Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
39/15.1PAOLH-F.S1
Nº Convencional: 3ª SECÇÃO
Relator: CONCEIÇÃO GOMES
Descritores: CÚMULO JURÍDICO
CONHECIMENTO SUPERVENIENTE
PENA ÚNICA
MEDIDA CONCRETA DA PENA
Data do Acordão: 02/13/2019
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Área Temática:
DIREITO PENAL – CONSEQUÊNCIAS JURÍDICAS DO FACTO / ESCOLHA E MEDIDA DA PENA / PUNIÇÃO DO CONCURSO DE CRIMES.
Doutrina:
- Cristina Líbano Monteiro, Anotação ao Acórdão do STJ de 12-07-2005;
- Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Ed. 199, p. 290 a 291, 241 a 244 ; A Pena Unitária do Concurso de Crimes, RPCC, Ano 16.º, n.º 1, p. 162 e ss..
Legislação Nacional:
CÓDIGO PENAL (CP): - ARTIGO 77.º, N.º 1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:


- DE 27-01-2016, PROCESSO N.º 178/12.0PAPBL.S2, IN WWW.DGSI.PT.
Sumário :

I - Quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.
II - À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.
III - Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).
IV - Estando em concurso a prática pelo arguido de 1 crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, 2 crimes de resistência e coacção sobre funcionário, crime de tráfico de estupefacientes e 1 crime de detenção de arma proibida, partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre 6 anos e 6 meses e 13 anos e 5 meses de prisão, atendendo ao critério e princípios supra enunciados, designadamente a consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, procedendo ao cúmulo jurídico, das penas parcelares nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada a pena única de 9 anos de prisão (em detrimento da pena de 9 anos de prisão aplicada em 1.ª instância).

Decisão Texto Integral:

Acordam, na 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

1. RELATÓRIO
1.1. No Juízo Central Criminal de ... – Juiz ... – no processo comum com intervenção do tribunal coletivo o arguido AA, filho de ... e de ..., nascido a ... de 1985, natural da freguesia de ..., concelho de [...], e atualmente em cumprimento de pena no Estabelecimento Prisional de Vale de Judeus, por acórdão de 27SET18, foi condenado na pena única de 10 (dez) anos de prisão, em cúmulo jurídico das penas parcelares aplicadas no âmbito deste processo e no processo 583/14.8 GELLE.

1.2. Inconformado com o acórdão dele interpôs recurso o arguido que motivou, concluindo nos seguintes termos: (transcrição):
1. O presente Recurso tem por Objecto a Determinação da Medida Concreta da Pena do Concurso e a excessiva Medida da Pena Conjunta aplicada ao Recorrente.
2. O Tribunal a quo através do Julgamento da matéria que lhe foi dada apreciar em sede de Processo de Cúmulo Jurídico aplicou uma Pena Única que, em face do lastro existencial e criminal do Recorrente, é manifestamente exagerada, porque não sopesou com a acuidade necessária os elementos imprescindíveis a esse apuramento.
3. Encontra-se consagrado na Lei um Critério para o apuramento da Pena Única em situações de Cúmulo Jurídico que passa pela consideração, global, dos Factos praticados pelo Recorrente e da sua Personalidade. No entanto são apontados pela melhor Jurisprudência dos Tribunais Superiores - com o propósito último de se alcançar uma Pena mais Proporcional, Adequada e Justa ao caso concreto - directrizes que, acrescendo àqueloutras, se poderão agrupar no conjunto que compreende os Factos, a Personalidade do Agente, as Razões de Prevenção Especial e um Critério Aritmético.
4. Ora acontece que o Tribunal a quo ao aplicar dez (10) anos de Prisão ao Recorrente como Pena Única deu mostras de, nesse Juízo, ter descurado as referidas directrizes e critério a que se encontrava legal e jurisprudencialmente submetido.
5. O que faz com que o Tribunal a quo, no Acórdão Recorrido, tenha apreciado mal a matéria que lhe foi submetida julgar, encontrando-se por isso inquinado de um vício que o afecta de morte e implica que a sua Decisão tenha, necessariamente, de ser rectificada e escrutinada por patamar jurisdicional superior, por ter logrado efectuar uma desacertada determinação da Medida Concreta da Pena do Concurso.
6. No que respeita à exigência normativa, inserta nos Artigos 71.º e 77.º do Código Penal e Artigos 124.º N.º 1 e 127.º do Código de Processo Penal, tenham os Colendos Conselheiros presente que o Recorrente reúne, exuberantemente, os argumentos suficientes e necessários para que a Pena Única que lhe foi aplicada ficasse bem aquém dos dez anos de prisão.
7. Da factualidade submetida a Processo de Cúmulo Jurídico decorre que os Bens Jurídicos afectados e colocados em risco com cada uma das condutas do Recorrente, nesses dois Processos, respeitam a Valores que não a Vida ou Integridade Física, estes sim, Bens Supremos de salvaguarda e protecção máxima no nosso Ordenamento Jurídico.
8. Os Bens Jurídicos afectados e colocados em risco com as condutas do Recorrente foram, como os Colendos Conselheiros melhor sabem, no caso da Injuria a honra e a consideração pessoal, no caso da Resistência e Coacção sobre Funcionário o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade e a liberdade de actuação do seu Funcionário, no caso da Detenção de Arma Proibida a Segurança da Comunidade face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas, no caso do Tráfico de Estupefacientes abstractamente a Saúde Pública e no caso da Tentativa de Ofensa à Integridade Física Qualificada, in concreto, inexistiu qualquer lesão objectiva de bens jurídicos.
9. Acresce que os factos inerentes a cada um destes Processos se compreendem num hiato temporal de menos de dois anos, in casu, entre Agosto de 2014 e Julho de 2016, com efeito, considerados de forma isolada, os Ilícitos perpetrados pelo Recorrente foram praticados quase de modo simultâneo e concomitante uns com os outros, transparecendo a imagem, que poderá ser interpretada como se de apenas um Crime ou Resolução Criminosa se tratasse. Mais se diga que o Recorrente em todos estes Processos retractou-se perante os Ofendidos pedindo-lhes desculpa em Audiência de Julgamento e prestou Declarações em Audiência de Julgamento antes da Produção de Prova que suportava a querela do Ministério Público e assumiu, com sincero e manifesto arrependimento, a prática desses factos.
10. Por conseguinte, escalpelizada cada uma das factualidades, de cada um dos processos, impunha-se, efectuar um enquadramento geral dos factos a favor do decréscimo do quantum da Pena Conjunta a aplicar ao Recorrente, o que o Tribunal a quo não fez.
11. Quanto à Personalidade do Agente, como refere o Senhor Conselheiro António Rodrigues da Costa, “Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detectar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da actuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e a “culpa pelos factos em relação”, acrescentando este Insigne Jurista que, “Na avaliação desta personalidade unitária do agente, releva, sobretudo «a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma “carreira”) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.”
12. Por conseguinte, resulta a bem de ver que as factualidades constantes dos Processos submetidos a Cúmulo Jurídico são, em decorrência do período de tempo em que foram praticadas, facilmente reconduzíveis a uma situação de “pluriocasionalidade que não radica na personalidade”, mas sim na vivência de um momento menos positivo da existência do Recorrente.
13. Ademais, como destacou em parte o Distinto Tribunal a quo no teor do Acórdão Recorrido, que o Recorrente:
“ (…) O arguido é um de cinco filhos de um casal de modesta condição económica.
- Cresceu inserido no agregado familiar de origem, num quotidiano marcado por acentuada precariedade económica na sequência dos problemas de saúde mental do progenitor, que viria a ficar incapacitado para qualquer trabalho, ficando a mãe responsável pelo sustento familiar.
- Devido ao comportamento agressivo do progenitor, AA evidenciou instabilidade emocional e sentimentos de forte revolta, o que determinou que tivesse acompanhamento psicológico entre os sete e os dez anos de idade. (…)
- Com catorze anos foi encaminhado para o Centro Educativo ..., onde permaneceu até aos dezasseis anos de idade e onde concluiu alguns cursos de formação profissional e o 2.º ciclo do ensino recorrente. (…)
- Efetuou inscrição no centro de emprego da zona residencial, sendo que mais tarde, através de conhecidos, iniciou atividade laboral na apanha do marisco, com recurso a uma embarcação que adquiriu para o efeito.
- Antes de ser preso preventivamente à ordem do processo 39/15.1 PAOLH o arguido vivia com a namorada em habitação arrendada na cidade de Olhão.
- Em meio prisional AA evidenciou inicialmente evolução no que se refere ao controlo da sua impulsividade, mantendo bom comportamento e reconhecendo a necessidade de evoluir ao nível da interiorização do desvalor da conduta e de aderir a um processo de mudança efetivo compatível com as normas sociais vigentes. (…)”
“(…) Não se descura que após a prisão preventiva à ordem deste processo o arguido revelou maior controlo da impulsividade e bom comportamento em meio prisional, todavia, já no decurso do ano de 2018 foi alvo de uma medida disciplinar no estabelecimento prisional, revelando, deste modo, que pouco terá mudado em termos de personalidade.(…)”,
14. Motivos pelos quais, como bem refere o Ilustre Conselheiro António Rodrigues da Costa, será descabido, in casu, “…atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta.”
15. Acerca das Razões de Prevenção (Geral e Especial), seguindo de perto os ensinamentos do Insigne Conselheiro, há que não descurar que “Na determinação da medida concreta da pena conjunta dentro da moldura penal abstracta, os critérios gerais de fixação da pena, segundo os parâmetros indicados – culpa e prevenção – contidos no art. 71.º do CP, servem apenas de guia para essa operação de fixação da pena conjunta, pois os mesmos não podem ser valorados novamente sob pena de se infringir o princípio da proibição da dupla valoração, a menos que tais factores tenham um alcance diferente enquanto referidos à totalidade de crimes.”
16. Com efeito, nesta parte, o importante a apurar serão, de facto, as Exigências de Prevenção Especial de Socialização do Recorrente, isto é, o efeito previsível da Pena sobre o comportamento futuro daquele, sob prejuízo - se se considerar as Exigências de Prevenção Geral já aferidas em cada um dos Processos em que foi condenado - de se estar a valorar duplamente, contra si, essa Exigência.
17. No entanto, à revelia desse entendimento e contra o que a Lei preceitua no Artigo 77.º do Código Penal e é decorrência da melhor prática judiciária na aferição da Pena Conjunta, foi o que o Tribunal a quo efectuou, valorando duplamente as Exigências de Prevenção Geral de cada um dos Ilícitos: uma primeira vez quando o Recorrente foi condenado em cada um daqueles dois Processos e, depois, em sede de Julgamento do Cúmulo Jurídico.
18. A respeito daquilo que acima denominámos de Critério Aritmético de aferição da Pena Conjunta, há que dizê-lo, a Jurisprudência, pese embora não se apresente unânime nesta matéria, acolhe, diremos que em maioria, a utilização deste critério em complemento racional dos anteriores, inclusive a Jurisprudência de 1.ª Instância, conforme ressalta, ainda que a contrario, do teor do próprio Acórdão Recorrido.
19. Como os Colendos Conselheiros melhor sabem, esta prática Jurisprudencial de aferição da Pena Conjunta mediante a utilização de um Critério Aritmético consiste em agravar a Pena do Concurso juntando à Pena Parcelar mais grave uma dada fracção, por norma de 1/3 das restantes Penas Parcelares, mas que poderá ir até 1/8 no caso do número de crimes ser muito elevado ou as penas em concurso serem muito graves.
20. Na verdade, as factualidades pelas quais o Recorrente foi condenado, em cada um dos referidos Processos, são caracterizantes de um tipo de criminalidade que jamais se poderá considerar de muito grave, serão, ao invés disso, susceptíveis de se situarem, num patamar sancionatório intermédio, entre a pequena e a média criminalidade.
21. Deste modo, estabelecendo-se uma concordância prática entre as exigências legais e o Principio da Igualdade da Aplicação das Penas, in casu, deveriam as Penas Parcelares aplicadas ao Recorrente terem sido agravadas apenas em 1/5 ou, quanto muito, em 1/4 dos seus valores, e nunca para lá de 1/2 como ocorreu.
22. O que objectivamente se traduz numa Pena Conjunta entre os sete (07) anos e dez (10) meses e os oito (08) anos e quatro (04) meses de Prisão. Quantuns muitíssimo mais Justos, comedidos e bem afastados dos dez (10) anos de prisão que foram aplicados ao Recorrente, pelo Tribunal a quo, no Douto Acórdão Recorrido.
23. Deste modo acredita-se que outra Pena em concreto mais benévola, logo mais Justa, será a adequada a satisfazer as premissas de tutela que o caso concreto reivindica, não se frustrando a Justiça com isso, antes pelo contrário, será ela sem qualquer dúvida a sua grande vencedora!
24. Razão pela qual o Recorrente discorda da dosimetria da Pena que lhe foi aplicada, e pugna, no essencial, por outra mais adequada aos critérios de Justiça que o caso em concreto reclama, nomeadamente uma Pena Conjunta de sete (07) anos e dez (10) meses de Prisão ou, na pior das hipóteses, entre os sete (07) anos e dez (10) meses e os oito (08) anos e quatro (04) meses de Prisão.

