quanto aos factos que lhes são imputados e pelos quais se pretende venham a responder em juízo. • Também por requerimento da mesma data (31.7.13), arguiram os aqui requerentes o excesso de prisão preventiva por entre tal data e o dia da respectiva detenção ter sido ultrapassado o prazo legal máximo para manutenção de tal medido de coacção. • Até ao momento não foi notificado qualquer Despacho ou Decisão sobre tais requerimentos mantendo-se a reclusão dos ora Requerentes. • O prazo máximo de prisão preventiva aplicável aos ora Requerentes e por não ter sido deduzida acusação, é de seis meses - cfr. artº 215°, nº 2 do CPP -
• Em processo em que foi previamente nomeado intérprete aos arguidos, a notificação apenas em língua portuguesa da acusação a arguido estrangeiro constitui a nulidade prevista no artº 120°, nº 2 - c) do CPP • A notificação em apreço afecta pessoalmente o arguido • A referida omissão - entrega de tradução da acusação na língua pátria dos arguentes - sempre constitui uma inadmissível diminuição das garantias de defesa dos arguidos. • Sempre seria inconstitucional, por supressão do direito de defesa, a interpretação dos supra citados normativos quando interpretados no sentido de ser dispensável ou inexigível que a notificação ao arguido do despacho de encerramento de inquérito e de acusação seja acompanhada da respectiva tradução para a língua pátria do mesmo arguido que não domina nem conhece a língua portuguesa. • A manutenção da reclusão dos arguidos para além do prazo previsto no artº 215°, nº 2 do CPP integra ilegalidade e abuso de poder. • Nos termos do disposto no artº 223º do CPP, constitui fundamento para o presente procedimento a manutenção da prisão para além dos prazos fixados pela Lei é, assim, patente que a manutenção da reclusão dos requerentes comporta grosseira violação dos direitos liberdades e garantias do arguido pelo que deve ser declarada ilegal a prisão, por se manter para além dos prazos fixados pela lei e ordenada a imediata libertação dos requerentes, nos precisos termos do disposto no artº 223°, nº 4 - d) do CPP
- Foi prestada a informação a que alude o art° 223.°, n.º 1, in fine do C.P.P. no sentido de que “a prisão não é ilegal e deve manter-se, não se mostrando ultrapassado o prazo legalmente fixado para tal medida de coacção”. - Instruídos os autos de apenso, com certidão das peças requeridas, das mencionadas na informação e do despacho/informação, remeteu-se o apenso de harmonia com o determinado na 1ª instância,, ao Supremo Tribunal de Justiça.
- Convocou-se a Secção Criminal deste Supremo Tribunal, e efectuadas as devidas notificações, realizou-se a audiência pública, nos termos legais. - A Secção Criminal reuniu seguidamente para deliberação, a qual imediatamente se torna pública.
O artigo 31º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, integrante do título II (Direitos, Liberdades e garantias) e capítulo I (Direitos, liberdades e garantias pessoais), determina que haverá habeas corpus contra o abuso de poder, por virtude de prisão ou detenção ilegal, a requerer perante o tribunal competente. “Sendo o único caso de garantia específica e extraordinária constitucionalmente prevista para a defesa de direitos fundamentais, o habeas corpus testemunha a especial importância constitucional do direito á liberdade”.(JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, CRP, Constituição da República Portuguesa Anotada, Artigo 1ºa 107º, 4ª edição revista, volume I, Coimbra Editora, 2007, II, p. 508) É uma providência urgente e, expedita, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação, destinada a responder a situações de gravidade extrema visando reagir, de modo imediato, contra a privação arbitrária da liberdade ou contra a manutenção de uma prisão manifestamente ilegal, ilegalidade essa que se deve configurar como violação directa, imediata, patente e grosseira dos seus pressupostos e das condições da sua aplicação. Atenta a natureza da providência, para que o exame da situação de detenção ou prisão reclame petição de habeas corpus, há que se deparar com abuso de poder, consubstanciador de atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável – integrando uma das hipóteses previstas no artigo 222º nº 2, do Código de Processo Penal (acórdão do Tribunal Constitucional de 24 de Setembro de 2003 in proc. nº 571/03) “Este abuso de poder exterioriza-se nomeadamente na existência de medidas restritivas ilegais de prisão e detenção decididas em condições especialmente arbitrárias ou gravosas.” (J.J. Canotilho e V. Moreira, ibidem)
