Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 5ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ALBERTINA PEREIRA | ||
| Descritores: | ABUSO SEXUAL ABUSO SEXUAL DE CRIANÇAS ASSISTENTE INTERESSE EM AGIR | ||
| Data do Acordão: | 02/19/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
| Sumário : |
I - Uma vez que “conhecer do objecto do processo” é conhecer do mérito ou fundo da causa, ou seja, da viabilidade da acusação, o que terá como consequência a condenação ou a absolvição do arguido, nos termos do disposto nos artigos 400.º n.º1 alínea c) e 432.º n.º 1 alínea b), ambos do Código de Processo Penal (CPP), é de rejeitar, por não ser admissível, o recurso interposto pelas assistentes do acórdão do Tribunal da Relação - que se pronunciou no sentido de carecerem aquelas de interesse em agir - visto o mesmo nada ter decidido no plano substantivo e em termos definitivos, assumindo-se, assim, como decisão de cunho meramente processual. II - Dado que as penas parcelares aplicadas ao arguido são todas elas inferiores a 8 anos de prisão, apenas assim não ocorrendo com pena única que foi fixada em 12 anos de prisão, ao abrigo do disposto no art.º 400.º n.º 1, alínea f), do CPP e em linha com a jurisprudência consolidada deste Supremo Tribunal de Justiça , o recurso interposto pelo arguido do acórdão do Tribunal da Relação relativamente às penas parcelares não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões processuais e de substância com elas conexas colocadas a montante que digam respeito a essa decisão, tais como, nomeadamente, as relativas às nulidades, inconstitucionalidades, vícios indicados no art.º 410.º do CPP, apreciação da prova, qualificação jurídica dos factos e determinação da medida da pena. III - Muito embora a conduta do arguido se tenha espraiado por diversa tipologia de crimes, tendo praticado, entre 2019 e 2021, crimes de importunação sexual, violação agravada, violação, pornografia de menores, extorsão, extorsão na forma tentada, burla, devassa da vida privada, coacção, coacção na forma tentada, acesso ilegítimo e falsidade informática, o cerne da conduta do arguido situou-se no plano sexual. Com efeito, IV - Ao longo daquele período o arguido molestou sexualmente várias das vítimas, pôs em causa a sua liberdade de auto determinação sexual e a sua dignidade humana, sendo que várias das ofendidas eram de menor idade, o que arguido não desconhecia. V - A reiterada e metódica actuação do arguido é reveladora de que se trata de um verdadeiro predador sexual, que, contudo, não se limita à procura de obter para si próprio vantagens pessoais indevidas traduzidas na satisfação dos seus instintos sexuais, como inclusive vai além disso, utilizando os estratagemas engendrados por forma a obter também lucros a nível pecuniário – e tudo, sempre, à conta da fraude, da insídia e da perfídia, e à custa do logro e dos sentimentos de insegurança e medo que causava nas ofendidas, cujos interesses invariavelmente desprezou. VI - O arguido denota assim uma personalidade com graves falhas de carácter e de preparação para manter um comportamento conforme com o respeito dos mais elementares direitos das outras pessoas, que, nos autos, transformou e manietou a seu bel–prazer e com vista apenas e só a satisfazer os seus interesses ilegítimos e reprováveis. VII - A gravidade do conjunto dos factos afere-se ainda pela circunstância de o arguido para a prática dos aludidos crimes ter criado perfis falsos em redes sociais ou em plataformas de comunicação e entretenimento, tendo-se inclusive feito por passar por empresário de futebol e por jogador de futebol ou empresário de futebol perante as vítimas, para assim lograr o contacto com estas assim e levar a cabo os seus intentos criminosos. VIII - No presente caso são muito prementes as exigências de prevenção geral face ao repúdio que as condutas levadas a cabo pelo arguido geram na sociedade, assim como o sentimento de insegurança associado à referida criminalidade. Sendo também patentes as exigências de prevenção especial. O arguido é primário e goza de apoio familiar, o que se verificava à data da prática dos factos e após lhe ter sido decretada a medida de coação de prisão preventiva. Todavia, o mesmo não demonstrou qualquer arrependimento pelos factos que praticou, nem parece ter interiorizado o desvalor da sua conduta e a necessidade de trilhar um caminho conforme ao Direito, abstendo-se no futuro da prática de factos criminalmente ilícitos. Assim, IX - Considerando o disposto no art.º 77.º n.º 2 do Código Penal, uma vez que a pena aplicável ao cúmulo se situa entre 5 anos de prisão (a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes em concurso) a 41 anos e 10 meses (a soma material das penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes em concurso), sendo reduzido o limite máximo a 25 anos (limite legal máximo), atendendo à apreciação conjunta dos factos ilícitos e personalidade do arguido, afigura-se-nos correta, justa e proporcional a aplicação de uma pena única de 12 anos de prisão, pelo que se confirma a medida da pena aplicada e já reiterada nas instâncias, uma vez que medida inferior não daria satisfação às prementes e sérias exigências de prevenção geral e especial. | ||
| Decisão Texto Integral: | Proc. 2071/21.7... S1 5.ª Secção Criminal Acordam na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. Relatório 1. No âmbito do processo comum n.º 2071/21.7JAPRT, em que é arguido AA, que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca do Porto, Juízo Central Criminal do ... – Juiz..., em 19.05.2023 foi proferido acórdão com o seguinte dispositivo: «6. DECISÃO Em face de tudo o exposto, acordam os juízes que compõem este Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal do ... em julgar parcialmente procedente a acusação e, em consequência: I- Ofendida BB: a) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de aliciamento de menores para fins sexuais (art.º 176º-A, nº 1, do Código Penal); b) [Por convolação] Condenam o arguido AA, pela prática de crime de importunação sexual (art.º 170º do Código Penal), na pena de 3 meses de prisão. II –Ofendida CC (de G...): c)Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de violação agravada (art.º 164º, nº 2, al. a), do Código Penal), na pena de 5 anos de prisão; d) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de violação agravada (art.º 164º, nº 2, al. a), do Código Penal), na pena de 5 anos de prisão; e) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de pornografia de menores (art.º 176º, nº 1, al. b), do Código Penal); f) [Por convolação] Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de pornografia de menores (art.º 176º, nº 3, do Código Penal), na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; g) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de extorsão (art.º 223º, nº 1, do Código Penal), na pena de 5 meses de prisão; III –Ofendida DD: h) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de violação agravada (art.º 164.º, nº 2, al. a), do Código Penal); i) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de violação agravada (art.º 164.º, nº 2, al. a), do Código Penal), na pena de 4 anos e 8 meses de prisão; j) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de violação agravada (art.º 164.º, nº 2, al. a), do Código Penal), na pena de 4 anos e 8 meses de prisão; l) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de extorsão, na forma tentada (arts. 22º, 23º, 73º e 223º, nºs 1 e 2, do Código Penal); m) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla (art.º 217º, nº 1, do Código Penal), na pena de 5 meses de prisão; n) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192º, nº 1, al. b), do Código Penal), na pena de 4 meses de prisão; o) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de acesso ilegítimo (art.º 6.º, nº 1, da Lei nº 109/2009, de 15-09 [Lei do Cibercrime]); p) [Por convolação] Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de coacção (art.º 154º, nº 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; IV – Ofendida EE: q) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de extorsão, na forma tentada (arts. 22º, 23º, 73º e 223º, nºs 1 e 2, do Código Penal); V- Ofendidos FF e GG: r) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de coacção (art.º 154.º, nº 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; s) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º, nº 1, al. b), do Código Penal) (ofendida FF), na pena de 4 meses de prisão; t) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192º, nº 1, al. b), do Código Penal) (ofendido HH), na pena de 4 meses de prisão; u) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de acesso ilegítimo (art.º 6º, nº 1, da Lei nº 109/2009, de 15-09 [Lei do Cibercrime]), na pena de 4 meses de prisão. VI - Ofendida II (de C...): v) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla (art.º 217º, nº 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; x) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla (art.º 217º, nº 1, do Código Penal), na pena de 1 ano de prisão; z) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla (art.º 217º, nº 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; aa) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de coacção (art.º 154º, nº 1, do Código Penal); bb) Por convolação] Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de violação (art.º 164º, nº 1, al. b), do Código Penal), na pena de 2 anos de prisão; cc)[Por convolação] Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de violação (art.º 164º, nº 1, al. b), do Código Penal), na pena de 2 anos de prisão; dd) [Por convolação] Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de violação (art.º 164º, nº 1, al. b), do Código Penal), na pena de 2 anos de prisão; ee) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192º, nº 1, al. b), do Código Penal), na pena de 4 meses de prisão; ff) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de acesso ilegítimo (art.º 6º, nº 1, da Lei nº 109/2009, de 15-09 [Lei do Cibercrime]), na pena de 4 meses de prisão. VII - Ofendida JJ: gg) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada (arts. 22º, 23º, 73º e 223º, nº 1, do Código Penal), na pena de 8 meses de prisão; hh) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192º, nº 1, al. b), do Código Penal), na pena de 4 meses de prisão; ii) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de burla (art.º 217º, nº 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; VIII - Ofendidos KK e LL: jj) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de coacção sexual [agravada] (art.º 163º, nº 2, do Código Penal); ll) Por convolação] Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de violação [agravada] (art.º 164º, nº 2, al. a), do Código Penal), na pena de 4 anos de prisão; mm) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de pornografia de menores (art.º 176.º, nº 1, al. b), do Código Penal); nn) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º, n.º 1, al. b), do Código Penal) (ofendida MM), na pena de 4 meses de prisão; oo) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º, n.º 1, al. b), do Código Penal) (ofendido LL), na pena de 4 meses de prisão. IX – Ofendida NN: pp) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de coacção (art.º 154.º, nº 1, do Código Penal); qq) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de coacção na forma tentada (arts. 22.º, 23.º e 154.º, nºs 1 e 2, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; rr) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de importunação sexual (art.º 170.º do Código Penal), na pena de 4 meses de prisão; X - Ofendida OO: ss) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de coacção (art.º 154.º, n.º 1, do Código Penal); tt) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de coacção na forma tentada (arts. 22.º, 23.º e 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; XI – Ofendida PP: uu) Absolvem o arguido AA da prática de um crime de recurso à prostituição de menores (art.º 174.º, n.º 2, do Código Penal). XII – PERFIS DO INSTAGRAM E DO SNAPCHAT vv) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de falsidade informática (art.º 3.º, n.º 1, da Lei nº 109/2009, de 15-09 [Lei do Cibercrime]), na pena de 10 meses de prisão; xx) Condenam o arguido AA, pela prática de um crime de falsidade informática (art.º 3.º, n.º 1, da Lei nº 109/2009, de 15-09 [Lei do Cibercrime]), na pena de 10 meses de prisão. zz) Operado o cúmulo jurídico das penas referidas em b), c), d), f), g), i), j), m), n), p), r), s), t), u), v), x), z), bb), cc), dd), ee), ff), gg), hh), ii), ll), nn), oo), qq), rr), tt), vv) e xx, condenam o arguido AA na pena única de 12 anos de prisão; aaa) Condenam o arguido AA na pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou actividades públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de dez anos (art.º 69º-B, nº 2, do Código Penal); bbb) Condenam o arguido AA na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (adopção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), pelo período de dez anos (art.º 69.º-C, n.º 2, do Código Penal); ccc) Julgam parcialmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante BB e, em consequência, condenam o arguido AA a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 2.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento. ddd) Julgam totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante CC (nascida em .../.../2002, de G...) e, em consequência, condenam o arguido AA a pagar-lhe: i) A título de danos patrimoniais, a quantia de € 50,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da notificação para contestação do pedido cível até efectivo e integral pagamento; ii) A título de danos não patrimoniais, a quantia de € 20.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento. eee) Julgam totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante II (nascida em .../.../2000, de C...) e, em consequência, condenam o arguido AA a pagar-lhe: (i) A título de danos patrimoniais, a quantia de € 9.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da notificação para contestação do pedidocível até efectivo e integral pagamento; (ii) A título de danos não patrimoniais, a quantia de € 10.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento. fff) Julgam totalmente procedente o pedido de indemnização civil deduzido pela demandante KK e, em consequência, condenam o arguido AA a pagar-lhe, a título de danos não patrimoniais, a quantia de € 6.000,00, acrescida de juros de mora, calculados à taxa legal anual dos juros civis, desde a data da presente decisão até efectivo e integral pagamento. ggg) Arbitram à ofendida DD, nos termos do disposto no art.º 82º-A do CPP e no art.º 16.º, nº 2, da Lei nº 130/2015, de 04-09, uma indemnização no valor de € 15.000,00, condenando o arguido AA no respectivo pagamento. hhh) Ao abrigo do disposto no art.º 109.º, nº 1, do Código Penal, declaram perdidos a favor do Estado os cartões SIM e do telemóvel apreendidos ao arguido AA. iii) Ao abrigo do disposto no art.º 110.º, n.º 1. al. b) e nº 4, do Código Penal e sem prejuízo dos direitos dos ofendidos (art.º 110.º, n.º 6, do Código Penal), condenam o arguido AA no pagamento ao Estado, em substituição da perda de vantagens, da quantia total de € 14.450,00. Custas, na parte criminal, pelo arguido, nos termos do art.º 513.º do CPP, fixando-se a taxa de justiça em 6 UC e suportando os encargos devidos (art.º 514.º do CPP). Custas, na parte cível, a cargo de demandantes e demandado, na proporção do respectivo vencimento/decaimento (quanto ao pedido cível da ofendida BB) e a cargo do demandado quanto aos restantes pedidos cíveis. Após trânsito, remeta boletins ao registo criminal. Após trânsito, proceda-se à recolha de amostras ao arguido para inserção do respectivo perfil de ADN na base de dados (art.º 8.º, n.º 1, da Lei nº 5/2008, de 12-02). Proceda a depósito» Não se conformando com aquela decisão, vieram as assistentes BB, CC (de G...), II (de C...)) e KK, por requerimento de ........2023, interpor recurso para o Tribunal da Relação do .... Por decisão sumária do relator foi rejeitado o recurso interposto pelas assistentes, por considerar não disporem as mesmas do necessário «interesse em agir», e ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 401.º n.º 2 “a contrario”, 414.º números 2 e 3, 417.º n.º 6, alínea b) e 420.º, n.º 1, alínea b), do CPP. Desta decisão reclamaram as assistentes BB, CC (de G...), II (de C...)) e MM, requerendo o julgamento em conferência, nos termos do disposto no art.º º 419.º n.º 3, alínea a), do CPP. Pelo Tribunal da Relação do Porto foi rejeitado o recurso apresentado pelas assistentes BB, CC (de G...), II (de C...)) e KK, ficando assim prejudicado o respectivo conhecimento. Também inconformado com a sobredita decisão da 1.ª instância dela recorreu o arguido para o Tribunal da Relação do Porto. Proferido acórdão por essa Relação foi decidido, por maioria, o seguinte: “ Nestes termos, e em face de tudo quanto fica exposto, acordam os Juízes que compõem a 1.ª Secção deste Tribunal da Relação do Porto em: “1.º Rejeitar o recurso apresentado pelas assistentes BB, CC (de G...), II (de C...)) e SS, ao abrigo das disposições conjugadas dos artigos 401.º, n.º 2 “a contrario”, 414.º n.ºs 2 e 3, 417.º n.º 6 alínea b), e 420.º n.º 1, alínea b), todos do Código de Processo Penal. Custas a cargo das assistentes, com a taxa de justiça que se fixa em 3 (três) UCs (cfr. art.º º 420.º n.º 3, do Cód. de Processo Penal). 2.º Não conceder provimento ao recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, confirmar integralmente a decisão recorrida”. 1.2. Inconformadas com aquela decisão dela recorrem as assistentes, formulando as seguintes conclusões: 1. O Acórdão recorrido rejeitou o recurso interposto pelas aqui Assistentes por entender que face às alegações e conclusões deste não decorre que as Assistentes tenham um interesse próprio e concreto em recorrer, desacompanhadas do Ministério Público, quanto à espécie e medida da pena ou que visem extrair desse recurso qualquer efeito que lhes seja útil, já que se circunscreve à função punitiva que compete exclusivamente ao Ministério Público. 