Recurso Penal
Acordam os Juízes, em Conferência, nas secções criminais do SUPREMO TRIBUNAL DE
JUSTIÇA:
I RELATÓRIO
1.No Juízo Central Cível e Criminal ... - Juiz ..., do Tribunal Judicial da Comarca de
1. ..., foi julgado e condenado nos presentes autos o arguido AA, de nacionalidade ..., nascido em .../.../1990, solteiro, atualmente detido no EP ..., pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma legal, na pena de 6 (seis) anos de prisão;
2. Nestes mesmos autos - para além da absolvição de um dos arguidos acusados, BB -, foram ainda condenados cinco outros arguidos, a quem era igualmente imputada na acusação pública a prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro:
- CC, nascida em .../.../1992, atualmente detida no EP ..., pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, em regime de prova;
- DD, nascido em .../.../1968, divorciado, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de na pena de 4 (quatro) anos e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, em regime de prova;
- EE, nascida em .../.../1991, solteira, atualmente detido no EP ..., pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão;
-FF, nascido em .../.../1973 pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, na pena de 4 (quatro) anos e 3 (três) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, em regime de prova;
- GG, nascido a .../.../1957, pela prática, em coautoria material e na forma consumada, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma legal, na pena de 4 (quatro) anos e 5 (cinco) meses de prisão, suspensa na sua execução por igual período de tempo, em regime de prova.
3. Inconformado, o arguido AA veio recorrer diretamente para o STJ, extraindo da sua motivação as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:
« 1. O recorrente foi condenado na pena de 6 anos de prisão pela pratica do crime de tráfico de droga, p.p.p. artigo 21º do Dec-lei 15/93.
2. O recorrente não se conforma com a condenação sofrida.
3. O recorrente entende que devia ter sido condenado pela prática do crime do artigo 25º do dec-lei 15/93.
4. Resulta do texto do próprio acórdão recorrido que a actividade delituosa é de modalidade de venda directa ao consumidor, de doses próprias para consumo, numa área geográfica restrita, sem meios sofisticados, num período inferior a um ano, sendo o recorrente e demais co-arguidos todos consumidores do estupefaciente transaccionado.
5. A actuação do recorrente com a dos demais co-arguidos não afasta a imagem global de uma considerável diminuição da ilicitude, porquanto eram todos consumidores e estavam motivados exclusivamente com a satisfação do seu consumo.
6. Não havia nenhum esquema organizativo que agravasse a conduta do recorrente.
7. O número de consumidores não era superior a 13 (treze)
8. A quantia pecuniária apreendida ao recorrente não era relevante (580€)
9. A droga detida (cocaína) pelo recorrente não era de pureza elevada (47%).
10.Não são conhecidos sinais exteriores de riqueza, e nem sequer detinha veiculo automóvel. 11.A sua deslocação de ... para ... não afasta a ilicitude do artigo 25º do dec-lei 15/93.
12.Neste sentido os acórdãos do STJ com o nº 127/09.3PEFUN-S1 e do Juízo Central Criminal ... -J...- com o nº 448/20.4 GHSTC de 2 de Julho de 2021.
13.Pelo exposto deve o recorrente ser condenado pela prática do crime de tráfico de menor gravidade, p.p.p. artigo 25º do Dec-lei 15/93.
14.É incontestável que o recorrente, tendo beneficiado da suspensão da execução da pena nas penas anteriores, tenha voltado a delinquir.
15.É igualmente incontestável que a condenação mais recente prende-se com crime de idêntica natureza, de tráfico de menor gravidade.
16.É porém, também incontestável que o recorrente é consumidor de estupefacientes, e que em todos os processos judiciais que determinaram a sua culpabilidade e sanção correspondente, a actividade ilícita de tráfico estava sempre associada a hábitos aditivos de consumo de psicotrópicos.
17.Foi a condição de consumidor e a necessidade de sustentar o seu vicio que levou à traficância das drogas.
18.É por isso, dizemos nós, que a lei protege o consumidor, responsabiliza o traficante, mas é incapaz de tratar o consumidor traficante como o doente que é.