A providência de habeas corpus, enquanto remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, que se traduzam em abuso de poder, ou por serem ofensas sem lei ou por serem grosseiramente contra a lei, não constitui no sistema nacional um recurso dos recursos e muito menos um recurso contra os recursos. (Ac. de 20-12-2006, Proc. n.º 4705/06 - 3.ª) Tal não significa que a providência deva ser concebida, como frequentemente o foi, como só podendo ser usada contra a ilegalidade da prisão quando não possa reagir-se contra essa situação de outro modo, designadamente por via dos recursos ordinários (cf..Ac. do STJ de 29-05-02, Proc. n.º 2090/02- 3.ª Secção, onde se explana desenvolvidamente essa tese). Aliás, resulta do artigo 219º nº 2 do CPP, que, mesmo em caso de recurso de decisão que aplicar, mantiver ou substituir medidas de coacção legalmente previstas, inexiste relação de dependência ou de caso julgado entre esse recurso e a providência de habeas corpus, independentemente dos respectivos fundamentos. Com efeito, a natureza extraordinário da providência não se refere à sua subsidiariedade em relação aos meios de impugnação ordinários das decisões judiciais, mas antes e apenas à circunstância de se tratar de providência vocacionada a responder a situações de gravidade extrema, com uma celeridade incompatível com a prévia exaustação dos recursos ordinários e com a sua própria tramitação.
Como referem JJ. Gomes Canotilho e Vital Moreira, (ibidem, p. 508) “(…) o habeas corpus vale em primeira linha contra o abuso do poder por parte das autoridades policiais, designadamente das autoridades de polícia judiciária; mas não é impossível conceber a sua utilização como remédio contra o abuso de poder do próprio juiz, em substituição da via normal do recurso ou em caso de inexistência de recurso.” E escrevem os mesmos autores (ibidem, V, p. 510): “(…)(1) a providência do habeas corpus é uma providência à margem do processo penal ordinário; (2) configura-se como um instituto processual constitucional específico com dimensões mistas de acção cautelar e de recurso judicial. (…)”
Em suma: A previsão - e precisão - da providência, como garantia constitucional, não exclui, porém, a sua natureza específica, vocacionada para casos graves, anómalos, de privação de liberdade, como remédio de urgência perante ofensas graves à liberdade, traduzidas em abuso de poder, ou por serem ofensas sine lege ou, grosseiramente contra legem, traduzidas em violação directa, imediata, patente e grosseira dos pressupostos e das condições da aplicação da prisão, que se apresente como abuso de poder, concretizado em atentado ilegítimo à liberdade individual – grave, grosseiro e rapidamente verificável. - O artigo 222º do Código de Processo Penal, que se refere ao habeas corpus em virtude de prisão ilegal, estabelece no nº 1, que a qualquer pessoa que se encontrar ilegalmente presa, o Supremo Tribunal de Justiça concede, sob petição, a providência do habeas corpus. Contudo, nos termos do nº 2 do preceito, esta providência “deve fundar-se em ilegalidade da prisão proveniente de: a) Ter sido efectuada ou ordenada por entidade incompetente; b) Ser motivada por facto pelo qual a lei a não permite; ou c) Manter-se para além dos prazos fixados pela lei ou por decisão judicial; - O peticionante reputa a sua prisão ilegal, por excesso de prazo, acolhendo-se à alínea c), do citado artº 222º do CPP. - Dos elementos constantes dos autos, sintetizados na informação judicial prestada nos termos do art. 223º nº 1 do CPP., e na certidão constante dos autos, resulta que:
- Por despacho de 28 de Setembro de 2012, foi nomeada a Dra N...B...B..., tradutora /intérprete da língua árabe, que prestou compromisso em 8 de Outubro de 2012, para exercer as funções de tradutora/intérprete no âmbito do inquérito a que respeitam os autos.
- Aos arguidos BB e AA, entre outros, foi imposta a medida de coacção de prisão preventiva, por despacho proferido a final dos respectivos interrogatórios judiciais, com a presença de intérprete e defensor, ocorridos em 01/02/2013, face aos fortes indícios da prática, pelos mesmos, de crimes de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21º nº 1 e 24.º al. c), do DL 15/93, de 22/01, com referência à tabela l-C anexa, por se verificarem, em concreto, todos os perigos elencados nas alíneas a), b) e c), do art,º 204.º do CPP.
