Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | JOSÉ CARRETO | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISÃO ROUBO AGRAVADO DESPACHO DE PROSSEGUIMENTO DECISÃO FINAL INADMISSIBILIDADE CONTUMÁCIA PARADEIRO DESCONHECIDO ATOS URGENTES SUSPENSÃO TEMPESTIVIDADE LEGITIMIDADE REJEIÇÃO NEGAÇÃO DA REVISÃO | ||
| Data do Acordão: | 10/29/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO DE REVISÃO | ||
| Decisão: | REJEITADO | ||
| Sumário : | I - A Ordem Jurídica, consagra o recurso de revisão, com caracter extraordinário, e por fundamentos que taxativamente enumera (numerus clausus), visando, na sua tramitação do STJ não, ainda, a reapreciação da decisão judicial transitada, mas apenas o de saber se deve ser autorizado um novo julgamento da causa, relativa à mesma causa já julgada. II - Se os fundamentos invocados para a revisão não se enquadram no disposto no artº 449º CPP o recurso deve ser rejeitado III - Se a decisão questionada não é nenhuma sentença, mas um despacho a determinar o prosseguimento do processo, não pondo fim ao processo, não é admissível o recurso. IV- Se o arguido foi declarado contumaz, e não se apresentou em juízo nem foi detido, o processo encontra-se suspenso e não pode prosseguir, sendo intempestivo o recurso de revisão e como tal inadmissível V. - Não tendo o requerente / arguido sido condenado, nem se tratando de sentença condenatória, não tem legitimidade para requerer a revisão. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência os Juízes Conselheiros da 3ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça 1. No Proc. nº º 40/01.2TBSXL-A do Tribunal judicial da Comarca de Lisboa – Juízo Central Criminal de Almada -Juiz 3 em que com outros é arguido AA veio o mesmo instaurar o presente recurso extraordinário de revisão, concluindo como segue: “I.O presente recurso é interposto do douto despacho que determinou o prosseguimento dos autos para apuramento da responsabilidade criminal do arguido pela prática do crime de roubo qualificado, p. e p. pelo artigo 210º, nº 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 2, alínea f), ambos do Código Penal (CP), (cfr. acusação a fls. 303 a 310) e mantendo-se o arguido, na situação de contumaz nos termos do despacho a fls.478. II. Mal andou o Tribunal a quo, ao assim decidir, incorrendo em erro na interpretação da lei, na contagem do prazo e na aplicação dos critérios legais, subsumidos ao caso concreto. III. Salvo melhor opinião, entende o Recorrente, que o Tribunal a quo incorreu em erro notório na apreciação da prova e fez uma errada interpretação da lei aplicável ao caso concreto. IV. A douta decisão, não considerou de forma correta as circunstâncias do caso, designadamente na aplicação do direito concretamente na observância dos limites absolutos consagrados no artigo 121º nº 3 do Código Penal. V. Os factos referentes ao crime, reportam-se a 27/12/1999, (passaram já duas décadas completas) durante todos estes anos o arguido refletiu ponderadamente sobre os seus atos, não mais delinquindo nem mais cometeu qualquer ilícito criminal. VI. O arguido a data do crime era um jovem, e teve ao longo destes anos a capacidade de mudar os seus comportamentos e de se afastar do seu tenebroso passado, junto de pares de que se afastou completamente dando outro rumo à sua vida. VII. Ao longo destes anos, tendo vivido de forma indiscritível, na penumbra de uma vida digna, lutando pela sua sobrevivência e um lugar na sociedade, sopesando que todos os cadilhos(quase perpétuos) por que tem passado, são já reparadores, para com a sociedade dos comportamentos que teve no passado. VIII. Ademais no entendimento da nossa doutrina maioritária e jurisprudência, submeter o arguido no presente a um julgamento seria uma violação do direito à dignidade e nunca por meio do mesmo seria alcançado um julgamento justo, a dignidade humana exige que o arguido seja tratado de forma igualitária, sem preconceitos ou descriminação devido a atos passados. IX. A prescrição da responsabilidade criminal baseia-se na ideia de que, com o passar do tempo, o interesse público na punição