19.E o caso dos autos espelha precisamente a vida de quem sem controlo na sua adição acaba por vender a droga para poder sustentar o seu vicio.
20.Enquanto o traficante consumidor não for tratado da sua toxicodependência o risco de recidivismo é elevadíssimo, porquanto a ameaça da prisão não é mais forte que a adição incontrolável da droga que consome.
21.Pelo que é inevitável, que quem, sem conseguir por si só controlar os hábitos aditivos e está continuamente a cometer crimes de tráfico de droga sem que lhe seja imposta a obrigação de se submeter a tratamento para o seu consumo, estará condenado (no seu destino) a enfrentar a justiça para o resto da sua vida.
22.O bem jurídico protegido da norma constante do artigo 21º do Dec-Lei 15/93, só estará assim assegurado, com o tratamento da sua toxicodependência, que contribuirá da única forma possível, para a sua ressocialização.
23.É DEVER DO ESTADO CUIDAR DA SAÚDE DO CIDADÃO.
24.Assim, deverá o recorrente ser condenado numa pena de prisão suspensa na sua execução, condicionada ao regime de prova com a obrigação de se sujeitar a tratamento da sua toxicodependência, e só assim se protegerá o bem jurídico saúde pública.
25.Segundo a doutrina da prevenção especial positiva, a medida da necessidade de socialização do agente é o critério decisivo das exigências de prevenção especial.
Tudo depende da forma como o agente se revelar, carente ou não de socialização.
26.Se uma tal carência se não verificar tudo se resumirá em termos de prevenção especial, em conferir à pena uma função de suficiente advertência.
27.É uma pena justa aquela que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa.
28.Achando-se o recorrente um jovem, importa convocar o dever de compaixão que pressupõe que o tribunal tenha em consideração todas as razões do contexto social e da história da pessoa que podem explicar ou eventualmente atenuar a sua responsabilidade - Carmona da Mota.
29.O dever de compaixão, no fundo, é uma ideia de justiça que considera na sua plenitude a pessoa que está a ser julgada, não apenas pelo que fez mas também pelo que é – Fernanda Palma.
30.A fixar-se um juízo de censura jurídico-legal haverá que ser ponderado o futuro do agente numa perspetiva de contribuição para a sua recuperação como indivíduo dentro dos cânones da sociedade. 31.Pelo exposto, deverá o recorrente ser condenado na pena de 5 anos de prisão, suspensa na sua execução com sujeição a regime de prova, submetendo-se a tratamento à sua toxicodependência. Violaram-se os artigos:
• Artigo 25º do Dec-lei 15/93, porquanto a imagem global dos factos permitia verificar a considerável diminuição da ilicitude do crime cometido.
• Artigo 50º do CP, porquanto tratado da sua toxicodependência é possível efectuar um Juízo de prognose favorável de que conduzirá a sua vida sem cometimento de crimes, sendo a ameaça da prisão suficiente para as finalidades da punição.
• Artigo 71º do CP, porquanto os 6 anos de prisão excedem a sua culpa
Nestes termos, deve o presente recurso obter provimento, por provado, condenando-se o recorrente na pena de 5 anos de prisão suspensa na sua execução, com sujeição ao regime de prova no tratamento da sua toxicodependência.»
4. Admitido o recurso e cumprido o disposto no art. 411.º, n.º 5 do Código de Processo Penal, o MP apresentou a sua resposta no tribunal recorrido , de onde extrai as seguintes conclusões, que se transcrevem ipsis verbis:
- »CONCLUSÕES:
1. Os factos provados revelam que o arguido assumiu o tráfico de drogas como fonte certa e habitual de receitas, dão uma imagem global da sua actividade, que se prolongou no tempo por cerca de um ano, sem se descortinar qualquer factor de diminuição de ilicitude da sua conduta, susceptível do enquadramento no tráfico de menor gravidade do artº. 25º.
2. A quantidade de estupefaciente apreendida (cocaína e heroína) possui algum relevo e não pode olvidar-se que exerceu a sua actividade de uma forma regular, ininterrupta, como que no exercício de uma qualquer actividade profissional.
