Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
6577/21.0T8BRG.G1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: EMIDIO SANTOS
Descritores: INDEMNIZAÇÃO
EQUIDADE
SEGURADORA
ACIDENTE DE VIAÇÃO
ATROPELAMENTO
MENOR
DANO BIOLÓGICO
DANOS NÃO PATRIMONIAIS
DANOS PATRIMONIAIS
DANO ESTÉTICO
PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO
INCAPACIDADE PARA O EXERCÍCIO DE OUTRA PROFISSÃO
DANOS FUTUROS
COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 04/03/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE
Sumário :
É de considerar equitativa a indemnização de 450 000 euros (quatrocentos e cinquenta mil euros) por perda de capacidade de ganho decorrente de défice funcional permanente da integridade física e psíquica do lesado nas seguintes circunstâncias: o lesado tinha 11 anos na data do acidente; as sequelas das lesões determinaram um défice permanente da integridade física e psíquica, avaliado em 92 pontos; as sequelas determinaram incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional; foi atribuída ao lesado indemnização por danos não patrimoniais no montante de 500 000 euros; a seguradora foi condenada a pagar ao lesado a despesa a fazer com uma terceiro pessoa que o auxilie e foi ainda condenada a prestar ou a pagar os custos de todos os tratamentos que o lesado venha a necessitar, designadamente intervenções cirúrgicas, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso e fisioterapia, a partir do trânsito em julgado da decisão.
Decisão Texto Integral:

Acordam na 2.ª secção cível do Supremo Tribunal de Justiça


AA, portadora do cartão de cidadão n.º ........ 6ZY2, contribuinte fiscal n.º .......04 e BB, portador do cartão de cidadão n.º ....... 5ZY6, contribuinte fiscal n.º .......78, residentes na Rua de ..., ..., ..., por si e em representação do seu filho menor CC, contribuinte fiscal n.º .......16, propuseram a presente acção declarativa contra Companhia de Seguros Tranquilidade S.A., com sede na Avenida da Liberdade, N.º 242, 1250- 149 LISBOA, pedindo a condenação da ré:

A. A pagar, a título patrimonial, a quantia de € 21.590,00 (vinte e um mil quinhentos e noventa euros, de acordo com o art.º 41º da presente petição.

B. A pagar a quantia de € 1.500,000,00 (Um milhão e quinhentos mil euros), de acordo com o artigo 69º da petição.

C. A pagar o valor de 1.728.000,00 (Um milhão setecentos e vinte e oito mil euros), de acordo com o artigo 79º da presente petição.

D. No pagamento de veículo adaptado no valor de € 20.000,00 (vinte mil euros) de acordo com o art.º 80º da presente petição);

E. A pagar a título de danos não patrimoniais do menor a quantia € 500.000,00 (quinhentos mil euros) de acordo com o art.º 113º da presente petição.

F. A ministrar directamente no presente e no futuro todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso, suportando ainda os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos e fisioterapia, de acordo com o artigo 82º a 84º da petição.

G. Ou, a suportar aqueles custos e encargos com todo o tipo de tratamentos, internamentos, acompanhamento médico e medicamentos, suportando os custos e encargos com as intervenções cirúrgicas, internamentos e fisioterapia.

H. Em alternativa, e por estes danos não poderem ser determinados e quantificados na presente data, requer-se que seja a sua liquidação remetida para execução de sentença, de acordo com os artigos 564.º, n.º 2, 569.º do CC e 556.º, n.º 1, al.b) e n.º 2 e 358.º do CPC.

I. A pagar juros, desde a citação até integral e efectivo pagamento.

Com os pedidos acabados de indicar, os autores pretendem ser indemnizados dos danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos em consequência do atropelamento do autor, CC, no dia 6 de Junho de 2019, na Estrada Nacional ...-1 na União de Freguesias de ... e .... A ré foi demandada na qualidade de seguradora do veículo automóvel interveniente no acidente. Na versão dos autores, o condutor do veículo foi o único responsável pelo atropelamento.

A ré, cuja firma foi alterada, primeiro, para Seguradoras Unidas SA e depois para a Generali Seguros, S.A., contestou, pedindo se julgasse improcedente a acção. Para o efeito alegaram que o acidente ficou a dever-se exclusivamente ao menor e aos pais por não terem exercido o dever de vigilância a que estavam obrigados.

