I. RELATÓRIO
1. Por acórdão do Tribunal Judicial da Comarca do ..... (Juízo Central Criminal de .......-J2) de 6-11-2017 (fls. 105-115), foi o arguido AA condenado nos seguintes termos: «
1. Absolver o arguido AA da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.º, n.º1 e 24, al. h), com referência à tabela I-C anexa do DL. nº 15/93, de 22.01.
2. Condenar o arguido AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.º, n.º1 com referência à tabela I-C anexa ao D.L. nº 15/93 de 22.01 na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
3. Nos termos do disposto no artigo 62.º do mesmo diploma legal supra identificado declarar perdido a favor Estado o produto estupefaciente apreendido que deverá ser destruído.».
● O arguido interpôs recurso para a Relação do ....., tendo a Ex. ma Relatora por Decisão Sumária de 14/3/2018, invocando o Ac. STJ 8/2007 e os arts. 42.º, n.º 1 e 3 da LOSJ, 427.º, e 432.º, n.º 1,alínea c) e 2.º, 1.ª parte do CPP, declarado incompetente aquela Relação e competente o STJ, para onde ordenou a remessa dos autos.
2. O arguido apresentou recurso com a seguinte motivação (fls. 124-130):
«Exmos. Senhores Doutores Desembargadores do
Venerando Tribunal da Relação do .....
Vem o presente recurso interposto da sentença proferida em 06.11.2017, que julgou a acusação pública parcialmente procedente por provada e em consequência:
1. Absolveu o arguido da prática de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. pelos artigos 21.o, nº 1 e 24, al. h), com referência à tabela I-C anexa do DL. no 15/93, de 22.01.
2. Condenou o arguido pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo artigo 21.o, nº 1 com referência à tabela I-C anexa ao D.L. no 15/93 de 22.01 na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
3. Declarou perdido a favor Estado o produto estupefaciente apreendido que deverá ser destruído.
4. Condenou o arguido nas custas e encargos do presente processo, fixando-se a taxa de justiça em 2 (duas) UC.
Contra tal decisão, circunscrevendo-se ao quantum da pena aplicada, recorre o arguido nos seguintes termos:
A – DO CONTEXTO PROCESSUAL
O Ministério Público deduziu acusação contra o arguido imputando-lhe a prática, em autoria material e na forma consumada de um crime de tráfico de estupefacientes agravado, p. e p. no art. 21º, no 1 e 24º, al. h) da Lei nº 15/93, de 22 de Janeiro, com a agravante modificativa geral da reincidência, prevista nos artigos 75º e 76º do Código Penal.
B – DOS FACTOS DADOS COMO PROVADOS
Foi considerado como provado que:
“1. No dia 29 de Novembro de 2016, cerca das 15h00, quando o arguido AA se encontrava no Estabelecimento Prisional do ...., sito em....., ......, Matosinhos, suspeitando-se que o mesmo transportava algo de ilícito, quando se deslocava do parlatório no 3 para a zona prisional, foi alvo de revista por desnudamento.
2. No decurso dessa diligência foi encontrado um embrulho contendo 4 pedaços de uma substância sólida de cor acastanhada, dissimulado na perneira das calças.
3. Esse produto foi submetido de imediato ao teste rápido, tendo dado resultado positivo, verificando tratar-se de haxixe.
4. Submetido a exame no laboratório de Polícia Científica do ....., foi confirmado que o produto encontrado se tratava de canábis resina, produto vegetal prensado, com um grau de pureza de 5,8 com um peso líquido de 94,440 correspondente a 109 doses.
5. O arguido tinha perfeito conhecimento que não lhe era permitido nem deter na sua posse, nem ceder produto estupefaciente, em qualquer local e muito menos no interior do Estabelecimento Prisional e mesmo assim não se absteve de tal conduta.
6. O arguido actuou livre, voluntaria e conscientemente, conhecendo a natureza, características e qualidades da substância estupefaciente acime referida, sabendo que não era detentor de autorização legal para comprar, vender deter, transportar, consumir ou por qualquer forma manusear produtos estupefacientes, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por Lei.
7. O arguido, aquando da prática dos factos supra referidos, encontrava-se preso no dito EP em cumprimento da pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, aplicada no processo 829/12.7PCBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de ....., pela prática do crime de furto qualificado, praticado em 2012.
8. Entretanto, o arguido foi condenado por sentença de 08-10-2015, no processo no 205/14.7GDGDM, do Tribunal Judicial da Comarca do..... unidade orgânica de ....., na pena vinte meses de prisão, pelo crime de furto qualificado, por factos praticados em 2014.
9. Por sentença de 18-01-2017, proferida no processo no 17186/16.5T8PRT, do Tribunal Judicial da Comarca do ....., o arguido foi condenado na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, pelo crime de furto qualificado, praticado em 2012.
10. O arguido encontra-se ininterruptamente preso à ordem do supra referido processo 829/12.7PCBRG desde 12-07-2016, já anteriormente tendo estado recluso à ordem doutros autos.
Mais se provou:
11. O arguido confessou os factos. (negrito nosso)
12. Relativos às condições pessoais do arguido: O processo de desenvolvimento psicossocial de AA decorreu junto do grupo familiar de origem, constituído pelos pais e oito irmãos. De padrão sociocultural muito carenciado, a família ocupava uma habitação sem as mínimas condições de habitabilidade, inserida em zona urbana periférica associada a fenómenos de exclusão social e pobreza.
Não existiu investimento no processo de escolarização, revelando AA dificuldades de aprendizagem e de adaptação a este contexto que abandonou aos 14 anos, após concluir o 5º ano.
Iniciou vida laboral na construção civil, como servente de trolha, actividade que manteve durante 6 meses a que seguiu a actividade de estucador e de distribuidor de publicidade, todavia sem registo de regularidade.
O envolvimento no consumo de substâncias estupefacientes aos 16 anos, a inserção em grupos de pares e a grande autonomia na gestão do seu tempo livre passaram a caracterizar o seu quotidiano.
Estes factores criminógenos, associados à morte da mãe (no verão de 2009) e à incompatibilidade com a figura paterna, agravaram a sua desinserção social, sucedendo-se registos/participações do seu envolvimento em práticas transgressivas e com o sistema de justiça penal.
Apesar de condenado em medidas de execução na comunidade, não compareceu na equipa da DGRSP competente quando convocado para entrevistas quer no âmbito dos mesmos, quer dos inúmeros pedidos de relatório social na fase pré-sentencial, mantendo um registo de ausência e falta de colaboração com os serviços. As informações recolhidas junto dos OPC’s e na zona residencial (T.......) eram coincidentes no sentido de atribuir ao arguido uma imagem social muito negativa, associada à inactividade, a comportamentos e um modo de vida marginal e criminal. A família alegava desconhecer a forma como estruturava o seu quotidiano e a partir de finais de 2010/início do ano 2011, apresentava períodos de ausência com a companheira para Espanha ou junto do agregado desta, com residência em Braga.
À data dos factos AA encontrava-se preso no E.P.P., em cumprimento da segunda pena efectiva de privação de liberdade, situação que se mantém.
No decurso da execução desta pena privativa de liberdade foi o arguido alvo de 7 sanções disciplinares, três das quais por posse de produto estupefaciente.
Os seus projectos de vida futura estão condicionados pela dimensão da situação jurídica, estando conformado com a possibilidade de ver o tempo de reclusão aumentado, não fazendo projecções consistentes para o futuro.
A reclusão interferiu na qualidade dos vínculos familiares e afectivos de AA. O progenitor, que já constituiu novo agregado, cessou o apoio ao arguido por não aceitar a nova relação amorosa do descendente. Na verdade, tendo a primeira companheira do arguido terminado a relação, aquele encetou novo relacionamento em 2015, com BB, de 27 anos, beneficiária de RSI, com quem irá residir, juntamente com os quatro filhos da mesma.
O arguido e a namorada nunca partilharam habitação, no entanto aquela demonstrou anteriormente disponibilidade para o apoiar, por acreditar na sua mudança comportamental, referindo que apesar do namoro ser recente já se conhecem desde a infância, o que lhe permite aferir das mudanças que constata emAA.
O grupo familiar daquela reside em G......, numa casa arrendada (270 €) com razoáveis condições de habitabilidade.
No meio social de residência, sendo conhecido o passado criminal do arguido, a sua presença é tolerada.
AA deu entrada no Estabelecimento Prisional do ..... em 13.03.2014, à ordem do processo no 371/10.0 GDGDM do 1o Juízo Criminal de ....., em que após realização de cúmulo jurídico foi determinada a aplicação de duas penas únicas de 35 meses e 21 meses a cumprir sucessivamente.
AA reconhece que assumiu uma atitude de desinteresse/alheamento face às questões judiciais, motivo porque desconhece a sua dimensão. Confrontado com a gravidade dos comportamentos criminais por si protagonizados, reconhece o seu desvalor, a existência de prejuízos para terceiros (sem noção da sua extensão), mas tende a centrar o seu discurso na condição de pobreza e na falta de oportunidades sociais.
Devido às dificuldades económicas da actual namorada, BB efectua apenas duas visitas mensais ao arguido.
O arguido encontra-se inscrito no actual ano lectivo (2017/2018), no curso EFA B2 – 6o ano, desde o início do mesmo, com assiduidade regular.
Antecedentes criminais:
O arguido foi já condenado nos seguintes processos:
a) Por sentença proferida em 03.03.2009 no processo sumaríssimo no 1276/07.8TAGDM, pela prática em 25.04.2007, de um crime de furto simples em pena de multa, substituída por 40 dias de prisão, já extinta;
b) Por acórdão proferido em 28.05.2009, transitado em julgado em 15.07.2009, no processo comum colectivo no 652/08.3GDGDMA, pela prática em 19.06.2008, de um crime de furto qualificado na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução, subordinada a obrigação pecuniária.
c) Por sentença proferida em 08.02.2010, transitada em julgado em 22.03.2010, no processo comum singular no 1005/08.9GDGDM, pela prática em 24.09.2008 de um crime de furto qualificado, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.
d) Por sentença proferida em 17.03.2010, transitada em julgado em 19.04.2010, no processo comum singular no 354/07.8GDGDM, pela prática em 13.04.2007 de um crime de furto qualificado, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, já extinta.
e) Por acórdão proferido em 23.03.2011, transitado em julgado em 11.04.2014, no processo comum colectivo no 1145/09.7PEGDM, pela prática em 10.09.2009, de um crime de furto qualificado e de um crime de dano simples na pena única de 19 meses de prisão efectiva.
f) Por sentença proferida em 28.04.2011, transitada em julgado em 30.01.2012, no processo comum singular no 371/10.0GDGDM, pela prática em 27.03.2010 de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva.