3. Não estamos, por isso, perante actuação episódica, ocasional, desgarrada.
4. Face ao exposto, resulta claro que a conjugação dos vários índices referidos no artº 25º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22.01, nomeadamente a quantidade da droga transaccionada, a sua qualidade, a duração da acção delituosa, não conduz a uma imagem global do facto, de pequena gravidade, justificadora de uma considerável diminuição da ilicitude do mesmo, pelo que esse tipo privilegiado não é aplicável ao caso dos autos.
5. A culpa do arguido situa-se a um nível intenso, face ao descrito modo de actuação, ao tempo de duração dos factos e ao propósito por aquele procurado.
6. O arguido agiu com dolo directo, intenso, tendo engendrado um plano para obtenção de vantagens económicas, com compra de cocaína e heroína para revenda a terceiros com obtenção de vantagens económicas.
7. Tendo pare esse efeito recorrido aos co-arguidos que recebiam as encomendas dos consumidores, faziam parte das vendas e disponibilizava, as suas residências para toda a actividade do arguido AA.
8. Acresce ainda que são fortíssimas as exigências de prevenção geral e especial.
9. No que respeita à prevenção especial importa ter em conta que o arguido, já sofreu quatro condenações anteriores, duas delas em penas de prisão suspensas na sua execução -uma pelo crime de tráfico de menor gravidade- tendo praticado os factos que sustentam a sua condenação neste processo durante o período de suspensão da execução dessa pena, circunstância que exige que a pena concreta seja fixadas no limite superior da culpa revelada pelo arguido.
10. A pena de 6 anos de prisão situada abaixo do meio da moldura penal aplicável não ultrapassa a culpa apresentada pelo arguido.
11. Atentos tais elementos e os demais indicados no Acórdão recorrido, essa pena mostra-se ajustadas à actividade por este desenvolvida, à sua culpa e às exigências de prevenção geral e especial e, consequentemente, estão conformes aos critérios legalmente fixados no artº 71º, nºs. 1 e 2, do Cód. Penal, para adeterminação da medida concreta da pena.
12. A pena de seis anos de prisão aplicada pelo tribunal colectivo não pode ser a sua execução suspensa por impossibilidade legal, nos termos do artº 50º, nº 1, do Cód. Penal.
13. Por tudo o exposto, o Acórdão recorrido não merece censura por conforme aos dispositivos legais em vigor.
Nesta conformidade, negando provimento ao recurso e mantendo a decisão recorrida V: Exªs. afirmarão a JUSTIÇA!»
5. No STJ, o senhor Procurador Geral Adjunto a quem o processo foi com vista nos termos do art. 416º do CPP, emitiu parecer circunstanciado, que conclui do seguinte modo:
- « EM CONCLUSÃO:
O recurso interposto pelo arguido AA deverá ser, a nosso ver, julgado totalmente improcedente:
o - Os factos dados como provados contêm matéria que, claramente, integra a prática do crime de tráfico ilícito de estupefacientes p. e p. no artº 21º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma legal;
o - Não se verificando quaisquer circunstâncias que possam levar a entender pela possibilidade de se estar perante crime de tráfico de menor gravidade, nos termos do artº 25º do mesmo diploma;
o - Pois que nada aponta no sentido da ilicitude do facto se «mostrar consideravelmente diminuída, tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações», como aquele preceito exige;
o - Antes o arguido/recorrente estabeleceu um plano destinado à venda lucrativa de drogas chamadas ‘duras’ a consumidores, nisso envolvendo os demais coarguidos, que praticaram o crime sob a sua orientação, procedendo à venda de forma continuada, repetida, tendo um leque de clientes a quem vendeu regularmente durante cerca de um ano, sendo encontrado na posse de quantia monetária proveniente daquelas vendas e tendo igualmente na sua posse estupefacientes adequados a 768 doses;
o - Tendo o arguido antecedentes criminais, nomeadamente na mesma área, justificou-se a aplicação da pena de 6 anos de prisão em que foi condenado;
o - Atentas as necessidades de prevenção geral e especial que se fazem sentir perante este tipo de crime;
o - Nunca se justificando, até por ter praticado os factos no decurso de suspensão de execução de pena em que havia anteriormente sido condenado pela prática de crime de tráfico (este de menor gravidade), que viesse a ser-lhe suspensa a execução da pena (no caso de se entender como possível – o que não entendemos – a sua redução temporal).