O processo prosseguiu os seus termos e após a realização da audiência final foi proferida sentença que, julgando parcialmente procedente a acção, decidiu:

1. Condenar a ré a pagar ao autor menor as quantias de € 566 850,08 (quinhentos e sessenta e seis mil oitocentos e cinquenta euros e oito cêntimos) e € 500 000,00 (quinhentos mil euros), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a presente decisão até integral pagamento;

2. Condenar a ré a pagar aos pais do autor as quantias de € 21.590,00 (vinte e um mil quinhentos e noventa euros) e € 20.000,00 (vinte mil euros), acrescidas de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento;

3. Condenar a ré a pagar ao autor menor o custo com a ajuda de terceira pessoa de que necessita, a liquidar posteriormente;

4. Condenar a ré a pagar aos pais do autor a quantia de € 2.500,00 (dois mil e quinhentos euros) por cada mês desde a alta hospitalar do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento relativamente à parte já vencida;

5. Condenar a ré a prestar directamente ou a pagar os custos de todos os tratamentos que o menor venha a necessitar, designadamente intervenções cirúrgicas, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso e fisioterapia, a partir do trânsito em julgado da presente decisão, os quais serão a liquidar posteriormente;

6. No mais, absolver a ré dos pedidos contra si formulados.

A sentença decidiu ainda que na indemnização a pagar pela ré deveria ser descontada a quantia que já pagou no âmbito do procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória que foi intentado pelos autores.

Apelação

A ré Generali Seguros não se conformou com a sentença e interpôs recurso de apelação, pedindo se julgasse procedente o recurso em conformidade com as conclusões. Nas conclusões, pediu:

• A título principal, a absolvição os pedidos;

• Se assim se não entendesse, a redução em 50% do montante das indemnizações e compensações decretadas para despesas e tratamentos futuros do menor lesado pelo sinistro;

• A alteração da condenação, a título de danos patrimoniais futuros, de 566 850,08 euros para 135 000 euros;

• A alteração da condenação, a título de danos não patrimoniais, de 500 000 euros para 250 000 euros;

• A alteração da condenação quer quanto ao montante mensal de 2500 euros, quer quanto ao valor mensal que venha a ser apurado em sede de liquidação, apenas após Agosto de 2020 e tendo sempre como limite temporal o trânsito em julgado da decisão.

O Tribunal da Relação de Guimarães, por acórdão proferido em 11-07-2024, julgou parcialmente procedente a apelação e em consequência:

1. Revogou a sentença proferida em 1.ª instância, na parte em que condenou a ré a pagar ao autor CC a quantia de € 566 850,08, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, e na parte em que condenou a ré a pagar aos pais do menor, AA e BB, a quantia de € 2500, por cada mês, desde a alta hospitalar do menor até ao trânsito em julgado da decisão, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento relativamente à parte vencida;

2. Substitui essas partes da sentença por decisão a condenar a ré a pagar ao autor CC a quantia de 400 mil euros, a título de indemnização por danos patrimoniais, e a condenar os pais do autor menor no valor médio mensal que viesse a ser apurado em sede de incidente de liquidação, relativo aos tratamentos despendidos mensalmente por aqueles com este, desde a alta hospitalar do menor até ao trânsito em julgado da presente decisão, acrescida de juros de mora a calcular à taxa legal supletiva desde a citação até integral pagamento relativamente à parte já vencida.

No mais, manteve o decidido pela sentença proferida em 1.ª instância.

Revista

A ré, Generali Seguros SA, não se conformou com o acórdão e interpôs recurso de revista. No requerimento com que interpôs o recurso, alegou que o mesmo tinha por objecto a sindicância pelo Supremo Tribunal de Justiça do uso dos poderes do Tribunal da Relação quanto à alteração ou modificação da matéria de facto. Para a hipótese de se entender que a revista não era admissível por força do n.º 3 do artigo 671.º do CPC, alegou que o recurso era admissível a título de revista excepcional, por estarem verificados os requisitos previstas nas alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 672.º do CPC.

No despacho inicial, o ora relator entendeu que, na parte em que a revista visava o julgamento da impugnação da decisão relativa à matéria e tinha por fundamento a violação, pela Relação, dos poderes/deveres no julgamento de tal impugnação, o recurso era admissível ao abrigo do n.º 1 do artigo 671.º do CPC. Na parte em que se insurgia contra as condenações proferida pelo acórdão da Relação, o recurso era admissível apenas a título de revista excepcional.

Os autores, apelados, não se conformaram com o acórdão, na parte em que alterou a decisão proferida em 1.ª instância de condenar a ré a pagar ao menor a quantia de 566 850,08 e a substituiu por decisão a condenar a ré no pagamento da quantia de 400 000 euros, e interpuseram recurso de revista.

A revista da ré, na parte em que visou o julgamento da impugnação da decisão relativa à matéria e tinha por fundamento a violação, pela Relação, dos poderes/deveres no julgamento de tal impugnação, foi negada por acórdão proferido em 16-01-2025, já transitado em julgado.

Por sua vez, a revista excepcional não foi admitida pela formação prevista no n.º 3 do artigo 672.º do CPC, por acórdão proferido em 19-02-2025.

Subsiste, assim, para julgamento, a revista interposta pelos autores, apelados, na qual pedem a revogação e a substituição do acórdão, na parte recorrida, por decisão a manter a sentença proferida em 1.ª instância de condenar a ré a pagar ao autor CC a quantia de € 566 850,08, a título de indemnização por danos patrimoniais futuros.