Nestes termos, nos melhores e demais de Direito que os Colendos Conselheiros do Supremo Tribunal de Justiça suprirão, deve o presente Recurso do Recorrente AA obter Provimento e, em consequência, ser Alterada a Medida Concreta da Pena Conjunta do Cúmulo Jurídico, dos supramencionados Processos, para uma Pena de Sete (07) anos e Dez (10) meses de Prisão.

Ou, ainda que assim não seja, se considere por Alterada essa Medida da Pena Conjunta para uma Pena que se situe entre os sete (07) anos e dez (10) meses e os oito (08) anos e quatro (04) meses de Prisão.

Desse modo, farão V/Ex.ªs a Costumada e Inolvidável Justiça que Vos rotula!».

1.3. Na 1ª Instância houve Resposta do Ministério Público, o qual se pronunciou pela improcedência do recurso, concluindo nos seguintes termos:
«1. O arguido foi condenado precisamente no meio entre os limites mínimo e máximo abstratamente aplicáveis;
2. E pese embora os factos relativos a estes autos não atentem de forma direta contra o bem jurídico vida ou integridade física, para além da repetição de novo crime de resistência e coação sobre funcionário, o crime de tráfico de estupefacientes não se fica, em termos de consequências, pelo ataque à saúde pública, o que por si só já é bastante grave, pois que são afetadas muitas pessoas, em particular os familiares dos consumidores, e muitas das vezes são desestruturadas famílias, sem esquecer os crimes associados à atividade do tráfico e consumo, como são o caso dos furtos e dos roubos;
3. E conforme assinala o tribunal há que ter em conta o modo de execução dos factos e a gravidade das suas consequências. Releva igualmente o período de tempo em que os factos ocorreram e o passado criminal do arguido, que revela um percurso crescente em termos de gravidade dos ilícitos praticados, bem como a sua personalidade e percurso de vida, inexistindo fatores de proteção que permitam concluir que foram situações isoladas na vida do arguido. Pelo contrário, mesmo após o cumprimento de penas de prisão efetivas, o arguido manteve um modo de vida ocioso, associado a comportamentos ilícitos e de cada vez maior gravidade;
4. Quanto às exigências de prevenção geral, a comunidade, em particular as pessoas lesadas, reclamam uma necessidade muito forte assente na coesão comunitária e pela tutela dos bens jurídicos que as normas visam proteger para assegurar um quotidiano sem perturbação daquela mesma sociedade;
5. Quanto às necessidades de prevenção especial, as mesmas são muito fortes, atendendo à persistência do arguido em cometer crimes, mesmo após já ter cumprido pena de prisão, sendo que os novos são do ponto de vista da moldura penal máxima abstratamente aplicável, mais graves;
6. Como sobressai do Acórdão 62/10.02.PEBRR.S1, datado de 26-20-2011, desse STJ, (…) No caso de concurso de crimes, com a fixação da pena conjunta pretende sancionar-se o agente, não só pelos factos individualmente considerados, mas também e especialmente pelo respetivo conjunto, não como mero somatório de factos criminosos, mas enquanto revelador da dimensão e gravidade global do comportamento delituoso do agente, visto que a lei manda que se considere e pondere, em conjunto (e não unitariamente), os factos e a personalidade do agente;
7. Deste modo, entende-se que a pena de 10 anos de prisão fixada no cúmulo jurídico realizada se mostra ajustada e adequada obedecendo aos princípios da necessidade e proporcionalidade;
8. Assim, entende-se que não foram violados preceitos legais, designadamente os apontados artigos 71º e 77º, ambos do Código Penal.
Em face do exposto, entende-se que sendo improcedente o recurso se fará JUSTIÇA».

1.4. Neste Tribunal a Exmª Procuradora-Geral Adjunta emitiu Parecer no sentido da improcedência do recurso nos seguintes termos:

«1 – O Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal da Comarca de ... procedeu a sessão de julgamento para cúmulo jurídico das penas aplicadas nos autos principais a que este se reporta e no proc. 583/14.8GELLE ao arguido AA, condenando-o na pena única de 10 anos de prisão, por Ac. de 27.09.2018.

2 – Insatisfeito, recorreu o arguido para este Supremo Tribunal, em tempo e com legitimidade.

O MP respondeu, também em tempo e com legitimidade.