- Pelo que é parecer do Ministério Público que o recurso deverá ser julgado totalmente improcedente.»
6. Cumprido o disposto no art. 417º nº2 CPP, o arguido e recorrente nada veio acrescentar.
7. Foram colhidos os vistos legais e procedeu-se à conferência, com observância do formalismo legal.
II FUNDAMENTAÇÃO
1. Objeto do recurso e poderes de cognição do tribunal ad quem
É pacífico o entendimento de que o âmbito do recurso se define pelas conclusões que o recorrente extrai da respetiva motivação, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso.
Vistas as conclusões da motivação do arguido e recorrente, a primeira questão a decidir é a de saber se os factos provados preenchem a previsão do art. 25º do Dec-lei 15/91 de 20 de janeiro, tráfico de menor gravidade, e não do art. 21º do mesmo Diploma legal, como pretende o arguido.
Em todo o caso, pretende o arguido que deve ser-lhe aplicada pena não superior a 5 anos de prisão - em vez da pena de 6 anos aplicada pelo tribunal a quo - , a qual deve ser suspensa na sua execução, sujeita a regime de prova, com tratamento à toxicodependência.
Vejamos.
2. – Transcrição parcial da decisão sobre a matéria de facto, relativa ao arguido recorrente, AA:
2.1. « DOS FACTOS PROVADOS
Da prova produzida em audiência de discussão e julgamento, e com relevância para a boa decisão da causa, resultaram provados os seguintes factos:
1. Os arguidos AA, também conhecido como “HH”, CC, DD, EE, FF e GG têm vindo a dedicar-se, em conjugação de esforços e de acordo com um plano previamente delineado por AA, pelo menos desde julho de 2020, à cedência a terceiros de produto estupefaciente, nomeadamente cocaína e heroína, mediante contrapartida em dinheiro.
2. O arguido AA, além de outros, utilizou, no período de tempo compreendido entre julho de 2020 e junho de 2021, os números de telemóvel ...90, ...28, e ...80.
3. O arguido AA deslocava-se, em tal período de tempo, à área urbana do ..., no Concelho ..., onde adquiria o produto estupefaciente (cocaína, heroína).
4. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA residiu, por períodos de tempo não concretamente apurados, na residência da arguida CC sita no ..., no ... andar da residência do arguido GG sita na Rua ... – ..., e nas residências do arguido DD, sitas na Rua ... em ... e na Rua ..., em ..., tendo pernoitado por diversas vezes na residência do arguido BB sita no A... e na residência do arguido FF.
5. Desde o mês de julho de 2020 até ao final do mesmo ano, o arguido AA vendeu cocaína na localidade de ..., entre 10 a 15 vezes, a II, pelo preço de € 20,00 por panfleto, combinando a compra através de chamada telefónica.
6. Entre janeiro e junho de 2021, o arguido AA vendeu, na localidade de ..., entre duas a três vezes por semana cocaína e heroína a JJ, pelo preço de € 10,00 cada panfleto de heroína e cocaína, combinando tal venda através de chamada telefónica.
7. Pelo menos desde setembro de 2020 a junho de 2021, o arguido AA vendeu cocaína e heroína a KK, na localidade de ..., entre duas a três vezes por semana, pelo preço de € 10,00 pelo panfleto de cocaína e de € 10,00 pelo o panfleto de heroína, combinando tal venda telefonicamente e ocorrendo a entrega em diversos locais de ..., designadamente no ... andar da residência de GG sita na Rua ...
8. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA vendeu, pelo menos duas vezes por semana, cocaína a LL, pelo preço de € 20,00 ou € 10,00 cada panfleto de cocaína, combinando tal venda através de chamadatelefónica sendo a entrega efetuada em vários locais de ..., designadamente no ... andar da residência de GG sita na Rua ...
9. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA vendeu cocaína a MM, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de €20,00 cada panfleto, combinando tal venda através de chamada telefónica, sendo a entrega efetuada em vários locais de ..., designadamente na residência da arguida CC sita no ... e no ... andar da residência de GG sita na Rua ...
10. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA vendeu cocaína a NN, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de € 20,00 cada panfleto de cocaína, combinando tal venda através de chamada telefónica, sendo a entrega efetuada em vários locais de ..., designadamente no ... andar da residência de GG sita na Rua ...
11. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA vendeu cocaína a OO, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de € 20,00 cada panfleto, combinando tal venda através de chamada telefónica, sendo a entrega efetuada em vários locais de ..., designadamente no ... andar da residência de GG sita na Rua ... e na residência da arguida CC sita no ....
12. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA vendeu cocaína a PP, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de € 10,00 cada panfleto, combinando tal venda através de chamada telefónica, sendo a entrega efetuada em vários locais de ..., nomeadamente na residência de GG, na Rua ..., ... e na residência de CC, na localidade de ....
13. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA vendeu cocaína e heroína a QQ, em número de vezes não concretamente apurado, em diversos locais na cidade ..., designadamente na residência da arguida CC sita no ..., pelo preço de € 20,00 cada panfleto de cocaína e € 10,00 cada panfleto de heroína.
14. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA vendeu cocaína e heroína a RR, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de € 20,00 cada panfleto de cocaína e € 10,00 cada panfleto de heroína, combinando tal venda através de chamada telefónica, sendo a entrega efetuada em vários locais de ....
15. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido AA vendeu cocaína e heroína a SS, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de € 20,00 ou € 25,00, combinando tal venda através de chamada telefónica, sendo a entrega efetuada em vários locais de ....
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16. Pelo menos desde julho de 2020 e até junho de 2021, CC – que é igualmente consumidora de produto estupefaciente – auxiliou AA a vender produto estupefaciente a terceiros, designadamente disponibilizando-lhe a sua residência para o efeito.
17. Em várias ocasiões compreendidas em tal período de tempo, a arguida CC foi contactada por diversos consumidores que lhe perguntavam se o arguido AA se encontrava na zona de ..., com vista a adquirirem produto estupefaciente a troco de dinheiro.
18. Entre julho de 2020 e até ao fim de tal ano, CC vendeu a II, em número de vezes não concretamente apurado, cocaína e heroína, ambas pelo preço de € 20,00 o panfleto.
19. Entre julho de 2020 e junho de 2021, em número de vezes não concretamente apurado, CC vendeu cocaína a PP e a LL, pelo preço de € 10,00 ou € 20,00 o panfleto, sendo a entrega realizada na residência desta.
20. Entre julho de 2020 e junho de 2021, em número de vezes não concretamente apurado, CC vendeu cocaína e heroína a QQ, pelo preço de € 10,00 ou € 20,00, sendo a entrega efetuada na residência desta.
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21. Entre os meses de janeiro e junho do ano de 2021, a arguida EE vendeu cocaína e heroína a JJ, pelo menos em três ocasiões distintas, pelo preço de € 20,00 o panfleto de cocaína e € 10,00 o panfleto de heroína.
22. Entre os meses de janeiro e junho do ano de 2021, a pedido do arguido AA, a arguida EE entregou por duas vezes cocaína a PP, tendo consumido tal produto com o mesmo e tendo este pago o respetivo preço ao arguido AA.
23. Entre os meses de janeiro e junho do ano de 2021, a arguida EE entregou, a pedido do arguido AA, pelo menos duas vezes, heroína e cocaína a SS, tendo este pago o respetivo preço ao arguido AA.
24. Entre os meses de janeiro e junho do ano de 2021, em seis ocasiões distintas, a arguida EE
EE entregou na sua residência cocaína e heroína a KK, a pedido do arguido TT, tendo este pago o respetivo preço ao mesmo arguido e tendo tal produto sido consumido em conjunto com a arguida EE.
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25. O arguido BB é proprietário da unidade de a... denominada C..., situada no lugar de ..., ..., Concelho ..., local onde residiu.
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26. O arguido DD utilizava o número de telemóvel ...80, o qual também era utilizado pelo arguido AA.