do crime diminui, e a punição se torna menos eficaz como forma de prevenção geral ou especial. Além disso, a prescrição reflete a necessidade de segurança jurídica e de evitar a eternização de processos criminais. X. O decurso do tempo, caracterizador da prescrição, faz com que a intervenção do direito penal para além de inútil e ineficaz…no entendimento de que é inútil manter a possibilidade de punição por tempo ilimitado para reafirmar a validade das normas violadas (prevenção geral) .Ao mesmo tempo o decurso do tempo faz diminuir ou mesmo desaparecer as exigências de reintegração social do agente do crime. XI. A imprescritibilidade viola a dignidade humana, os princípios da pessoa humana, os princípios da necessidade (não é absolutamente indispensável ), da proporcionalidade (art. 18º, nº 2 da CRP), da intervenção mínima do direito penal (ao nível da restrição de direito, liberdades e garantias dos cidadãos ) e da culpa(o decurso do tempo “desliga” a relação entre o facto e a personalidade do agente que praticou, deixando de ser possível formular o juízo de culpa necessário à intervenção do direito penal 9; conflitua com a segurança jurídica e paz jurídica que é devida (restabelecida pelo decurso do tempo), porquanto permite ao Estado perseguir e punir uma pessoa décadas apos á pratica de um acto; e coloca em crise o exercício de defesa (art. 32º, nº 1 da CRP) pois passado tantos anos desde a data dos factos, a posição do arguido fica, nestes casos, muito fragilizada a nível do contraditório; a dimensão do princípio da inocência do arguido de um julgamento no mais curto espaço de tempo compatível com a garantias de defesa (art.32, nº 2, 2ª part, da CRP); e a exigência de um processo equitativo efetivo , em prazo razoável, que aplicado o direito penal, abrange a instauração do processo, a investigação e o cumprimento da pena. XII O nosso sistema jurídico-penal, jurídico-constitucional fundado nestes termos, não admite crimes nem penas ou medidas de segurança imprescritíveis, nem soluções interpretativas que atinjam esse resultado normativo. Assim vejamos XII A lei que veio fixar um prazo máximo de suspensão de prescrição decorrente da vigência da declaração de contumácia é concretamente mais favorável para o arguido, uma vez que tal prazo corresponde agora ao prazo normal de prescrição, não havendo qualquer definição de prazo no anterior regime, o que equivaleria a vermos o prazo – e o processo-indefinidamente suspenso. XIV. Pela aplicabilidade do acima indicado, o Tribunal a quo teceu a sua argumentação, justapondo os dispositivos legais enunciados mas s.m.., fez uma errada interpretação e aplicação da lei e no computo do prazo, determinando o prosseguimento dos autos pelo crime de roubo, agravado cujo prazo de prescrição será atingindo em 21/05/2023, violando o artigo 120 e 121º do CP. XV. In cau verifica-se que o arguido foi notificado do despacho de acusação em 19/19/2000 e veio a ser declarado contumaz em 12/12/2001 (cfr. Fls.478). XVI. Em 1999, o prazo de prescrição para o crime de roubo agravado era de 15 anos o que não sofreu alteração. XVII. Com a declaração de contumácia em 2001 (2 anos após a prática dos factos) interrompe o prazo de prescrição anterior e começa aqui a contagem de novo prazo. XVIII. Ora, balizando a declaração de contumácia que ocorreu expressamente em 19/12/2001, e pela aplicabilidade do disposto no com base no artigo 121º, nº 3 do Código Penal português (CPC), aqui enquadrada como o regime de maior favorabilidade ao arguido, a prescrição do procedimento criminal, verificou-se em 12/06/2024. XIX. Os períodos temporais dos prazos de prescrição dependem, em regra, do crime em causa, e o Código Penal contem uma definição dos períodos temporais associados aos prazos de prescrição a qual está dependente do limite punitivo máximo de uma pena aplicável a um certo crime, independentemente de outras circunstâncias agravantes ou que mitiguem esta sanção. Cfr. o disposto no artigo 118º, nº 2 do CP. XXI. Assim, o douto despacho do Tribunal a quo, e decidindo como decidiu não deu cumprimento ao legalmente estabelecido, tendo