Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
76/13.0TBTVD.L2.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: EMIDIO FRANCISCO SANTOS
Descritores: RESPONSABILIDADE EXTRACONTRATUAL
ACIDENTE DE VIAÇÃO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE
INCAPACIDADE PERMANENTE PARCIAL
QUANTUM DOLORIS
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 01/11/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
I - A indemnização de danos não patrimoniais deve ser proporcional à gravidade dos danos.

II – A indemnização de 45 000 euros é proporcional ao seguinte quadro de danos não patrimoniais: quantum doloris avaliado no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade; défice funcional da integridade física e psíquica de nove (9) pontos; consolidação das lesões cerca de três anos após o acidente; durante cerca de um ano a lesada esteve submetida a terapêutica medicamentosa agressiva; por força das lesões a lesada desistiu do projecto de ser mãe; a lesada deixou de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que sente, passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, tendo recorrido a apoio psicológico, e deixou de praticar desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta.

Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.º Secção Cível do Supremo Tribunal de Justiça


AA, residente na rua de ..., 19, ..., ..., ..., propôs acção declarativa com processo ordinária contra Zurich- Companhia de Seguros, SA, com sede na Rua ..., pedindo a condenação da ré a pagar-lhe indemnização por danos não patrimoniais de montante não inferior a € 150 000 (cento e cinquenta mil euros), acrescida da quantia que viesse a ser liquidada em execução da sentença e de juros de mora, à taxa legal, contados desde a citação para a presente acção até ao integral pagamento.

A acção emerge de acidente de viação ocorrido em ... de Dezembro de 2009, ao Km 0.2 da EN ..., no qual foram intervenientes dois veículos automóveis, um conduzido pela autora e outro por BB. Segunda autora, o acidente foi imputável exclusivamente a esta condutora. A ré é demandada na qualidade de seguradora da condutora do veículo automóvel causador do acidente.

A acção foi contestada por Zurich Insurance Public Limited Company - Sucursal em Portugal, em virtude de a ré ter sido, por fusão, incorporada na sociedade anónima denominada “Zurich Insurance Public Limited Company” e, por efeito da mencionada fusão, “Zurich Companhia de Seguros, S.A.” ter sido extinta e todos os seus direitos e obrigações sido integrados no património da sucursal em Portugal da sociedade incorporante. Na sua defesa, embora tenha reconhecido o dever de indemnizar a autora pelos danos que esta realmente sofreu, a ré alegou que ignorava alguns dos facos alegados na petição e que o pedido de indemnização relativo aos danos não patrimoniais era exagerado. Concluiu o seu articulado, pedindo que a acção fosse julgada em conformidade com a prova que fosse produzida.

Na audiência prévia, a aurora requereu a ampliação do pedido no sentido de a ré ser condenada a pagar várias despesas emergentes de tratamentos e outras despesas de carácter médico emergentes do acidente de viação dos autos.

A ampliação do pedido foi admitida.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu:

1. Condenar a ré Zurich a pagar à autora a quantia de € 1778,00 (mil setecentos e setenta e oito euros), a título de danos patrimoniais, acrescida de juros vencidos desde a notificação da ampliação do pedido e vincendos até integral pagamento, contabilizados às taxas legais;

2. Condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 25 000 (vinte e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros vincendos até integral pagamento;

3. Condenar a ré a pagar à autora o montante que viesse a ser liquidado em incidente, a deduzir nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, correspondente à perda da capacidade de ganho da autora em virtude do défice funcional de que ficou a padecer;

4. Absolver a ré do mais peticionado.

A autora não se conformou com a decisão e interpôs recurso de apelação, pedindo se desse provimento ao recurso com as legais consequências.

Das conclusões do recurso [50.ª e 51.ª] decorria que a apelante pretendia a substituição da sentença proferida em 1.ª instância por decisão com o seguinte sentido:

a. Que a indemnização por danos não patrimoniais fosse fixada em quantia não inferior a 80 000 euros;

b. Que fosse arbitrada indemnização pelo dano biológico em quantitativo não inferior a 70 000 euros, acrescido de juros à taxa legal, desde a citação até ao integral pagamento;

c. Que a ré fosse condenada a indemnizar danos futuros, patrimoniais e não patrimónios, em quantia a liquidar posteriormente;

d. Que a ré fosse condenada, título de danos patrimioniais, a pagar a quantia de 3 278 euros ou, se assim se não entendesse, a de 2 403,20 euros.

O Tribunal da Relação de Lisboa decidiu, por acórdão proferido em 10-09-2020:

1. Alterar a matéria de facto;

2. Alterar a condenação a título de danos patrimoniais, passando a ser no montante de 3 278,00 (três mil duzentos e setenta e oito euros);

3. Anular parcialmente a sentença para que ficassem a constar da sentença os factos atinentes à privação de progressão na carreira, fixando-se, de seguida, a indemnização que se tivesse por ajustada.

Entretanto, a autora requereu nova ampliação do pedido no sentido de a ré ser condenada a pagar a quantia de novecentos e cinquenta e cinco euros, a título de danos patrimoniais que também sofreu, acrescida de juros de mora a contar da notificação do pedido ampliação.

Repetido o julgamento na 1.ª instância, foi proferida nova sentença que decidiu condenar a ré, além do decidido por decisão transitada em julgado, a pagar à autora o montante que viesse a ser liquidado em incidente a deduzir nos termos do artigo 358.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, correspondente à perda da capacidade de ganho da autora.

A autora não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, pedindo se anulasse a sentença e se substituísse a mesma por outra que, na sequência da anterior decisão do Tribunal da Relação e tendo em atenção os elementos probatórios juntos aos autos e o princípio da equidade, fixasse a indemnização não patrimonial e patrimonial adequada aos graves danos sofridos pela apelante em consequência do acidente dos autos, nos termos do disposto no artigo 663º, n.º 1, do CPC.