- Por despacho proferido em 23/04/2013, foram reexaminados os pressupostos que determinaram essa medida de coação imposta aos arguidos e mantida a prisão preventiva, nos termos e ao abrigo do disposto no art.º 213º nº 1, al. a), do CPP.
- Em 08/07/2013, foi proferida acusação pública contra os arguidos imputando¬lhes a prática, para além de outros, do crime de tráfico de estupefacientes agravado por que estavam indiciados e que fundamentaram em momento oportuno a aplicação e manutenção da medida de coação prisão preventiva..
- Em 09-07-2013 foi requerida aos respectivos E.P.'s a notificação dos ora requerentes (cfr. fls. 1440 e 1441), tendo os mesmos sido notificados em 17-07¬2013, conforme resulta de fls. 1590 e 1592.
- Na mesma data foi expedida notificação do teor da acusação deduzida nos autos ao Ilustre mandatário dos requerentes, pelo que se considera notificado a 12¬07-2013.
- Resulta consignado a final da acusação ordenando-se a informação dos arguidos e respectivos defensores, que o libelo iria ser traduzido para a língua árabe e remetida aos arguidos logo que recebida naquele DCIAP., prendo-se a sua ultimação até 5 de do corrente, conforme informação constante dos autos.
- Também resulta dos ofícios remetidos aos EP's para notificação dos arguidos, que deveriam os mesmos serem informados que logo que estivesse disponível, ser¬lhes-ia remetido o despacho de acusação, traduzido para a língua árabe.
- Por despacho proferido em 10/07/2013, foi reexaminada e mantida a referida medida de coação imposta aos arguidos, nos termos do disposto no art.º 213.°-1 b) do CPP. - O artigo 212º do CPP dispõe no nº 1: As medidas de coacção são imediatamente revogadas, por despacho do juiz, sempre que se verificar: a) Terem sido aplicadas fora das hipóteses ou das condições previstas na lei; ou b) Terem deixado de subsistir as circunstâncias que justificaram a sua aplicação.
Por outro lado, de harmonia com o artº 215º nºs 1 e 2 do mesmo diploma: “A prisão preventiva extingue-se quando, desde o seu início, tiverem decorrido: a) Quatro meses sem que tenha sido deduzida acusação. b) Oito meses, sem que, havendo lugar a instrução, tenha sido proferida decisão instrutória c) Um ano e dois meses sem que tenha havido condenação em primeira instância. d) Um ano e seis meses sem que tenha havido condenação com trânsito em julgado, 2. Os prazos referidos no número anterior são elevados respectivamente para seis meses, dez meses, um ano e seis meses e dois anos em casos de terrorismo, criminalidade violenta ou altamente organizada, ou quando se proceder por crime punível com pena de prisão de máximo superior a oito anos, ou por crime”,
É o caso do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.° 21º n°1 e 24° al. a) da Lei nº 15/93 de 22.1, com referência à Tabela I—C, anexa ao referido diploma legal punível com pena de prisão de máximo superior a 8 anos, e aliás, sempre enquadrável no nº 2 por força do disposto no artº 1º al. m) do CPP . Note-se que a Constituição Política da República Portuguesa no artº 27º nº 3 permite a privação da liberdade, pelo tempo e nas condições que a lei determinar, nos casos ali indicados nas respectivas alíneas, em que se inclui a detenção ou prisão preventiva por fortes indícios de prática de crime doloso a que corresponde pena de prisão cujo limite máximo seja superior a três anos, e que a lei ordinária burilou nos termos do artº 202º nº 1 a) e b) do CPP.