2. Para o efeito citam o Assento 8/99, de 30/10/1997, que exige a concreta aferição de um interesse em agir identificável para a posição e os interesses próprios do assistente; o Acórdão do S.T.J. de 07/05/2009 (proc. 09P0579), segundo o qual “o interesse em agir resultará da análise da pretensão do recorrente, em concreto, quando confrontada com a respectiva necessidade ou indispensabilidade para fazer vingar um direito ou interesse seu. É dizer, averiguamos se o direito ou interesse prosseguido pelo assistente é atendível para o efeito, tendo em conta o respectivo estatuto processual e, no limite, aquilo que se pretende coma punição»; o Acórdão de Fixação de Jurisprudência nº 2/2020, de 13/02/2020,que concluiu que «O assistente, ainda que desacompanhado do Ministério Público, pode recorrer para que a suspensão da execução da pena de prisão em que o arguido foi condenado fique condicionada ao pagamento, dentro de certo prazo, da indemnização que lhe foi arbitrada» – assim como que isolando uma situação em que, nesses casos, um tal interesse em agir próprio pode descortinar–se; e ainda o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 11/01/2023, (proc. 4058/18.8JAPRT.P1), que estatui que: «se a posição da assistente nesta matéria conflitua coma posição a este respeito assumida pelo Ministério Público, aquela só poderia recorrer demonstrando ser titular de um interesse próprio, atendível, a defender. 3. Acresce que, o Acórdão recorrido fez tábua rasa de todos os argumentos apresentados pelas aqui Assistentes, nem sequer os abordando, quanto mais refutando-os ou julgando-os improcedentes, mantendo na integra os fundamentos invocados na decisão singular do relator. 4. Ora, é do conhecimento geral que as Assistentes têm um interesse próprio e pessoal em agir, autónomo do Ministério Público, que decorre do seu próprio estatuto de VÍTIMAS. 5. Pois, têm um interesse pessoal, aliás pessoalíssimos como refere o acórdão de 1ª instância, próprio de cada uma das Assistentes, e autónomo do Ministério Público, de autodeterminação sexual e dignidade humana, que não se encontra devidamente tutelado com o simples ressarcimento dos danos morais sofridos por estas, fazendo parte dos interesses próprios das Assistentes, a medida concreta da pena de prisão em que o arguido é condenado por cada um dos crimes que praticou contra cada uma das suas vítima s, como tutela efetiva do direito de cada vítima que foi violado, jamais se podendo considerar que tal representa qualquer tipo de vingança privada. 6. Com efeito, as Assistentes referem expressamente ao longo das suas conclusões: “Pelo que, face aos fatos provados no seu todo, que violam bens jurídicos eminentemente pessoais como a autodeterminação sexual e a dignidade humana, abrangendo um número elevado de VÍTIMAS, algumas até MENORES...“Então urge questionar: Quanto vale a dignidade e integridade de cada pessoa humana? É igual para a pena única violar uma pessoa, a violar quatro pessoas? É igual violar uma vez ou várias vezes a mesma pessoa? Sendo que a CC de G... foi violada duas vezes na sua própria casa, a II (de C...) foi violada três vezes e a SS foi violada uma vez. Será que o nosso Código Penal atribui mais importância ao património oque à pessoa humana, em flagrante violação dos princípios constitucionais vigentes, dos direitos fundamentais e da Declaração Universal dos Direitos do Homem? Pois, nos crimes sexuais, a repetição em sede de concurso é desvalorizada ou quase ignorada, sendo a pena única aplicada por duas violações praticamente iguala 10 violações, ou várias dezenas de outros crimes sexuais, beneficiando amplamente o arguido, dando-lhe um sinal claro para continuar a praticar tais crimes, o maior número de vezes consecutivas possíveis, dada a sua total impunidade, daí o exponencial aumento deste tipo de crimes, sobretudo contra menores que são mais vulneráveis, e a consequente revitimização para as suas vítima s que são desconsideradas, humilhadas e rebaixadas na sua própria dignidade humana, quase consideradas “instigadoras”, sobretudo quando são adolescentes e jovens mulheres, numa sociedade retrograda e ainda muito marcada pelo machismo. Os especialistas alertam que a taxa de reincidência neste tipo de crimes é altíssima (aliás como consta das próprias estatísticas). E mais: dizem que as penas a que os abusadores sexuais são condenados afeta também as vítimas. “Esta questão da condenação da pessoa que agrediu, que a abusou, é muito importante até para o próprio processo de recuperação - sentir que o agressor foi sancionado, punido de alguma forma pela Justiça”. Assim, urge repensar as penas únicas aplicadas aos concursos de crimes sexuais, que são normalmente fruto da ineficácia do próprio sistema judicial e que a final ainda beneficiam o arguido, quase como se de um único crime se tratasse, quando tais crimes são especialmente censuráveis e repugnantes e deixam sequelas graves e permanentes nas suas vítima s para a vida toda, podendo inclusive levar ao suicídio. É, pois, a tutela desses bens jurídicos eminentemente pessoais que constitui o fundamento da elevada gravidade destes crimes, pelo que não pode ser indiferente o número de crimes cometidos nem o número de pessoas que foram atingidas na sua dignidade humana. Pois, ao unificar todos estes crimes numa pena única como se de um único crime se tratasse, um pedaço de vida do arguido, estamos a desconsiderar o pedaço de vida de cada uma das suas vítimas , a quem violou a sua dignidade humana, que devem no mínimo merecer igual respeito que o arguido. Estamos cientes de que o limite máximo de prisão em Portugal é de 25 anos que normalmente se aplica a um crime de homicídio. Mas será que 8 violações, sendo cinco agravadas e 3 de menores não têm a mesma gravidade e relevância que um único crime de homicídio, a que acresce mais 25 outros crimes, que lesam maioritariamente bens pessoais mas também patrimoniais: importunação sexual, coação, devassa da vida privada, acesso ilegítimo, falsidade ideológica, burla, extorsão? Sempre se poderá dizer que nas violações, as pessoas não morrem, mas ficam com sequelas físicas e traumas psicológicos para o resto das suas vidas, que as vão afetar na sua capacidade de relacionamento, interação social e profissional, como é do conhecimento geral e ficou bem patente com a investigação feita recentemente às vítimas da Igreja Católica, que vieram denunciar casos acontecidos há décadas e que os marcaram e ainda marcam para a vida toda. Aliás, neste caso específico, o arguido teve intenção de se aproveitar de todas e cada uma destas jovens mulheres, algumas até menores, para satisfazer os seus instintos libidinosos e obter vantagens económicas, não se coibindo de as ameaçar com a divulgação das suas fotos ou vídeos, mantendo-as assim, debaixo do seu jugo para sobre elas exercer o seu“ poder” e estas fazerem tudo o que ele lhes mandava, dando-se ao luxo de lhes fazer várias propostas para estas escolherem, entre lhe mandarem mais fotos olvide os de cariz sexual, manterem relações sexuais com este ou com quem ele indicasse, entregar-lhe quantias em dinheiro ou fazer o que este dissesse durante um determinado período de tempo – oque denota a sua total perversidade e frieza de animo, para quem tudo isto representava um jogo de manipulação e domínio, sem qualquer empatia pelas suas VÍTIMAS. Aliás, basta ler com atenção, as trocas de mensagens transcritas nos autos, designadamente com a MM e CC e TT, para avaliar a personalidade desviante, manipuladora, insensível e até cruel do arguido, que revelou absoluta indiferença, frieza e até requintes de malvadez face às perturbações que causava às suas vítimas, mesmo quando estas estavam desesperadas e diziam que se iam matar, continuava a ameaçá-las coagindo-as a fazer o que ele lhes mandava. Desde 2019 até 2022, data em que foi preso preventivamente, o arguido cometeu a panóplia de crimes em que foi condenado nestes autos, sem olvidar as cifras negras a que faz referência o Inspetor da Polícia Judiciária que investigou este caso das vítimas que desistiram das queixas ou que nem sequer as apresentaram por vergonha ou por não acreditar na justiça. Pois, se por um lado, o direito à vida é inalienável e deve ser preservado a todo o custo; por outro, a autodeterminação do indivíduo e seu direito de viver com dignidade é o fundamento para o direito a vida, estando acima deste.” 7. Face ao exposto, dúvidas não podem restar que, as aqui Assistentes demonstram ter um interesse próprio e pessoal em agir, autónomo do Ministério Público, designadamente também quanto à medida da pena, porque são vítimas, a quem foi violada a dignidade humana e autodeterminação sexual de cada uma delas, o que deixou sequelas psicológicas próprias em cada uma, pelo que faz parte da tutela dos seus direitos a medida que reputam justa da pena aplicada ao arguido. 8. Pois, como ensinamos especialistas na matéria, apena em que o arguido é condenado ajuda no processo de recuperação, não sendo indiferente para cada uma das Assistentes o quantum da pena em que o arguido é condenado por cada um dos crimes de que foram vítimas, ou seja, representa quanto vale para a justiça, o direito pessoal de cada uma das Assistentes à dignidade humana e à autodeterminação sexual. 9. As Assistentes lançam a tónica de quanto vale o seu direito pessoal à dignidade humana? Porque é que, a quantidade de crimes que protegem bens patrimoniais é mais valorizada no cúmulo jurídico da pena do que nos crimes que tutelam bens pessoais? Como se os valores pessoais da dignidade humana, da autodeterminação sexual fossem menos relevantes em relação a cada vítima do que os valores patrimoniais. 10. Basta para tal, como é do conhecimento geral, ter presente os crimes sexuais agora descobertos de padres da Igreja Católica, em que as vítimas, passado muitas décadas, algumas mais de 60 anos, vêm revelar os seus “negros segredos” que as assombraram a vida inteira. 11. Aliás, está provado cientificamente que a pena em que o arguido é condenado é importante e faz parte do processo de recuperação da própria vítima, para esta poder encerrar um ciclo ao sentir que foi feita justiça no seu caso concreto. Pois, na verdade haverá alguma compensação possível pela violação da dignidade humana de uma pessoa, por uma ou várias vezes? E quanto vale a dignidade humana de várias pessoas, a mesma coisa que a de uma só? 12. Ora, é exactamente por tudo isto que, o aqui arguido tem passado incólume pelas malhas da justiça há mais de uma década e é agora tratado com todas as benesses de um arguido primário, beneficiando ainda com o cúmulo jurídico das suas penas, sendo tratado o todo, como se de uma única violação se tratasse. 13. Será que qualquer homem médio considera que o facto de receber uma indemnização, que as vítimas nem sequer sabem se vão receber, porque o arguido aparentemente não tem bens (cfr. pedido de apoio judiciário agora junto), ter de esperar pelo Fundo de Apoio às vítimas, que só pode ser acionado depois de transitada em julgado a decisão, é suficiente para servir a tutela da dignidade humana de cada uma destas vítimas? 14. Será que saber que daqui a meia dúzia de anos, o arguido está cá fora novamente, é apto à tutela do direito das vítimas, que temem obviamente por represálias? 15. Sem prescindir, o entendimento desenvolvido no Acórdão ora em crise é completamente incongruente, fazendo depender o direito de recurso das Assistentes da operacionalidade ou inércia do respetivo Ministério Público, o que desencadearia decisões completamente discricionárias e arbitrárias, em violação do princípio da igualdade e da tutela jurisdicional efetiva dos direitos de cada vítima , consagrados constitucionalmente 16. Em suma, no caso sub judice, é facto público e notório e decorre das alegações e conclusões de recurso das Assistentes que cada uma delas demonstra ter um interesse concreto e próprio atendível que permite dizer que a decisão recorrida foi proferida contra si e, portanto, que em relação a ela tem interesse em recorrer, o que resultado seu próprio estatuto de vítima e da comprovação cientifica de que o quantum da pena é relevante para a vítima no seu processo de recuperação, independentemente de qualquer indemnização que lhe possa ser atribuída e ainda do comportamento assumido ao longo do processo por cada uma delas, pugnando para que o arguido fosse condenado nas penas máximas aplicáveis a cada crime em concreto que lhe imputavam em cumulo na pena máxima de 25 anos de prisão (vd. CC). 17. Pois, as Assistentes foram vítimas dos crimes de violação, importunação sexual, pornografia de menores e devassa da vida privada, tudo direitos eminentemente pessoais que justificam o seu interesse concreto e próprio numa maior condenação do arguido que não traduz qualquer vingança, já que os danos provocados pelo arguido nestas vítimas são incomensuráveis e deixam sequelas graves e permanentes para avida toda. Aliás, como refere o douto Acórdão de 1ª instância: “A prática de crimes sexuais costuma deixar sequelas na vítima, pelo menos a nível psicológico, evidenciando os factos provados que as ofendidas sofreram danos psicológicos com a actuação do arguido (e é manifesto o medo e até pânico que a actuação do arguido provocou em várias das ofendidas”). Por isso, é evidente que não é indiferente para tutelado direito de cada vítima, quantos anos o arguido vai ficar preso e o medo que têm do que lhes poderá fazer quando sair. 18. Para sufragar a posição das Assistentes/Vítimas seguiremos de perto o Acórdão do STJ de 03.02.2021 in dgsi Proc. nº 4038/18.3JAPRT.P1.S1, que aqui se dá como totalmente reproduzido e integrado para todos os efeitos legais, com o qual concordamos na integra: “Com efeito, como vem sendo salientado pela mais atualizada jurisprudência, as interpretações restritivas quanto ao papel do assistente em processo penal assentam numa visão exclusivista do papel punitivo do Estado, personificado no Ministério Público. A evolução da jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem ido no sentido de ampliar a intervenção efetiva do assistente na conformação e desenvolvimento do processo penal, enfatizando-se a tendência legiferante no sentido do reforço do estatuto da vítima com a expansão dos direitos de intervenção ativa e autónoma no processual penal. O Estado de Direito Democrático só pode querer que o arguido culpado de ter cometido um crime, seja condenado na justa medida – art.º º 18º da Constituição da República –, naturalmente decorrente da acertada interpretação e aplicação das regras que comandam a escolha e a individualização da pena. Dimensão que não será alcançada tanto por uma pena excessiva e desproporcionada como por uma pena que, principalmente na espécie, mas também na medida concreta peca por manifesta escassez à luz daqueles critérios legais e da aplicação prática que a jurisprudência maioritariamente tenha vindo a adotar. Por conseguinte, existe um entendimento largamente maioritário no sentido de que o assistente pode recorrer mesmo que do provimento do recurso advenha alteração da espécie e medida da pena sempre que ao longo do processo tenha pugnado ativamente por uma determinada solução jurídico-criminal que a decisão final não consagrou. A aferição da legitimidade e interesse em agir dos recorrentes terá de ancorar-se na atitude assumida no processo”. 19. Ora, dúvidas não podem restar que as Assistentes pugnaram ao longo de todo o processo, nomeadamente nas suas acusações e pedidos de indemnização cíveis, pela condenação do arguido nas penas máximas de prisão efetiva previstas para cada um dos crimes que lhe imputavam, dado fazer destes crimes modo de vida, impunemente, há mais de 10 anos consecutivos. tendo inclusive a Assistente CC(de G...) pedido a condenação do arguido na pena máxima de 25 anos de prisão efetiva. 20. Por sua vez, como refere o Tribunal Constitucional, no acórdão n.º 205/2001: “Cremos poder interpretar que legislador processual penal reconhece ao assistente uma “atuação constitutiva(…) em ordem a obter uma decisão justa de a cordo com as suas expectativas”. 21. De igual modo, sustenta o Acórdão do STJ de 25/10/2018 (5ª secção) que, “ainda que as finalidades da punição que justificam a espécie e a medida da pena, não visam dar satisfação ao ofendido pelo crime, (…) não pode escamotear-se que o assistente tem também um interesse próprio e concreto na resposta punitiva que é justa posto ao interesse comunitário na realização da justiça. Nessa justaposição (…) é que deve ser encontrado «o fundamento para a possibilidade de recurso autónomo do assistente em matéria penal».(…)«enquanto assistente, ele temo poder de procurar conformar a resposta à questão penal, que engloba quer a questão da culpa quer a questão da pena. Logo, se através da operação de determinação da medida da pena em sentido amplo o Tribunal chegar a uma decisão contrária à pretensão manifestada pelo assistente no processo e que ofenda o seu concreto interesse na justeza da punição (…), dessa decisão deverá o assistente ter a faculdade de recorrer de forma autónoma”. Tendo sido decretada no acórdão da 1ª instância pena em espécie diferente ou em medida inferior às reclamadas pelo assistente, aquela decisão foi, sem dúvida, proferida contra o concreto interesse na justeza da punição”. 22. Por conseguinte, o Assistente pode recorrer desacompanhado do MP, no que concerne à espécie e medida concreta da pena, se for essa a via de alcançar tutela judicial efetiva para as pretensões apresentadas e pelas quais pugnou ativamente na sua intervenção processual. Pois, se o Tribunal decide ir em sentido contrário à pretensão manifestada pelo assistente no processo relativamente à operação de determinação da medida da pena em sentido amplo, ofendendo o seu concreto interesse na justeza da punição, entende-se que o mesmo poderá ter a faculdade de recorrer de forma autónoma pois, nesta situação, não se poderá afirmar ser indiferente quer para o interesse comunitário, quer para o interesse do assistente, que a dimensão e a qualificação do tipo de culpa ou do tipo de ilicitude, possa ser aferida superiormente, situação que se verificou no caso em apreço. 23. Sem prescindir, o próprio Acórdão do STJ de Fixação de Jurisprudência nº 2/2020 citado no acórdão recorrido refere expressamente: “No dizer de Cláudia Cruz Santos, o interesse próprio e concreto do assistente na resposta punitiva é paralelo ao interesse comunitário na realização da justiça e "se tanto a questão da culpa como a questão da pena [globalmente considerada] se incluem no exercício do ius puniendi do Estado, a solução relativa à possibilidade de o assistente delas recorrer deverá ter idêntico sentido". Também Damião da Cunha refere que "o interesse que o assistente eventualmente corporize (que tem de ser um interesse particular, autónomo) tem que estar subordinado ao interesse público, pelo que a actuação do assistente, fundada no interesse particular, só assume relevância(processual) na medida em que contribua para uma melhor realização da Administração da Justiça". Daqui decorre, desde logo, que a autonomia do assistente no direito ao recurso não põe em causa o ius puniendi estatal, nem traduz qualquer desejo de vindicta privada”. 