O Tribunal da Relação de Lisboa, por acórdão proferido em 16 de Março de 2023, julgou o recurso de apelação parcialmente procedente, decidindo:

• Substituir a sentença recorrida por decisão a condenar a ré a pagar à autora a quantia de € 65 000,00 (sessenta e cinco mil euros) a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal sobre tal montante a partir da decisão;

• Manter a sentença na parte em que condenou a ré a pagar à autora o montante que viesse a ser liquidado em incidente a deduzir nos termos do art.º 358.º n.º 2 do CPC, correspondente à perda da capacidade de ganho da autora.

Revista

A ré não se conformou com o acórdão na parte em que a condenou a pagar a quantia de € 65 000 euros (sessenta e cinco mil euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, e interpôs o presente recurso de revista, pedindo se reduzisse a condenação da recorrente, pelos danos morais da recorrida, em montante não superior a 30 000 euros.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

1. A recorrida AA sofreu lesões graves, mas não tão graves que justifiquem, de todo, a indemnização de 65 000,00€ pelos seus danos não patrimoniais;

2. A matéria de facto dada comprovada não permite que se fixe a indemnização pelos danos morais da recorrida em 65 000,00€;

3. Saliente-se que na decisão da primeira instância a indemnização pelos seus danos não patrimoniais foi fixada em 25 000,00€ e no Douto acórdão recorrido não se fez qualquer censura à indemnização fixada, exceptuando a falta de ponderação dos danos não patrimoniais da autora por não ter podido progredir na carreira;

4. Na verdade, é muito difícil quantificar esses danos e a prova produzida em audiência de julgamento não foi de todo determinante para se concluir que os danos morais da autora foram muito graves;

5. A recorrida não sofreu lesões muito graves, não ficou com limitações graves nem sofreu dores, incómodos e aborrecimentos considerados muito graves, que possam justificar a indemnização fixada;

6. A maior parte das queixas da recorrida são subjectivas de difícil prova e de pouca relevância;

7. A recorrida não sofreu de facto lesões assim tão graves, nem ficou a padecer de sequelas que a limitam muito ou a impeçam de fazer uma vida normal como qualquer outra pessoa saudável;

8. Para a determinação do montante indemnizatório devia ter-se consideração aos critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes por força do disposto no art.º 8.º, n.º 3 do Código Civil;

9. E, sendo assim, parece claro que na decisão proferida não se respeitou essa disposição legal, uma vez que a indemnização fixada não é adequada à situação concreta dos autos tendo em conta as decisões proferidas neste Tribunal para casos semelhantes em que as indemnizações arbitradas foram inferiores para casos em que os danos não patrimoniais foram substancialmente mais graves, violando, assim o disposto no citado art.º. 8.º, n.º 3 do Código Civil;

10. Elencaram-se, assim, no presente recurso 14 sumários de Acórdãos STJ em que se fixaram indemnizações por danos não patrimoniais em montantes inferiores, tendo em conta a gravidade dos danos sofridos;

11. Por conseguinte e tendo em conta os critérios da jurisprudência a indemnização arbitrada de 65 000,00€ é infundada, desproporcionada e desadequada para a situação concreta e em comparação com casos bem mais graves e análogos, em que se fixaram indemnizações inferiores;

12. Na verdade, a expectativa de progressão na carreira traduz-se mais num eventual dano patrimonial do que num dano moral, e os danos morais da autora, embora relevantes, foram graves, mas não tão graves que mereçam uma compensação tão elevada e injustificada;

13. Deve, assim, reduzir-se a condenação da recorrente para uma quantia que não deverá ser superior a 30 000,00€, tendo-se em conta a ponderação do desgosto pela não progressão na carreira e sempre em comparação com as decisões já proferidas para situações análogas e bem mais graves, com indemnizações inferiores.

A autora respondeu, sustentando a improcedência do recurso.

A autora também interpôs recurso de revista, ao abrigo do n.º 1 do artigo 671.º do CPC, pedindo a substituição da decisão recorrida por outra que, tendo em atenção o princípio da equidade e as circunstâncias do caso, fixasse uma indemnização não patrimonial adequada aos graves danos sofridos pela apelante em consequência do acidente dos autos.

O recurso de revista da autora não foi admitido por se entender que o acórdão da Relação, na parte em que era impugnado pela recorrente – na parte em que julgou improcedente a pretensão de indemnização em montante superior a 60 mil euros - não era recorrível. E não era recorrível porque confirmara, sem voto de vencido e sem fundamentação essencialmente diferente, a sentença proferida na 1.ª instância.


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Síntese das questões suscitadas pelo recurso:

Saber se a decisão de fixar a indemnização por danos não patrimoniais em 65 000 euros violou o artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil e se a indemnização é desproporcionada e desadequada para a situação concreta e em comparação com casos mais graves e análogos.


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Consideram-se provados e não provados os seguintes factos discriminados no acórdão recorrido:

Provados:

a. No dia ... de Dezembro de 2009, cerca das 18h e 40 minutos, a autora conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros de que é proprietária com a matrícula ..-..-RP, pela EN ..., no sentido E...-M....

b. Ao km o.2 da EN ..., pretendendo virar à esquerda (para a ...), a autora imobilizou a sua viatura no eixo da via, imediatamente a seguir a uma passadeira de peões, accionou o sinal luminoso de mudança de direcção para o lado esquerdo e ficou a aguardar que o trânsito que circulava em sentido contrário permitisse a realização da manobra.

c. Nesse momento a traseira do seu veículo foi embatida pela frente da viatura com a matrícula ..-..-EV, conduzida por BB, que circulava na mesma via e direcção.

d. À data do embate, o veículo causador do acidente era propriedade de CC, encontrando-se a responsabilidade pelos danos causados a terceiros transferida para a ré através de contrato de seguro titulado pela apólice n.º .......45.

e. Assumindo a responsabilidade contratada com o proprietário do veículo ..- ..-EV, a Zurich pagou a reparação dos danos ocorridos na viatura automóvel da autora.

f. À semelhança do que sucedeu em relação aos danos da viatura, a Zurich também se dispôs a pagar as despesas emergentes do tratamento das lesões que a autora sofreu em consequência do acidente.

g. Na sequência do acidente, a autora foi transportada para o Serviço de Urgência do Hospital de ... tendo tido alta no dia seguinte.

h. Em consequência do embate, a autora sofreu traumatismo cervical dorsal, dos ombros e do joelho esquerdo.