Verifica-se por outro lado, que como consta dos autos, na data da apresentação da presente petição do habeas corpus, expedida via fax em 31 de Julho de 2013, já tinha sido deduzida nos autos a acusação contra os ora peticionantes, antes de terminar o prazo de seis meses, contados a partir da data em ficaram em prisão preventiva à ordem dos mesmos autos. (v. corpo do nº 1 do artº 215º do CPP)
Mesmo se porventura, os ora peticionantes e seu Exmo Mandatário, na data da apresentação da petição do habeas corpus, não tivessem ainda conhecimento da dedução da acusação, por eventualmente dela ainda não terem sido efectivamente notificados, seria irrelevante, contudo, para efeitos de julgamento da providência de habeas corpus, uma vez que a notificação de acto processual, nomeadamente da acusação, e a tradução da acusação para a língua nacional do arguido, não é fundamento legal de habeas corpus, pois que não é a notificação, ou a sua falta, bem com a tradução linguística, que confere estatuto jurídico com as legais consequências, à privação de liberdade, e que delimita o prazo da prisão. Mas na data da apresentação da presente petição de habeas corpus, os ora peticionantes e seu Exmo. Advogado, já tinham conhecimento, da existência da acusação deduzida.
Acusação e notificação são actos processuais distintos. Pressuposto formal de habeas corpus é a decisão que determinou a privação de liberdade do detido e não a notificação dessa decisão. Como dá conta, a propósito, o sumário do acórdão deste Supremo e desta Secção de 10-12-2008, proc. nº 08P3971 , in www.dgsi.pt, “ (…) III - Na dicotomia data da prolação da acusação/data da notificação da acusação como elemento aferidor da determinação do momento relevante para se estabelecer o marco que importa ter em atenção na definição do dies ad quem do prazo de duração máxima de prisão preventiva, é de ter como correcta a opção pela data em que é elaborada a acusação. IV - Desde logo pelo elemento literal, a extrair da al. a) do n.º 1 do art. 215.º do CPP, quando refere que o decurso do prazo sem que tenha sido deduzida acusação e de modo similar nas restantes alíneas, como na b), ao referir o decurso do prazo sem que tenha sido proferida decisão instrutória, e nas als. c) e d), ao colocar o ponto final do prazo sem que tenha havido condenação, em 1.ª instância ou com trânsito em julgado. V - Em todos estes casos é patente a referência à data da prática do acto processual ou elaboração da decisão (acusação, decisão instrutória e condenação) proferida no processo de acordo com cada etapa ou fase processual e não ao momento em que chega ao conhecimento do destinatário o teor da mesma. VI - De contrário, em caso de pluralidade de arguidos, teríamos datas diferentes consoante os diversos momentos em que a decisão fosse chegando ao destino. E, por outro lado, furtando-se o destinatário ao recebimento da notícia, descoberto estaria o caminho para se prolongar o prazo caso se mostrasse pontualmente necessária ou conveniente tal estratégia. VII - Este STJ já tomou posição sobre a questão, defendendo-se no Ac. de 11-10-2005 (CJSTJ, 2005, tomo 3, pág. 186) que, para o efeito previsto no art. 215.º do CPP, releva a data da acusação e não a notificação ao arguido dessa peça processual (cf., ainda, Acs. de 14-03-2001, de 22-03-2001, de 15-05-2002, de 11-06-2002, de 24-10-2007, Proc. n.º 3977/07 - 3.ª, de 12-12-2007, Proc. n.º 4646/07 - 3.ª, e de 13-02-2008, Proc. n.º 522/08 - 3.ª), o mesmo se passando com a decisão instrutória, como afirmou o Ac. do STJ de 28-06-1989, Proc. n.º 18/89 - 3.ª. VIII - Neste sentido se tem pronunciado, também, a jurisprudência do TC – cf. Acs. n.ºs 404/2005, de 22-07, e 208/2006, de 22-03 (in, respectivamente, DR, II Série, de 31-03-2006 e de 04-05-2006), em que se questionava a al. c) do n.º 1 do art. 215.º do CPP; Ac. n.º 2/2008 (in DR, II Série, de 14-02-2008), já na vigência da nova redacção do art. 215.º introduzida pela Lei 48/2007, de 29-08; e Ac. n.º 280/2008, de 14-05-2008, em que estava em causa a inconstitucionalidade do art. 215.º, n.º 1, al. a), do CPP, por violação do disposto nos arts. 28.º, n.º 4, 31.º e 32.º, n.º 1, todos da CRP. IX - Da marcação da data da prolação da acusação como termo final do prazo de duração máxima de prisão preventiva nesta 1.ª fase do processo decorre que, no dia seguinte, se inicia o novo prazo de duração máxima correspondente à fase que se segue, que igualmente deverá ser observado, não se violando qualquer prazo nem resultando ferida qualquer garantia de defesa.”