O recurso foi admitido com o efeito e modo de subida devidos, embora tenha acabado por subir em separado (cfr. despacho de fls. 3172).

3 – O recorrente não requereu audiência.

4 – O recorrente discute exclusivamente a medida da pena aplicada que considera excessiva, porque “não sopesou a acuidade necessária os elementos imprescindíveis a esse apuramento”; pugnando por uma pena conjunta que se fixe entre os 7 anos e 10 meses e os 8 anos e 4 meses de prisão.

5 – O MP respondeu, defendendo a justeza da pena única de 10 anos de prisão em que foi o recorrente condenado e que se fixou precisamente a meio dos limites mínimo e máximo aplicáveis, 6 anos e 6 meses e 13 anos e 5 meses, respectivamente.

6 – O recurso do arguido não merece provimento.

Dando aqui por reproduzida, com a devida vénia, a resposta do MP, que acompanhamos, oferece-nos tão só sublinhar dos factos dados como provados, a factualidade sob os nºs 18 a 22 e 26.

O arguido manteve um tipo de vida errático, acompanhando indivíduos conotados com prática socialmente desajustadas e, já em prisão preventiva, cumpriu medida disciplinar de 10 dias de permanência obrigatória em alojamento.

Antes, no decurso da execução da pena fixada no âmbito do proc. 455/02.9PAOLH, registara um comportamento institucional imaturo e desajustado, não tendo beneficiado de medidas de flexibilização da pena.

No proc. 583/14.8GELLE, que integra o cúmulo jurídico ora sub judice, o arguido foi condenado, pela prática de, para além do crime de injúria, um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada e de um crime de resistência e coação sobre funcionário.

Nos autos 39/15.1PAOLH-F, que integram também o cúmulo jurídico em causa, foi o arguido condenado pela prática de, para além do crime de tráfico de estupefaciente, 1 crime de resistência e coação sobre funcionaria e de um crime de detenção de arma proibida.

Obviamente, todos estes crimes e circunstancialismo da prática dos mesmos foram já devidamente ponderados nas respectivas penas concretas aplicadas, mas, do seu todo, resulta que o arguido tem uma personalidade propensa à violência contra as pessoas que importa atentar em sede de prevenção especial.

3.1. Nos termos do art. 77º, nº 3, do CP, a pena única há-de ser fixada entre o mínimo de 6 anos e 6 meses e o máximo de 13 anos e 5 meses de prisão.

Escreve Figueiredo Dias, que: “devem ser tidos em conta os critérios gerais da medida da pena contidos no art. 71º - exigências gerais de culpa e prevenção – e o critério especial dado pelo nº 1 do art. 77º: «Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente».

Sobre o modo de levar à prática estes critérios, diz este autor: “Tudo deve passar-se (...) como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique, Na avaliação da personalidade - unitária - do agente relevará, sobretudo a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma «carreira») criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido a atribuir à pluralidade de crimes um efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização)”.

Considera ainda que à questão de saber se “factores de medida das penas parcelares podem ou não, perante o princípio da proibição da dupla valoração ser de novo considerados na medida da pena conjunta” se impõe, “em princípio”, uma resposta negativa, Mas faz notar que “aquilo que à primeira vista poderá parecer o mesmo factor concreto, verdadeiramente não o será consoante seja referido a um dos factos singulares ou ao conjunto deles: nesta medida não haverá fundamento para invocar a proibição da dupla valoração” (Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Reimpressão, 2005, paginas 291 e 292). (…)”.

A favor do arguido não se provaram factos particularmente relevantes, que imponham a diminuição da culpa. A intensidade da ilicitude é elevada e a apreciação global dos factos criminosos praticados pelo ora recorrente é grave.

Não merece provimento o recurso do arguido.

4 - Pelo exposto, emite-se parecer no sentido da improcedência do recurso interposto pelo arguido AA, assim se confirmando a decisão recorrida».
1.5. Foi cumprido o art. 417º, do CPP.
1.6. Foram colhidos os Vistos legais, e não tendo sido requerida audiência, seguiu o processo para conferência.