Os fundamentos do recurso expostos nas conclusões foram os seguintes:

1. O objecto do presente Recurso prende-se com o quantitativo indemnizatório atribuído, a título de indemnização do dano biológico na sua vertente de dano patrimonial futuro, ou seja, a de saber se a indemnização atribuída aos autores, a título de dano patrimonial por perda da capacidade de ganho, foi bem apreciada pelo Tribunal da Relação.

2. Cabe ao STJ controlar os pressupostos normativos do recurso à equidade e dos limites dentro dos quais deve situar-se o juízo equitativo, nomeadamente os princípios da proporcionalidade e da igualdade conducentes à razoabilidade do valor encontrado.

3. É consensual na jurisprudência do STJ que o chamado dano biológico, que emerge da incapacidade geral permanente, de natureza patrimonial, reclama a indemnização por danos patrimoniais futuros,

4. Independentemente de o mesmo se repercutir no rendimento salarial, consubstanciando um “dano de esforço”, na medida em que o lesado para desempenhar as mesmas tarefas e obter o mesmo rendimento, necessitará de maior actividade e esforço suplementar.

5. A afectação do lesado no plano funcional, no que vem sendo qualificado como dano biológico, com repercussão negativa a nível da sua actividade geral e na sua profissão habitual, justifica a indemnização no dano patrimonial, para além da valoração que se imponha a título de dano não patrimonial, conforme jurisprudência prevalecente. (cf. acórdão do STJ de 09.05.2023, P. 7509/19).

6. Para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado (art. 566º, nº3 do CCivil), utilizam-se habitualmente os seguintes critérios orientadores: a esperança média de vida, e não a idade da reforma por ser um dano na saúde que se prolonga para além da vida activa,

7. A previsível evolução profissional e os reflexos a nível remuneratório, o défice funcional permanente de integridade físico-psíquico, os esforços acrescidos que este terá de desenvolver e ainda todas as limitações que irá sentir quer na realização de actividades de lazer quer no dia a dia.

8. Neste contexto, para a determinação equitativa do dano patrimonial futuro do lesado, relevam a esperança media de vida e caso existisse remuneração, aquela que era auferida pelo recorrente.

9. Sendo que, quando o lesado não exerça qualquer actividade profissional não é impeditiva da atribuição de uma indemnização por este dano.

10. Deve ainda, atender-se à taxa média de inflação e a taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade.

11. À gravidade das lesões, sendo que o menor ficou a padecer de défice Funcional Permanente da Integridade Físico-Psíquica de 92 pontos a partir da data de consolidação.

12. E igualmente, procurar a analogia.

13. Ora, atendendo aos critérios, para a respectiva compensação, será do entendimento, que dentro da previsibilidade, e razoabilidade, o Tribunal de 1º instância teve em consideração tais elementos.

14. Parece-nos que a Relação, diminuiu consideravelmente o valor correspondente a ser atribuído ao sinistrado menor, sem atender a todos os danos e repercussões futuras.

15. Reitera-se que o menos tinha 11 anos, com 92 pontos de incapacidade.

16. Uma incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional, uma repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7, com repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7 e um dano estético permanente de grau 6/7.

17. São imprescindíveis as ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, os tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio e ajuda de terceira pessoa.

18. Razão pela qual, se recorre para o Supremo Tribunal de Justiça, na qual se pretende a alteração da compensação atribuída.

A ré não respondeu.


*


Questão suscitada pelo recurso:

Saber se o acórdão recorrido, na parte relativa à indemnização do dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro, é de alterar, com repristinação da decisão de 1.ª instância de condenar a ré a pagar ao autor a quantia de € 566 850,08 euros.


*


Factos considerados provados e não provados pelo acórdão recorrido:

Provados:

1. No dia 6 de Julho de 2019, pelas 19.45 horas, ao Km 9.950 da Estrada Nacional ...-1, na União de Freguesias de ... e ..., ocorreu um acidente que consistiu no atropelamento do menor CC pelo veículo ligeiro de mercadorias com a matrícula ..-..-TM, conduzido por DD;

2. No local do acidente a via era uma recta com uma visibilidade superior a 100 metros para os veículos que seguiam no sentido B......./E........;

3. Pese embora a hora em que ocorreu o acidente, atendendo à altura do ano ainda existia suficiente luminosidade;

4. O pavimento da via era em betuminoso e estava molhado;

5. A largura da via era de 6,40 metros;

6. A via era composta por duas faixas de rodagem que permitiam o transito em sentidos opostos;

7. As duas faixas de rodagem estavam separadas por uma linha descontínua;

8. Naquele local não era proibido o trânsito pedonal;

9. Tomando como referência o local onde ocorreu o acidente, não existia nenhuma passagem para peões a menos de 100 metros;