De igual forma, o sumário do Acórdão deste Supremo de 18-02-2010, proc. 1546/09.0PCSNT-A.S1 , 5ª secção in www.dgsi.pt “ I - A petição de habeas corpus, em caso de prisão ilegal, tem os seus fundamentos taxativamente previstos no n.º 2 do art. 222.º do CPP, confrontando-se com situações de violação ostensiva da liberdade das pessoas, quer por incompetência da entidade que ordenou a prisão, quer por a lei não a permitir com o fundamento invocado ou não tendo sido invocado fundamento algum, quer ainda por estarem excedidos os prazos legais da sua duração, havendo, por isso, urgência na reposição da legalidade. II - Conforme jurisprudência que tem sido seguida pelo STJ, o que releva para efeitos de cumprimento dos prazos de prisão preventiva, é a dedução da acusação e não a sua notificação, por forma a que se aquela tiver sido deduzida em prazo, mas a notificação tiver sido feita para além desse prazo, é a data da acusação que deve servir para aferir da legalidade da manutenção da prisão. III - Tendo a acusação sido deduzida ainda antes do termo do prazo previsto na al. a) do n.º 1 do art. 215.º do CPP, é de indeferir a providência de habeas corpus, por falta de fundamento bastante. “ Como se refere neste acórdão de 18-02-2010, “É certo que em muitos casos que têm acontecido a acusação talvez pudesse ser notificada por “fax” enviado para o estabelecimento prisional, evitando-se este tipo de problemas. De qualquer forma, a data que releva é a da dedução da acusação e esta foi, como vimos, deduzida ainda antes do termo do prazo.” Como aliás, vem decidindo Tribunal Constitucional, referindo por exemplo, o citado acórdão n° 280/2008, de 14-5-2008, Proc. n° 295/08, ín D.R. nº 141, Série II de 2008-07-23. ao não julgar inconstitucional a norma constante da alínea a) do n." 1 do artigo 215.° do Código de Processo Penal, que “o prazo máximo da prisão preventiva, na fase de inquérito, afere-se em função da data da prolação da acusação e não da data da notificação da mesma.”
Raciocínio que como expendemos vale também para a tradução linguística da acusação. Sendo que os arguidos foram assistidos de defensor e intérprete no interrogatório judicial de arguidos detidos, e na acusação se ordenou a sua informação e aos respectivos defensores, que o libelo iria ser traduzido para a língua árabe e remetida aos arguidos logo que recebida naquele DCIAP., pois que os arguidos têm intérprete nomeado no processo, prevendo-se, aliás, a ultimação da tradução até 5 do corrente.
Os arguidos não se encontram privados do conhecimento e exercício dos actos processuais que lhe dizem respeito, nem do exercício do contraditório, sendo que na presente providência encontram-se representados por um Senhor Advogado. Como bem refere o Senhor Juiz de instrução na informação prestada ” Certo é que, só após a notificação da acusação traduzida para a língua mãe dos arguidos, que irá certamente ocorrer, logo que se mostre concluída a tradução é que começará a decorrer prazo para os mesmos exercerem os seus direitos de defesa, mormente, requererem a abertura de instrução. Mas tal notificação da acusação, quer seja em língua portuguesa quer na língua mãe dos arguidos é de todo irrelevante para a contagem do prazo máximo legalmente admissível para a medida de coação imposta aos arguidos já que o prazo previsto no art.o 215.°, n.o 1, aI. a) do C.P.P., refere-se ao momento em que é deduzida a acusação e não ao da notificação desta ao arguido preventivamente preso.”
No habeas corpus, testa-se a verificação, ou não, do preenchimento dos pressupostos legal e taxativamente exigíveis pela providência, quando qualquer identificada pessoa invoque uma situação clamorosa de privação de liberdade, de ilegalidade da sua prisão por erro grosseiro ou abuso de poder. Não se destina porém tal providência a formular juízos de mérito sobre as decisões judiciais determinantes da privação de liberdade, ou a sindicar nulidades ou irregularidades nessas decisões - para isso servem os recursos ordinários - mas tão só a verificar, de forma expedita, se os pressupostos de qualquer prisão constituem patologia desviante (abuso de poder ou, erro grosseiro) enquadrável no disposto das três alíneas do nº 2 do artº 222º do CPP.