24. Finalmente, o Ac. do STJ de 06.05.2021 in dgsi Proc. 214/19.0JDLSB.L1.S1vem reforçar tal entendimento: “Entendemos que o assistente, que viu os seus bens jurídicos lesados com a prática do crime, tem também um interesse próprio na resposta punitiva dada pelo Estado. Se podemos dizer, por um lado, que há um interesse da coletividade na resposta ao crime, há, por outro lado, um interesse concreto do assistente em uma resposta punitiva que entenda como justa tendo em conta os bens jurídicos que foram ofendidos. Na verdade, “enquanto assistente, ele tem o poder de procurar conformar a resposta à questão penal, que engloba quer a questão da culpa, quer a questão da pena”. 25. Ora, considerando a necessidade de demonstração de interesse processual pelo assistente, verificamos que este é, no presente caso, demonstrado em diversos pontos: todas as aqui Assistentes são vítimas, deduziram acusação, assim demonstrando claramente o seu interesse na condenação e punição do arguido, pedindo inclusive a sua condenação nas penas máximas aplicáveis a cada um dos crimes, que lhe era imputado, tendo a Assistente CC (de G...) pedido inclusive a condenação do arguido em25 anos de prisão efetiva. 26. Acresce que, as Assistentes deduziram pedidos de indemnização cíveis e ainda intervieram nos autos, nomeadamente através de mandatário constituído, nas várias sessões de audiência de discussão e julgamento, aquando da leitura do acórdão, e ainda responderam ao recurso interposto pelo arguido para o Tribunal da Relação. 27. Certo é que as assistentes, tendo tido uma intervenção ativa ao longo de todo o processado, devem igualmente poder recorrer da decisão que delibera sobre factos que contra elas foram perpetrados, e nessa medida constituindo um recurso de uma decisão que as afeta. 28. Acresce que, conferindo o Código de Processo Penal uma intervenção ativa da vítima no processo penal (cf. art.º 67-A, n.º 4), entendemos que é de admitir o recurso interposto, considerando existir legitimidade nos termos do art.º 401.º, n.º 1, al. b), do CPP. 29. Em conclusão, apesar desta matéria ser alvo de grande controvérsia, a jurisprudência do STJ, do Tribunal Constitucional e a doutrina mais recentes manifestam-se inequivocamente no sentido de que o assistente pode recorrer desacompanhado do MP, no que concerne à espécie e medida concreta da pena, se essa for a via de alcançar tutela judicial efetiva para as pretensões apresentadas e pelas quais pugnou ativamente na sua intervenção processual. 30. Ora, no caso sub judice, as Assistentes pugnaram ao longo de todo o processo, designadamente no próprio julgamento pela aplicação ao arguido das penas de prisão efetiva máximas em relação a cada crime que lhe foi imputado, pedindo a condenação do arguido na pena máxima de 25 anos de prisão efetiva. 31. Pelo que, tendo sido decretado no acórdão da 1ª instância penas parcelares e pena única em medida inferior às reclamadas pelas Assistentes, aquela decisão foi, sem dúvida, proferida contra o seu concreto interesse na justeza da punição, e portanto contra elas, vítima s de crimes sexuais que ofenderam os seus interesses pessoais de autodeterminação sexual dignidade e humana. Pelo que, as aqui Assistentes têm legitimidade e interesse em agir para recorrer, devendo o seu recurso ser admitido e julgado totalmente procedente, com vista à tutela efetiva dos seus direitos consagrada constitucionalmente. 32. Quanto à parte cível, não podiam as Assistentes recorrer já que os seus pedidos foram julgados totalmente procedentes, exceto o da BB, dada a alteração da qualificação jurídica do crime imputado ao arguido, sendo irrecorrível (art.º 400º nº 2 do CPP). 33. Assim sendo, o Acórdão recorrido viola os arts. 401.º n.º 1 al. b) por referência ao art.º 67º-A n.º 4, art.º 69.º n.º 2 al. c), art.º 414.º n.º 1, todos do CPP e ainda os direitos constitucionais à dignidade humana, à autodeterminação sexual, à igualdade e à tutela jurisdicional efetiva. (art.º 20º da CRP). Pois, as aqui Assistentes têm um interesse próprio e concreto, autónomo do MP, em uma resposta punitiva que entendam como justa tendo em conta os seus bens jurídicos que foram violados. quando segundo as suas expectativas face à sua intervenção processual, a medida concreta da pena aplicada ao arguido peca por manifesta escassez, contribuindo assim para a realização da justiça material. TERMOS EM QUE, deve o acórdão recorrido ser revogado e substituído por outro que admita o recurso das Assistentes, por serem vítimas e terem um interesse próprio e autónomo em agir, desacompanhadas do Ministério Público, para tutela dos seus direitos pessoais que foram violados, tendo o acórdão sido proferido contra si, por terem pugnado ao longo do processo pela condenação do arguido na pena máxima de prisão efetiva, conforme tem sido entendimento da jurisprudência maioritária do Supremo Tribunal de Justiça e do Tribunal Constitucional, bem como da doutrina mais recentes, e em consequência ser o recurso apreciado e julgado procedente nos seus precisos termos, fazendo-se, assim, inteira e sã JUSTIÇA! 1.3. Também inconformado com o sobredito acórdão, dele recorre o arguido, tendo concluído o seguinte: 1. O aqui Arguido foi condenado, no âmbito dos presentes autos, pela prática de dois crimes de importunação sexual (p.e p. pelo art.º 170.º do Código Penal); quatro crimes de violação agravada (p. e p. pelo art.º 164º, n.º 2, al. a)); um crime de pornografia de menores (p. e p. pelo art.º 176º, n.º 3 do Código Penal); um crime de extorsão (p. e p. pelo art.º 223.º n.º 1 do Código Penal); cinco crimes de burla (p. e p. pelo art.º 217.º, n.º 1 do Código Penal); sete crimes de devassa da vida privada (p. e p. pelo art.º 192.º, n.º 1, al. b) do Código Penal); um crime de coação (p. e p. pelo art.º 154.º, n.º 1 do Código Penal); dois crimes de acesso ilegítimo (p. e p. pelo art.º 6º , n.º 1, da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro); três crimes de violação (p. e p. pelo art.º 164.º, n.º 1, al. b) do Código Penal); um crime de extorsão na forma tentada (p. e p. pelos arts.22º, 23º, 73º e 223º, n.º 1 do Código Penal); um crime de violação [agravada] (p. e p. pelo art.º 164º, n.º 2, al. a) do Código Penal); dois crimes de coação na forma tentada (p. e p. pelos arts.22º, 23º e 154º, nºs. 1 e 2 do Código Penal e dois crimes de falsidade informática (p. e p. pelo art.º 3º, n.º 1 da Lei n.º 109/2009, de 15 de setembro). 2. Em consequência de tais condenações foi o Arguido condenado, em cúmulo jurídico na pena única de 12 (doze) anos de prisão. 3. A tais condenações acresce a pena acessória de proibição de exercer profissão, emprego, funções ou atividades públicas ou privadas, cujo exercício envolva contacto regular com menores, pelo período de 10 (dez) anos; 4. E, ainda, na pena acessória de proibição de assumir a confiança de menor (adoção, tutela, curatela, acolhimento familiar, apadrinhamento civil, entrega, guarda ou confiança de menores), igualmente pelo período de 10 (dez) anos. 5. Tal condenação assentou nos factos dados como provados pelo Tribunal de 1.ª instância. 6. O Arguido recorreu para o Tribunal da Relação que confirmou, na íntegra, a decisão já proferida. 7. No entanto, o aqui Recorrente considera que a pena a que foi condenado se revela excessiva e desproporcional, 8. Sucede que, tal pena se revela excessiva, uma vez que, na mesma se encontram englobadas penas de prisão referentes a crimes que admitem pena de multa, nomeadamente, os crimes de importunação sexual, devassa da vida privada; burla; coação; acesso ilegítimo e falsidade informática. 9. Atente-se que o art.º 70.º do Código Penal impõe que, se o Arguido for condenado pela prática de um crime que admita pena privativa e pena não privativa da liberdade, o Tribunal deve dar preferência à segunda, caso esta se afigure necessária e suficiente a realizar as finalidades da punição. 10. Finalidades essas previstas no art.º 40.º do Código Penal. 11. Ora, lamentavelmente, olvidou-se, quer o Tribunal de 1ª instância, quer o Tribunal “A Quo”, de considerar todas as circunstâncias do caso concreto que militam a favor do Arguido e que justificam a aplicação da regra legalmente estabelecida no art.º 70.º do Código Penal. 12.Em primeiro lugar, a ausência de antecedentes criminais 13.Pelo que, salvo o devido respeito, o Tribunal “A Quo” não tem elementos suficientes para afirmar com certeza que a pena de multa não é suficiente para acautelar os fins das penas, merecendo o Recorrente da oportunidade de lhe ver ser aplicada pena não privativa da liberdade. 14.O Recorrente, à data da prática dos factos, tinha menos de 30 anos de idade. 15.O seu percurso de vida revela inserção familiar, profissional e pessoal, tal como consta do seu Relatório Social. 16.No entanto, a sua vida ficou marcada por constantes períodos de estados de depressão profunda, pois, a dada altura da sua vida, debateu-se com problemas de obesidade, tendo atingido, infelizmente, os 150kg. 17.Tal circunstância levou o aqui Recorrente a repudiar o seu próprio corpo e a ter vergonha de si próprio, e, consequentemente, refugiou-se nas mais ínfimas atividades que um adolescente com este tipo de problemas se refugia. 18.O que o levou a desenvolver determinados vícios, como foi a sua adição ao jogo. 19.Atualmente, em meio prisional, o Recorrente não apresenta nenhum registo disciplinar, tendo procurado manter-se ocupado e, assim, dedicando-se à faxina do pavilhão. 20.Também na prisão iniciou o tratamento em psicologia, sendo que já teve uma consulta da especialidade. 21.Não procurando, o aqui Recorrente, ignorar a gravidade dos factos em causa, a verdade é que também não se pode ignorar o seu percurso de vida. 22.Parece, ao Recorrente que a preferência pela pena de prisão em relação à pena de multa se deveu à análise conjunta dos factos e não à análise dos factos respeitantes a cada um dos crimes. 23.O que leva a questionar o seguinte: se o aqui Recorrente estivesse a ser julgado apenas por tal crime, seria de igual modo aplicada pena de prisão? Ou pena de multa? 24.Face ao exposto, parece-nos ser de aplicar a pena de multa a cada um dos crimes mencionados no ponto 8 das presentes conclusões, sendo os mesmos, deste forma, excluídos do cúmulo jurídico. Contudo e, sem prescindir, 25.A pena de 12 (doze) anos de prisão a que o Recorrente foi condenado revela-se manifestamente excessiva e desproporcional. 26.Isto porque, o Tribunal não aferiu devidamente das regras constantes nos arts. 70.º, 71.º, 72.º e 77.º do Código Penal. 27.Nos termos do art.º 77º do Código Penal, o cúmulo das penas têm como limite mínimo a maior das penas a que o Arguido foi condenado e limite máximo a soma de todas as penas a cumular, sendo irrelevantes as penas de substituição ou o modo de execução da pena. 28.No caso concreto, o limite mínimo corresponde a 5 (cinco) anos e o limite máximo a 25 (vinte e cinco) anos (soma das penas a que o Recorrente foi condenado reduzido ao máximo legalmente admissível). 29.Neste sentido, o Tribunal de 1.ª instância entendeu fixar a condenação numa pena única de 12 (doze) anos, 30.Sucede, porém, que, a determinação de tal pena não obedeceu ao legalmente previsto. 31.Pois, prevê o art.º 71º do Código Penal que na determinação da medida concreta da pena, o Tribunal deve atender a todo um conjunto de circunstâncias que dispuserem a favor do Arguido ou contra ele. 32.No caso em apreço, olvidou-se o Tribunal de considerar tais fatores positivos a favor do Arguido e que são vários. 33.Neste sentido, dá-se por integralmente reproduzidas todas as considerações tecidas nos pontos 12 a 21 das presentes conclusões. 34.Atendendo ao legalmente estabelecido e à jurisprudência portuguesa, todas estas circunstâncias devem ser tidas em consideração na ponderação da pena única. 35.Neste sentido, face ao exposto a pena única a aplicar ao aqui Recorrente deve fixar-se próxima do limite legal, 36. E, portanto, nunca superior a 7 (sete) anos de prisão. Sem embargo, 37. Cumpre ainda alegar a falta de fundamentação da decisão que condenou o aqui Recorrente. 38.Isto porque, na mesma não foram explanadas as razões de facto e de direito que permitiu ao Tribunal determinar a não aplicação da pena de multa nos crimes já mencionados. 39. Ora, tanto da decisão de 1ª instância, como da decisão do Tribunal da Relação, resulta que não foram devidamente ponderados os diversos circunstancialismos anteriormente referidos quanto ao aqui Recorrente. 40. Assim, e atento à jurisprudência, tal situação, em bom rigor, acarreta nulidade da decisão por falta de fundamentação. 41. Requerendo-se, desde já, a declaração de nulidade da decisão proferida, por falta de fundamentação. Além do mais, 42. O direito de queixa dos ofendidos II (de C...) e HH padecem de caducidade, 43. Situação que foi invocada pelo Recorrente em sede de recurso. 44.O Tribunal da Relação, conclui pela não verificação da caducidade do direito de queixa desses ofendidos, tendo fundamentado de acordo com o ponto 97 da presente matéria recursiva. 45. Ora, é precisamente esta a matéria que o aqui Recorrente pretende ver reexaminada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 46.No que concerne ao Ofendido HH, resulta da matéria da facto dada como provada que o Recorrente partilhou vídeos íntimos do mesmo e da Ofendida IIentre .../.../2021 e .../.../2022. 47.O Ofendido HH apresentou queixa relativamente a tal factualidade a ... de ... de 2022. 48.O Tribunal da Relação do Porto pronunciou-se no sentido de que, o que importa para ferir da tempestividade do exercício do direito de queixa é o momento em que o Ofendido toma conhecimentos da prática do (s) factos e do(s) seus(s) autor(es). 49.Afirmando, ainda que não resulta dos autos que o Ofendido tenha tido conhecimentos de tais factos antes de ... de ... de 2022. 50.Portanto 6 (seis) meses antes da apresentação da queixa). 51.Jamais, poderá o aqui Recorrente conformar-se com tal fundamentação. 52.Pois, não é o Arguido quem tem o ónus de demonstrar a verificação de tal data, mas antes o Tribunal. 53.No entanto, em toda a sua fundamentação, não é possível apurar a data exata em que o Ofendido tem conhecimento dos factos, muito menos se tal momento foi antes ou depois de ... de ... de 2022. 54.Tão pouco, o Tribunal logrou apurar de tal momento, não questionando o Ofendido quanto a esse facto. 55.Da denúncia apresentada pelo Ofendido resulta que o mesmo teve conhecimento da partilha dos vídeos “tempos depois”. 56. Tal expressão é manifestamente relativa, podendo corresponder a dias, semanas ou meses depois. 57. Assim, no escrupuloso cumprimento do princípio do In dubio pro reo, em caso de dúvida, a data do conhecimento por parte do Ofendido, sempre deveria ter sido decidida a favor do Arguido. 58. E, neste sentido, deveria ter sido declarada como verificada a caducidade do direito de queixa do Ofendido HH e, consequentemente, ser o Arguido absolvido da prática de tal crime. 59. No que diz respeito à Ofendida II (de C...)), a mesma apresentou queixa a ... de ... de 2022. 60. Ora, o Tribunal entendeu que a queixa foi apresentada tempestivamente. 61.Porque, pelo menos a ... de ... de 2022 (data da última tentativa de contacto da Ofendida, registada), a mesma estaria convicta de se estar a relacionar com o UU, jogador profissional de futebol. 62. E que, só após tomar conhecimento de a pessoa com quem se comunicava não era o UU é que podia apresentar queixa. 63. No humilde entendimento do Recorrente, independentemente do seu autor, o que é certo é que o crime se consumou. 64. Em tal momento, a Ofendida tinha perfeito conhecimento de que aquilo que lhe sucedera tratavam-se de vários crimes, pelo que sempre poderia (e deveria) ter apresentado queixa contra o UU. 65. No entanto, parece-nos que a mesma só sentiu lesada e só entendeu que foi vítima de um crime quando descobriu que o autor do mesmo não foi o UU, jogador profissional de futebol, mas antes o aqui Recorrente. 66. Quanto à Ofendida II (de C...) estamos perante crimes contra a auto liberdade sexual, em que no momento da sua prática, a vítima tem pelo conhecimento do que acabara de suceder. 67. No que tange aos crimes de burla, os mesmo ocorreram ... e que se referem a três situações dentro do mesmo hiato temporal. 68. Duas delas foram a título de empréstimo, pelo que a Ofendida sempre poderia aguardar pela sua devolução. 69. A outra, a quantia de € 5.000,00, tratou-se de um valor para aquisição de uma viatura para a Ofendida. 70. Neste sentido, a partir do momento em que tal viatura não é entregue, a Ofendida de imediato deveria ter desconfiado que algo de errada se passava. 71. O crime de violação sucedeu, de acordo com os factos dado como provados, em .... 72. E quanto ao crime de devassa da vida privada, conforma resulta das declarações da ofendida prestadas em sede de audiência de discussão e julgamento, ocorreu em .... 73. O que significa que os crimes perpetuados contra a Ofendida ocorreram até .... 74. Crimes esses praticados por uma determinada pessoa, cuja identidade (verdadeira ou não) a Ofendida conhecia, pelo que podia ter apresentado queixa contra essa pessoa. 75. Pois, após a apresentação da queixa, se a Ofendida lograsse aferir que o autor do crime seria outra pessoa, poderia retificar a mesma. 76. O que não fez. 77. Assim, o seu direito de queixa caducou em .... 78. No entanto, a Ofendida apenas apresentou queixa relativamente aos factos aqui em apreço a ... de ... de 2022. 79. Face ao todo o exposto também deve ser declarada a caducidade do direito de queixa da Ofendida II (de C...). Termos em que, deve o presente recurso ser julgado totalmente procedente, e em consequência, ser declarada a nulidade do Acórdão Recorrido por falta de fundamentação, com as demais consequências legais; a) Caso assim vexa não entenda, o que só por mero deleito intelectual se concebe, mas não se concede, deve a decisão revidenda ser revogada e substituída por outra que reconheça a caducidade do direito de queixa dos Ofendidos II (de C...)) e HH e, consequentemente, que extinga a responsabilidade do Recorrente quanto aos mesmos. . b) Que aplique ao Recorrente pena de multa pela prática de: -2 crimes de importunação sexual p. e. p. pelo art.º 170.º do Código Penal, relativamente às Ofendidas BB e NN. -7 crimes de devassa da vida privada, p. e. p. pelo art.º 192.º, n.º1, b) do Código Penal relativamente aos Ofendidos DD, FF, GG, II (de C...)), JJ, KK e LL. -5 crimes de burla, p.e.p. pelo art.º 217.º, n.º1 do Código Penal relativamente aos Ofendidos DD, II (de C...)) (3) e JJ. -4 crimes de um crime de coação p.e.p. pelo art.º 154°, n° 1, do Código Penal relativamente ás Ofendidas DD, FF, NN (na forma tentada) e OO (na forma tentada). -2 crimes de acesso ilegítimo p. e. p. pelo art.º 6°, n° 1, da Lei n° 109/2009, de 15-09 [Lei do Cibercrime relativamente às Ofendidas FF e II (de C...)). 2 crimes de falsidade informática p. e. p. pelo art.º 3°, n° 1, da Lei n° 109/2009, de 15-09 relativamente às Ofendidas FF e II (de C...)). Operando o respetivo cúmulo jurídico. c) Caso assim não se entenda, deverá revogar a decisão e, consequentemente, condenar o Recorrente numa pena única nunca superior a 7 anos de prisão. FAZENDO ASSIM, VEXA INTEIRA E Sà JUSTIÇA. 