i. Em 28-12-2009, em observação no Serviço de Urgência do Hospital de ..., foi-lhe diagnosticada contusão da parede torácica.

j. Na sequência do acidente, a autora foi seguida no Hospital da ... nas especialidades de Ortopedia, Cirurgia Geral, Fisiatria, Otorrinolaringologia e Neurologia.

k. Tendo sido igualmente seguida no Hospital da ... por um médico ortopedista, na Clínica S........ por uma psicóloga clínica e por um neurocirurgião.

l. Após o acidente, e durante tempo indeterminado, a autora esteve em casa, imobilizada, com aplicação de colar cervical.

m. Desde o dia do acidente até Dezembro de 2010, a autora esteve sujeita a terapêutica medicamentosa agressiva (anti-inflamatórios, ansiolíticos/sedativos, relaxantes musculares, analgésicos e anti piréticos/anticonvulsionantes).

n. Durante o ano de 2010, a autora realizou fisioterapia, entre 12 de Fevereiro e 16 de Julho, todos os dias úteis, tendo sido transportada em Ambulância da Associação de Socorros da Freguesia da ... num percurso entre a ... (onde reside) e Lisboa (Hospital da ...) de 140 kms (ida e volta), e entre 122 de Julho e 16 de Dezembro de 2010 fez três sessões semanais de Fisioterapia no Hospital da ..., em Lisboa, continuado a ser transportada de ambulância no mesmo percurso intercaladas com duas sessões de natação numa piscina próxima da sua residência.

o. Tendo lhe sido prescritas aulas de natação.

p. Durante o ano de 2011, a autora manteve a fisioterapia, sem condições para se deslocar pelos próprios meios.

q. A autora que foi seguida em consultas de fisiatria no Hospital das ..., no ano de 2010, aí manteve sessões de fisioterapia tendo, nesses serviços, realizado 150 sessões e tendo necessitado em 2012 de mais 70 sessões de fisioterapia que tiveram lugar no centro de fisioterapia F........., em ....

r. A partir de 2010, a autora passou a ser acompanhada e submetida a juntas médicas pela Junta da Saúde ... que aferiam do seu estado clínico e grau de capacidade para o exercício das suas funções.

s. Até 14 de Novembro de 2011 a Junta de Saúde ... considerou que a autora necessitava de 60 dias de licença para continuar em observação e tratamento na consulta externa de ortopedia do Hospital da ..., após o que foi passada a considerar “insuficientemente apta para tarefas que impliquem esforços físicos intensos e tarefas nocturnas”.

t. A autora regressou ao trabalho a 15-11-2011, passando a realizar funções administrativas.

u. Em consequência do acidente ficou com incapacidade absoluta para o trabalho até 14-11-2011.

v. Até Dezembro de 2013, a autora manteve uma situação de incapacidade temporária parcial, sendo que 16-12-2013 corresponde à data da consolidação médico-legal das lesões da autora.

w. Até esta data, a autora foi sendo acompanhada em consultas de ortopedia, otorrino, neurologia, psiquiatria e psicologia, assim como se submeteu a exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e de reabilitação.

x. Em 2012, de Janeiro a Outubro, a autora teve registadas no seu processo 104 faltas ao serviço por doença.

y. Na data do acidente, a autora, de 37 anos, era uma pessoa saudável e alegre, que sonhava ser mãe.

z. Do ponto de vista profissional, a autora apreciava as tarefas que lhe estavam atribuídas na Polícia marítima, designadamente os patrulhamentos em terra e no mar, tendo um bom relacionamento com os colegas de trabalho.

aa. Tinha, igualmente, perspectivas na progressão na carreia.

bb. A autora sofreu dores, principalmente lombalgias e cervicalgias, sendo que as mesmas se situam num grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente.

cc. Tendo em atenção as sequelas do acidente - no corpo, funções e actividades da vida diária –, a autora ficou com um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 9 pontos.

dd. A autora ficou com sequelas compatíveis com o exercício das funções administrativas em que foi colocada, não obstante a exigência de esforços suplementares para o efeito, mas já não para tarefas operacionais como as que lhe estavam atribuídas antes do acidente.

ee. A autora deixou de poder praticar os desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta, sendo fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, a repercussão permanente das actividades desportivas e de lazer.

ff. A autora alterou a sua vida social, tendo deixado de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que ainda sente e por se sentir fisicamente limitada.

gg. Por força das lesões e consequências do acidente, a autora desistiu do projecto de ser mãe.

hh. A autora passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, desencadeado pelo acidente, tendo recorrido a apoio psicológico.

ii. Na sequência do acidente, a Zurich assumiu e pagou a reparação dos danos verificados no automóvel da autora e dispôs-se a pagar as lesões sofridas pela mesma.

jj. Tendo a Zurich, entre Dezembro de 2009 e Abril de 2011, pagado à Associação de Socorros da Freguesia da ... as despesas das deslocações da autora em ambulância para consultas, juntas médicas e tratamentos.

kk. A autora apresentou à Zurich a listagem de deslocações constantes de fls. 279.

ll. A ré não procedeu ao pagamento dessas deslocações.

mm. Em medicamentos, consultas de psicologia, ortopedia e meios complementares de diagnóstico, ocorridos ainda por força das lesões do acidente, a autora suportou a quantia de € 968,00.

nn. O valor de € 27,50 para cada uma das deslocações da autora a sessões de fisioterapia foi fixado por acordo entre a autora e um funcionário da Ré no dia 14 de Setembro de 2011, tendo a autora realizado 84 deslocações para aquele fim nos anos de 2012 e 2013.

oo. Ao longo dos anos de 2014 e 2015, por cervicalgias, a Junta de Saúde ... atribuiu à autora sucessivos períodos de incapacidade temporária parcial para o desempenho de tarefas que implicassem esforços físicos e psíquicos (memorização e concentração elevadas), a saber:

• Em Junho de 2014, a Junta de Saúde ... considerou haver, relativamente à autora, incapacidade temporária parcial para o serviço, por um período de 30 dias para todas as tarefas que implicassem esforços físicos intensos com membros superiores;