para o efeito procedido a uma incorreta interpretação e aplicação da legislação subsumível ao caso concreto. XXII. Operada a prova strict sensu, o Tribunal só tem uma opção, a de considerar como prescrito o procedimento criminal, uma vez que a prescrição a muito se validou. XXIII. Atento o efeito sucessivo das várias causas de interrupção da prescrição, a lei impõe um limite máximo para o alargamento do prazo de prescrição, que é o do prazo normal XXIV. Em suma, a contumácia pode adiar o fim do processo, mas não pode prolongá-lo indefinidamente além do tempo que a lei estabelece para a prescrição do crime. XXIV. Portanto, em concreto a contumácia tem um limite temporal imposto pelo prazo de prescrição do crime, evitando que a suspensão do processo por contumácia se prolongue indefinidamente. XXVI. Assim decidindo, o Tribunal a quo, violou de forma grosseira os mais elementares direitos consagrados na Constituição da República Portuguesa. XXVII. Desde logo, viola o Princípio da Segurança Jurídica e o direito a um julgamento justo, bem como o Princípio da Legalidade e o direito á liberdade do individuo, cfr, artigo 2º (Acórdão n.º 294/2003 do TC); artigo 20º, 32º, 209º, 266º, 37º da CRP. XXVIII. Ora, s.m.o, a extinção do procedimento criminal contra o arguido, por prescrição já ocorreu, em 12/06/2024, pelo que deverá ser determinado a prescrição nestes autos quanto ao crime de roubo qualificado, ao abrigo do limite absoluto do artigo 121º , nº 3 do CP, e demais legislações aplicável. 1.1 O Mº Publico respondeu pronunciando-se pela improcedência concluindo nos termos seguintes: “A) O presente recurso interposto pelo arguido não preenche os requisitos previstos pelo art. 449.º, n.º 1, alínea d), do C.P.P., pelo que deve ser liminarmente rejeitado. B) Apenas é admissível recurso de sentença (Acórdão) transitada em julgado, art, 449.º, n.º 1, do C.P.P.. Nos termos do n.º 2, da referida disposição legal podem recorrer ainda o Ministério Público e o Assistente, relativamente a despachos de não pronuncia. Recorrendo o arguido de um mero despacho que não é Sentença nem coloca fim ao processo, não é admissível a abrigo do artigo 449.º, n.º 1, do C.P.P.., o recurso interposto pelo arguido, devendo ser rejeitado. D) Por outro lado, o recorrente não apresenta quaisquer factos novos, que de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça do despacho sob recurso. Caso assim não se entenda, E) No douto Despacho sob recurso, mostra-se corretamente apreciada a questão da prescrição nos termos constantes da respetiva fundamentação, as normas jurídicas corretamente aplicadas, não merecendo qualquer reparo. Posto o supra, salvo melhor opinião, o recurso é manifestamente improcedente, não se vislumbra qualquer viabilidade nos fundamentos de recurso adventados pelo arguido, pelo que deve o douto Despacho recorrido ser mantido na integra. Pelo que deve o presente recurso ser rejeitado, mantendo-se o douto despacho recorrido na integra.” 1.2 Na informação sobre o mérito do pedido, o Mº Juiz entende que inexiste fundamento legal para a revisão, o que expressa nos termos seguintes (transcrição): “O arguido veio interpor o presente recurso de revisão do despacho proferido em 25/05/2022, transitado em julgado em 29/06/2022, na parte em que foi consignado não estar extinto, por prescrição, o procedimento criminal contra o mesmo pela prática do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, de que este se mostra acusado. Ora, O Ministério Público deduziu acusação em 22/08/2000, imputando a prática ao arguido, em autoria material, na forma consumada e em concurso real, por factos ocorridos em 27/12/1999, de um crime de furto de uso de veículo, previsto e punido pelo artigo 208º, nº 1, do Código Penal, de um crime de furto qualificado, previsto e punido pelos artigos 203º, nº 1 e 204º, nº 1, alínea b), do Código Penal, e de um crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal (fls. 303 a 311). O arguido foi notificado do despacho de acusação em 19/09/2000, contudo, não foi submetido a julgamento por se ter evadido do estabelecimento prisional