1.4. O Ministério Público respondeu ao recurso do arguido no sentido do seu não provimento. 1.5. As assistentes também responderam ao recurso do arguido, formulando as seguintes conclusões: 1. Vem o arguido recorrer do douto Acórdão do Tribunal da Relação do Porto, que manteve in totum a decisão da 1ª instância, pretendendo o reexame da matéria de direito, nomeadamente da pena única aplicada, da substituição das penas de prisão nos crimes cuja moldura penal seja igual ou inferior a cinco anos por penas de multa e ainda da caducidade do direito de queixa da Assistente II (de C...)). 2. O arguido entende que a pena única de 12 anos de prisão a que foi condenado, em cúmulo jurídico, se revela manifestamente excessiva e desproporcional, face aos art.º 70.º, 71º, 72.º e 77.º, todos do Código Penal. 3. Assim, ao abrigo do art.º 77º do CP, o limite mínimo corresponde a 5 (cinco) anos pena mais elevada a que o arguido foi condenado e o limite máximo corresponde a 33 anos – soma das penas a que o mesmo foi condenado, reduzido a 25 anos, por ser o máximo legalmente admissível. 4. O arguido entende que a pena única se revela excessiva, na medida em que na mesma se encontram englobadas penas de prisão referente a crimes que admitem pena de multa que deveria ter sido aplicada face à primazia das penas não privativas da liberdade, designadamente no que se refere, às aqui Assistentes, aos crimes de importunação sexual, devassa da vida privada, burla, acesso ilegítimo e falsidade informática. 5. O arguido refere que nem o Tribunal de 1.ª instância nem o Tribunal “a quo” tiveram em consideração todas as circunstâncias do caso concreto, nomeadamente a ausência de antecedentes criminais do Recorrente, o seu percurso de vida e o seu percurso no estabelecimento prisional, o que tornaria prematuro concluir que as penas de multa seriam insuficientes para afastar o arguido do crime. 6. Relata, em suma, que o arguido não tem antecedentes criminais, que se encontra inserido familiar e profissionalmente e que tem tido um bom comportamento no Estabelecimento Prisional. Mais refere um percurso de vida caracterizado pelo trabalho precoce aos 15 anos, como ..., de obesidade, baixa auto-estima, de vícios de jogo e álcool e de absoluta falta de supervisão parental ou médica, o que se mantinha à data da decisão, à exceção da obesidade porque foi submetido a uma intervenção cirúrgica. 7. Porém, grande parte destes factos não se encontram provados nos presentes autos, e jamais os mesmos serviriam de justificação ou atenuante para os crimes cometidos pelo arguido, bem pelo contrário, não iria sujeitar os outros, as suas vítimas, ao sofrimento e pânico que lhes causou, sendo ele próprio uma vítima das suas circunstâncias. Não teria o requintado prazer de as manipular, rebaixar, humilhar, constranger, extorquir, levar a se querem matar, não demonstrando qualquer empatia ou compaixão, só para satisfazer os seus instintos libidinosos e vícios de jogo. 8. Aliás, aceita-se a confissão do arguido que anda desde os 15 anos, deriva, absorto nos seus vícios e sem qualquer supervisão, ou seja, há mais de 10 anos, o que se coaduna com o início do seu percurso no mundo do crime, a atender às primeiras queixas apresentadas pelas vítimas que depois desistiram. 9. Ora, não podemos de todo concordar com tal entendimento, tendo o Tribunal “a quo” fundamentado devidamente a sua escolha pela pena de prisão e não pela pena de multa em relação aos referidos crimes e ainda identificado as razões de prevenção geral (defesa mínima da ordem jurídica) e especial (gravidade dos factos e probabilidade de reincidência) para tal escolha, como consta da decisão de 1ª instância, absolutamente percetível a qualquer “homem médio”. 10. O que foi corroborado pelo douto Acórdão ora recorrido, que subscrevemos na integra: “Os referidos crimes pelos quais o arguido deverá ser objeto de condenação visam proteger valores jurídicos de relevo, reconduzíveis à inviolabilidade da integridade pessoal, nas suas dimensões de bem-estar psicológico e tutela da auto–determinação sexual e reserva da vida privada das pessoas ofendidas, além também da livre determinação patrimonial. Tendo em conta, por um lado, a proliferação de crimes da tipologia daqueles aqui em causa, e, muito em especial, as circunstâncias em que o arguido praticou os factos –todos os crimes aqui em causa transmitem uma imagem global de gravidade da conduta do arguido, e de elevadas necessidades de reprovação –, inculcam que as necessidades de tutela jurisdicional dos valores jurídico penais assinalados, claramente impõem opção por uma pena privativa da liberdade. Na verdade, afigura-se evidente que a eventual aplicação de pena de multa não asseguraria de forma alguma as finalidades da punição, traduzindo-se numa mensagem de impunidade e de ligeireza na proteção dos bens jurídicos tutelados. (…) também não deixa de se assinalar que os autos não refletem a adequada assunção pelo arguido da censurabilidade dos seus atos. Ora, tal circunstancialismo não deixa de relevar também, e por isso, em termos de necessidades de ressocialização, impondo–se que o arguido consciencialize a gravidade do tipo de condutas aqui tipificadas”. 11. Aliás, as aqui Assistentes defendem, no recurso por si interposto, exatamente pelos fundamentos aqui invocados pelo Tribunal da Relação do Porto, que ao arguido deveriam ter sido aplicadas penas mais severas, quer as parcelares, quer a pena única, em cúmulo jurídico, face aos bens jurídicos violados que contendem com direitos eminentemente pessoais (pessoalíssimos) à integridade pessoal e psicológica bem como à autodeterminação sexual e ainda face à gravidade da conduta do arguido e sua incapacidade de assumir a censurabilidade dos seus atos (quer individualmente, quer em conjunto). 12. O que é em parte corroborado pelo relatório social junto aos autos, embora o mesmo referido expressamente que o arguido tem outro processo pendente por importunação sexual. 13. Acresce que, o arguido vem invocar a falta de fundamentação da decisão recorrida, designadamente no que se refere à escolha da pena de prisão quanto aos crimes em que poderia ser aplicada pena de multa, pelo que, a decisão seria nula e ainda inconstitucional por violação do art.º 205.º da CRP. 14. Pois, o Tribunal de 1ª instância fundamentou a sua escolha pela pena de prisão da seguinte forma: ““Ora, tendo em conta a gravidade dos factos praticados pelo arguido (no seu conjunto), deve ser afastada a aplicação da pena de multa, já que a aplicação desta pena não seria suficiente para evitar que o agente reincidisse e para realizar o limiar mínimo de prevenção geral de defesa da ordem jurídica”, o que é perfeitamente percetível para qualquer bónus pater famílias e foi entendido pelo arguido, pelo que em nada afetou os seus direitos de defesa, limitando-se este a não concordar com tal escolha, que foi corroborada pelo Tribunal da Relação do Porto. 15. Por conseguinte, o acórdão recorrido quer de 1ª instância, quer do TRP, contêm os elementos que, em razão da experiência ou de critérios lógicos, construíram o substrato racional que conduziu a que a convicção do tribunal se formasse num sentido, ou seja, um exame crítico sobe as provas que concorrem para a formação da convicção do tribunal num determinado sentido, pelo que se encontra devidamente fundamentado (art.º 374º nº 2 do CPP). 16. Por outro lado, o arguido entende que face ao seu percurso de vida e a ausência de antecedentes criminais, a pena única a aplicar deveria fixar-se próxima do mínimo legal, nunca superior a 7 anos de prisão. 17. Ora, quanto à ausência de antecedentes criminais deve-se única e exclusivamente à ineficácia da justiça, já que o arguido vem há longos anos, cerca de 10 anos, mantendo e até refinando o seu modus operandi, sendo um verdadeiro predador sexual, conforme é agora reconhecido no douto acórdão do TRP e já fora aventado no relatório da Policia Judiciária, referindo cifras negas quanto às inúmeras vítimas, que ou não apresentaram queixa por vergonha ou desacreditar da justiça, ou acabaram por desistir das mesmas e ainda as poucas que o fizeram foram humilhadas e desacreditadas. 18. Aliás, é o próprio relatório social constante dos autos que conclui: “Face à natureza dos factos subjacentes nos presentes autos, o arguido evidencia distorções cognitivas, recorrendo a mecanismos de minimização da gravidade, dos danos causados e impacto em potenciais vítimas. Face ao exposto, consideramos que são elevadas as necessidades de reinserção social do arguido, as quais se deverão focar ao nível da promoção de competências pessoais e das relações de intimidade e do respeito pelos direitos do outro, que integre a consolidação de valores jurídicos e a interiorização do desvalor da sua conduta. Consideramos ainda relevante a intervenção especializada ao nível das adições e sujeição do arguido a avaliação especializada no domínio da sexualidade de forma a detetar eventuais necessidades de intervenção nessa área”. 19. Acresce que, o relatório social faz referência à pendência de um processo de 2018 (anterior a estes factos) por crimes de burla e de importunação sexual e que o arguido não realiza nenhum tipo de tratamento; apenas beneficiou de consulta na especialidade de psicologia em Setembro do ano transato. 20. Face ao exposto, a aplicação ao arguido das penas de prisão em substituição das penas de multa afigura-se devidamente fundamentada e nunca excessiva, antes pelo contrário diminuta, assim como a pena única em cúmulo jurídico peca por omissão, conforme os fundamentos invocados pelas Assistentes no seu recurso e que, por economia processual, se dão aqui como totalmente reproduzidos e integrados para todos os efeitos legais face às necessidades de prevenção geral, estando em causa uma panóplia de crimes quer patrimoniais, quer eminentemente pessoais, contra a autodeterminação sexual (inclusive de menores), com inúmeras vítima s, o que causa um grande alarme social e ainda face às necessidades de prevenção especial, pois conforme consta do próprio relatório social, o arguido tem distorções cognitivas minimizando os danos que provocou às suas vítima s, o que dificulta a sua ressocialização. 21. Acresce que, nos crimes sexuais, é do conhecimento geral, a elevada a probabilidade de reincidência, a que se juntam no caso do arguido as adições de jogo e álcool, não estando este a fazer qualquer tratamento na prisão. 22. Por outro lado, o arguido demonstrou, ao longo de todo o julgamento, uma absoluta falta de arrependimento e empatia. Pelo que, é evidente que não interiorizou o desvalor da sua conduta, sendo assim difícil poder se reintegrar na sociedade e cumprir os seus normativos legais. 23. Sem prescindir, e para além do processo que é citado no relatório social, o arguido já teve prévios contactos com a justiça por crimes de igual natureza, em 2014, tendo a ofendida desistido da queixa, em 2018 por violação que foi convolada em ofensa à integridade física, tendo-lhe sido aplicada uma suspensão provisória do processo e em 2019 por um crime de pornografia de menores, pelo qual não foi pronunciado por falta de prova da autoria do mesmo, embora tenha utilizado o mesmo modus operandi e telemóveis em nome da irmã. 24. Pelo que, apesar de ainda nunca ter sido condenado por sentença transitada em julgado, o arguido já foi advertido pelo sistema judicial do desvalor das suas condutas, e de nada adiantou, continuando este a praticar os mesmos crimes sexuais, há cerca de 10 anos, passando entre as malhas da justiça. 25. Pois, como muito bem refere o acórdão recorrido: “Na verdade, o que a reiterada e metódica atuação do arguido revela é que estamos perante um verdadeiro predador sexual, que, contudo, não se limita à procura de obter para si próprio vantagens pessoais indevidas traduzidas na satisfação dos seus instintos sexuais, como inclusive vai além disso, utilizando os estratagemas engendrados por forma a obter também lucros a nível pecuniário – e tudo, sempre, à conta da fraude, da insídia e da perfídia, e à custa do logro e dos sentimentos de insegurança e medo que causava nas ofendidas, cujos interesses invariavelmente desprezou. O arguido denota assim uma personalidade com graves falhas de carácter e de preparação para manter um comportamento conforme com o respeito dos mais elementares das outras pessoas, que, nos autos, transformou e manietou a seu bel–prazer e com vista apenas e só a satisfazer os seus interesses ilegítimos e reprováveis. (…) atenta a proliferação do acesso a tais meios por jovens e crianças, que tantas vezes se vêem expostos à manipulação por terceiros, e envolvidos assim em situações denominadas de sextortion e de exploração sexual, das quais depois revelam dramáticas dificuldades em escapar, por via dos sentimentos de vergonha com que são chantageados, numa espiral de desespero tantas vezes de resultados trágicos – pois que este tipo de devassa da vida privada tem um efeito psicológico devastador sobre as vítimas. (…) sendo de realçar que a inserção profissional e pessoal do arguido é exatamente a mesma de que ele já beneficiava aquando da prática dos factos, e que, de todo, o inibiu na sua prossecução, que só cessou por via da sua detenção e prisão à ordem dos presentes autos”. 26. Pois, o acórdão recorrido fez um exame crítico de ponderação conjunta sobre a interligação entre os factos e a personalidade do arguido, de molde a ficar a saber-se se o conjunto dos factos delituosos em concurso são expressão de uma inclinação criminosa ou apenas constituem delitos ocasionais sem relação entre si, isto é, uma pluriocasionalidade não radicada na personalidade do arguido, concluindo o TRP que se trata de um verdadeiro predador sexual que atuava nas redes sociais e contra menores, tendo concluído tratar-se de um verdadeiro predador sexual que atuava nas redes sociais e contra menores, sem qualquer arrependimento ou empatia pelos efeitos psicológicos devastadores que causava nas suas vítima3s, não mostrando qualquer predisposição para cumprir as normas legais. 27. Pelo que, salvo o devido respeito por melhor opinião, face às necessidades de prevenção geral e especial supra elencadas, se justifica um aumento significativo e proporcional da pena única aplicada ao arguido em cúmulo jurídico, conforme recurso das aqui Assistentes, sob pena de passar a mensagem de completa impunidade pela pluralidade de crimes sexuais cometidos contra uma pluralidade de vítimas. 28. Por outro lado, entende o arguido que não podia ser condenado pelos crimes de burla, violação, devassa da vida privada e acesso ilegítimo, que assumem a natureza semi-pública, por a apresentação de queixa ter sido extemporânea por parte da Assistente II (de C...)). 29. Ora, como refere o Ac. TRL de 17.12.2015 in dgsi Proc. 245/13.3GATVD.L1-9:“Para efeitos do disposto no artigo 115.º, n.°1, do CP, quando é referido que o direito de queixa se extingue no prazo de 6 meses a contar da data em que o ofendido teve conhecimento do facto, esse facto tem de aparecer aos olhos do próprio ofendido como um facto que constitui a prática de um crime, pelo que só a partir do momento em que o ofendido tem a noção de que poderá estar a ser vítima de um crime é que poderá contabilizar-se o prazo para o exercício do direito de queixa”. 30. Pois, como refere expressamente o douto acórdão recorrido, com o qual concordamos: “Sucede, contudo, que também resulta absolutamente clarividente de tais elementos dos autos que até precisamente .../.../2022 – data da última tentativa de contacto da ofendida ali registada, cfr. fl. 875 –, a ofendida II (de C...)) está, em todos os momentos, convicta de estar a falar e a relacionar–se com a pessoa de UU, jogador profissional de futebol. (…) Ou seja, além de ainda e sempre erroneamente convicta da identidade da pessoa com quem se relacionava, a ofendida inclusive ainda espera que ele lhe devolva o dinheiro. (…) Pois, pelo menos até .../.../2022, a ofendida II (de C...)) não sabia que estava sendo ludibriada quanto à identidade da pessoa com quem se estava relacionando.” 31. Com efeito, no caso sub judice, resultou provado que a Assistente, desde o início em abril/maio de 2021 até ao fim Fevereiro de 2022, sempre esteve convencida que tinha uma relação amorosa virtual com o verdadeiro UU, a quem emprestou dinheiro por duas vezes, uma para ajudar um primo toxicodependente e outra para ajudar uma ex-namorada e ainda a quem transferiu dinheiro para aquisição de um carro. Por outro lado, e dada a relação amorosa que julgava ter com o verdadeiro UU, acedeu em fazer com este, três videochamadas de cariz sexual e ainda em fornecer-lhe a sua palavra-passe do Instagram. Só depois do arguido ter sido preso, quando foi contactada pela Polícia Judiciária, é que teve conhecimento de que foi enganada e ludibriada pelo arguido. Pelo que, só posteriormente a essa data, se pode contar o prazo prescricional do direito de queixa em relação a todos os crimes de que a Assistente foi vítima. Ora, por mais surreal ou paradoxal que tal pareça, certo é como o próprio arguido admite que se tratavam como um casal de namorados apaixonados, a única diferença é que o arguido sabia que estava a usar uma identidade falsa para conseguir os seus intentos, quer vantagens económicas, quer favores sexuais, não se coibindo de usar de chantagem de divulgação das suas fotografias de nudez. Por sua vez, a Assistente era a apaixonada, que o arguido manipulava com muita facilidade e quando tal não resultava usava de pressão psicológica e ameaças (cfr. consta de fls. 802 a 875 -[ver, por ex., fls. 837, 839 e 875]). 32. Sem prescindir, no presente caso, sempre o Ministério Público teria legitimidade para desencadear o impulso processual com vista à investigação e imputação, nos termos do nº 2 do art.º 178º do Cód. Penal, dos factos reportados aos crimes de violação contra a Assistente, até porque a pessoa ofendida não manifestou a sua rejeição de que fosse instaurado e prosseguisse o procedimento criminal, antes participou e interveio ao longo das várias fases do processo. 33. Face ao exposto, o douto Acórdão recorrido não violou os artigos 374.º, n.º 2 e 379.º do CPP e 205.º da CRP nem os artigos 70.º, 71.º, 72.º e 77.º do CP. TERMOS EM QUE deve o recurso do arguido ser julgado totalmente improcedente por não provado, mantendo-se o acórdão recorrido, com o aumento das penas parcelares e da pena única, conforme recurso das aqui Assistentes, fazendo-se assim inteira e sã JUSTIÇA! 2. Objecto do recurso Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões da motivação que o recorrente produziu para fundamentar a sua impugnação (artigos 403.º e 412.º, n.