Neste processo foi realizado cúmulo jurídico e determinada a aplicação de duas penas únicas de 35 meses e 21 meses a cumprir sucessivamente.
g) Por acórdão proferido em 14.07.2014, transitado em julgado em 30.09.2014, no processo comum colectivo no 829/12.7PCBRG, pela prática em 31.07.2012, de um crime de furto qualificado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
h) Por sentença proferida em 08.10.2015, transitada em julgado em 09.11.2015, no processo comum singular no 205/14.7GDGDM, pela prática em 09.03.2014, de crime de furto qualificado na pena de 20 meses de prisão efectiva.
i) Por acórdão proferido em 18.01.2017, transitado em julgado em 27.02.2017, no processo comum colectivo no 17186/16.5T8PRT, pela prática em 31.07.2012, de crime de furto qualificado na pena de 3 anos e 10 meses de prisão efectiva. “
C – DA MEDIDA DA PENA
O crime praticado pelo arguido é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
O Tribunal a quo fundamentou a aplicação de uma pena de 5 anos e 6 meses da seguinte forma:
(...)
“No caso sub-judice é certo e evidente que o arguido não é primário.
No entanto, as suas condenações anteriores revestem natureza diversa, em termos dos bens jurídicos protegidos, porquanto se reportam essencialmente a crimes de furtos, sendo certa e diversa a natureza do crime em causa nos presentes autos que ainda não constava do elenco do passado criminal do arguido.
Para além disso, este crime posteriormente cometido e em apreciação nos presentes autos traduz, quanto a nós, apenas a mera pluri-ocasionalidade, não se podendo concluir sem mais como sendo revelador da reincidência.
Só por si, a prática deste crime, não revela uma total indiferença do arguido perante as normas e o Direito, que de todo não ficou comprovada e foi genericamente e conclusivamente alegada na acusação, sem suporte fáctico bastante, e ainda mais, que as condenações anteriores e o cumprimento actual de pena de prisão efectiva não foram bastantes para o afastar da criminalidade.
Acompanhando o Professor Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, Coimbra, 1988, pag. 279 e ss., diríamos que a prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção, em que o limite máximo expressa a medida óptima de tutela dos bens jurídicos, ainda consentida pela culpa, e o limiar mínimo, aquele abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de uma pena, sem se pôr em causa a defesa dos bens jurídico.
Prosseguindo o citado Autor, “Entendemos que a medida da pena a encontrar terá como limite máximo e inultrapassável aquela que corresponder à culpa de cada agente, visando-se primordialmente a tutela das expectativas da comunidade que confia na manutenção da norma jurídica violada, procurando-se sempre a reinserção dos agentes na sociedade”.
Nos termos do artigo 71º, a determinação da medida da pena aplicável tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, com as funções definidas segundo a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico.
À prevenção geral de integração cabe fornecer o seu limite mínimo da moldura, sendo certo que esta terá como um limite superior o ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e como inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a função tutelar inerente à mesma.
Já a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva.
Ora, dentro desses limites caberá à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, atendendo-se pois às possibilidades de socialização do agente, sendo certo que, quando esta em concreto, não for possível, relevará a função de intimidação.
Concretizando de uma outra forma, à luz do disposto no citado artigo 71º, na determinação da medida concreta da pena ter-se-ão em conta, dentro dos limites abstractos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido; fixandose o limite máximo de acordo com a culpa, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral; e, a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham.
No sobredito normativo pode, então, ler-se: “1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 – Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”
Dentro desta moldura de prevenção geral actuam as exigências de prevenção especial sentidas no caso, tendo como função a socialização do agente e a sua reintegração social.
Ora, o crime é o de tráfico de estupefacientes e sobre o mesmo a Resolução do Conselho de Ministros n.o 46/99, de 26 de Maio que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que “as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens mas também a vida das famílias e a saúde e a segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação. No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação dos controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia”.
Do que se extrai e adianta serem bastante elevadas as necessidades de prevenção geral com que nos deparamos. Está em causa a prática de um crime que se considera com toda a propriedade um dos flagelos dos tempos que correm.
Mas a dimensão da ilicitude dos crimes de tráfico de estupefacientes que impõem este primado das finalidades de prevenção geral tem que estar conformada com a situação concreta, mormente pelas variadas formulações objectivas e subjectivas da concreta actividade que está aqui em causa.
Podemos desde já adiantar que inexistem quaisquer circunstâncias que em concreto permitam uma atenuação especial da moldura prevista para o crime em questão. Com efeito, o arguido AA admitiu os factos, mas, admitiu o que diremos ser óbvio pois que foi encontrada na sua posse a droga apreendida e não o poderia negar, perante a evidência e o flagrante.
A pena a impor ao arguido deverá servir as finalidades exclusivas de prevenção geral já evidenciadas e especial.
Na situação vertente, no que concerne ao crime previsto no artigo 21º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, em cuja prática concluímos ter incorrido o arguido, deveremos ponderar desde logo a elevada ilicitude dos factos, aferindo-se o desvalor da acção pelo fim da acção criminosa, desde logo pela quantidade de produto estupefaciente apreendido - cannabis (resina), com o peso líquido de 94,440 - que não sendo de uma quantidade avultada, tem já algum significado, passível de propiciar inúmeros consumos (109 doses).
Sem olvidar os já relevantes antecedentes criminais do arguido, ainda que por crimes de natureza distinta do que analisamos agora há ainda que atentar na circunstância de os factos em apreço terem sido praticados pelo arguido no interior do estabelecimento prisional e a descrita actuação do arguido ser susceptível de perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e de grave transtorno da ordem e organização dos estabelecimentos prisionais.
A sua conduta era pois potenciadora de colocar em perigo a vida e a integridade física de várias pessoas, de agravar o sofrimento moral e físico dos toxicodependentes e das famílias destes, ameaçando igualmente a segurança da sociedade.
Donde, não pode deixar de ser considerada forte censurabilidade do acto do tráfico, in casu, através pelo menos da sua detenção num estabelecimento prisional.
Acresce que no decurso da execução das penas de prisão que cumpre foi o arguido alvo de sete sanções disciplinares, três das quais por posse de produto estupefaciente.
Por sua vez, o arguido está em cumprimento de sucessivas penas de prisão desde há algum tempo a que de todo não podemos ficar alheios. E foi aliás em cumprimento destas penas de prisão que o arguido cometeu este ilícito.
Em seu desfavor há por último a ponderar a sua frágil inserção social e profissional evidenciada no seu relatório social, pese embora possua alguma retaguarda familiar.
O que nos leva a concluir pela verificação de elevadas exigências de prevenção especial.
Por tudo o exposto, temos por inteiramente adequado, proporcional e justo, considerando a respectiva moldura abstracta aplicável, e tendo em conta ainda as exigências de prevenção geral e especial, cominar o arguido com a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. “
Ora,
Contra o quantum da pena aplicada insurge-se o arguido.
Diz o Tribunal que “(...) inexistem quaisquer circunstâncias que em concreto permitam uma atenuação especial da moldura prevista para o crime em questão. Com efeito, o arguidoAA admitiu os factos, mas, admitiu o que diremos ser óbvio pois que foi encontrada na sua posse a droga apreendida e não o poderia negar, perante a evidência e o flagrante.”
Pois bem, a ser assim a confissão não teria qualquer valor jurídico. É verdade que o arguido foi apanhado em flagrante delito mas também podia ter optado por não falar, negar os factos ou tentar apresentar uma desculpa. Porém, não o fez. Confessou. Facto que foi dado como provado. Se a confissão é óbvia ou não, tal configura um juízo de valor que extravasa por completo a função do Juiz ao apreciar factos.
Posto isto, sendo o crime punível com uma moldura penal que vai de 4 anos a 12 anos,
entendeu o Tribunal aplicar uma pena de 5 anos e seis meses. Porém, considera o arguido que o Tribunal a quo não poderia aplicar uma medida privativa da liberdade tão pesada. Na verdade, ao arguido nunca foi aplicada uma medida privativa da liberdade pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, pelo que, a aplicação de uma pena de 5 anos e seis meses de prisão é manifestamente excessiva.
Deve-se observar que a determinação concreta da medida da pena dentro da respectiva moldura – artº 71.º do C.P. – faz-se com recurso ao critério geral estabelecido no referido dispositivo, tendo em vista as finalidades das respostas punitivas em sede de direito penal, quais sejam a proteção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artº 4º, nº 1 do CP – sem esquecer, obviamente, que a culpa constitui um limite inultrapassável da medida da pena – artº 40º, nº 2 do CP.
Efetivamente, a pena serve finalidades exclusivas de prevenção, geral e especial, assumindo a culpa um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto ótimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial, pelo que dentro da moldura de prevenção especial, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positivas ou de socialização, excecionalmente negativas ou de intimidação ou seguranças individuais.
É este o critério da lei fundamental – artº 18º, nº 2 da CRP – e foi assumido pelo legislador penal de 1995 (Figueiredo Dias, temas Básicos da Doutrina Penal – 3º tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena criminal (2001), 104/111.)
Como refere Anabela Rodrigues (Problemas Fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin, “ O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena 177/208.), o artº 40º do CP, após a revisão de 1995, condensa em três proposições fundamentais um programo político-criminal – a de que todo o direito penal é um direito de proteção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena de onde resulta que:
“Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela necessidade de tutela dos bens jurídicos, isto é, pela exigência de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais.
Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas.”
Daqui decorre que o juiz pode impor qualquer pena que se situe dentro do limite máximo da culpa, isto é, que não ultrapasse a medida da culpa (O mínimo da pena, como já ficou dito, segundo Figueiredo Dias, é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico. Em sentido coincidente pronuncia-se Anabela Rodrigues , ibidem, 178/179, bem como Taipa de carvalho, Liber Disicpulorum para Jorge Figueiredo Dias,317/329, ao defender que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infratores uma dissuasão mínima.), elegendo em cada caso, aquela que se lhe afigure mais conveniente, tendo em vista os fins das penas, com apelo primordial á tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto, tutela dos bens jurídicos não obviamente, num sentido retrospetivo, face a um fato já verificado, mas com significado prospetivo, corretamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada.(Figueiredo Dias, temas Básicos da Doutrina Penal, 105/106.)
Quanto à pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável – certo é dever corresponder à sanção que o agente do crime merece, ou seja, deve ser correspondente à gravidade do crime, pois só assim, se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade.
Há que ter em atenção, porém, que aquilo que é “merecido” não é algo preciso, resultante de uma conceção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada á culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral( - Vide Clausa Roxin Culpabilidade y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde), 96/98)
Ao crime em apreço, não obstante caiba uma pena de prisão de 4 a 12 anos, não deveria ter sido aplicada quantum de 5 anos e seis meses, por manifestamente excessivo.
Conforme supra referido, ao recorrente nunca foi aplicada, pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, além de que o mesmo confessou o crime, a quantia aprendida foi diminuta e o modus operandi simples.
Deste modo, pretende o arguido a alteração do quantum da pena aplicada, o que se requer.
Conclusões:
A/ Ao crime em apreço, não obstante caiba uma pena de prisão de 4 a 12 anos, não deveria ter sido aplicada quantum de 5 anos e seis meses, por manifestamente excessivo.
B/ Atenta a confissão do arguido, a sua não condenação anterior por tráfico de estupefacientes, a diminuta quantidade de estupefacientes que foi apreendida e a simplicidade do modus operandi, deve a pena aplicada ser reduzida, indicando-se tal redução para o mínimo legal de 4 anos.
Nestes termos, requer-se a V.Exªs que seja dado provimento ao presente recurso e, consequentemente, ser a pena aplicada reduzida, indicando-se tal redução para o mínimo legal de 4 anos.»
3. O Ex. mo Magistrado do MP (Procuradora da República) no Tribunal de 1.ª instância respondeu (fls. 135-137) nos seguintes termos:
«Ex. mos Senhores Desembargadores do Tribunal da Relação do .....:
Vem o presente recurso interposto pelo arguido AA do douto acórdão proferido nos autos à margem identificados e que o condenou, como autor do crime de tráfico de estupefacientes agravado p. e p. pelos art.º 21.º, n.º 1 e 24-h), do D. L. n.º 15/93, de 22/1, na pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.
Insurge-se o recorrente contra esta condenação, por entender que o tribunal “a quo”, deveria tê-lo condenado numa pena inferior e declará-la suspensa na sua execução.
Para o efeito, diz o recorrente que a pena em que foi condenado é manifestamente excessiva.
Entendemos que não assiste razão ao recorrente.
Nos termos do art.º 40.º, n.º 1 do Cód. Penal, as finalidades das penas são a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, não podendo em caso algum a pena ultrapassar a medida da culpa (n.º 2 do mesmo art.º 40.º).
Por sua vez a determinação da medida concreta da pena é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção (art.º 71.º, n.º 1 do Cód Penal).
E o n.º 2 do art.º 71.º do Cód. Penal enumera alguns dos factores mais relevantes de carácter geral, atendíveis para a graduação das penas.
A suspensão da execução da pena de prisão tem lugar, atento o disposto no art.º 50.º, n.º 1 do Cód. Penal, se a simples censura do facto e a ameaça daquela pena forem bastantes para afastar o arguido da criminalidade, satisfazendo simultaneamente as necessidades de reprovação e prevenção do crime.
Ora, o Tribunal “a quo”, na graduação da pena, considerou a elevada ilicitude dos factos, aferindo o desvalor da acção pelo fim da acção criminosa, devido à quantidade de produto estupefaciente apreendido- “cannabis”, com o peso de 94,440 gramas- que apesar de não ser quantidade avultada tem algum significado, já que permitia obter 109 doses.
Mais considerou o Tribunal “a quo” a forte censurabilidade do acto do tráfico através da obtenção e detenção no interior do estabelecimento prisional.
Ponderou ainda na forte necessidade de prevenção geral sentida, atendendo ao crescente aumento de crimes de tráfico de estupefacientes.
Em termos de prevenção especial, o tribunal recorrido atendeu aos antecedentes criminais do recorrente, tendo já sofrido condenações, na sua maioria por crimes de furto qualificado, e encontrando-se preso à data do julgamento.
No acórdão recorrido são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena quanto à personalidade do agente e à conduta do agente anterior e posterior aos factos.
A pena está devidamente graduada, é equilibrada e justa, não havendo razões para ser reduzida e suspensa na sua execução.
Face à matéria de facto dada como provada, a qual se encontra devidamente fundamentada e justificada a prova que lhe serviu de suporte, bem como a exposição de facto e de direito que fundamentam a decisão, entendemos que o Acórdão recorrido não podia deixar de condenar o recorrente, como condenou.
Em conclusão:
1- A pena está devidamente graduada, é equilibrada e justa, não se vislumbrando razões para ser reduzida e declarada suspensa na sua execução; e
2-Não foram violados quaisquer preceitos legais e, nomeadamente, o disposto nos art.º 40.º, 50.º e 71.º, do Cód. Penal.
Termos em que, Vossas Excelências, negando provimento ao recurso, farão
JUSTIÇA »
4. Por seu turno, o Ex.mo Procurador-Geral Adjunto na Relação do ..... emitiu, em 12/2/2018, parecer (fls. 144-146), a seguir transcrito:
«Parecer nº 24/2018
-I-
1. Por acórdão de 06.Nov.2007 [Fls. 105 a 115 v], proferido nos autos de processo comum colectivo em epígrafe, do Juízo Central Criminal de ....... - Juiz 2, do Tribunal Judicial da Comarca do ....., o arguido AA foi condenado pela autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art° 21°, n° 1, do DL n° 15/93, de 23/01, com referência à Tabela I - C anexa ao mencionado diploma, na pena de 5 [cinco] anos e 6 [seis] meses de prisão:
2. O arguido foi notificado desta decisão em 09.Nov.2017 [flªs 122];
3. Inconformado, interpôs o mesmo recurso para este Tribunal da Relação do ....., em 07.Dez.2017 [flªs 124/130v e 131];
4. O recurso foi admitido, por despacho de 11.Dez.2017 [flªs 132], tendo sido mandado subir imediatamente, nos próprios autos, e com efeito suspensivo;
5. O Ministério Público respondeu à motivação de recurso, em 25.Jan.2018 [flªs 135/137], pronunciando-se pela sua improcedência e consequente confirmação do acórdão recorrido;
6. A decisão é recorrível [artº 399° e 400° a contrario do CPP], o recurso foi interposto por quem tem legitimidade [artº 401º, n° 1, alínea b), do CPP] e tempestivamente [art0 411 °, n° 1, do CPP] e mostram-se correctamente fixados os efeitos e regime de subida do mesmo;
7. Devem, pois, os autos prosseguirem para decisão em Conferência [artº 419° n° 3, alínea c) do CPP].
-II-
Quanto ao objecto do recurso:
1. Nas conclusões das suas motivações - que delimitam o objecto do recurso - o arguido/recorrente apenas se insurge contra:
■ A medida concreta da pena de prisão que foi aplicada, considerando que a mesma deve ser reduzida para o mínimo legal de 4 anos de prisão e ser suspensa na sua execução [conclusões A e B];
2. Sem razão, contudo, como bem demonstra o Ministério Público da 1ª instância na Resposta à motivação de recurso que apresentou;
3. Assim, acompanhando, integralmente, os termos daquela resposta, apenas se fará realçar que na determinação da medida concreta da pena de prisão aplicada ao arguido foram tidos em consideração as seguintes circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem contra ou a favor do agente, nomeadamente [flªs 114v.]:
■"(...) a elevada ilicitude dos factos, aferindo-se o desvalor da acção pelo fim da actividade criminosa, desde logo pela quantidade de produto estupefaciente apreendido - cannabis (resina) com o peso liquido de 94,440 - que não sendo de uma quantidade avultada, tem já algum significado, passível de propiciar inúmeros consumos (109 doses);
■ (...) os antecedentes criminais do arguido, ainda que por crimes de natureza distinta ... [e] ... na circunstância de os factos em apreço terem sido praticados no interior do estabelecimento prisional e a descrita actuação do arguido ser susceptível de perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e de grave transtorno da ordem e organização dos estabelecimentos prisionais;
■ (...) a forte censurabilidade do acto de tráfico, in casu, através pelo menos da sua detenção num estabelecimento prisional;
A que acresce que;
■ (...) o arguido está em cumprimento de sucessivas penas de prisão desde algum tempo ... [tendo sido] ... alvo de sete sanções disciplinares, três das quais por posse de produto estupefaciente ...
[e que] ...foi em cumprimento destas penas que o arguido cometeu este ilícito ... ":
8. Razão por que, em face dos fundamentos enunciados no acórdão recorrido para a determinação da medida concreta da pena, foi aplicada ao arguido, pela autoria material de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art° 21°, n° 1, do DL n° 15/93, de 22/01, a pena de- 5 anos e 6 meses de prisão:
9. Pena que se nos afigura justa, equilibrada e proporcional, uma vez que, sem ultrapassar a medida da culpa do agente, a mesma dá satisfação às exigências da punição - a protecção de bens jurídicos e a integração da agente na sociedade [an° 40°, n°s 1 e 2 do Código Penal];
10. Deste modo, mantendo-se o quantum de pena aplicada ao arguido em 5 anos e 6 meses de prisão - como se propugna - falece, desde logo, o pressuposto formal de que depende a aplicação da pretendida suspensão da execução da pena, que se encontra limitada à execução de prisão aplicada não superior a 5 anos [art° 50°, n° 1 do Código Penal];
*
Termos em que somos de parecer que o recurso não merece provimento.»