27. No dia 28.11.2020, em conversa telefónica com o consumidor QQ, o arguido DD informou-o de que, caso pretendesse dar o seu contacto a um indivíduo de nome MM, residente de ..., que fosse o número ...80.
28. No dia 27.10.2020, o arguido DD combinou um encontro com o consumidor QQ com vista a que este lhe comprasse produto estupefaciente, sem que este último tivesse consigo a totalidade da quantia monetária necessária para a compra pretendida.
29. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido DD vendeu heroína e cocaína a JJ, pelo menos em 3 ocasiões distintas, pelo preço de € 20,00 o panfleto de cocaína e € 10,00 o panfleto de heroína, sendo a venda combinada telefonicamente e sendo as entregas realizadas por DD em vários locais da cidade ....
30. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido DD vendeu heroína e cocaína a OO, em pelo menos duas ocasiões distintas, pelo preço de € 20,00 o panfleto de cocaína e € 10,00 o panfleto de heroína.
31. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido DD vendeu heroína e cocaína a QQ, em número não concretamente apurado de vezes, pelo preço de € 20,00 o panfleto de cocaína e € 10,00 o panfleto de heroína.
32. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido DD vendeu cocaína a LL, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de € 20,00 ou € 10,00 o panfleto, sendo a venda combinada telefonicamente, por contacto efetuado por LL e sendo as entregas realizadas por DD em vários locais da cidade ....
33. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido DD vendeu cocaína a II, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de € 20,00 o panfleto de cocaína, sendo a venda combinada telefonicamente e sendo as entregas realizadas junto à residência do arguido.
34. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido DD vendeu heroína e cocaína a SS, em número de vezes não concretamente apurado, pelo preço de € 20,00 ou € 25,00, sendo as entregas realizadas junto à residência do arguido.
35. Entre julho de 2020 e junho de 2021, o arguido DD vendeu heroína e cocaína a SS, em número de vezes não concretamente apurado, uma vez que o arguido AA não se encontrava, em tais vezes, na localidade de ....
36. Entre julho de 2020 e junho do ano de 2021, o arguido DD, em pelo menos sete ocasiões distintas, entregou cocaína e heroína a KK, por indicação e após contacto telefónico deste com AA, pelo preço de € 10,00 por cada panfleto de heroína e de cocaína, ocorrendo as entregas na residência do arguido DD ou em locais diversos de ....
37. Em algumas dessas vezes, o produto estupefaciente entregue foi consumido por KK em conjunto com o arguido DD.
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38. Entre janeiro de 2021 e junho de 2021, o arguido FF auxiliou o arguido AA a vender produto estupefaciente a terceiros, que este último disponibilizava àquele para o efeito, mediante contrapartida em dinheiro.
39. Entre janeiro de 2021 e junho de 2021, o arguido FF vendeu, em número não concretamente apurado de vezes, cocaína e heroína a JJ, pelo preço de € 10,00 cada panfleto de heroína e cocaína.
40. Entre os meses de janeiro e junho do ano de 2021, em uma ocasião, o arguido FF entregou cocaína e heroína a KK, após o mesmo ter contactado o arguido AA, tendo o preço do produto estupefaciente entregue sido pago ao arguido AA.
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41. O arguido GG permitiu que o arguido AA se estabelecesse no ... andar da sua residência sita na Rua ..., ... e aí procedesse à venda de produto estupefaciente, pelo menos desde 25.03.2021, tendo ocupado o ... andar da habitação.
42. Entre janeiro e junho do ano de 2021, pelo menos por duas vezes, o arguido GG entregou cocaína e heroína a SS, face à ausência de AA, pelo preço de € 10,00 por cada panfleto de heroína ou cocaína.
43. Entre janeiro e junho do ano de 2021, o arguido GG, vendeu, em uma ocasião, cocaína a RR, pelo preço de € 10,00.
44. Entre janeiro e junho do ano de 2021, o arguido GG, em número de vezes não concretamente apurado, entregou cocaína e heroína a KK, face à ausência de AA, pelo preço de €10,00 por cada panfleto de heroína e de cocaína.