º 1 do Código de Processo Penal - CPP), as questões que se colocam à apreciação deste tribunal consistem em aquilatar se: - O recurso das assistentes VV, CC (G), II (C...) e de SS, deve ser admitido; - O direito de queixa dos assistentes CC e WW, se mostra extinto por caducidade; - Ocorre nulidade da decisão por falta de fundamentação no que respeita às penas parcelares por não terem sido substituídas por penas de multa - A pena única fixada ao arguido é excessiva e desproporcionada, devendo ser reduzida. 3. Fundamentação de facto 3.1. Encontram-se provados os seguintes factos: 1. O arguido AA arquitectou um plano, visando interagir sexualmente (fisicamente ou através de meios de comunicação electrónica), com mulheres jovens (incluindo mulheres menores de idade), nos termos a seguir descritos. 2. Tal plano incluía, além do mais, o arguido AA fazer-se passar por jogador de futebol ou empresário de futebol, relativamente a jovens que visse na Internet, com potencialidade para serem aliciadas para manterem relações sexuais consigo, nomeadamente por coação, utilizando argumento de ter na sua posse fotos de índole sexual, e que as divulgaria, caso não aceitassem manter tais relações, nos termos a seguir descritos. 3. Nos casos em que conseguia que as vítimas lhe enviassem fotos ou vídeos de nudez, ou em acto sexual com terceiros, o arguido AA utilizava posteriormente tais fotos ou vídeos, como forma de as coagir a manterem relações sexuais com ele ou lhe entregarem quantias em dinheiro, com o argumento de divulgação junto de familiares, entidade patronal e/ou colegas de trabalho, e/ou publicamente, nos termos a seguir descritos. 4. Nos contactos que mantinha com as vítimas, o arguido AA privilegiava as redes sociais ou plataformas de comunicação e entretenimento digitais como o Instagram, o WhatsApp, o Snapchat e o Telegram, efectuando também chamadas telefónicas, com utilização de cartões SIM pré-pagos, nos termos a seguir descritos. I –Ofendida BB 5. No dia ... de ... de 2021, pelas 22:07 horas, a ofendida BB, nascida a ... de ... de 2007, então com treze (13) anos de idade, residente no Porto, foi contactada pelo arguido AA, através do perfil de Instagram “..._”, seguindo-se outros contactos do arguido com a mesma ofendida, no dia ... de ... de 2021, para a aliciar para encontros de natureza sexual (nomeadamente, visando a prática de cópula) com jogadores de futebol e empresários de futebol, obtendo com isso avultadas quantias em dinheiro, nos termos das seguintes mensagens: - 30/05/2021 (22:07): “Olá linda tudo bem? Posso fazer uma pergunta?”; - 31/05/2021 (13:43): “Olá querida! Desculpa pela a demora. claro que podes”; - 01/06/2021 (19:23): “Estou nisto a dois anos é muito dinheiro interessa ouvir?”; (- 01/06/2021 (19:23): “como assim querida?”; - 01/06/2021 (19:23): “Passo a explicar, estar com jogadores e empresários de futebol, tudo em sigilo estou nisto a dois anos ninguém sabe, valores altos interessa?”. 6. A ofendida BB sentiu-se incomodada com tais contactos do arguido AA e contou à sua mãe XX o sucedido, passando esta a interagir com o arguido AA, como se fosse a sua filha a fazê-lo. 7. Na interacção da mãe da ofendida com o arguido AA (quer através do perfil de Instagram atrás referido, quer através do Whatsapp do nº .......31 e a identificação “patrão da ...”), pensando este estar a interagir com a própria ofendida, foram enviadas pelo arguido, entre outras, as seguintes mensagens: - “Interessa te ou não?”; - “Por dia vai de 2.000 a 5.000”; - “Deixo te o whatsapp do meu patrão e falas diretamente com ele, ele precisa de gente para o fim de semana”; - “Mas só para ti ou tens alguém que queira”; - “.......31 manda lhe por whatsapp”; - “Ele falou de 3 pessoas para o fim de semana mas fala com ele melhor mas olha que é mesmo sigilo total”; - “Mas manda-lhe sms no Whatsapp que já lhe disse”. 8. O arguido AA, agindo deliberada, livre e conscientemente, pela forma descrita, ou seja, através de tecnologia de comunicação, actuou com o propósito de aliciar a ofendida BB para encontros de natureza sexual (nomeadamente, visando a prática de cópula), e de assim a incomodar, o que conseguiu, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 9. Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida BB sofreu e, por vezes, ainda hoje sofre, angústia e medo de se deslocar sozinha para a escola. II – Ofendida CC (de G...) 10. Entre ..., a ofendida CC, nascida no dia ... de ... de 2002, então com 17 anos de idade, residente em São ..., foi contactada pelo arguido AA, através do perfil de Snapchat “...”, dizendo que era YY, jogador de futebol da equipa ... do ..., acabando por convencê-la, após muita insistência, a enviar-lhe uma foto de nudez, sabendo que a ofendida, à data, tinha a idade acima referida e sabendo que a ofendida era jogadora da equipa de voleibol do escalão de juniores do .... 11. No mesmo dia em que recebeu a foto de nudez da ofendida, o arguido AA, na sequência de a ameaçar com a divulgação da referida foto e temendo a ofendida a concretização da ameaça, obrigou-a a efetuar uma videochamada, em que a ofendida aparecia nua, tendo o arguido AA efetuado “screenshots” (capturas de ecrã / fotografias). 12. Na posse das fotos, o arguido AA ameaçou a ofendida CC de as divulgar (nomeadamente, pela família e amigos da ofendida), caso não aceitasse ter relações sexuais com uma pessoa que supostamente seria amigo do jogador YY, mas que na realidade era o arguido, dizendo-lhe ainda que, caso aceitasse, as fotos seriam apagadas. 13. O arguido AA sabia que a ofendida CC era virgem e que iria perder a virgindade nas descritas circunstâncias. 14. Em dois dias não concretamente apurados do mês de ..., na residência da ofendida CC, na localidade de ..., ..., contra a vontade da ofendida CC, que não queria, mas temia que ele concretizasse a divulgação das suas fotos na Internet, ou aos seus familiares, com as consequências que tal lhe traria, designadamente de humilhação e afetação psicológica, o arguido AA e a ofendida CC tiveram contacto de natureza sexual. 15. No primeiro encontro, o arguido AA, depois de ter amarrado as mãos da ofendida CC com um cinto, tentou introduzir-lhe o pénis erecto na vagina, não tendo conseguido, em razão da virgindade da ofendida CC, acabando por a obrigar a fazer-lhe coito oral, dizendo-lhe «vais ter de chupar». 16. No segundo encontro, mantendo-se a ameaça da divulgação das fotos da ofendida CC e encontrando-se a ofendida CC a chorar, o arguido AA, com o pénis erecto, tentou penetrar a ofendida CC na vagina, mas sem êxito, acabando novamente por obrigá-la a fazer-lhe coito oral. 17. O arguido AA, continuando a fazer-se passar pelo jogador YY, sob ameaça de divulgação das fotos e antes do segundo encontro obrigou a ofendida CC a dar-lhe dinheiro, tendo esta, no segundo encontro, procedido à entrega ao arguido AA, da quantia de cinquenta euros (50,00€) do BCE, que era todo o dinheiro que tinha naquele momento. 18. Depois do segundo encontro, o arguido AA, fazendo-se passar pelo jogador YY, continuou a contactar a ofendida CC, e exigiu-lhe a password / palavra passe da sua conta / perfil do Instagram e, na posse na mesma, passou a enviar mensagens para os contactos da ofendida CC, fazendo-se passar por ela. 19. Na altura, a ofendida CC não contou nada aos seus pais por vergonha. 20. No arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, quis e conseguiu constranger, através da referida ameaça, a ofendida ZZ a praticar-lhe coito oral, nas duas referidas ocasiões, contra a vontade desta, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas. 21. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao ameaçar a ofendida CC de divulgação da sua nudez, quis e conseguiu que ela lhe entregasse a referida quantia em dinheiro, que integrou no seu património, acarretando para ela prejuízo de igual montante, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 22.O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, sabia a idade da ofendida CC, protagonista da imagem de nudez dela, que a aliciou a enviar-lhe, e bem assim das imagens de nudez que captou na videochamada com ela, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 23.Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida CC ficou sem a quantia de € 50,00. 24.Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida CC sofreu e ainda sofre vergonha, vexame, humilhação, tristeza, consternação, angústia, medo, nervosismo, abalo da sua auto-estima e perturbação da sua dignidade pessoal. 25. A ofendida CC era estudante e jogadora de voleibol, tendo uns pais conservadores e vivendo numa povoação pequena em que todos se conhecem. 26. A ofendida CC viveu os factos praticamente sozinha, apenas os tendo partilhado com duas amigas. 27. Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida CC alterou o seu comportamento, deixando de ser uma pessoa sociável e passando a ser uma pessoa introvertida, isolando-se em casa e abstendo-se de contactos sociais. 28. Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida CC baixou o seu rendimento escolar. 29. A ofendida CC iniciou uma relação de namoro e sentiu necessidade de contar o sucedido ao seu namorado. III - Ofendida DD 30. Em data não concretamente apurada do ano de 2021, mas anterior ao mês de Julho de 2021, a ofendida AAA, nascida no dia ... de ... de 1998, residente em ..., ficou a saber que existia um esquema para ganhar avultada quantia em dinheiro, para ter encontros com jogadores e empresários de futebol, tendo mostrado interesse nisso e acabando por encetar contacto com o arguido AA. 31. Depois de o arguido AA ter convencido a ofendida AAA que era verdade, a mesma aceitou ter relações sexuais com ele, convencida que iria ganhar cerca de cinco mil euros (€ 5.000,00) por uma noite. 32. Tal aconteceu no mês de ... de 2021 (no dia 16 ou no dia 23), no “...”, pagando a ofendida AAA o quarto e pensando a ofendida AAA que o encontro seria com um jogador de futebol, mas tendo tal encontro ocorrido com o arguido AA, percebendo depois a ofendida AAA que sempre contactou com este, tendo mantido relações sexuais de cópula, coito anal e coito oral e não tendo sido paga à ofendida AAA a quantia acordada, acima referida. 33. Pouco tempo depois, houve um segundo encontro da ofendida AAA com o arguido AA, ocorrido num hotel, aceitando a ofendida AAA este segundo encontro e a manutenção de relações sexuais porque o arguido AA lhe disse que pagaria nessa noite o montante em dívida, acordado no anterior encontro, o que não aconteceu. 34. Neste segundo encontro, o arguido AA filmou a ofendida AAA, contra a sua vontade, encontrando-se esta nua, amarrada a uma cadeira, e a dizer “eu sou uma puta”. 35. Entretanto, logo no primeiro encontro, o arguido AA logrou convencer a ofendida a AAA a entregar-lhe, a título de empréstimo, quantia monetária em montante não concretamente apurado, com vista à realização de apostas. 36. O arguido AA continuou a pedir dinheiro à ofendida AAA e, depois da realização do referido vídeo, passou a ameaça-la com a divulgação do mesmo para lhe exigir a entrega de quantias monetárias, como foi o caso da quantia de mil e quinhentos euros (1.500,00€) do BCE, tendo sido entregue ao arguido AA pela ofendida AAA, a título de empréstimo ou mediante ameaça, a quantia total de € 4.000,00. 37.Posteriormente, por duas vezes, em datas não concretamente apuradas, mas próximas do final de ... de 2021, em casa da ofendida AAA, situada em ..., contra a sua vontade, pois estava ameaçada pelo arguido AA com a publicação do referido vídeo e estava convencida que o faria, o que lhe causaria humilhação, vexame e afetação psicológica, manteve com ele cópula, coito anal e coito oral. 38. O arguido AA, utilizando o mesmo argumento de divulgação do aludido filme / vídeo, obrigou a ofendida AAA, contra a sua vontade, a fazer uso da sua conta de Instagram (com perfil “.............a2”), contactando diversas jovens, aliciando-as para aderirem ao seu esquema de encontros com jogadores e empresários de futebol, a troco de elevadas quantias em dinheiro. 39. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, quis e conseguiu constranger, através da referida ameaça grave, a ofendida AAA a praticar-lhe cópula, coito anal e coito oral, nas duas referidas ocasiões, contra a vontade desta, bem sabendo da ilicitude e punibilidade das suas condutas. 40. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, fez crer à ofendida AAA que algumas das quantias que esta lhe entregou, ser-lhe-iam restituídas, o que não correspondia à verdade, antes sendo um estratagema para conseguir tal convencimento, que ele integrou no seu património, à custa do prejuízo da mesma ofendida, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 41. O arguido AA, ao gravar as imagens da ofendida AAA, agiu com o propósito concretizado de devassar a sua vida privada e de violar o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da mesma, tendo agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 42. O arguido AA, ao ameaçar a ofendida AAA com a divulgação do aludido filme / vídeo, logrou constrangê-la a fazer uso da sua conta de Instagram pela forma acima descrita, tendo agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. IV - Ofendida EE 43. A ofendida BBB nasceu no dia ... de ... de 2000 e reside no .... V – Ofendidos FF e GG 44. Em ..., o arguido AA, através do Instagram, perfil “...”, aliciou a ofendida FF, nascida no dia ... de ... de 2002, residente em ..., para ter encontros, apenas como acompanhante, tendo como contrapartida avultadas quantias em dinheiro, tendo a ofendida revelado interesse em saber em que consistia tal actividade e passado a estabelecer contacto, via Whatsapp e videochamada, com a pessoa que supostamente organizava esses eventos (e que era o arguido AA). 45. A partir de então, o arguido AA, com a ameaça de divulgar pelos familiares e amigos da ofendida as conversas que, entretanto, tinham mantido, levou a que a ofendida FF, contra a sua vontade, a mando dele, lhe enviasse vídeos, em 29 e ... de ... de 2021, a fazer striptease e a manter contactos sexuais com o seu namorado e ofendido HH, nascido no dia ... de ... de 2003, e residente em .... 46. Com a ameaça de divulgação de tais vídeos, o arguido AA, em data anterior a .../.../2019, forçou a ofendida FF a deixá-lo aceder à conta desta no Instagram (“..................so”), a partir da qual contactou amigas da mesma ofendida, como se fosse ela a fazê-lo. 47. Em data(s) não concretamente apurada(s), mas situada(s) entre .../.../2021 e .../.../2022, o arguido AA partilhou os referidos vídeos em dois grupos do Telegram. 48. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao ameaçar a ofendida FF com a divulgação pelos seus familiares e amigos das conversas acerca de ela vir a ser acompanhante, facto que a acontecer a deixaria envergonhada, vexada e humilhada, logrou constrangê-la a agir pela forma descrita, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 49. O arguido AA, ao divulgar as imagens dos ofendidos FF e HH, agiu com o propósito concretizado de devassar a vida privada de ambos e de violar o direito destes à reserva sobre a intimidade da vida privada, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento dos mesmos, tendo agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 50. O arguido AA agiu com o intuito alcançado de aceder indevidamente à conta de Instagram da ofendida FF, contra a vontade desta, acedendo à palavra de acesso ao seu perfil, e apenas por ela definida, e por essa forma logrando a possibilidade de se apresentar perante terceiros como se tratasse da mesma ofendida e de beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas, tendo agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. VI - Ofendida II (de C...)) 51. Em Abril de 2021, a ofendida CC, nascida no dia ... de ... de 2000, residente em ... ..., foi contactada e passou a relacionar-se com o titular do perfil do ... “jogador_do_...” e, posteriormente, passou a relacionar-se com o titular do perfil do Snapchat “...21”, convencida que o fazia com UU, jogador profissional de futebol do ..., e não com o arguido AA. 52. Os contactos também passaram a ser estabelecidos por WhatsApp, continuando a ofendida CC convencida que o fazia com UU, mas tratando-se efectivamente do arguido AA, que utilizava os números .......31 e .......36. 53. Ainda em ... ou em ... do mesmo ano, o arguido AA, sabendo que a ofendida CC estava plenamente convencida que ele era o UU, jogador do ..., solicitou-lhe um empréstimo da quantia de mil e quinhentos euros (1.500,00€), o que ela fez, seguindo as instruções dele, depositando tal quantia, numa conta do BPI, titulada pelo arguido AA, sem estranhar este facto, porque o “UU” lhe tinha dito que o titular da conta (AA) era um amigo da sua inteira confiança. 54. O arguido AA integrou tal quantia no seu património, como era sua única intenção, ficando a ofendida CC prejudicada em igual montante. 55. O arguido AA manteve a ofendida CC em erro acerca da sua verdadeira identidade, pois continuou a desempenhar o papel de UU, jogador do ..., e ficou a saber que ela queria adquirir um veículo automóvel, tendo o arguido AA, de imediato, urdido um plano para a ludibriar e consequentemente enriquecer o seu património. 56. Assim, em concretização de tal desígnio, o arguido AA disse à ofendida CC que conhecia um vendedor para a viatura que ela pretendia adquirir, e que serviria de intermediário, o que ela aceitou. 57. Daí que a ofendida CC tenha procedido ao depósito, de duas quantias, em momentos distintos, totalizando cinco mil euros (5.000,00€), na referida conta do BPI, titulada pelo arguido AA, convencida que era para a aquisição da aludida viatura. 58. O arguido AA integrou tal quantia no seu património, como era sua única intenção, ficando a ofendida CC prejudicada em igual montante. 59. Posteriormente, o arguido AA, continuando a fazer-se passar pelo UU, jogador do ..., solicitou à ofendida CC um novo empréstimo, no montante de dois mil e quinhentos euros (2.500,00€), com o argumento de se destinar a ajudar uma ex-namorada, o que ela fez, através de depósito, na mesma conta do BPI. 60. O arguido AA integrou tal quantia no seu património, como era sua única intenção, ficando a ofendida CC prejudicada em igual montante. 61. Durante o mês de Maio de 2021, o arguido AA, solicitou à ofendida CC que lhe enviasse fotos dela de nudez, tendo esta enviado uma primeira foto, em que estava semi-nua, por acreditar que as estava a partilhar com o jogador de futebol do ... UU, tendo depois enviado mais fotos de teor sexual. 62. Na posse de tais fotos, o arguido AA, continuando a fazer-se passar pelo UU, jogador do ..., ameaçou a ofendida CC de as divulgar publicamente, caso não efetuasse videochamadas, introduzindo objetos na vagina e a espetar molas nos mamilos, o que ela fez, contra a sua vontade, pelo menos por três vezes, por temer que ele concretizasse a ameaça, e sofresse a vergonha e humilhação perante familiares e amigos da divulgação das suas fotos de nudez. 