Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
| ||
Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO (CRIMINAL) | ||
Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
Descritores: | RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO PENA PARCELAR DUPLA CONFORME REJEIÇÃO PARCIAL CONCURSO DE INFRAÇÕES VIOLÊNCIA DOMÉSTICA CONDUÇÃO PERIGOSA DE VEÍCULO RODOVIÁRIO DANO QUALIFICADO HOMICÍDIO QUALIFICADO TENTATIVA TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE DETENÇÃO DE ARMA PROIBIDA PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA PREVENÇÃO GERAL PREVENÇÃO ESPECIAL | ||
![]() | ![]() | ||
Data do Acordão: | 10/14/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
![]() | ![]() | ||
Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
![]() | ![]() | ||
Sumário : | |||
![]() | ![]() | ||
Decisão Texto Integral: |
§I. – RELATÓRIO. No processo comum colectivo, supra identificado, após audiência de julgamento, veio o tribunal a ditar o veredicto que a seguir queda transcrito (na parte interessante): “a) Absolver o arguido AA dos dois crimes de sequestro, previstos e punidos pelo artigo 158.°, nº 1, do Código Penal (de que vem acusado). b) Condenar o arguido AA, como autor material e em concurso efetivo, pelos crimes e nas penas seguintes: - um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.°, nº 1, alínea b), nº 2, alínea a), e nº 4, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão e nas penas acessórias de proibição de contactos com a ofendida BB. incluindo na sua residência e/ou no local de trabalho, bem como por telefone ou outro meio de comunicação à distância, bem como a proibição de uso e porte de armas de qualquer espécie, pelo mesmo período (factos praticados entre lie 13-07- 2018): - um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 291.°, nº 1, alínea b), e 69.°, nº 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) e 3 (três") meses de prisão e na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove) meses (não contando o tempo em que o arguido estiver a cumprir pena) - (factos praticados em 13-07- 2018): - três crimes de dano qualificado, previstos e punidos pelo artigo 213.°, nº 1, alíneas a) e c), aquela por referência ao disposto no artigo 202.°, alínea a) ambos do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano de prisão, 9 (nove) meses de prisão e 9 (nove) meses de prisão, respetivamente (factos praticados em 13-07-2018); - seis crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 22.°, nºs 1 e 2, alíneas a) e b), 23.°, nºs 1 e 2, 73.°, n.º 1, alíneas a) e b), 131.° e 132.°, n.ºs 1 e 2, alíneas g), h) e 1), todos do Código Penal nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão. 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão. 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão e 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, respetivamente (factos praticados em 13-07-2018): - dois crimes de tráfico de estupefacientes menor gravidade, previstos e previstos pelo artigo 25.°, alínea a), do Decreto-Lei n.º15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão cada um deles (factos praticados em 23-05-2018 e 13-07-2018. respetivamente); e - um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.°, nº 1, alínea d), da Lei nº 5/2006, de 23 de fevereiro (na redação introduzida pelas Leis nº 59/2007, de 4 de setembro, 17/2009, de 6 de maio e 26/2010, de 30 de agosto), na pena de 1 (um) ano de prisão (factos praticados em 13-07-2018). c) Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão e nas penas acessórias de: - proibição de contactos com a ofendida BB, incluindo na sua residência e/ou no local de trabalho, bem como por telefone ou outro meio de comunicação à distância, bem como a proibição de uso e porte de armas de qualquer espécie, pelo período de 2 anos e 7 meses (medida da pena), e - proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove-) meses (não contando, para este efeito, o tempo em que o mesmo estiver a cumprir pena). d) Condenar o demandado AA a pagar: (...).” Do recurso interposto para o tribunal da Relação do Porto, veio este Tribunal a desestimar o amparo requestado e (sic): “(…) julgar improcedente o recurso interposto por AA, confirmando-se integralmente o acórdão recorrido.” Desfeiteado com o julgado, recorre para este Supremo Tribunal de Justiça, tendo concluído os argumentos que cevam a respectiva fundamentação, com a síntese conclusiva que a seguir queda extractada. §1.(i). – QUADRO CONCLUSIVO. §(i).a). – DO RECORRENTE. “1ª. A punição pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, que é de perigo concreto, afasta a punição pelos crimes de dano qualificado e homicídio qualificado tentado, sob pena de violação do princípio da dupla valoração. 2ª. A sentença de 1ª instância padece de vício de contradição insanável de fundamentação (artigo 410º nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal) ao dizer que se tratou apenas de fuga à autoridade policial, mas punir em concurso real pelos crimes de homicídio, dano e condução perigosa, vício de que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer (artigo 434º do Código de Processo Penal). 3ª. Não se tendo provado qualquer ato de venda, nem identificado qualquer potencial comprador o recorrente deveria ter sido punido não por um crime de tráfico de produtos estupefacientes previsto no artigo 25º do DL 15/93 de 22.01, mas pelo nº 2 do artigo 40º do mesmo diploma. 4ª. A posse de espadas japonesas que são essencialmente objetos decorativos não é punível criminalmente, mas, quando muito, contra-ordenacionalmente (artigo 97º do RJAM). 5ª. Tendo-se provado que o recorrente agiu sob a influência de um surto psicótico motivado pelo consumo de droga, deveria ser punido pelo artigo 295º do Código Penal. 6ª. Mas mesmo que assim se não entendesse nos crimes que o permitem o Tribunal deveria ter optado pela pena de multa (artigo 70º do Código Penal). 7ª. Uma pena única não superior a 5 anos de prisão decorrente da redução das penas parcelares era suficiente para punir a atuação do recorrente e deveria ser suspensa na sua execução, com regime de prova, porque o prognóstico de vida é positivo dado o enquadramento familiar e social de que beneficia e que consta dos factos 166 a 170 da sentença de 1ª instância. 8ª. A auto-caravana não é um instrumento perigoso pelo que não deve ser declarado perdido a favor do Estado. 9ª. Foram violados nas decisões das instâncias antecedentes os artigos 40º, 70º, 71º, 50º, 53º, 47º, 20º, 295º, 291º (pelo concurso real com o artigo 132º e 213º) todos do Código Penal; artigo 410º nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal; artigo 40º nº 2 do DL 15/93 de 22.01; artigo 97º do RJAM e 86º nº 1 da Lei 5/2006 de 23.02 na atual redação dada pela Lei 50/2019 de 24.07. 10ª. Deve, por isso ser o acórdão revogado e substituído por outro que acatando o presente recurso (…).” §1.(i).b) – RESPOSTA DO RECORRIDO (MINISTÉRIO PÚBLICO) “Com o seu recurso pretende o arguido por em causa as penas parcelares (todas inferiores a 5 anos de prisão) e os seus fundamentos. Com base nessa pretendida alteração formula a 7ª conclusão que passamos a transcrever: Uma pena única não superior a 5 anos, decorrente da redução das penas parcelares era suficiente para punir a atuação do recorrente e deveria ser suspensa na sua execução, com regime de prova, porque o prognóstico de vida é positivo dado o enquadramento familiar e social de que beneficia e que consta dos factos 166 a 170 da 1ª instância. A primeira questão que se levanta é a de saber se o Supremo Tribunal de justiça deverá conhecer do recurso. O Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/5/2015, aborda tal questão, e por isso mesmo, passamos a transcrever um segmento do sumário: “I - O direito a um duplo grau de recurso não é exigido pelas Convenções internacionais a que Portugal aderiu, particularmente pelos arts. 14.º do Pacto Internacional dos Direitos Civis e Políticos interpretado em conjugação com o art. 2.º do Protocolo n.º 7 da CEDH, já que, ao abrigo de tais instrumentos internacionais, o direito a um duplo grau de recurso pode sofrer limitações em caso de crimes de menor gravidade ou sempre que a condenação provenha de tribunal de grau superior ao ad quem e condenado em recurso, por crime de que antes fora absolvido. II - O arguido foi condenado em 1.ª instância, em tribunal colectivo, pela prática de um crime de falsificação de documento, p. e p. pelo art. 256.º, n.º 1, al. a) na pena de 2 anos de prisão, pela prática de um crime de detenção de arma proibida, p. e p. pelo art. 86.º, n.º 1, al. c) na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo art. 21.º e 25.º, al. a), do DL 15/93, de 22-01, com referência à tabela I-C na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, pela prática de 14 crimes de falsificação de documento autêntico na pena de 3 anos e 4 meses de prisão por cada crime e, em cúmulo jurídico, na pena única de 17 anos de prisão, decisão que foi confirmada pelo Tribunal da Relação. III - Em caso de dupla conforme, de confirmação de penas parcelares inferiores a 8 anos pela Relação e em que a pena unitária imposta em cúmulo seja superior a 8 anos de prisão, só pode ser discutida no STJ esta pena unitária. IV - Mesmo em caso de não haver dupla conforme, só haverá recurso da relação desde que as penas parcelares sejam superiores a 5 anos de prisão, já que com a reforma do CPP de 2007 se quis implementar um regime de recursos que não interferisse na celeridade processual, restringindo-se o recurso à pena efectivamente aplicada e não já à aplicável. V - Impõe-se que as penas privativas de liberdade inferiores a 5 anos, atingido o reexame da Relação, não ascendam ao juízo censório do STJ porque a sua medida não respeita aos casos de maior merecimento penal, já porque o art. 432.º, n.º 1, al. c), do CP, directamente o não evidencia e pelo menos numa interpretação a contrario esse alcance não resulta. VI - Na abrangência de todas as penas parcelares, transitadas em julgado, a reponderação do STJ recairá, apenas, sobre a pena única superior a 8 anos de prisão. Ainda sobre o mesmo tema, no sumário do acórdão desse Supremo Tribunal, para fixação de Jurisprudência, publicado no Diário da República n.º 120/2017, Série I de 2017-06-23, escreve-se: “A competência para conhecer do recurso interposto de acórdão do tribunal do júri ou do tribunal coletivo que, em situação de concurso de crimes, tenha aplicado uma pena conjunta superior a cinco anos de prisão, visando apenas o reexame da matéria de direito, pertence ao Supremo Tribunal de Justiça, nos termos do artigo 432.º, n.º 1, alínea c), e n.º 2, do CPP, competindo-lhe também, no âmbito do mesmo recurso, apreciar as questões relativas às penas parcelares englobadas naquela pena, superiores, iguais ou inferiores àquela medida, se impugnadas. Ora, como se infere das decisões transcritas não cabe recurso para a o STJ, das penas parcelares inferiores a 5 anos, uma vez que as penas parciais de que o arguido recorre se situam neste patamar, é nossa convicção que não se poderá conhecer dessa parte do recurso. Porém, o arguido também recorre da pena unitária que foi fixada nos 8 anos e 6 meses de prisão defendendo que esta deve ser inferior a 5 anos de prisão e que deverá ser suspensa na sua execução. Em relação a esta parte poder-se-á conhecer do recurso. O único fundamento que o arguido invoca para a pretendida diminuição da pena unitária é o decorrente da redução das penas parcelares. Ora, não se conhecendo do recurso das penas parcelares como defendemos a impugnação do quanto da pena unitária fica sem qualquer fundamento, o que leva o recurso necessariamente ao insucesso. Por todo o exposto, cremos que o recurso deve ser julgado improcedente e consequentemente haverá manter a decisão recorrida.” §1.(i).c). - PARECER DO EXMO. SENHOR PROCURADOR-GERAL ADJUNTO JUNTO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. “Nestes autos de recurso penal movido pelo arguido AA ao douto acórdão de 27.5.2020 do Tribunal da Relação do Porto proferido no PCC n.º 315/18.1PAOVR do Juiz 3 do Juízo Central Criminal de … – doravante, Acórdão Recorrido –, diz o Ministério Público no STJ o seguinte: A. Dos antecedentes e momentos liminares do recurso. 1. A final do julgamento a que o arguido AA foi submetido no processo comum colectivo e juízo criminal acabados de referir, foi proferido acórdão rematado, para o que aqui interessa, pelo seguinte dispositivo: ─ «Pelo exposto, o Tribunal Coletivo decide: a) Absolver o arguido AA dos dois crimes de sequestro, previstos e punidos pelo artigo 158.º, n.º 1, do Código Penal (de que vem acusado). b) Condenar o arguido AA, como autor material e em concurso efetivo, pelos crimes e nas penas seguintes: ─ um crime de violência doméstica, previsto e punido pelo artigo 152.º , n.º 1, alínea b), n.º 2, alínea a), e n.º 4, do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão e nas penas acessórias de proibição de contactos com a ofendida BB, incluindo na sua residência e/ou no local de trabalho, bem como por telefone ou outro meio de comunicação à distância, bem como a proibição de uso e porte de armas de qualquer espécie, pelo mesmo período (factos praticados entre 11e 13-07- 2018); ─ um crime de condução perigosa de veículo rodoviário, p. e p. pelos artigos 291.º , n.º 1, alínea b), e 69.º , n.º 1, alínea a), ambos do Código Penal, na pena de 1 (um) e 3 (três) meses de prisão e na proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove) meses (não contando o tempo em que o arguido estiver a cumprir pena) – (factos praticados em 13-07-2018); ─ três crimes de dano qualificado, previstos e punidos pelo artigo 213.º, n.º 1, alíneas a) e c), aquela por referência ao disposto no artigo 202.º, alínea a), ambos do Código Penal, nas penas de 1 (um) ano de prisão, 9 (nove) meses de prisão e 9 (nove) meses de prisão, respetivamente (factos praticados em 13-07-2018); ─ seis crimes de homicídio qualificado, na forma tentada, previstos e punidos pelas disposições conjugadas dos artigos 22.º , n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b), 23.º , n.ºs 1 e 2, 73.º , n.º 1, alíneas a) e b), 131.º e I32.º , n.0 S 1 e 2, alíneas g), h) e 1), todos do Código Penal nas penas de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão, 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão e 3 (três) anos e 3 (três) meses de prisão, respetivamente (factos praticados em 13-07-2018); ─ dois crimes de tráfico de estupefacientes menor gravidade, previstos e previstos pelo artigo 25.º, alínea a), do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, na pena de 2 (dois) anos de prisão cada um deles (factos praticados em 23-05-2018 e 13-07-2018, respectivamente), e ─ um crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelo artigo 86.º , n.º 1, alínea d), da Lei n.º 5/2006, de 23 de fevereiro (na redação introduzida pelas Leis n.º 59/2007, de 4 de setembro, 17/2009, de 6 de maio e 26/2010, de 30 de agosto), na pena de 1 (um) ano de prisão (factos praticados em 13-07-2018). c) Condenar o arguido AA, em cúmulo jurídico, na pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão e nas penas acessórias de: ─ proibição de contactos com a ofendida BB, incluindo na sua residência e/ou no local de trabalho, bem como por telefone ou outro meio de comunicação à distância, bem como a proibição de uso e porte de armas de qualquer espécie, pelo período de 2 anos e 7 meses (medida da pena), e ─ proibição de conduzir veículos com motor pelo período de 9 (nove) meses (não contando, para este efeito, o tempo em que o mesmo estiver a cumprir pena). […]. «Declara-se também perdido a favor do Estado o veículo automóvel de matrícula ...-QD-...e seus documentos, apreendidos ao arguido AA, pois que o mesmo, além de aí deter, transportar e ocultar produtos estupefacientes em duas ocasiões, utilizou-o na prática dos ilícitos de condução perigosa, de dano qualificado e de homicídio qualificado na forma tentada, havendo fundado risco que possa, se em seu poder e em liberdade, vir a praticar ilícitos de idêntica natureza, tudo em conformidade com o disposto nos artigos 35.º, n.º 1, do mesmo Decreto-Lei n.º 15/93 e 109.º, n.º 1, do Código Penal. […].». 2. Inconformado, recorreu o AA para o Tribunal da Relação do Porto, impugnando o acórdão do Tribunal Colectivo de facto e de direito, querendo – (i) – ver modificada a decisão de facto com base em erro na apreciação das provas e violação do princípio do in dubio pro reo, e – (ii) – ser, consequentemente, absolvido dos crimes de violência doméstica, tráfico de estupefacientes de menor gravidade e de detenção de arma proibida. Em qualquer circunstância, queixou-se, ainda, – (iii) – de excesso e desproporcionalidade da pena, pedindo – (iv) – a sua redução e a suspensão da execução nos termos do art.º 50º do CP. 3. Julgado pelo, ora, Acórdão Recorrido, o recurso improcedeu em toda a linha, resultando confirmação in totum do acórdão do Tribunal Colectivo de …: ─ Inexistente erro-vício do art.º 410º n.º 2 do CPP ou violação do in dubio pro reo e inepto o recurso enquanto de impugnação alargada nos termos do art.º 413º n.ºs 3 e 4 do CPP, foi confirmada a decisão de facto e mantida a condenação pelos crimes de violência doméstica, tráfico de estupefacientes de menor gravidade e detenção de arma proibida; ─ Quanto à medida da pena, e interpretando o recurso como também dirigido às penas parcelares que não apenas à conjunta, foram umas e outra confirmadas e recusada a suspensão executiva da última por, de 8 anos e 6 meses prisão, sempre estar excedido o máximo de 5 anos por que o art.º 50 referido admite a substituição. ─ E foi, ainda, mantido o perdimento do veículo automóvel, (também) pelos fundamentos da decisão de 1ª instância. 4. Ainda irresignado, interpôs o AA o presente recurso para este Supremo Tribunal de Justiça. Num misto de inconformação com a matéria de facto e com a decisão de direito, diz que: ─ A condenação, em concurso efectivo, pelos crimes de condução perigosa de veículo, de homicídio qualificado tentado e de dano qualificado releva de violação do princípio da proibição da dupla valoração e de contradição insanável na fundamentação, só podendo subsistir a pelo de condução perigosa – conclusões 1ª e 2ª. ─ Não se tendo provado qualquer acto de venda de estupefacientes, sequer nem identificado algum comprador, não poderia ter sido condenado pelos crimes de tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25º al.ª a) do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1, mas sim pelo de detenção para autoconsumo p. e p. pelo art.º 40º n.º 2 do mesmo diploma – conclusão 3ª: ─ A posse das espadas japonesas não constitui o crime de detenção de arma proibida por que foi condenado, quando muito contra-ordenação nos termos do art.º 97º do RJAM – conclusão 4ª; ─ Tendo agido «sob a influência de um surto psicótico motivado pelo consumo de droga» deveria ter sido punido, em lugar de por qualquer dos crimes, pelo art.º 295º do CP – conclusão 5ª; ─ Mesmo assim se não tendo entendido, deveria ter sido punido com penas de multa nos casos em que as normas de incriminação a previam alternativamente (art.º 70º do CP) – conclusão 6ª; ─ A pena única é desproporcionada, por excessiva, não devendo ter sido fixada em medida superior a cinco anos e devia ter sido suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova – conclusão 7ª; ─ O veículo (autocaravana) não é um instrumento perigoso, pelo que não devia ter sido declarado perdido em favor do Estado – conclusão 8ª. Indica violação das normas dos arts. 40º, 70º, 71º, 50º, 53º, 47º, 20º, 295º e 291º do CP; 410º n.º 2 al.ª b) do CPP; 40º n.º 2 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1; e 97º e 86º do RJAM. E pede a revogação e substituição do acórdão por outro que acate o recurso. 5. O recurso foi admitido no Tribunal da Relação do Porto sem qualquer restrição, com efeito suspensivo e subida imediata nos próprios autos. E não foi requerido o seu julgamento em audiência – arts. 411º n.º 5 e 419º n.º 3 al.ª c) do CPP. 6. O Senhor Procurador-Geral Adjunto naquele Tribunal respondeu doutamente ao recurso. Numa parte – reexame das condenações parcelares –, pronunciou-se pela sua rejeição, por irrecorribilidade, uma vez que nenhuma das penas excede os 5 anos de prisão. Na outra – reponderação da pena única –, opinou pela sua improcedência por o arguido assentar a atenuação que pretende na redução das penas parcelares sem que, porém, esta seja legalmente possível em razão da sobredita irrecorribilidade. B. Crítica do recurso. 7. O signatário – di-lo já – acompanha, nos seus traços gerais, a posição do Senhor Procurador-Geral Adjunto do Porto, sendo, como ele, pela rejeição do recurso quanto às condenações parcelares e pela sua improcedência quanto à medida da pena única e sua suspensão executiva. Com efeito: a. Questão prévia: da rejeição parcial do recurso por irrecorribilidade. 8. Como repetidamente referido, o Acórdão Recorrido, do Tribunal da Relação do Porto, foi tirado sobre acórdão do Tribunal Colectivo do Juízo Central Criminal de Aveiro e saldou-se pela sua total improcedência, com confirmação, nos mesmos termos, da deliberação de 1ª instância. Concretamente, foi nele confirmada a condenação do arguido AA tanto com relação à imputação dos crimes de violência doméstica, de condução perigosa de veículo rodoviário, de dano qualificado, de homicídio qualificado tentado, de tráfico de estupefacientes de menor gravidade e de detenção de arma proibida, como com relação às penas parcelares correspondentes – todas de prisão, nenhuma por mais de 5 anos –, como com relação à pena única – 8 anos e 6 meses de prisão –, como, ainda, com relação à declaração de perdimento do veículo automóvel [[1]]. E, como igualmente referido – veja-se 4. supra –, impugna o recorrente tal condenação confirmatória perante este STJ, questionando, além da pena única, as próprias condenações parcelares – seja nos aspectos da comprovação, figuração e imputação dos crimes de condução perigosa, homicídio qualificado tentado e dano qualificado, seja no das punições (singulares) desses e dos demais – e, também, a declaração de perdimento do veículo. Sucede, todavia, que, em tudo o que respeita às condenações e penas parcelares o Acórdão Recorrido não é passível de recurso para este Supremo Tribunal de Justiça, logo, porque nenhuma das penas excede os cinco anos de prisão e porque nenhuma foi decretada inovatoriamente no tribunal de recurso – vejam-se os arts. art.º 399º, 400º, n.º 1 al.ª e) e 432º, n.º 1 b) do CPP, este com a salvaguarda interpretativa decretada pelo Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 595/2018, de 11.12 [[2]] –; depois, e de qualquer modo, porque nenhuma sanção excede os oito anos de prisão e porque se verifica quanto a todas a situação da dupla conforme condenatória – vejam-se os arts. 399º, 400º n.º 1 al.ª f) e 432º n.º 1 b) do CPP. Irrecorribilidade que, como é jurisprudência consolidada, respeita não só às penas propriamente ditas mas também a toda a actividade decisória que subjaz e conduziu à condenação [[3]] e que se estende ao segmento da declaração de perdimento do veículo, por ser «consequência da condenação e, como tal, sem autonomia como fundamento de recorribilidade» [[4]]. 9. Circunstância que, assim e in casu, dita a rejeição do recurso nos termos dos art.ºs 399º, 400º n.º 1 al.ªs e) e f), 420º n.º 1 al.ª b) e 414º n.ºs 2 e 3, todos do CPP, no tocante à comprovação, figuração e imputação de todos os crimes por que o Recorrente foi condenado, à escolha e medida das respectivas penas parcelares e á declaração de perdimento do veículo. E circunstância cuja procedência dispensa a indagação da existência de caso julgado parcial relativamente à questão da culpabilidade pelos crimes de condução perigosa, de homicídio e de dano qualificado, que se tem muito dúvidas sobre se, no desenho que emprestou ao recurso perante o Tribunal da Relação descrito em 2., o não limitou, nessa parte e como permitido pelo art.º 402º n.ºs 1 e 2 al.ª c) e d) do CPP, à questão da determinação da sanção. C. Do mérito do recurso. 10. Restringido, assim – espera-se –, o objecto da impugnação à medida da pena única de prisão – relativamente à qual, pese a dupla conforme, não se põem questões de (ir)recorribilidade, por superior a 8 anos, concretamente, 8 anos e 6 meses – e à sua substituição pela pena de suspensão de execução nos termos dos art.º 50º do CP, reitera-se, aqui, que o recurso deve improceder, acrescentando-se, muito singelamente, que, contrariamente ao que o recorrente sustenta, a pena em causa se mostra doseada em conformidade com os critérios definidos nos arts. 40º, 71º e 77º do CP – por isso que não podendo/devendo ser reduzida, muito menos para os 5 anos pretendidos – e que, por excedente a 5 anos de prisão, não é susceptível de suspensão, aderindo para o efeito o signatário, por brevidade e economia de meios, à proficiente fundamentação do próprio Acórdão Recorrido.” §1.(iii). – QUESTÕES A MERECER APRECIAÇÃO NO RECURSO. As sínteses conclusivas que quedam transcritas permitem sacar as sequentes questões para conhecimento: (i). – Rejeição do recurso, na parte em que se impugnam, e se pretende, por reapreciação deste Supremo Tribunal de Justiça, a modificação/alteração das penas parcelares inferiores a cinco (5) anos; (ii). – Determinação/Individualização judicial da Pena Única. §2. – FUNDAMENTAÇÃO. §2.(i). – DE FACTO. A decisão recorrida apreciou a oposição que o arguido opôs á decisão da matéria de facto e aos apontados erros endógenos e/ou intrínsecos decorrentes do texto da decisão recorrida, tendo validado a decisão quanto à factualidade que o tribunal de 1ª instância havia adquirido. Porque assim, e porque lido o texto da decisão, não se descortinam vícios que sejam susceptíveis de afectar a compreensibilidade, aptidão e idoneidade cognitiva interna da decisão, coonesta-se a factualidade adquirida e consolidada, nas instâncias, transcrevendo-se a decisão de facto tal como se encontra assumida. “«Da discussão da causa, resultaram provados os factos seguintes: A) - (Proc. n.º 315/18.1PAOVR) 1) O arguido AA e a ofendida BB viveram em união de facto pelo menos desde fevereiro de 2018 até ao dia 13 de julho de 2018, data em que aquele foi detido no âmbito dos presentes autos, sendo que nesse período mantiveram residência comum, primeiro em … e depois na autocaravana com a matrícula ...-QD-..., da marca FIAT e modelo Ducato, da propriedade do arguido. 2) A partir de abril de 2018, este relacionamento pautou-se pela conflitualidade física e verbal, consequência do temperamento agressivo do arguido, causador de diversos episódios de violência sobre a ofendida, sua companheira, episódios esses que já em maio de 2018 levaram a ofendida a abandonar a residência comum e a denunciar, perante a PSP, uma agressão de que terá sido vítima por parte do arguido no Parque …, em …, e determinaram a instauração contra o arguido do Inquérito n.º 394/18.1… que correu termos na 2.ª Secção de … do DIAP da Comarca de … e foi arquivado por despacho proferido em 26-10-2018 (fls. 634 e 635). 3) Pouco depois de tais factos, o arguido e a ofendida retomaram a vida em comum, tornando a partilhar cama, mesa e habitação na autocaravana supra referida, à qual esta regressou. 4) Na manhã do dia 11 de julho de 2018, quando ambos se encontravam no interior daquela autocaravana, o arguido desferiu murros na cabeça e outras partes do corpo da ofendida, bem como pontapés em várias partes do corpo desta, ao mesmo tempo que a chamava repetidamente de “puta” e “vaca”. 5) Ato contínuo, e porquanto a ofendida demonstrou a intenção de sair daquela autocaravana para fugir do arguido e evitar as sobreditas agressões, este fechou as portas daquele veículo, impedindo a ofendida de sair do mesmo e de pedir auxílio, e continuou a agredi-la com murros e pontapés por todo o corpo. 