onde se encontrava em prisão preventiva em 26/03/2001, sendo desconhecido o seu paradeiro, vindo a ser declarado contumaz em 12/12/2001 (fls. 478), situação em que se mantém até hoje. Por força do tempo decorrido, com excepção do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nºs 1 e 2, alínea b), e 204º, nº 2, alínea f), do Código Penal, no que respeita aos restantes ilícitos de que se mostrava acusado já foi declarado extinto o respectivo procedimento criminal, por prescrição. Dispõe o artigo 449º, nº 1, alínea d), do Código de Processo Penal (alínea em que se fundamenta o presente recurso de revisão), “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem dúvidas sobre a justiça da condenação.” Assim, Em primeiro lugar o recurso de revisão é apenas admissível de sentenças transitadas em julgado, e não de meros despachos, dos quais a forma de reação é a interposição de recurso ordinário, o que o arguido não fez. Acresce que, o arguido ainda não foi submetido a julgamento, por ser desconhecido o seu actual paradeiro, não tendo, por conseguinte, sido proferido acórdão final. Por outro lado, mesmo que assim não se considere, o arguido foi declarado contumaz em 12/12/2001, situação em que se mantém até hoje, sendo desconhecido o seu paradeiro. Os efeitos da declaração de contumácia, seja qual for o tribunal que a tenha declarado, estão enunciados no nº 3 do artigo 335º do Código de Processo Penal e implicam a imediata suspensão dos ulteriores termos do processo até à apresentação ou detenção do arguido contumaz, sem prejuízo da realização de atos urgentes nos termos do artigo 320º do mesmo diploma legal. Conforme estatui o acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/04/2022, Relator Cons. Helena Fazenda, Processo nº 1928/16.1PAALM-A.S1, disponível e www.dgsi.pt, “O legislador apenas atribui natureza urgente ao recurso de revisão quando o arguido condenado se encontrar preso ou internado. Ora, nos presentes autos, o recorrente não se encontra em nenhuma das aludidas situações, uma vez que, voluntária e conscientemente, optou por se colocar em situação de ser desconhecido o seu paradeiro, em consequência do que ficou sujeito ao instituto da contumácia. Atendendo à suspensão dos termos ulteriores do processo por via da sua condição de contumaz, não é admissível o recurso extraordinário de revisão interposto pelo arguido da decisão …, pelo que só após a caducidade da declaração de contumácia se poderá jurisdicionalmente apreciar e decidir sobre esta ou qualquer outra pretensão recursória que, porventura, então pretenda apresentar.” Face ao exposto, entendo que o presente recurso deverá ser rejeitado por inadmissibilidade legal.” 1.3 No Supremo Tribunal de Justiça o ilustre PGA emitiu parecer no sentido de ser rejeitado ou ser denegada a revisão, concluindo por “ser manifestamente improcedente a pretensão do recorrente, por não se verificarem os requisitos referidos no artigo 449.º, n.º 1, alínea d), e n.º 2, do CPP, e/ou de qualquer dos demais segmentos daquele preceito legal, pelo que se emite parecer no sentido de que o recurso deverá ser rejeitado liminarmente e/ou negada a pretendida revisão” 2. O recurso mostra-se motivado Colhidos os vistos procedeu-se à conferência com observância do formalismo legal. Cumpre apreciar: 3. Resulta do processo e das certidões juntas: - O arguido foi acusado em 22/8/2000 pelo Mº Pº em coautoria pela pratica de um crime de furto de uso, um crime de furto qualificado e um crime de roubo - O arguido ausente em parte incerta foi por despacho de 12/12/2001 declarado contumaz, situação em que se mantém. O arguido nunca se apresentou em juízo ou foi detido Por despacho de 25/5/2022 foi decidido além do mais: “Os autos prosseguem para o apuramento da responsabilidade criminal do arguido pela prática do crime de roubo qualificado, previsto e punido pelos artigos 210º, nº 1 e 2, alínea b) e 204º, nº 2, alínea f), ambos do Código Penal (cfr. acusação a fls. 303 a 310), cujo prazo de prescrição será atingido em 21/05/2032, mantendo-se o arguido na situação de contumaz nos termos do despacho a