10. No local do acidente, o limite de velocidade máxima para a circulação de veículos era de 70 Km/hora;

11. O menor seguia num veículo que era conduzido pela sua mãe;

12. Este veículo seguia no sentido E......../B.......;

13. A mãe do menor imobilizou o veículo na berma da estrada, do lado direito da faixa de rodagem, atento o seu sentido de marcha;

14. O veículo ficou a ocupar uma parte da faixa de rodagem de, pelo menos, cinquenta centímetros;

15. O menor saiu do veículo para ir a casa dos avós que residiam no outro lado da estrada;

16. Após sair do veículo, o menor dirigiu-se para a sua traseira;

17. O veículo era do tipo todo-o-terreno e, pela sua altura, não permitia que os condutores dos veículos que circulavam no sentido oposto se apercebessem da presença do menor junto à traseira;

18. O menor parou junto ao início da via e aguardou que passasse um veículo que seguia no sentido E......../B.......;

19. Depois de este veículo passar o menor iniciou a travessia da via para o outro lado da estrada;

20. O menor iniciou a travessia da via a correr porque, para acautelar a sua segurança, pretendia demorar o menos tempo possível a chegar ao outro lado da estrada;

21. O menor não se apercebeu que o TM seguia na faixa de rodagem do lado oposto, no sentido B......./E........;

22. O condutor do TM também não se apercebeu da presença do menor na faixa de rodagem e atropelou-o;

23. O embate ocorreu com a parte da frente do TM;

24. No momento do embate o menor já havia percorrido mais de metade da via;

25. O menor iniciou a travessia da via sem o auxílio de uma pessoa adulta, designadamente a sua mãe;

26. O TM seguia a uma velocidade não superior a 70 Km/hora;

27. Em consequência do acidente o menor sofreu um traumatismo crâneo-encefálico grave e fractura dos ramos íleo e ísqueo púbicos à esquerda;

28. Após o acidente, o menor foi transportado de ambulância para o Hospital de ..., ...;

29. Neste hospital, o menor foi submetido a uma intervenção neurocirúrgica;

30. O menor foi depois submetido a uma intervenção cirúrgica de craniotomia descompressiva e a uma nova intervenção cirúrgica para encerramento da craniotomia;

31. O menor foi submetido a tratamento conservador às fracturas pélvicas;

32. O menor ficou internado na unidade de cuidados intensivos durante um mês e posteriormente no serviço de pediatria;

33. O menor teve alta hospitalar no dia 3 de Março de 2020;

34. A alta hospitalar foi concedida com as seguintes recomendações:

• Manter programa de reabilitação de manutenção em ambulatório em instituição na área de residência, com apoio de médico fisiatra nas seguintes valências: fisioterapia, terapia ocupacional e terapia da fala;

• Ser orientado pelo médico de família para consultas de ortopedia infantil do Centro Materno Infantil ... da coluna, joelho, tornozelo e pé;

• Manter a medicação actual;

• Manter o seguimento nas consultas habituais.

35. Após a alta, o menor foi transferido para o Centro de Reabilitação ..., onde permaneceu internado durante seis meses;

36. O menor continuou a ser submetido a terapias e teve consultas médicas de diferentes especialidades;

37. Actualmente, o menor mantém tratamento fisiátrico ambulatório na área da residência;

38. Após o acidente o menor entrou em coma e manteve-se neste estado durante dois meses;

39. Depois de deixar de estar em coma, o menor sentiu dores pelas lesões que sofreu em consequência do acidente e nos tratamentos a que foi submetido;

40. O menor ficou a padecer de uma tetraparesia espástica grave, com deformidades irredutíveis dos membros superiores e inferiores que necessitam de tratamento fisiátrico para evitar o agravamento, e de uma escolisose postural, sem controlo muscular do tronco;

41. Como consequência directa e necessária do acidente, o menor ficou a padecer das seguintes sequelas:

• Período de défice funcional temporário total de 604 dias;

• Período de repercussão temporária na actividade profissional total de 604 dias;

• Data da consolidação médico legal das lesões fixável em 29 de Janeiro de 2021;

Quantum doloris de grau 7/7;

• Défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos;

• As sequelas são impeditivas de qualquer actividade profissional;

• Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7;

• Repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7

• Dano estético permanente de grau 6/7;

• Necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio, adaptação de veículo e ajuda de terceira pessoa.