5. O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto neste STJ (fls. 160) remeteu para o Parecer que antecede (fls. 144-146) nada mais acrescentando.
******
6. Foi dado cumprimento ao disposto no n.º 2 do artigo 417.º do CPP nada tendo sido requerido.
Não tendo sido requerida a audiência, o processo prossegue através de julgamento em conferência (arts. 411.º, n.º 5 e 419.º, n.º 3, alínea c), ambos do CPP).
Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência cumprindo agora apreciar e decidir.
II. FUNDAMENTAÇÃO
1. É a seguinte a matéria de facto provada, bem como a fundamentação de facto e de direito da decisão recorrida:«
1. Fundamentação de facto:
1.1. Matéria de facto provada.
De relevante para a decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. No dia 29 de Novembro de 2016, cerca das 15h00, quando o arguido AA se encontrava no Estabelecimento Prisional do ....., sito em C.....L...B..., Matosinhos, suspeitando-se que o mesmo transportava algo de ilícito, quando se deslocava do parlatório nº 3 para a zona prisional, foi alvo de revista por desnudamento.
2. No decurso dessa diligência foi encontrado um embrulho contendo pedaços de uma substância sólida de cor acastanhada, dissimulado na perneira das calças.
3. Esse produto foi submetido de imediato ao teste rápido, tendo dado resultado positivo, verificando tratar-se de haxixe.
4. Submetido a exame no laboratório de Polícia Científica do ....., foi confirmado que o produto encontrado se tratava de canábis resina, produto vegetal prensado, com um grau de pureza de 5,8 com um peso líquido de 94,440 correspondente a 109 doses.
5. O arguido tinha perfeito conhecimento que não lhe era permitido nem deter na sua posse, nem ceder produto estupefaciente, em qualquer local e muito menos no interior do Estabelecimento Prisional e mesmo assim não se absteve de tal conduta.
6. O arguido actuou livre, voluntaria e conscientemente, conhecendo a natureza, características e qualidades da substância estupefaciente acime referida, sabendo que não era detentor de autorização legal para comprar, vender deter, transportar, consumir ou por qualquer forma manusear produtos estupefacientes, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por Lei.
7. O arguido, aquando da prática dos factos supra referidos, encontrava-se preso no dito EP em cumprimento da pena única de 3 anos e 6 meses de prisão, aplicada no processo 829/12.7PCBRG, do Tribunal Judicial da Comarca de Braga, pela prática do crime de furto qualificado, praticado em 2012.
8. Entretanto, o arguido foi condenado por sentença de 08-10-2015, no processo nº 205/14.7GDGDM, do Tribunal Judicial da Comarca do ....., unidade orgânica de ....., na pena vinte meses de prisão, pelo crime de furto qualificado, por factos praticados em 2014.
9. Por sentença de 18-01-2017, proferida no processo nº 17186/16.5T8PRT, do Tribunal Judicial da Comarca do ....., o arguido foi condenado na pena de 3 anos e 10 meses de prisão, pelo crime de furto qualificado, praticado em 2012.
10. O arguido encontra-se ininterruptamente preso à ordem do supra referido processo 829/12.7PCBRG desde 12-07-2016, já anteriormente tendo estado recluso à ordem doutros autos.
Mais se provou:
11. O arguido confessou os factos.
12. Relativos às condições pessoais do arguido:
O processo de desenvolvimento psicossocial de AA decorreu junto do grupo familiar de origem, constituído pelos pais e oito irmãos. De padrão sociocultural muito carenciado, a família ocupava uma habitação sem as mínimas condições de habitabilidade, inserida em zona urbana periférica associada a fenómenos de exclusão social e pobreza.
Não existiu investimento no processo de escolarização, revelandoAA dificuldades de aprendizagem e de adaptação a este contexto que abandonou aos 14 anos, após concluir o 5º ano. Iniciou vida laboral na construção civil, como servente de trolha, actividade que manteve durante 6 meses a que seguiu a actividade de estucador e de distribuidor de publicidade, todavia sem registo de regularidade.
O envolvimento no consumo de substâncias estupefacientes aos 16 anos, a inserção em grupos de pares e a grande autonomia na gestão do seu tempo livre passaram a caracterizar o seu quotidiano. Estes factores criminógenos, associados à morte da mãe (no verão de 2009) e à incompatibilidade com a figura paterna, agravaram a sua desinserção social, sucedendo-se registos/participações do seu envolvimento em práticas transgressivas e com o sistema de justiça penal.
Apesar de condenado em medidas de execução na comunidade, não compareceu na equipa da DGRSP competente quando convocado para entrevistas quer no âmbito dos mesmos, quer dos inúmeros pedidos de relatório social na fase pré-sentencial, mantendo um registo de ausência e falta de colaboração com os serviços. As informações recolhidas junto dos OPC’s e na zona residencial (Travessa ........) eram coincidentes no sentido de atribuir ao arguido uma imagem social muito negativa, associada à inactividade, a comportamentos e um modo de vida marginal e criminal. A família alegava desconhecer a forma como estruturava o seu quotidiano e a partir de finais de 2010/início do ano 2011, apresentava períodos de ausência com a companheira para Espanha ou junto do agregado desta, com residência em Braga.
À data dos factos AA encontrava-se preso no E.P.P., em cumprimento da segunda pena efectiva de privação de liberdade, situação que se mantém.
No decurso da execução desta pena privativa de liberdade foi o arguido alvo de 7 sanções disciplinares, três das quais por posse de produto estupefaciente.
Os seus projectos de vida futura estão condicionados pela dimensão da situação jurídica, estando conformado com a possibilidade de ver o tempo de reclusão aumentado, não fazendo projecções consistentes para o futuro.
A reclusão interferiu na qualidade dos vínculos familiares e afectivos deAA. O progenitor, que já constituiu novo agregado, cessou o apoio ao arguido por não aceitar a nova relação amorosa do descendente. Na verdade, tendo a primeira companheira do arguido terminado a relação, aquele encetou novo relacionamento em 2015, com BB, de 27 anos, beneficiária de RSI, com quem irá residir, juntamente com os quatro filhos da mesma.
O arguido e a namorada nunca partilharam habitação, no entanto aquela demonstrou anteriormente disponibilidade para o apoiar, por acreditar na sua mudança comportamental, referindo que apesar do namoro ser recente já se conhecem desde a infância, o que lhe permite aferir das mudanças que constata em AA.
O grupo familiar daquela reside em ....., numa casa arrendada (270 €) com razoáveis condições de habitabilidade.
No meio social de residência, sendo conhecido o passado criminal do arguido, a sua presença é tolerada.
AA deu entrada no Estabelecimento Prisional do ..... em 13.03.2014, à ordem do processo nº 371/10.0 GDGDM do 1º Juízo Criminal de ....., em que após realização de cúmulo jurídico foi determinada a aplicação de duas penas únicas de 35 meses e 21 meses a cumprir sucessivamente.
AA reconhece que assumiu uma atitude de desinteresse/alheamento face às questões judiciais, motivo porque desconhece a sua dimensão. Confrontado com a gravidade dos comportamentos criminais por si protagonizados, reconhece o seu desvalor, a existência de prejuízos para terceiros (sem noção da sua extensão), mas tende a centrar o seu discurso na condição de pobreza e na falta de oportunidades sociais.
Devido às dificuldades económicas da actual namorada, BB efectua apenas duas visitas mensais ao arguido.
O arguido encontra-se inscrito no actual ano lectivo (2017/2018), no curso EFA B2 – 6º ano, desde o início do mesmo, com assiduidade regular.
13. Antecedentes criminais:
O arguido foi já condenado nos seguintes processos:
a) Por sentença proferida em 03.03.2009 no processo sumaríssimo nº 1276/07.8TAGDM, pela prática em 25.04.2007, de um crime de furto simples em pena de multa, substituída por 40 dias de prisão, já extinta;
b) Por acórdão proferido em 28.05.2009, transitado em julgado em 15.07.2009, no processo comum colectivo nº 652/08.3GDGDMA, pela prática em 19.06.2008, de um crime de furto qualificado na pena de 1 ano e 3 meses de prisão, suspensa na sua execução, subordinada a obrigação pecuniária.
c) Por sentença proferida em 08.02.2010, transitada em julgado em 22.03.2010, no processo comum singular nº 1005/08.9GDGDM, pela prática em 24.09.2008 de um crime de furto qualificado, na pena de 13 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova.
d) Por sentença proferida em 17.03.2010, transitada em julgado em 19.04.2010, no processo comum singular nº 354/07.8GDGDM, pela prática em 13.04.2007 de um crime de furto qualificado, na pena de 15 meses de prisão, suspensa na sua execução com regime de prova, já extinta.
e) Por acórdão proferido em 23.03.2011, transitado em julgado em 11.04.2014, no processo comum colectivo nº 1145/09.7PEGDM, pela prática em 10.09.2009, de um crime de furto qualificado e de um crime de dano simples na pena única de 19 meses de prisão efectiva.
f) Por sentença proferida em 28.04.2011, transitada em julgado em 30.01.2012, no processo comum singular nº 371/10.0GDGDM, pela prática em 27.03.2010 de um crime de furto qualificado, na pena de 2 anos e 3 meses de prisão efectiva.