6) A dada altura, o arguido colocou a sobredita autocaravana em andamento, seguindo pela A2 e, pelas 10:00 horas desse dia, quando se encontrava ao Km … desta via, na região do …, …, apercebendo-se de que a ofendida tentava abrir as portas daquele veículo e abandonar o mesmo em andamento, o arguido parou a autocaravana, momento em que a ofendida conseguiu abrir a porta da mesma e sair para a berma da via. 7) Não obstante, o arguido seguiu no encalço da ofendida, desferiu vários murros na cabeça e pontapés no corpo desta e agarrou-a e puxou-a pelos cabelos, arrastando- a em direção à autocaravana e tornando a colocá-la no interior da mesma. 8) Nesse momento, parou naquele local um veículo da BRISA e um dos indivíduos que nele seguiam abeirou-se da autocaravana, momento em que a ofendida aproveitou para fugir, saindo da autocaravana e dirigindo-se para junto daquele veículo da BRISA. 9) Ato contínuo, o arguido fechou a porta da autocaravana e retomou a sua marcha ao volante da mesma, abandonando aquele local, tendo vindo a ser intercetado e identificado pelos militares da GNR CC (Cabo de Cavalaria n.º 2..6/21…05) e DD (Guarda nºs 6…0/210…05), ambos em exercício de funções no Posto de Trânsito de … - Destacamento de Trânsito de …, pelas 11:50 horas desse dia, ao Km … da A2, quando por ali circulava com aquela autocaravana. 10) Por sua vez, na sequência dos factos supra descritos e após ter relatado o sucedido aos funcionários da BRISA, a ofendida foi recolhida pela GNR de … - Destacamento de Trânsito de … e pelos Bombeiros Voluntários de …, sendo por estes encaminhada para o Hospital …, sito na Avenida …, em …, onde deu entrada pelas 11:15 horas desse dia e recebeu tratamento hospitalar, seguido de alta pelas 12:50 horas do mesmo dia. 11) Ao agir da forma descrita em 4), 5) e 7), o arguido provocou dor física na ofendida BB e causou-lhe, como consequência directa e necessária da sua conduta, traumatismos dispersos, escoriação na região lombar, dor à apalpação do tórax e contusão muscular da nádega e anca direitas. 12) Na noite desse dia 11 de julho, o arguido telefonou à ofendida e, a pretexto de fazerem as pazes e de lhe devolver os seus pertences, combinou com aquela encontrarem-se na manhã do dia seguinte, na rotunda de …, local onde residem os familiares da ofendida, para onde aquela se dirigiu de comboio, a fim de ali pernoitar, e onde ela chegou pela 01:00 horas do dia 12 de Julho. 13) Na sequência do assim combinado, pelas 09:00 horas do dia 12 de julho de 2018, a ofendida e o arguido encontraram-se naquela rotunda e, uma vez aí, aquela entrou para a sobredita autocaravana e rumaram ambos, naquele veículo, conduzido pelo arguido, em direção ao …, onde passaram o dia. 14) No final desse dia 12 de julho, o arguido tripulou a autocaravana para junto do parque de campismo do … e aparcou-a numa zona de pinhal, próxima desse parque, ali pernoitando com a ofendida. 15) Pelas 05:00 horas do dia 13 de julho de 2018, quando a ofendida se encontrava a dormir, o arguido tornou a agredi-la, desferindo-lhe murros e pontapés em várias zonas do corpo, e retirou-lhe os documentos e o telemóvel, assim a impedindo que contactasse telefonicamente com terceiros a pedir auxílio, tornando depois a agredi-la nos moldes supra descritos. 16) Pelas 06:30 horas desse dia 13 de julho, o arguido disse à ofendida que ia dirigir-se para … para "fazerem as pazes ou, caso contrário, entregar-lhe-ia os seus pertences e deixá-la-ia ir-se embora". 17) Posto isto, o arguido colocou em marcha a autocaravana e, transportando consigo a ofendida, dirigiu-se para o parque de estacionamento do centro comercial “Dolce Vita”, em …, onde chegou pelas 06:50 horas desse dia, ali aparcando aquele veículo. 18) Já nesse parque de estacionamento, a ofendida conseguiu sair daquela autocaravana, sendo que o arguido seguiu de imediato no seu encalço e, já no exterior daquele veículo mas junto ao mesmo, tornou a desferir murros e pontapés em diversas zonas do corpo da ofendida, apertou-lhe os braços e agarrou-a por estes, arrastando o corpo da ofendida na direção daquela autocaravana por forma a tornar a colocá-la no interior da mesma. 19) Nesta ocasião, a ofendida gritou por socorro e uma pessoa que por ali passava, apercebendo-se do sucedido, chamou as pessoas que exerciam funções de segurança naquele centro comercial, as quais acorreram de imediato ao local, impediram o arguido de se aproximar da ofendida e chamaram a PSP de …, que para ali se deslocou. 20) Quando já ali se encontravam os agentes da PSP, o arguido dirigiu-se para a autocaravana e quando EE, agente da PSP de …, lhe disse que esperasse naquele local porque tinha de o identificar, o arguido começou a correr, entrou na autocaravana, colocou-a em movimento e fugiu dali ao volante da mesma. 21) De imediato, os agentes EE e FF, este também da PSP de …, fazendo-se transportar no veículo automóvel pertença da PSP, caracterizado com os sinais distintivos desta Polícia, da marca e modelo Skoda Octavia e com a matrícula ...-BB-... - tripulado pelo agente FF, seguindo o agente EE no banco do passageiro da frente seguiram no encalço do arguido, com os sinais luminosos e sonoros do veículo BB ligados, e solicitaram via rádio a intervenção dos demais agentes da PSP que então se encontravam em serviço de patrulha / policiamento naquela cidade, por forma a surpreenderem o arguido no trajeto com aquela autocaravana e a intercetarem o mesmo. 22) No trajeto que efetuou, seguido pelos sobreditos agentes EE e FF, o arguido circulou com a autocaravana pela Rua … e, ao chegar ao entroncamento desta rua com a Alameda …, ingressou nesta última via sem parar no sinal de paragem obrigatória ("STOP") ali existente e sequer sem moderar a velocidade. 23) Dali, o arguido seguiu pela Avenida … em direção à Avenida … e de seguida virou para a Rua …, na qual ingressou sem abrandar a velocidade da autocaravana e sem ceder a passagem a um veículo automóvel que transitava nessa rua e se lhe apresentava pela direita e que foi imobilizado de imediato pelo seu condutor, que assim evitou o embate entre este e aquela autocaravana. 24) O arguido continuou a sua marcha pela Rua …, virando depois à direita para a Rua … e virando de seguida à esquerda, ingressando na Rua … sem parar no sinal de paragem obrigatória ("STOP") ali existente e sequer sem moderar a velocidade, só não colidindo com os demais automóveis que transitavam nesta rua porquanto estes foram de imediato imobilizados pelos respetivos condutores, que assim evitaram o embate entre os seus veículos e a autocaravana tripulada pelo arguido. 25) Entre estes veículos conta-se o motociclo pertença do agente da PSP GG, em exercício de funções na Esquadra de …, que circulava por aquela via ao volante do seu motociclo quando se apercebeu da trajetória efetuada pelo arguido e imobilizou de imediato este seu veículo, assim evitando que este fosse embatido pela autocaravana tripulada pelo arguido. 26) Nesta ocasião, apercebendo-se da perseguição policial movida ao arguido, o agente GG seguiu também no encalço do mesmo, tripulando aquele seu motociclo, por forma a auxiliar os agentes da PSP de … na tarefa de intercetar o arguido. 27) O arguido seguiu em frente e continuou a sua marcha pela Rua … e quando chegou à interceção desta com a Rua …, não parou no sinal luminoso vermelho ali existente e que se encontrava acionado, entrando nesta última via sem sequer moderar a velocidade, só não colidindo com os demais veículos que transitavam nesta rua porquanto estes foram de imediato imobilizados pelos respetivos condutores que assim evitaram o embate entre os seus veículos e a autocaravana tripulada pelo arguido. 28) Entretanto, os agentes HH, II e JJ, todos da PSP de …, que se faziam transportar no veículo daquela Polícia da marca e modelo Ford Transit e com a matrícula ...-...-XL, caracterizado com os sinais distintivos da PSP, e que também seguiam no encalço do arguido, acionaram os sinais sonoros e luminosos deste veículo por forma a intercetarem o arguido que, contudo, passou por esta viatura policial sem parar e seguiu pela Avenida …, rumando no sentido Sul / Norte e transitando na hemi-faixa de rodagem da esquerda, em sentido contrário ao da circulação do trânsito naquele local, após o que entrou no Posto de Abastecimento de Combustíveis da "BP" ali existente e imobilizou a autocaravana que tripulava. 29) Imediatamente após o arguido, entrou naquele Posto a aludida viatura policial de matrícula ...-...-XL, com os sinais sonoros e luminosos acionados, a qual foi parqueada pelos agentes que nela seguiam na via de acesso àquele Posto, por forma a bloquear a saída do arguido daquele local. 30) Ato contínuo, o arguido retomou a sua marca ao volante da autocaravana, contornou o ...-...-XL e seguiu pela rotunda existente junto daquele PAC, em sentido contrário ao da circulação do trânsito naquele local. 31) Nesse momento, os agentes EE e FF, da PSP de …, que se mantinham no veículo automóvel pertença da PSP com a matrícula ...-BB-..., retomaram o seguimento à autocaravana tripulada pelo arguido, mantendo os sinais luminosos e sonoros deste veículo ligados. 32) Então, o arguido, ao volante daquela autocaravana, seguiu pela Avenida …, no sentido Norte/Sul, virou à direita para a Rua … e depois à esquerda para a Rua …, na qual entrou e circulou com aquela autocaravana e ao longo de cerca de 250 metros em sentido contrário ao do trânsito (que naquela via é de sentido único), só não colidindo com os demais veículos que por ali transitavam porquanto estes foram de imediato desviados para o passeio daquela via e imobilizados pelos respetivos condutores, que assim evitaram o embate entre os seus veículos e a autocaravana tripulada pelo arguido. 33) No entroncamento da Rua … com a Rua …, o arguido virou à esquerda e seguiu em direção à Rua …, também em sentido contrário ao do trânsito existente naquela via e também aqui só não colidindo com os demais veículos que por ali transitavam porquanto estes foram de imediato desviados para o passeio daquela via e imobilizados pelos respetivos condutores, que assim evitaram o embate entre os seus veículos e a autocaravana tripulada pelo arguido. 34) Já na Rua …, o arguido virou à direita para a Rua … e depois à esquerda para a Rua …, na qual ingressou sem parar no sinal de paragem obrigatória ("STOP") ali existente e sequer sem moderar a velocidade, só não colidindo com um veículo que transitava nessa rua porquanto este foi de imediato imobilizado pelo seu condutor, que assim evitou o embate entre ambos os veículos. 35) Chegado ao cruzamento da Rua … com a Rua … o arguido não parou no sinal luminoso vermelho ali existente e que se encontrava acionado, entrando nesta última via sem sequer moderar a velocidade, mais uma vez só não colidindo com os demais automóveis que transitavam nesta rua porquanto estes foram de imediato imobilizados pelos respetivos condutores, que assim evitaram o embate entre os seus veículos e a autocaravana tripulada pelo arguido. 36) Já na Rua …, o arguido virou à esquerda para a Rua … e depois novamente à esquerda para a Rua … . 37) Neste momento - e porquanto também já seguiam no encalço do arguido os agentes da PSP de … que se faziam transportar no veículo de matrícula ...-...-XL -, os agentes EE e FF dirigiram-se para a Rua de … e imobilizaram o ...-BB-... na interceção entre esta rua e a Rua Conselheiro …, em …, mantendo os sinais luminosos e sonoros do mesmo, por forma a bloquearem a passagem naquele local da autocaravana tripulada pelo arguido e impedirem que este entrasse novamente na Rua de … e prosseguisse a trajetória que vinha efetuando. 38) Pelas 07:20 horas (deste dia 13 de julho de 2018), quando chegou ao final da Rua Conselheiro … e se preparava para ingressar novamente na Rua de …, o arguido apercebeu-se de que o ...-BB-... ali se encontrava parado e a bloquear essa passagem e, não obstante tenha visto que no seu interior se encontravam os agentes EE e FF, prosseguiu em velocidade com a autocaravana ...-QD-... na direção do ...-BB-..., para seguir o seu percurso, embatendo com a parte frontal esquerda do QD na parte lateral esquerda do BB, que rodopiou sobre si mesmo e se imobilizou a uns metros do local e no sentido oposto àquele em que inicialmente se encontrava. 39) O agente FF ainda conseguiu sair do BB imediatamente antes deste embate e gritar para o que o agente EE fizesse o mesmo, mas este não o conseguiu fazer. 40) Em virtude da colisão da autocaravana com o ...-BB-..., o agente EE foi projetado contra o vidro da porta dianteira direita, embatendo com a cabeça neste vidro. 41) Como consequência direta e necessária deste embate, EE sofreu dor física e escoriação superficial com crosta sanguínea na face posterior (bordo cunital) no terço medial e distai do antebraço, medindo 9x2.5cm, ausência de nistagmo e instabilidade postural de predomínio à direita, apresentando prova dedo/nariz ligeiramente alterada e prova de Romberg positiva. 42) Estas lesões determinaram para EE um período de 119 (cento e dezanove) dias de doença, com afetação da capacidade para o trabalho geral e para o trabalho profissional por igual período, mas sem consequências permanentes. 43) Do referido embate da autocaravana ...-QD-... no veículo policial de matrícula ...-BB-..., da propriedade da Polícia de Segurança Pública, e de valor não concretamente apurado, mas superior a 5.100,00€ (cinco mil e cem euros), resultaram ainda danos nos cintos de segurança, na embaladeira, nas portas e respetivos pilares, fechos e vidros, nos airbags, no tablier, no pára-choques, nos farolins e nos guarda- lamas, nas grelhas das colunas da frente, na pintura e nas legendas em vinil deste veículo, cuja reparação importou o valor de 5.944,44€ (cinco mil, novecentos e quarenta e quatro euros e quarenta e quatro cêntimos), com o correspondente prejuízo para aquela Polícia. 44) Na mesma ocasião de tempo e lugar descrita em 38), o arguido embateu ainda com a autocaravana que tripulava no veículo automóvel de matrícula ...-RE-..., da propriedade de KK e que ali se encontrava estacionado, provocando danos na zona da embaladeira, pára-choques e jante da parte frontal esquerda deste veículo. 45) Imediatamente após ter embatido no BB e no RE, o arguido continuou a sua marcha ao volante da autocaravana, seguindo pela Estrada Nacional n.9 …, na direcção de … (sentido poente / nascente), no que foi seguido pelos agentes HH e GG, ambos fazendo-se transportar no motociclo particular deste último, e pelos agentes II e JJ que se mantiveram no veículo policial ...-...-XL. 46) Na referida Estrada Nacional n.º 327, o arguido seguiu durante cerca de 3000 metros pela hemi-faixa de rodagem da esquerda, em manobra de ultrapassagem, até chegar à rotunda de acesso à A29, na interceção daquela estrada com a Rua da …, só não colidindo com os demais automóveis que transitavam naquele estrada, em ambos os sentidos, porquanto os respetivos condutores reduziram a velocidade dos mesmos e os desviaram da trajetória efetuada pelo arguido, assim evitando o embate entre os seus veículos e a autocaravana tripulada por este. 47) Chegado àquela rotunda de acesso à A29, o arguido entrou numa estrada em terra batida, de acesso a uma zona florestal e sem saída, onde de imediato entraram também os agentes HH e GG, no motociclo deste e, pouco depois, os agentes II e JJ, no veículo policial ...-...-XL. 48) Verificando que o arguido efetuava manobra de inversão de sentido de marcha e dava sinal de que ia parar a autocaravana, os agentes HH e GG dirigiram-se ao mesmo apeados e no intuito de o abordar quando, de repente, e sem que nada o fizesse prever, o arguido tornou a imprimir velocidade àquela autocaravana e prosseguiu a marcha para abandonar o local e pôr-se em fuga, o que fez na direção dos referidos agentes HH e GG, só não os tendo atropelado em virtude destes se terem, de imediato, atirado para os lados, por forma a evitarem que a autocaravana tripulada pelo arguido embatesse nos seus corpos. 49) Nesta ocasião, o arguido embateu com a autocaravana na parte lateral dianteira, do lado esquerdo, da viatura da PSP caracterizada com os sinais distintivos desta Polícia, com a matrícula ...-CN-..., que entretanto também acorreu àquele local e na qual circulava o agente LL, da PSP de … . 50) Do referido embate da autocaravana ...-QD-... no veículo policial de matrícula ...-CN-..., da propriedade da Polícia de Segurança Pública, e de valor não concretamente apurado mas superior a 5.100,00€ (cinco mil e cem euros), resultaram ainda danos no guarda-lamas, pára-choques e pintura deste veículo, cuja reparação importou o valor de 196,36C (cento e noventa e seis euros e trinta e seis cêntimos), com o correspondente prejuízo para aquela Polícia. 51) Não obstante os factos supra descritos, o arguido continuou a sua marcha, ao volante da autocaravana, seguindo pela Rua da … e pela Estrada Nacional n.s 327, em direção à cidade de …, no que foi de imediato seguido pelos agentes HH, II e JJ, transportando-se no veículo policial ...-...-XL, e pelo agente LL, da PSP de …, este transportando-se no veículo policial ...-CN-.... 52) A dada altura, com o veículo policial ...-CN-... posicionado ao lado da autocaravana tripulada pelo arguido, o agente LL, em tom de voz alto, dirigiu-se ao arguido, instando-o a parar aquela viatura, momento em que o arguido olhou para ele, sorriu e imprimiu ainda mais velocidade a autocaravana, continuando em fuga. 53) Então, o arguido entrou nas rotundas da “…” e …, em …, sem abrandar a marcha e sem ceder a prioridade, rumando em direção ao centro comercial “Dolce Vita” e depois ao centro de …, só não colidindo com os demais veículos que transitavam naquelas rotundas porquanto os respetivos condutores reduziram a velocidade dos mesmos e os desviaram da trajetória efetuada pelo arguido, assim evitando o embate entre os seus veículos e a autocaravana tripulada por este. 54) O arguido seguiu a sua trajetória até chegar à Avenida …, naquela cidade, sendo que neste percurso efetuou várias ultrapassagens pelo lado direito dos veículos que seguiam na mesma via e sentido, só não colidindo com estes porquanto os respetivos condutores reduziram a velocidade dos mesmos e os desviaram da trajetória efetuada pelo arguido, assim evitando o embate entre os seus veículos e a autocaravana tripulada por este. 55) Nessa avenida, os agentes HH, II e JJ, que se mantinham no seguimento do arguido, deixaram de o avistar, tendo, entretanto, recebido a informação de que o sobredito agente LL avistara o mesmo e que este se encontrava na zona escolar de … e seguia novamente na direção da Avenida …, naquela cidade. 56) Na sequência desta informação, os agentes HH, II e JJ colocaram o veículo policial ...-...-XL junto da rotunda da "BP", sita naquela avenida e mantiveram-se no exterior, mas junto da mesma, a afastar daquele local os populares que ali se encontravam e aguardando pelo arguido, por forma a intercetá-lo e à autocaravana por ele tripulada. 57) Logo que avistaram o arguido ao volante desta autocaravana, aqueles agentes efetuaram-lhe sinal de paragem obrigatória. 58) Ao invés de acatar este sinal e parar a autocaravana que tripulava, o arguido prosseguiu a sua marcha, em velocidade e em frente, embatendo na parte da frente e lado direito da viatura policial ...-...-XL e só não atropelou os agentes HH e II e JJ, que se encontravam ao lado dessa viatura, porquanto estes, apercebendo-se que o arguido dirigia a autocaravana no seu sentido (e do XL), se desviaram da mesma, saindo em corrida de junto do XL. 59) De imediato, o agente HH entrou para outro veículo policial que ali se encontrava e no qual seguia o Comissário MM, Comandante da Esquadra de …, seguindo todos neste veículo e no encalço do arguido. 60) Entretanto, o arguido, que seguira tripulando a autocaravana, entrou na Rua …, via onde esta veio a ficar imobilizada por ter largura excessiva para aquela via, ficando presa entre as paredes que a ladeiam. 61) O arguido, vendo-se impossibilitado de seguir em frente, ainda tentou efetuar a manobra de marcha atrás, mantendo aquela autocaravana em funcionamento, não obstante as ordens que reiteradamente lhe foram dirigidas pelos elementos policiais que ali se encontravam para que desligasse o motor daquele veículo e saísse do mesmo. 62) Então, após garantir que seria preservada a integridade física do arguido e das demais pessoas que se encontravam no local, o Comissário MM gritou "Polícia! Vou disparar!" e, de seguida, efetuou dois disparos num ângulo de 45 graus e na direção do radiador daquela autocaravana, por forma a fazer parar o respetivo motor, o que sucedeu. 63) Então, o arguido abandonou o lugar do condutor, trancou as portas da autocaravana e passou para a parte de trás da mesma, correndo as cortinas desta. 64) Posto isto, os elementos policiais que ali se encontravam fizeram uma linha de contenção naquele local e acionaram a intervenção da Unidade de Especial da PSP, que ali se dirigiu e que, mediante a utilização de gás lacrimejante, logrou que o arguido saísse da autocaravana, pelas 13:30 horas daquele dia 13 de julho de 2018, sendo de imediato detido. 65) Do supra descrito embate da autocaravana de matrícula ...-QD-... no veículo policial de matrícula ...-...-XL, propriedade da Polícia de Segurança Pública, e de valor não concretamente apurado mas superior a 5.100,00€ (cinco mil e cem euros), resultaram ainda danos no radiador, intercooler, capôt e respetivas dobradiças, trinco, cilindro, escora, isolador e tubo de ar, medidor de massa de ar, faróis, painel de forro lateral, depósito de direção assistida, guarda-lamas, pára-choques, grelha, depósito de água, ar condicionado, nas legendas em vinil e na pintura deste veículo, cuja reparação importou o valor de 3.698,04C (três mil, seiscentos e noventa e oito euros e quatro cêntimos), com o correspondente prejuízo para aquela Polícia. 66) Durante todo o trajeto por si efetuado ao volante da referida autocaravana, o arguido circulou a uma velocidade não concretamente apurada, mas frequentemente superior a 70 Kms / hora. 67) As vias púbicas por onde o arguido circulou com aquela autocaravana são ladeadas por edificações e a velocidade permitida para a circulação nas mesmas de veículos com as características daquela autocaravana é de 50 Kms / hora. 68) Pelas 16:30 horas do dia 13 de julho de 2018, em … e no interior da autocaravana de matrícula ...-QD-..., o arguido detinha: - uma placa de canábis (resina) com o peso de 92,01g, suficiente para a sua divisão em 248 (duzentas e quarenta e oito) doses individuais de tal produto; - três bolotas de canábis (resina) com o peso de 29,87g, suficientes para a sua divisão em 128 (cento e vinte e oito) doses individuais de tal produto; - duas bolotas de canábis (resina) com o peso de 19,53g, suficientes para a sua divisão em 82 (oitenta e duas) doses individuais de tal produto; - quatro bolotas de canábis (resina) com o peso de 39,57g, suficientes para a sua divisão em 168 (cento e sessenta e oito) doses individuais de tal produto; - um saco contendo cabeços de plantas de canábis (folhas/sumidades) com o peso de 3,03g, suficientes para a sua divisão em 3 (três) doses individuais de tal produto; - um saco contendo 8,21g de MDMA, suficiente para a sua divisão em 39 (trinta e nove) doses individuais de tal produto, e - catorze panfletos contendo 8,23g de MDMA, suficiente para a sua divisão em 39 (trinta e nove) doses individuais de tal produto. 69) O arguido que, desde data não concretamente apurada, mas pelo menos desde fevereiro de 2018 e até àquele dia 13 de julho de 2018, vinha procedendo à aquisição, consumo e, por vezes, distribuição a terceiros de substâncias estupefacientes, nomeadamente canábis (resina e folhas/sumidades e MDMA), adquirindo tais produtos em local e a indivíduos não concretamente apurados e de seguida consumindo-os e cedendo alguns deles, em datas, locais e em quantidades não concretamente apuradas, a diversos indivíduos seus amigos / conhecidos, para consumo destes, destinava os produtos estupefacientes referidos em 68) ao seu consumo próprio e à cedência a terceiros consumidores, nos termos supra referidos, para a qual não se encontrava autorizado. 70) Na mesma ocasião de tempo e lugar referida em 68), o arguido detinha ainda: - uma espada do tipo "Katana" Japonesa, de marca desconhecida, com o comprimento total de 99,5 cm e com uma lâmina dotada de superfície corto-contundente medindo 68,5 cm de comprimento, com punho ornamentado em material não especificado e bainha própria para condicionamento, em madeira, e - uma espada do tipo "Katana" Japonesa, da marca "Marto - Toledo", com o comprimento total de 102,5 cm e com uma lâmina dotada de superfície corto- contundente medindo 65 cm de comprimento, com punho ornamentado em material não especificado e bainha própria para condicionamento, em material não especificado mas semelhante ao plástico. 71) Como consequência direta e necessária das agressões perpetradas pelo arguido no seu corpo, nos dias 12 e 13 de julho de 2018, nos termos descritos em 15) e 18), a ofendida BB sentiu dor física e sofreu, pelo menos, as seguintes lesões: - crânio: escoriações em fase de cicatrização localizadas: na metade esquerda do terço superior da região frontal com concavidade voltada para baixo (3 cm); na metade direita do terço superior da região frontal com concavidade voltada para cima (3 cm); na metade direita do terço inferior da região frontal linear (3 cm); toda a região frontal está ocupada por equimose com tonalidade integralmente amarelada que se estende à região interciliar estando esta área edemaciada; área preenchida por pontuado equimótico (3 cm por 2 cm) no terço lateral esquerdo da região supraciliar esquerda; - face: equimose com tonalidade amarelada peri orbitária bilateral, área escoriada com 2 cm de comprimento em fase de cicatrização no canto medial de cada fenda ocular; área de equimose com tonalidade violácea e amarelada abrangendo área com 3 cm por 4 cm de maiores dimensões na região infra-orbitária esquerda; escoriação linear lateralmente à asa esquerda do nariz com 1 cm de comprimento e com sinais inflamatórios associados; - pescoço: múltiplas áreas de equimose com tonalidade amarelada e violácea, localizadas na região inframentoniana apresentando a maior 3 cm por 3 cm, estando localizada à esquerda; duas escoriações lineares paralelas entre si e dispostas obliquamente, localizadas na face lateral esquerda do terço médio da região cervical com 3 cm de comprimento cada uma, distando lcm entre si; - ráquis: equimoses com configuração circular (1 cm de diâmetro) e com tonalidade amarelada localizadas na região lombar (metade direita e esquerda); - braço direito: equimoses com configuração circular (1 cm de diâmetro) e com tonalidade esverdeada localizadas na face posterior do antebraço e cotovelo; - braço esquerdo: equimoses com configuração circular (1 cm de diâmetro) e com tonalidade amarelada e esverdeada, localizadas na face lateral e medial em terço médio de braço; - perna direita: equimoses com tonalidade violácea e halo amarelado e contornos muito esbatidos, localizadas na face medial e posterior da coxa e ainda na fossa poplítea (face posterior de joelho), e - perna esquerda: equimoses com tonalidade amarelada e contornos muito esbatidos, localizadas na face anterior do terço médio superior e médio da perna. 72) Ao atuar da forma supra descrita, o arguido agiu com a intenção, conseguida, de agredir fisicamente a sua companheira BB, como fez, no interior do domicílio comum, deixando-a com dores, ferida e assustada, inquieta e receosa de futuros ataques à sua integridade física e à sua vida, tudo isto indiferente ao facto de manter com a ofendida um relacionamento análogo ao conjugal, e de que, ao menos por isso, lhe dever respeito e consideração. 73) Ao atuar nos moldes supra descritos e reportados ao dia 11 de julho de 2018, agiu o arguido com o propósito, logrado, de fazer com que a ofendida BB entrasse na referida autocaravana e se mantivesse no interior da mesma contra a sua vontade, visando privá-la da sua liberdade de movimentos, o que logrou. 