42. O menor comunica com grande dificuldade apenas com os olhos e com gemidos;

43. O menor necessita de alimentação especial, fraldas e produtos de higiene;

44. O menor desloca-se em cadeira de rodas adaptada, mas não de forma autónoma;

45. O menor não consegue participar nas rotinas domésticas e lúdicas;

46. Antes do acidente, o menor era um aluno regular e frequentava várias actividades extracurriculares como o desporto, a dança e a música;

47. Desde Agosto de 2020, os pais do menor despenderam em tratamentos uma quantia mensal não concretamente apurada;

48. Desde a data do acidente, a mãe do menor deixou de trabalhar para se dedicar exclusivamente aos cuidados do menor;

49. Esta situação mantém-se actualmente;

50. A mãe do menor trabalhava numa empresa familiar ligada à área da confecção e auferia o salário mensal de € 635,00;

51. Até à propositura da acção, a mãe do menor deixou de auferir a quantia de € 21.590,00 a título de salários e subsídios de Natal e férias;

52. Os pais do menor despenderam a quantia de € 20.000,00 na aquisição de uma viatura com condições para ser adaptada para o transportar;

53. A adaptação desta viatura para o transporte do menor será suportada pela Segurança Social;

54. O menor nasceu no dia ... de ... de 2007;

55. A responsabilidade civil pela circulação do TM estava transferida para a ré por contrato de seguro que era válido e eficaz na altura do acidente, titulado pela apólice nº.......65;

56. Os autores intentaram contra a ré o procedimento cautelar de arbitramento de reparação provisória nº353/21.7... do Juízo Central Cível de ... (Juiz ...).

57. Por força dos traumatismos e do défice de que padece, em média, a esperança de vida do peão menor é de 10 a 15 anos.

Não provados:

a. Que o menor iniciou a travessia da via a correr de forma inadvertida e sem prestar atenção ao trânsito;

b. Que o condutor do TM conduzia o veículo sem prestar atenção;

c. Que o custo médio mensal da ajuda de uma terceira pessoa para o menor é de cerca de € 1.000,00;

d. Que, tendo em conta o horário normal de trabalho de oito horas diárias, o menor necessita da ajuda de duas pessoas.


*


Descritos os factos provados e não provados, passemos à resolução da questão supra enunciada.

No recurso está em questão o segmento do acórdão recorrido que alterou a decisão da 1.ª instância de condenar a ré a pagar ao autor CC a quantia de € 566 850,08 (quinhentos e sessenta e seis mil oitocentos e cinquenta euros e oito cêntimos), condenando-a no pagamento do montante de 400 000 euros (quatrocentos mil euros).

O acórdão da Relação fundamentou a alteração afirmando, em síntese, o seguinte:

• O que se estava a indemnizar era o dano biológico e não a perda da capacidade de ganho (como sucedia no acórdão de onde a sentença havia extraído a fórmula do cálculo da indemnização), o que retirava importância à questão da esperança média de vida do autor;

• O valor obtido através da fórmula a que havia recorrido a sentença de 1.ª instância tinha de se reduzido, respeitando as regras da boa prudência, do bom senso prático e da justa medida das coisas e ainda o princípio da igualdade. Citou a este propósito as seguintes decisões judiciais, todas publicadas em www.dgsi.pt.: Ac. da RP de 4-04-2024, proferido no Proc. nº 347/21.2T8PNF.P1; o Ac. do STJ de 29- 10-2020, proferido no Proc. nº 2631/17; o Ac. da RC de 30-05-2023, proferido no Proc. nº 6048/18.1T8VIS.C1, o Ac. do STJ de 6-02-2024, proferido no Proc. nº 21244/17.0T8PRT.P1.S1, o Ac. do STJ de 6-04-2021, proferido no Proc. nº 2908/18.8T8PNF.P1.S1;

• Atentos os factos apurados, era razoável e equitativo fixar o valor da indemnização pelo dano biológico no montante de € 400.000,00.

O recorrente sustenta a alteração do acórdão recorrido com os fundamentos acima expostos. Eles podem reconduzir-se à seguintes linhas argumentativas:

• O que está em causa é a indemnização do dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial por perda da capacidade de ganho;

• Na determinação equitativa da indemnização deve atender-se à esperança média de vida, à taxa média da inflação, à taxa de rentabilidade do capital, à gravidade das lesões e aos casos análogos julgados;

• A sentença da 1.ª instância teve em consideração estas circunstâncias;

• A Relação diminuiu consideravelmente o valor da indemnização sem atender ao todos os danos e repercussões futuras, destacando:

• A idade do lesado, 11 anos;

• O défice da integridade física e psíquica, avaliado em 92 pontos;

• A incapacidade do lesado para o exercício de qualquer actividade profissional;

• A repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer no grau 7; a repercussão permanente na actividade sexual de grau 7; e um dano estético permanente num grau seis;

• A necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, os tratamentos médicos regulares, a adaptação ao domicílio e a ajuda de terceira pessoa.

Apreciação do tribunal

Antes de apreciarmos os fundamentos do recurso, importa precisar que o dano cuja indemnização está em causa não é genericamente o dano biológico, ou seja, o dano pela ofensa à integridade físico-psíquica do autor, avaliado em 92 pontos numa escala de 0 a 100.