Neste processo foi realizado cúmulo jurídico e determinada a aplicação de duas penas únicas de 35 meses e 21 meses a cumprir sucessivamente.
g) Por acórdão proferido em 14.07.2014, transitado em julgado em 30.09.2014, no processo comum colectivo nº 829/12.7PCBRG, pela prática em 31.07.2012, de um crime de furto qualificado na pena de 3 anos e 6 meses de prisão efectiva.
h) Por sentença proferida em 08.10.2015, transitada em julgado em 09.11.2015, no processo comum singular nº 205/14.7GDGDM, pela prática em 09.03.2014, de crime de furto qualificado na pena de 20 meses de prisão efectiva.
i) Por acórdão proferido em 18.01.2017, transitado em julgado em 27.02.2017, no processo comum colectivo nº 17186/16.5T8PRT, pela prática em 31.07.2012, de crime de furto qualificado na pena de 3 anos e 10 meses de prisão efectiva.
*
1.2. Matéria de facto não provada:
Nenhuma.
*
2. Motivação da decisão sobre a matéria de facto.
À luz do estatuído no art. 127º do Código de Processo Penal a prova é apreciada “segundo as regras da experiência e a livre convicção do Tribunal”.
Deste modo, o tribunal formou a sua convicção conjugando todos os meios de prova produzidos e examinados em sede de audiência de julgamento, depois de criticamente analisados, à luz das regras da experiência comum e da verosimilhança. Assim, a ponderação crítica e conjugada de toda a prova efectuada de acordo com os critérios legais e com as regras de experiência comum, permitiram ao Tribunal formar a sua convicção no sentido supra exposto.
Concretizando:
Das declarações do arguido resultou a confissão da factualidade integrante da acusação pública, sendo que este, recluso no Estabelecimento Prisional do ....., sito em C..... Matosinhos, admitiu que nas circunstâncias espácio-temporais ali narradas, foi-lhe efectuada a revista que culminou com a apreensão do produto estupefaciente aludido na acusação, isto é, 94,440 gramas de canábis resina.
Mais esclareceu que tal produto, que lhe foi entregue na visita por pessoa que não identificou, destinava-se a ser entregue a terceiros, revelando que tinha conhecimento e plena consciência quanto à natureza estupefaciente do produto encontrado. No que concerne ao seu próprio consumo, adiantou quanto a tal aspecto, que já não consome há cerca quatro ou cinco meses.
Depois, foi ainda inquirido o Guarda Prisional CC, que interveio na revista efectuada ao arguido, o qual confirmou na íntegra toda a factualidade constante da acusação, ou seja que na sequência da aludida revista, foi apreendido o produto estupefaciente que se encontrava dissimulado na perneira das calças do mesmo, e que de imediato foi entregue pelo próprio arguido.
Mais explicou que o arguido estava já sinalizado desde a sala de visitas, e por tal razão foi-lhe efectuada a revista, permitindo encontrar a sobredita canábis.
E portanto, não restaram ao Tribunal quaisquer dúvidas sobre o conhecimento e plena consciência que o arguido tinha quanto à natureza estupefaciente do produto encontrado.
Prosseguindo na análise da prova produzida, da documental, consideram-se ademais o auto de notícia de fls. 3, no qual consta discriminado o produto apreendido, a ficha do recluso a fls. 4 a 6, o processo disciplinar de fls. 9 e 10, o teste rápido do reagente Duquenois constante de fls. 11, e por fim, da pericial, mostrou-se determinante o exame laboratorial de toxicologia forense realizado pelo LPC da Policia Judiciária de fls. 14 e 15, quer no que tange ao apuramento da natureza e características da substância apreendida, quer no reportado ao respectivo peso líquido.
Em relação aos antecedentes criminais, foi considerado o Certificado de Registo Criminal de fls. 75 a 82 dos autos e relativamente aos factos respeitantes às condições pessoais do arguido, o tribunal contou com o relatório social do arguido de fls. 70 a 73, este complementado pelas declarações do arguido que esclareceu alguns aspectos, designadamente no que concerne à frequência de estudos, e que acabaram por ser corroboradas pelo ofício de fls. 93.
Por fim, teve-se em conta a ficha biográfica do arguido junta a fls. 94 a 96, que permitiu comprovar que o arguido, no Estabelecimento Prisional onde se encontra recluído, foi já alvo de 7 sanções disciplinares, porém, apenas três por posse de produto estupefaciente.
Donde, e na associação e relacionamento de todos os meios de prova acabados de enunciar, formou o tribunal a convicção segura e inabalável da actuação do arguido nos moldes descritos e tidos como provados.
*
Fundamentação de direito: Enquadramento Jurídico-Penal:
A censura ético-jurídica de uma conduta humana depende da verificação de determinados pressupostos em que se estrutura o tipo legal de crime imputável ao seu agente.
Ou seja, segundo a Teoria Geral da Infracção Criminal, para que um acto humano seja punível, é necessário que estejam preenchidos os elementos objectivo e subjectivo do tipo legal de crime, sem que, ao mesmo tempo, interfiram causas de justificação e/ou exculpação.
Dito isto, analisemos, agora, a conduta concreta do arguido de forma a averiguarmos se a mesma preencheu ou não o tipo legal de crime pelo qual vem acusado.
Imputa-se ao arguido a prática de um crime de tráfico de produtos estupefacientes agravado, previsto e punido nos termos dos artigos 21.º, e 24.º, al. h) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, com referência à tabela I-C anexa ao mesmo diploma legal, com a agravante modificativa geral da reincidência, prevista nos artigos 75.º e 76.º, do Código Penal.
Dispõe o citado artigo 21.º, n.º 1 do referido diploma legal, sob a epígrafe “tráfico e outras actividades ilícitas”: “Quem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previsto pelo artigo 40º, plantas, substâncias ou preparações compreendidas nas tabelas I a III é punido com prisão de 4 a 12 anos.”
Sendo que a canabis (resina) se encontra incluída na Tabela I-C anexa a esse diploma legal.
O tráfico de estupefacientes é um crime formal de perigo comum, sendo que o bem jurídico tutelado é, essencialmente, o da saúde pública, pelo que a ilicitude verifica-se quer com a venda ou cedência a terceiros, quer com a simples detenção de substância estupefaciente que, pelas suas características, é nociva para a saúde humana, pelo perigo que tal situação potencia.
O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstracto ou presumido que não exige para a sua consumação a verificação de um dano real e efectivo do bem jurídico que protege - a saúde pública na dupla vertente física e moral - bastando-se com a simples criação de perigo ou risco de lesão consubstanciada nas várias condutas previstas pelo referido artigo 21.º (cultivar, produzir, fabricar, comprar, vender, ceder, oferecer ou deter). Assim, não se exige que a detenção se destine à venda, bastando a simples detenção ilícita ou proporcioná-la a outrem, ainda que a título gratuito, desde que a substância não se destine, na sua totalidade, ao consumo do próprio.
Resulta pois do teor do preceito em apreço, que a prática de qualquer uma das acções aí exaustivamente descritas é proibida e punida, desde que:
- a substância se encontre prevista nas tabelas I a III (ou na tabela IV, caso em que será punido com pena de prisão de 1 a 5 anos, nos termos do n.º 4 do mesmo artigo);
- o arguido para tal não disponha de autorização;
- os factos extravasarem do âmbito do disposto no artigo 2.º da Lei n.º 30/2000 de 29.11, que actualmente sanciona, como contra-ordenação, o consumo ou a detenção para consumo de substâncias estupefacientes, caso em que será aplicada a coima prevista neste regime legal especial (lei que define o regime jurídico aplicável ao consumo de estupefacientes e substâncias psicotrópicas, bem como a protecção sanitária e social das pessoas que consomem tais substâncias sem prescrição médica), vigente desde 01.07.2001, que revogou o disposto no artigo 40.º (excepto quanto ao cultivo) do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01 que previa o crime de consumo de substâncias estupefacientes.
O que significa que estamos perante um crime “exaurido”, “excutido” ou “de empreendimento”, em que o resultado típico se alcança logo, com aquilo que surge por regra como realização inicial do “iter criminis”, tendo em conta o processo normal de actuação, envolvendo substância estupefaciente que não se destine exclusivamente a consumo do próprio agente – cfr. neste sentido o Ac. do STJ de 16.04.2009, Proc. n.º 08P3375, sendo Relator Juiz Conselheiro Souto de Moura, in www.dgsi.pt: “A previsão molda-se, na verdade, em termos de uma certa progressividade, no conjunto dos diferentes comportamentos contemplados, que podem ir de uma mera detenção á venda propriamente dita. E por isso se tem defendido não ser configurável neste tipo de crime que é de perigo abstracto, a figura da tentativa ou da desistência desta (cfr. v.g. Fernando Gama Lobo, in “Droga legislação Notas doutrinárias e jurisprudência”, pág. 47 e jurisprudência aí citada). Aceita-se que a natureza do crime do artigo 21º citado, de perigo abstracto (e não de perigo concreto ou de dano), se traduza numa antecipação da tutela penal, independentemente da efectiva lesão do bem jurídico em causa, a saúde pública, antecipação cifrada na punição dos primeiros actos de execução do agente. E, de facto, para preenchimento do tipo, não se exige o desenvolvimento da acção projectada por esse mesmo agente. Por outro lado, só pode considerar-se o crime consumado tendo ocorrido o preenchimento do tipo, numa das suas modalidades, não bastando que o agente tenha iniciado um qualquer processo executivo para cometimento do crime, mas inócuo do ponto de vista do preenchimento do tipo. A consumação exige, pois, que se de por provada, pelo menos, umas das ocorrências ali referidas: “cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver” produto estupefaciente.”
O crime consuma-se, portanto, através de uma das acções descritas no artigo 21º, desde que o arguido pratique voluntariamente tal acção, conhecendo o carácter ilícito da sua conduta, não importando ao preenchimento do tipo legal a intenção específica do agente, os seus motivos ou os fins que o mesmo se propõe.
Quanto ao elemento subjectivo, trata-se de um crime doloso, em qualquer uma das modalidades previstas no artigo 14.º do Código Penal.
O crime de tráfico de estupefacientes requer, com efeito, o dolo do agente, consubstanciado no conhecimento e na intenção de praticar, pelo menos, uma das acções típicas descritas no tipo legal de crime.