***
2. FUNDAMENTAÇÃO
2.1. No acórdão recorrido foram dados como provados os seguintes factos:
Factos Provados

As condenações sofridas pelo arguido
1. Por decisão de 29 de janeiro de 2004, transitada em julgado no dia 16 de fevereiro de 2004, proferida no âmbito do processo 455/02.9 PAOLH, do extinto 3.º Juízo do Tribunal Judicial de ..., foi o arguido condenado pela prática de um crime de ameaça ocorrido a 4 de maio de 2002, de um crime de roubo, ocorrido a 22 de março de 2002, de um crime de roubo ocorrido a 13 de maio de 2002, um crime de roubo, ocorrido a 19 de maio de 2002, de um crime de ofensa à integridade física qualificada, ocorrido em 19 de maio de 2002, de um crime de resistência e coação sobre funcionário ocorrido em 19 de maio de 2002, de um crime de injúria, ocorrido no dia 19 de maio de 2002, e um crime de condução sem habilitação legal, ocorrido no dia 19 de fevereiro de 2002, na pena única de cinco anos de prisão.
2. Por decisão de 29 de novembro de 2004, transitada em julgado a 13 de dezembro de 2004, proferida no âmbito do processo 749/02.3 PBFAR, do extinto 2.º Juízo do Tribunal Judicial de ..., foi o arguido condenado pela prática em 11 de abril de 2002 de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena única de cinco anos e dois meses de prisão, decorrente do cúmulo jurídico das penas a que o arguido fora condenado no processo 455/02.9 PAOLH; a pena já foi declarada extinta pelo cumprimento.
3. Por decisão de 18 de setembro de 2008, transitada em julgado a 8 de outubro de 2008, proferida no âmbito do processo 3302/08.4 TDLSB, do extinto 2.º Juízo, 3.ª secção de competência criminal do Tribunal de Pequena Instância Criminal de ..., foi o arguido condenado pela prática em 12 de maio de 2008, de um crime de injúria, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; a pena já foi declarada extinta pelo cumprimento.
4. Por decisão de 15 de julho de 2008, transitada em julgado a 2 de dezembro de 2008, proferida no âmbito do processo 1756/07.5 PBFAR, do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ..., foi o arguido condenado pela prática em 4 de novembro de 2007, de um crime de homicídio na forma tentada, na pena de 6 anos de prisão.
5. Por decisão de 22 de abril de 2010, transitada em julgado a 1 de julho de 2010, proferida no âmbito do processo 5515/08.0TDLSB, do extinto 1.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ..., foi o arguido condenado pela prática em 15 de julho de 2008, de um crime de ameaça, dois crimes de injúria e um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena única de dezoito meses de prisão.
6. Por decisão de 16 de maio de 2011, transitada em julgado a 6 de junho de 2011, proferida no âmbito do processo 5515/08.0 TDLSB, foi o arguido condenado na pena única de sete anos de prisão, decorrente do cúmulo jurídico das penas a que foi condenado nos processos 1756/07.5 PBFAR e 5515/08.0 TDLSB.
7. Foi-lhe concedida a liberdade condicional a 4 de setembro de 2013, até ao termo da pena previsto para 4.11.2014.
8. Por decisão de 6 de julho de 2012, transitada em julgado a 28 de setembro de 2012, proferida no âmbito do processo 4759/10.9 TDLSB, do extinto 2.º Juízo Criminal do Tribunal Judicial de ..., foi o arguido condenado pela prática em 2 de abril de 2010, de um crime de injúria, na pena de dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; a pena já foi declarada extinta pelo cumprimento.
9. Por decisão de 2 de março de 2017, transitada em julgado a 4 de abril de 2017, proferida no âmbito do processo 583/14.8 GELLE, do Tribunal Judicial da Comarca de ... – Juízo Local Criminal de ... – Juiz 2, foi o arguido condenado pela prática em 31 de agosto de 2014, de um crime de injúria, na pena de 3 meses de prisão, de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, e de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 2 anos de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e nove meses de prisão.
10. No âmbito deste processo resultou provado que:
- No dia 31 de Agosto de 2014, pelas 07h05, foi chamada a patrulha da GNR, constituída pelos militares BB, CC e DD, devidamente uniformizados e no exercício das suas funções, ao parque de estacionamento do estabelecimento “Black Jack”, em ..., por ali se verificarem desacatos; aí chegada, a patrulha deparou-se com um grupo de indivíduos que se agrediam mutuamente, aos quais foi dada ordem para se deitarem no chão, com os braços afastados; o arguido, desagradado com a interpelação dos militares, recusou-se a fazê-lo e dirigiu-se aos militares dizendo: “Disparem caralho, se são homens”, “Estive 11 anos preso, não tenho medo de vocês, filhos da puta”; de imediato, o arguido procurou desferir um murro na cara do militar BB, não tendo no entanto logrado atingi-lo, devido à imediata intervenção dos restantes militares que ali se encontravam; perante tais factos, foi-lhe dada voz de detenção, tendo o arguido, quando o militar DD o agarrou para o imobilizar e algemar dado um puxão que provocou a queda de ambos no solo, onde rebolaram um por cima do outro, tendo o arguido, durante todo o processo de algemagem esbracejado e desferido pontapés contra os militares ali presentes, de forma contínua e violenta, e por forma a obstar àquela; em consequência das agressões o militar DD sofreu dores e impotência funcional da coluna cervical, ombro, cotovelo e joelho direitos, que demandaram tratamento hospitalar; já no posto, aquando da sua colocação na cela, o arguido gritou diversas vezes a expressão: “Quero que vocês se fodam todos”; ao proferir as expressões mencionadas o arguido sabia que as mesmas eram ofensivas da honra, brio, dignidade pessoal e profissional do militar CC e que, ao fazê-lo, faltava ao respeito que lhe era devido enquanto pessoa, bem como, e em especial, enquanto agente de uma autoridade pública no exercício de funções, sendo que agiu com a intenção de concretizar tal desiderato, o que logrou alcançar; ao desferir um soco na direção da cara do militar BB, o arguido atuou igualmente com o propósito de o atingir no seu corpo e na sua saúde, o que apenas não logrou conseguir, por motivos alheios à sua vontade; o arguido teve sempre conhecimento de que os militares BB, CC e DD eram agentes da GNR e que agiam no âmbito das suas funções, e mesmo assim, atuou com o propósito de os impedir de exercer as funções que lhes competiam; o arguido agiu sempre livre, deliberada e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e puníveis por lei penal.
11. Por decisão de 17 de julho de 2017, transitada em julgado a 18 de agosto de 2017, proferida no âmbito dos presentes autos, foi o arguido condenado pela prática entre abril e julho de 2016, de um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, em 27 de julho de 2016, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, e em 28 de julho de 2016, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão.
12. No âmbito dos presentes autos resultou provado que:
- Em data não apurada do mês de abril de 2016, AA, sabendo que EE era consumidor de cocaína, abordou-o e propôs-lhe entregar-lhe, de dois em dois dias, três gramas de cocaína para que o mesmo as entregasse a consumidores dessa substância, mediante o recebimento de €10,00 cada embalagem, ficando EE com a obrigação de entregar a AA as quantias que fosse recebendo e AA com a obrigação de oferecer a EE um grama de cocaína, o que este último aceitou; em execução do acordado, AA, em duas datas não apuradas do mês de abril, no dia 9 e 10 de maio, em dia não apurado do mês de junho, no dia 23 de junho e no dia 17 de julho de 2016, deslocou-se a Espanha, onde, em cada uma das deslocações, recebeu de uma pessoa de identidade não apurada, cerca de vinte gramas de cocaína, dentro de uma embalagem em formato de bola; por cada uma das embalagens que recebeu, AA entregou à referida pessoa uma quantia não inferior a € 1.000,00; de forma a evitar que a cocaína fosse detetada por entidades policiais em ações de fiscalização de rotina, mediante revista à sua pessoa ou busca ao seu veículo, o arguido, em três das viagens, uma no mês de abril e nos dias 9 e 10 de maio de 2016, fez-se acompanhar de ---, o qual transportou no seu ânus, as embalagens de cocaína adquiridas por AA em Espanha até ao Bairro ---, onde, após as expelir pelo ânus, as entregou a AA, o qual, como retribuição, entregou a FF, em cada uma das ocasiões, um grama de cocaína, que este destinou ao seu consumo; nas restantes viagens fez-se acompanhar do arguido GG, o qual transportou, nos seus genitais, as embalagens de cocaína adquiridas por AA em Espanha até ao Bairro ---, onde as entregou a AA, o qual, em retribuição, entregou a GG, em cada uma das ocasiões, um grama de cocaína, que este destinou ao seu consumo; após receber de FF e GG a cocaína, o arguido AA, em execução do acordado, entregou, entre data não apurada do mês de abril de 2016 e o dia 26 de julho de 2016, de dois em dois dias, a EE, três gramas de cocaína, tendo este destinado um grama ao seu consumo e o restante dividido em doses individuais, vendido diariamente no Bairro --- e entregue o dinheiro recebido das vendas ao arguido AA; no dia 27 de julho de 2016, AA e GG dirigiram-se a Espanha onde AA recebeu de pessoa cuja identidade não foi apurada 45,071 gramas de cocaína, entregando a essa pessoa, em troca, quantia não inferior a € 2.000,00; após, entregou a cocaína a GG, que a colocou junto aos seus genitais e se sentou no banco traseiro do veículo; o arguido dirigiu-se a ..., pela A22 e pelas 23h50 saiu no acesso Moncarapacho/Olhão; nesse acesso a PSP havia montado um dispositivo policial com vista a intercetar o arguido AA e proceder à sua detenção; após a imobilização da viatura conduzida pelo arguido, saíram da viatura da PSP que seguia imediatamente atrás do arguido os agentes HH e II, ambos envergando um capacete e um escudo balístico com a inscrição “Polícia” e transportando um escudo com a mesma inscrição, escudos esses que colocaram no para-brisas do veículo conduzido pelo arguido e gritaram “Alto, polícia”; o arguido, apercebendo-se que estava a ser abordado pela polícia, efetuou marcha atrás até verificar que a marcha do seu veículo se encontrava bloqueada pela polícia e, verificando que não conseguia pela traseira, conduziu o veículo em frente, na direção de HH e II, os quais, para evitarem serem embatidos pelo arguido, saltaram os rails de proteção que ladeavam a estrada; ato contínuo, o arguido desviou o veículo para a direita, de forma a contornar o veículo policial que se encontrava posicionado à sua frente, vindo a embater com o mesmo no rail que ladeia o lado direito da estrada, onde se veio a imobilizar; durante as manobras realizadas pelo arguido dentro veículo, os elementos que compunham o dispositivo policial efetuaram disparos na direção do veículo conduzido por AA, que vieram a atingir este no abdómen e o arguido GG no braço, o qual ao aperceber-se da abordagem policial, colocou a cocaína que transportava nos genitais por baixo do banco do condutor; após o arguido AA foi retirado do veículo, deitado no chão e algemado, tendo-lhe sido dada voz de detenção, período durante o qual esperneou e esbracejou e, perante a exibição dos mandados de detenção dirigiu-se ao agente da PSP dizendo “enfia os sancionar papéis no cu”; na roupa que envergava o arguido AA trazia 1,812 gramas de canábis, que destinava ao seu consumo e € 1.830,00; no veículo conduzido por AA foi encontrada 45,071 gramas de cocaína, que se destinavam a ser entregues a EE para revenda, entre outros objetos; no dia 28 de julho de 2016 foi efetuada uma busca à residência do arguido AA, tendo-lhe sido apreendido, entre outros, um revólver, calibre 38, marca MG, carregado com cinco munições do mesmo calibre, seis munições do mesmo calibre, oito notas do Banco Central Europeu com o valor facial de € 20,00 e duas notas com o valor facial de € 5,00 e um cofre contendo 1.167$50, 7 pesetas e 1,20 francos; o arguido AA não era titular de licença que o habilitasse a deter o revólver e as munições apreendidas; o arguido quis, de forma livre, voluntária e consciente, ciente de que não tinha autorização para o efeito, adquirir cocaína em Espanha e quis entregá-la a EE para que este a vendesse a consumidores dessa substância e lhe entregasse o produto da venda, mediante acordo a que ambos aderiram, aceitando reciprocamente as condutas um do outro; o arguido quis ainda, de forma livre, voluntária e consciente, dirigir o veículo na direção de HH e II, ciente de que eram agentes da PSP, com o propósito de impedir a sua detenção; por fim, o arguido, de forma livre, voluntária e consciente, quis adquirir e guardar o revólver e as munições apreendidas ciente de que não era titular de licença que o habilitasse a tal detenção e ciente da necessidade de ser titular dessa licença; sabia o arguido que todas as condutas que adotou eram proibidas e punidas por lei.