63. Durante as referidas videochamadas, o arguido AA efetuou capturas de ecrã, sem autorização da ofendida CC. 64. Posteriormente, utilizando a ameaça em divulgar publicamente as referidas fotos e as capturas de ecrã, o arguido AA obrigou a ofendida CC a ceder-lhe os acessos à sua conta de Instagram, com a designação “..._”. 65. Na posse dos acessos da conta de Instagram da ofendida CC, o arguido AA estabeleceu contactos com outras raparigas, como se fosse ela a fazê-lo, aliciando-as a serem acompanhantes de jogadores e empresários de futebol, tendo como contrapartida elevadas quantias em dinheiro. 66. O arguido AA, agindo deliberada, livre e conscientemente, quis, como conseguiu, enganar a ofendida CC que se tratavam de dois empréstimos, e que os pagaria, acreditando ela que tal aconteceria, por estar convencida que ele era o jogador de futebol profissional do ..., UU, e consequentemente com capacidade financeira para tal, factor que foi determinante para os empréstimos, como ele bem sabia, por forma a obter, como obteve, as referidas quantias, que integrou no seu património, bem sabendo que o fazia à custa do concomitante prejuízo da mesma ofendida, bem sabendo ele da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 67. O arguido AA, agindo deliberada, livre e conscientemente, quis, como conseguiu, enganar a ofendida CC que a referida quantia se destinava ao pagamento do automóvel, por estar convencida que ele era o jogador de futebol profissional do ..., UU, e consequentemente que ele era o intermediário do negócio, factor que foi determinante para ela depositar os 5.000,00€ na conta dele, obtendo assim tal quantia, que integrou no seu património, bem sabendo que o fazia à custa do concomitante prejuízo da mesma ofendida, bem sabendo ele da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 68. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao ameaçar a ofendida CC com a divulgação na Internet das fotos de nudez dela, facto que a acontecer a deixaria envergonhada, vexada e humilhada, logrou constrangê-la a agir pela forma descrita (i.e., a efectuar, pelo menos por três vezes, videochamadas, introduzindo objectos na vagina e a espetar molas nos mamilos, o que ela fez, contra a sua vontade), assim satisfazendo os seus desejos libidinosos, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 69. O arguido AA, ao gravar as imagens da ofendida CC, agiu com o propósito concretizado de devassar a sua vida privada e de violar o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da mesma, tendo agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 70. O arguido AA agiu com o intuito alcançado de aceder indevidamente à conta de Instagram da ofendida CC, contra a vontade desta, acedendo à palavra de acesso ao seu perfil, e apenas por ela definida, e por essa forma logrando a possibilidade de se apresentar perante terceiros como se tratasse da mesma ofendida e de beneficiar da confiança existente entre os contactos das mesmas, tendo agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 71. A ofendida CC estava convencida que mantinha um relacionamento afectivo com o jogador de futebol UU. 72. A ofendida CC contou o sucedido à sua mãe, quando este se apercebeu que algo estava a acontecer. 73. A ofendida CC nunca contou o sucedido ao seu pai. 74.A ofendida CC vive numa povoação pequena em que todos se conhecem. 75. A ofendida CC era estudante de .... 76. A ofendida CC pediu várias vezes ao “UU” (i.e., ao arguido AA) para não utilizar a sua conta de Instagram. 77. Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida CC ficou sem a quantia global de € 9.000,00 78. A referida quantia destinava-se, em parte, à compra de um veículo automóvel para utilização profissional da ofendida, tendo a mãe da ofendida, até para que não se soubesse do sucedido, procedido à entrega a esta do montante necessário a tal finalidade e deixando de o usar para outro fim. 79. Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida CC sofreu vergonha, vexame, humilhação, tristeza, consternação e angústia, sentindo ainda receio de serem divulgadas as suas fotos e passando a ser uma pessoa mais fria e socialmente isolada. 80. Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida CC sofreu diminuição do seu rendimento escolar. VII – Ofendida JJ 81. No dia ... de ... de 2022, a ofendida JJ, nascida no dia ... de ... de 1998, residente em ..., recebeu uma mensagem, por Instagram, proveniente do perfil “_..._”, enviada pelo arguido AA, dizendo que uma foto íntima sua circulava no grupo de Snapchat, e que conhecia o administrador, pelo que podia fazer com que tal foto fosse retirada. 82. O arguido AA, através do mencionado perfil, enviou à ofendida JJ a referida foto, como comprovativo de que estava a falar verdade. 83. No mesmo dia, a ofendida JJ, por Snapchat, para o perfil “..........27”, entrou em contacto com o arguido AA, convencida que o fazia com o administrador do grupo (pois o arguido, através do perfil “_..._”, tinha referido ser aquele o perfil do administrador do grupo), que mostrou disponibilidade para resolver o problema dela, desde que aceitasse fazer uma de três ações: ou enviar-lhe a quantia de quinhentos euros (500,00€) do BCE; ou estabelecer uma videochamada com ele, fazendo tudo o que lhe determinasse; ou enviar-lhe, diariamente, durante um mês, uma foto dela, em conformidade com o determinado por ele. 84. O arguido AA, através do perfil “..........27”, continuou a pressionar a ofendida JJ, ameaçando publicar a referida foto pelos seus familiares e amigos, caso não lhe pagasse a referida quantia. 85. Em paralelo, o arguido AA, fazendo uso do perfil do Instagram “_..._”, comunicou à ofendida JJ que podia resolver o assunto, através de um amigo seu, de nome CCC, ou seja, o próprio arguido, que lhe daria os quinhentos euros (500€) para pagar ao “AA” e ainda cinco mil euros adicionais (5.000€), mas para isso a ofendida teria de manter relações sexuais com o referido CCC, proposta que a ofendida aceitou. 86. Assim, na noite do dia .../.../2022, a ofendida JJ encontrou-se com o arguido AA (sendo este, para a ofendida, o referido CCC), em ..., perto da morada que este forneceu à ofendida, para manterem relações sexuais, estando a ofendida convencida de que iria receber as referidas quantias em dinheiro e tendo a ofendida e o arguido mantido relações sexuais, na noite do dia .../.../2022 para o dia .../.../2022, no Grande ..., na .... 87. Quando a ofendida JJ e o arguido AA mantinham relações sexuais, este, utilizando o telemóvel dela, gravou-a em vídeo, que enviou por WhatsApp para o seu telemóvel, bem como o contacto telefónico da mãe dela. 88. Após terem mantido relações sexuais, o arguido AA (que para a ofendida era o referido CCC), afirmando que era empresário, que trabalhava nos Estados Unidos da América, que estava a passar uns dias em Portugal, que daí a dois dias regressava e que iria fazer a transferência dos 5.000,00€ da sua conta americana, mas que precisava que a ofendida transferisse dinheiro para a sua conta portuguesa para poder utilizar durante o tempo que ainda ia permanecer em Portugal, para evitar o pagamento de taxas e invocando ainda a demora nas transferências bancárias, logrou convencer a ofendida JJ a transferir-lhe, por MBWay, para a conta associada ao número telefónico .......36, as quantias de setecentos e cinquenta euros (750,00€), quatrocentos e cinquenta euros (450,00€) e duzentos euros (200,00€), no total de 1.400,00€, garantindo-lhe que receberia os cinco mil euros (5.000,00€) prometidos, tendo a ofendida JJ efectuado aquelas transferências no dia .../.../2022. 89. A ofendida JJ não recebeu do arguido AA os prometidos cinco mil euros (5.000,00€), como era intenção dele, ficando ela prejudicada no montante global de mil e quatrocentos euros (1.400,00€). 90. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao ameaçar a ofendida JJ de divulgação na Internet da sua nudez, queria que ela lhe entregasse a referida quantia em dinheiro, para a integrar no seu património, acarretando para ela prejuízo de igual montante, só não o conseguindo por circunstância alheia à sua vontade, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 91. O arguido AA, ao gravar as imagens da ofendida JJ, agiu com o propósito concretizado de devassar a sua vida privada e de violar o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento da mesma, tendo agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 92. O arguido AA, agindo deliberada, livre e conscientemente, quis, como conseguiu, enganar a ofendida JJ, convencendo-a a entregar-lhe a quantia global de 1.400,00€, pois assim receberia os prometidos 5.000,00€, factor que foi determinante para ela o fazer, como ele bem sabia, por forma a obter, como obteve, tal quantia, que integrou no seu património, à custa do concomitante prejuízo da mesma ofendida, bem sabendo ele da ilicitude e punibilidade da sua conduta. VIII - Ofendidos KK e LL 93. Em dia não concretamente apurado dos meses de ..., a ofendida MM, nascida no dia ... de ... de 2004, residente em Oliveira do ..., então com 16 anos de idade, foi contactada pelo arguido AA, através do perfil do ... “antonio_cunha16” (sabendo a ofendida MM que a pessoa deste perfil tinha mantido contacto de natureza sexual com a sua colega PP), dizendo-lhe que queria estar com ela, interesse que também manifestou por ..., mas sem receptividade da ofendida MM a esses contactos. 94. Volvidos alguns meses, o arguido AA disse à ofendida MM que estava na posse de um vídeo íntimo dela, a praticar sexo oral, que lhe enviou, para atestar que estava a falar verdade, tratando-se de um vídeo da ofendida MM com o seu ex-namorado de nome DDD. 95. O arguido AA ameaçou a ofendida MM de divulgar o vídeo pelos seus familiares, se não fizesse o que ele lhe determinasse. 96. Para a convencer que o faria, o arguido AA, no dia ... de ... de 2022, entrou em contacto com a irmã e a sobrinha (de 13 anos de idade) da ofendida MM (pensando que aquela era mãe da ofendida e esta sua irmã), mas sem lhes falar do vídeo, referindo apenas que a ofendida MM andava a vender o corpo por dinheiro. 97. Convencida que o arguido AA cumpriria a ameaça, a ofendida MM aceitou fazer o que ele lhe determinou: praticar coito oral a um homem, em videochamada com o arguido. 98. A ofendida MM explicou a sua situação ao seu amigo e ofendido LL, nascido no dia ... de ... de 1996, e residente na ..., que aceitou ajudá-la. 99. Então, no referido dia ... de ... de 2022, a ofendida MM, fez coito oral ao ofendido LL, contra a vontade de ambos, em videochamada com o arguido AA, que gravou, sem autorização dos ofendidos. 100. O arguido AA, ao agir deliberada, livre e conscientemente, pela forma descrita, por meio de ameaça acima descrita, constrangeu a ofendida MM a praticar com o ofendido LL coito oral, com a intenção de satisfazer os seus desejos libidinosos, bem sabendo que agia completamente contra a vontade dos mesmos ofendidos, e que colocava em crise os seus sentimentos de pudor e vergonha, além do sentimento de decência inato à generalidade das pessoas, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 101. O arguido AA, agindo deliberada, livre e conscientemente, acedeu informaticamente a um vídeo da ofendida MM na Internet, protagonista de coito oral, e procedeu à gravação de imagens da ofendida MM a realizar idêntico acto sexual, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 102. O arguido AA, ao gravar as imagens do ofendido LL, agiu com o propósito concretizado de devassar a sua vida privada e de violar o seu direito à reserva sobre a intimidade da vida privada, bem sabendo que o fazia contra a vontade e sem o consentimento do mesmo, tendo agido deliberada, livre e conscientemente, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 103. Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida MM sofreu e ainda sofre vergonha, vexame, humilhação, desespero, ansiedade, angústia, medo, abalo da sua auto-estima e perturbação da sua dignidade pessoal. 104. A ofendida MM viveu os factos atrás descritos e suas repercussões praticamente sozinha, pois não contou aos seus pais e irmã o sucedido, por vergonha e por temer a reacção deles. 105. No decurso dos contactos com o arguido, a ofendida MM disse a este que tinha depressão, que andava a tomar comprimidos e já se tinha tentado matar duas vezes e que agora o ia fazer, mas tal não demoveu o arguido de levar a cabo a realização da referida videochamada. IX – Ofendida NN 106. Em data não concretamente apurada, anterior ao dia ... de ... de 2020, a ofendida NN, nascida no dia ... de ... de 2000, residente em ..., estabeleceu contactos, através do Instagram, com o utilizador do perfil “...”, tratando-se de EEE, a quem enviou seis fotos dela de nudez. 107. O mencionado FFF partilhou tais fotos, na internet. 108. No referido dia ... de ... de 2020, a ofendida NN foi contactada pelo utilizador do perfil de Instagram “...”, presumivelmente o arguido AA, dizendo que era do seu conhecimento que existiam fotos íntimas dela numa página do “....com”, enviando-lhe tais fotos como comprovativo da veracidade da informação. 109. Mais dizendo que conhecia o administrador da página “....com”, e que o mesmo podia retirar as fotos, devendo contactar para o efeito o utilizador “.........93”, através da aplicação Snapchat. 110. O utilizador do perfil do Snapchat “.........93”, que usava o nome “..... ......io”, era o arguido AA. 111. No mesmo dia, a ofendida NN procedeu à instalação da aplicação Snapchat, e adicionou o utilizador do perfil “.........93”, o qual confirmou estar na posse das referidas fotos, que lhe enviou, como comprovativo, e dizendo para comunicarem através de videochamada, o que ela fez, mas sem conseguir visualizar o arguido AA, porque as luzes estavam apagadas. 112. Da conversação pelo Snapchat e, posteriormente, por telefone de número não identificado, o arguido AA, para retirar as fotos da ofendida NN do “discord.com”, exigiu que esta se despisse para a câmara, contra a sua vontade, caso contrário divulgaria as fotos por familiares e amigos dela. 113. O arguido AA propôs ainda à ofendida NN um encontro, para manterem relações sexuais, o que não aconteceu. 114. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao ameaçar a ofendida NN com a divulgação na Internet das fotos de nudez dela, facto que a acontecer a deixaria envergonhada, vexada e humilhada, pretendeu constrangê-la a agir pela forma descrita (i.e., a despir-se para a câmara, contra a sua vontade), assim satisfazendo os seus desejos libidinosos, só não o conseguindo por circunstâncias alheias à sua vontade, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. 115. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, quis importunar, e importunou, a ofendida NN ao propor-lhe um encontro para manterem relações sexuais, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. X - Ofendida OO 116. Cerca de duas semanas antes do dia ... de ... de 2021, a ofendida OO, nascida no dia ... de ... de 2002, residente em ..., encetou contactos com o titular do perfil de Instagram “...” e do perfil de Snapchat “UU” / “.............21”, criados e utilizados pelo arguido AA, convencida que o fazia com UU, jogador de futebol do .... 117. No decorrer das conversações efetuadas com recurso à aplicação Snapchat, a ofendida OO fotografia sua apenas com a roupa interior (em calções e soutien). 118. Na posse de tal foto, o arguido AA exigiu à ofendida OO que lhe enviasse fotos dela nua ou em atos sexuais, ou de uma amiga, caso contrário divulgaria a referida foto nas redes sociais, o que ela recusou fazer. 119. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao ameaçar a ofendida OO com a divulgação pelas redes sociais da internet a referida foto, quis constrangê-la a agir pela forma descrita, só não o logrando fazer por circunstâncias alheias à sua vontade, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. XI - Ofendida PP 120. Em agosto de 2021, antes do dia 14, a ofendida PP, nascida em ... de ... de 2004, residente em ..., foi contactada por WhatsApp, pelo arguido AA, a convidá-la para manter relações sexuais, a troco de dinheiro. 121. No desenvolvimento da conversa, o arguido AA disse à ofendida PP que lhe pagaria a quantia de dois mil euros (2.000,00€), para manterem relações sexuais, o que ela aceitou. 122. Assim, no dia 14 de Agosto de 2021, quando a ofendida PP tinha dezasseis anos de idade, o arguido AA foi de táxi a casa dela, e dali seguiram para o “...”, situado em ..., onde ele se registou pelas 18:02 horas, e pagou, e foram ambos para um quarto. 123. Então, a ofendida PP fez sexo oral ao arguido AA, sem preservativo, acabando por ejacular na boca dela. 124. O arguido AA disse à ofendida PP que lhe pagaria o referido montante, o que não aconteceu. 125. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, aliciando a ofendida PP, com a contrapartida da entrega de quantia monetária, a encontrar-se com ele, para manterem relações sexuais, o que aconteceu. XII - PERFIS DO INSTAGRAM E DO SNAPCHAT 126. O arguido AA criou o perfil de Instagram “...” e o perfil de Snapchat “UU” / “.............21”, como se tivesse sido GGG, jogador de futebol profissional do ..., a criá-los. 127. O arguido AA quis, como fez, subverter o tratamento de dados pessoais e identificativos a que está sujeita a criação de contas e perfis pessoais em redes sociais e em plataformas de comunicação e entretenimento digitais, pretendendo fazer-se passar pelo mencionado UU, para que outros nisso acreditassem, bem sabendo que os dados que introduzia na criação dessas contas e perfis pessoais não eram verdadeiros e não eram os seus (e não provinham do mencionado UU), e bem sabendo que a sua conduta era adequada a induzir em erro quem, em contacto com tais contas e perfis, se julgasse em contacto com informações e conteúdos autênticos e fidedignos. 128. Quis também, como fez, por essa via conseguir que as publicações efetuadas conquistassem maior alcance, para atingir o seu desígnio de praticar os factos descritos, uma vez que as ofendidas II (de C...)) e OO, só se relacionaram informaticamente com ele, por pensarem que era realmente o jogador de futebol UU. XIII - BUSCA E REVISTA 129. No dia 9 de fevereiro de 2022, foi realizada busca à residência do arguido AA, situada na Rua ..., no âmbito da qual lhe apreenderam: - Uma embalagem de suporte de cartão SIM, da Operadora “Vodafone”, correspondente ao número .......23; - Um cartão de suporte de cartão SIM, da Operadora “Vodafone”, com um papel de pequenas dimensões colado com fita-cola, com a inscrição do número .......94, e uma etiqueta de embalagem de cartão SIM, da Operadora “Vodafone”, correspondente ao número .......31; - Uma caixa da Operadora “Vodafone”, relativa a um telemóvel, da marca “Alcatel”, com o IMEI número .............42, com referência ao SIM card número ..........05. 130. Efetuada revista ao arguido AA, foi-lhe apreendido um telemóvel, da marca “Redmi”, modelo “A9”, com o IMEI número ............16(2). 