45. Entre janeiro e junho o ano de 2021, o arguido GG, em três ocasiões distintas, vendeu cocaína e heroína a MM, face à ausência de AA, pelo preço de €10,00 por cada panfleto de heroína e € 20,00 por cada panfleto de cocaína.
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46. No dia 09.06.2021, o arguido AA trazia consigo: uma bolsa de cor preta com a quantia de € 580,00 (quinhentos e oitenta euros) em notas do Banco Central
Europeu, e um telemóvel de marca HUAWEI, com o IMEI ...53.
47. No dia 09.06.2021, foram encontrados na residência onde habitava o arguido AA, pertencente a GG, localizada na Rua ..., ..., em ..., ... andar:
a. por detrás de uma arca frigorífica: uma bolsa de cor vermelha com fecho, contendo no seu interior 26,6 gramas de cocaína com um grau de pureza de 47.1, quantia correspondente a 370 doses;
b. uma carteira de cor preta contendo no seu interior 9,3 gramas de heroína, com um grau de pureza de 8.0, quantia correspondente a 6 doses, 25,3 gramas de cocaína, com um grau de pureza de 42.6, quantia correspondente a 325 doses, e três pedaços de papéis com diversos apontamentos e escritos com nomes, quantias monetárias e doses;
c. em cima da mesa da sala de jantar: um maço de tabaco de marca Mark, contendo no seu interior 1,1 gramas de resina de canábis, com um grau de pureza de 19.6, quantia correspondente a 4 doses diárias;
d. no interior de um saco com roupa: uma caixa de madeira contendo no seu interior 4,9 gramas de cocaína, com um grau de pureza de 46.5, quantia correspondente a 63 doses;
e. em cima da mesa de jantar: duas pratas queimadas com resíduos de produto estupefaciente, e uma balança de precisão, de marca PRITECH, modelo PBP – 199;
g. em cima de um móvel da sala: um bule contendo no seu interior uma folha de papel quadriculado com escritos de números de contacto telefónico.
*
48. No dia 09.06.2021, a arguida CC trazia consigo um telemóvel de marca F2, de cor preta, com os IMEI ...11 e ...29.
49. No dia 09.06.2021, na sala da residência da arguida CC, localizada no ..., ..., ..., foram encontrados: um telemóvel de marca LG, de cor cinza, com o IMEI ...60, e um telemóvel de marca NOKIA, de cor preta, com os IMEI ...07 e ...15.
*
50. No dia 09.06.2021, a arguida EE trazia consigo um telemóvel da marca Xiaomi, de cor azul escura, com o IMEI ...94, contendo dois cartões SIM, e um pedaço de haxixe com o peso de 1,7 gramas, com um grau de pureza de 14.7, correspondente a 2 doses.
*
51. No dia 09.06.2021, o arguido BB trazia consigo: a. um telemóvel de marca iPhone, com capa cor de rosa, com o IMEI ...01; b. um telemóvel de marca C11, de cor preta, com o IMEI ...95; c. um canivete prateado; e d. um isqueiro de marca Clipper, prateado.
52. No dia 09.06.2021, na residência do arguido BB , localizada no A..., situado no Beco ..., ..., ..., foram encontrados os seguintes objetos:
i. na cozinha: um ovo em plástico de pequenas dimensões, com 0,81 g de peso, contendo no seu interior quantidade não apurada de cocaína; um cachimbo de pequenas dimensões, contendo no seu interior resíduos de folhas de canábis; e diversos utensílios utilizados no consumo de produto estupefaciente;
ii. atrás de um sofá: um cachimbo artesanal composto por uma garrafa de água com um invólucro de uma caneta BIC e tampa de garrafa selada com prata, utilizado para consumo de produto estupefaciente;
iii. no quarto: no interiordeum roupeiro,um computadordeuso pessoal demarca TOSHIBA, de cor preta, com o número UU, com o carregador de bateria.
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53. No dia 09.06.2021, o arguido FF trazia consigo um telemóvel de marca Samsung, de cor preta, com o IMEI ...23/20 e o IMEI2 ...20, com o cartão SIM ...05.