A personalidade e as condições pessoais do arguido
13. O arguido é um de cinco filhos de um casal de modesta condição económica.
14. Cresceu inserido no agregado familiar de origem, num quotidiano marcado por acentuada precariedade económica na sequência dos problemas de saúde mental do progenitor, que viria a ficar incapacitado para qualquer trabalho, ficando a mãe responsável pelo sustento familiar.
15. Devido ao comportamento agressivo do progenitor, AA evidenciou instabilidade emocional e sentimentos de forte revolta, o que determinou que tivesse acompanhamento psicológico entre os sete e os dez anos de idade.
16. A nível escolar evidenciou desinteresse pelas atividades curriculares e registou elevado absentismo, tendo abandonado o sistema de ensino durante a frequência do 5.º ano de escolaridade.
17. Com catorze anos foi encaminhado para o Centro Educativo ..., onde permaneceu até aos dezasseis anos de idade e onde concluiu alguns cursos de formação profissional e o 2.º ciclo do ensino recorrente.
18. Regressado ao seio familiar passou a manter um estilo de vida errático, ainda que realizando trabalhos pontuais e indiferenciados no setor da construção civil e como ajudante de mecânico.
19. Sem qualquer atividade estruturada, passou a ocupar parte do seu tempo a acompanhar elementos conotados com práticas socialmente desajustadas, acabando por se envolver em atos que culminaram com a sua condenação no âmbito do processo 455/02.9 PAOLH.
20. No decurso da execução da pena registou um comportamento institucional imaturo e desajustado, não tendo beneficiado de medidas de flexibilização da pena, cumprindo-a na íntegra.
21. Restituído à liberdade em 27 de setembro de 2007, regressou novamente ao núcleo familiar e retomou o modo de vida anteriormente mantido, marcado pela ociosidade e convívio estreito com o grupo de pares, situação que o conduziu à condenação no processo 1756/07.5 PBFAR, tendo sofrido sanções disciplinares durante o período de reclusão.
22. Colocado em liberdade condicional em setembro de 2013, o arguido regressou à habitação materna e registou um comportamento colaborante e adequado até ao termo do acompanhamento dessa medida de flexibilização.
23. Efetuou inscrição no centro de emprego da zona residencial, sendo que mais tarde, através de conhecidos, iniciou atividade laboral na apanha do marisco, com recurso a uma embarcação que adquiriu para o efeito.
24. Antes de ser preso preventivamente à ordem do processo 39/15.1 PAOLH o arguido vivia com a namorada em habitação arrendada na cidade de ....
25. Em meio prisional AA evidenciou inicialmente evolução no que se refere ao controlo da sua impulsividade, mantendo bom comportamento e reconhecendo a necessidade de evoluir ao nível da interiorização do desvalor da conduta e de aderir a um processo de mudança efetivo compatível com as normas sociais vigentes.
26. Atualmente o arguido não exerce qualquer atividade laboral nem frequenta a escola no estabelecimento prisional; cumpriu a medida disciplinar de 10 dias de permanência obrigatória em alojamento por factos praticados em 9 de abril de 2018.

***

3. O DIREITO

3.1. O objeto do presente recurso atentas as conclusões da motivação do recorrente, que delimitam o objeto do recurso, prende-se com a seguinte questão:

- A determinação da Medida Concreta da Pena do Concurso e a excessiva Medida da Pena Conjunta aplicada ao Recorrente.

Pugna o recorrente pela aplicação de uma Pena Conjunta de sete (07) anos e dez (10) meses de Prisão ou, na pior das hipóteses, entre os sete (07) anos e dez (10) meses e os oito (08) anos e quatro (04) meses de Prisão.

Para tanto, alega em síntese que «Os Bens Jurídicos afetados e colocados em risco com as condutas do Recorrente foram, no caso da Injuria a honra e a consideração pessoal, no caso da Resistência e Coação sobre Funcionário o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade e a liberdade de actuação do seu Funcionário, no caso da Detenção de Arma Proibida a Segurança da Comunidade face aos riscos da livre circulação e detenção de armas proibidas, engenhos e matérias explosivas, no caso do Tráfico de Estupefacientes abstratamente a Saúde Pública e no caso da Tentativa de Ofensa à Integridade Física Qualificada, in concreto, inexistiu qualquer lesão objectiva de bens jurídicos. Os factos inerentes a cada um destes Processos se compreendem num hiato temporal de menos de dois anos, in casu, entre Agosto de 2014 e Julho de 2012. As factualidades constantes dos Processos submetidos a Cúmulo Jurídico são, em decorrência do período de tempo em que foram praticadas, facilmente reconduzíveis a uma situação de “pluriocasionalidade que não radica na personalidade”, mas sim na vivência de um momento menos positivo da existência do Recorrente. O efeito previsível da Pena sobre o comportamento futuro daquele, sob prejuízo - se se considerar as Exigências de Prevenção Geral já aferidas em cada um dos Processos em que foi condenado - de se estar a valorar duplamente, contra si, essa Exigência. No entanto, à revelia desse entendimento e contra o que a Lei preceitua no Artigo 77.º do Código Penal e é decorrência da melhor prática judiciária na aferição da Pena Conjunta, foi o que o Tribunal a quo efectuou, valorando duplamente as Exigências de Prevenção Geral de cada um dos Ilícitos: uma primeira vez quando o Recorrente foi condenado em cada um daqueles dois Processos e, depois, em sede de Julgamento do Cúmulo Jurídico. A respeito daquilo que acima denominámos de Critério Aritmético de aferição da Pena Conjunta, há que dizê-lo, a Jurisprudência, pese embora não se apresente unânime nesta matéria, acolhe, diremos que em maioria, a utilização deste critério em complemento racional dos anteriores, inclusive a Jurisprudência de 1.ª Instância, conforme ressalta, ainda que a contrario, do teor do próprio Acórdão Recorrido. Esta prática Jurisprudencial de aferição da Pena Conjunta mediante a utilização de um Critério Aritmético consiste em agravar a Pena do Concurso juntando à Pena Parcelar mais grave uma dada fracção, por norma de 1/3 das restantes Penas Parcelares, mas que poderá ir até 1/8 no caso do número de crimes ser muito elevado ou as penas em concurso serem muito graves. Na verdade, as factualidades pelas quais o Recorrente foi condenado, em cada um dos referidos Processos, são caracterizantes de um tipo de criminalidade que jamais se poderá considerar de muito grave, serão, ao invés disso, susceptíveis de se situarem, num patamar sancionatório intermédio, entre a pequena e a média criminalidade. Deste modo, estabelecendo-se uma concordância prática entre as exigências legais e o Principio da Igualdade da Aplicação das Penas, in casu, deveriam as Penas Parcelares aplicadas ao Recorrente terem sido agravadas apenas em 1/5 ou, quanto muito, em 1/4 dos seus valores, e nunca para lá de 1/2 como ocorreu.


Consagra o art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal:

«1 - Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2 - A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes».
O art. 78º, do Código Penal determina que:

«1 - Se, depois de uma condenação transitada em julgado, se mostrar que o agente praticou, anteriormente àquela condenação, outro ou outros crimes, são aplicáveis as regras do artigo anterior, sendo a pena que já tiver sido cumprida descontada no cumprimento da pena única aplicada ao concurso de crimes.

2 - O disposto no número anterior só é aplicável relativamente aos crimes cuja condenação transitou em julgado.
(…)
Conforme refere o Prof Figueiredo Dias, [1] «Estabelecida a moldura penal do concurso o tribunal ocupar-se-á, finalmente, da determinação, dentro dos limites daquela, da medida da pena conjunta do concurso, que encontrará em função das exigências gerais de culpa e de prevenção. Nem por isso se dirá com razão, no entanto, que estamos aqui perante uma hipótese normal de determinação da medida da pena. Com efeito a lei fornece ao tribunal, para além dos critérios gerais da medida da pena contidos no art. 72º, nº1, um critério especial «na determinação da medida concreta da pena [do concurso], serão considerados em conjunto os factos e a personalidade do agente (art. 78º, 1- 2ª parte]. (…)

Tudo deve passar-se, por conseguinte, como se o conjunto dos factos fornecesse a gravidade do ilícito global perpetrado, sendo decisiva para a sua avaliação a conexão e o tipo de conexão que entre os factos concorrentes se verifique. Na avaliação da personalidade – unitária - do agente relevará, sobretudo, a questão de saber se o conjunto dos factos é reconduzível a uma tendência (ou eventualmente mesmo a uma carreira) criminosa, ou tão-só a uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade: só no primeiro caso, já não no segundo, será cabido atribuir à pluralidade de crimes com efeito agravante dentro da moldura penal conjunta. De grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento do agente (exigências de prevenção especial de socialização)».
No mesmo sentido o AC do STJ de 27JAN16, em que foi relator o Conselheiro Santos Cabral, [2] a propósito da pena conjunta derivada do concurso de infrações, defende o seguinte:
«Fundamental na formação da pena conjunta é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação «desse bocado de vida criminosa com a personalidade». A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos pois que a relação dos diversos factos entre si em especial o seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também a recetividade á pena pelo agente deve ser objeto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa.”
Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve refletir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspetiva de existência de uma pluralidade de ações puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Dada a proibição de dupla valoração na formação da pena global não podem operar de novo as considerações sobre a individualização da pena feitas para a determinação das penas individuais.
Em relação ao nosso sistema penal é o Professor Figueiredo Dias quem traça a síntese do “modus operandi” da formação conjunta da pena no concurso de crimes. Refere o mesmo Mestre que a existência de um critério especial fundado nos factos e personalidade do agente obriga desde logo a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso: a tanto vincula a indispensável conexão entre o disposto nos arts. 78. °-1 e 72.°-3, só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um ato intuitivo - da «arte» do juiz uma vez mais - ou puramente mecânica e, portanto, arbitrária. Sem prejuízo de poder conceder-se que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo art. 72 ° nem por isso um tal dever deixa de surgir como legal e materialmente indeclinável».