• Em Agosto de 2014, a mesma Junta considerou haver, nos mesmos termos, incapacidade temporária parcial por 30 dias;

• Em Dezembro de 2014, considerou a Junta necessitar a autora de 45 dias de licença para continuar observação e tratamento em consulta de especialidade;

• Em Janeiro de 2015, a Junta considerou haver incapacidade temporária parcial, por um período de 120 dias, para todas as tarefas que implicassem esforço psíquico (memorização e concentração elevados);

• Em Junho de 2015, a Junta considerou haver incapacidade temporária parcial, por um período de 120 dias, para todas as tarefas que implicassem esforço psíquico (memorização e concentração elevados) (doc. de fls. 438)

pp. A 4 de Janeiro de 2016, por cervicalgias e outras vertigens periféricas, a Junta de Saúde ... considerou haver, em relação à autora, uma incapacidade permanente para o desempenho de algumas funções relativas ao posto e classe, nomeadamente todas as tarefas que impliquem esforço psíquico (memorização e concentração elevadas) e esforços físicos.

qq. A Apelante foi mais especificamente, afectada por:

• Défice Funcional Temporário Total (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Total e correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto), que se terá situado a 22/12/2009, sendo assim fixável um período de 1 dia (correspondendo à data de assistência hospitalar no dia do evento em apreço);

• Défice Funcional Temporário Parcial (anteriormente designado por Incapacidade Temporária Geral Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações), que se terá situado entre 23/12/2009 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período de 1455 dias (correspondendo ao período em que a examinanda foi acompanhada em consulta de ortopedia, otorrinolaringologia, neurologia, psiquiatria e psicologia, realizando ainda medicação, exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e reabilitação).

• Repercussão temporária na actividade profissional total (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional total, correspondendo aos períodos de internamento e/ou repouso absoluto, entre outros), que se terá situado entre 22/12/2009 e 14/11/2011, sendo assim fixável num período total de 693 dias (de acordo com a informação constante das juntas de saúde naval);

• Repercussão temporária na actividade profissional parcial (anteriormente designada por incapacidade temporária profissional parcial, correspondendo ao período em que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização destas mesmas atividades, ainda que com limitações), que se terá situado entre 15/11/2011 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período total de 763 dias (conforme informação constante das juntas de saúde naval).

rr. Por força do acidente e das sequelas de que ficou a padecer, a autora ficou impedida de concorrer às categorias de subchefe e chefe de forma permanente, por as sequelas de que ficou a padecer não o permitirem.


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Resolução das questões:

O objecto do presente recurso de revista é constituído pelo segmento do acórdão da Relação que fixou a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pela autora, concretamente o dano biológico (défice funcional permanente da integridade físico-psíquico da autora), na sua repercussão não patrimonial, e os não patrimoniais que o acórdão designa por “danos não patrimoniais em sentido estrito”, que compreendem, “os danos estéticos, as dores presentes e futuras e os padecimentos de que a A. tem vindo a sofrer desde o acidente com a sua recuperação e com as limitações que tal implicou na sua vida, com períodos de incapacidade total e parcial para o trabalho que podem considerar-se longos, angústias e padecimentos físicos e psíquicos que teve e ainda tem com as lesões sofridas e com a assistência médica, exames e tratamentos clínicos e de recuperação a que teve de submeter-se e que se encontram bem evidenciados nos factos que resultaram provados e que se prolongaram por largos meses”.

O acórdão fixou o montante da indemnização com recurso à equidade, invocando, para tanto, o n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil (por lapso foi referido o n.º 3).

O quadro de facto que serviu de base à fixação do montante da indemnização foi o seguinte:

• A autora na sequência do acidente de viação, foi transportada para o Serviço de Urgência Hospitalar tendo tido alta no dia seguinte;

• Em consequência do embate sofreu traumatismo cervical dorsal, dos ombros e do joelho esquerdo e mais tarde, em observação Hospitalar, foi-lhe diagnosticada contusão da parede torácica;

• Na sequência do acidente a autora foi seguida nas especialidades de Ortopedia, Cirurgia Geral, Fisiatria, Otorrinolaringologia e Neurologia;

• Após o acidente, e durante tempo indeterminado, esteve em casa, imobilizada, com aplicação de colar cervical e desde o acidente até dezembro de 2010, esteve sujeita a terapêutica medicamentosa com anti-inflamatórios, ansiolíticos/sedativos, relaxantes musculares, analgésicos e antipiréticos/anticonvulsionantes;

• Realizou fisioterapia entre 12 de Fevereiro e 16 de Julho de 2010 todos os dias úteis, sendo transportada em Ambulância num percurso de 140 kms (ida e volta), e entre 22 de julho e 16 de dezembro de 2010 fez três sessões semanais de Fisioterapia continuado a ser transportada de ambulância no mesmo percurso intercaladas com duas sessões de natação que lhe foram prescritas, numa piscina próxima da sua residência;

• Durante o ano de 2011 manteve a fisioterapia, sem condições para se deslocar pelos próprios meios, tendo realizado 150 sessões e tendo necessitado em 2012 de mais 70 sessões de fisioterapia que tiveram lugar em ...;

• Até 14 de Novembro de 2011, a Junta de Saúde ... considerou a que a autora necessitava de 60 dias de licença para continuar em observação e tratamento na consulta externa de ortopedia do Hospital da ..., após o que foi passada a considerar “insuficientemente apta para tarefas que impliquem esforços físicos intensos e tarefas noturnas;

• A autora regressou ao trabalho a 15.11.2011 passando a realizar funções administrativas;

• Em consequência do acidente ficou com incapacidade absoluta para o trabalho até 14.11.2011 e até Dezembro de 2013 a Autora manteve uma situação de incapacidade temporária parcial, sendo 16.12.2013 a data da consolidação médico-legal das lesões da A.;

• Até esta data a autora foi sendo acompanhada em consultas de ortopedia, otorrino, neurologia, psiquiatria e psicologia, assim como se submeteu a exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e de reabilitação;

• À data do acidente, a autora, de 37 anos, era uma pessoa saudável e alegre, que sonhava ser mãe;

• Do ponto de vista profissional apreciava as tarefas que lhe estavam atribuídas na Polícia ..., designadamente os patrulhamentos em ... e ..., tendo um bom relacionamento com os colegas de trabalho e tinha perspetivas de progressão na carreia.