74) De igual modo, ao atuar nos moldes supra descritos e reportados aos dias 12 e 13 de julho de 2018, agiu o arguido, mais uma vez, com o propósito logrado de fazer com que a ofendida BB entrasse na referida autocaravana e se mantivesse no interior da mesma. 75) Por outro lado, o arguido atuou visando e logrando conduzir a autocaravana com a matrícula ...-QD-... da forma por que o fez, violando, desse modo, as regras de circulação rodoviária relativas à prioridade, obrigação de parar, mudança de direção, limite de velocidade e à obrigatoriedade de circular na faixa de rodagem da direita, admitindo como possível que viesse a embater com aquela autocaravana nos veículos supra referidos, que circulavam pelas vias por onde ele tripulou o ...-QD-... e assim pudesse lesar a integridade física e até a vida dos tripulantes daqueles veículos, conformando-se com tal possibilidade. 76) O arguido conhecia as características do ...-QD-... e dos locais por onde o conduziu, conhecendo as normas que regulam a circulação rodoviária e bem sabendo que nesta condução estava obrigado a cumprir com os ditames das mesmas. 77) O arguido conhecia o valor dos veículos caracterizados com os sinais distintivos da Polícia de Segurança Pública, com as matrículas ...-BB-..., ...-...-XL e …-CN-…, e sabia que estes pertenciam àquela força de segurança e eram por esta utilizados no exercício do serviço público e que, agindo da forma supra descrita, atuava contra a vontade do respetivo dono e, ainda assim, atuou sabendo que, ao prosseguir a sua marcha, iria destruir e inutilizar os referidos veículos, como o fez. 78) O arguido conhecia a natureza e características da autocaravana com a matrícula ...-QD-..., que quis e logrou tripular e utilizar nos moldes supra descritos, estando ciente das potencialidades letais da mesma. 79) Ao seguir com aquela autocaravana, em velocidade, na direção onde estava o veículo policial de matrícula ...-BB-..., bem sabia que poderia atingir os ofendidos EE e FF e, bem assim, ao seguir na direção onde estavam os ofendidos GG, HH, II e JJ, nos moldes em que o fez, atuou o arguido admitindo que daquelas suas condutas, atenta a velocidade a que seguia e a dimensão / peso da autocaravana que dirigia, por oposição à dimensão/peso e consequente resistência do veículo ...-BB-... e dos corpos dos referidos ofendidos, pudesse resultar a morte destes e conformando-se com a possibilidade de tal suceder, o que representou e só não logrou por razões alheias à sua vontade. 80) O arguido atuou ciente de os ofendidos eram agentes de autoridade em exercício de funções na Polícia de Segurança Pública, que se encontravam no exercício dessas suas funções e que agiram da forma supra descrita por causa delas. 81) E previu agredir fatalmente os ofendidos apenas com o intuito de fugir do local onde se encontrava, por forma a furtar-se à intervenção destes enquanto agentes policiais e, assim, à responsabilidade criminal que lhe pudesse vir a ser assacada pela prática dos factos supra descritos, denotando com a sua atuação total indiferença à vida humana e aos especiais deveres de respeito e de cooperação que sabia serem devidos para com os agentes da autoridade e motivou-se por valores particularmente distanciados dos comummente aceites pela comunidade. 82) Ao agir do modo descrito em 68) e 69), o arguido fez com que os produtos estupefacientes por si adquiridos e cedidos fossem distribuídos por terceiros de identidades não concretamente apuradas, dependentes do consumo de tais substâncias, o que quis. 83) O arguido agiu com o propósito, concretizado, de adquirir produtos estupefacientes, mormente canábis (resina e folhas/sumidades) e MDMA para seu consumo e cedência a terceiros e de deter esses produtos e realizar a sua cedência nos termos supra descritos, bem sabendo que não se encontrava autorizado a fazê-lo. 84) Fê-lo pese embora conhecesse a natureza, qualidade, quantidade e composição estupefaciente dos produtos por si adquiridos, detidos e cedidos, bem sabendo que a sua aquisição, detenção e cedência, a qualquer título, sem autorização legai são proibidas. 85) O arguido deteve as duas "katanas" supra descritas desde data não concretamente apurada e até o dia 13 de julho de 2018, destinando-as apenas a serem utilizadas como armas de agressão, se necessário fosse, não lhe sendo as mesmas necessárias para qualquer outro fim atendível. 86) O arguido agiu com o intuito, logrado, de deter as aludidas "katanas", pese embora conhecesse a natureza e características das mesmas, bem sabendo que não as podia deter, que as mesmas haviam sido construídas exclusivamente com o fim de serem utilizados como arma de agressão e que eram idóneas, ao ser utilizadas, a causar graves lesões físicas ou a criar risco para a vida. 87) O arguido atuou sempre de forma livre, deliberada e consciente e sabendo que as suas condutas eram previstas e punidas por lei penal. 88) O arguido à data destes factos e dos a seguir descritos padecia de psicose induzida pelos produtos estupefacientes que consumia e de perturbação de personalidade, esta não especificada, atuando com a imputabilidade diminuída. B) - (Proc. n.º 380/18.1…) 89) No dia 23 de maio de 2018, pelas 08:00 horas, o arguido AA encontrava- se na Avenida de …, em …, junto à referida autocaravana, com a matrícula …- QD-…, de sua propriedade. 90) Nessas circunstâncias o arguido tinha no interior do aludido veículo, entre outras coisas, o seguinte: - Oito bolotas de canábis (resina), com o peso líquido de 69,375g; - Dois pedaços de canábis (resina), com o peso líquido de 49,026g; - Uma embalagem que continha MDMA, em pó, com o peso líquido de 0,954g; - Uma embalagem que continha cocaína (cloridrato), com o peso líquido l,838g; - Uma embalagem que continha cocaína (cloridrato), com o peso líquido de 2,635g; - Um frasco que continha canábis (folhas e sumidades floridas), com o peso líquido de 69,400g, - Uma caixa plástica, com resíduos de canábis e cocaína; - Uma mochila, dentro da qual estavam alguns dos estupefacientes acima apontados; - Uma balança de precisão e - Um telemóvel de marca Apple. 91) O arguido destinava os sobreditos produtos estupefacientes em parte ao seu consumo e noutra parte, não concretamente apuradas, à cedência e/ou venda a terceiros. 92) A mencionada balança de precisão era utilizada, designadamente, para pesar os estupefacientes e fracioná-los em doses individuais. 93) O predito telemóvel destinava-se, designadamente, aos contactos entre o arguido e as pessoas a quem entregaria produtos estupefacientes. 94) O arguido agiu com o propósito, concretizado, de ter consigo os mencionados estupefacientes, cujas características, naturezas e quantidades conhecia, com o fito de, pelo menos em parte, os entregar a terceiros, por vezes a troco de quantias monetárias. 95) O arguido atuou de forma livre, voluntária e consciente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. C) - (Pedidos cíveis) 2 2 Não irão repetir-se, nesta parte dos pedidos cíveis, os factos alegados que constavam da acusação, pois que estes já foram considerados (como provados ou não provados). Do mesmo modo, não se considerarão factos de natureza criminal diferentes dos da acusação, pois que para tal impunha-se a observância do disposto no artigo 284.2 do CPP. A.R.S. Centro 96) O Centro de Saúde de Sever do Vouga, integrado no Agrupamento de Centros de Saúde do Baixo Vouga, prestou assistência médica ao ofendido EE, em virtude dos factos supra descritos praticados pelo arguido AA, a qual importou no custo de 158,80€. C.H.E.D. Vouga 97) O demandante Centro Hospitalar do Baixo Vouga, EPE, prestou à ofendida BB serviços clínicos na sequência das lesões que esta apresentava, em consequência dos factos supra descritos praticados pelo arguido AA, cujo custo ascendeu a 233,51€. GG 98) O demandante GG é agente da PSP, que presta serviço na cidade de … . 99) É uma pessoa reconhecida e respeitada no meio onde vive, pacífico e trabalhador. 100) Como consequência dos factos acima descritos, praticados pelo demandado AA, sentiu um enorme desgosto, angústia, degradação e desânimo, ao ponto de temer pela sua vida. 101) Tais factos criaram-lhe uma grande instabilidade psicológica, sentindo-se profundamente magoado e assustado, perante si, colegas, amigos e familiares. II 102) O demandado AA, ao praticar os factos supra descritos, provocou no demandante II enorme pânico, quando este deparou com a autocaravana em sua direção, acreditando naquele momento que iria morrer. 103) O demandante sentiu que o demandado ia pôr fim à vida dos agentes de autoridade, atenta a sua frieza, denotando insensibilidade, indiferença, persistência, reflexão e sangue frio na forma como seguia com a viatura em direção aos mesmos, levando-o a acreditar que a possibilidade de os matar era iminente. 104) O medo, a inquietação, o nervosismo e o sentido de impotência perante as características do demandante e da viatura, criaram no demandado um mau estar, que jamais esquecerá aqueles momentos. 105) Como consequência de tais factos, o demandante perdeu o sono durante vários dias, levando-o, por vezes, a tomar medicação para poder dormir com tranquilidade. 106) O episódio ocorrido provocou-lhe angústia e descontrole emocional. 107) O demandante é conhecido e considerada por todos, como elemento da PSP a prestar serviço na comarca de … . HH 108) O demandado AA, ao praticar os factos supra descritos, provocou no demandante HH, enorme pânico, quando deparou com a autocaravana em sua direção, acreditando naquele momento que iria morrer. 109) O demandante sentiu que o demandado ia pôr fim à vida dos agentes de autoridade, atenta a frieza de ânimo, denotando reflexão e sangue frio na forma como seguia com a viatura, levando-o a pensar que a possibilidade de os matar era iminente. 110) Quando o demandado voltou a direcionar-lhe a viatura, o medo a inquietação, o nervosismo e o sentido de impotência, perante as características daquele e da viatura, criaram no demandante um mau estar, que jamais esquecerá aqueles momentos. 111) Como consequência de tais factos, o demandante perdeu o sono durante vários dias e passou a tomar medicação para poder dormir com tranquilidade. 112) Ainda hoje, mesmo em serviço, recorda com ansiedade e inquietação o sucedido. 113) Ao atuar da forme descrita, o demandado provocou angústia e descontrole emocional ao demandante. 114) O demandante é conhecido e considerada por todos, como elemento da PSP a prestar serviço na comarca de … . EE 115) O demandante EE exerce as funções de Agente Principal da Polícia de Segurança Pública (PSP) na Esquadra de …, desempenhando, na data dos factos, as funções de Graduado de Serviço. 116) Em virtude dos factos supra descritos, praticados pelo demandado AA, o demandante acreditou que não iria sobreviver. 117) Naquele momento sentiu angústia e o pânico, acreditando ser o último da sua vida e que jamais veria a sua esposa e filha de 13 anos, o que revive com tremenda ansiedade. 118) O demandante viveu segundos de terror, tendo permanecido em estado de apatia largos momentos após o embate e já enquanto estava a ser assistido por colegas e pela equipa médica chamada ao local. 119) O mesmo sentiu terror, desespero, impotência, revolta e angústia por achar que aquele poderia ser o último dia da sua vida. 120) No período imediatamente a seguir aos factos o demandante não conseguia sequer sair de casa, estava tomado por um estado de angústia latente, além do mal- estar físico que sentia e dos constantes enjoos, tonturas e desequilíbrio, que ainda por vezes o atormentam, atento o impacto que sofreu. 121) Esteve cerca de um mês fechado em casa e mesmo depois desse período passou a refugiar-se mais em casa, junto dos seus familiares. 122) Deixou de conduzir durante aquele primeiro mês em que esteve em casa, só depois disso retomando, a custo, essa atividade, mas apenas para fazer pequenos trajetos. 123) Deixou de fazer grandes viagens de carro e todas as atividades desportivas que preenchiam os seus tempos livres, tais como ir ao ginásio, que só mais recentemente retomou, e andar de bicicleta, o que nunca mais fez por receio de andar na estrada. 124) O demandante nunca mais quis usar a sua mota de estrada e fazer os seus habituais passeios de mota com os amigos. 125) Deixou de conviver e estar com os seus amigos regularmente, como era habitual. 126) Deixou, fruto dos receios que o atormentam, de ter vontade de sair tranquilamente de casa até para jogar bilhar com os amigos, hábito que sempre teve e que adorava, mas que agora não tem vontade de manter. 127) Prefere, ao invés, ficar sossegado no recato do lar e onde sabe estar em segurança. 128) Deixou de conseguir acompanhar a sua filha em muitas brincadeiras, sobretudo as mais físicas, pelas dificuldades que ainda hoje apresenta de equilíbrio. 129) Continua a sentir-se pouco à vontade no exercício das suas funções, sobretudo no serviço de exterior, e é com receio que, sempre que necessário, acompanha os colegas para qualquer serviço BB 130) A demandante BB e o demandado AA conheceram-se em janeiro de 2018 na Ala Psiquiátrica do Hospital de …, onde ambos estiveram a fazer tratamento. 131) Estiveram juntos no referido Hospital durante uma semana, posto o que tiveram alta, com um intervalo de dois dias, passando, desde então, a manter contactos telefónicos regulares. 132) Após a demandante ter estado em duas casas abrigo, em … e em …, ela e o demandado iniciaram uma relação afetiva em janeiro de 2018, vivendo em condições análogas às dos cônjuges até ao referido dia 13-07-2018. 133) Entre fevereiro e final de março residiram em …, num apartamento que pertencia ao demandado, e a partir daí na referida autocaravana com a matrícula …-QD-…, que este comprou após vender o referido apartamento. 134) Após o episódio que deu origem ao Processo referido em 2), o demandado esteve, novamente, internado na Ala Psiquiátrica do Hospital de … . 135) Porém, no início de junho a demandante e o demandado decidiram continuar a vida em comum, tornando a partilhar cama, mesa e habitação no interior da referida autocaravana. 136) Como consequência das agressões perpetradas pelo demandado nos dias 12 e 13 de julho de 2018, nos termos supra descritos, a demandante teve necessidade de ser assistida e ficou com sequelas permanentes na anca e joelho direitos. 137) As escoriações resultantes das agressões foram visíveis no corpo da demandante durante meses. 138) A mesma ficou profundamente abalada com o sucedido, passando, nos tempos que se seguiram, a viver com intensa ansiedade, tendo necessidade de ser medicada com Triticum 150 mg, Lorazepan 2,5 mg, Alprazolan Mylan 0,5 mg e Paracetemol. 139) Passou a ter, durante algum tempo, ataques de choro convulsivos e tremuras. 140) A demandante viveu, durante algum tempo após os factos, em constante sofrimento, dominada por um profundo sentimento de insegurança, tristeza, humilhação e vergonha, não conseguindo dormir e descansar convenientemente. D) (Situação pessoal) 141) O arguido AA nasceu e cresceu na região de …, no seio de um agregado familiar constituído pelos progenitores e os dois descendentes (ele e a irmã), sendo o arguido o mais velho. 142) Tem um irmão mais velho e outro mais novo, fruto de relacionamento anteriores e posteriores do seu pai. 143) 0 agregado familiar era de condição socioeconómica média alta e a subsistência era assegurada pelo trabalho de ambos os progenitores, como empresários / proprietários de livrarias e tabacarias na … . 144) O relacionamento intrafamiliar é recordado como marcado pelo distanciamento físico e afectivo do pai e por episódios de violência doméstica que ditariam a separação do casal quando o arguido tinha cinco anos de idade. 145) Com a separação conjugal, a educação e supervisão dos descendentes ficou a cargo da mãe, limitando-se o pai a contribuir financeiramente para o sustento dos filhos. 146) Apesar destas circunstâncias, o arguido retém da sua infância recordações marcadamente positivas, situando no plano da normalidade o seu processo de desenvolvimento. 147) Em idade própria iniciou a escolaridade obrigatória, que prosseguiu até à idade de 20 anos, concluindo o 12.e ano de escolaridade, com registo de duas reprovações. 148) Durante a frequência do ensino secundário, teve um relacionamento fortuito com uma amiga de infância, NN, do qual resultou uma filha, OO, presentemente com 9 anos de idade e a residir com a progenitora. 149) Posteriormente, no âmbito de um processo de regulação parental, a NN pediu o afastamento entre o arguido e a filha devido aos internamentos psiquiátricos daquele, não existindo, à data dos factos, qualquer relacionamento entre o arguido e a filha OO. 150) Terminado o ensino secundário, o arguido ingressou na Escola Técnica de Informação e Comunicação de … para estudar música …, curso que concluiria dois anos depois. 151) Foi neste contexto que o mesmo inicia o consumo de haxixe com amigos e uma namorada, período que considera de "excessos" e acentuada "irresponsabilidade", devido à ausência de supervisão parental e de objectivos pessoais e uma filosofia de vida em que apenas lhe interessava desfrutar cada dia. 152) Após a conclusão do curso, o arguido regressou a …, prosseguindo o mesmo modo de vida, residindo com a namorada numa casa ofertada pelo seu progenitor, com o intuito de promover a sua autonomia, convivendo com amigos que adoptavam o mesmo estilo de vida e consumindo estupefacientes. 153) Com o fim do relacionamento com esta namorada, que justifica com divergências entre ambos, cerca de 2013, o arguido iniciou uma relação afectiva com PP, da qual resultaria um filho, QQ, actualmente com 5 anos de idade e a viver com a avó paterna. 154) Esta relação, que durou quatro anos, é recordada como instável, sobretudo devido ao consumo de estupefacientes por parte do casal e à dificuldades de entendimento relativamente ao acompanhamento do seu filho, circunstâncias que propiciariam episódios frequentes de conflituosidade, por vezes com agressividade física entre o casal. 155) Ao longo do relacionamento, os elementos do casal não mantiveram ocupações laborais consistentes, com a excepção de um período de seis meses em que o arguido trabalhou como empregado de balcão numa livraria / papelaria propriedade do seu pai. 156) Nessa altura a subsistência do agregado provinha, maioritariamente, de ajuda financeira por parte do pai. 157) Em altura não apurada, que o mesmo sinaliza em 2013, foi internado pela primeira vez no Departamento de Psiquiatria do Hospital de …, após diagnóstico de patologia psiquiátrica, instituição foi sendo regularmente acompanhado. 158) O mesmo beneficiou de seguimento psiquiátrico em regime de ambulatório compulsivo com diagnóstico de psicose induzida por tóxicos (canabinóides) e perturbação da personalidade anti-social, com histórico de múltiplos internamentos. 159) Esta condição de saúde, associada ao consumo reiterados de canabinóides e fraca adesão às propostas terapêuticas, associam-se ao envolvimento do arguido em delitos, tendo o primeiro contacto com a Justiça ocorrido em 2015, no âmbito do processo n.9 57/15.0…, por um crime de condução perigosa de veiculo rodoviário (em fase de julgamento). 160) Desde fevereiro de 2018 e à data dos factos, o arguido vivia com a ofenida BB. 161) O casal não tinha morada fixa, deslocando-se pelo país numa auto-caravana que o arguido adquiriu após a venda do seu apartamento, transacção que lhe permitiu meios financeiros para subsistir neste estilo de vida. 162) Nalgumas alturas o arguido mantinha alguma actividade laboral inconsistente nas papelarias e livrarias pertencentes ao pai, auferindo valores que podiam chegar aos 1.800,00C mensais. 163) Na comunidade onde cresceu e residiu a maior parte do tempo, o arguido é encarado como um indivíduo com propensão para o consumo de estupefacientes e sem ocupação laboral consistente, percepção amenizada pelo apreço e consideração dedicados pelos vizinhos à sua progenitora. 164) Ingressou no Estabelecimento Prisional de … em 14-07-2018, no âmbito dos presentes autos, na situação de preso preventivo. 165) Dada a sua situação de alojamento em sector diferenciado da restante população prisional, atendendo às circunstâncias da detenção e aos problemas de saúde mental, não integrou actividades estruturadas em meio prisional durante algum tempo. 166) Em outubro de 2019 passou a trabalhar como … nos serviços administrativos do Estabelecimento Prisional. 167) Não regista problemas disciplinares, adoptando uma atitude de respeito pelas regras e figuras de autoridade e um relacionamento adequado e educado. 168) Beneficia de acompanhamento por parte dos serviços clínicos do Estabelecimento Prisional, estando presentemente medicado para os problemas de saúde diagnosticados e exibindo progressos ao nível cognitivo e comportamental. 169) Recebe visitas com significado para sua reinserção, designadamente da sua mãe, com a qual estabelece contactos telefónicos frequentes e que lhe presta apoio financeiro em meio prisional. 170) Demonstra competências básicas ao nível da capacidade de aprendizagem, de utilização dos conhecimentos e de lidar com fontes de informação escrita, bem como capacidades de pensamento e raciocínio crítico e competências de resolução de problemas. E) (Passado criminal) 171) O arguido AA foi condenado, em 16-03-2015, por um crime de consumo de estupefacientes, praticado em 01-10-2014, na pena de 10 dias de multa, à taxa diária de 05,00€, tendo a sentença transitado em julgado em 24-04-2015 (já extinta pelo pagamento).» E considerou os seguintes factos não provados: (transcrição) «Mais nenhum outro facto se provou com relevo para a decisão, designadamente os seguintes: Das acusações a) Que a união de facto referida no ponto 1) se iniciou em janeiro de 2018; b) Que na altura e circunstâncias descritas no ponto 15) a ofendida BB tentou, por três ou quatro vezes, sair daquele local (autocaravana), impedindo-a o arguido de o fazer e obrigando-a a permanecer no interior daquele veículo; c) Que na altura e circunstâncias descritas no ponto 38) o arguido imprimiu ainda mais velocidade à autocaravana; d) Que na altura e circunstâncias descritas no ponto 48) o arguido atuou por forma a atropelar os referidos HH e GG (no sentido de intenção de os atingir); e) Que na altura e circunstâncias descritas no ponto 58) o arguido imprimiu maior velocidade à autocaravana e direcionou-a a essa viatura policial e aos referidos agentes da PSP (no sentido de intenção de os atingir); f) Que o descrito no ponto 69) ocorreu pelo menos desde janeiro de 2018; g) Que nos dias 12 e 13 de julho de 2018 o arguido logrou que a ofendida BB se mantivesse no interior da autocaravana contra a sua vontade, visando privá-la da sua liberdade de movimentos; h) Que os produtos estupefacientes mencionados nos pontos 90) e 91) eram todos destinados à venda; Dos pedidos cíveis i) Que o demandado AA atuou com a intenção de tirar a vida ao demandante GG; j) Que a demandante BB, em consequência dos atos do demandado, chegou a verbalizar ideação suicida, designadamente dizendo "tenho medo de mim" e "preciso de ser medicada", motivo pelo qual foi encaminhada para consulta de psiquiatria, com fundada suspeita de depressão major; I) Que o descrito em 151) ainda hoje se verifica; m) Que a demandante perdeu parte da sua motivação, sentindo-se constantemente inquieta em face do sucedido, com receio de que os factos se repitam; n) Que todo o mediatismo do presente caso (designadamente reportagens, entrevistas e comparências em programas televisivos) faz a demandante reviver, regularmente, os episódios de que foi vítima.» A fundamentação de facto encontra-se motivada do seguinte modo: (transcrição) «A formação da convicção do Tribunal Colectivo baseou-se na globalidade das provas produzidas, em conjugação e confronto, analisadas e valoradas segundo as regras da experiência comum e a normalidade das coisas (art. 127.9 do CPP). Assim, - Quanto aos factos descritos em A) supra, foram valoradas: As declarações do arguido AA, na parte em que confirmou as circunstâncias em que conheceu a ofendida BB (no Hospital de … - Departamento de Psiquiatria, onde ambos estavam internados), bem como aquelas em que passaram a viver juntos e onde, admitindo também o período em que tal ocorreu, bem como as interrupções nessa coabitação, mais referindo a sua condição de consumidor de produtos estupefacientes e também a vivência comum nos dias a que se reportam os factos (11 a 13 de julho), cujos locais onde estiveram confirmou, e também admitiu a fuga às entidades policiais, conduzindo a autocaravana (dizendo "entrei em pânico"), embora não concretizando os percursos por onde andou (disse não se recordar), sendo que o mesmo negou a generalidade dos atos de natureza ilícita (maxime as agressões à BB, a adquisição das drogas e detenção das Katanas, atribuindo a responsabilidade àquela), o que não mereceu credibilidade, pois que não teve corroboração noutros elementos, mas antes foi contrariado pela generalidade das provas, designadamente as declarações da assistente e depoimentos testemunhais (como se dirá infra). Foram especialmente valoradas as declarações seguintes: Da assistente / demandante BB, a qual referiu o local e as circunstâncias em que conheceu ao arguido AA, bem como especificou a altura em que passaram a viver juntos (aludiu a 12-02-2018), inicialmente na residência daquele, em …, e depois na autocaravana ao mesmo pertencente, fazendo menção à dependência de produtos estupefacientes por parte do arguido, dizendo serem deste os que se encontravam na autocaravana (referindo que para a sua compra a declarante nem tinha dinheiro, ao contrário dele, que vendera a casa de …). A mesma descreveu o tipo de vida que faziam juntos e também os episódios de agressões físicas e verbais ocorridos, aludindo ao de maio de 2018, que motivou uma queixa sua, posteriormente com arquivamento (tendo-se separado nessa altura cerca de uma semana, em virtude de novo internamento dele na Psiquiatria de …). Mencionou a retoma da vida em comum e descreveu o que se passou depois no período de 11 a 13 de julho de 2018, o que fez de forma sequencial e pormenorizada, mencionando os locais por onde andaram e o que ocorreu ao longo do tempo, designadamente as agressões físicas e verbais que sofreu, bem como a situação em que a impediu de sair da autocaravana, aludindo ainda às pessoas que a socorreram e às intervenções da polícia (o que foi confirmado pelas testemunhas respetivas), além da assistência médica às lesões que apresentava (as quais estão documentadas, como se refere infra), tendo confirmado as imagens / fotografias com que foi confrontada em audiência, onde ela própria é visível, confirmando as mesmas o que ela referiu e também o estado em que se encontrava nessa ocasião (fls. 669 a 67 e 20 e segs., 214 e 215). Mais referiu a existência dos produtos estupefacientes no interior da autocaravana, dizendo pertencerem ao arguido e explicando até onde o mesmo os havia adquirido e a quem (no Algarve, a "um tal brasileiro", para o que levantava "muito dinheiro"), mais referindo que ele também "entregava" desses produtos a amigos. A mesma referiu serem as "Katanas" pertença do arguido, dizendo a forma como as adquiriu (pelo "facebook") e quando (no mês de junho), negando serem tais produtos estupefacientes seus e explicando o porquê de ter redigido e assinado o documento junto aos autos, em que assume serem suas as drogas e as Katanas, com que foi confrontada em audiência (fls. 384), dizendo não corresponder o seu teor à verdade, além de ter afirmado a voluntariedade e consciência do arguido relativamente aos atos que praticava (disse que ele "sempre soube o que fazia, mas descontrolava-se muito"). A forma como a assistente BB relatou os factos, de forma sequencial, segura e que se afigurou coerente, pois que tem a corroboração doutros elementos probatórios, designadamente os registos clínicos e os depoimentos das testemunhas, especialmente entidades policiais, que com ela tiveram então contactos, levou a que as suas declarações tenham merecido a credibilidade do Tribunal Coletivo. Ainda que conste dos autos o referido documento, datado de 29-08-2018, manuscrito por esta, como confirmou em audiência e também afirmou o arguido, onde ela refere, além do mais, que "nunca foi agredida" pelo arguido AA e que "tudo não passou de um mal entendido entre o casal", atribuindo as lesões a outras causas, dizendo também que "as espadas samurai eram do seu pai, já falecido" e que "as drogas eram minhas [dela]", concluindo que "ele é um bom homem e tem um bom coração, jamais me falia mal" (vide fls. 325/384), a mesma em audiência negou que o teor desse documento corresponda à verdade e referiu a razão de o ter escrito, sendo que esta posição do julgamento tem, como se disse, corroboração nas demais provas. Do demandante EE (Agente Principal da PSP, em …), a qual referiu a data e local dos factos, bem como descreveu o que então viu e ocorreu, desde o momento que se deslocou junto do centro comercial "Dolce Vita" (com o Agente FF), tendo aí verificado a presença da ofendida BB, cujo estado desta referiu, e do arguido AA, que tentou abordar para o identificar, referindo o que se passou depois, com este a conduzia a autocaravana por várias ruas da cidade de …, que referiu sucessivamente, aludindo à forma como o fazia, com violação das normas estradais (não respeitando sinais de semáforo, STOP e de sentido de marcha), incluindo em termos de velocidade (disse que por vezes seguia e 80/90 Km/hora), bem como descreveu o local onde pararam o veículo "Skoda" da PSP, para tentar imobilizar o arguido, vindo este a embater com a autocaravana naquele veículo policial, em cujo interior ainda estava o depoente, mais descrevendo o que então ocorreu, designadamente as consequências desse embate para si, vindo a ser assistido no hospital, com um longo período de baixa, para recuperação (o que tem confirmação nos elementos clínicos e relatórios juntos), confirmando ainda, em audiência, as imagens recolhidas em vários do locais onde disse ter estado e passado nessa altura (fls. 669 a 678 e 518 a 530) e o esquema da participação da GNR relativamente ao referido embate (fls. 866 a 869). Do demandante HH (Agente da PSP, em …), a qual referiu o local e as circunstâncias em que foi chamado a intervir, bem como o local onde se deparou com a autocaravana conduzida pelo arguido AA, referindo o trajeto em que a perseguiu e as incidências verificadas, designadamente o embate daquela no veículo "Skoda" da PSP, onde estava o Agente EE, bem como aquele em que o declarante e o Agente GG tentaram abordar o arguido (junto à A29), altura em que este arrancou na direção onde estavam, tendo ambos saltado rápido para não serem colhidos, mais referindo o trajeto que o arguido fez depois, com perigo para outros veículos e pessoas, mencionando também o embate no veículo Ford Transit da PSP (...