Ou seja, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstrata aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente.

À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente.

Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização).

Do que se trata agora é de ver os factos em relação uns com os outros, de modo a detetar a possível conexão e o tipo de conexão que intercede entre eles (“conexão autoris causa”), tendo em vista a totalidade da atuação do arguido como unidade de sentido, que há-de possibilitar uma avaliação do ilícito global e “ a culpa pelos factos em relação”, a qual se refere Cristina Líbano Monteiro em anotação ao acórdão do S.T.J de 12.7.2005 e Figueiredo Dias in “A Pena Unitária do Concurso de Crimes” in RPCC ano 16º, nº 1, pág. 162 e ss.
O Tribunal “a quo” fundamentou nos seguintes termos a determinação das penas unitárias, na parte que aqui releva:

«Para proceder ao cúmulo jurídico das penas parcelares em causa, deverá considerar-se que, de acordo com os critérios enunciados no já citado artigo 77.º, n.º 2, do Código Penal, as penas únicas a aplicar ao arguido apresentam os seguintes limites:

– Como limite máximo: 13 anos e 5 meses (correspondente à soma das penas de 2 anos, 1 ano e 4 meses e 3 meses – processo 583/14.8 GELLE – e de 6 anos e 6 meses, 1 ano e 10 meses e 1 ano e 6 meses neste processo);

– Como limite mínimo: 6 anos e 6 meses (correspondente à pena concreta mais elevada).

Com vista à determinação concreta da pena unitária, impõe-se agora reapreciar os factos em conjunto com a personalidade do arguido (cfr. artigo 77.º, n.º 1, in fine, do Código Penal). (...)

No caso estão em causa crimes de diversa natureza mas todos de gravidade elevada. No que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, considera-se o tipo de estupefaciente vendido, as circunstâncias em que a venda se processava – de forma organizada e hierarquizada e com recurso a transporte transfronteiriço – e as quantias envolvidas. Relativamente aos crimes de resistência e coação sobre funcionário, ofensas à integridade física qualificada na forma tentada e injúria, considera-se o traço violento da personalidade do arguido, designadamente quanto contrariado nos seus propósitos e a desconsideração absoluta pelos agentes da autoridade. Por fim, quanto ao crime de detenção de arma proibida não pode deixar de se considerar a perigosidade inerente à detenção não licenciada de um revólver e respetivas munições, sobretudo quando o seu detentor se dedica ao tráfico de estupefacientes e revela um caráter violento. O carácter violento do arguido decorre igualmente do seu percurso de vida e do seu certificado de registo criminal, revelando que o mesmo nenhum benefício em termos de reinserção retirou das anteriores condenações e penas de prisão que cumpriu, tendo, pelo contrário, enveredado por uma criminalidade cada vez mais grave e violenta. Não se descura que após a prisão preventiva à ordem deste processo o arguido revelou maior controlo da impulsividade e bom comportamento em meio prisional, todavia, já no decurso do ano de 2018 foi alvo de uma medida disciplinar no estabelecimento prisional, revelando, deste modo, que pouco terá mudado em termos de personalidade.

Posto isto.

O Supremo Tribunal de Justiça tem adotado a jurisprudência de fazer acrescer à pena mais grave o produto de uma operação que consiste em comprimir a soma das restantes penas com fatores variáveis, mas que se situam, normalmente, entre um terço e um sexto (por vezes até menos, chegando a um oitavo). Não se trata de uma operação puramente matemática, destituída de fundamento jurídico, mas o que se visa é criar regras que permitam que em situações idênticas a pena única seja similar. O fator de compressão variará de acordo com a consideração que se fizer, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, como indica a lei, mas só em casos verdadeiramente excecionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas, principalmente se estiverem em consideração penas ou soma de penas muito elevadas, pois, se assim não fosse, facilmente se atingiria a pena máxima, reservada para a casos excecionalmente graves.

Neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29 de Abril de 2010, publicado em texto integral no site www.dgsi.pt.

Sem prejuízo, neste mesmo Acórdão, o Exmo. Senhor Conselheiro, Rodrigues da Costa fez uma declaração de voto no sentido de que a operação de determinação da pena conjunta não é reconduzível a critérios matemáticos, seja em primeiro, seja em último termo, pois se assim fosse, o legislador teria fixado a respetiva fração ou proporção com que a soma das restantes penas, acrescendo à pena parcelar mais grave, devia entrar na pena única. Refere ainda o Exmo. Senhor Conselheiro que sendo a pena conjunta balizada por um limite mínimo e por um limite máximo, aquele correspondente à pena parcelar mais elevada e este, à soma das restantes penas, nada impede que, num caso concreto, se aplique o mínimo da moldura penal assim construída e, noutros, se aplique uma pena única próximo do limite máximo, ou mesmo o limite máximo.
Em suma, a determinação da pena única depende essencialmente da avaliação que se faça da personalidade unitária do agente, em conjugação com a globalidade dos factos.

No caso, para além das exigências de prevenção geral e especial supra referidas, há que ter em consideração o modo de execução dos factos e a gravidade das suas consequências. Releva igualmente o período de tempo em que os factos ocorreram e o passado criminal do arguido, que revela um percurso crescente em termos de gravidade dos ilícitos praticados, bem como a sua personalidade e percurso de vida, inexistindo fatores de proteção que permitam concluir que foram situações isoladas na vida do arguido. Pelo contrário, mesmo após o cumprimento de penas de prisão efetivas, o arguido manteve um modo de vida ocioso, associado a comportamentos ilícitos e de cada vez maior gravidade. Cremos que estamos assim perante um caso em que se justifica uma pena acima do critério supra mencionado e a que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a fazer referência.

Julga-se, assim, adequada à culpa do arguido e às exigências de prevenção que o caso revela a pena única de 10 (dez) anos de prisão». 