• A autora sofreu dores, principalmente lombalgias e cervicalgias, sendo que as mesmas se situam num grau 4 numa escala de sete graus de gravidade crescente;

• Tendo em atenção as sequelas do acidente - no corpo, funções e atividades da vida diária ficou com um défice funcional permanente da integridade Físico Psíquica de 9 pontos;

• As sequelas são compatíveis com o exercício das funções administrativas em que foi colocada, não obstante a exigência de esforços suplementares para o efeito, mas já não para tarefas operacionais como as que lhe estavam atribuídas antes do acidente;

• A autora deixou de poder praticar os desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta, sendo fixável no grau 2, numa escala de sete graus de gravidade crescente, a repercussão permanente das atividades desportivas e de lazer;

• Alterou a sua vida social, tendo deixado de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que ainda sente e por se sentir fisicamente limitada;

• Por força das lesões e consequências do acidente, a autora desistiu do projeto de ser mãe e passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, tendo recorrido a apoio psicológico.

• A autora teve um Défice Funcional Temporário Total, correspondendo com os períodos de internamento e/ou de repouso absoluto, a 22/12/2009, sendo assim fixável um período de 1 dia (correspondendo à data de assistência hospitalar no dia do evento em apreço); de Défice Funcional Temporário Parcial, correspondendo ao período que se iniciou logo que a evolução das lesões passou a consentir algum grau de autonomia na realização desses atos, ainda que com limitações, que se terá situado entre 23/12/2009 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período de 1455 dias, correspondendo ao período em que foi acompanhada em consulta de ortopedia, otorrinolaringologia, neurologia, psiquiatria e psicologia, realizando ainda medicação, exames complementares de diagnóstico e tratamentos de medicina física e reabilitação; Repercussão Temporária na Atividade Profissional Total que se terá situado entre 22/12/2009 e 14/11/2011, sendo assim fixável num período total de 693 dias; Repercussão Temporária na Atividade Profissional Parcial que se terá situado entre 15/11/2011 e 16/12/2013, sendo assim fixável num período total de 763 dias (conforme informação constante das juntas de saúde naval);

• Por força do acidente e das sequelas de que ficou a padecer a autora ficou impedida de concorrer às categorias de subchefe e chefe de forma permanente, por as sequelas de que ficou a padecer não o permitirem

Antes de apreciarmos os fundamentos do recurso cabe dizer, como se escreveu no acórdão do STJ proferido em 14/1/2021, no processo n.º 644/12.8TBCTX.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt. que a sindicância, pelo Supremo, da decisão que fixa a medida da indemnização com recurso à equidade incide: sobre a verificação dos pressupostos normativos do recurso à equidade; sobre se foram considerados as categorias ou os tipos de danos cuja relevância é admitida e reconhecida; sobre se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram considerados os critérios que, de acordo com a legislação e a jurisprudência, deveriam ser considerados; e se, na avaliação dos danos correspondentes a cada categoria ou a cada tipo, foram respeitados os limites que, de acordo com a legislação e com a jurisprudência.

A recorrente não se insurge contra os danos que foram indemnizados nem contra a decisão de fixar equitativamente o montante da indemnização. Com o que não concorda é com o montante. Alegou, em síntese, que, na determinação de tal montante, deviam ter-se em conta os critérios jurisprudenciais vigentes e aplicáveis a situações semelhantes por força do disposto no artigo 8.º, n.º 3 do Código Civil, o que, segundo ela, não aconteceu. Para demonstrar que tais critérios não foram observados, transcreveu sumários de 14 acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça que versaram sobre indemnização de danos não patrimoniais, que, no seu entender, compreendiam danos não patrimoniais mais graves dos que os provados em relação à autora. A partir dos danos descritos e dos montantes atribuídos aos lesados em tais decisões, concluiu, por um lado, que o montante de 65 000 euros não era proporcional à gravidade dos danos não patrimoniais sofridos pela autora e, por outro, que a indemnização proporcional a tal gravidade não seria superior a 30 000 euros.

A alegação da recorrente remete-nos para a questão da proporcionalidade na fixação da indemnização dos danos não patrimoniais e para o papel das decisões do Supremo Tribunal de Justiça na observância desta proporcionalidade.

Apesar de a letra da lei – n.º 4 do artigo 496.º do Código Civil - não dizer expressamente que o montante da indemnização dos danos não patrimoniais deve ser proporcional à gravidade dos danos, a proporcionalidade entre a gravidade dos danos e o montante da indemnização tem apoio tanto neste número como no n.º 1 do mesmo preceito. Tem apoio no n.º 1 porque, segundo esta norma, apenas são indemnizáveis os danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito. Tem amparo no n.º 4 porque, dizendo esta norma que o montante da indemnização é fixado equitativamente pelo tribunal, não se concebe que haja equidade se o montante da indemnização não for proporcional à gravidade dos danos.

Como escreve Maria Manuel Veloso, Danos Não patrimoniais (Comemorações dos 35 anos do Código Civil e dos 25 anos da reforma de 1977, Volume III Direito das Obrigações, Coimbra Editora, páginas 543 e 544): “A ponderação sobre a gravidade do dano não patrimonial que se reflecte na fixação do montante da indemnização deve ter em conta uma ideia de proporcionalidade. A danos mais graves correspondem montantes mais avultados”.

Visto que o Código Civil não contém quaisquer tabelas que estabeleçam montantes de indemnização em função da gravidade dos danos e que a compensação devida pelos danos não patrimoniais prevista na Portaria n.º 377/2008, de 26 de Maio, serve para efeitos de apresentação aos lesados, por acidente automóvel, de proposta razoável para indemnização do dano corporal, por parte das seguradoras, não afastando a fixação de valores superiores aos aí previstos (n.ºs 1 e 2 do artigo 1.º da Portaria), os tribunais procuram alcançar a equidade, a proporcionalidade na fixação da indemnização, recorrendo ao que é decidido, especialmente pelo Supremo Tribunal de Justiça, em casos análogos.