E diz-se que não é genericamente o dano biológico porque, como se escreveu no acórdão do STJ proferido em 28-01-2016, no processo n.º 7793/09.8T2SNT.L1.S1, publicado em www.dgsi.pt. “A afectação da integridade físico-psíquica (em si mesma um dano evento, que, na senda do direito italiano, tem vindo a ser denominado “dano biológico”) pode ter como consequência danos de natureza patrimonial e danos de natureza não patrimonial” e no caso estão em causa apenas as consequências de natureza patrimonial. E dentro destas, o dano cuja indemnização está em discussão consiste na privação ou perda da capacidade de trabalho/ ganho, pois está provado que as sequelas das lesões sofridas pelo menor no acidente são impeditivas de qualquer actividade profissional.

Esta incapacidade é dano de natureza patrimonial. Como escreve Carlos Alberto da Mota Pinto (Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição por António Pinto Monteiro e Paulo Mota Pinto, Coimbra Editora, página 345), apesar de a capacidade de trabalho não fazer parte do património, constitui, no entanto, uma qualidade da pessoa que se “projecta nos resultados patrimoniais da sua vida”. Daí que a privação – como sucede no caso - ou mesmo a mera diminuição da capacidade de trabalho e de ganho que sejam consequência de ofensa à integridade física e psíquica sejam de considerar dano patrimonial.

Posto isto, apreciemos os fundamentos do recurso.

Como resulta do acima exposto, a primeira linha argumentativa do recorrente é constituída pela alegação de que a indemnização em causa é feita com recurso à equidade e que habitualmente utilizam-se os seguintes critérios orientadores:

• A esperança média de vida e não a idade da reforma;

• Que caso exista remuneração, atende-se aquela que era auferida pelo recorrente;

• Que a circunstância de o lesado não exercer qualquer atividade profissional não é impeditiva da atribuição de uma indemnização por este dano;

• Que deve atender-se à taxa média da inflação e à taxa de rentabilidade do capital, baseadas num juízo de previsibilidade;

• À gravidade das lesões;

• Aos casos análogos julgados pela jurisprudência.

A alegação do recorrente é exacta.

Em primeiro lugar, é exacta a alegação de que a medida da indemnização tem de ser fixada com recurso à equidade, pois não é possível averiguar o valor exacto do dano da perda da capacidade de trabalho/ganho do autor e segundo o n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, o tribunal julga segundo a equidade se não puder ser averiguado o valor exacto dos danos. Este entendimento corresponde a jurisprudência constante do STJ, como o atestam, ente outros, os seguintes acórdãos: acórdão proferido em 21-01-2021, no processos n.º 6705/14.1T8LRS.L1.S1., o acórdão proferido em 12-01-2022, no processo n.º 6158/18.5T8SNT.L1.S1., e o acórdão proferido em 30-03-2023, no processo n.º 15945/18.3TPRT, todos publicados em www.dgsi.pt.

Sucede que o acórdão sob recurso também não afirmou coisa diferente. Invocou expressamente a equidade para fixar o montante da indemnização, como o atestam as seguintes passagens dele: “Estamos no domínio dos danos patrimoniais indetermináveis, cuja reparação deve ser fixada segundo juízos de equidade (cfr. art. 566º/3 do CC)”;Como assim, tudo considerado, atentos os factos apurados, entendemos adequado - razoável e equitativo - fixar o valor da indemnização pelo dano biológico no montante de € 400.000,00”.

Em segundo lugar, também é exacta a alegação de que, no julgamento da indemnização com recurso à equidade, o tribunal socorre-se das circunstâncias acima indicadas. Com efeito, não indicando o n.º 3 do artigo 566.º do Código Civil, quais as circunstâncias que devem ser tomadas em conta na fixação equitativa da indemnização (ao contrário do que faz o n.º 4 do artigo 496.º do mesmo diploma, a propósito da fixação equitativa do montante da indemnização dos danos não patrimoniais), o Supremo Tribunal de Justiça tem entendido – entendimento que se segue – que, na fixação equitativa da medida da indemnização dos danos patrimoniais decorrentes do défice funcional da integridade física da vítima de acidente de viação, deve ter-se em atenção, no essencial, as seguintes circunstâncias:

• Ao grau do défice funcional permanente da integridade físico-psíquica (a tendência é a de que quanto maior for o défice maior será a indemnização);

• À idade do lesado;

• A esperança média de vida;

• À actividade profissional do lesado;

• Aos rendimentos do lesado;

• Às qualificações profissionais do lesado.

• Aos casos análogos julgados pelo Supremo Tribunal de Justiça.

Citam-se a título de exemplo desta jurisprudência os seguintes acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça: acórdão proferido em 28-01-2016, no processo n.º 7793/09.8T2SNT, acórdão proferido em 01-03-2018, no processo n.º 773/07.0TBALR.E1.S1, acórdão proferido em 7-03-2019, processo n.º 203/14.0T2AVR.P1.S1, e os acima indicados, todos publicados no sítio www.dgsi.pt..