Vejamos.
A propósito do “fator de compressão “ invocado no acórdão recorrido, o AC do STJ de 27JAN16 [3], supra citado, salienta «Importa ainda precisar que merece inteira sintonia o entendimento de que a substituição daquela operação valorativa por um processo de índole essencialmente aritmética de frações e somas torna-se incompatível com a natureza própria da segunda fase do processo. Com efeito, fazer contas indica voltar às penas já medidas, ao passo que o sistema parece exigir um regresso aos próprios factos. Dito de outro modo as operações aritméticas podem fazer-se com números, não com valorações autónomas.
Sem embargo, importa salientar, recorrendo ao estudo profundo do Juiz Conselheiro Lourenço Martins sobre esta matéria, a ideia de que na aplicação de uma única pena no concurso de infrações se desenham hoje duas correntes no Supremo Tribunal de Justiça: uma delas (a tradicional) efetuando a valoração conjunta dos factos e da personalidade do agente sem recurso a regras aritméticas, a outra, fazendo intervir, dentro da nova moldura penal, ingredientes de natureza percentual ou matemática.
Como exemplos das duas orientações convocadas para a resolução da questão adianta o mesmo autor os seguintes acórdãos que no seu entender são paradigmáticos de duas diferentes concepções:
-Corrente tradicional-Indiciador da tese que denominámos de tradicional se apresenta o ac. STJ, de 19-06-1996, o ac. de 20-05-1998 ou mais recentemente o ac. STJ, de 20-12-2006:
Como exemplo da refutação do apelo à tese dos critérios matemáticos (ou simplesmente aritméticos), o ac. ST J, de 29-10-2008 ou o acórdão de 22-02-2007
Diversamente, convocando a coadjuvação de critérios complementares de natureza logarítmica ou matemática e, nomeadamente, uma denominada «compressão» que deve fazer-se entre o mínimo e máximo da moldura penal especifica prevista no artigo 77 do Código Penal se situa o ac. STJ, de 09-05-2002; No mesmo sector mas, numa formulação mitigada, encontra-se o ac. STJ, de 24-11-2005 e o ac. de 26-02-2009.
Após sintetizar as posições em confronto Lourenço Martins encontra algum conforto na tese do recurso à complementaridade, mas suportando esta em algo de mais substancial do ponto de vista dogmático do que a mera necessidade em igualização de penas em termos de obediência ao principio da igualdade. Defende o mesmo a «adição de uma proporção do remanescente das penas parcelares que oscila, conforme as circunstâncias de facto e a personalidade do agente e por via de regra, entre 1/3 e 1/5 e acrescenta que se bem que a corrente, que se poderia designar do «factor percentual de compressão», possa relutar a um Julgador cioso do poder discricionário (aqui, aliás, mais vinculado que discricionário), desde que o seu uso não se faça como ponto de partida mas como aferidor ou mecanismo de controlo, não nos parece que deva, sem mais, ser rejeitada. Representa um esforço de racionalização num caminho eriçado de espinhos, desde que afastada uma qualquer «arbitrariedade matemática» ou uma menor exigência de reflexão sobre os dados. O direito, como ciência prática e não especulativa nunca atingirá a certeza das matemáticas ou das ciências da natureza, mas a jurisprudência deve abrir-se ao permanente aperfeiçoamento.
Colocada, assim, a questão, e repetindo a nossa posição de princípio da não-aceitação de quaisquer critérios matemáticos alheios duma valoração normativa, não repugna que a convocação dos critérios de determinação da pena conjunta tenha como coadjuvante, e não mais do que isso, a definição dum espaço dentro do qual as mesmas funcionam.
Na verdade, como se referiu, a certeza e segurança jurídica podem estar em causa quando existe uma grande margem de amplitude na pena a aplicar, conduzindo a uma indeterminação. Recorrendo ao princípio da proporcionalidade não se pode aplicar uma pena maior do que aquela que merece a gravidade da conduta nem a que é exigida para tutela do bem jurídico.
Assim,
Para evitar aquela vacuidade admite-se o apelo a que, na formulação da pena conjunta e na ponderação da imagem global dos crimes imputados e da personalidade, se considere que, conforme uma personalidade mais, ou menos, gravemente desconforme com o Direito, o tribunal determine a pena única somando à pena concreta mais grave entre metade e um quinto de cada uma das penas concretas aplicadas aos outros crimes em concurso (Confrontar Juiz Conselheiro Carmona da Mota em intervenção no STJ no dia 3 de Junho de 2009 no colóquio subordinado ao tema "Direito Penal e Processo Penal", igualmente Paulo Pinto de Albuquerque Comentário ao Código Penal anotação ao artigo 77).
Na definição da pena concreta dentro daquele espaço e um dos critérios fundamentais na consideração daquela personalidade, bem como da culpa, situa-se a dimensão dos bens jurídicos tutelados pelas diferentes condenações. Na verdade, não é raro ver um tratamento uniforme, destituído de qualquer opção valorativa do bem jurídico, e este pode assumir uma diferença substantiva abissal que perpassa na destrinça entre a ofensa de bens patrimoniais ou bens jurídicos fundamentais como é o caso da própria vida.
A utilização de tal critério de determinação está relacionada com uma destrinça fundamental que é o tipo de criminalidade evidenciada. Na operação de cálculo importa considerar a necessidade de um tratamento diferente para a criminalidade bagatelar, média e grave, de tal modo que, como refere Carmona da Mota, a “representação” das parcelares que acrescem à pena mais grave se possa saldar por uma fracção cada vez mais alta, conforme a gravidade do tipo de criminalidade em julgamento
Paralelamente, à apreciação da personalidade do agente interessa, sobretudo, ver se nos encontramos perante uma certa tendência, que no limite se identificará com uma carreira criminosa, ou se aquilo que se evidencia uma mera pluriocasionalidade, que não radica na personalidade do arguido. Este critério está directamente conexionado com o apelo a uma referência cronológica pois que o concurso de crimes tanto pode decorrer de factos praticados na mesma ocasião, como de factos perpetrados em momentos distintos, temporalmente próximos ou distantes ou uma referência quantitativa pois que o concurso tanto pode ser formado por um número reduzido de crimes, como pode englobar inúmeros crimes.
Como é bom de ver, as necessidades de prevenção especial aferir-se-ão, sobretudo, tendo em conta a dita personalidade do agente. Nela, far-se-ão sentir fatores como a idade, a integração ou desintegração familiar, com o apoio que possa encontrar a esse nível, as condicionantes económicas e sociais que tenha vivido e que se venham a fazer sentir no futuro.
Igualmente importante é consideração da existência de uma manifesta e repetida antipatia na convivência com as normas que regem a vida em sociedade, quando não de anomia, e que é a maior parte das vezes evidenciada pelo próprio passado criminal».
Retomando o circunstancialismo concreto em que foram praticados os ilícitos pelos quais o arguido foi condenado, que se encontram numa relação de concurso, ou seja, os crimes pelos quais foi condenado no processo 583/14.8 GELLE – crime de injúria, praticados em 31 de agosto de 2014, na pena de 3 meses de prisão, de um crime de ofensa à integridade física qualificada na forma tentada, na pena de 1 ano e 4 meses de prisão, e de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 2 anos de prisão; em cúmulo jurídico, na pena única de dois anos e nove meses de prisão - e os crimes pelos quais foi condenado neste processo 39/15.1 PAOLHcrime de tráfico de estupefacientes, praticados entre abril e julho de 2016 pelo qual foi condenado na pena de 6 anos e 6 meses de prisão, em 27 de julho de 2016, de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena de 1 ano e 10 meses de prisão, e em 28 de julho de 2016, de um crime de detenção de arma proibida, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão e, em cúmulo jurídico na pena única de 8 anos e 4 meses de prisão.
Para além destas o arguido JJ sofreu várias condenações anteriores, algumas delas, por crimes de idêntica natureza – v.g. crime de ofensa à integridade física qualificada, crime de resistência e coação sobre funcionário, crime de injúria, - e noutros por crimes de roubo, ameaça, homicídio na forma tentada, - o que leva a concluir que se trata de um delinquente com uma personalidade com tendência para a criminalidade não sendo possível formular um juízo de prognose positivo que de futuro não mais voltará a reincidir em tais condutas.
As finalidades da aplicação de penas e medidas de segurança, visa a proteção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade e, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa (art. 40º, nºs 1 e 2, do C.P), vista enquanto juízo de censura que lhe é dirigido em virtude do desvalor da ação praticada (arts. 40º e 71º, ambos do Código Penal).

E, na determinação concreta da medida da pena, como impõe o art. 71º, nº 2, do Código Penal, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial.

A primeira dirige-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada.

A segunda visa a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e por isso impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente.
Conforme salienta o Prof. Figueiredo Dias[4], a propósito do critério da prevenção geral positiva, «A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção»; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do «quantum» da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais».
E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve o ilustre mestre, «Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...).
A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena».
Assim, no caso subjudice, para a determinação da pena conjunta importa considerar o seguinte:

- um grau de ilicitude elevado, no que concerne ao crime de tráfico de estupefacientes, atendendo aos estupefacientes vendidos – cocaína e canábis, as circunstâncias em que a venda se processava – de forma organizada e hierarquizada e com recurso a transporte transfronteiriço, e as quantias envolvidas, provenientes da atividade de tráfico. Relativamente aos crimes de resistência e coação sobre funcionário, ofensas à integridade física qualificada na forma tentada e injúria, conforme considerou o Tribunal “a quo”, revela o traço violento da personalidade do arguido, designadamente quando contrariado nos seus propósitos e a desconsideração absoluta pelos agentes da autoridade. Quanto ao crime de detenção de arma proibida não pode deixar de se considerar a perigosidade inerente à detenção não licenciada de um revólver e respetivas munições, sobretudo quando o seu detentor se dedica ao tráfico de estupefacientes e revela um caráter violento;.

- a data dos últimos factos, ainda recente (2016).

- o período temporal em que ocorreram os factos – agosto de 2014 a julho de 2016;

- os antecedentes criminais do arguido extensos, prolongados no tempo, [sendo que o arguido nascido a 4 de setembro de 1985, conta atualmente 33 anos de idade, iniciou a sua conduta delinquente, com 17 anos de idade] – desde março de 2002, quanto aos crimes de roubo, ameaças, e por crimes de idêntica natureza - ofensa à integridade física qualificada, ocorrido em 19 de maio de 2002, de um crime de resistência e coação sobre funcionário ocorrido em 19 de maio de 2002, de um crime de injúria, 19 de maio de 2002, e um crime de condução sem habilitação legal, ocorrido no dia 19 de fevereiro de 2002, tendo sido condenado em 29 de janeiro de 2004, transitada em julgado em 16 de fevereiro de 2004, na pena única de cinco anos de prisão;

Por decisão de 29 de novembro de 2004, transitada em julgado a 13 de dezembro de 2004, proferida no âmbito do processo 749/02.3 PBFAR, foi o arguido condenado pela prática em 11 de abril de 2002 de um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena única de cinco anos e dois meses de prisão, decorrente do cúmulo jurídico das penas a que o arguido fora condenado no processo 455/02.9 PAOLH; a pena já foi declarada extinta pelo cumprimento.

Por decisão de 18 de setembro de 2008, transitada em julgado a 8 de outubro de 2008, proferida no âmbito do processo 3302/08.4 TDLSB, foi o arguido condenado pela prática em 12 de maio de 2008, de um crime de injúria, na pena de quatro meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; a pena já foi declarada extinta pelo cumprimento.