Este caminho tem apoio no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, que estabelece que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, e no princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei (n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa).

Importa, no entanto, notar que as decisões judiciais não têm a força de precedente obrigatório. Como escreve Filipe Albuquerque Matos (Reparação dos danos não patrimoniais: inconstitucionalidade da relevância da situação económica do lesado, artigos 496, n.º 3, e 494º, do Código Civil, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 142, n.º 3984, página 217), os valores fixados por decisões judiciais anteriores têm natureza meramente indicativa, e o que é decisivo é “o poder equitativo concedido ao juiz no artigo 496º, n.º 4, bem como os critérios ou circunstâncias atendíveis para o exercício do mesmo, mencionados no artigo 494.º”. Foi este também o entendimento do acórdão do STJ de 17 de Janeiro de 2012, proferido no processo n.º 211/09.3TBSRT, publicado no sítio www.dgsi.pt., onde, a propósito do valor das judiciais na fixação do montante da indemnização por danos não patrimoniais, se escreveu o seguinte: “certo que os precedentes judiciários servem de critério auxiliar do julgador, de linha de orientação na fixação equitativa do quantum indemnizatório, mas importa ter sempre em atenção as semelhanças e dissemelhanças das situações factuais de cada caso, na medida em que são geralmente tais elementos que fundamentam as discrepâncias registadas. Importa, por outro lado, ter sempre presente também que, quando se trata de formular juízos equitativos, há sempre uma margem de discricionariedade, apesar da preocupação de observância do princípio da igualdade e da uniformização de critérios. Como não é desconhecido, por um lado inexiste uma medida-padrão, tudo dependendo dos contornos concretos do caso, embora pautando-se por critérios objectivos…”.

Socorrendo-nos de outras decisões do STJ, como indicadores ou auxiliares na questão da proporcionalidade, importa reconhecer que as indicações que se colhem nelas é a de que o montante de 60 mil euros ou mesmo o de 50 mil são atribuídos a vítimas de acidentes de viação com danos não patrimoniais mais graves do que os que se provaram em relação à autora.

Foi o que sucedeu, por exemplo, no acórdão do STJ proferido em 7-09-2020, no processo n.º 5466/15.1T8GMR.G1.S1. publicado em www.dgsi.pt. Nesta decisão, o Supremo Tribunal de Justiça fixou o montante da indemnização por danos não patrimoniais em sessenta mil euros (€ 60 000) com o seguinte quadro de lesões e danos não patrimoniais:

• A vítima sofreu esmagamento dos membros inferiores, com amputação traumática do membro inferior esquerdo, com amputação do membro inferior direito abaixo do joelho (sem condições para reimplantação) e transmetatarsiana do pé direito, fractura sem desvio acetábulo esquerdo, fractura segmentar do fémur esquerdo, fractura do radio direito, fractura supracondiliana do fémur direito e fractura exposta dos ossos da perna direita;

• Foi internado e imediatamente intervencionado, ficando internado em Ortopedia até 25.10.2012 e realizando várias intervenções cirúrgicas;

• Foi transferido para outro Hospital, onde fez tratamentos até 18/04/2013 e permaneceu internado cerca de mês e meio;

• Foi assistido em outros serviços clínicos, onde foi operado várias vezes;

• Apresenta as seguintes sequelas: a) membro superior direito: ligeira rigidez do punho direito; b) membro inferior direito: amputação do membro abaixo do joelho; c) membro inferior esquerdo: amputação do membro acima do joelho;

• Sofreu um período de défice funcional temporário total de 180 dias; um período de défice funcional temporário parcial de 503 dias; um período de repercussão temporária na atividade profissional total de 682 dias;

• Ficou afetado de um défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 67 pontos, impeditivo do exercício da atividade profissional habitual (embora compatível com o exercício de outras profissões da sua área de preparação técnico-profissional);

• Padeceu de dores de grau 6 numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 graus;

• Sofreu dano estético permanente de grau 5, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos;

• Está afetado de uma limitação permanente nas atividades desportivas e de lazer de grau 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos;

• Está afetado sexualmente num grau de 4, numa escala de gravidade crescente de 1 a 7 pontos;

• Está relativamente limitado na sua independência e nas suas atividades da vida diária e doméstica;

• Foi sujeito a dolorosos tratamentos e ainda padece de dores;

• Era uma pessoa ativa, saudável, alegre e extrovertida, mas depois do acidente ficou triste, nervoso e melancólico, com dificuldade em dormir e descansar;

• Sendo agora uma pessoa amargurada, angustiada e abatida, sentindo profundamente as sequelas do acidente;

• Está obrigado a fazer uso de próteses nos membros inferiores.

No acórdão proferido em 10-02-2022, no processo n.º 12213/15.6T8LSB.L1.S1. publicado em www.dgsi.pt. o Supremo Tribunal de Justiça considerou equitativa a indemnização de 60 mil euros por danos não patrimoniais, no âmbito do seguinte quadro de facto:

• O autor sofreu traumatismo e fracturas, ao nível craniano, da face, mandibular, orbital, do ombro, úmero, clavícula, antebraço esquerdo e estrutura pélvica; efectuou 4 transfusões sanguíneas;

• Foi submetido a duas operações cirúrgicas do foro ortopédico e maxilo-facial;

• Teve alta cerca de 1 mês após o acidente, mas registou outros internamentos hospitalares;

• Foi submetido a mais 3 operações cirúrgicas (à mandíbula, ao nariz e à coluna vertebral, clavícula e antebraço);

• Por via de sequelas permanentes, deverá manter o tratamento maxilo-facial e do foro dentário;

• Após o acidente, passou a registar humor e sintomatologia ansiosa, relacionada com a condução automóvel;

• Regista diversas cicatrizes visíveis, a nível facial, bem como variados vestígios de suturas, ao nível do tronco, braços e mãos; possui dor e limitação nos movimentos de flexão/extensão do punho;

• Possui igualmente um défice funcional permanente de integridade psico-física de 14 pontos, mas é expectável o agravamento futuro das sequelas, sobretudo ao nível do punho esquerdo;

• O quantum doloris, grau de sofrimento físico e psíquico vivenciado pelo Autor entre a data do acidente e a data da consolidação das lesões, atingiu o grau 7 de 7;

• A afectação da imagem do Autor, em relação a si próprio e perante os outros, atinge o grau 5 de 7;

• A repercussão nas actividades desportivas e de lazer (espaço de realização e gratificação pessoal comprovadas do Autor) atingiu um grau 5 de 7.