E como já supra se adiantou, para que o tipo seja cometido é necessário que além da verificação dos elementos subjectivo e objectivo (descritivos e normativos) se verifiquem ainda as condições objectivas de punibilidade que são a falta de autorização para o empreendimento de qualquer das acções físicas ali descritas e que a conduta não seja subsumível à norma que sanciona o consumo de estupefacientes (exige a destinação total ao consumo próprio).
Transpondo para o caso vertente as normas e princípios jurídicos supra enunciados, e, analisando a factualidade supra enunciada, é um dado incontroverso que a apurada actuação do arguido em audiência, preenche quer o tipo objectivo quer o tipo subjectivo - que exige o dolo - do ilícito penal típico base do tráfico de produtos estupefacientes.
Com efeito, apurou-se que no dia 29 de Novembro de 2016, cerca das 15h00, no Estabelecimento Prisional do ....., sito em C..... Matosinhos, foi efectuada uma revista por desnudamento ao arguido AA, tendo sido encontrado um embrulho contendo 4 pedaços de uma substância sólida de cor acastanhada, dissimulado na perneira das calças, e que veio a confirmar-se ser canábis resina, produto vegetal prensado, com um grau de pureza de 5,8 com um peso líquido de 94,440 correspondente a 109 doses.
Mais se apurou que o arguido tinha perfeito conhecimento que não lhe era permitido nem deter na sua posse, nem ceder produto estupefaciente, em qualquer local e muito menos no interior do Estabelecimento Prisional e mesmo assim não se absteve de tal conduta, e que conhecia a natureza, características e qualidades da substância estupefaciente acime referida, sabendo que não era detentor de autorização legal para comprar, vender deter, transportar, consumir ou por qualquer forma manusear produtos estupefacientes, bem sabendo que a sua conduta é proibida e punida por Lei.
Nessas circunstâncias, concluímos que, se mostram inteiramente preenchidos os elementos objectivos e subjectivos do ilícito previsto no artigo 21.º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.01, com referência à tabela I-C anexa ao mesmo.
E preenchidos todos os pressupostos da prática pelo arguido, do crime previsto pelo artigo 21º, impõe-se então considerar o disposto no artigo 24º que prevê um tipo agravado do crime.
Estipula o artigo 24.º, al. h) do mesmo diploma legal, na redacção do artigo 54º da Lei n.º 11/2004, de 27.03: “As penas previstas nos artigos 21º e 22º são aumentadas de um quarto nos seus limites mínimo e máximo se: (…) h) a infracção tiver sido cometida em (…) estabelecimento prisional (…)”.
A razão de ser da agravação quando a conduta tem lugar em estabelecimento prisional reside na perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e no grave transtorno da ordem e organização das cadeias que o tráfico comporta – vide neste sentido Ac. do STJ de 07.07.2009, Proc. n.º 52/07.2 PEPDL.S1, in www.dgsi.pt, sendo intuito do legislador o de preservar de forma reforçada a saúde física e psíquica de sectores específicos da população, por estarem mais expostos aos riscos e aos perigos de contacto com os estupefacientes, e já não o de defesa da autoridade do Estado dentro de certos territórios (cfr. Ac. do STJ de 02.05.2007, Proc. n.º 1013/07, in www.dgsi.pt).
Pese embora as apontadas razões de ser da agravante, o certo é que, e como se defende no Ac. do STJ de 26.09.2012, proc. n.º 139/02.8 TASPS.S1, in www.dgsi.pt “a circunstância de a infracção ter sido cometida em estabelecimento prisional não produz efeito qualificativo automático, antes exigindo a sua interpretação teleológica, por forma a verificar se a concreta modalidade da acção, a concreta infracção, justifica o especial agravamento da punição querida pelo legislador”.
Aliás neste mesmo sentido apontam-se outras decisões do STJ, entre outras, o Ac. de 30.03.2005, proc. n.º 3963/04-3º, in CJSTS 2005, tomo II, pág. 224.
É assim necessário que resulte do facto verificado que essa detenção de estupefaciente se traduz numa conduta dolosa do agente com vista a potencial produção do resultado desvalioso que levou o legislador a autonomizar o especial agravamento. A este propósito, e sobre uma situação de facto similar àquela de que agora cuidamos, escreveu-se no Ac. STJ de 02.12.2013, proc. n.º 116/11.8 JACBR.S 1, in www.dgsi.pt., onde se lê: “O tipo matricial ou tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes é o do art. 21.º, n.º 1 do DL 15/93 – tipo esse que, pela amplitude da respectiva moldura penal - 4 a 12 anos de prisão - e pela multifacetada descrição típica, abrange os casos mais variados de tráfico de estupefacientes, considerados dentro de uma gravidade mínima, mas já suficientemente acentuada para caber no âmbito do padrão de ilicitude requerido pelo tipo, cujo limite inferior da pena aplicável é indiciador dessa gravidade, e de uma gravidade máxima, correspondente a um grau de ilicitude muito elevada - tão elevada que justifique a pena de 12 anos de prisão. Esse tipo fundamental corresponde, pois, genericamente, a casos que são já de média e de grande gravidade. Os casos excepcionalmente graves estão previstos no artigo 24.º, pela indicação taxativa das várias circunstâncias agravantes, de natureza heterogénea e, por isso, insubsumíveis a uma teoria unificadora, que se estendem pelas diversas alíneas do artigo 24.º, enquanto os casos de considerável diminuição da ilicitude estão previstos no artigo 25.º, aqui por enumeração exemplificativa de algumas circunstâncias que, fazendo baixar a ilicitude para um limiar inferior ao requerido pelo tipo-base, não justificam (desde logo por violação do princípio da proporcionalidade derivado do artigo18º da Constituição) a grave penalidade prevista na moldura penal estabelecida para o tráfico normal, considerando como tal o previsto pelo legislador e que, como vimos, engloba o médio e grande tráfico. Frequentemente designado como um tipo privilegiado de tráfico, não o será em termos próprios, se atendermos ao que Figueiredo Dias assinala a propósito da teoria das circunstâncias (Direito Penal Português – As Consequências Jurídicas Do Crime, Editorial de Notícias, p. 199), afirmando que “estas situações circunstâncias modificativas agravantes ou atenuantes distinguem-se das consideradas de qualificação ou privilegiamento, porque, enquanto nestas a modificação da moldura penal se opera por efeito de alterações ao nível do tipo ou dos elementos típicos – seja, como é geralmente, do tipo-de-ilícito, seja, menos frequentemente, do tipo-de-culpa -, na situação de que agora tratamos ela verifica-se por força de circunstâncias modificativas. Circunstâncias são, nesta acepção, pressupostos ou conjuntos de pressupostos que, não dizendo directamente respeito nem ao tipo-de-ilícito (objectivo ou subjectivo), nem ao tipo- de-culpa, nem mesmo à punibilidade em sentido próprio, todavia contendem com a maior ou menor gravidade do crime como um todo e relevam por isso directamente para a doutrina da determinação da pena».
Donde, de acordo com tal doutrina, do que estamos em face, quer no caso do artigo 24º, quer no caso do artigo 25º, é de circunstâncias modificativas, agravantes (artigo 24.º) e atenuantes (artigo 25.º).
Regressando á situação em análise, é inequívoco que o crime foi praticado no interior de estabelecimento prisional, o que, nos termos do artigo 24.º referido, alínea h), agrava a conduta.
No entanto, apenas existirá ilícito agravado, em princípio, quando houver disseminação ou perigo de disseminação de estupefacientes pelos reclusos, quando a quantidade for significativa, ou quando a intenção for meramente lucrativa. Será pois a análise do caso que determinará a verificação, ou não, da agravação.
Ora, no caso que nos ocupa, desde já se adianta que essa circunstância não pode agravar a conduta, pois desde logo se desconhece qual o destino que o arguido pretendia dar à substância estupefaciente que foi encontrada na sua posse - cannabis - que como é sabido, faz parte do elenco das menos nocivas à saúde e socialmente menos danosas, a ponto de se considerar menos prejudicial do que a nicotina e de se referenciarem movimentos sérios no sentido da sua despenalização.
Por outro lado, a quantidade de tal substância detida pelo arguido, com um grau de pureza de 5,8 %, que tinha um peso líquido de 94,440, corresponde a 109 doses, também não é muito significativa, atendendo ao tipo de droga, e que, de resto, nem sequer chegou ao seu destino.
Acresce que, se desconhece também o processo de obtenção da sobredita droga pelo arguido, o que poderia relevar em termos de ilicitude.
Tal não significa, porém, que se deva subestimar o alcance desta conduta em termos de ilicitude, principalmente se se considerar o contexto da acção (estabelecimento prisional), mas também não deve ser sobrevalorizada. Daí que, afastada a tese de que as circunstâncias modificativas têm um efeito automático ou obrigatório, a circunstância referida não deve, a nosso ver, na situação vertente, constituir uma agravante do tipo-base do crime de tráfico de estupefacientes do artigo 21.º, n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01 - tipo esse já suficientemente abrangente dos diversos casos de tráfico de estupefacientes – até porque a respectiva moldura penal é já indiciadora dessa gravidade.
Não se verificando a agravação da circunstância contida na al. h) do artigo 24.º, os factos devem por isso ser reconduzidos ao crime comum do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01.
No entanto, tal não afasta a imposição de se considerar, em sede de determinação da medida concreta da pena, a circunstância dos factos em apreço terem sido praticados pelo arguido no interior do estabelecimento prisional.
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3. Determinação da Medida da Pena:
Feito o enquadramento jurídico, resta determinar a pena concreta adequada ao arguido. O crime praticado pelo arguido é punido com pena de prisão de 4 a 12 anos.
A aplicação de uma pena tem como finalidade a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade, de harmonia com o disposto no artigo 40.º, n.º 1, do Código Penal (diploma a que pertencem as disposições que, de ora em diante, vierem a ser citadas sem indicação de origem). Assim, a pena não tem um fim retributivo, a sua aplicação pauta-se, em primeira linha, pelas exigências de prevenção geral positiva ou de integração; a pena visa a reafirmação contrafáctica da norma violada - cfr. Figueiredo Dias e a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.