Das circunstâncias acima indicadas, a que está em questão no recurso é a relativa à esperança média de vida. O acórdão recorrido referiu-se a ela em dois momentos. Num primeiro momento, referiu-se à esperança de vida do menor (10 a 15 anos por força das sequelas das lesões) como uma das circunstâncias a atender na determinação do montante da indemnização. Num segundo momento, referiu-se à esperança média de vida em geral, para lhe retirar relevância, na decisão do caso, com o argumento de que o que se estava a indemnizar era o dano biológico e não a perda da capacidade de ganho.

A desvalorização da esperança média de vida na fixação do montante da indemnização assenta num pressuposto errado e é contrária ao julgamento segundo a equidade. Vejamos. Assenta num pressuposto errado porque parte do pressuposto que não está em causa a indemnização da perda da capacidade de trabalho/ ganho, quando é este o dano que importa indemnizar. A desvalorização é contrária ao julgamento segundo a equidade porque o Supremo Tribunal de Justiça tem afirmado de modo constante que o limite temporal relevante da incapacidade de ganho a atender na fixação equitativa da indemnização é constituído pela esperança média de vida, pois “a afectação da capacidade tem repercussões negativas ao longo de toda a vida, tanto directas como indirectas”. Citam-se, a título exemplificativo, o acórdão do STJ proferido em 12-01-2022, processo n.º 6158/18.5T8SNT.L1.S1. e o acórdão do STJ proferido em 30-03-2023, no processo n.º 15945/18.3T8PRT.P1.S1. ambos publicados em www.dgsi.pt.

A segunda linha argumentativa do recurso é constituída pela alegação de que o acórdão recorrido não atendeu a todos os danos e repercussões futuras, os quais, segundo o recorrente, eram os seguintes:

• Menor de 11 anos, com 92 pontos de incapacidade;

• Incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional;

• Repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer, num grau 7;

• Repercussão permanente na actividade sexual, de grau 7;

• Dano estético permanente de grau 6;

• Imprescindibilidade de ajudas técnicas permanentes, de ajudas médicas, de tratamentos médicos regulares, de adaptação do domicílio e de ajuda de terceira pessoa.

Este argumento não colhe.

Em primeiro lugar, contrariamente ao que alega o recorrente, o acórdão sob recurso tomou em conta “todos os danos e repercussões acima indicados”, como o atesta a seguinte passagem da fundamentação: “Tendo presentes estes critérios gerais, vejamos, agora, o caso dos autos. In casu, está em causa um dano biológico, traduzido num défice funcional permanente da integridade físico-psíquica de 92 pontos, incapacidade para o exercício de qualquer actividade profissional, repercussão permanente nas actividades desportivas e de lazer de grau 7/7, repercussão permanente na actividade sexual de grau 7/7, dano estético permanente de grau 6/7, necessidade de ajudas técnicas permanentes, ajudas médicas, tratamentos médicos regulares, adaptação do domicílio, adaptação de veículo e ajuda de terceira pessoa. O menor comunica com grande dificuldade apenas com os olhos e com gemidos, necessita de alimentação especial, fraldas e produtos de higiene e desloca-se em cadeira de rodas adaptada, mas não de forma autónoma. Sendo que, por força dos traumatismos e do défice que padece, em média, a esperança média de vida do peão menor é de 10 a 15 anos. Não subsistem, pois, dúvidas que este dano biológico determina uma alteração significativa e radical na sua vida, com afectação da sua potencialidade física e a consequente perda de faculdades, sendo a sua situação pior depois do evento danoso, pelo que esta circunstância tem de forçosamente relevar para efeitos de atribuição da indemnização”.

Em segundo lugar, é de afirmar que alguns dos danos e repercussões futuros foram tomados em conta indevidamente na fixação da indemnização da perda da capacidade de trabalho/ganho. Foi o que sucedeu com o dano estético, o dano nas actividades desportivas e de lazer e na actividade sexual do autor. É que tais danos revestem natureza não patrimonial e foram indemnizados/compensados a este título autonomamente na sentença proferida em 1.ª instância, confirmada, nesta parte, pelo acórdão recorrido. E foi o que aconteceu também com o custo com a ajuda de uma terceira pessoa e os custos de todos os tratamentos que o menor venha a necessitar, designadamente intervenções cirúrgicas, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso e fisioterapia. Tais custos também foram indemnizados autonomamente na sentença proferida na 1.ª instância, tendo tal decisão transitado em julgado, visto que contra ela não foi interposto recurso de apelação.

Por último, o recorrente invoca os casos análogos. Para sustentar a alteração do acórdão recorrido, considera casos análogos as seguintes decisões: acórdão do STJ proferido em 17-09-2024, no processo n.º 2481/20.7T8BRG.G1.S1, acórdão do STJ proferido em 18-01-2018, no processo n.º 223/15.8T8CBR.C1.S1., acórdão do STJ proferido em 6-04-2021, no processo n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1., acórdão do STJ proferido em 20-04-2021 no processo n.º 1751/15.0T8CTB.C1.S1, acórdão do STJ proferido em 19-10-2021, no processo n.º 7098/16.8T8PRT.P1.S1, acórdão do STJ proferido em 10-04-2024, no processo n.º 987/21.0T8GRD.C1.S1, acórdão do STJ proferido em 22.6.2017, no processo n.º 104/10.1TBCBC.G1.S1, acórdão do STJ proferido em 06-02-2024, no processo n.º 2012/19.1T8PNF.P1.S1.