-...-XL), causando-lhe danos, vindo a autocaravana a ficar "presa" numa rua mais estreita, referindo também o que aí se passou até à detenção do arguido AA, descrevendo o estado que este aparentava (disse que pareceu-lhe "normal" e que "não aparentava estar sob efeito de álcool", caminhando e falando "normal", parecendo-lhe "consciente para a situação"), confirmando as imagens com que foi confrontado, relativas a episódios que relatou (fls. 519 a 530, 646 a 649 e 44 a Do demandante II (Agente da PSP, em …), a qual referiu as circunstâncias em que foram chamados a intervir, bem como a data, local e hora da ocorrência, referindo ao Agentes com quem se deslocou ao local (HH e JJ) e o veículo da PSP em que se fizeram transportar (a Ford Transit, de matrícula ...-...-XL), tendo descrito o que então se passou, designadamente os trajetos percorridos pelo arguido ao volante da autocaravana e a forma como o fez, com violação de normas estradais (cujas infrações referiu), bem como o embate do mesmo no veículo Skoda da PSP, onde seguiam os Agentes EE e FF, mencionando a forma como tal ocorreu e consequências que daí advieram, bem como o que sucedeu depois com outros Agentes e com o próprio declarante, tendo todos de se desviar rapidamente do local, para não serem colhidos pela autocaravana do arguido, tendo examinado e confirmado as imagens com que foi confrontado em audiência, que disse retratarem parte do que descreveu, cujo teor explicou (fls. 519 a 530, 646 a 649 e 85 a 88). Do demandante GG (Agente da PSP, em …), a qual referiu a data, o local e as circunstâncias em que os factos que presenciou ocorreram (dizendo que se deslocava para o trabalho de scooter e apercebeu-se do que estava a ocorrer), tendo tido necessidade de afastar rapidamente do trajeto da autocaravana para não ser abalroado, mais descrevendo o cenário com que se deparou nessa altura e o desrespeito pelas normas estradais por parte do arguido (cujas violações referiu), aludindo ao trajeto que fez e embate num dos veículos da PSP, bem como ao que se passou depois numa zona de floresta, onde arrancou novamente na direção do declarante e outros Agentes (tendo todos de se desviar para não serem colhidos). Foram ainda, relevantemente, valorados os depoimentos das testemunhas seguintes: FF (Agente da PSP, em …), o qual referiu as circunstâncias em que foi chamado ao local, junto do "Dolce Vita", em …, e o que aí presenciou, designadamente a ofendida BB, aludindo ao que a mesma descreveu e ao estado em que se encontrava (disse, designadamente, que "estava em pânico" e "com medo" do arguido e que "tinha sangue na face / cabeça"), aludindo também à presença do arguido e da autocaravana nas proximidades, mais referindo a fuga deste ao volante dessa viatura e os locais por onde o seguiram, além dos episódios ocorridos nesses percursos, incluindo o desrespeito da sinalização (designadamente sinais de STOP) e o embate da autocaravana no veículo da PSP (o Skoda - BB), junto da qual o depoente se encontrava e ainda no interior o Agente EE (que ficou ferido), tendo ele de se desviar para o passeio para não ser atingido (deixando então de o seguir), tendo aludido também à velocidade aproximada a que o arguido seguia (disse que o fazia a 70 / 80 Kms em alguns locais, sempre dentro da cidade) e confirmado o auto que então elaborou (fls. 10 a 12), bem como as imagens recolhidas no sistema de videovigilância daquele centro comercial, cujo teor explicou e que corroboram o que referiu, sendo ele próprio aí visível (fls. 669 a 678), bem como confirmou a participação da GNR quanto a tal ocorrência do embate no veículo da PSP (fls. 866 a 869). RR (Cabo da GNR), o qual referiu as circunstâncias em que foram chamados pela "Brisa", quando estavam de patrulha na "kl", dizendo ter encontrado nessa via a ofendida Virgínia Magina e referiu o que ela lhe relatou e o estado físico em que se encontrava, designadamente sinais de agressão (disse ter "hematomas na cara" e estar despenteada), e estado psicológico (disse estar "abalada" e que "aparentava estar em sofrimento à alguns dias"), queixando-se também de dores, mas não lhe parecendo estar influenciada por drogas ou álcool, tendo confirmado o auto que então elaborou (fls. 3 e 4 do Ap. 84/18), além do registo da entrada na Urgência, dizendo que foi na ambulância para o Hospital de … (fls. CC e DD (respetivamente Cabo e Guarda da GNR), os quais referiram as circunstâncias em que foram alertados para a circulação da autocaravana, conduzida pelo arguido, na A2, bem como o que teria ocorrido, mencionando o local em que intercetaram aquele e o estado em que o mesmo se encontrava (referiu o primeiro que estava no "pleno uso das suas capacidades"), tendo confirmado em audiência o aditamento ao auto de notícia então redigido, que descreve o então ocorrido (fls. 270). SS (Agente da PSP, em …), o qual referiu as circunstâncias em que se deslocou ao Hospital de …, onde estava a ofendida BB a ser assistida, com a qual contactou, dizendo o que esta lhe relatou (disse que ela "referiu ter sido agredida pelo companheiro") e o estado físico e psicológico em que se encontrava (disse que "tinha hematomas no rosto, cabeça, mãos e braços", ainda com algum sangue, e estava "muito em baixo, debilitada e com choro fácil"), confirmando o aditamento ao auto de notícia, que então elaborou (fls. 212). SS (Agente da PSP, em …), o qual referiu ter tirado fotografias à ofendida BB, no dia 13 de julho, a pedido da anterior testemunha (agente SS), confirmando serem as juntas aos autos (fls. 213 a 215) e descrevendo o estado físico em que aquela se encontrava (disse ter "negras e escoriações") e o estado psicológico que aparentava (disse que parecia "muito atemorizada e assustada"). JJ (Agente da PSP, em …), o qual referiu as circunstâncias em que foram chamados ao local e com quem aí se deslocou (os Agentes HH e II), bem como o que então presenciou, designadamente o arguido em fuga a conduzir a autocaravana, descrevendo a forma como o fazia (em violação das normas estradais) e o que então sucedeu (embate no veículo Skoda da patrulha, estando um Agente no seu interior), referindo os locais por onde andou a autocaravana e o que se passou com ele próprio e os outros dois Agentes, que correram perigo (disse que o arguido veio com a autocaravana na sua direção e tiveram de desviar-se rapidamente), vindo também a embater na carrinha da PSP (a Ford Transit), fazendo ainda alusão os estado em que viu depois o arguido, já na Esquadra (disse que lhe "pareceu sereno"). MM (Comissário da PSP, em …), o qual referiu as circunstâncias em que se deslocou ao local e o que aí ainda presenciou, designadamente um embate da autocaravana na "carrinha da PSP" (a Ford Transit) e o percurso depois efetuado peto arguido até ficar a autocaravana imobilizada numa rua mais estreita, descrevendo o que aí foi levado a cabo, designadamente os disparos efetuados pelo depoente e razão dos mesmos, bem como a posterior detenção arguido, cuja postura do mesmo referiu (disse que "pareceu-lhe normal para a situação em causa"), tendo examinado e confirmado o relatório que então elaborou relativamente ao uso de arma de fogo (fls. 218 e 219). LL (Agente da PSP, em …), o qual referiu as circunstâncias em que se deslocou ao local, bem como o que presenciou, designadamente um primeiro contacto com a autocaravana conduzida pelo arguido numa zona de "pinhal" e embate na "carrinha da PSP" (matrícula …-CN-…), que sofreu danos, os quais mencionou (aludiu, designadamente, ao para-choques e guarda lamas). UU (funcionária do Posto de Abastecimento de Combustíveis da BP, em ..), a qual referiu as circunstâncias em que viu a autocaravana a circular nas proximidades desse Posto, aludindo à forma como esse veículo seguia (falou em "fora de mão"), tendo posto em perigo a depoente e marido, que seguiam no seu automóvel em sentido contrário, na direção dos quais vinha autocaravana (disse: "tive a visão que era a nossa morte ali" e "ele vinha na nossa faixa e ia-nos matando"), mais referindo do que se apercebeu depois quando chegou ao Posto da BP (disse que ouviu as sirenes da polícia e viu lá fora novamente a autocaravana a "entrar nas bombas em velocidade", dando-lhe "a sensação que ia contra os polícias"). A forma como tais declarantes e testemunhas depuseram, bem como a razão de ciência invocada, levaram a que as suas declarações e os seus depoimentos se tenham revelado seguros, coerentes e fiáveis, merecendo, por isso, total credibilidade pelo Tribunal Colectivo. Em conjugação, foram ainda valorados os elementos seguintes, muitos deles já referidos: O auto de notícia que descrevem o que ocorreu no referido dia 13-07-2018, com indicação das horas e locais respetivos, designadamente o percurso efetuado pelo arguido AA a conduzir a autocaravana, modo como o fez e ocorrências verificadas, incluindo os embate em veículos da autoridade policial, até ter ficado imobilizado e ser detido, confirmado em audiência pelos agentes da PSP intervenientes, designadamente os ofendidos / demandantes HH e II, bem como os autos de apreensão subsequentes, incluindo da viatura (fls. 3 e 4, 28 e 29 dos autos); O auto de busca e apreensão referente ao que existia no interior da autocaravana, incluindo os produtos estupefacientes e as espadas, com testes rápidos e pesagens daqueles produtos (fls. 32 a 36); As várias fotografias juntas, que permitem comprovar o tipo de veículo conduzido pelo arguido, o local onde ficou imobilizado, os danos sofridos e também o que estava no seu interior, designadamente as espadas e os produtos estupefacientes, muitas delas exibidas e confirmadas em audiência pelas testemunhas que participaram na perseguição ao arguido e na sua detenção e busca à viatura (fls. 44 a 77); As fotografias juntas relativas aos veículos policiais, que comprovam os danos sofridos (fls. 78 a 88); O auto de notícia relativo à ocorrência do dia 11-07-2018, na A2, que refere o local e circunstâncias em que foi aí encontrada a assistente BB, confirmado em audiência pela testemunha RR, bem como o relatório hospitalar da urgência do Hospital …, onde aquela foi conduzida e assistida, com registos clínicos, que descrevem as lesões que ela apresentava (fls. 91 a 92 verso, 97 a 98 verso / fls. 3 e 4,10 a 13 e 33 a 38 do Inq. 84/18.5…); O aditamento ao auto de notícia elaborado pela testemunha SS, que o mesmo confirmou em audiência, relativo ao contacto com a assistente BB, no referido dia 13-07-2018, após os factos, no hospital, dando conta do estado em que a mesma se encontrava (fls. 212 / 249); O aditamento ao auto de notícia elaborado pela testemunha TT, que o mesmo confirmou em audiência, relativo à junção de fotografias da assistente BB, no dia 15-07-2018, as quais comprovam o estado em que a mesma se encontrava (fls. 213 a 215 / 250 a 252); O relatório do uso de arma de fogo pela PSP aquando da detenção do arguido, como foi referido pelas testemunhas intervenientes (fls. 218 e 219 / 255 e 256, 221 e 222 / 258 e 259); O aditamento ao auto de notícia elaborado pela testemunha CC, que o mesmo confirmou em audiência, relativo ao episódio de 11-07- 2018, quanto à interceção do veículo conduzido pelo arguido na A2 (fls. 225 e 226 / 262 e 263 / 270 e verso); O auto de notícia relativo ao episódio que envolveu o arguido AA e a assistente BB, no mesmo dia 13-07-2018, junto do Centro Comercial "Dolce Vita", confirmado em audiência pela testemunha FF, seu autor (fls. 10 a 12, 28); O relatório hospitalar para a polícia, que refere a data e hora em que foi assistida a assistente BB no Hospital, bem como os registos clínicos e relatório médico-légal do exame efetuado à mesma, que comprovam a assistência hospitalar e as lesões sofridas (fis. 25, 456 a 458, 591 a 597, 714 a 718, 733 a 735, 923 a 928,1011 a 1014); Os relatórios de perícia médico-légal ao ofendido EE, bem como os respetivos registos clínicos, que comprovam a assistência hospitalar e as lesões sofridas e correspondente período de doença (fis. 28 e 318, 2 e 283, 317, 340 a 342, 382, 453 e 454, 568 a 570, 760 a 764, 781 a 788, 879 a 884); Os aditamentos ao auto de notícia e participação de acidente de viação relativos à descrição dos embates provocados pela viatura conduzida pelo arguido (fis. 304 e 305, 376 a 381, 866 a 872); As várias imagens obtidas de sistemas de videovigilância que cobriam as zonas e locais onde esteve e passou o arguido com a autocaravana, cujos fotogramas mais relevantes constam impressos nos autos, as quais foram examinadas e confirmadas em audiência por várias testemunhas, comprovando tais factos (fls. 518 a 530-A, 669 a 678-A); O relatório do exame pericial efetuado às substâncias estupefacientes apreendidas, que comprova a sua natureza e quantidades (fls. 621 a 623); O despacho de arquivamento do Inquérito n.º 394/18.1…, referido no facto 2), que o comprova nessa parte (fls. 634 e 635); O auto de diligência da PJ e respetiva reportagem fotográfica relativos ao percurso efetuado pelo arguido AA, com a autocaravana, o que foi também examinado e confirmado em audiência por algumas das testemunhas (fls. 645 a 649); O auto de exame direto efetuado às "Katanas" apreendidas na autocaravana, que descreve as suas caraterísticas, além das fotografias respetivas (fis. 654 a 656); O auto de exame direto efetuado ao telemóvel do arguido e aos fragmentos de projétil e anéis recolhidos na altura da imobilização da autocaravana, com fotografias (fls. 657 a 660); A informação da PSP e faturas/recibos anexos, relativas aos danos sofridos pelas viaturas dessa força policial e valor de reparação, em virtude de terem sido embatidas pela autocaravana conduzida pelo arguido, também referidos em audiência por várias das testemunhas agentes (fls. 689 a 696, 711 e 712, 742 a 758); Os elementos clínicos relativos ao acompanhamento psiquiátrico ao arguido AA, então no Hospital de …, com internamentos vários, por "psicose tóxica e perturbação de personalidade, com comportamentos diruptivos, sobretudo derivado a consumo de canábis", pelo menos mais frequentes desde maio de 2017 (fls. 155 a 158 do Inq. 380/18.1…, bem como fls. 289 e 290 / 313 a 315, 567,1237 dos autos); O relatório da perícia psiquiátrica realizada ao arguido AA, complementado com os esclarecimentos prestados em audiência pelo seu autor, onde foi confrontado com a informação clínica da médica psiquiatra que o segue no E. Prisional (fls. 1294), tendo concluído que aquele "padece de Perturbação de Personalidade não especificada e de Psicose induzida por drogas à altura dos factos" e que "deve ser considerado com imputabilidade diminuída" (fls. 1275 a 1278 / 1282 a 1286). 3 O arguido já havia sido sujeito a tal tipo de perícia no âmbito do Inquérito n.s 57/15.0…, cujo relatório está datado de 27-11-2018, tendo-se aí concluído que o mesmo, na altura, apresentava capacidade distinguir o bem / mal, lícito / ilícito, querer / poder e de se conseguir autodeterminar segundo essa avaliação, concluindo-se que se encontrava, na altura desses factos, em situação de imputabilidade diminuída (fls. 229 verso a 231 verso do Inq. 380/18.1… / fls. 1147 a 1151 dos autos). Tal relatório vai de encontro ao referido pela testemunha VV (médico que acompanhou o arguido), que mencionou a razão dos vários internamentos na Psiquiatria do Hospital de … e aludiu aos "riscos para terceiros" quando ficava descompensado e dificuldade de sucesso nos tratamentos (dizendo também que "era muito difícil controlar os consumos tóxicos" e que "quando ficava em alta voltava logo aos consumos", mas "ele sabia o risco que corria quando voltasse a consumir"), tendo o mesmo confirmado o documento juntos por último aos autos (fls. 1237). Também o relatório de perícia médico-legal realizada na fase de Inquérito refere esse percurso aditivo e um "quadro compatível com o diagnóstico genérico de perturbação de personalidade", acrescido de "síndrome de dependência de canabinóides e psicose induzida por essas drogas", concluindo, em face do que lhe foi solicitado, não se terem apurado dados de natureza clínica "que obriguem à alteração da medida de prisão preventiva", nem condicionantes que "obstem à substituição dessa medida por qualquer outra considerada adequada" (fls. 451 a 463) Da conjugação de todos esses elementos de prova, não restaram quaisquer dúvidas ao Tribunal Coletivo em como os factos ocorreram dessa maneira e que o arguido AA, apesar da sua dependência de produtos estupefacientes, agiu de forma livre, consciente e voluntária, não só no que respeita aos maus-tratos infligidos à assistente BB, como no que concerne aos demais atos de natureza ilícita, sabendo da sua proibição e punibilidade penais, sendo certo que, pela forma como tudo se desenrolou desde que passou a ser perseguido pela polícia, por forma a impedir que prosseguisse a sua marcha nessas circunstâncias e condições, com perigo para outros utentes da via, tudo leva a concluir, como o mesmo referiu, que pretendia não ser intercetado e não propriamente atentar, intencionalmente, contra a vida dos Agentes e danificar as viaturas destes, mas, pela normalidade das coisas e contexto de tais atos, tem de concluir-se que embateu nos veículos por tal ser necessário para prosseguir a marcha e, ao seguir na direção em que aqueles agentes estavam, poderia atingir mortalmente os mesmos, não se abstendo de o fazer, razão essa porque se tem de concluir que se conformou com esse resultado danoso, o que não se veio, no entanto, a verificar (mas por razões alheias a si próprio). Embora não haja elementos para concluir que o arguido quis, efetivamente, matar os referidos seis Agentes da PSP, a verdade é na própria acusação não se conclui existir essa intenção (dolo direto), mas tão só que admitiu esse resultado e se conformou com o mesmo. Efetivamente, ainda que no ponto 79. da acusação se aponte inicialmente nesse sentido (da intencionalidade), na parte final é-lhe imputada a conduta a título de dolo eventual ("...admitindo que (...) e conformando-se com a possibilidade de tal suceder, o que representou...") Ou seja, não se tratou de uma conduta involuntária ou inconsciente do arguido, tendo antes sido uma ação voluntária de passar nesses locais com o veículo, em velocidade e em violação de outras normas estradais, em clara ação de fuga à polícia, seguramente para se furtar à sua detenção e evitar a apreensão dos produtos estupefacientes e "Katanas" que detinha consigo, pois sabia ser tal detenção ilícita. E quem assim procede, não pode deixar de representar que pode embater nas pessoas que encontra pela frente, sendo também de concluir, pela lógica e normalidade das coisas, que o arguido aceitou essa possibilidade (conformando-se com ela), pois que, nesse cenário, decidiu atuar do modo descrito. Tudo conjugado, apelando ainda às regras da experiência comum, somos levados a concluir, para além de qualquer dúvida razoável, pela veracidade de tais factos, tal como descritos, bem como pela voluntariedade e consciência da conduta, prevendo e conformando-se o arguido com o resultado nessa parte (atropelamento e morte dos Agentes), além de saber da proibição e punição penais de tal conduta, por tudo isso se concluindo pela sua imputabilidade (apesar da conclusão da perícia médico legal, a qual não a exclui). - Quanto aos factos descritos em B) supra, foram considerados os elementos seguintes: As declarações da assistente BB, que referiu a altura e circunstâncias em que esteve com o arguido AA nesse local, em … , aludindo ainda à existência de produtos estupefacientes no interior da autocaravana, que disse pertencerem ao arguido, bem como os restantes objetos apreendidos (balança e telemóvel), dizendo ainda onde e a quem aquele havia adquirido tais produtos (disse que era em …, a um "brasileiro") e o destino que aos mesmos era dado, tal como outros anteriores (disse que era para consumo do arguido e cedência a terceiros, designadamente a amigos, com quem falava e que junto dele se deslocavam). Os depoimentos das testemunhas XX e ZZ, ambos Agente da PSP, que referiram ter realizado essa diligência de abordagem do arguido AA, nesse local, na sequência do referido pela assistente BB (cujo local e circunstâncias em que a encontraram referiram), mais descrevendo o que foi encontrado e apreendido no interior da autocaravana, designadamente os produtos estupefacientes e balança de precisão, confirmando os autos e fotografias respetivas (fls. 18 a 30 do Apenso 380/18.1…), além de referirem a reação e estado do mesmo nessa altura (disseram que estava "um bocado alterado e nervoso", mas "foi sempre pacífico"). Em conjugação e complementarmente, foram valorados os elementos seguintes, alguns deles até referidos: Os autos de notícia, de busca e apreensão e de avaliação, que referem o local, data e hora da ocorrência e descrevem o que então foi verificado e apreendido no interior da viatura, depois pesado e examinado, com fotografias e testes realizados aos produtos estupefacientes (fls. 2 e 3,7 e 8,10 a 30 do Inq. 380/18.1…); O relatório do exame pericial efetuado as substâncias estupefacientes apreendidas, que comprova a sua natureza e quantidades (fls. 91 e 92/192 e 193 do mesmo Inq.); A cópia do certificado de matrícula do veículo ...-QD-..., que comprova o registo da mesma em nome do arguido (fls. 273 e verso desse Inq.). Muito embora o arguido tenha atribuído a propriedade desses produtos estupefacientes e balança à assistente BB, da conjugação de todos estes elementos, designadamente o local onde os mesmos se encontravam, sendo tal autocaravana pertença do arguido, e também a dependência deste do consumo de drogas, como os registos clínicos e relatórios médicos comprovam, além de que o mesmo dispunha de condições financeiras para os adquirir, pois que havia vendido a sua casa em … (o próprio admitiu, em audiência, que haviam sido adquiridos com dinheiro seu), o que, nesta parte, também foi referido pela sua mãe (do arguido), a testemunha AAA, dizendo esta também que o filho já consumia e comprova produtos estupefacientes antes de conhecer a assistente BB, não restaram dúvidas ao Tribunal Coletivo em como tais produtos estupefacientes e objetos então apreendidos eram pertença e estavam na posse do arguido AA, sabendo este que não estava autorizado a tal e que as suas condutas eram ilícitas e penalmente punidas, tal como a assistente BB referiu, sendo a versão desta mais lógica e credível, além de que a mesma esclareceu também as circunstâncias e altura em que elaborou e assinou o documento juntos aos autos, em que diz o contrário e assume os factos ilícitos (fls. 325), sendo manifesto que a elaboração de tal documento tinha em mente inocentar o arguido AA, sendo que, após a detenção, a assistente BB ainda manteve contactos com ele, tendo-o mesmo ido visitar ao Estabelecimento Prisional (como a mesma referiu, explicando o porquê de ter redigido esse documento). - Quanto aos factos descritos em C) supra, além dos elementos probatórios que suportam, nessa parte, a matéria criminal, designadamente o referido pelos ofendidos, incluindo quanto à assistência médica/hospitalar e os seus registos, foram valorados os seguintes elementos: Relativamente ao pedido da Administração Regional de Saúde do Centro, IP, a certidão de dívida junta (fls. 913 verso). Relativamente ao pedido do Centro Hospitalar Entre Douro e Vouga, EPE, a fatura junta (fls. 932). Relativamente ao pedido do demandante GG, as declarações do mesmo, que referiu as consequências que lhe advieram desses atos do arguido AA, bem como as declarações dos demandantes HH e II, que na altura estiveram com aquele e depois com ele continuaram a manter contactos, designadamente na Esquadra da PSP. Relativamente ao pedido do demandante II, as declarações do mesmo, que referiu as consequências que lhe advieram desses atos do arguido AA, bem como as declarações dos demandantes HH e EE, bem como o depoimento da testemunha JJ (já acima referido), que na altura estiveram com aquele e depois com ele continuaram a manter contactos, incluindo na Esquadra da PSP. Relativamente ao pedido do demandante HH, as declarações do mesmo, que referiu as consequências que lhe advieram desses atos do arguido AA, bem como as declarações dos demandantes II e II, bem como o depoimento da testemunha JJ (já acima referido), que na altura estiveram com aquele e depois com ele continuaram a manter contactos, particularmente na Esquadra da PSP. Relativamente ao pedido da assistente/demandante BB, as declarações da mesma, que referiu as consequências que lhe advieram desses atos do arguido AA, bem como os depoimentos das testemunha BBB (Psicóloga) e CCC (que disse conhecer a ofendida, por ter sido sua vizinha), com a qual ambas tiveram contactos após os factos (a segunda de imediato) e referiram o seu estado físico e psicológico, no que lhes foi permitido verificar, incluindo dos relatos daquela e percurso de vida com o arguido AA. Relativamente ao pedido do demandante EE, as declarações do mesmo, que referiu as consequências que lhe advieram desses atos do arguido AA, bem como os depoimentos das testemunha DDD (mulher do mesmo) e EEE (Agente da PSP, sendo amigo e colega de trabalho do ofendido), com o qual mantiveram contacto após essa ocorrência e referiram o seu estado físico e psicológico, com reflexos negativos na vida pessoal, incluindo a incapacidade temporária que sofreu (nessa parte confirmada pelo relatórios médico-legal, acima referido). O arguido junto a estes autos no início da audiência (fls. 1152 a 1157), bem como o depoimento das testemunhas AAA (mãe do arguido), VV (médico que acompanhou o arguido), FFF (médica que observou o arguido) e GGG (que disse conhecer o arguido desde jovens), as quais aludiram à sua personalidade e percurso de vida, designadamente a dependência de drogas, especialmente haxixe, e problemas que daí lhe advieram, incluindo os vários internamentos, para tratamento, na Psiquiatria do Hospital de … (do que os vários registos e relatórios juntos aos autos, já acima referidos, dão conta), tendo o segundo e terceira confirmado os relatórios /informações juntos (fls. 1237 e 157, respetivamente). - Quanto aos factos descritos em E) supra, foi considerado o CRC do arguido AA, junto aos autos (fls. 1127 a 1129). - Quanto aos factos não provados, enunciados em a) a n) supra, tal foi consequência da falta de elementos probatórios bastantes, já que os mesmos não resultaram demonstrados da discussão havida, com suficiente segurança, mesmo na conjugação da globalidade das provas, designadamente dos depoimentos testemunhais e declarações dos demandantes e assistente, nem outros elementos existem nos autos, suscetíveis de valoração, que confirmem a sua veracidade. Diga-se, ainda, que relativamente ao hoje perdurarem consequências negativas para a demandante BB, em resultado destes atos do arguido, como alegado, a sua postura, aspeto físico e desenvoltura vistos em audiência, completamente diferente do estado de então, referido pelas testemunhas que com ela tiveram contactos e fotografado nos autos (fls. 213 a 215), ao ponto de nem sequer parecer a mesma, levaram a afastar que presentemente sofra, relevantemente, com o sucedido, sendo que até uma das testemunhas por si arroladas deu conta da evolução positiva que apresentou relativamente ao ocorrido (vide depoimento da testemunha BBB).” §2.