No acórdão proferido em 21-06-2016, no processo n.º 1021/11.3TBABT.E1.S1, publicado em www.dgsi.pt o Supremo Tribunal de Justiça considerou adequada à gravidade objectiva e subjectiva dos danos o montante de 50 000 euros, com o seguinte quadro de facto:

• Lesado jovem, de 27 anos de idade, de múltiplos traumatismos em consequência do acidente traumatismo na bacia, traumatismo toráxico, com hemotórax, traumatismo crânio-encefálico grave, com hemorragia subaracnoideia e contusão cortico-frontal, à esquerda, traumatismo abdominal, fratura do condilo occipital esquerdo, fratura do acetábulo direito e desernevação do ciático popliteu externo direito);

• Sequelas relevantes ao nível psicológico e de comportamento ( ficou com perturbações cerebrais, que lhe provocaram dificuldades de expressão, compreensão e concentração, dificuldades na articulação da fala em ler e escrever, perdeu a vontade de viver, desanimou; ficou com defeitos de memória e afetado na sua capacidade de iniciativa; continua com defeitos de atenção, de capacidade de evocação recente, alteração de caráter depressivo com irritabilidade, diminuição de iniciativa e dos interesses, diminuição da flexibilidade mental e embotamento das respostas emocionais;

internamento, durante 83 dias;

ficou com claudicação na marcha e com rigidez da anca direita; ficou com limitações das atividades que impliquem marcha, corrida, equilíbrio mono podal à direita e carga com o membro inferior direito, com limitações em todas as atividades físicas que envolvam os membros inferiores quantum doloris de 5 pontos em 7 e dano estético é de 2 pontos em 7; ficou com um deficit funcional permanente da integridade físico - psíquica, fixável em 16 pontos, e com repercussão nas actividades desportivas e de lazer, fixável em grau 2 em 7;

Alteração relevante no padrão de vida pessoal do lesado, em consequências das lesões sofridas e respectivas sequelas: à data do acidente o lesado tinha 27 anos de idade; era saudável e escorreito, alegre, divertido e praticante desportivo, tendo jogado futebol; agora, coxeia e é inseguro, física e psiquicamente, triste, deprimido e com limitação na capacidade de iniciativa; sofreu incómodos, angústias e perturbações resultantes das lesões que teve, dos tratamentos e intervenções cirúrgicas a que foi sujeito; terá de suportar até ao fim dos seus dias os sofrimentos e incómodos irreversivelmente decorrentes das limitações com que ficou.

No acórdão proferido em 14-07-2021, no processo n.º 2624/17.8T8PNF.S1, publicado em www.dgsi.pt. o Supremo Tribunal de Justiça fixou a indemnização por danos não patrimoniais, no montante de 50 mil euros, com o seguinte quadro de facto:

• 31 dias de internamento do autor, com necessidade de permanecer 10 dias em coma induzido;

• 4 cirurgias a que foi sujeito, essencialmente, com referência aos membros inferior e superior, com novo internamento de 28 dias, as 500 sessões de fisioterapia;

• As sequelas que apresenta no corpo, nomeadamente, múltiplas cicatrizes, as dificuldades de mobilidade e as dores que passou a sofrer de forma permanente;

• O período de 93 dias de incapacidade temporária total e de 717 de incapacidade parcial;

• O quantum doloris de 6/7 e o dano estético de 4/7, a que acresce a necessidade de ajudas técnicas (canadiana, meias de compressão elástica) e de tratamento médico regular;

• A necessidade de auxílio de terceira pessoa para funções básicas durante 90 dias, e, finalmente, o sentimento de revolta que a incapacidade lhe provocou, situação que lhe retira a alegria de viver.

Comparando as lesões, os danos não patrimoniais delas emergentes e as sequelas descritas nas decisões acima referidas com as lesões e os danos não patrimoniais sofridos pela autora, designadamente o quantum doloris, o défice funcional permanente da integridade física permanente, a repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer e o prejuízo estético (ausente no caso da autora), a conclusão a que se chega é a de que os danos não patrimoniais indemnizados com o montante de 60 mil ou 50 mil euros são claramente mais graves dos que os danos não patrimoniais da autora.

Assim, pese embora o respeito que nos merecem os danos não patrimoniais da autora, é de reconhecer razão à recorrente quando alega que a indemnização de 65 mil euros não é proporcional, por excessiva, à gravidade dos danos não patrimoniais em causa nos autos.

Já não se reconhece razão à recorrente quando alega que a indemnização proporcional à gravidade dos danos não deve exceder o montante de 30 mil euros.

No entender deste tribunal, a gravidade das lesões e dos danos não patrimoniais da autora tem semelhanças com a das lesões e dos danos não patrimoniais descritos no acórdão do STJ proferido em 12-01-2021, no processo n.º 1307/14.5T8PDL.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt, que fixou em 40 mil euros a indemnização por danos não patrimoniais:

O Autor sofreu traumatismo do membro superior esquerdo (lado passivo) com esfacelo grave da face posterior do antebraço esquerdo, tendo sido prontamente transportado de ambulância para os Serviços de Urgência do Hospital…, E.P.E., onde foi assistido medicamente;

O Autor foi então submetido a anestesia dissociativa, tendo sido feita a limpeza de esfacelo da face posterior do antebraço esquerdo, com remoção de vidros e penso de pressão negativa e tendo, no dia 7 de Outubro de 2013, sido submetido a anestesia geral para efetuar desbridamento e penso de pressão negativa;

No dia 6 de novembro de 2013 o Autor foi novamente submetido a anestesia geral para efetuar enxerto livre de pele parcial para cobertura de esfacelo da face posterior do antebraço esquerdo, pele esta que foi colhida na face anterior da coxa homolateral;