fls. 478.” De tal despacho de não foi interposto recurso e transitou em julgado em 29/6/2022. + 4. Apreciando: 4.1 Transitada em julgado uma decisão judicial (sentença ou despacho final) a mesma torna-se definitiva, dizendo o direito no caso concreto de modo definitivo, com o que se visa assegurar a certeza e a segurança jurídica necessária à vida em sociedade. Todavia não são apenas esses os valores que o processo prossegue e outros de igual ou maior valia se levantam na sociedade, sendo mister prosseguir a verdade material do caso, condição para a realização da justiça (escopo último do processo), sem a qual não haverá nem segurança nem certeza jurídica. Face à falibilidade humana, impõe-se um ponto de equilíbrio entre valores conflituantes, razão pela qual o instituto do recurso de revisão de uma decisão transitada, se mostra necessário, o que é conseguido a partir do reconhecimento de que o caso julgado terá de ceder, em casos excecionais e taxativamente enumerados, perante os interesses da verdade e da justiça. Através deste recurso visa-se demonstrar-se que os factos não são aqueles ou que ocorreram de modo diverso (desde que relevante para a justiça da decisão), e por isso o recurso de revisão é um recurso que visa sanar um erro sobre os factos provados. 4.2 Em face disso a Ordem Jurídica, veio a consagrar o recurso de revisão, com caracter extraordinário, e por fundamentos que taxativamente enumera (numerus clausus), visando, não, ainda, a reapreciação da decisão judicial transitada, mas apenas o de saber se deve ser autorizado um novo julgamento da causa, relativa à mesma causa já julgada1. A sua legitimação resulta desde logo da CRP- artº 29º 6 – que dispõe: “Os cidadãos injustamente condenados têm direito, nas condições que a lei prescrever, à revisão da sentença e à indemnização pelos danos sofridos.”, e de outros instrumentos internacionais, como a CEDH- Protocolo 7º, artº 4º2 que dispõe que “2. As disposições do número anterior não impedem a reabertura do processo, nos termos da lei e do processo penal do Estado em causa, se factos novos ou recentemente revelados ou um vício fundamental no processo anterior puderem afectar o resultado do julgamento” e a sua regulamentação decorre dos artºs 449º a 466º CPP e os seus fundamentos constam do artº 449º CPP. 4.3 No caso dos autos, o fundamento invocado é o previsto na al. d) do nº 1 do citado artº 449º que dispõe: “1 - A revisão de sentença transitada em julgado é admissível quando: d) Se descobrirem novos factos ou meios de prova que, de per si ou combinados com os que foram apreciados no processo, suscitem graves dúvidas sobre a justiça da condenação” O que desde logo se evidencia que não é o caso dos autos, onde não é apresentado nenhum facto novo nem nenhum novo meios de prova, estando apenas em causa uma questão jurídica de interpretação normativa. Sendo assim tal facto determina a rejeição do recurso, dado que a situação dos atos não se enquadra em nenhum dos casos de admissibilidade do recurso extraordinário de revisão, sendo que o arguido se conformou do despacho proferido dele não interpôs recurso ordinário que caberia ao caso. 4.4 Por outro lado como decorre expressamente do texto legal, apenas é admissível recurso de revisão de uma sentença “A revisão de sentença transitada em julgado é admissível” pois só esta é compatível com o conceito de “ graves dúvidas sobre a justiça da condenação” condenação que só por uma sentença pode ser decretada. A decisão questionada não é nenhuma sentença, mas um despacho a determinar o prosseguimento do processo donde por esta via não era admissível o recurso. Ocorre, todavia, um caso excepcional de admissibilidade de revisão de despacho, e tal está previsto no artº 449º 2 CPP, que dispõe: “Para o efeito do disposto no número anterior, à sentença é equiparado despacho que tiver posto fim ao processo” que para este efeito recursivo é equiparado à sentença Todavia não estamos perante um despacho que põe fim ao processo (equiparável à sentença), pois este consubstancia-se na decisão que fizer terminar um processo com a fixação do sentido do direito do caso, absolvendo, condenando ou arquivando. Pelo contrário o despacho em causa consubstancia um despacho que determina a continuação do processo, e não um despacho “que obsta ao prosseguimento do processo para conhecimento do seu objecto, como o despacho de não pronúncia, de não recebimento da acusação, de arquivamento decorrente de conhecimento de questão prévia ou incidental em audiência, ou de nulidade (art. 338.