131. O arguido AA é primário, não possuindo antecedentes criminais. 132. O arguido AA nasceu em .../.../1992 (tem 30 anos de idade). O arguido AA é originário de um meio familiar humilde, cujos pais se dedicaram à actividade piscatória, não havendo alusão a dificuldades de ordem económica. A dinâmica familiar é caracterizada pela coesão, tendo perdurado os laços afectivos entre todos os seus elementos. Durante o percurso escolar o arguido registou reprovações e absentismo, que o impeliram ao abandono escolar após a conclusão do 6º ano, com o intuito de trabalhar de forma a reunir meios económicos próprios, facto comum no seu meio social. Assim, aos 15 anos de idade, começou a trabalhar no sector piscatório. Frequentou, pelo período de três meses, um curso profissional na FOR-MAR – Centro de Formação Profissional das Pescas e do Mar, em ..., para obter a cédula marítima. Desde então, dedicou-se basicamente à pesca da sardinha em águas portuguesas, tendo trabalhado para a mesma embarcação entre os 15 e os 25 anos de idade. Ao nível da vida social, assinala-se como relevante, desde os 18 anos, a frequência de locais de jogos de azar, nomeadamente casinos, e de forma regular a partir dos 24, tornando-se adicto, para além do recurso a apostas em jogos online. No campo afectivo, assinala a existência de apenas um relacionamento significativo, que durou cerca de três anos e que terminou há cerca de cinco anos, estando na origem da ruptura, provavelmente, os problemas do arguido com o jogo. Em 2017/2018, foi submetido a uma intervenção cirúrgica ao estômago, devido ao excesso de peso – na altura pesava 150kg -, situação que se constituía para o próprio como constrangimento na realização de algumas actividades quotidianas. No âmbito do Processo nº 383/17.3...do Ministério Público – Procuradoria da República da Comarca do Porto – DIAP – Secção ..., por factos ocorridos em Ago./2017, foi-lhe aplicada pelo período de 6 meses a suspensão provisória do processo, pela prática do crime de ofensa à integridade física, constituindo-se a vítima uma jogadora de futebol, tendo cumprido com a injunção de prestação de serviço de interesse público. No período a que se referem os factos contidos na acusação, o arguido AA mantinha residência junto dos pais com os quais manteve sempre uma relação muito positiva e extensível às irmãs. O agregado reside num apartamento de tipologia 3, inserido numa zona predominantemente habitacional das ..., em .... A subsistência do agregado é assegurada com a reforma do progenitor, no valor de 1.100€, e com o vencimento da mãe, cerca de 700/800€/mês. Despendem aproximadamente 820€ com a manutenção da habitação, valor que inclui empréstimo bancário para obras na habitação. Profissionalmente, o arguido exercia actividade na embarcação ..., sendo descrito pela entidade patronal como bom funcionário, pontual e assíduo e que mantinha boa relação com os colegas, motivos que o levam a conservar o seu posto de trabalho. Anualmente, durante dois meses, aproximadamente, entre os meses de ... e ..., que corresponde à interrupção da pesca da sardinha (período de defeso), AA permanecia inactivo por via das circunstâncias e recorria ao subsídio de desemprego. Regista uma única experiência em águas internacionais compreendida entre ........2019 e .... ou Fev./2020. O ordenado do arguido AA variava de acordo com o pescado, mas em média usufruía o equivalente ao salário mínimo nacional. O arguido não costumava comparticipar nas despesas do lar, por não existir necessidade, uma vez que os pais suportavam as despesas. Normalmente, o seu vencimento era canalizado para as despesas pessoais, nomeadamente jantares com amigos e primos e vestuário, neste caso, despendia cerca de 200 a 300€/mês. A frequência regular de espaços de jogo resultou em dívidas, tendo inclusivamente solicitado dinheiro emprestado a uma das irmãs sem que a mesma, à época, tivesse conhecimento do seu propósito. A família só tomou conhecimento da adicção ao jogo durante o período da pandemia, quando alguém escreveu no muro em frente à habitação que AA devia dinheiro e tinha 24 horas para proceder ao seu pagamento. Associado à adicção, costumava consumir bebidas alcoólicas em excesso, comportamento circunscrito, aparentemente, aos locais de jogo ou a momentos sociais e festivos. O arguido AA submeteu-se a tratamento à adicção ao jogo numa clínica em ..., onde se manteve por cerca de 3 meses, no Verão de 2019 ou 2020, o qual foi subsidiado pelos pais (1400€/mês). Apesar de considerar que os resultados foram positivos, registou uma recaída. Posteriormente, beneficiou de consultas em psiquiatria e psicologia na Santa Casa da Misericórdia com vista a obviar a adicção ao jogo e álcool, que alegadamente cessou em finais de 2021, quando afirma ter deixado de frequentar os locais de jogo. No campo das relações sociais, o arguido AA costumava privar com a família, que se reunia aos fins-de-semana, para além de encontros com outros familiares e colegas de trabalho. O arguido AA deu entrada no EPP, em ........2022, na situação de preventivo, à ordem dos presentes autos. Tem pendente o Processo nº 10582/18.5... do Juízo de Instrução Criminal de ... – Juiz ..., pela prática dos crimes de burla e importunação sexual. Em contexto de reflexão orientada sobre a tipologia de crime subjacente aos presentes autos, em sentido abstracto, o arguido transmite uma posição de ambiguidade. Se, por um lado, considera que da sua prática resultam danos, por outro, essa mesma posição é contrariada na medida em que considera que o erro pode ser reparado a posteriori, no caso das burlas. No caso dos crimes contra a auto-determinação sexual, não havendo o uso de força física e/ou de ameaças, tal prática não será percecionada como crime, pelo que a forma como o arguido compreende comportamentos caracterizados como sexualmente agressivos parece estar influenciada por distorções cognitivas e crenças legitimadoras que visam minimizar ou diluir a sua gravidade. Em meio prisional, tem mantido comportamento consentâneo com as normas da instituição e, como forma de ocupar o tempo, tem-se dedicado ao trabalho como faxina do pavilhão. Não realiza qualquer tipo de tratamento; apenas beneficiou de consulta na especialidade de psicologia em Setembro do ano transacto. Foi com grande estupefação que a família tomou conhecimento do presente confronto do arguido com o sistema de administração da justiça penal e dos factos que estão na base da acusação. Contudo, continuam a manifestar o seu total apoio, sendo presença assídua e constante na visita no estabelecimento prisional, bem como junto dos seus defensores. Embora o arguido AA perspective regressar a casa dos pais, receia pela sua imagem comunitária. Na comunidade local é conhecida a situação jurídico-penal do arguido, tanto mais que foi fortemente veiculada por diferentes órgãos de comunicação social, porém, não foi perceptível nenhum sentimento de rejeição face ao arguido ou a família. 3.2. Factos não provados Não se provou que: I – Ofendida BB 1. O arguido AA sabia a idade da ofendida BB. 2. Como consequência directa e imediata da conduta do arguido AA, a ofendida BB sofreu e ainda sofre vergonha e humilhação. II - Ofendida CC (de G...) 3. A ofendida CC residia em .... 4. O arguido acedeu ao perfil do Facebook da ofendida. 5. O arguido foi muito agressivo e ameaçador com a ofendida, tendo coagido esta a enviar-lhe uma foto sua nua, sob pena de falar com os pais desta e ganhar a sua confiança. 6.A ofendida desligou a videochamada mal se apercebeu do que estava a acontecer. 7.O arguido AA tentou penetrar a ofendida CC no ânus. 8.A ofendida CC tentou deixar de falar com o arguido AA, mas este ameaçava que acabava com a vida dela, divulgando tudo aos seus pais e amigos. III - Ofendida DD 9. A segunda ocasião ocorreu no motel e a ofendida pensava que iria ganhar mil e quinhentos euros (1.500,00€) do BCE, por 4 horas. 10. No dia 29 do referido mês, através do Whatsapp, o arguido AA exigiu à ofendida AAA a quantia de cinco mil euros (5.000,00€) do BCE, caso contrário divulgaria o referido filme dela, e que iria ao seu local de trabalho, acabando esta por não o fazer, a conselho de uma amiga, que tinha passado pela mesma experiência. 11. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao ameaçar a ofendida AAA de divulgação da sua nudez, queria que ela lhe entregasse a referida quantia em dinheiro, para a integrar no seu património, acarretando para ela prejuízo de igual montante, só não o conseguindo por circunstância alheia à sua vontade, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. IV – Ofendida EE 12. Em setembro de 2020, através de Snapchat, o arguido AA exigiu à ofendida BBB a quantia de mil euros (1.000,00€) do BCE, caso contrário divulgaria na Internet as fotos de nudez dela, que dizia ter na sua posse, acabando esta por não o fazer. 13. O arguido AA, que agiu deliberada, livre e conscientemente, ao ameaçar a ofendida BBB de divulgação da sua nudez, queria que ela lhe entregasse a referida quantia em dinheiro, para a integrar no seu património, acarretando para ela prejuízo de igual montante, só não o conseguindo por circunstância alheia à sua vontade, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. V – Ofendidos FF e GG Não há factos não provados. VI – Ofendida II (de C...)) 14. O arguido estabeleceu contactos com amigas da ofendida II. VII – Ofendida JJ Não há factos não provados. VIII – Ofendidos KK e LL 15. O arguido AA sabia a idade da ofendida MM. 16. O arguido AA ameaçou divulgar o vídeo pelos amigos da ofendida. IX – Ofendida NN Não há factos não provados. X – Ofendida OO Não há factos não provados. XI – Ofendida PP 17. O sexo oral foi feito sem preservativo e o arguido AA acabou por ejacular na boca da ofendida PP. 18. O arguido AA sabia a idade da menor PP e actuou com o propósito de satisfazer a sua libido e os seus instintos sexuais, sabendo que afetava a integridade psicológica e emocional da mesma ofendida e, bem assim, a liberdade de autodeterminação sexual da mesma, o que logrou, bem sabendo da ilicitude e punibilidade da sua conduta. XII – PERFIS DO INSTAGRAM E DO SNAPCHAT Não há factos não provados. XIII – BUSCA E REVISTA Não há factos não provados. 4. O Direito 4.1. Da admissibilidade do recurso das assistentes Pretendem as assistentes, ora recorrentes, VV, CC (da G), CC (de C...) e SS, que o recurso que interpuseram para a Relação da decisão da 1.ª instância é admissível. Entendem que lhes assiste interesse em agir. O Tribunal da Relação não admitiu o recurso por entender não se verificar, da parte daquelas, o pressuposto processual do interesse em agir (art.º 401.º 2 do CPP). Vejamos, Nos termos do art.º 399.º do CPP, “É permitido recorrer dos acórdãos, das sentenças e dos despachos cuja irrecorribilidade não estiver prevista na lei”. Segundo o art.º 432.º, n.º 1, al. b), do mesmo diploma, “Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça” “De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”. Determinando, por seu turno, o art.º 400.º do CPP: “1- Não é admissível recurso: (…) c) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo (…)”. Com este preceito (introduzido pela Lei 48/..., de ...), o legislador quis “restringir o recurso de segundo grau perante o Supremo Tribunal de Justiça aos casos de maior merecimento penal, (…), quando a Relação, em recurso, não conhecer a final do objecto do processo, não cabe recurso para o Supremo” (Cfr. Proposta de Lei 109/X). Consoante resulta do art.º 97.º do CPP a sentença é o ato decisório do juiz que conhece “a final do objeto do processo”, isto é, do mérito da causa. O objecto do processo é o decorrente da acusação e/ou da pronúncia e da defesa, pelo que “conhecer do objecto do processo” é conhecer do mérito ou fundo da causa – ou seja da viabilidade da acusação, o que terá como consequência a condenação ou a absolvição do arguido (Vd. Pereira Madeira, in “Código de Processo Penal Comentado”, António Henriques Gaspar e Outros, Almedina, 4.ª Edição, pág. 1240). Destarte, sendo o objeto do processo penal delimitado naqueles moldes, dele decorrem o tema probandum e o thema decidendum e, consequentemente, os poderes de cognição do tribunal. A este respeito, tem sido constante a jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça no sentido de que os acórdãos que não conheçam do mérito da causa não são recorríveis para este Tribunal, sendo que esta interpretação já foi apreciada pelo Tribunal Constitucional, tendo este reiteradamente vindo a afirmar não ser inconstitucional a norma do artigo 400.º, n.º 1, alínea c), do CPP, interpretada no sentido de não serem recorríveis para o Supremo Tribunal de Justiça os acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações, que não conheçam, a final, do objeto do processo (Vd. Ac. do STJ de 22.04.2015, proc. 1149/06.1TAOLH-A.L1.S1). Ora, no presente caso, o acórdão do Tribunal da Relação, proferido em recurso, no que se refere ao recurso das assistentes limitou-se a apreciar a questão do interesse em agir das mesmas, tendo concluído pela sua não verificação. Nada decidiu no plano substantivo e em termos definitivos, assumindo-se, assim, esse acórdão como uma decisão de cunho meramente processual, visto não ter conhecido do objecto do processo, nem ter posto termo à causa. Como se referiu no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 12.03.2015, proc. 724/01.5SWLSB.L1, “é irrecorrível para o STJ a decisão da Relação tomada em recurso que, tendo absoluta autonomia relativamente às demais questões suscitadas, não pôs termo à causa por não se ter pronunciado sobre a questão substantiva que é o objeto do processo. Para efeito da recorribilidade, mostra-se indiferente a forma como o recurso foi processado e julgado pela Relação, isto é, se o recurso foi processado autonomamente ou se a decisão se encontra inserida em impugnação da decisão final. Entendimento este que, como se viu, e também se assinala no referido aresto, respeita a garantia constitucional do duplo grau de jurisdição e está em perfeita sintonia com o regime traçado pela reforma do processo penal de 1998, mantido na reforma de 2007, para os recursos para o STJ: sempre que se trate de questões processuais ou que não tenham posto termo ao processo, o legislador pretendeu impedir o segundo grau de recurso, terceiro de jurisdição, determinando que tais questões fiquem definitivamente resolvidas com a decisão da Relação. As Leis 28/2010, de 30 de agosto, º 20/2013, de 21 de fevereiro, e 94/2021, de 21 de dezembro, não alteraram a situação. No mesmo sentido do citado acórdão de 2015, pronunciou-se o acórdão de 18.01.2017, no processo n.º 698/10.1T3OBR.P1.C1.S1 (que se indica exemplificando o que constitui entendimento constante do STJ), onde podemos ler: «O acórdão recorrido na parte em questão não consubstancia uma decisão de fundo, uma apreciação de mérito, não tendo a natureza de decisão final, não sendo uma condenação nem absolvição, antes corresponde a uma decisão que nesse segmento não conhece do objeto do processo, nada tendo decidido, por essa via, em definitivo, em termos substantivos, antes revestindo o carácter de decisão no plano meramente processual. Trata-se de uma decisão interlocutória, intermédia, incidental, versando sobre questão processual avulsa, que não põe termo à causa, e como tal, abrangida pela irrecorribilidade constante da alínea c), do n.º 1 do artigo 400.º do Código de Processo Penal.” (Acórdão do STJ de 12.12.2024, proc. 127/16,7GCPTM.E3.S1, www.dgsi.pt.) Em face do exposto, uma vez que o acórdão da Relação não conheceu a final do objecto do processo (no que se refere ao recurso das assistentes), rejeita-se, por legalmente inadmissível, o recurso do acórdão da Relação que, em recurso, confirmou a decisão proferida pelo Tribunal de 1ª instância, sendo certo que consoante determina o art.º 414.º n.º 3 do CPP, a decisão que admita o recurso ou que determine o efeito que lhe cabe ou o regime de subida não vincula o tribunal superior. 4.2. De o direito de queixa dos assistentes CC e WW, se mostrar extinto por caducidade e 4.3. Da nulidade da decisão por falta de fundamentação no que respeita às penas parcelares que deveriam ter sido substituídas por penas de multa Por estarem conexionadas serão abordadas em conjuntos as referidas questões O acórdão do Tribunal da Relação do Porto confirmou integralmente o acórdão da 1.ª instância, tendo condenado o arguido, para o que ora releva, no seguinte: Quanto à ofendida BB: Pela prática de crime de importunação sexual (art.º º º 170.º do Código Penal), na pena de 3 meses de prisão. Quanto à ofendida CC (de G...), Pela prática de um crime de violação agravada (art.º º 164.º , n.º 2, al. a), do Código Penal), na pena de 5 anos de prisão; Pela prática de um crime de violação agravada (art.º º 164.º , n.º 2, al. a), do Código Penal), na pena de 5 anos de prisão; Pela prática de um crime de pornografia de menores (art.º º 176º, n.º 3, do Código Penal), na pena de 1 ano e 3 meses de prisão; Pela prática de um crime de extorsão (art.º º 223º, n.º 1, do Código Penal), na pena de 5 meses de prisão; Quanto à ofendida DD Pela prática de um crime de violação agravada (art.º º 164.º, n.º , al. a), do Código Penal); Pela prática de um crime de violação agravada (art.º º 164.º , n.º , al. a), do Código Penal), na pena de 4 anos e 8 meses de prisão; Pela prática de um crime de violação agravada (art.º 164.º , n.º , al. a), do Código Penal), na pena de 4 anos e 8 meses de prisão; Pela prática de um crime de burla (art.º 217.º, n.º, do Código Penal), na pena de 5 meses de prisão; Pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º º 192.º, n.º, al. b), do Código Penal), na pena de 4 meses de prisão; Pela prática de um crime de coacção (art.º 154.º, n.º 1 do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; Quanto aos ofendidos FF e GG Pela prática de um crime de coacção (art.º 154º, n.º 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; Pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º , n.º, al. b), do Código Penal) (ofendida FF), na pena de 4 meses de prisão; Pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º , n.º, al. b), do Código Penal) (ofendido HH), na pena de 4 meses de prisão; Pela prática de um crime de acesso ilegítimo (art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º09/2009, de 15-09 [Lei do Cibercrime]), na pena de 4 meses de prisão. Quanto à ofendida II (de C...) Pela prática de um crime de burla (art.º º 217.º, n. º 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; Pela prática de um crime de burla (art.º 217.º, n.º1, do Código Penal), na pena de 1 ano de prisão; Pela prática de um crime de burla (art.º 217.º, n.º 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; Pela prática de um crime de violação (art.º 164.º , n.