(ii). – DE DIREITO. §2.(ii).a). – Rejeição da pretensão recursiva no segmento concernente às penas parcelares confirmadas pelo tribunal de 2ª instância. Na pretensão recursiva que impulsa, o recorrente intenta reverter a decisão recorrida, por considerar que (i) “a punição pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário, que é de perigo concreto, afasta a punição pelos crimes de dano qualificado e homicídio qualificado tentado” o que a manter-se violaria o “princípio da dupla valoração”; (ii) verifica-se a existência de uma contradição insanável de fundamentação “(artigo 410º nº 2 alínea b) do Código de Processo Penal) ao dizer que se tratou apenas de fuga à autoridade policial, mas punir em concurso real pelos crimes de homicídio, dano e condução perigosa, vício de que o Supremo Tribunal de Justiça pode conhecer (artigo 434º do Código de Processo Penal)”; (iii) deveria ter sido punido pela previsão do artigo 40º, nº 2 do DL nº 15/93 de 22.01, e não pelo crime do artigo 25º do mesmo diploma legal, dado que não se provou “qualquer ato de venda, nem identificado qualquer potencial comprador”; (iv) a posse de espadas japonesas deveria ter sido punida como contra-ordenação (artigo 97º do RJAM); (v) tendo ficado provado que o recorrente “agiu sob a influência de um surto psicótico motivado pelo consumo de droga, deveria ser punido pelo artigo 295º do Código Penal.”; (vi) nos crimes que o permitem o Tribunal deveria ter optado pela pena de multa (artigo 70º do Código Penal).”; e, finalmente, (vii) A autocaravana não é um instrumento perigoso pelo que não deve ser declarado perdido a favor do Estado”. A pretensão do recorrente não deverá ser acolhida, pelas razões que a seguir se indicam. A lei ordinária, com respaldo na lei fundamental, regula o direito ao recurso, permitindo um duplo grau de jurisdição corrector e asseverante do direito que qualquer imputado pela prática de um ilícito penalmente punível, e por ele condenado, tem de ver o seu caso apreciado e revisto por um tribunal de rango superior aquele que procedeu à análise do caso em primeira instância. Deste princípio basilar e incontrastável retira a lei consequências no caso de o caso haver sido apreciado por uma segunda instância de recurso. A lei adrede, consagrou o instituto da dupla, tendo ficado consignado no artigo 400º do Código de Processo Penal a sequente redacção, na parte interessante: “1 — Não é admissível recurso: (….) e) De acórdãos proferidos, em recurso, pelas relações que apliquem pena não privativa de liberdade ou pena de prisão não superior a 5 anos; f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a oito anos”. Com o comando contido na alínea f) do citado preceito o legislador de 2007 consagrou a figura da dupla conforme, isto é, a confirmação por um tribunal, sem discrepância de fundamentos essenciais, de facto e de direito, da decisão proferida em 1ª Instância. Prevaleceu-se o legislador, na sua opção jusnormativa, do facto de os intervenientes processuais manterem intactos o direito ao recurso, pelo direito que exerceram de apresentarem as razões da sua discordância perante um tribunal de rango superior – na acepção jusconstitucional do irremível direito ao recurso – e de evitar um prolongamento do procedimento por uma escalada de recursos para o Supremo Tribunal de Justiça, quando o caso já havia obtido uma confirmação, itera-se sem discrepâncias de dois órgãos jurisdicionais, de um parelho e concordante veredicto jurídico. A criação da figura da dupla conforme, ou seja da confirmação (concordante e similar, na sua essencialidade) de uma decisão de um tribunal inferior por uma decisão de um tribunal de rango superior, concita consequências no plano do direito ao recurso, quando verificada a situação de conformidade, a saber o da não admissibilidade do recurso que o prejudicado pretenda interpor da decisão confirmatória da primeva decisão. Vale por dizer que a constituição/formação de uma situação de dupla conformidade ilaqueia o eventual prejudicado pelas decisões concordantes de ver reapreciado seu caso por um outro tribunal. As razões processual/estruturais que ditaram a opção do legislador, foram conspicuamente dissecadas pelo Conselheiro Abrantes Geraldes, no acórdão de 20 de Novembro de 2014, (in www.dgsi.pt,), ao asseverar que (sic): “Com a reforma do regime dos recursos de 2007, a necessidade de racionalizar o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça determinou a consagração de uma restrição assente na dupla conforme: confirmação, sem voto de vencido e ainda que com fundamento diverso, da decisão da 1ª instância. Esta medida foi objecto de largo debate entre os defensores da manutenção do sistema anterior que não previa este impedimento ao terceiro grau de jurisdição e aqueles que sublinhavam a necessidade de reduzir a quantidade de recursos, como forma de racionalizar o uso dos meios processuais e de valorizar a intervenção do Supremo, proporcionando reais condições para a criação de correntes jurisprudenciais estáveis. Se, em abstracto, a multiplicidade de graus de jurisdição constitui elemento potenciador de maior segurança jurídica, também é certo que os meios disponíveis para a tarefa de Administração da Justiça são limitados e que a necessidade de alcançar uma decisão definitiva em tempo razoável não é compatível com o esgotamento da multiplicidade de recursos. Foi consagrada no âmbito daquela revisão do regime de recursos cíveis a regra da inadmissibilidade de recurso em situações de dupla conforme, com excepção das três situações particulares enunciadas no nº 1 art. 721º-A do anterior CPC. O regime entretanto foi modificado. Inicialmente a aludida medida restritiva era totalmente independente da fundamentação de cada uma das decisões: a dupla conforme verificava-se sempre que a Relação confirmasse, sem voto de vencido, e mesmo com fundamentação diversa, a decisão da primeira instância. Já com o NCPC o regime restritivo deixa de se aplicar quando a Relação empregue para a confirmação da decisão da 1ª instância “fundamentação essencialmente diferente” (art. 671º, nº 3). Efectivamente, em tais circunstâncias, embora o resultado final seja idêntico, o facto de as instâncias divergirem, de modo substancial, no enquadramento jurídico da questão que se mostre verdadeiramente decisiva para o atingir é revelador de uma cisão que deve permitir, nos termos gerais, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, sem necessidade de invocar alguma das situações típicas da revista excepcional. Intervenção, aliás, justificada pela missão que é especialmente atribuída ao Supremo no campo da identificação, interpretação e aplicação do regime jurídico ajustado aos casos. O quotidiano forense é susceptível de nos revelar diversas situações que impedem a verificação de uma situação de dupla conforme com aquele motivo. Assim ocorre designadamente: - Quando, depois de a 1ª instância assumir uma determinada qualificação contratual, a Relação adopte uma outra distinta ou envolva a decisão num enquadramento jurídico substancialmente diverso; - Quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo a decisão confirmada ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou de normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato; - Quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou; - Ou ainda, nos casos em que a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção. Em cada uma destas situações que nos limitámos a exemplificar, posto que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso seguido acaba por infirmar as razões que levaram o legislador de 2007 a restringir o acesso ao terceiro grau de jurisdição, justificando que, nos termos gerais, a parte vencida suscite a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça como órgão jurisdicional que tem a primazia na aplicação do direito. 4. Todavia, a atenuação do condicionalismo legal de que depende a verificação de uma situação de dupla conforme não pode ser interpretada como um regresso ao modelo recursório anterior à reforma de 2007, fazendo depender o recurso de revista unicamente do valor do processo ou da sucumbência em conexão com a alçada da Relação. O relevo atribuído à fundamentação jurídica para evitar a formação de uma situação de dupla conformidade decisória não pode servir de pretexto para, na prática, restaurar de pleno o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, na medida em que evita o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permitem. Assim, a alusão à natureza essencial da diversidade da fundamentação implica que prevaleça o seu núcleo fundamental, ou seja, os aspectos que verdadeiramente se mostram decisivos para a obtenção do resultado, levando a desconsiderar, para este efeito, as divergências marginais, secundárias, periféricas, que não representam efectivamente um percurso jurídico diverso. O mesmo acontece nas situações em que a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado pela 1ª instância ou que não tenha sido admitido e que sirva para reforçar o mesmo resultado. Se, como é natural, a sistematização das decisões ou a variedade dos argumentos jurídicos empregues numa e noutra das decisões é susceptível de conduzir a resultados formalmente diversos ou não inteiramente coincidentes, releva unicamente para o caso a essencialidade da fundamentação que, seguindo trilhos diversos, sustente uma e outra das decisões. Para o efeito importa não devem confundir-se questões jurídicas com argumentos jurídicos, sendo relevante que os resultados tenham sido motivados por respostas diversas à mesma questão de direito essencial para ambos os resultados.” No mesmo sentido o acórdão do mesmo Exmo. Conselheiro de 28 de Abril de 2014, em que expendeu que (sic): “No horizonte desta modificação legal estiveram situações em que, por exemplo, a confirmação da decisão da 1ª instância se processa a partir de um quadro normativo substancialmente diverso, como sucede nos casos em que a uma determinada qualificação contratual se sucede uma outra distinta, com um diverso enquadramento jurídico. Outrossim quando uma eventual condenação tenha sido sustentada na aplicação das regras de um determinado contrato, sendo confirmada pela Relação, mas ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa ou das normas que regulam os efeitos da nulidade do mesmo contrato. Ou quando um determinado resultado tenha sido sustentado na apreciação da validade de um contrato e a Relação, oficiosamente, reconheça a existência de nulidade que nenhuma das partes invocou. Ou, ainda, quando a primeira decisão tenha absolvido o réu da instância com fundamento numa determinada excepção dilatória e a Relação tenha encontrado motivo para a mesma decisão noutra excepção. Na realidade, em cada um destes exemplos, ainda que o resultado final seja idêntico, a diversidade do percurso acaba por revelar duas decisões substancialmente diversas, não se justificando a ablação de terceiro grau de jurisdição em situações em que o mesmo resultado seja alcançado no final de um percurso jurídico substancialmente diverso. A alusão à natureza essencial ou substancial da diversidade da fundamentação claramente nos induz a desconsiderar, para o mesmo efeito, discrepâncias marginais, secundárias, periféricas, que não revelam um enquadramento jurídico alternativo. O mesmo se diga quando a diversidade de fundamentação se traduza apenas na não aceitação, pela Relação, de uma das vias trilhadas para atingir o mesmo resultado ou, do lado inverso, no aditamento de outro fundamento jurídico que não tenha sido considerado ou que não tenha sido admitido. A restrição ao conceito de dupla conformidade que decorre agora do art. 671º, nº 3, do NCPC, com atribuição de relevo à fundamentação jurídica, não pode servir de pretexto para, na prática, se restaurar de forma irrestrita o terceiro grau de jurisdição que o legislador de 2007 limitou, sustentado nas vantagens que uma tal restrição assegura, por evitar o recurso indiscriminado ao Supremo Tribunal de Justiça, só porque o valor do processo ou da sucumbência o permite. Não podem para o efeito exponenciar-se as objecções dirigidas àquela opção legislativa, nem superar, por via de meros juízos valorativos, o pressuposto negativo representado pela dupla conforme, agora circunscrita aos casos em que a fundamentação jurídica seja essencialmente idêntica. Em suma, a admissão, fora das regras da revista excepcional, do recurso de revista interposto de um acórdão da Relação que confirmou a decisão da 1ª instância, depende da verificação de uma situação em que o núcleo essencial da fundamentação jurídica é diverso. Já se for substancialmente idêntica a resposta que as instâncias deram à questão ou questões jurídicas que, em concreto, se revelem em concreto essenciais para o resultado, a situação contém-se nos limites da dupla conforme, dependendo a admissibilidade da revista da demonstração de algum dos fundamentos previstos no art. 672º, nº 1, do NCPC.” Em sentido que se nos figura similar, os arestos deste Supremo Tribunal de Justiça, de 9 de Julho de 2015, relatado pelo Conselheiro Lopes do Rego, em que se doutrinou que (sic): “No que respeita à existência ou não de fundamentação essencialmente diferente entre a sentença apelada e o acórdão recorrido, adere-se inteiramente à argumentação expendida no despacho que considerou procedente a questão prévia da recorribilidade – sendo manifesto, aliás, que na sua argumentação os reclamantes confundem os conceitos de fundamentação diferente e de fundamentação essencialmente diferente, como instrumento para, no âmbito da figura da dupla conforme, delimitar as possibilidades de acesso ao STJ, perante decisões inteiramente sobreponíveis, nos respectivos segmentos decisórios: não basta, para quebrar o limite à recorribilidade decorrente da regra da dupla conforme, identificar uma qualquer alteração ou nuance na fundamentação jurídica acolhida no acórdão recorrido, sendo indispensável que se trate de uma alteração ou modificação qualificada da base jurídica da decisão, resultante do apelo a um diferente enquadramento normativo do pleito: não cabem, pois, seguramente no referido conceito de fundamentação essencialmente diferente os casos em que – movendo-se inquestionavelmente a Relação, no que respeita à efectiva ratio decidendi do acórdão proferido, no campo dos mesmos institutos ou figuras jurídicas – se limita a aditar um mero reforço argumentativo no que toca à idêntica solução jurídica do pleito que alcançou. Por outro lado, não é exacto que possa inferir-se do direito fundamental de acesso à justiça, plasmado no art. 20º da Constituição, um amplo direito de acesso a um terceiro grau de jurisdição a exercitar pelo STJ, sem que ao legislador e à jurisprudência seja legítimo delimitar ou filtrar, em termos proporcionais e adequados, os litígios em que deva intervir em via de recurso ainda o STJ: na verdade, o acesso à justiça e a tutela judicial efectiva bastam-se com a obtenção de uma decisão jurisdicional, em tempo útil, sobre os litígios de direito privado, sendo certo que no caso a sentença proferida foi objecto de reapreciação pela 2ª instância, que manteve inteiramente o sentido decisório questionado pelo recorrente; ora, não está seguramente compreendido naqueles princípios fundamentais um direito de aceder ao STJ sempre que a parte vislumbre alguma nuance ou alteração menor na fundamentação jurídica seguida pelas instâncias. Note-se, por outro lado, que a regra da dupla conforme, tal como se mostra delineada no actual CPC, não pode perspectivar-se como traduzindo a imposição de um limite formal à recorribilidade: na verdade, ela não se consubstancia em qualquer regra de forma, tendo antes a ver com a substância das decisões proferidas nos autos, delimitando a acesso ao STJ, em revista normal, em função da identidade essencial das decisões e respectivos fundamentos, proferidas anteriormente nos autos, vedando o acesso a um terceiro grau de jurisdição nos casos em que a fundamental coincidência do unanimemente decidido na 1ª instância e na Relação torna plausível a adequação e legalidade substantiva da solução normativa alcançada para o litígio.”(”cfr. no mesmo sentido o acórdão prolatado pelo mesmo Exmo. Relator de 19 de Fevereiro de 2015, em que se escreveu (sic): “Esta alteração do conceito de dupla conformidade, enquanto obstáculo ao normal acesso em via de recurso ao STJ, operada pelo actual CPC, obriga o intérprete e aplicador do direito– analisada a estruturação lógico argumentativa das decisões proferidas pelas instâncias, coincidentes nos respectivos segmentos decisórios - a distinguir as figuras da fundamentação diversa e da fundamentação essencialmente diferente: não é, na verdade, qualquer alteração, inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos do acórdão recorrido relativamente aos seguidos na sentença apelada, qualquer nuance na argumentação jurídica assumida pela Relação para manter a decisão já tomada em 1ª instância, que justifica a quebra do efeito inibitório quanto à recorribilidade, decorrente do preenchimento da figura da dupla conforme. É necessário, na verdade, que estejamos confrontados com uma modificação qualificada ou essencial da fundamentação jurídica em que assenta, afinal, a manutenção do estrito segmento decisório – só aquela se revelando idónea e adequada para tornar admissível a revista normal. Note-se que este regime normativo (que sucedeu ao inicialmente editado pelo DL 303/07, estabelecendo a absoluta irrelevância da fundamentação para aferir da existência ou inexistência de dupla conforme) destina-se a permitir ao STJ sindicar, em revista normal, o decidido pela Relação nos casos em que – sendo coincidentes os segmentos decisórios da sentença apelada e do acórdão proferido na apelação – a solução jurídica do pleito prevalecente na Relação tenha assentado, de modo radicalmente ou profundamente inovatório, em normas, interpretações normativas ou institutos jurídicos perfeitamente diversos e autónomos dos que haviam justificado e fundamentado a decisão proferida na sentença apelada – ou seja, quando tal acórdão se estribe decisivamente no inovatório apelo a um enquadramento jurídico perfeitamente diverso e radicalmente diferenciado daquele em que assentara a sentença proferida em 1ª instância.”). “(…) O Supremo Tribunal de Justiça vem entendendo pacificamente serem dois os pressupostos de irrecorribilidade fixados naquela alínea f) por um lado, que o acórdão da relação confirme a decisão da 1ª instância; por outro, que a pena aplicada na relação não seja superior a 8 anos de prisão. No nosso caso, o acórdão recorrido confirmou integralmente o acórdão da 1ª instância, na parte relativa ao Recorrente. É a chamada dupla conforme. Quanto ao segundo pressuposto, também constitui jurisprudência uniforme deste Tribunal a de que, no caso de concurso de crimes, só é admissível recurso para o Supremo Tribunal de Justiça relativamente aos crimes (relativamente às questões suscitadas a propósito dos crimes) punidos com pena de prisão superior a 8 anos e/ou à pena conjunta superior a essa medida. Com efeito, o Supremo Tribunal de Justiça, na esteira da interpretação praticamente consensual que fazia deste mesmo preceito na versão anterior à Reforma de 2007, vem entendendo, também agora de forma pacífica, que, no caso de um concurso de crimes, o recurso para o Supremo Tribunal de Justiça de acórdão da relação que confirme decisão da 1ª instância apenas é admissível relativamente ao(s) crime(s) punidos com prisão superior a 8 anos e/ou relativamente às questões sobre os pressupostos do próprio concurso e da formação da pena conjunta, quando esta também ultrapasse aquele limite (cfr., entre outros, os Acs. 11.02.09, P° 113/09-3º; de 04.03.09, P° 160/09-3ª; de 25.03.09, P° 486/09-3ª; de 16.04.09, P° 491/09-5ª; de 29.04.09, P° 39l/09-3ª; de 07.05.09, P° 108/09-5ª; de 27.05.09, P° 384/07GDVFR.S1-3ª, de 12.11 2009, P° n° 200/06.0JAPTM-3ª, de 23.06.10, P° n° l/07.8ZCLSB.L1.S1-3ª de 09.06.2011 P° n° 4095/07.8TPPRT.P1.S1- 5ª, de 26.04.2012, P° n°438/07.2PBVCT.G1.S1-5ª, de 12.09.2012, P° n° 269/08.2TABNV.L1.S1-3ª e de 29.05.2013, P° n°344/11.6JALRA.El)”. (…) Ac. do STJ, de 11/6/2016, Pº 54/12.7SVLSB.L1.S1-3ª.” – Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 20 de Junho de 2018, proferido no processo nº 3343/15.5JAPRT.G1.S1). Vide ainda os arestos citados no mencionado acórdão, de que respigam os sequentes: - Ac. STJ de 9/10/2013, Proc. 955/10.7TASTS.P1.S1, Rel. Oliveira Mendes: “I - Como o STJ vem entendendo de forma pacífica, não é admissível recurso de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos, quer estejam em causa penas parcelares (ou singulares) quer penas conjuntas (ou únicas resultantes de cúmulo). II - É irrecorrível para o STJ o acórdão do Tribunal da Relação que, confirmando a decisão condenatória de 1.ª instância, manteve as penas parcelares aplicadas ao recorrente, todas elas não superiores a 8 anos de prisão, se não é impugnada a pena conjunta cominada que ultrapassa esse patamar.”; - Ac. STJ de 3/2/2016, Proc. 686/11.0GAPRD.P1.S1, Rel. Raúl Borges: “I - Com a entrada em vigor, em 15-09-2007, da Lei 48/2007, de 29-08, foi modificada a competência do STJ em matéria de recursos de decisões proferidas, em recurso, pelas relações, tendo-se alterado o paradigma de “pena aplicável” para “pena aplicada”, pelo que, o regime resultante da actual redacção da al. f) do n.º 1 do art. 400.º do CPP tornou inadmissível o recurso para o STJ de acórdãos condenatórios proferidos pelas relações quando, confirmando decisão anterior, apliquem pena não superior a 8 anos de prisão, restringindo-se a impugnação daquelas decisões para este STJ, no caso de dupla conforme, a situações em que tenha sido aplicada pena de prisão superior a oito anos. II - O STJ e o TC têm-se pronunciado no sentido de entender que de tal restrição do recurso não decorre violação do direito de recurso por estar assegurado um duplo grau de jurisdição e não se impor um, aliás, não previsto duplo grau de recurso, na medida em que, a apreciação do caso por dois tribunais de grau distinto tutela de forma suficiente as garantias de defesa constitucionalmente consagradas. III - No caso concreto, dado que as penas aplicadas aos recorrentes pelos vários crimes por que foram condenados foram todas inferiores a 8 anos de prisão, acontecendo que a confirmação pelo tribunal da Relação é total, integral, completa, absoluta, mantendo-se nos seus exactos termos a factualidade assente, a respectiva qualificação jurídico-criminal e as penas aplicadas, quer as parcelares, quer as únicas, são de rejeitar os recursos apresentados por inadmissibilidade, nos termos do art. 420.º, n.º 1, al. b), em conjugação com o art. 414.º, n.º 2, ambos do CPP, sendo unicamente objecto de reapreciação a medida das penas únicas aplicadas aos arguidos X e Y, porque superiores a 8 anos de prisão.”: - Ac. STJ de 18/2/2016, Proc. 68/11.4JBLSB.L1.S1, Rel. Armindo Monteiro: “I - Não cabe recurso da condenação pela Relação quanto às penas parcelares. Todas sem excederem 5 anos de prisão, transitando em julgado a espécie e medida da pena aplicadas, pelo que o poder cognitivo do STJ objectivar-se-á, apenas e no que respeita à pena única, nos termos do art. 77.º, do CP, de todos os arguidos recorrentes impugnada por excessiva.”; - Ac. STJ de 23/11/2016, Proc. 736/03.4TOPRT.P2.S1, Rel. Sousa Fonte: “XI - Também no caso de aplicação da al. e) do n.º 1 do art. 400.º a decisão da relação proferida em recurso que haja recaído sobre um concurso de crimes, só admite recurso para o STJ quanto às penas parcelares e única, não confirmadas, superiores a 5 anos de prisão. O mesmo é dizer que relativamente aos crimes parcelares e a todas as questões com eles conexas que, inovatoriamente ou por agravação das cominadas pela 1.ª instância, o tribunal da relação puna com prisão até 5 anos, não são susceptíveis de apreciação pelo STJ.)”: Tendo como horizonte o quadro doutrinário e jurisprudencial estendido, haver-se-á de concordar que as questões que o recorrente pretende ver reapreciadas pelo Supremo Tribunal de Justiça, já mereceram reapreciação, em tribunal de recurso, sendo que a fundamentação não se revela essencialmente diferente nem ocorreu qualquer modificabilidade ou alteração da qualificação jurídico-penal ou factual. O tribunal de recurso apreciou, e coonestou, o entendimento que o tribunal de 1ª instância consagrou relativamente à qualificação jurídico-penal e às sanções penais aplicadas. Não ocorreu dissensão ou desvio, na decisão ora em sindicância, nem quanto ao juízo de culpabilidade ou sequer quanto ao sancionamento adoptados na sentença de 1ª instância e pelo tribunal ora recorrido, pelo que existe uma justaposição afirmativa que interdita o Supremo tribunal de Justiça de formular um sentido censório sobre este duplo ajuizamento jurisdicional que se firmou e sedimentou com as duas decisões concordantes e justapostas. Neste eito de pensamento e porque se esmalta uma situação de confirmação ou dupla conforme total e plena (“perfeita”), resultante de uma “chancela” impressiva da condenação ditada pelo tribunal de primeira (1ª) instância, este segmento do recurso – com as adjacências ao mesmo acopladas, contradição insanável na fundamentação “da sentença de 1ª instância – que, aliás, não poderia merecer apreciação no Supremo; absorção de condutas (criminosas) numa única incriminação; punição como conduta contra-ordenacional o que foi punido como crime; punição dos crimes, em que tal fosse permitido, em pena de multa; e perdimento da autocaravana – pelo que, este segmento da pretensão recursiva, será objecto de rejeição.