O Autor permaneceu imobilizado parcialmente durante quatro semanas consecutivas, tendo tido alta a 12 de novembro de 2013, sujeito a medicação;

Consta o seguinte do exame de observação em consulta de Medicina Física e de Reabilitação de 26.11.2013:enxerto cutâneo no antebraço esquerdo ainda com área cruenta na região central (em cicatrização por segunda intenção); amplitude de movimentos completa a nível do ombro esquerdo; cotovelo com limitação de mobilidade activa - flexão 135° e extensão com défice de cerca de 40°; força muscular a nível do cotovelo (flexão/extensão) grau 4; punho com amplitudes articulares passivas completas mas com dor nos últimos graus de movimento, diminuição da flexão activa (40°) e diminuição da força muscular (grau 4 na escala MRC de 0 a 5); mão esquerda com diminuição da flexão dos dedos (não conseguia flexão completa das MCF - cerca de 80° de flexão); força muscular a nível de flexão dos dedos grau 3, encontrando-se o Autor a cumprir programa de reabilitação (cinesiterapia, fortalecimento muscular, treino de atividades de vida diária e destreza manual);

Em observação clínica de 28.01.2014, o Autor apresentava o cotovelo esquerdo com amplitude de 0-13° Força muscular grau 4/5; punho esquerdo: amplitude de movimentos com dedo em flexão: E-35; F-30°; com dedos em extensão: E-45°; F-45°; Força muscular - grau 4+/5, com indicação para avaliação pela cirurgia plástica e reconstrutiva e manter fisioterapia;

Em observação clínica de 31.12.2013, o Autor apresentava um quadro de perturbação Pós stress traumático na sequência do evento: "Os sintomas incluem uma reexperimentação persistente do evento traumático, evitamento de estímulos associados ao trauma, embotamento emocional e sintomas persistentes de ativação psicofisiológica. A perturbação causa prejuízo significativo a nível social e ocupacional";

O Autor frequentou mais de 30 sessões de fisioterapia;

O Autor queixa-se de dores e fraqueza no membro superior esquerdo;

O Autor encontra-se impossibilitado de efetuar esforços com o braço esquerdo;

O grau de Incapacidade Permanente Geral é de 19 pontos;

O Autor padeceu de um período de incapacidade geral total, de 04.10.2013, data do internamento, a 12.11.2013, data da alta hospitalar, de 40 dias;

O Autor padeceu de um período de incapacidade geral parcial de 13.11.2013 a 16.05.2014, data da consolidação das lesões, de 185 dias;

O Autor sofreu um quantum doloris de grau 4 numa escala de 1 a 7;

O Autor sofre de um dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7;

À data do embate o Autor era alegre, divertido, saudável, não apresentava queixas de saúde e desenvolvia sem limitação a sua atividade profissional;

Após a alta o Autor teve de permanecer acamado, com vista à sua recuperação, o que lhe causou incómodos e dores no corpo;

O Autor passou a sofrer de dores e mal-estar, o que o deixa triste e revoltado;

O Autor tem cuidado com o braço de modo a evitar qualquer choque com uma qualquer superfície, com o intuito de evitar o agravamento do seu estado de saúde, o que lhe provoca nervosismo, angústia, tristeza, choro, revolta e insegurança quanto à sua saúde futura, temendo o agravamento do seu estado.

Na verdade, à semelhança do que sucedeu em relação ao lesado a que se refere o acórdão acima referido, o quantum doloris da autora também foi fixado no grau 4 numa escala de sete graus de gravidade, ou seja, no ponto médio de tal escala, importando recordar que este grau exprime a valoração do sofrimento físico e psíquico vivido desde a data do acidente até à consolidação das lesões, no caso desde 22 de Dezembro de 2009 até 16 de Dezembro de 2013.

Apesar de o défice funcional permanente da integridade física e psíquica da autora (9 pontos) ser inferior ao défice do lesado a que se refere o acórdão (19 pontos), não pode ignorar-se que a consolidação das lesões daquela deu-se ao fim de quase três anos após o acidente, o que não sucedeu com este. Mais, desde o dia do acidente até Dezembro de 2010, a autora esteve sujeita a terapêutica medicamentosa agressiva (anti-inflamatórios, ansiolíticos/sedativos, relaxantes musculares, analgésicos e anti piréticos/anticonvulsionantes).

Por outro lado, embora não se tenha provado em relação à autora qualquer dano estético, contrariamente ao que aconteceu com o lesado a que se refere o acórdão (dano estético de grau 4 numa escala de 1 a 7), provou-se que, por força das lesões e consequências do acidente, a autora desistiu do projecto de ser mãe, o que configura uma consequência de gravidade não inferior ao dano estético.

Se, em relação ao lesado a que se refere o acórdão supra referido se provou que, após a consolidação das lesões, passou a sofrer de dores e mal-estar, que o deixa triste e revoltado, em relação à autora provou-se que deixou de conviver com amigos e de sair com estes, devido às dores que ainda sente, que passou a apresentar um quadro de humor depressivo, com episódios de ansiedade, tendo recorrido a apoio psicológico, e que deixou de praticar desportos que praticava, nomeadamente corrida e bicicleta.

Com o quadro exposto, entende-se que é proporcional à gravidade dos danos não patrimoniais da autora a indemnização no montante de 45 000 euros.


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Decisão:

Julga-se parcialmente procedente o recurso e, em consequência:

1. Revoga-se o acórdão do Tribunal da Relação na parte em que condenou a ré no pagamento à autora da quantia de sessenta e cinco mil euros, a título de indemnização por danos não patrimoniais;

2. Substitui-se essa parte do acórdão por decisão a condenar a ré no pagamento à autora da quantia de quarenta e cinco mil euros (€ 45 000), a título de indemnização por danos não patrimoniais.


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Responsabilidade quanto a custas:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e o facto de a recorrente e a recorrida terem ficado vencidas no recurso, condena-se as mesmas nas custas do recurso na proporção de, respectivamente, 69% e 31%.

Lisboa, 11 de Janeiro de 2024

Emídio Francisco Santos (relator)

João Cura Mariano (1.º adjunto)

Fernando Baptista de Oliveira (2.º adjunto)