A providência de habeas corpus é, assim e apenas, um meio extraordinário de controlo da legalidade da prisão, estritamente vinculado aos pressupostos e limites expressamente determinados pela lei e, por isso, não constitui um meio normal de impugnação de decisões judiciais. Na providência de habeas corpus, há apenas que determinar, quando o fundamento da petição se refira a uma dada situação processual do requerente, se os actos de um determinado processo, valendo os efeitos que em cada momento produzam no processo, e independentemente da discussão que aí possam suscitar e decidir, segundo o regime normal dos recursos, produzem alguma consequência que se possa acolher aos fundamentos da petição referidos no artigo 222°, nº 2 do Código de Processo Penal.
Tendo os arguidos ora requerentes sido sujeitos a prisão preventiva à ordem dos referidos autos, na sequência de interrogatório judicial de arguido detido, em 1 de Fevereiro de 2013, pelo crime de tráfico de estupefacientes p. e p. no artº 21º nº 1 e 24º al. a) do Dec-Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, e se em 8 de Julho de 2013, beneficiando de intérprete, adrede nomeado, e do exercício do contraditório, e sido deduzida a acusação contra os mesmos arguidos, e pelo crime de tráfico agravado, em 8 de Julho de 2013, é manifesto que o prazo de seis meses de prisão preventiva, aplicável in casu, em que os arguidos se encontravam ainda não se encontrava esgotado na data em que foi deduzida a acusação, sendo irrelevante que a notificação da acusação com a respectiva tradução na língua nacional dos mesmos arguidos tenha de ser feita necessariamente nesse período temporal, pois como se depreende do que supra se disse, não é a notificação, nem a tradução da acusação para a língua nacional dos arguidos, que valida quer a existência do acto processual da acusação a que respeita, quer da privação da liberdade. A notificação é obviamente consequência do despacho acusatório, e destina-se a dar conhecimento do acto ao sujeito processual visado, e daí a também legal tradução Só depois de existir acusação é que obviamente pode proceder-se à sua notificação, e comunicar-se a sua tradução. Mas para efeitos do disposto no artº 215º nº 1 a) e nº 2 do CPP não é a notificação e tradução, da acusação que delimita o prazo máximo da prisão preventiva, na fase a que respeita, mas sim a dedução ou não de acusação em determinado período temporal.
Por outro lado, atento o princípio da actualidade, na apreciação do habeas corpus, o prazo de prisão preventiva que agora está em causa para a extinção da medida coactiva, é de 10 meses até à decisão instrutória, se houver lugar à instrução, e, se não houver lugar à instrução, é de 1 ano e 6 meses até à condenação em 1.ª instância, conforme art. 215.º, n.ºs 1 e nº 2 do CPP. - Pelo exposto, tendo sido a prisão preventiva dos arguidos peticionantes ordenada pela autoridade judiciária competente, que aplicou a prisão preventiva por facto pelo qual a lei permite, em virtude de factos indiciadores da prática de crime punido com pena de prisão superior a 8 anos, vindo posteriormente, em consequência, a ser deduzida acusação por esses factos, imputando o referido ilícito na forma agravada, dentro do prazo legal da duração máxima da prisão preventiva então em curso, e mantendo-se a prisão preventiva dentro do prazo máximo de duração dessa medida de coacção na fase em que o processo ora se encontra, sendo que já em data posterior à da acusação foi de novo reapreciada a mesma medida de coacção e mantida esta, é óbvio que não se encontram os requerentes em situação de prisão ilegal, não se prefigurando a existência dos pressupostos de concessão da providência extraordinária do habeas corpus, inexistindo, por isso, qualquer ilegalidade, abuso de poder ou inconstitucionalidade, que imponha o deferimento da providência. _ Termos em que, decidindo:
Acordam os juízes deste Supremo, em indeferir a petição de habeas corpus formulada pelos arguidos AA e BB, através de seu Exmo Mandatário, por falta de fundamento bastante, nos termos do artigo 223º nº 4 a) do CPP.
Tributam cada requerente com 3 UC nos termos da tabela anexa ao Regulamento das Custas Processuais.
Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Agosto de 2013 Elaborado e revisto pelo relator Pires da Graça (Relator) Maia Costa
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