Previamente cumpre apurar a eventual agravação da moldura prevista para o crime em questão por força da reincidência.
Nos termos previstos no artigo 75.º: 1- É punido como reincidente quem, por si só ou sob qualquer forma de comparticipação, cometer um crime doloso que deva ser punido com prisão por sentença transitada a seis meses por outro crime doloso, se, de acordo com as circunstâncias do caso, o agente for de censurar por a condenação ou as condenações anteriores não lhe terem servido de suficiente advertência contra o crime. 2 - O crime anterior por que o agente tenha sido condenado não releva para a reincidência se entre a sua prática e a do crime seguinte tiverem decorrido mais de cinco anos; neste prazo não é computado o tempo durante o qual o agente tenha cumprido medida processual, pena ou medida de segurança privativas da liberdade. 3 - As condenações proferidas por tribunais estrangeiros contam para a reincidência nos termos dos números anteriores, desde que o facto constitua crime segundo a lei portuguesa. 4 - A prescrição da pena, a amnistia, o perdão genérico e o indulto, não obstam à verificação da reincidência.
A reincidência sendo indicadora de uma maior culpa relativa ao facto, podendo ser sinal até de uma maior perigosidade, inspirando maiores cautelas em sede de prevenção especial. Porém, não funciona automaticamente.
O Prof. Cavaleiro Ferreira, in Lições de Direito Penal, Parte Geral, II, Verbo, 1989, págs. 151/2, refere que a fundamentação da agravação está na falta de eficácia da pena aplicada pelo primeiro crime e que a nova condenação é o indício relevante da falta de efectiva adesão do delinquente às injunções da lei.
Acrescenta ainda que a reincidência denuncia a insuficiência da prevenção contra o crime da condenação anterior.
Como expendia Eduardo Correia, in Direito Criminal, II, pág. 162, para além ou em vez da propensão criminosa, a que a declaração de habitualidade também atende, há sempre, assim, que considerar o desrespeito pela advertência contida na condenação.
Diz ainda o Prof. Figueiredo Dias, Direito Penal Português - As Consequências Jurídicas do Crime” Editorial Notícias, 1993, pág. 268: “É no desrespeito ou desatenção do agente por esta advertência que o legislador vê fundamento para uma maior censura e portanto para uma culpa agravada relativa ao facto cometido pelo reincidente. É nele, por conseguinte, que reside o lídimo pressuposto material - no sentido de “substancial”, mas também no sentido de pressuposto de funcionamento “não automático”- da reincidência”.
No caso sub-judice é certo e evidente que o arguido não é primário.
No entanto, as suas condenações anteriores revestem natureza diversa, em termos dos bens jurídicos protegidos, porquanto se reportam essencialmente a crimes de furtos, sendo certa e diversa a natureza do crime em causa nos presentes autos que ainda não constava do elenco do passado criminal do arguido.
Para além disso, este crime posteriormente cometido e em apreciação nos presentes autos traduz, quanto a nós, apenas a mera pluri-ocasionalidade, não se podendo concluir sem mais como sendo revelador da reincidência.
Só por si, a prática deste crime, não revela uma total indiferença do arguido perante as normas e o Direito, que de todo não ficou comprovada e foi genericamente e conclusivamente alegada na acusação, sem suporte fáctico bastante, e ainda mais, que as condenações anteriores e o cumprimento actual de pena de prisão efectiva não foram bastantes para o afastar da criminalidade.
Não podemos pois, concluir, pela verificação da agravação da reincidência.
Nos termos do preceituado no n.º 2 do artigo 40.º, a culpa é um pressuposto irrenunciável e um limite inultrapassável da aplicação de uma pena. De facto, não há pena sem culpa e, jamais, a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
Acompanhando o Professor Figueiredo Dias, in “As consequências jurídicas do crime”, Coimbra, 1988, pag. 279 e ss., diríamos que a prevenção geral positiva fornece uma moldura de prevenção, em que o limite máximo expressa a medida óptima de tutela dos bens jurídicos, ainda consentida pela culpa, e o limiar mínimo, aquele abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação de uma pena, sem se pôr em causa a defesa dos bens jurídico.
Prosseguindo o citado Autor, “Entendemos que a medida da pena a encontrar terá como limite máximo e inultrapassável aquela que corresponder à culpa de cada agente, visando-se primordialmente a tutela das expectativas da comunidade que confia na manutenção da norma jurídica violada, procurando-se sempre a reinserção dos agentes na sociedade”.
Nos termos do artigo 71.º, a determinação da medida da pena aplicável tem como critérios a culpa do agente e as exigências de prevenção, com as funções definidas segundo a chamada teoria da moldura da prevenção ou da defesa do ordenamento jurídico.
À prevenção geral de integração cabe fornecer o seu limite mínimo da moldura, sendo certo que esta terá como um limite superior o ponto óptimo de protecção dos bens jurídicos e como inferior o ponto abaixo do qual já não é comunitariamente suportável a fixação da pena sem pôr em causa a função tutelar inerente à mesma.
Já a culpa, entendida em sentido material e referida à personalidade do agente expressa no facto, surge como limite inultrapassável de toda e qualquer consideração preventiva.
Ora, dentro desses limites caberá à prevenção especial a determinação da medida concreta da pena, atendendo-se pois às possibilidades de socialização do agente, sendo certo que, quando esta em concreto, não for possível, relevará a função de intimidação.
Concretizando de uma outra forma, à luz do disposto no citado artigo 71.º, na determinação da medida concreta da pena ter-se-ão em conta, dentro dos limites abstractos definidos na lei, todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o arguido; fixando-se o limite máximo de acordo com a culpa, o limite mínimo de acordo com as exigências de prevenção geral; e, a pena a aplicar, dentro da moldura penal assim conseguida, de acordo com as exigências de prevenção especial que ao caso convenham.
No sobredito normativo pode, então, ler-se: “1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. 2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.”
Dentro desta moldura de prevenção geral actuam as exigências de prevenção especial sentidas no caso, tendo como função a socialização do agente e a sua reintegração social.
Ora, o crime é o de tráfico de estupefacientes e sobre o mesmo a Resolução do Conselho de Ministros n.º 46/99, de 26 de Maio que aprovou a estratégia nacional de luta contra a droga, fixou como um dos objectivos primordiais o reforço do combate ao tráfico, aliás, como opção estratégica fundamental para Portugal. E acrescentou que “as dramáticas consequências do tenebroso negócio do tráfico ilícito de drogas, empreendido tantas vezes por verdadeiras organizações criminosas, e que atinge não apenas a vida dos jovens mas também a vida das famílias e a saúde e a segurança da comunidade, são de tal modo chocantes que se torna um imperativo mobilizar todos os esforços para combater o tráfico com redobrada determinação. No caso de Portugal, esse combate é particularmente difícil em razão da nossa extensa costa marítima, a que se junta a eliminação dos controlos fronteiriços internos no quadro do processo de integração europeia”.
Do que se extrai e adianta serem bastante elevadas as necessidades de prevenção geral com que nos deparamos. Está em causa a prática de um crime que se considera com toda a propriedade um dos flagelos dos tempos que correm.
Mas a dimensão da ilicitude dos crimes de tráfico de estupefacientes que impõem este primado das finalidades de prevenção geral tem que estar conformada com a situação concreta, mormente pelas variadas formulações objectivas e subjectivas da concreta actividade que está aqui em causa.
Podemos desde já adiantar que inexistem quaisquer circunstâncias que em concreto permitam uma atenuação especial da moldura prevista para o crime em questão. Com efeito, o arguidoAA admitiu os factos, mas, admitiu o que diremos ser óbvio pois que foi encontrada na sua posse a droga apreendida e não o poderia negar, perante a evidência e o flagrante.
A pena a impor ao arguido deverá servir as finalidades exclusivas de prevenção geral já evidenciadas e especial.
Na situação vertente, no que concerne ao crime previsto no artigo 21.º, nº 1, do Decreto-Lei n.º 15/93 de 22.01, em cuja prática concluímos ter incorrido o arguido, deveremos ponderar desde logo a elevada ilicitude dos factos, aferindo-se o desvalor da acção pelo fim da acção criminosa, desde logo pela quantidade de produto estupefaciente apreendido - cannabis (resina), com o peso líquido de 94,440 - que não sendo de uma quantidade avultada, tem já algum significado, passível de propiciar inúmeros consumos (109 doses).
Sem olvidar os já relevantes antecedentes criminais do arguido, ainda que por crimes de natureza distinta do que analisamos agora há ainda que atentar na circunstância de os factos em apreço terem sido praticados pelo arguido no interior do estabelecimento prisional e a descrita actuação do arguido ser susceptível de perturbação do processo de ressocialização dos reclusos e de grave transtorno da ordem e organização dos estabelecimentos prisionais.
A sua conduta era pois potenciadora de colocar em perigo a vida e a integridade física de várias pessoas, de agravar o sofrimento moral e físico dos toxicodependentes e das famílias destes, ameaçando igualmente a segurança da sociedade.
Donde, não pode deixar de ser considerada forte censurabilidade do acto do tráfico, in casu, através pelo menos da sua detenção num estabelecimento prisional.
Acresce que no decurso da execução das penas de prisão que cumpre foi o arguido alvo de sete sanções disciplinares, três das quais por posse de produto estupefaciente.
Por sua vez, o arguido está em cumprimento de sucessivas penas de prisão desde há algum tempo a que de todo não podemos ficar alheios. E foi aliás em cumprimento destas penas de prisão que o arguido cometeu este ilícito.
Em seu desfavor há por último a ponderar a sua frágil inserção social e profissional evidenciada no seu relatório social, pese embora possua alguma retaguarda familiar.
O que nos leva a concluir pela verificação de elevadas exigências de prevenção especial.
Por tudo o exposto, temos por inteiramente adequado, proporcional e justo, considerando a respectiva moldura abstracta aplicável, e tendo em conta ainda as exigências de prevenção geral e especial, cominar o arguido com a pena de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão.»