º1, al. b), do Código Penal), na pena de 2 anos de prisão; Pela prática de um crime de violação (art.º 164.º , n.º, al. b), do Código Penal), na pena de 2 anos de prisão; Pela prática de um crime de violação (art.º 164.º , n.º 1, al. b), do Código Penal), na pena de 2 anos de prisão; Pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º , n.º, al. b), do Código Penal), na pena de 4 meses de prisão; Pela prática de um crime de acesso ilegítimo (art.º 6.º, n.º 1, da Lei n.º09/2009, de 15-09 [Lei do Cibercrime]), na pena de 4 meses de prisão. Quanto à ofendida JJ Pela prática de um crime de extorsão, na forma tentada (arts. 22.º, 23.º, 73.º e 223.º, n.º1, do Código Penal), na pena de 8 meses de prisão; Pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º , n.º 1, al. b), do Código Penal), na pena de 4 meses de prisão; Pela prática de um crime de burla (art.º 217.º, n.º 1, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; Quanto aos ofendidos KK e LL: Pela prática de um crime de violação [agravada] (art.º 164.º , n.º 1, al. a), do Código Penal), na pena de 4 anos de prisão; Pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º , n.º 1, al. b), do Código Penal) (ofendida MM), na pena de 4 meses de prisão; Pela prática de um crime de devassa da vida privada (art.º 192.º , n.º1 , al. b), do Código Penal) (ofendido LL), na pena de 4 meses de prisão. Quanto à ofendida NN: Pela prática de um crime de coacção na forma tentada (arts. 22.º, 23.º e 154.º, n.ºs 1 e 2, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; Pela prática de um crime de importunação sexual (art.º 170.º do Código Penal), na pena de 4 meses de prisão; Quanto à ofendida OO: Pela prática de um crime de coacção na forma tentada (arts. 22.º, 23.º e 154.º, nºs 1 e 2, do Código Penal), na pena de 6 meses de prisão; * Mais tendo sido o arguido condenado pela prática de um crime de falsidade informática (art.º º 3.º, n.º 1, da Lei 109/2009, de 15 de Setembro, na pena de 10 meses de prisão; Pela prática de um crime de falsidade informática (art.º 3º, n.º 1, da Lei 109/2009, de 15 de Setembro, na pena de 10 meses de prisão. * Em cúmulo jurídico das penas referidas foi o arguido condenado na pena única de 12 anos de prisão. Nos termos assinalados supra o acórdão da Relação confirmou integralmente a decisão de 1.ª instância, verificando-se assim dupla conforme, sendo que nenhuma das penas parcelares excede os cinco anos de prisão, o que implica não seja admissível o recurso do arguido no que às penas parcelares diz respeito (artigos 400.º n.º 1, alíneas e) e f) e art.º º º 432.º n.º1 alínea b), do CPP). Como é sabido, o instituto da «dupla conforme», enquanto fundamento de irrecorribilidade, baseia-se na constatação de que a concordância de duas instâncias quanto ao mérito da causa é factor indiciador do acerto da decisão, o que, em casos de absolvição ou de condenação em pena de prisão de pequena ou média gravidade, prévia e rigorosamente estabelecidos pelo legislador, justifica a limitação daquele direito. Por outro lado, este entendimento quanto à irrecorribilidade de decisões proferidas, em recurso, pelo Tribunal da Relação, enquanto confirmativas da deliberação da 1.ª instância, não ofende qualquer garantia do arguido, nomeadamente, o direito ao recurso. Na verdade, como se decidiu no acórdão deste Supremo Tribunal de 25-02-2015, proc.1514/12.5JAPRT.P1.S1, o princípio da dupla conforme, impeditivo de um terceiro grau de jurisdição e segundo grau de recurso, não pode ser encarado como excepção ao princípio do direito ao recurso, consagrado no artigo 32.º n.º 1, da Constituição da República Portuguesa, sendo o mesmo assegurado através da possibilidade de os sujeitos processuais fazerem reapreciar, em via de recurso, pela 2.ª instância, a precedente decisão; por outro lado, como revelação ou indício de coincidente bom julgamento nas duas instâncias, impede, ou tende a impedir, que um segundo juízo, absolutório ou condenatório, sobre o feito, seja sujeito a uma terceira apreciação pelos tribunais. Assim sendo, só é admissível recurso para este Supremo Tribunal de Justiça da decisão confirmatória da Relação no caso de a pena aplicada ser superior a 8 anos de prisão, quer estejam em causa penas parcelares ou singulares, quer penas conjuntas ou únicas resultantes de cúmulo jurídico (Cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 11.03.2021, proc. 809/19.1T9VFX.E1.S1; de 02-12-2021, proc. 923/09.1T3SNT.L1.S1; de 12-01-2022, proc. 89/14.5T9LOU.P1.S1; de 20-10-2022, proc. 1991/18.0GLSNT.L1.S1; de 30-11-2022, proc. 1052/15.4PWPRT.P1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt). Sendo irrecorríveis as penas parcelares, as questões às mesmas referentes, sejam elas processuais ou substantivas, sejam interlocutórias, incidentais ou finais, não poderão ser conhecidas pelo Supremo Tribunal de Justiça. Destarte, o recurso para este tribunal não só não é admissível quanto às penas propriamente ditas não superiores a 8 anos de prisão, como também em relação a todas as questões processuais e de substância com elas conexas colocadas a montante que digam respeito a essa decisão, tais como, as relativas às nulidades, inconstitucionalidades, vícios indicados no art.º 410.º do CPP, apreciação da prova, qualificação jurídica dos factos e determinação da medida da penal, etc. – como sucede, in casu, com a invocada caducidade do direito de queixa dos assistentes e a nulidade da decisão recorrida. Esta interpretação feita pelo Supremo Tribunal de Justiça, não foi julgada inconstitucional pelo Tribunal Constitucional no seu acórdão 186/2013. Podendo ainda ver-se, entre muitos outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 09-02-2012, proc. 1/09.3FAHRT.L1.S1, de 10–07–2013, proc. 52/06.0JASTB.L1.S2, de 13-05-2021, proc. 5/14.3SMLSB.L1.S1, de 12–01–2023, proc.757/20.2PGALM.L1.S1, de 27-09-2023, proc. 440/20.9PBBRR.L1.S1. Pelo exposto rejeita-se o presente recurso, por inadmissibilidade nos termos dos artigos 400.º n.º 1 alíneas e) e f), art.º º 432.º n.º 1, alínea b), 420.º n.º 1, alínea b) do CPP, sendo que nos termos do art.º º 414.º n.º 3, do mesmo diploma, a decisão que admita o recurso não vincula o tribunal superior. 4.3. De a pena única fixada ao arguido ser excessiva e desproporcionada, devendo ser reduzida para sete anos de prisão Considera o arguido que a pena única de 12 anos de prisão que lhe foi aplicada é manifestamente excessiva e desproporcionada, pugnando seja a mesma reduzida para 7 anos. Segundo o art.º 77.º, do Código Penal - Regras da punição do concurso “ 1- Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. 2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.(…)” A propósito da punição do concurso de crimes de que trata o supra citado preceito, têm a jurisprudência e a doutrina vindo a entender que o modelo ali previsto não se traduz no sistema de acumulação material (soma das penas com mera limitação do limite máximo), nem no da exasperação ou agravação da pena mais grave (elevação da pena mais grave, através da avaliação conjunta da pessoa do agente e dos singulares factos puníveis, elevação que não pode atingir a soma das penas singulares nem o limite absoluto legalmente fixado), mas sim num sistema misto, apelidado de cúmulo jurídico, em que a pena conjunta tem como limite mínimo a pena mais elevada que foi aplicada ao arguido e como limite máximo a soma resultante das penas concretamente aplicadas. A pena única aplicada resulta, como se refere no Acórdão do STJ de 17-02-2022, proc. 57/18.8GEPTM.E1.S1, «da imagem global do facto e da personalidade do agente». Relativamente à punição do concurso de crimes (concurso de penas), e à sua razão de ser, refere Germano Marques da Silva, in “Direito Processual Penal”, III Volume, Verbo, pág. 181 que a pena tem essencialmente, como função a prevenção de futuros crimes, sendo a finalidade da prevenção a razão da unidade de aplicação da pena única no concurso de crimes. Deste modo, não tendo a pena finalidade exclusivamente punitiva ou retributiva, adianta aquele autor que “se tendo o agente praticado vários crimes antes da condenação por qualquer deles devesse cumprir cumulativamente todas as penas correspondentes a qualquer dos crimes, isso significaria que a lei não considerava o efeito reintegrador da pena, não atribuindo qualquer efeito ao cumprimento da 1.ª das penas executadas”. (Itálicos nossos). Por outro lado, na fixação da pena conjunta do concurso, deve atender-se à “culpa do agente e às exigências de prevenção” (art.º 71.º do Código Penal), tendo-se em consideração que “A aplicação das penas e medidas de segurança visam a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade”, sendo que “Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa” (art.º º 40.º n.ºs 1 e 2, do Código Penal). Em caso de concurso, como se viu, na fixação da pena unitária, devem respeitar-se os limites das penas em concurso, e ter-se em consideração o disposto no art.º 77.º do Código Penal (“conjunto, dos factos e a personalidade do agente”). Os fundamentos deste regime decorrem do disposto no art.º 18.º, n.º 2, da Constituição, por via do qual “a lei só pode restringir os direitos, liberdades e garantias nos casos expressamente previstos na Constituição, devendo as restrições limitar-se ao necessário para salvaguardar outros direitos ou interesses constitucionalmente protegidos”. É que a privação do direito à liberdade, por aplicação de uma pena (art.º º 27.º n.º 2, da Constituição), deve submeter-se, tal como a sua previsão legal, ao princípio da proporcionalidade ou da proibição do excesso, que se desdobra, como é sabido, nos subprincípios da necessidade ou indispensabilidade, adequação e da proporcionalidade, de modo a que pena encontrada o seja na “justa medida”, e não desproporcionada ou excessiva (Vd. Gomes Canotilho e Vital Moreira, in “CRP Anotada”, Coimbra Editora, Vol. I, págs. 65 e 65). Ao referir-se no art.º 77.º ao “conjunto, dos factos e a personalidade do agente”, faz o legislador apelo a que se considere na determinação da pena conjunta com se pretende sancionar o agente, não apenas os factos individualmente considerados, mas também e especialmente o respectivo conjunto, entendido este «não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente», visto que a lei manda se considere e pondere, em conjunto, e não unitariamente, os factos e a personalidade do agente. A decisão que determine a medida concreta da pena do cúmulo «deverá correlacionar conjuntamente os factos e a personalidade do condenado no domínio do ilícito cometido por forma a caracterizar a dimensão e a gravidade global do comportamento delituoso do agente, na valoração do ilícito global perpetrado» (Vd. Acórdão do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27-01-2021, proc. 1663/16.0T9LSB.L1.S1, in www.dgsi.pt). Como salienta Figueiredo Dias, in “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Editorial Notícias, 1.ª Edição, págs. 290 a 291 “Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art.º 72.º, n.º 1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente”. (Itálicos e sublinhados nossos). A este respeito, como tem sido assinalado pela jurisprudência, “Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. (…) “Um dos critérios fundamentais em sede deste sentido de culpa, numa perspetiva global dos factos, é o da determinação da intensidade da ofensa e dimensão do bem jurídico ofendido, sendo certo que assume significado profundamente diferente a violação repetida de bens jurídicos ligados à dimensão pessoal em relação a bens patrimoniais. Por outro lado, importa determinar os motivos e objetivos do agente no denominador comum dos atos ilícitos praticados e, eventualmente, dos estados de dependência, bem como a tendência para a atividade criminosa expressa pelo número de infrações, pela sua permanência no tempo, pela dependência de vida em relação àquela atividade”. “Será, assim, o conjunto dos factos que fornece a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária – do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é recondutível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, não já no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”. (Itálicos e sublinhados nossos). (Vd. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 23-02-2022, proc. 16048/94.OTDPRT-B.S1 e os Acórdãos do mesmo Supremo de 27-01-2016, proc. 178/12.0PAPBL.S2, e de 12-02-2014, proc. 1335/1.5JAPRT.S1, disponíveis in , também citados no primeiro acórdão). Posto isto, retornemos ao caso subjudice. Importa desde já realçar que os factos praticados pelo arguido são de elevada gravidade. Com efeito, no período situado entre (2019 a 2022) praticou o arguido factos integrantes dos crimes de importunação sexual, violação agravada, violação, pornografia de menores, extorsão, extorsão na forma tentada, burla, devassa da vida privada, coacção, coacção na forma tentada, acesso ilegítimo e falsidade informática. Muito embora a conduta do arguido se tenha espraiado por diversa tipologia de crimes, o cerne a conduta do arguido situa-se no plano sexual. Com efeito, ao longo daquele período o arguido molestou sexualmente várias das vítimas, pôs em causa a sua liberdade de auto determinação sexual e a sua dignidade humana, sendo que várias das ofendidas eram de menor idade, o que arguido não desconhecia. Acresce que tais factos são susceptíveis de originar nas vítimas profundas consequências traumáticas no plano físico e psicológico, que podem perdurar por toda a vida. Como se refere no Acórdão do STJ de 26.09.2024, proc. 1379/21.6JAPRT.P1.S1, www.dgsi.pt. “(…) defende o Prof. Costa Andrade que “até atingir um certo grau de desenvolvimento, indiciado por determinados limites etários, o menor deve ser preservado dos perigos relacionados com o desenvolvimento prematuro em atividades sexuais. A lei presume que a prática de atos sexuais em menor, com menor ou por menor de certa idade prejudica o seu desenvolvimento global, e considera este interesse tão importante que coloca as condutas que o lesem ou ponham em perigo sob a tutela da pena criminal. Protege-se, pois, uma vontade individual ainda insuficientemente desenvolvida, e apenas parcialmente autónoma, dos abusos que sobre ela executa um agente, aproveitando-se da imaturidade do jovem para a realização de ações sexuais bilaterais. O que está em causa não é somente a autodeterminação sexual, mas, essencialmente, o direito do menor a um desenvolvimento físico e psíquico harmonioso, presumindo-se que este estará sempre em perigo quando a idade se situe dentro dos limites definidos pela lei. Em jeito de conclusão, dir-se-ia que o legislador reconheceu o papel da sexualidade no desenvolvimento da personalidade humana e pretende proteger aqueles que, devido à sua imaturidade, ainda não têm capacidade para se autodeterminar nesta vertente.” Refira-se ainda que a conduta do arguido se não circunscreve à pluriocasionalidade, revelando antes uma personalidade com clara tendência para a prática de crimes sexuais. Como se refere no acórdão recorrido, o que a reiterada e metódica actuação do arguido revela é que estamos perante um verdadeiro predador sexual, que, contudo, não se limita à procura de obter para si próprio vantagens pessoais indevidas traduzidas na satisfação dos seus instintos sexuais, como inclusive vai além disso, utilizando os estratagemas engendrados por forma a obter também lucros a nível pecuniário – e tudo, sempre, à conta da fraude, da insídia e da perfídia, e à custa do logro e dos sentimentos de insegurança e medo que causava nas ofendidas, cujos interesses invariavelmente desprezou. O arguido denota assim uma personalidade com graves falhas de carácter e de preparação para manter um comportamento conforme com o respeito dos mais elementares direitos das outras pessoas, que, nos autos, transformou e manietou a seu bel–prazer e com vista apenas e só a satisfazer os seus interesses ilegítimos e reprováveis. A gravidade do conjunto dos factos afere-se ainda pela circunstância de o arguido para a prática dos aludidos crimes ter criado perfis falsos em redes sociais ou em plataformas de comunicação e entretenimento, tendo-se inclusive feito por passar por empresário de futebol e por jogador de futebol ou empresário de futebol perante as vítimas, para assim lograr o contacto com estas assim e levar a cabo os seus intentos criminosos. São, pois, muito prementes no caso em apreço as exigências de prevenção geral face ao repúdio que as condutas levadas a cabo pelo arguido geram na sociedade, assim como o sentimento de insegurança associado a este tipo de criminalidade. Patentes são também as exigências de prevenção especial. Com efeito, o arguido é primário e goza de apoio familiar, o que se verificava à data da prática dos factos e após lhe ter sido decretada a medida de coação de prisão preventiva. Todavia, o mesmo não demonstrou qualquer arrependimento pelos factos que praticou, nem parece ter interiorizado o desvalor da sua conduta e a necessidade de trilhar um caminho conforme ao Direito, abstendo-se no futuro da prática de factos criminalmente ilícitos. No presente caso, nos termos do art.º 77.º n.º 2, do Código Penal, a pena aplicável ao cúmulo situa-se entre 5 anos de prisão (a mais elevada das penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes em concurso) a 41 anos e 10 meses (a soma material das penas parcelares concretamente aplicadas aos crimes em concurso), sendo reduzido o limite máximo a 25 anos (limite legal máximo). Pelo exposto, atendendo à apreciação conjunta dos factos ilícitos e personalidade do arguido, afigura-se-nos correta, justa e proporcional a aplicação de uma pena única de 12 anos de prisão, pelo que se confirma a medida da pena aplicada e já reiterada nas instâncias, uma vez que medida inferior não daria satisfação às prementes e sérias exigências de prevenção geral e especial. Improcede, por isso, a presente questão. 5. Decisão Em face do exposto, acordam os juízes Conselheiros desta secção em: - Rejeitar, por inadmissibilidade, o recurso das assistentes VV, CC, II e SS – artigos 400.º, n.º 1, al. c) e 414.º, n.º 3, do CPP; - Rejeitar, por inadmissibilidade, em função da dupla conforme, o recurso do arguido relativamente às questões da caducidade do direito de queixa e da nulidade da decisão por falta de fundamentação no que respeita às penas parcelares, artigos 400.º n.º 1, alíneas e) e f), art.º 432.º n.º1 alínea b) e 414.º, n.º 3, todos do CPP; - No mais, negar provimento ao recurso e confirmar o acórdão recorrido, condenando-se o arguido em 12 anos de prisão. Custas pelo arguido, com taxa de justiça em 5 UC. Lisboa, 2025.02.19 (Certifica-se que o acórdão foi processado em computador pela relatora e integralmente revisto e assinado eletronicamente pelos seus signatários, nos termos do art.º 94.º n.ºs 2 e 3 do CPP) Albertina Pereira (Relatora) Jorge Bravo (1.º Adjunto) Vasques Osório (2.º Adjunto) |