Este argumento dos casos análogos é pertinente. Por um lado, tem apoio no n.º 3 do artigo 8.º do Código Civil, ao estabelecer que “nas decisões que proferir, o julgador terá em consideração todos os casos que mereçam tratamento análogo, a fim de obter uma interpretação e aplicação uniformes do direito”, e no princípio constitucional da igualdade dos cidadãos perante a lei (n.º 1 do artigo 13.º da Constituição da República Portuguesa). Por outro, o Supremo Tribunal de Justiça recorre, na fixação da indemnização segundo a equidade, a casos análogos já julgados.

Importa, no entanto, observar que as decisões judiciais não têm a força de precedente obrigatório. Como escreve Filipe Albuquerque Matos (Reparação dos danos não patrimoniais: inconstitucionalidade da relevância da situação económica do lesado, artigos 496, n.º 3, e 494º, do Código Civil, Revista de Legislação e Jurisprudência, ano 142, n.º 3984, página 217), os valores fixados por decisões judiciais anteriores têm natureza meramente indicativa, e o que é decisivo é o caso concreto.

Tendo presentes esta observação, cabe dizer que, dos casos julgados citados pelo recorrente, aquele que tem mais pontos de contacto com a situação dele é o julgado pelo acórdão do STJ proferido em 6-04-2021, no processo n.º 2908/18.8T8PNF.P1.S1, publicado em www.dgsi.pt. que fixou indemnização pelo dano biológico em 300 000 euros. Aí, o lesado tinha 6 anos à data do acidente; sofreu lesões que deixaram sequelas que se traduziram num défice permanente da integridade físico-psíquica avaliado em 50 pontos; tal défice exigia esforços suplementares no exercício de actividade profissional futura, embora o impossibilitasse de exercer actividade profissional que exija andar, correr, saltar ou permanecer largos períodos em pé.

Se numa situação em que as sequelas das lesões não privaram o menor da capacidade de trabalho/ganho (impediam-no apenas de, no futuro, exercer actividade profissional que exigia andar, correr, saltar ou permanecer largos períodos em pé) foi fixada indemnização de 300 000 euros pela afetação de tal capacidade de trabalho,/ganho, justifica-se, à luz das circunstâncias relevantes para a fixação da indemnização do dano ora em apreciação, que na situação dos autos, em que as sequelas das lesões privaram o menor de toda e qualquer capacidade de trabalho, que a indemnização seja substancialmente superior.

Ponderando as indemnizações já fixadas (por danos não patrimoniais, pelas despesas com o recurso a uma terceira pessoa que auxilie o lesado e pelos custos de todos os tratamentos que o lesado venha a necessitar, designadamente intervenções cirúrgicas, internamentos, acompanhamento médico e medicamentoso e fisioterapia, a partir do trânsito em julgado da decisão), considera-se equitativo montante de 450 000 euros para indemnizar a perda da capacidade de trabalho/ganho.


*


Decisão:

Concede-se em parte a revista e, em consequência:

• Revoga-se o acórdão recorrido na parte em que fixou a indemnização de quatrocentos mil euros (400 000 euros), a título de indemnização do dano biológico, na sua vertente de dano patrimonial futuro;

• Substituiu-se essa parte do acórdão por decisão a condenar a ré a pagar ao autor CC a quantia de quatrocentos e cinquenta mil euros (450 000 euros).

Responsabilidade quanto a custas:

Do recurso:

Considerando a 1.ª parte do n.º 1 do artigo 527.º do CPC e o n.º 2 do mesmo preceito e a circunstância de o autor, recorrente e a ré, recorrida, terem ficado vencidos no recurso, caberia aos mesmo suportar as custas do recurso, na proporção de, respectivamente, 68% e 32%. Apenas a ré suportará as custas, considerando que o autor, recorrente, beneficia de apoio judiciário na modalidade de dispensa do pagamento de taxa de justiça e demais encargos com o processo.

Da acção:

Considerando a disposição legal acima citada e a circunstância de ambas as partes terem ficado vencidas, em parte, na acção, caberia ao autor e à ré a pagar as custas na proporção do seu decaimento, respectivamente 52,5% e 47,5%. Dado que o autor goza do benefício do apoio judiciário, condena-se apenas a ré a pagar as custas da acção na proporção atrás indicada.

Lisboa, 3 de Abril de 2025

Relator: Emídio Santos

1.º Adjunto: Ana Paula Lobo

2.º Adjunto: Orlando dos Santos Nascimento