*
Conforme jurisprudência pacífica, as conclusões delimitam, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, os poderes de cognição do Tribunal de recurso (art. 412.º, n.º 1, CPP; v. BMJ 473, pág. 316; jurisprudência do STJ referenciada no Ac. RC de 21/1/2009, Proc. 45/05.4TAFIG.C2, Rel. Gabriel Catarino; Acs. STJ de 25/3/2009, Proc. 09P0486, Rel. Fernando Fróis; de 23/11/2010, Proc. 93/10.2TCPRT.S1, Rel. Raul Borges; de 28/4/2016, Proc. 252/14.9JACBR., Rel. Manuel Augusto de Matos).
As questões levantadas nas conclusões do recurso resumem-se no seguinte:
«confissão do arguido, a sua não condenação anterior por tráfico de estupefacientes, a diminuta quantidade de estupefacientes que foi apreendida e a simplicidade do modus operandi».
Contrariamente ao que se escreve, certamente por lapso, quer na Resposta do MP do tribunal a quo, quer no Parecer do Ex.mo PGA na Relação do ....., atrás transcritos, o recorrente pede que a pena lhe seja reduzida para o mínimo legal de 4 anos, mas não se refere, em lado algum da sua motivação, à eventual suspensão da execução da pena.
• Relativamente à confissão, a mesma não assume relevo digno de nota, dado que o estupefaciente foi encontrado em seu poder na sequência de uma revista.
E a decisão em crise tomou a mesma em consideração, escrevendo nomeadamente que:
«Das declarações do arguido resultou a confissão da factualidade integrante da acusação pública, sendo que este, recluso no Estabelecimento Prisional do ....., sito em C..... Matosinhos, admitiu que nas circunstâncias espácio-temporais ali narradas, foi-lhe efectuada a revista que culminou com a apreensão do produto estupefaciente aludido na acusação, isto é, 94,440 gramas de canábis resina.
Mais esclareceu que tal produto, que lhe foi entregue na visita por pessoa que não identificou, destinava-se a ser entregue a terceiros, revelando que tinha conhecimento e plena consciência quanto à natureza estupefaciente do produto encontrado. No que concerne ao seu próprio consumo, adiantou quanto a tal aspecto, que já não consome há cerca quatro ou cinco meses.
(…)
Podemos desde já adiantar que inexistem quaisquer circunstâncias que em concreto permitam uma atenuação especial da moldura prevista para o crime em questão. Com efeito, o
arguidoAA admitiu os factos, mas, admitiu o que diremos ser óbvio pois que foi encontrada na sua posse a droga apreendida e não o poderia negar, perante a evidência e o flagrante.».
•Igualmente no que diz respeito à ausência de condenação anterior por crime de tráfico.
Tal como a ausência de antecedentes criminais não constitui facto atenuativo de relevo[1], e no caso em concreto o recorrente tem várias condenações pela prática de crimes de furto e furto qualificado, também a ausência de condenação anterior por crime de tráfico não tem a virtualidade de fazer descer a pena aplicada.
•A alegada simplicidade do modus operandi é muito relativa, dado que o arguido transportava a droga dissimulada na perneira das calças (v. n.º 4 da matéria de facto provada.
• Do mesmo modo, não se pode defender (nos autos estão em causa 94,44ºgramas de cannabis-resina) que estejamos perante uma «diminuta quantidade de estupefacientes», que nos parece remeter para o tipo privilegiado do art. 24.º no DL 430/83-tráfico de quantidades diminutas[2]. Como considerou a decisão recorrida, «não sendo uma quantidade avultada, tem já algum significado, passível de propiciar inúmeros consumos (109 doses)»
Aliás, a quantidade de estupefaciente apreendida, por não ser muito significativa, já serviu, além do mais, para o Tribunal a quo desqualificar o crime que era imputado ao arguido: de tráfico agravado da alínea h) do art. 24 do DL 15/93, para o crime de tráfico do art. 21.º do mesmo diploma.
Estamos perante um crime de tráfico de estupefacientes (art. 21.º n.º 1 do DL 15/93).
O bem jurídico protegido neste tipo de crime é múltiplo, sendo igualmente um crime de perigo abstracto, conforme bem se explicita no clássico Ac. TC 426/91, DR II S. de 27/4/1992 e no BMJ 411, pág. 56 e ss., no Ac. STJ 24/11/1999, BMJ 491, pág. 88 e, mais recentemente, v.g., nos Ac. STJ de 9/5/2012, Proc. 202/11.4JELSB.S1, Rel. Raul Borges; idem, Ac. STJ de 2/10/2014, Proc. 45/12.8SWSLB.S1, Rel. Helena Moniz.
O STJ nem sempre teve a mesma posição relativamente ao tráfico de estupefacientes.
Inicialmente teve uma posição mais rígida (v. anotações no BMJ 491, pág. 100, 498, pág. 64 e 499, pág. 121).
Com o Ac. STJ de 24/11/1999, BMJ 491, pág. 88 e ss., desenha-se uma maior flexibilidade na apreciação dos pressupostos do art. 25.º do DL 15/93 (tráfico de menor gravidade; na década de 1990, pode ver-se uma listagem de arestos do STJ sobre o tráfico de estupefacientes de menor gravidade, na anotação no BMJ 469, pág. 188).
E distingue também o tráfico, para efeitos de ilicitude, em pequeno, médio e grande (Ac. STJ de 12/10/2000, Proc. 00P170, Rel. Oliveira Guimarães).
Este Supremo Tribunal tem, igualmente, considerado prementes as necessidades de prevenção neste tipo de crime, bem expressas no Acs. STJ 9/4/2015, Proc. 147/14.6JELSB.L1.S1, Rel. João Silva Miguel, onde se escreve que: «As necessidades de prevenção geral neste tipo de infracção são muito elevadas, tendo em conta, em especial, o bem jurídico violado com o crime em causa, o alarme social e insegurança que gera, bem como às consequências gravosas para a comunidade, nomeadamente ao nível da saúde pública e onde o sentimento jurídico da comunidade apela à irradicação «do tráfico de estupefacientes destruidor de filhos e famílias» e «anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas». Premência salientada, também, entre muitos outros, nos Ac. STJ de 13/1/2011, Proc. 369/09.1JELSB.L1.S1, Rel. Henriques Gaspar, de 29/6/2011, Proc. 1878/10.5JAPRT.S1 e de 9/5/2012, Proc. 202/11.4JELSB.S1, ambos Rel. Raul Borges, de 29/4/2015, Proc. 47/13.7PAPBL.C1.S1, Rel. Isabel P. Martins, de 18/6/2015, Proc. 270/09.9GBVVD.S1, Rel. Souto de Moura, de 6/4/2016, Proc. 73/13.6PEVIS.S1, Rel. Santos Cabral.
Com estes parâmetros, cumpre-nos avançar na análise do caso presente.
Relativamente à medida da pena há que atentar no disposto nos artigos 40.º e 71.º do Código Penal a seguir transcritos:
Artigo 40.º
Finalidades das penas e das medidas de segurança
1 - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade.
2 - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.
3 - A medida de segurança só pode ser aplicada se for proporcionada à gravidade do facto e à perigosidade do agente.
Artigo 71.º
Determinação da medida da pena
1 - A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.
2 - Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente:
a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente;
b) A intensidade do dolo ou da negligência;
c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram;
d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica;
e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime;
f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.
3 - Na sentença são expressamente referidos os fundamentos da medida da pena.
O art. 40.º do do CP constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins da penas «só podem ter natureza preventiva—seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa--, não natureza retributiva.»[3]
A medida da pena há-se encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos arts. 40.º e 71.º[4] através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift.[5]
Conforme ensina o Prof. Jorge de Figueiredo Dias (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas, Editorial Notícias, 1993, pág. 198), «a determinação definitiva da pena é alcançada pelo juiz da causa através de um procedimento que decorre em três fases distintas: na primeira, o juiz investiga e determina a moldura penal (dita também medida legal ou abstracta da pena) aplicável ao caso; na segunda, o juiz investiga e determina a medida concreta (dita também judicial ou individual) da pena que vai aplicar; na terceira—como veremos, não necessariamente posterior, de um ponto de vista cronológico, à segunda--, o juiz escolhe-se (dentre as penas postas à sua disposição no caso, através dos mecanismos das «penas alternativas» ou das «penas de substituição») a espécie de pena que, efectivamente, deve ser cumprida.»
De acordo com a decisão em crise, são «bastante elevadas as necessidades de prevenção geral», bem como «forte censurabilidade do acto de tráfico», a que acresce a circunstância de os «factos terem sido praticados pelo arguido no interior do estabelecimento prisional», no qual o arguido já foi alvo de sete sanções disciplinares, três das quais por posse de produto estupefaciente.
Considera-se, por isso, ajustada a pena que foi aplicada ao arguido [5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão] pelo tribunal a quo.
III DECISÃO
Atento o exposto, os Juízes desta 3.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça acordam em:
Julgar improcedente o recurso do arguido AA, confirmando o aresto recorrido.
Custas pelo recorrente, fixando-se a taxa de justiça em 5 UC (artigo 8.º, n.º 9 e Tabela III anexa ao RCP—DL 34/2008, de 26/2, na redacção do DL 52/2011, de 11 de 13 de Abril).
Supremo Tribunal de Justiça, 17 de Outubro de 2018
Vinício Ribeiro (relator)
Fernando Samões
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[1] Cfr. Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 21/10. 5GACUB.E1.S1, Rel. Raul Borges e elementos no mesmo referenciados
[2] Sobre a vasta jurisprudência do STJ acerca do conceito de quantidade diminuta, cfr. anotações no BMJ 436 (1994), pág. 209 e 440 (1994), pág. 338-339.
[3] Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, pág. 104.
[4] Sobre o historial do art. 71.º do CP, cfr. o cit. Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 21/10.5GACUB.E1.S1, Rel. Raul Borges.
[5] Cit. por Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, pág. 148.