§2.(ii).b). – DETERMINAÇÃO DA PENA ÚNICA (CONJUNTA). A sequente questão supra enunciada – reapreciação da medida da pena única – vem advertida pelo recorrente com a conclusão “Uma pena única não superior a 5 anos de prisão decorrente da redução das penas parcelares era suficiente para punir a atuação do recorrente e deveria ser suspensa na sua execução, com regime de prova, porque o prognóstico de vida é positivo dado o enquadramento familiar e social de que beneficia e que consta dos factos 166 a 170 da sentença de 1ª instância.” Tal como sucedera quanto aos demais temas do recurso, também a medida da pena mereceu apreciação do tribunal recorrido, tendo confirmado a pena irrogada pelo tribunal de 1ª instância com a sequente argumentação (sic): “Insurge-se ainda o recorrente quanto à medida da pena em que foi condenado, por entender que a mesma "não é justa nem proporcional, pecando por excessiva", mais considerando dever ser, de todo o modo, suspensa na sua execução. Também aqui, desde já adiantamos, soçobra razão ao recorrente. (…) As finalidades das sanções penais são a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade não podendo a pena ultrapassar, nunca, a medida da culpa - artigo 40°, n° 1 e 2, do Código Penal. À defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva, reporta-se a prevenção geral positiva ou de integração, finalidade primeira da pena, no quadro da moldura penal abstracta. Depois, a sua fixação estabelece-se entre o mínimo, em concreto imprescindível á estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo que a culpa do agente consente: entre estes limites satisfazem-se as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização. Partindo destas considerações gerais, os artigos 70° e segs. do Código Penal estabelecem as regras da escolha e medida da pena. Dispõe o artigo 71° n° 1 que "a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Acrescenta o n° 2: "Na determinação concreta da pena o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando, nomeadamente: a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente; b) A intensidade do dolo ou da negligência; c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica; e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena". Percorridos estes itens, a medida da pena é-nos dada pela medida da necessidade de tutela de bens jurídicos, ou seja, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente surge a culpa, que indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. - Neste sentido Anabela Rodrigues, RPCC, Ano 12°, n° 2, Abril-Junho de 2002, págs. 147 e segs. Por outro lado, dispõe o artigo 77° do Código Penal: "1. Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente; 2. A pena aplicável tem como limite máximo a somas das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo exceder 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias, tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes ". Na moldura penal do cúmulo jurídico a efectuar será, pois, de considerar, no seu conjunto, os factos praticados pelo arguido, designadamente, a intensidade da culpa; a gravidade da ilicitude; e as necessidades de prevenção geral e de prevenção especial. Retornando ao caso concreto, as penas abstractamente aplicáveis são as seguintes: O crime de violência doméstica é punido com pena de 2 anos a 5 anos de prisão (artigo 152.°, nº 2, do Código Penal); o crime de condução perigosa de veículo rodoviário é punido com pena de 1 mês a 3 anos de prisão ou pena de 10 a 360 dias de multa (artigos 41.°, n.º 1, 47.°, nº 1, e 291.°, n.º 1, do Código Penal); o crime de dano qualificado é punido com pena de 1 mês a 5 anos de prisão ou pena de 10 a 600 dias de multa (artigos 41.°, n.º 1, 47.°, n.º 1, e 213.°, n.º 1, do Código Penal); o crime de homicídio qualificado, na forma tentada, é punido com pena de 2 anos, 4 meses e 8 dias a 16 anos e 8 meses de prisão (artigos 23.°, n.º 2, 73.°, n.° 1, alíneas a) e b), e 132.°, n.º 1, do Código Penal); o crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade é punido com pena de 1 a 5 anos de prisão (artigo 25.º, n.º 1, do referido Decreto-Lei n.º 15/93, de 22/01) e o crime de detenção de arma proibida é punido com pena de 1 mês a 4 anos de prisão ou pena de 10 a 480 dias de multa (artigos 41.°, n.º 1, 47.°, nº 1, do Código Penal e 86.°, nº 1, alínea d) do RJAM). O tribunal recorrido para a fixação das medidas concretas das penas considerou o seguinte: «No caso presente, atender-se-á concretamente: - ao grau médio e nalguns casos já elevado da ilicitude dos factos praticados (sem considerar os elementos que já fazem parte dos tipos incriminadores), atenta a forma de atuação do arguido em cada um dos ilícitos e consequências daí resultantes, sendo que da violência doméstica e de um dos homicídios tentados resultaram lesões físicas para as vítimas (já não para as restantes), o que importa diferenciar, além de que a condução perigosa se prolongou por um trajeto bastante longo e em percurso essencialmente citadino, sendo também relevante a gravidade dos danos nas viatura abalroadas, a quantidade e variedade de produtos estupefacientes detidos e também de duas armas (Katanas). - à intensidade do dolo com que o arguido atuou, nalguns casos direto (mais intenso), noutros necessário (caso dos danos nos veículos) e noutros eventual (homicídios qualificados tentados). - ao seu percurso de vida, personalidade e condições familiares e de integração, com uma infância junto dos progenitores, com razoáveis condições socioeconómicas, sendo o percurso depois marcado pela instabilidade resultante do consumo de produtos estupefacientes com os seus pares, que se foi agravando, levando a internamentos frequentes em Psiquiatria, sem que tenha apresentado regularidade laborai ao longo do seu percurso de vida, estando preso desde 14-07-2018, com apoio familiar, designadamente da sua mãe, e tendo bom comportamento no Estabelecimento Prisional (factos melhor descritos em D)). - ao seu comportamento anterior e posterior a estes factos, sem registo relevante em termos criminais, pois que somente lhe é conhecida uma condenação, em multa, por consumo de produtos estupefacientes (facto E)). - às circunstâncias em que o mesmo atuou, num quadro de psicose induzida pelo consumo de produtos estupefacientes, com perturbação de personalidade, que lhe conferia uma diminuição da imputabilidade, o que tem reflexos relevantes, a seu favor, na medida da pena (tal como se referiu supra). Ponderando todos estes elementos e tendo em consideração as elevadas necessidades de prevenção, não só especial, mas também de ordem geral, que neste tipo de ilícitos, designadamente nos contra as pessoas, se fazem sentir, atenta a sua elevada frequência, neste caso acrescido do alarme e perturbação provocados, afigura-se adequado aplicar ao arguido AA as penas seguintes: - 2 (dois) anos e 7 (sete) meses de prisão pelo crime de violência doméstica; -1 (um) ano e 3 (três) meses de prisão e inibição de conduzir pelo período de 9 (nove) meses pelo crime de condução perigosa de veículo rodoviário; -1 (um) ano, 9 (nove) meses e 9 (nove) meses de prisão, respectivamente, pelos três crimes de dano qualificado (o primeiro relativamente ao veículo BB); - 4 (quatro) anos 6 (seis) meses de prisão por um dos crimes de homicídio qualificado (ofendido EE) e 3 (três) anos 3 (três) meses de prisão por cada um dos restantes cinco crimes de homicídio qualificado (restantes ofendidos), todos na forma tentada; - 2 (dois) anos de prisão por cada um dos dois crimes de tráfico de estupefacientes; -1 (um) ano de prisão pelo crime de detenção de arma proibida.». A propósito da concretização da medida da pena única consta do acórdão recorrido (transcrição): «(...)Assim, a moldura penal oscila entre 4 anos e 6 meses de prisão (a pena mais elevada) e 32 anos e 1 mês de prisão (a soma de todas as penas). Os factos assumem relevante gravidade, com lesões físicas significativas para duas das vítimas, como já se referiu, sendo que a maioria dos ilícitos foram praticados nas mesmas circunstâncias de tempo e lugar (resultado de uma conduta persistente, mas limitada no tempo). Por outro lado, importa considerar a personalidade do arguido AA, com um percurso de vida instável nos últimos anos em termos familiares e laborais, em boa medida consequência da sua dependência de produtos estupefacientes, sob influência dos quais na altura se encontrava, o que lhe conferia uma imputabilidade diminuída, como também acima se enunciou. Nesta conformidade, atenta a globalidade de tais factos e ilícitos, cuja imagem de gravidade reflectem, considera-se ajustado aplicar-lhe, em cúmulo jurídico, a pena única de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses de prisão, necessariamente de cumprimento efectivo, porque superior a cinco anos, sendo este o limite máximo para que pudesse ser ponderada a suspensão da sua execução, cujos demais requisitos legais também se consideram não estar verificados (art. 50.s, n.s 1, do C. Penal).». Como decorre da transcrição supra, a decisão proferida encontra-se proficientemente fundamentada, tendo o tribunal a quo sopesado, com critério e de modo ajustado, todas as circunstâncias a que lei manda atender para a concretização das penas a aplicar. As penas aplicadas (parcelares e única) mostram-se ajustadas à culpa do arguido e devidamente concretizadas, satisfazendo de igual modo as exigências de prevenção, quer geral quer especial, que com a sua aplicação se visa atingir. Não vislumbramos, portanto, razão para a sua alteração. Ademais, e tal como temos noutras ocasiões verberado, (ter-se-á querido dizer “verbalizado”, ou algo similar a “expressar a opinião”, dado que o verbo “verberar” significa “expressar enérgica censura a respeito de (alguém ou algo), reprovar, repreender, criticar”, ou ainda “golpear(-se) com vara ou açoite; flagelar(-se), fustigar(-se), acoitar(-se) – Dicionário Houaiss de Língua Portuguesa – o que, obviamente não cabe no excurso discursivo pretendido e imprimido ao eito de razoamento) é nosso entendimento e não vemos razão para o alterar, que apenas se deve alterar o quantum da(s) pena(s) aplicada(s) quando esta(s) se mostrar(em) claramente desajustada(s) ao caso ou se concluir que, na sua escolha e determinação, não foram respeitados os critérios legais atinentes. Se assim não for deve aceitar-se a opção tomada pelo julgador que em primeira instância decidiu. É aliás este o caminho que tem sido trilhado pelo Supremo Tribunal de Justiça, (Proc. nº 1013/08 -3.ª Secção Raul Borges (relator) Henriques Gaspar) «A intervenção do Supremo Tribunal em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada». Relativamente ã pretendida suspensão da execução da pena, a condenação irrogada de oito anos e seis meses é, desde logo e nos termos do disposto no artigo 50° do Código Penal, formalmente impeditiva do recurso ao instituto de pena de substituição, nomeadamente, a pretendida suspensão da sua execução.” Ensaiando um bosquejo (sumário) do conceito e fins das penas, poder-se-ia dizer que com a pena, o Estado através do sistema penal (viger numa sociedade de configuração ideológica demoliberais) dispõe-se a rechaçar e reagir ao desrespeito que alguém assume perante um comando legal que contenha uma proibição de fazer, agir ou omitir pretendendo com essa reacção confirmar a inteireza da norma (de proibição) e a sua validade e eficácia societária. Dir-se-á que com a pena o sistema pretende negar a negação consumada pelo agente de um preceito normativo-social válido. (Numa definição impressiva, Jesus-Maria Silva Sánchez, refere que “A pena (estatal) associa-se substancialmente à inflicção pelo Estado de um mal simbólico-comunicativo ao agente responsável de um delito, a quem se reprova juridicamente. Constitui, pois, uma reacção estatal ao delito. A ela só lhe é consubstancial o sofrimento inerente à própria comunicação, que tem lugar em virtude da sua imposição como tal pena incluso sem esta mediante a declaração do injusto culpável responsavelmente cometido” – “Malum passionais. Mitigar el dolor del Derecho Penal”, Atelier, 2018, 113-114. (tradução do castelhano) A pena, na asserção de Claus Roxin, “só resulta legítima quando é preventivamente necessária e, ao mesmo tempo, é justa no sentido de que evita ao autor qualquer carga que vá além da culpabilidade do facto”, (Claus Roxin, “La Teoria del Delito en la Discussión actual”, Editorial Grijley, 2007, p.71.) actuando a culpabilidade como pressuposto fundamentador da pena “posto que nunca pode impor-se uma pena se ela não estiver presente, assim como tão pouco a pena pode ir além da sua medida. No entanto a tarefa da pena é igualmente preventiva, pois ela não deve retribuir mas sim impedir a comissão de delitos (crimes). Em câmbio, a culpabilidade só tem a função de limitar, ema aras da liberdade dos indivíduos, magnitude dentro da qual devem perseguir-se objectivos preventivos. Disto resulta, por política criminal, aquele princípio da dupla limitação que caracteriza a minha sistematização da categoria da responsabilidade: a pena não deve ser imposta nunca sem uma legitimação preventiva, mas tão pouco pode haver pena sem culpabilidade ou mais além da medida desta. A pena de culpabilidade é limitada através do preventivamente indispensável; a prevenção é limitada através do princípio da culpabilidade.” (Claus Roxin, op. loc. cit. ps. 52-53.) (“A praxis de responsabilizar segundo a medida do merecido pode definir-se e legitimar-se num sistema de imputação ética e jurídica que opere debaixo da ideia de liberdade como expressão de respeito ante o autor que se haja servido da sua capacidade para configurar o mundo arbitrariamente de um modo concreto (isto é, de forna contrária ao dever) e não de outro (isto é, conforme ao dever.” – (Michael Pawlik, “Confirmación de la Norma y Equilibrio en la Identidad. Sobre la Legitimación de la Pena Estatal, Editorial Atelier, Barcelona, 2019, p. 57) Na perspectiva funcionalista de Günther Jakobs, “a transgressão da norma constitui em maior ou menor medida uma perturbação da confiança da generalidade na validade da norma. Por isso a segurança existencial necessária no tráfico social deve restabelecer-se mediante a estabilização da norma à custa do autor. A culpabilidade esvazia-se aqui de conteúdo, o qual dependerá de factores externos”. (Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualización Judicial de la Pena”, Ediciones Universidad Salamanca, 1999, p. 121) “A um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Para uma abordagem mais aprofundada sobre a acepção «social de culpabilidade» veja-se Bernd Schünemann, págs. 98 a 114, “La Culpabilidad: Estado de la Questión”; in “Sobre el Estado de la Teoria del Delito” (Seminário en la Universitat Pompeu Fabra), Claus Roxin, Günther Jakobs, Bernd Schünemann; Wolfang Frish e Michael Köhler; Cuardernos Civitas, 2016.) A pena foi assumida no Estado liberal com uma dupla função, de prevenção de delitos e retribuição por um mal cometido. Num Estado com uma preocupação social e de raiz democrático, o direito penal “deve assegurar a protecção efectiva de todos os membros da sociedade, pelo que há-de tender para a prevenção de delitos (Estado social), entendidos como aqueles comportamentos que os cidadãos entendem danosos para os seus bens jurídicos - “bens” não num sentido naturalista nem ético-individual, mas sim como possibilidades de participação nos sistemas sociais fundamentais –, e na medida em que os mesmos cidadãos considerem graves tais factos (Estado Democrático). Um tal direito penal deve, pois, orientar a função preventiva da pena com arrimo (“arreglo”) aos princípios de exclusiva protecção de bens jurídicos, de proporcionalidade e de culpabilidade.” Para este autor “são dois, pois, os aspectos que deve adoptar a prevenção geral no Direito penal de um Estado social e democrático de Direito: junto ao aspecto intimidatório (também chamada a prevenção geral negativa), deve concorrer o aspecto de uma prevenção geral estabilizadora ou integradora (também denominada prevenção geral ou positiva).” (Santiago Mir Puig, “Estado, Pena e Delito. Função da Pena no Estado Social e Democrático de Direito”, Editorial Bdef, Montevideu e Buenos Aires, pág. 105.) Hassemer afirma que «la función de la pena – afirma – es la prevención general positiva”, que “no opera mediante la intimidación sino que persigue la proteción efectiva de la fiscalización social de la norma. Ello supone dos cosas: por una parte, que la pena ha de estar limitada por la proporcionalidad, – por la retribuición por en hecho; por outra parte, que la misma ha de suponer un intento de resocialización del delincuente, entendida como ayuda que ha de prestársele en la medida de lo posible.” (No mesmo eito pode colher-se lição em Enrique Bacigalupo, in “Justicia Penal y Derechos Fundamentales”, Marcial Pons, 2002, p. 117, quando assevera que “A gravidade da culpabilidade determina o limite máximo da pena, mas não obriga – como na concepção de Kant – à aplicação da pena adequada á culpabilidade. Por debaixo desse limite é possível observar exigências preventivas que, inclusive, podem determinar uma redução da pena adequada á culpabilidade. Dito de outra maneira: a retribuição da culpabilidade, que provém das teorias absolutas, só determina o limite máximo da pena aplicável ao autor, sem excluir a possibilidade de dar cabida às necessidades preventivas, proveniente das teorias relativas, até ao limite fixado pela culpabilidade.”) O ordenamento jurídico-penal português, e com as alterações introduzidas pela revisão do Código Penal em 1995, consagrou uma concepção preventivo-ética da pena, quando se estatuí que “as finalidades da pena (e da medida de segurança) são exclusivamente preventivas, desempenhando a culpa somente o papel de pressuposto (“conditio sine qua non”) e de limite da pena”. (Cfr. Américo Taipa de Carvalho, “Prevenção, Culpa e Pena – Um concepção preventivo-ética do direito penal”, in Liber Discipulorum, Coimbra Editora, pag.317 e segs.) Para este Professor [Taipa de Carvalho], as penas devem visar, em primeira linha privilegiar a prevenção especial (positiva e negativa), devendo a prevenção geral constituir-se como limite mínimo da justificação e fundamento para a imposição de uma pena ou medida de segurança e a culpa como limite máximo atendendo ao critério da prevenção especial, “o objectivo da pena, enquanto meio de protecção dos bens jurídicos, é a prevenção especial, positiva e negativa (isto é, de recuperação social e/ou de dissuasão). Este é o critério orientador, quer do legislador quer do tribunal”. (Américo Taipa de Carvalho, op. loc. cit.,pag. 327) A ordem jurídico-penal viger, estabelece no art. 71 nº 1 do C.P. que "a determinação da pena dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção". Resulta de uma chã leitura deste preceito que a culpa (indiciador de um radical pessoal) e a prevenção (que insinua a vertente societária e comunitária para a reprovação do comportamento do agente e a correlata necessidade no asseguramento da confiança (da sociedade) na norma, traduzido na punibilidade de condutas contrárias ao sentido conformador-normativo) constituem os princípios regulativos em que o juiz se deve ancorar no momento em que se lhe exige que fixe um quantum concreto da pena. Mediante o estabelecimento e indicação de critérios, o legislador fornece ao juiz orientações para a formação cognitiva de juízos avaliativos e condensadores dos pressupostos e da fixação de premissas que possibilitam a conformação e determinação das escolhas a realizar perante um concreto responsável em face da realidade factual ressumada pela facticidade adquirida pelo julgamento. Assim na individualização da pena o juiz, assumindo as intencionalidades e as vinculações do sistema jurídico-penal, desempenha uma insubstituível tarefa mediadora, construtiva e constitutiva das reacções penais ajustadas ao caso e convincentes da sua justeza perante a sociedade que se destinam a influenciar. Na determinação concreta da pena caberão todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime deponham a favor ou contra o agente, designadamente: – O grau de ilicitude do facto, ou seja, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente; – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. (Paragonado com o estabelecido no artigo 71º do nosso ordenamento jurídico-penal, pontua-se no apartado II do § 46 do StGB, que o tribunal deverá na “medición” da pena ponderar as circunstâncias favoráveis e contrárias ao autor. “com este fim se contemplarão particularmente: - os fundamentos da motivação e os fins do autor; - a intencionalidade que se deduz do facto e a vontade com a qual se realizou o facto; - a medida do incumprimento do dever; - o modo de execução e os efeitos inculpatórios do facto; - os antecedentes do autor, a sua situação pessoal e económica, assim como a sua conduta depois do facto, especialmente os seus esforços para reparar os danos, e os seus esforços para acordar uma compensação com o prejudicado.”) A pena contém, na sua impressão conotativa e ontológica, dois vectores axiais (i) a culpa do agente produtor de um resultado contrário a uma proibição legal (comando estipulado pela normação emanada do Estado); e (ii) a prevenção que com a imposição de uma inflicção se pretende alcançar na comunidade em que as normas vigentes imperam e, por outro lado, fazer reflectir o agente da sua contradição cognitiva ao sistema de leis vigente e prevalente na sociedade em que se insere e, eventualmente, impulsionar a respectiva reversão, por forma a conformar a sua pauta de conduta com o conceito sociopolítico prevalente. Num seminário sobre os fins das penas, (Claus Roxin, “Fundamentos Politico-criminales del Derecho Penal” (“La determinación de la pena a la luz y de la teoria de los fines de la pena), Hammarabi, Buenos Aires, págs. 143 a 166) Claus Roxin advoga, acompanhando Hans Scultz, que na determinação da pena se trata de retribuir a culpabilidade (“O princípio – fundamentado segundo opinião generalizada na Constituição – nulla poena sine culpa (princípio da culpabilidade) não significa nesta situação senão que «o suposto de facto e a consequência jurídica devem estar em proporção adequada», quer dizer, a imputação ao autor deve ser necessária, por estar descartada a possibilidade de resolver o conflito sem castigar o autor. Também a medida da culpabilidade se vê limitada pelo necessário. Sobretudo, o conteúdo da culpabilidade não é algo prévio ao Direito, sem consideração às situações sociais.” – Günther Jakobs, op. loc. cit. pág. 588-589.), devendo na operação de determinação aplicar a «teoria da margem de liberdade», que a jurisprudência alemã formulou da forma seguinte: “Não se pode determinar com precisão que pena corresponde à culpabilidade. Existe aqui uma margem de liberdade (Spielraum) limitada no seu grau máximo pela pena adequada (à culpabilidade). O juiz não pode ultrapassar o limite máximo. Não pode, portanto, impor uma pena que na sua magnitude ou natureza seja tão grave que já não se sinta por ela como adequada à culpabilidade, No entanto, o juiz…poderá decidir até donde pode chegar dentro dessa margem de liberdade.” (À teoria da margem da liberdade opõe-se a teoria da «pena exacta», segundo a qual «a la culpabilidad» só pode corresponder una pena exactamente determinada (punktuell). – Clus Roxin, op. loc. cit. P. 146.) De forma definitiva assevera Hans-Heinrich Jescheck que “fundamento da determinação da pena é a culpabilidade, Com esta declaração fundamental reconhece-se expressamente o princípio da culpabilidade e expressa-se que o sentido da pena deve ver-se em todo o caso na retribuição da culpabilidade. Sem embargo, junto a esta declaração, se estabelece no §46 I 2 o dever do juiz ter em conta e todo o acto de determinação da pena os efeitos que podem esperar-se tenha a pena na vida futur do réu na sociedade”. (Autor citado em Tratado de derecho Penal, Volumen Segundo, Bosch, Barcelona, p. 1200) Para Bacigalupo a culpabilidade só logra a sua função de parâmetro delimitador da pena, se for referido à «culpabilidade do facto». “Isto requer excluir das considerações referentes à culpabilidade as que se referem a uma ponderação geral de personalidade como objecto do juízo de reprovação (“juicio de reproche”). Concretamente o juízo de culpabilidade relevante para a individualização da pena, deve excluir como objecto do mesmo referências à conduta anterior ao facto (sobretudo a penas sofridas), a perigosidade, ao carácter do autor, assim como á conduta posterior ao facto (que só pode compensar a culpabilidade do momento da execução do delito.” Noutra perspectiva, o conteúdo de culpabilidade, impõe a “a um autor que actua de determinado modo e que conhece, ou pelo menos devia conhecer, os elementos do seu comportamento, exige-se-lhe (se le imputa) que considere ao seu comportamento como a conformação normativa. Esta imputação tem lugar através da responsabilidade pela própria motivação: se o autor se tivesse motivado predominantemente pelos elementos relevantes para evitar um comportamento, ter-se-ia comportado de outro modo; assim, pois, o comportamento executado patenteia (pone de manifesto) que o autor nesse momento não lhe importava de forma prevalente evitar o comportamento mantido.” (Cfr. Gunther Jakobs, in loc.cit. supra, pag. 13.) Na análise a que procede sobre o Estado, a Pena e o Delito, e escrutinando as distintas doutrinas que se têm vindo a impor no espectro da aplicação das penas Santiago Mir Puig opina que: «O princípio de culpabilidade em sentido amplo, aqui manejado, não deve confundir-se com a exigência de certa proporção entre a pena e a gravidade do delito. Entendida como possibilidade de relacionar um facto com um sujeito e não como possibilidade de converter em demérito subjectivo o facto realizado, a culpabilidade no indica la quantia da gravidade do mal que deve servir de base para a graduação da pena. A referida quantia vem determinada pela gravidade do facto antijurídico do qual culpa o sujeito. A concepção contrária só pode ser admitida por quem aceite que a pena não se impões para prevenir factos lesivos, mas outrossim como retribuição da atitude interna que o facto reflecte no sujeito.- pág. 206. Por um lado a prevenção geral pode manifestar-se pela via da intimidação dos possíveis delinquentes, ou também como prevalecimento ou afirmação do Direito aos olhos da colectividade. No primeiro sentido, a ameaça da pena persegue imbuir de um temor que sirva de freio à possível tentação de delinquir. Dirige-se somente aos eventuais delinquentes. Num segundo sentido, como afirmação do direito, a prevenção geral persegue, mais do que a finalidade negativa de inibição, a internalização positiva na consciência colectiva da reprovação jurídica dos delitos e, por outro lado, a satisfação do sentimento jurídico da comunidade. Dirige-se a toda a sociedade, e não só aos eventuais delinquentes. – pág. 43 Daí, pois, um primeiro limite que a prevenção encontra em si mesma: a gravidade das penas tendentes a evitar delitos não pode negar até ao máximo do que aconselharia a pura intimidação dos eventuais delinquentes, outrossim que deve respeitar o limite detida por certa proporcionalidade com a gravidade social do facto. Por outra parte a exigência de proporcionalidade desprende também aa conveniência de ressaltar o mais grave respeito do menos grave em ordem a frenar em maior grau o mais grave.