Por decisão de 15 de julho de 2008, transitada em julgado a 2 de dezembro de 2008, proferida no âmbito do processo 1756/07.5 PBFAR, foi o arguido condenado pela prática em 4 de novembro de 2007, de um crime de homicídio na forma tentada, na pena de 6 anos de prisão.

Por decisão de 22 de abril de 2010, transitada em julgado a 1 de julho de 2010, proferida no âmbito do processo 5515/08.0TDLSB, foi o arguido condenado pela prática em 15 de julho de 2008, de um crime de ameaça, dois crimes de injúria e um crime de resistência e coação sobre funcionário, na pena única de dezoito meses de prisão.

Por decisão de 16 de maio de 2011, transitada em julgado a 6 de junho de 2011, proferida no âmbito do processo 5515/08.0 TDLSB, foi o arguido condenado na pena única de sete anos de prisão, decorrente do cúmulo jurídico das penas a que foi condenado nos processos 1756/07.5 PBFAR e 5515/08.0 TDLSB.

Foi-lhe concedida a liberdade condicional a 4 de setembro de 2013, até ao termo da pena previsto para 4.11.2014.

Por decisão de 6 de julho de 2012, transitada em julgado a 28 de setembro de 2012, proferida no âmbito do processo 4759/10.9TDLSB, foi o arguido condenado pela prática em 2 de abril de 2010, de um crime de injúria, na pena de dois meses de prisão, suspensa na sua execução pelo período de um ano; a pena já foi declarada extinta pelo cumprimento.

Relativamente à sua conduta anterior e posterior aos factos e as condições pessoais do arguido consta da matéria de facto provada o seguinte: «O arguido é um de cinco filhos de um casal de modesta condição económica. Cresceu inserido no agregado familiar de origem, num quotidiano marcado por acentuada precariedade económica na sequência dos problemas de saúde mental do progenitor, que viria a ficar incapacitado para qualquer trabalho, ficando a mãe responsável pelo sustento familiar. Devido ao comportamento agressivo do progenitor, AA evidenciou instabilidade emocional e sentimentos de forte revolta, o que determinou que tivesse acompanhamento psicológico entre os sete e os dez anos de idade. A nível escolar evidenciou desinteresse pelas atividades curriculares e registou elevado absentismo, tendo abandonado o sistema de ensino durante a frequência do 5.º ano de escolaridade. Com catorze anos foi encaminhado para o Centro Educativo ..., onde permaneceu até aos dezasseis anos de idade e onde concluiu alguns cursos de formação profissional e o 2.º ciclo do ensino recorrente. Regressado ao seio familiar passou a manter um estilo de vida errático, ainda que realizando trabalhos pontuais e indiferenciados no setor da construção civil e como ajudante de mecânico. Sem qualquer atividade estruturada, passou a ocupar parte do seu tempo a acompanhar elementos conotados com práticas socialmente desajustadas, acabando por se envolver em atos que culminaram com a sua condenação no âmbito do processo 455/02.9PAOLH. No decurso da execução da pena registou um comportamento institucional imaturo e desajustado, não tendo beneficiado de medidas de flexibilização da pena, cumprindo-a na íntegra. Restituído à liberdade em 27 de setembro de 2007, regressou novamente ao núcleo familiar e retomou o modo de vida anteriormente mantido, marcado pela ociosidade e convívio estreito com o grupo de pares, situação que o conduziu à condenação no processo 1756/07.5 PBFAR, tendo sofrido sanções disciplinares durante o período de reclusão. Colocado em liberdade condicional em setembro de 2013, o arguido regressou à habitação materna e registou um comportamento colaborante e adequado até ao termo do acompanhamento dessa medida de flexibilização. Efetuou inscrição no centro de emprego da zona residencial, sendo que mais tarde, através de conhecidos, iniciou atividade laboral na apanha do marisco, com recurso a uma embarcação que adquiriu para o efeito. Antes de ser preso preventivamente à ordem do processo 39/15.1PAOLH o arguido vivia com a namorada em habitação arrendada na cidade de .... Em meio prisional AA evidenciou inicialmente evolução no que se refere ao controlo da sua impulsividade, mantendo bom comportamento e reconhecendo a necessidade de evoluir ao nível da interiorização do desvalor da conduta e de aderir a um processo de mudança efetivo compatível com as normas sociais vigentes. Atualmente o arguido não exerce qualquer atividade laboral nem frequenta a escola no estabelecimento prisional; cumpriu a medida disciplinar de 10 dias de permanência obrigatória em alojamento por factos praticados em 9 de abril de 2018».

O bem jurídico protegido relativamente aos crimes de ofensa à integridade física qualificada e de injúrias são eminentemente pessoais - integridade física da pessoa humana e a honra, quanto ao crime de injúrias. Relativamente ao crime de resistência e coação sobre funcionário, o bem jurídico que a lei quis especialmente proteger é o interesse do Estado em fazer respeitar a sua autoridade e a liberdade de atuação do seu funcionário ou membro de força armada, posta em causa pelo emprego de violência ou resistência do agente arguido. Quanto ao crime de detenção de arma proibida, o que está em causa é a própria perigosidade das armas, com a incriminação da sua detenção, visa-se tutelar o perigo de lesão da ordem, segurança e tranquilidade públicas face aos riscos da livre circulação e detenção de armas. E, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes o bem jurídico protegido a norma protege uma multiplicidade de bens jurídicos, designadamente de caráter pessoal – embora todos eles possam ser reconduzidos a um mais geral: a saúde pública.

As exigências de prevenção especial, em todo este contexto, assumem uma intensidade muito elevada. As necessidades de prevenção geral que os crimes suscitam revelam-se igualmente elevadas, na medida em que tais condutas são geradoras de sentimentos de insegurança dos cidadãos, e degradação da sociedade, quanto ao crime de tráfico de estupefacientes, sendo em si, indutor da prática de outros crimes, e consequentemente contribui para o aumento da criminalidade e da insegurança dos cidadãos.

Partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre um mínimo de 6 (seis) anos e 6 (seis) meses [correspondente à pena concreta mais elevada] e 13 (treze) anos e 5 (cindo) meses de prisão [correspondente à soma das penas de 2 anos, 1 ano e 4 meses e 3 meses – processo 583/14.8 GELLE – e de 6 anos e 6 meses, 1 ano e 10 meses e 1 ano e 6 meses – neste processo], aplicável ao caso concreto, deve definir-se um mínimo imprescindível à estabilização das expetativas comunitárias e um máximo consentido pela culpa do agente.

O espaço contido entre esse mínimo imprescindível à prevenção geral positiva e esse máximo consentido pela culpa, configurará o espaço possível de resposta às necessidades de reintegração do agente.

Ponderando todas as circunstâncias acima referidas, não obstante a preponderância das circunstâncias agravantes sobre as atenuantes, de harmonia com os critérios de proporcionalidade, da adequação e da proibição do excesso, entendemos que não se justifica uma pena acima do critério a que se refere no acórdão recorrido, que o Supremo Tribunal de Justiça tem vindo a fazer referência.

Ou seja, se o fator de compressão variará de acordo com a consideração que se fizer, em conjunto, dos factos e da personalidade do agente, como indica a lei, mas só em casos verdadeiramente excecionais se deve ultrapassar um terço da soma das restantes penas, principalmente se estiverem em consideração penas ou soma de penas muito elevadas, pois, se assim não fosse, facilmente se atingiria a pena máxima, reservada para a casos excecionalmente graves, pelo que se reduz a pena única de 10 (dez) anos de prisão em que o arguido foi condenado pelo Tribunal Coletivo, para 9 (nove) anos de prisão.

Pelo exposto, partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre 6 (seis) anos e 6 (seis) meses e 13 (treze) anos e 5 (cindo) meses de prisão, atendendo ao critério e princípios supra enunciados, designadamente a consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, procedendo ao cúmulo jurídico, das penas parcelares nos termos do art. 77º, nºs 1 e 2, do Código Penal mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada, condenar o arguido AA, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

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4. DECISÃO.
Termos em que acordam os Juízes que compõem a 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça em conceder provimento ao recurso, e, em consequência condena-se o arguido AA, na pena única de 9 (nove) anos de prisão.

Sem tributação.

Processado em computador e revisto pela relatora (art. 94º, nº 2, do CPP).


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Lisboa, 13 de fevereiro de 2018

Maria da Conceição Simão Gomes (relatora)

Nuno Gonçalves


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[1] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Ed. 199, páginas 290 a 291.
[2] Proc. 178/12.0PAPBL.S2, disponível in dgsi.pt

[3] Relator Santos Cabral, Proc. 178/12.0PAPBL.S2, disponível in dgsi.pt

[4] Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, Ed. Notícias, pág., 241-244