º do CPP)”2 Assim também por esta via não seria admissível o recurso. 4.5 Acresce que o arguido não foi ainda julgado nestes autos, porquanto ausentando-se para parte incerta e foi declarado contumaz (o que determinou a separação dos processos face aos demais arguidos), situação em que se mantém dado que não foi ainda preso nem se apresentou em Juízo. A declaração de contumácia “implica a suspensão dos termos ulteriores do processo até à apresentação ou à detenção do arguido, sem prejuízo do disposto no n.º 4 e da realização de atos urgentes nos termos do artigo 320.º 4 - Em caso de conexão de processos, a declaração de contumácia implica a separação daqueles em que tiver sido proferida. 5 - A declaração de contumácia não impede o prosseguimento do processo para efeitos da declaração da perda de instrumentos, produtos e vantagens a favor do Estado” – artº 335º CPP, e estando o processo suspenso, apenas são admissíveis a prática dos actos urgentes (artºs 320º CPP actos que têm a ver com a produção de prova) e aqueles que têm como efeito a declaração de perda de instrumentos, produtos e vantagens do crime a favor do Estado ( nº5 citado), estando no demais impedido o prosseguimento do processo, pelo que nenhuns outros actos são permitidos. Ora o presente recurso em si mesmo não tem natureza urgente3, e o arguido não se apresentou em juízo nem foi detido e não se conhece sequer o seu paradeiro, continuando na situação de contumácia, pelo que o seu andamento se encontra suspenso, o que determina que também por esta via o recurso extraordinário de revisão não pode prosseguir dele não podendo o tribunal conhecer, não sendo, por essa via, admissível. Em face do exposto, e não tendo caducado a declaração de contumácia, o recurso é intempestivo, devendo o recurso ser rejeitado. + 4.6. Questionável é ainda a legitimidade do requerente, pois que dispondo o artº 450º 1 c) CPP, que “Têm legitimidade para requerer a revisão: (…) c) O condenado ou o seu defensor, relativamente a sentenças condenatórias” verifica-se não apenas que o requerente não foi condenado pela prática de qualquer crime ou em qualquer pena, nem estamos perante uma sentença condenatória, pois o requerente em nada foi condenado ainda, pelo que também, por esta via se mostra legitima a rejeição do recurso + Falecendo todas as razões invocadas para o conhecimento do pedido de revisão, dele decorre que o pedido de revisão é manifestamente infundado devendo ser rejeitado e o requerente sancionado ( artº 456º CPP) + 5. Pelo exposto, o Supremo Tribunal de Justiça decide: - Rejeitar o recurso de revisão interposto pelo arguido AA por manifestamente infundado e em consequência negar a revisão. - Condena o arguido no pagamento da taxa de justiça de 5 UCs e nas demais custas e no pagamento da quantia de 10 UCs ( artº 456º CPP) Registe e notifique Dn. + Lx e STJ, 29/10/2025 José A. Vaz Carreto (relator) Maria da Graça Silva António Augusto Manso Nuno A. Gonçalves (Presidente da Secção) ________
1. Ac. STJ 15/9/21 Proc 699/20.1GAVNF.A.S1 Cons. Nuno Gonçalves 2. Ac STJ de 19/12/2019 Proc.66/13.3PTSTR-A.1, www.dgsi.pt Ac STJ 15/5/2025 proc. 2029/12.7TACBR-A.S1, www.dgsi.pt Cfr ainda Ac. STJ de 11/ 7/ 2023 – Processo 5215/18.2T9CSC-A.S1 in www.dgsi.pt “A revisão de sentença é um recurso extraordinário e de utilização excecional com pressupostos de admissibilidade limitados e taxativos e não serve para obter efeitos que deveriam e poderiam ter sido alcançados por via do recurso ordinário, do qual os recorrentes não quiseram socorrer ou já se socorreram, ainda que sem êxito.” 3. Sem prejuízo da prática dos actos urgentes, após a decisão de revisão nos termos do artº 459º2 CP |