- pág. 44 Frente ao delinquente ocasional, a prevenção especial exigiria só a advertência que implica a imposição da pena. Para o delinquente no ocasional corrigível, seria precisa a ressocialização mediante a aplicação de um tratamento destinado a obter a sua correcção. Por último, para o delinquente incorrigível a única forma de alcançar a prevenção especial seria inoculá-lo, evitando assim o perigo mediante o seu internamento “asegurativo”. O efeito de advertência se designa às vezes como “intimidação especial”, para expressar que se dirige só ao delinquente e não à colectividade, como a intimidação que persegue a prevenção geral. A ressocialização adopta às vezes modalidades especiais: assim, como tratamento educativo ou como tratamento terapêutico para sujeitos com anomalias mentais. (Cfr. Santiago Mir Puig, in “Estado, Pena y Delito” Editorial B de f, Montevideu – Buenos Aires, 2006 Págs. 43, 44, e 206. Tradução nossa) Do mesmo passo, Santiago Mir Puig faz derivar desta função preventiva uma concepção de pena em que “a pena há-de cumprir (e só está legitimada para cumprir) uma missão política de regulação activa da vida social que assegure o seu funcionamento satisfatório, mediante a protecção dos bens jurídicos dos cidadãos. Isso supõe a necessidade de conferir à pena a função de prevenção dos factos que atentem contra esses bens, e não basear o seu encargo, ou incumbência, numa hipotética necessidade ético-jurídica de não deixar sem resposta, sem retribuição, a infracção da ordem jurídica.” (Santiago Mir Puig, ibidem, pág. 114.) “Partindo da ideia de que a eficácia preventiva da pena pode estar referida aos potenciais delinquentes (prevenção geral) ou aqueles que já hajam delinquido (prevenção especial), e de que a pena pode produzir um efeito preventivo de formas diversas, consideramos que a legitimidade do recurso à mesma há-de vincular-se à sua eficácia preventiva e ao respeito do princípio de proporcionalidade, que (sem prejuízo da eficácia preventiva derivada da sua vigência e da sua importância para estabelecer as penas dos distintos delitos) teria uma função de limite garantístico: a pena é legítima quando, sem rebaixar os limites que derivam do princípio de proporcionalidade, resulta eficaz desde o ponto de vista preventivo; mais concretamente, quando proporciona a máxima eficácia preventiva, atendendo tanto à sua eficácia preventiva geral, como à sua eficácia preventiva especial, e aos distintos sentidos (“cauces”) através dos quais o recurso à pena pode produzir um efeito preventivo (função preventiva limitada pelo princípio da proporcionalidade). Como o resto das teorias preventivas, a proposta pressupõe aa eficácia preventiva da pena. A sua singularidade radica em que faz depender todas as decisões relacionadas com ela (classe e duração da pena que se ameaça com impor, classe e duração da pena imposta e, no concreto caso, forma de execução da pena) do saldo preventivo global das distintas alternativas e do respeito pelo princípio da proporcionalidade. Para que primeiro o legislador, e a seguir o Juiz (e, no caso concreto, a administração penitenciária), adoptem aquelas decisões tendo em conta a sua eficácia preventiva, deverão conhecer a eficácia preventiva das distintas alternativas. A complexidade da conduta humana, e as limitações do próprio ser humano para conhecer os elementos que influem nela, dificultam a aplicação prática daquela proposta, como também dificultam a de qualquer teoria preventiva. No entanto, tais dificuldades não obrigam a abandoná-las. Obrigam a ser prudentes, tentar obter o máximo conhecimento possível sobre a eficácia preventiva da melhoria pena, reconhecer os limites do conhecimento disponível e promover a melhoria do mesmo. E, no caso concreto, também obrigam a reconhecer os limites da capacidade da pena para produzir um efeito preventivo, e a valorar as consequências de intentar incrementá-lo.” (Cfr. Sergi Cardenal Montraveta, “Eficacia Preventiva General Intimidatória de la Pena”, Revista Electrónica de Ciencia Penal y Criminologia”, (RECPC 17-18 (2015), pág. 3.) As escoras da pena assentam, na concepção dominante, na culpa e na prevenção, devendo o tribunal, na individualização concreta da pena, ponderar, aquilatar e idear os factores concretos que podem intervir e equivaler os interesses em jogo. Na doutrina estrangeira sugere-se que “na decisão de determinar a pena são relevantes, entre outros, os seguintes elementos da realidade: a culpabilidade do sujeito; os efeitos da pena que são esperáveis que se produzam na sua vida futura em sociedade; seus motivos e fins, a consciência que o facto revela da vida anterior; as suas relações sociais e económicas e o seu comportamento posterior ao delito”. (Winfried Hassemer (Winfried Hassemer, “Fundamentos del Derecho Penal”, Editorial Bosch, Barcelona, 1984, pág. 127). “Fundamento da determinação da pena é a significação do delito para a Ordem jurídica (conteúdo do injusto), e a gravidade da reprovação que se faz ao réu pelo facto cometido (conteúdo de culpabilidade. No entanto estes factores, fundamentais para a determinação da pena, não estão totalmente desvinculados entre si, a culpabilidade jurídico-penal vem referida ao injusto: a sua extensão determina-se pelo conteúdo culpável do injusto do facto. A culpabilidade tem, não obstante, também junto a isto, elementos autónomos que carecem de paralelo no âmbito do injusto (por ex., o grau de capacidade da culpabilidade; a evitabilidade do erro de proibição, autênticos elementos da atitude interna). Tanto o injusto como a culpabilidade entendidos como elementos materiais do delito, são conceitos graduáveis. Isto significa que, entre outras coisas, entidade do dano, a forma de execução do facto e a comoção da paz jurídica determinam o grau de injusto do facto, tanto com a desconsideração, a premeditação, a situação de necessidade, a tentação, a juventude, os transtornos mentais ou o erro devem ser valorados para graduar a culpabilidade.” (Hans-Heinrich Jescheck, Tratado de Derecho Penal, Parte General, Volumen Segundo, Bosch Editora, Barcelona, 1981, p. 1207.) (“Na lesão ou colocação em perigo do objecto da acção protegido reside o desvalor do resultado do facto, na forma da sua comissão o desvalor da acção. O desvalor da acção consiste tanto nas modalidades externas do comportamento do autor, com nas circunstâncias que radicam na sua pessoa. Segundo isto, é preciso distinguir entre desvalor da acção (pessoal) referido ao facto e referido ao autor. O desvalor do resultado ou da acção se convertem em injuso do resultado ou da acção, respectivamente, ao ser recolhidos nos tipos penais.” – Hans-Heinrich Jescheck, op. loc. cit. p. 323) (Para uma perspectiva da categoria do que se constitui como injusto e da sua justificação e imputação, veja-se Michael Pawlikemann – Urs Kindhäuser – Javier Wilenmann – Javier Pablo Mañalich, in “La antijuridicidad en el Derecho Penal. Estudios de las Normas Permissivas y la legitima Defensa”, Bdef, Buenos Aires, 2020, ps. 99-176.) Pondera-se, na jurisprudência, que a escolha e determinação da medida, ou para medição, da pena “reger-se-á pelo objectivo e critério da prevenção especial: recuperação social do infractor (prevenção especial positiva), desde que tal objectivo não seja incompatível com a necessidade mínima de dissuasão individual. Ou seja: o “fim” é a reintegração social do infractor, fim este que tem, como limite mínimo, a eventual necessidade de dissuasão do infractor da prática de futuros crimes”. (“A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade)” – (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2007; proferido no processo nº 28/07) Consignada a pena nos preditos moldes, e arredada, por não interessar ao caso em apreço, a figura da “determinação legal da pena, ainda que para a operação de individualização judicial da pena não nos possamos alhear deste conceito, por constituir o limite que o legislador consignou como sendo aquele que protege de forma prevalente e eficaz, e num dado momento histórico, um determinado bem jurídico”, procuraremos indagar quais os critérios e justificações que deverão guiar e lastrar a determinação da medida concreta de uma pena, o que vale por dizer quais serão ou deverão ser os princípios rectores em que poderá ancorar-se uma adequada valoração da conduta de um agente infractora norma protectora de bens jurídicos. (Na procura de directivas e vectores de orientação que ajudem na determinação concreta da pena seguem-se de perto os ensinamentos colhidos em Eduardo Demétrio Crespo, “Prevención General e Individualização judicial da Pena”, Ediciones Universidade Salamanca, bem como dos ensinamentos recolhidos na obra já citada supra de Gunther Jakobs, de Winfried Hassemer, in “Fundamentos del Derecho Penal”, de Claus Roxin, in “Culpabilidad y Prevención en Derecho Penal” e Anabela Miranda Rodrigues, in “A Determinação da Pena Privativa de Liberdade” e Adriano Teixeira, “Teoria da Aplicação de uma Determinação Judicial da Pena Proporcional ao Fato”, Marcial Pons, 2015.) A culpa serve, na determinação concreta da escolha, um papel meramente limitador da pena, no sentido de que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa, sendo que dentro desse limite máximo a pena é determinada dentro de uma moldura de prevenção geral de integração, cujo limite superior é oferecido pelo ponto óptimo de tutela dos bens jurídicos e cujo limite inferior é constituído pelas exigências mínimas de defesa do ordenamento jurídico, só então entrando considerações de prevenção especial. Dentro da moldura de prevenção geral de integração, a medida da pena é encontrada em função de exigências de prevenção especial, em regra positiva ou de socialização, excepcionalmente negativa, de intimidação ou segurança individuais. «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida da necessidade da tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas». (Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal – 3º Tema – Fundamento Sentido e Finalidade da Pena Criminal (2001), 104/111 e ainda Anabela Rodrigues (- Problemas fundamentais de Direito Penal – Homenagem a Claus Roxin (2002), “O modelo de prevenção na determinação da medida concreta da pena”, 177/208, estudo também publicado na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 12, n.º 2 Abril – Junho de 2002, 147/182.) Anabela Rodrigues, bem como Taipa de Carvalho, ao defenderem que o limite mínimo da pena nunca pode ser inferior à medida da pena tida por indispensável para garantir a manutenção da confiança da comunidade na ordem dos valores jurídico-penais violados e a correspondente paz jurídico-social, bem como para produzir nos potenciais infractores uma dissuasão mínima, limite este que coincide com o limite mínimo da moldura penal estabelecida pelo legislador para o respectivo crime em geral, devendo eleger, em cada caso, aquela pena que se lhe afigure mais conveniente, com apelo primordial à tutela necessária dos bens jurídico-penais do caso concreto. Tutela dos bens jurídicos não, num sentido retrospectivo, face a um facto já verificado, mas com significado prospectivo, correctamente traduzido pela necessidade de tutela da confiança e das expectativas da comunidade na manutenção da vigência da norma violada. Neste sentido, constitui indicador razoável afirmar-se que a finalidade primária da pena é o restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, finalidade que, deste modo, por inteiro se cobre com a ideia de prevenção geral positiva ou de prevenção de integração, dando-se assim conteúdo ao exacto princípio da necessidade da pena a que o artigo 18º, n.º 2, da CRP, consagra. (“O princípio da proporcionalidade do art. 18.º da Constituição refere-se à fixação de penalidades e à sua duração em abstracto (moldura penal), prendendo-se a sua fixação em concreto com os princípios da igualdade e da justiça. [Deve na determinação concreta da pena atender-se ao] “grau de ilicitude do facto (o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação de deveres impostos ao agente); – A intensidade do dolo ou negligência; – Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram; – As condições pessoais do agente e a sua situação económica; – A conduta anterior ao facto e posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime; – A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena. A defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada (a pena deve neutralizar o efeito negativo do crime na comunidade e fortalecer o seu sentimento de justiça e de confiança na validade das normas violadas, além de constituir um elemento dissuasor – a medida da pena tem de corresponder às expectativas da comunidade) e o máximo que a culpa do agente consente; entre esses limites, satisfazem-se, quando possível, as necessidades da prevenção especial positiva ou de socialização (é a medida necessária à reintegração do indivíduo na sociedade, causando-lhe só o mal necessário. Dirige-se ao próprio condenado para o afastar da delinquência e integrá-lo nos princípios dominantes na comunidade) assim se desenhando uma sub-moldura.” – (Ac. do Supremo Tribunal de Justiça, de 22.02.2007). Discorrendo sobre o princípio da proporcionalidade, refere Mata Barranco que, “no momento judicial o âmbito de projecção do princípio da proporcionalidade manifesta-se claramente tanto na fase judicial de concreção da pena legalmente prevista – se se prefere, de determinação judicial da pena – como na individualização em sentido específico. Diz-se inclusivamente que a denominada aritmética penal, que não é senão a completa técnica que o tribunal tem que levar a cabo para determinação da pena que corresponde ao autor, está inspirada no princípio da proporcionalidade. Em primeiro lugar, o Código estabelece determinadas regras vinculadas à determinação judicial da pena em relação, por exemplo, ao grau de execução do delito, à participação, ao erro de proibição, à concorrência de eximentes incompletas, de atenuantes e agravantes ou aspectos concursais, modulando-se a resposta penal com base na diferente gravidade do facto e da culpabilidade do autor nos supostos concretos. (…) Em segundo lugar, ao juiz fica-lhe sempre uma margem de arbítrio, mais ou menos amplo, na determinação quantitativa da pena, ou inclusivamente qualitativa quando o preceito penal contemple penas alternativas, penas de imposição potestativa ou a possibilidade de aplicar substitutos penais que permita um melhor ajuste entre a gravidade do facto – em toda a sua complexidade – e a gravidade da pena, que tem que aplicar – de todo o modo proporcional – atendendo ao conjunto de circunstâncias objectivas e subjectivas do delito cometido, tal e como costumava exigir, por outro lado a própria normativa penal. Aquela primeira função judicial, ainda que próxima a esta de individualização judicial propriamente dita, se entende conceptualmente separável da verdadeira função autónoma individualizadora do juiz, que não procede a uma delegação do legislador, diz-se, mas sim que se apresenta como competência exclusiva da jurisdição enquanto se trata de determinar uma pena em função das peculiaridades de cada caso e de cada autor (…) por isso se qualifica este acto de individualização judicial como de discricionariedade juridicamente vinculada, pois o juiz pode mover-se livremente, em princípio, dentro do marco legal do delito – que quele concreta -, mas orientado por princípios que haverão de extrair-se desde logo das declarações expressas da lei, quando existam, assim como dos fins do Direito penal no seu conjunto, ou ainda dos fins da pena partindo da função e limites do Direito penal.”) (Norberto J. de la Mata Barranco, “El Princípio de Proporcionalidad Penal”, Tirant lo Blanch, “Colección Delitos”, Valência, 2007, 221-223.) Como se alcança do que a doutrina vem ensinando “o conceito de proporcionalidade, o juízo sobre a proporcionalidade de uma norma – não só de uma sanção, mas também de uma norma enquanto ao que prescreve ou proíbe e enquanto á consequência do seu incumprimento – afecta, e deve fazê-lo, tanto à delimitação da tutela que trata de conseguir como ao mecanismo sancionatório que prevê para o lograr e, por isso mesmo, ideia de proporção deve poder permitir restringir tanto a sanção desnecessária ou excessiva como limitar comportamentos susceptíveis dela. (…) O princípio de proporcionalidade penal rechaça, com se disse, o estabelecimento de cominações legais - proporcionalidade em abstracto – e a imposição de consequências jurídicas – proporcionalidade em concreto – que careçam de relação valorativa com o facto cometido, contemplado este no seu significado global. De uma forma mais sintética, exige que as consequências da infracção penal, previstas ou impostas, não sejam mais graves – se é que se pode equiparar a gravidade de umas e outras – à entidade da mesma. (…) mas também – ou justamente por isso – se há-de destacar a necessidade e vincular o conceito de proporção à relação entre a medida imposta e a finalidade pretendida pela norma a aplicar e com os fins, no nosso caso, da pena e do Direito penal; serão estes – tratando de garantir uma convivência na qual se maximize a liberdade de cada um sem detrimento superior da do resto – os que determinam a gravidade do facto a «enjuiciar».” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 289-290. “A exigência de proporção tem umas implicações, em todo o caso, que talvez não captam os conceitos de razoabilidade, racionalidade ou ausência de arbitrariedade, por quanto permite incorporar um conteúdo limitador da actuação estatal que, em princípio, estes não têm que atender. Com ser difusa a ideia de proporção, porque não indica mais que uma correspondência ou correlação de magnitudes, sem dúvida oferece uma base de actuação mais concreta – no âmbito penal – que a estes conceitos e nesse sentido aporta um plus de segurança, relativa, na restrição de liberdades porque, ao menos, remete para determinadas magnitudes ou referências a partir das quais pode efectuar uma ponderação de qual deve ser o grau de intervenção.” – ibidem, p.291) Iterando a vertente da pena adequada à culpabilidade, isto é, consonante com a culpa revelada – máximo inultrapassável –, certo é dever corresponder à sanção que o agente merece, ou seja, deve corresponder ao desvalor social do injusto cometido. Só assim se consegue a finalidade político-social de restabelecimento da paz jurídica perturbada pelo crime e o fortalecimento da consciência jurídica da comunidade. O “merecido”, porém, não é algo preciso, resultante de uma concepção metafísica da culpabilidade, mas sim o resultado de um processo psicológico valorativo mutável, de uma valoração da comunidade que não pode determinar-se com uma certeza absoluta, mas antes a partir da realidade empírica e dentro de uma certa margem de liberdade, tendo em vista que a pena adequada à culpa não tem sentido em si mesma, mas sim como instrumento ao serviço de um fim político-social, pelo que a pena adequada à culpa é aquela que seja aceite pela comunidade como justa, contribuindo assim para a estabilização da consciência jurídica geral. (Claus Roxin, Culpabilidad Y Prevención En Derecho Penal (tradução de Muñoz Conde – 1981), 96/98.); Cfr. ainda por mais recentes os acs. do Supremo Tribunal de Justiça de 20.02.2008 e 09.04.2008; proferidos, respectivamente, nos proc.s nºs 07P4724 e 08P1011; disponíveis em www.stj.pt.) A imposição de uma pena depende do estabelecimento/consolidação de um juízo de culpabi-lidade que pressupõe exigências de verificação a) “de um princípio de responsabilidade pelo facto. “Exige um “direito penal do facto” e opõe-se a castigar o carácter ou o modo de ser – directa ou indirectamente. Ainda que o homem contribua para a formação da sua personalidade, esta escapa em boa parte ao seu controle. Deve rechaçar-se a teoria da “culpabilidade pela conduta de vida” ou a “culpabilidade do carácter”. Este princípio [da responsabilidade pelo facto] entronca com o da legalidade e a sua exigência de tipicidade dos delitos: o “mandato” e determinação da lei penal reclama uma descrição diferenciada da cada conduta delitiva”; b) a exigência de imputação objectiva do resultado lesivo a uma conduta do sujeito. Nos delitos de conduta positiva, isso requer a relação de causalidade entre o resultado e a acção do sujeito, mas para além disso são precisas outras condições que exige a moderna teoria de imputação objectiva e que giram em torno da necessidade de criação de um risco tipicamente relevante que se realize no resultado”; c) a exigência do dolo ou culpa (imputação subjectiva). Considerada tradicionalmente a expressão mais clara do princípio de culpabilidade, faz insuficiente a produção de um resultado lesivo ou a realização objectiva de uma conduta nociva para fundar a responsabilidade penal”; d) A necessidade de culpabilidade em sentido estrito, que exige a imputabilidade do sujeito e a ausência de causas de exculpação- também a possibilidade ed conhecimento da antijuridicidade, se esta não se inclui no dolo.” (Santiago Mir Puig, ibidem. “Sobre o Princípio de Culpabilidade como Limite da Pena”, pág. 203.) Ainda que concordemos que a função da pena deva assumir-se como um pendor marcadamente preventiva, não podemos deixar de, na escolha e determinação concreta da pena, considerar o facto conduzido pela vontade de delinquir do agente – desvalor da acção – e o resultado em que a acção desvalorativa se concretizou. A imposição de uma pena que, partindo destes dois parâmetros definidores da conduta ilícita e típica do agente, seja colimada pela culpabilidade do agente impõe como paradigma da pena proporcional ao facto que deve encampar a actividade do julgador na hora de ponderar o quantum penológico a impor. Factor de ponderação inarredável na formação de uma pena justa e arrimada com os valores constitucionalmente consagrados é a proporcionalidade entre o desvalor da acção referido ao conteúdo do bem jurídico contido na norma violada, o desvalor do resultado enquanto atingimento e vulneração histórico-social e concreta de um sentimento socialmente relevante e o retraimento social que se pretende com a imposição da sanção da sanção penal. No ensinamento de Silva Sanchez (Individualización judicial de la Pena”, p.139) “é difícil, na realidade, falar de discricionariedade no âmbito da individualização judicial da pena e que, seguindo a terminologia da doutrina alemã, afinal do que poderá falar-se é de uma “discricionariedade juridicamente vinculada. A maioria da doutrina entende sim possível continuar aludindo a uma certa discricionariedade no exercício da actividade judicial, limitada, submetida a uma conjunto de critérios valorativos, que não permita tomar decisões com base em considerações opostas a princípios cuja transgressão afasta o arbítrio das pautas de racionalidade, mesura e proporcionalidade que lhe devem presidir; sem embargo autor explica, em meu juízo com acerto, que isso já não é uma verdadeira discricionariedade, mas sim autêntica aplicação pura, regrada do Direito, pois não se trata de eleger entre várias possibilidades igualmente correctas, que é o que caracteriza a discricionariedade, mas sim concretar os juízos de valor da lei e conseguir os fins daquela em cada passo. Determinando a pena concreta. (…) Por isso o Tribunal Supremo distinguiu o que a discricionariedade enquanto uso motivado das faculdades de arbítrio não susceptíveis de revisão em apelação, cassação ou amparo – quando se executa correctamente –, da arbitrariedade, definida pela ausência de motivação do uso de tais faculdades, vetada e revisível, diz-se numa diferenciação que não obstante reside somente no facto da motivação da individualização (…).” (Norberto J. de la Mata Barranco, ibidem, pág. 229-230.) Numa recensão louvável da jurisprudência e de uma “desmadejada” doutrina sobre a determinação da pena, respigamos o que a propósito foi escrito no acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça datado de 20 de Junho de 2018, no processo 3343/15, já citado. (Incluem-se as notas de rodapé no números apósitos). “O art. 40.º do do CP constitui um repositório da doutrina defendida entre nós que entende que os fins da penas «só podem ter natureza preventiva – seja de prevenção geral, positiva ou negativa, seja de prevenção especial, positiva ou negativa--, não natureza retributiva.» (Jorge de Figueiredo Dias, Temas Básicos da Doutrina Penal. Sobre os Fundamentos da Doutrina Penal sobre a Doutrina Geral do Crime, Coimbra Editora, 2001, pág. 104.) A medida da pena há-se encontrar-se de acordo com a combinação do disposto nos arts. 40.º e 71.º através da conjugação da culpa, da prevenção geral e da prevenção especial, esse “triângulo mágico” de que falava Zift. (Cit. por Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, pág. 148.”( Sobre o historial do art. 71.º do CP, cfr. o cit. Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 21/10.5GACUB.E1.S1, Rel. Raul Borges.) Referindo-se ao relacionamento da culpa e da prevenção, escreve Anabela Miranda Rodrigues em O Modelo de Prevenção na Determinação da Medida Concreta da Pena, na Revista Portuguesa de Ciência Criminal, ano 12, n.º 2, Abril/Junho de 2002, págs. 155, que «É essa composição que oferece o artigo 40.º, ao condensar em três proposições fundamentais o programa político-criminal - a de que o direito penal é um direito de protecção de bens jurídicos, de que a culpa é tão-só limite da pena, mas não seu fundamento, e a de que a socialização é a finalidade de aplicação da pena – e levantando, assim, obstáculos definitivos à eventual persistência de correntes jurisprudenciais erradas e funestas»(sublinhado nossos) (Relativamente à culpa, não é dogmaticamente pacífica a sua concepção: para uns, Anabela Miranda Rodrigues, Jorge de Figueiredo Dias, constitui apenas limite da pena e não seu fundamento; para outros, v.g., Maria Fernanda Palma, Direito Penal. Conceito material de crime, princípios e fundamentos. Teoria da lei penal: interpretação, aplicação no tempo, no espaço e quanto às pessoas, cit., págs. 87 e 108, constitui fundamento da pena. Na jurisprudência deste STJ, considerando a culpa como fundamento e limite da pena, cfr., v.g., Acs. de 13/10/2000, Proc. 200/06.0JAAVR.C1.S1; de 27/4/2011, Proc. 210/08.2JBLSB.L1.S1; de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1; de 22/1/2013, Proc. 182/10.3TAVPV.L1.S1; de 15/5/2013, Proc. 154/12.3JDLSB.L1.S1, relatados pelo Cons.º Santos Cabral; Ac. de 31/5/2017, CJACSTJ, XXV, T. II, págs. 208 e ss. Refere-se naquele Ac. de 15/2/2012, Proc. 85/09.4PBPST.L1.S1, que «Nunca é demais acentuar o papel da culpa como critério fundamentador da medida da pena, ao invés da preponderância que alguns outorgam à prevenção geral, colocando-a acima da retribuição da culpa pelo delito quando é esta, na realidade, que justifica a intervenção penal. A culpa é a razão de ser da pena e, também, o fundamento para estabelecer a sua dimensão. A prevenção é unicamente uma finalidade da mesma.») De acordo com a mesma autora, loc. cit., pág. 177-178, «a medida da pena há-de ser encontrada dentro de uma moldura de prevenção geral positiva e que será definitiva e concretamente estabelecida em função de exigências de prevenção especial, nomeadamente de prevenção especial positiva ou de socialização; a pena, por outro lado, não pode ultrapassar em caso algum a medida da culpa. É este também o modelo que deve ser seguido à luz das injunções normativas avançadas pelo legislador ordinário. É o próprio conceito de prevenção geral de que se parte – protecção de bens jurídicos alcançada mediante a tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e no reforço) da validade da norma jurídica violada--que justifica que se fale de uma moldura de prevenção. Proporcional à gravidade do facto ilícito, a prevenção não pode ser alcançada numa medida exacta, uma vez que a gravidade do facto ilícito é aferida em função do abalo daquelas expectativas sentido pela comunidade. A satisfação das exigências de prevenção terá certamente um limite definido pela medida da pena que a comunidade entende necessária à tutela das suas expectativas na validade das normas jurídicas: o limite máximo da pena. Que constituirá, do mesmo passo, o ponto óptimo de realização das necessidades preventivas da comunidade, que não pode ser excedido em nome de considerações de qualquer tipo, ainda quando se situe abaixo do limite máximo consentido pela culpa. Mas, abaixo daquela medida (óptima) de pena (da prevenção), outras haverá que a comunidade entende que são ainda suficientes para proteger as suas expectativas na validade das normas -- até ao que considere que é o limite do necessário para assegurar a protecção dessas expectativas. Aqui residirá o limite mínimo da pena que visa assegurar a finalidade de prevenção geral». A mesma autora, a págs. 181-182 do mesmo estudo, adianta três proposições em jeito de conclusões a saber: «Em primeiro lugar, a medida da pena é fornecida pela medida de necessidade de tutela de bens jurídicos, isto é, pelas exigências de prevenção geral positiva (moldura de prevenção). Depois, no âmbito desta moldura, a medida concreta da pena é encontrada em função das necessidades de prevenção especial de socialização do agente ou, sendo estas inexistentes, das necessidades de intimidação e de segurança individuais. Finalmente, a culpa não fornece a medida da pena, mas indica o limite máximo da pena que em caso algum pode ser ultrapassado em nome de exigências preventivas. É este o único entendimento consentâneo com as finalidades da aplicação da pena: tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, a reinserção do agente na comunidade, e não compensar ou retribuir a culpa. Esta é, todavia, pressuposto e limite daquela aplicação, directamente imposta pelo respeito devido à eminente dignidade da pessoa do delinquente». «A norma do artigo 40.º - escreve-se no Ac. STJ de 16/1/2008, Proc. 4565/07, Rel. Henriques Gaspar - condensa, assim, em três proposições fundamentais o programa político criminal sobre a função e os fins das penas: protecção de bens jurídicos e socialização do agente do crime, senda a culpa o limite da pena mas não seu fundamento. Neste programa de política criminal, a culpa tem uma função que não é a de modelar previamente ou de justificar a pena, numa perspectiva de retribuição, mas a de «antagonista por excelência da prevenção», em intervenção de irredutível contraposição à lógica do utilitarismo preventivo. O modelo do Código Penal é, pois, de prevenção, em que a pena é determinada pela necessidade de protecção de bens jurídicos e não de retribuição da culpa e do facto. A fórmula impositiva do artigo 40º determina, por isso, que os critérios do artigo 71º e os diversos elementos de construção da medida da pena que prevê sejam interpretados e aplicados em correspondência com o programa assumido na disposição sobre as finalidades da punição; no (actual) programa político criminal do Código Penal, e de acordo com as claras indicações normativas da referida disposição, não está pensada uma relação bilateral entre culpa e pena, em aproximação de retribuição ou expiação. O modelo de prevenção - porque de protecção de bens jurídicos - acolhido determina, assim, que a pena deva ser encontrada numa moldura de prevenção geral positiva e que seja definida e concretamente estabelecida também em função das exigências de prevenção especial ou de socialização, não podendo, porém, na feição utilitarista preventiva, ultrapassar em caso algum a medida da culpa. O conceito de prevenção significa protecção de bens jurídicos pela tutela das expectativas comunitárias na manutenção (e reforço) da validade da norma violada (cfr. Figueiredo Dias, “Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime”, pág. 227 e segs.). A medida da prevenção, que não pode em nenhuma circunstância ser ultrapassada, está, assim, na moldura penal correspondente ao crime. Dentro desta medida (protecção óptima e protecção mínima - limite superior e limite inferior da moldura penal), o juiz, face à ponderação do caso concreto e em função das necessidades que se lhe apresentem, fixará o quantum concretamente adequado de protecção, conjugando-o a partir daí com as exigências de prevenção especial em relação ao agente (prevenção da reincidência), sem poder ultrapassar a medida da culpa. Nesta dimensão das finalidades da punição e da determinação em concreto da pena, as circunstâncias e os critérios do artigo 71º do Código Penal têm a função de fornecer ao juiz módulos de vinculação na escolha da medida da pena; tais elementos e critérios devem contribuir tanto para codeterminar a medida adequada à finalidade de prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõe maior ou menor conteúdo de prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação dos valores), como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (circunstâncias pessoais do agente; a idade, a confissão; o arrependimento), ao mesmo tempo que também transmitem indicações externas e objectivas para apreciar e avaliar a culpa do agente.». (Entendimento replicado no Ac. STJ de 13/1/2011, Proc. 369/09.1JELSB.L1.S1, do mesmo Relator e noutros arestos deste STJ (cfr., v.g., Ac. STJ de 29/6/2011, Proc. 1878/10.5JAPRT.S1, Rel. Raul Borges).” (in www.dgsi.pt) Resenhados, em traços largos e, quiçá, imprecisos os fins das penas e os pilares axiais em que assenta – culpa e prevenção (geral positiva) e especial – encarreiremos para o caso que nos ocupa. Adindo na situação uma situação de concurso de crimes, haverá que tecer algumas consideração quanto á formação/composição da pena conjunta. (artigo 77º do Código Penal) Claus Roxin, in Derecho Penal, Parte General, Tomo II, Especiales Formas de Aparición del Delito”, Civitas e Thomson Reuters, 2014, na Seccion11ª, sob a epigrafe “Concursos”, define o concurso real quando “uma pluralidade de factos puníveis é julgado no mesmo procedimento ou se submete a posterior formação de uma pena global ou conjunta (§ 53 I)” (Estipula o § 53 I do Código Penal Alemão (StGB) sob a epigrafe “Concurso real de delitos”: “Quando alguém haja perpetrado vários delitos que sejam julgados simultaneamente, e por isso se lhe devam aplicar várias penas privativas de liberdade ou várias multas, condenar-se-á numa pena conjunta”. (Tradução nossa do Código Penal Alemão, traduzido por Emilio Eiranova Encinas (Coord.), Marcial Pons, 2000, Madrid, pág. 37) (…) “o conceito de pluralidade de factos se interpreta por si mesmo: todas as acções submetidas a uma condenação independente, que não estejam em concurso ideal e que são susceptíveis de formação de uma pena conjunta ou global, estão em concurso real. Portanto, a delimitação de unidade de acção e pluralidade de acções aclara já aclara o que significa haver cometido vários factos puníveis.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 981.) Depois de descrever as várias situações em que pode ocorrer a formação de uma pena conjunta e as penas particulares que a podem integrar – somente uma pluralidade de penas privativas de liberdade, somente uma pluralidade de penas de multa, uma pluralidade de penas privativas de liberdade e uma pluralidade de penas multas (em caso de distintos factos e no caso de a oena de privativa e pena corresponder ao mesmo facto punível – o Autor fixa-se na formação da pena conjunta ou global. Na formação da pena conjunta ou global, regulada no § 54 do StGB (Tem o sequente texto o § 54, sob a epígrafe “Formação da pena conjunta”: “Quando uma das penas particulares seja uma pena para a vida (“de por vida”), condenar-se-á á pena privativa de liberdade para a vida (“de por vida”) como pena conjunta. Em todos os demais casos se formará apena conjunta pelo aumento da pena mais alta em que esteja incurso, em caso de penas de distintas classes, pelo aumento da sua classe segundo a pena mais grave” – tradução nossa. (StGB citado), ensina o Emérito Mestre que ela se desenvolve em três passos: (a) a fixação ou atribuição (“asignación”) das penas particulares; (b) a determinação da pena de arranque ou base de partida; (c) a agravação conforme ao princípio da “asperación” ou agravamento (“asperación” do latim “asperare” [agravar]”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 992.) No primeiro dos indicados passos – fixação ou “asignación” das penas particulares -, refere o Autor que vimos seguindo, que há que fixar uma pena independente para cada facto particular daqueles que estão em concurso real. “Para isso na medição da pena basicamente haverá que proceder com se o facto tivesse sido enjuizado (“enjuiciado”) só; pois a valoração global de todos os facto puníveis não se produz até à fixação da pena conjunta ou global.” No segundo passo “haverá que determinar ou calcular a pena mais grave das penas particulares (a denominada pena de arranque, base ou de partida). No caso de várias penas privativas de liberdade a mais grave é aquela que condena à maior ou mais larga privação de liberdade”. O último passo “incrementa-se com arrimo (“arreglo”) ao princípio de “asperación” [agravamento].” “Decorrente deste facto forma-se um novo marco penal cujo limite inferior consiste num momento da pena de arranque ou base de partida e cujo limite superior não pode alcançar a soma das penas particulares”. (Claus Roxin, op. loc. cit. págs. 987 a 989) “Dentro do marco penal assim formado a fixação concreta da pena conjunta precisa de um acto independente de medição da pena, no qual se valorem conjuntamente a pessoa do réu e os concretos factos puníveis (§ 54 I 3). “Não basta, portanto, fundamentar as penas particulares e em consequência (“a continuación”) relativamente à pena conjunta ou global constatar na sentença unicamente: “a pena conjunta que há-de ser formada (“que hay que formar“) parece adequada em quantum de cinco anos. Pelo contrário, é necessária uma fundamentação adicional específica, que se baseia na concepção do legislador de “que os factos particulares são emanação da personalidade única do sujeito e por isso hão-de ser “enjuiciados” não como uma mera soma, mas antes como um conjunto. Há-de efectuar-se uma “visão global de todos os factos”. “A este respeito dá que considerar diversos factores, a saber, a relação dos factos particulares entre si, em espacial a sua conexão, a sua maior ou menor autonomia, e além disso a frequência da comissão, igualdade ou diversidade dos bens jurídicos lesionados e dos modos comissivos assim como o peso total do suposto que haja que julgar.” Com a valoração global dos factos opera a personalidade do autor. “A este respeito haverá que tomar em conta juntamente com a sua sensibilidade à pena sobretudo a sua maior ou menor culpabilidade em relação à totalidade do sucesso. Também é importante determinar “se os vários factos puníveis procedem de uma tendência criminal ou nos factos imprudentes de uma disposição de ânimo geral de indiferença ou se pelo contrário se trata de delitos ocasionais sem vinculação interna.” (Claus Roxin, op. loc. cit. pág. 991.) Na teorética que coenvolve a dogmática jurídica da formação da pena conjunta ou global, refere o mesmo Autor, que se coloca uma primeira questão, qual seja “de se os factores ou critérios de medição da pena que já hajam sido considerados em cada pena particular, também podem voltar a desempenhar um papel na determinação da pena conjunta”. “Contra esta possibilidade aduz-se a “proibição da dupla utilização ou valoração. A favor desta posição, a jurisprudência e um sector da doutrina, partem da base de que não é praticável uma total separação dos pontos de vista decisivos para a pena particular e a pena conjunta. Circunstâncias como as relações pessoais e económicas do réu, a sua vida interior e a atitude interna expressada no facto, que já … devem ser tidas em conta na fixação das penas particulares, têm também uma importância essencial na formação da pena global ou conjunta. As ditas circunstâncias podem ser por uma parte consideradas isoladamente para o facto particular e por outra “sinteticamente como conjunto” na sua repercussão sobre a totalidade dos factos.” Por outro lado também se coloca a questão de “se os factos puníveis em serie têm importância na formação da pena conjunta com carácter agravante ou atenuante.” “O correcto parece ser julgar estes supostos diferenciando. Assim, se diversos furtos representam só a realização sucessiva de um dolo global unitário, em que antes se admitiu um delito continuado, ou se vários factos similares se devem a que o sujeito haja caído na mesma tentação, a comissão “formaliter” pode ser julgado de modo mais benigno.” A pena conjunta surge no ordenamento jurídico-penal como necessidade de obter uma configuração final, genérica e de visão global de uma personalidade (tendencialmente propensa a delinquir ou pelo menos a praticar actos que se revelam contrárias à preservação e manutenção de um quadro valorativo penalmente prevalente e saliente) e de uma pluralidade de condutas e acções típicas perpetradas pelo mesmo arguido num lapso de tempo confinado por uma avaliação jurisdicional. (Cfr. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 27 de Abril de 2011, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, de que ressaltamos o respectivo sumário: “IV - A formação da pena conjunta é, assim, a reposição da situação que existiria se o agente tivesse sido atempadamente condenado e punido pelos crimes à medida em que os foi praticando (Lobo Moutinho, Da Unidade à Pluralidade dos Crimes no Direito Penal Português, edição da FDUC, 2005, pág. 1324). V -Propondo-se o legislador sancionar os factos e a personalidade do agente no seu conjunto, em caso de cúmulo jurídico de infracções, é de concluir que o agente é punido pelos factos individualmente praticados, não como um mero somatório, em visão atomística, mas antes de forma mais elaborada, dando atenção àquele conjunto, numa dimensão penal nova, fornecendo o conjunto dos factos a gravidade do ilícito global praticado, levando-se em conta exigências gerais de culpa e de prevenção, tanto geral, como de análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). (…) XI - O cúmulo retrata, assim, o atraso da jurisdição penal em condenar o arguido, tendo em vista não o prejudicar por esse desconhecimento ao fixar limites sobre a duração das penas. XII - Imprescindível na valoração global dos factos, para fins de determinação da pena de concurso, é analisar se entre eles existe conexão e qual o seu tipo; na avaliação da personalidade releva sobretudo se o conjunto global dos factos é reconduzível a uma tendência criminosa, dando-se sinais de extrema dificuldade em manter conduta lícita, caso que exaspera a pena dentro da moldura de punição em nome de necessidades acrescidas de ressocialização do agente e do sentimento comunitário de reforço da eficácia da norma violada ou indagar se o facto se deve à simples tradução de comportamentos desviantes, meramente acidentes de percurso, que toleram intervenção punitiva de menor vigor, expressão de uma pluriocasionalidade, sem radicar na personalidade, tendo presente o efeito da pena sobre o seu comportamento futuro – Prof. Figueiredo Dias, op. cit . § 421. XIII - Quer dizer que se procede a uma reconstrução da sanção, descendo o julgador do aspecto parcelar penal para se centrar num olhar conjunto para a globalidade dos factos e sobre a relação que tem com a sua personalidade enquanto suporte daquele conjunto de manifestações que exprimem a sua relação com o dever de qualquer ser para com a ordem estabelecida, enquanto repositório de bens ou valores de índole jurídica, normativamente imperativos. XIV - A avaliação da personalidade é de feição unitária, conceptualmente como um todo referível a uma unidade delituosa e não mecanicamente por uma adição criminosa. XV - Quando o tribunal aplique em concurso uma única pena de multa como pena principal ou alternativa à de prisão, com uma multa substitutiva da prisão, nos termos do art. 43.º, do CP, tais penas devem acumular-se materialmente, atenta a sua diferente natureza. (…) XXI - A Lei 59/2007, de 04-09, suprimiu o requisito anterior que excluía do concurso superveniente a hipótese de a pena se achar cumprida, prescrita ou extinta, não a englobando no cúmulo jurídico e no desconto na pena única. XXII - Actualmente, o art. 78.º, n.º 1, do CP, considera que o cumprimento leva ao desconto na pena única formada, em inteira benesse para o arguido, mas já não se, por exemplo, ela se mostrar extinta por qualquer outro motivo, designadamente por amnistia, mas sem abdicar das regras do concurso, entre as quais a da mesma natureza das penas em presença. XXIII - O legislador não fornece qualquer critério de ordem matemática, em termos de a compressão aritmética a observar na formação da pena de conjunto, não dever ultrapassar “1/3 e que muitas vezes se queda por 1/6 e menos”, à luz da jurisprudência do STJ, segundo diz, mas apenas um guia na formação da pena de concurso: o da atendibilidade da avaliação global dos factos e personalidade do agente, com o significado, contornos e amplitude já indicados. XXIV - A liberdade individual, de acordo com o princípio da ponderação de interesses conflituantes, só pode ser suprimida ou limitada “quando o seu uso conduza, com alta probabilidade, a prejuízo de outras pessoas que, na sua globalidade, pesa mais do que as limitações que o causador do perigo deve sofrer”, na expressão de Roxin, citado pelo Prof. Figueiredo Dias, op. cit., pág. 430, nota 35.”) No quadro das valorações consequenciais advertidas pelas condutas antijurídicas e tipicamente eleitas importa obter um quadro referencial do individuo actuante como forma de propiciar uma imposição punitiva que tenha como pressuposto a culpabilidade colocada na prática das acções típicas, mas igualmente aquilatar e aferir das necessidades de prevenção (geral e especial), bem assim de representar e sugerir para a comunidade a reposição da normalidade contrafáctica resultante da infracção de uma norma penal. A jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, tem doutrinado de forma proficiente o modo de obter, ponderadamente e pragmaticamente, a composição ajustada da pena conjunta. (Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 1.07.2015, relatado pelo Conselheiro Santos Cabral (sic): “Como já referimos em Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 4/05/2011 é uniforme o entendimento de que, após o estabelecimento da respectiva moldura legal a aplicar, em função das penas parcelares, a pena conjunta deverá ser encontrada em consonância com as exigências gerais de culpa e prevenção. Porém, como afirma Figueiredo Dias, nem por isso dirá que estamos em face de uma hipótese normal de determinação da medida da pena uma vez que a lei fornece ao tribunal para além dos critérios gerais de medida da pena contidos no artigo 72 do Código Penal um critério especial que se consubstancia na consideração conjunta dos factos e da personalidade. Igualmente se refere no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 13/9/2006 que o sistema de punição do concurso de crimes consagrado no artº 77º do CPenal, aplicável ao caso, como o vertente, de “conhecimento superveniente do concurso”, adoptando o sistema da pena conjunta, «rejeita uma visão atomística da pluralidade de crimes e obriga a olhar para o conjunto – para a possível conexão dos factos entre si e para a necessária relação de todo esse bocado de vida criminosa com a personalidade do seu agente». Por isso que, determinadas definitivamente as penas parcelares correspondentes a cada um dos singulares factos, cabe ao tribunal, depois de estabelecida a moldura do concurso, encontrar e justificar a pena conjunta cujos critérios legais de determinação são diferentes dos propostos para a primeira etapa. Nesta segunda fase, «quem julga há-de descer da ficção, da visão compartimentada que [esteve] na base da construção da moldura e atentar na unicidade do sujeito em julgamento. A perspectiva nova, conjunta, não apaga a pluralidade de ilícitos, antes a converte numa nova conexão de sentido. Ainda na esteira de Figueiredo Dias dir-se-á que tal concepção da pena conjunta obriga a que do teor da sentença conste uma especial fundamentação, em função de um tal critério, da medida da pena do concurso… “só assim se evitando que a medida da pena do concurso surja como fruto de um acto intuitivo – da «arte» do juiz… – ou puramente mecânico e portanto arbitrário», embora se aceite que o dever de fundamentação não assume aqui nem o rigor, nem a extensão pressupostos pelo artº 71º. O substrato da culpa não reside apenas nas qualidades do carácter do agente, ético-juridicamente relevantes, que se exprimem no facto, na sua totalidade todavia cindível (...). Reside sim na totalidade da personalidade do agente, ético-juridicamente relevante, que fundamenta o facto, e portanto também na liberdade pessoal e no uso que dela se fez, exteriorizadas naquilo a que chamamos a "atitude" da pessoa perante as exigências do dever ser. Daí que o juiz, ao emitir o juízo de culpa ou ao medir a pena, não possa furtar-se a uma compreensão da personalidade do delinquente, a fim de determinar o seu desvalor ético-jurídico e a sua desconformação em face da personalidade suposta pela ordem jurídico-penal. A medida desta desconformação constituirá a medida da censura pessoal que ao delinquente deve ser feita, e, assim, o critério essencial da medida da pena. Fundamental na formação da pena conjunta é, assim, a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação “desse bocado de vida criminosa com a personalidade. A pena conjunta deve formar-se mediante uma valoração completa da pessoa do autor e das diversas penas parcelares”. Para a determinação da dimensão da pena conjunta o decisivo é que, antes do mais, se obtenha uma visão conjunta dos factos, acentuando-se a relação dos mesmos factos entre si e no seu contexto; a maior ou menor autonomia a frequência da comissão dos delitos; a diversidade ou igualdade dos bens jurídicos protegidos violados e a forma de comissão bem como o peso conjunto das circunstâncias de facto sujeitas a julgamento mas também o receptividade á pena pelo agente deve ser objecto de nova discussão perante o concurso ou seja a sua culpa com referência ao acontecer conjunto da mesma forma que circunstâncias pessoais, como por exemplo uma eventual possível tendência criminosa. Também Jeschek se situa no mesmo registo referindo que a pena global se determina como acto autónomo de determinação penal com referência a princípios valorativos próprios. Deverão equacionar-se em conjunto a pessoa do autor e os delitos individuais o que requer uma especial fundamentação da pena global. Por esta forma pretende significar-se que a formação da pena global não é uma elevação esquemática ou arbitrária da pena disponível mas deve reflectir a personalidade do autor e os factos individuais num plano de conexão e frequência. Por isso na valoração da personalidade do autor deve atender-se antes de tudo a saber se os factos são expressão de uma inclinação criminosa ou só constituem delito ocasionais sem relação entre si. A autoria em série deve considerar-se como agravatória da pena. Igualmente subsiste a necessidade de examinar o efeito da pena na vida futura do autor na perspectiva de existência de uma pluralidade de acções puníveis. A apreciação dos factos individuais terá que apreciar especialmente o alcance total do conteúdo do injusto e a questão da conexão interior dos factos individuais. Afastada a possibilidade de aplicação de um critério abstracto, que se reconduz a um mero enunciar matemático de premissas, impende sobre o juiz um especial ónus de determinar e justificar quais os factores relevantes de cada operação de formação de pena conjunta quer no que respeita á culpa em relação ao conjunto dos factos, quer no que respeita á prevenção, bem como, em sede de personalidade e factos considerados no seu significado conjunto. Só por essa forma a determinação da medida da pena conjunta se reconduz á sua natureza de acto de julgamento, obnubilando as críticas que derivam da aplicação de um critério matemático quer a imposição constitucional que resulta da proibição de penas de duração indefinida - artigo 30 da Constituição. O Supremo Tribunal de Justiça, sublinhando o exposto, tem vindo a considerar impor-se um especial dever de fundamentação na elaboração da pena conjunta, o qual não se pode reconduzir á vacuidade de formas tabelares e desprovidas das razões do facto concreto. A ponderação abrangente da situação global das circunstâncias específicas é imposta, além do mais, pela consideração da dignidade do cidadão que é sujeito a um dos actos potencialmente mais gravosos para a sua liberdade, elencados no processo penal, o que exige uma análise global e profunda do Tribunal sobre a respectiva pena conjunta. Aliás, tal necessidade é imposta a maior parte das vezes por uma situação de debilidade em termos de exercício de defesa resultante da anomia social e económica em que se encontram os condenados plúrimas vezes. A explanação dos fundamentos, que à luz da culpa e prevenção, conduzem o tribunal à formação da pena conjunta, deve ser exaustiva, sem qualquer ruptura, por forma a permitir uma visão global do percurso de vida subjacente ao itinerário criminoso do arguido. É uma questão de cidadania e dignidade que o arguido seja visto como portador do direito a uma ponderação da pena á luz de princípio fundamentais que norteiam a determinação da pena conjunta e não como mera operação técnica, quase de natureza matemática. Como é evidente, na indicação dos factos relevantes para a determinação da pena conjunta não relevam os que concretamente fundamentaram as penas parcelares, mas sim os que resultam de uma visão panóptica sobre aquele “pedaço” de vida do arguido, sinalizando as circunstâncias que consubstanciam os denominadores comuns da sua actividade criminosa o que, ao fim e ao cabo, não é mais do que traçar um quadro de interconexão entre os diversos ilícitos e esboçar a sua compreensão á face da respectiva personalidade. Estes factos devem constar da decisão de aplicação da pena conjunta a qual deve conter a fundamentação necessária e suficiente para se justificar a si própria sem carecer de qualquer recurso a um elemento externo só alcançável através de remissões.”) (Vide ainda, por interessantes, os acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, de 27.02.2013, relatado pelo Conselheiro Henriques Gaspar; de 23 de Março de 2014, relatado pelo Conselheiro Oliveira Mendes; de 17 de Março de 2016, relatado pelo Conselheiro Armindo Monteiro, todos em www.dgsi.pt.) Ao arguido, pela atestação de uma situação de concurso efectivo de crimes foi-lhe imposta a pena única de oito (8) anos e seis (6) meses. Em nosso juízo, e tal como já havia sido coonestado pelo tribunal da Relação, a medida da pena encontrada mostra-se ajustada às condutas antijurídicas, ilícitas e culposas levadas a cabo pelo agente. As acções descritas e desenvolvidas pelo agente, evidenciam um desarreigo, desprezo e hostilidade por valores essenciais em que assente uma comunidade organizada e pautada por uma exigência de convivência pessoal e societária. A incapacidade de obter uma convivência salutar e harmoniosa com a companheira, o que é evidenciado na factualidade adquirida pela descrição de frequentes, insidiosas e percucientes agressões, sequenciada de impropérios, vaias e insultos à sua honra e dignidade pessoal, demonstram um carácter defectivo, despectivo, insalubre e conflituoso. Traços de carácter que de mais se evidenciam nas reacções violentas e totalmente desapegadas de valores de respeito para com a vida assumidas pelo agente quando instado a frenar e sujeitar-se ao domínio e guarda das autoridades asseguradoras da ordem pública, dos bens e integridade pessoal dos cidadãos. Esta assumpção de carácter colhe coonestação na forma como o agente reagiu às ordens de paragem efectuada pelos agentes de autoridade e como tentou escapulir-se pondo em perigo a circulação viária, os bens e integridade física dos condutores com quem se cruzou em total desmando e contravenção às regras mais basilares da circulação. O agente/arguido evidencia não suportar regras mínimas de conduta societária, rompendo e violentando, mediante o uso de instrumentos perigosos – no caso um veículo munido de força motora – ordens de autoridade públicas, reguladoras da segurança e tranquilidade públicas, atingindo-os na sua integridade física e causando-lhe lesões corporais graves e atentando contra a sua vida, desrespeitando a dignidade da pessoa que consigo convivia, por inflicção de insultos e agressões físicas que lhe determinaram lesões corporais e desconsiderando a saúde pública e pessoal das pessoas a quem distribuía a vendia produtos estupefacientes. Evidencia, pela estendida factualidade narrada na decisão de facto, ser detentor de uma personalidade transviada e despojada de sentimentos de autocensura e de contenção de impulsividade emotiva e desregulada a exigir, certamente, intervenção de meios terapêuticos adequados. A gravidade, globalmente apreciada da factualidade adquirida, impõe a irrogação de uma pena de prisão que reflicta e reverbere a retribuição por um conjunto de acções de suma gravidade, principalmente para a preservação e manutenção dos sinais exigíveis de respeito pela autoridade pública, pela vida das pessoas e pela dignidade e honra de pessoas consigo conviventes. Medindo-se os limites da formação da pena única entre o mínimo de 4 anos e 6 meses e 32 (trinta e dois) anos e 1 (um) mês, a imposição de uma pena de 8 (oito) anos e 6 (seis) meses afigura-se-nos totalmente proporcionada e ajustada ao conjunto de factos cm que se pretende punir a conduta global do agente. Não merece, pois, censura a pena única imposta ao arguido/recorrente. §3. – DECISÃO. Na desinência do exposto, acordam os juízes que compõem este colectivo, na 3ª secção criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em: (a) – Rejeitar o segmento recursivo em que se pretendia a reapreciação dos ilícitos penados com penas de prisão inferiores a 5 (cinco) anos; (b) – Desatender, por infundado, a parte do recurso em que pretendia a modificação/alteração da medida da pena única. (c) – Condenar o arguido/recorrente nas custas, fixando-se a taxa de justiça em 3Uc´s. Lisboa, 14 de Outubro de 2020 Gabriel Martim Catarino (Relator) Manuel Augusto de Matos (Declaração nos termos do artigo 15º-A da Lei nº 2072020, de 1 de Maio: O acórdão tem a concordância do Exmo. Senhor Juiz Conselheiro adjunto, Dr. Manuel Augusto de Matos, não assinando, por a conferência se haver realizado por meios de comunicação à distância.) ____________ [1] Esta com a simples, mas praticamente irrelevante, nuance de se ter fundamentado de direito apenas no art.º 109º n.º 1 do CP e não também no art.º 35º n.º 1 do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22.1. [2] In DR, II, de 11.12.2018, que declarou «com força obrigatória geral, a inconstitucionalidade da norma que estabelece a irrecorribilidade do acórdão da Relação que, inovadoramente face a absolvição ocorrida em 1.ª instância, condena os arguidos em pena de prisão efetiva não superior a cinco anos, constante do artigo 400.º, n.º 1, alínea e), do Código de Processo Penal, na redação da Lei n.º 20/2013, de 21 de fevereiro». [3] «Nesta conformidade, como tem sido enfatizado na jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, estando este, por razões de competência, impedido de conhecer do recurso interposto de uma decisão, estará também impedido de conhecer de todas as questões processuais ou de substância que digam respeito a essa decisão, tais como os vícios da decisão indicados no artigo 410.º do CPP, respectivas nulidades (artigo 379.º e 425.º, n.º 4) e aspectos relacionadas com o julgamento dos crimes que constituem o seu objecto, aqui se incluindo as questões relacionadas com a apreciação da prova – nomeadamente, de respeito pela regra da livre apreciação (artigo 127.º do CPP) e do princípio in dubio pro reo ou de questões de proibições ou invalidade de prova –, com a qualificação jurídica dos factos e com a determinação da pena correspondente ao tipo de ilícito realizado pela prática desses factos ou de penas parcelares em caso de concurso de medida não superior a 5 ou 8 anos de prisão, consoante os casos das alíneas e) e f) do artigo 400.º do CPP, incluindo nesta determinação a aplicação do regime de atenuação especial da pena previsto no artigo 72.º do Código Penal, bem como questões de inconstitucionalidade suscitadas neste âmbito (cfr., por exemplo, os acórdãos de 11.4.2012, no Proc. 3989/07.5TDLSB.L1.S1, de 25.6.2015, no Proc. 814/12.9JACBR.S1, de 3.6.2015, no Proc. 293/09.8PALGS.E3.S1, e de 6.10.2016, no Proc. 535/13.5JACBR.C1.S1, bem como, quanto à atenuação especial da pena, os acórdãos de 5.12.2012, no Proc. 1213/09.SPBOER.S1, e de 23.6.2016, no Proc. 162/11.1JAGRD.C1.S1). "Estando o STJ impedido de sindicar o acórdão recorrido no que tange à condenação pelos crimes em concurso, obviamente que está impedido, também, de exercer qualquer censura sobre a actividade decisória prévia que subjaz e conduziu à condenação", lê-se no acórdão deste STJ de 2014.03.12, no Proc.1699/12.0PSLSB.L1.S1» – AcSTJ de 14.3.2018, Proc. n.º 22/08.3JALRA.E1.S1, acessível em www.stj.pt (sublinhados dos signatário). [4] AcSTJ de 8.1.2014 - Proc. n.º 109/08.2TAETR.P1.S1, in www.dgsi.pt. No sentido da mesma extensão, veja-se, ainda, o AcSTJ da mesma data, Proc. n.º 61/10.4TAACN.C1.S1, também acessível em www.dgsi.pt. |