54. Na residência do arguido FF, localizada na ..., ..., foram encontrados: no escritório, sobre uma mesa/secretária, um telemóvel de marca Huawei, de cor preta, com o ecrã partido, com os IMEI ...88 e ...92 e e, no quarto, em cima de uma mesa, um telemóvel de marca Samsung, de cor preta, com o IMEI ...94/17.
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55. No dia 14.06.2021, o arguido DD tinha consigo um telemóvel de marca HUAWEI, com o número de série ... e o IMEI ...55.
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56. Os arguidos AA, CC, EE, FF, DD e GG conheciam as características e natureza estupefaciente do produto que adquiriram e detiveram para venda e entrega mediante contrapartidas monetárias.
57. O arguido AA conhecia as características e natureza estupefaciente dos produtos que detinha, no interior da habitação onde residia, situada na Rua ..., em ..., e que destinava à venda a terceiros, mediante contrapartidas monetárias.
58. O arguido AA detinha no interior da referida residência os artigos acima melhor identificados com o intuito de proceder à preparação e acondicionamento do produto estupefaciente que ali se encontrava, para a sua posterior comercialização, com o intuito de posteriormente cedê-los a terceiros, a troco de dinheiro.
59. As quantias monetárias que o arguido AA trazia consigo constituíam provento dessas vendas.
60. Os arguidos AA, CC, EE, FF, DD e GG agiram com o propósito firmado de deter produtos estupefacientes e de os vender a terceiros a troco de dinheiro.
61. Os arguidos AA, CC, DD, EE, FF e GG agiram – em todas as circunstâncias atrás descritas – deformalivre,conscientee voluntária,bem sabendoenãopodendo ignorar queas suas condutas eram proibidas por lei e consubstanciavam a prática de ilícito criminal.
62. Ainda assim, agiram os arguidos da forma descrita.
*
63. Os arguidos AA e CC não tinham, à data da prática dos factos, qualquer rendimento conhecido, nomeadamente proveniente de trabalho remunerado.
64. O arguido BB é membro dos órgãos estatutários da sociedade comercial C... em B... Unipessoal, Lda, tendo auferido a esse título a quantia de € 450,00.
*
65. O arguido AA detém os seguintes antecedentes criminais registados no seu certificado de registo criminal:
- A condenação pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo artigo 152.º, n.º 1, al. b) e 2, do Código Penal, por factos praticados a 18/10/2012, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, cuja sentença transitou em julgado a 2013/09/30, pena que se encontra extinta pelo cumprimento.
- A condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, por factos praticados a 2015/08/31, na pena de 160 dias de multa à taxa diária de € 6,00, cuja sentença transitou em julgado a 2015/10/05, pena que se encontra extinta pelo cumprimento.
- A condenação pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 2, do Decreto-Lei n.º 2/98 de 3 de janeiro, por factos praticados a 2015/12/20, na pena de 220 dias de multa à taxa diária de € 6,00, cuja sentença transitou em julgado a 2016/02/05, pena que se encontra extinta pelo cumprimento.
- A condenação pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, p. e p. pelo artigo 25.º, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por factos praticados em abril de 2017, na pena de 2 anos e 2 meses de prisão suspensa na sua execução e sujeita a regime de prova, cuja sentença transitou em julgado a 2019/01/02.
66. Do Relatório Social efetivado à pessoa do arguido AA pela DGRSP, consta, designadamente, o seguinte:
“O seu processo de crescimento foi pautado pela sua inserção num ambiente familiar disfuncional, associado a circunstâncias de vida precárias, contexto que não lhe proporcionou adequadas condições educacionais e de proteção e segurança.
A avó nunca se constituiu como referência de autoridade para o arguido ao longo do seu crescimento.
Assim, desde muito cedo VV adotou uma postura muito autónoma do seu quotidiano, (atividades desenvolvidas, relacionamentos e gestão do seu tempo)sendo que as tentativas de intervenção/regulação e até apoio das figuras educativas se mostraram infrutíferas e geraram uma postura reativa e de oposição da parte daquele.
No plano da sua formação escolar, AA apresenta um percurso de insucesso, marcado pela desmotivação, absentismo e comportamentos desajustados. Abandonou a escola durante a frequência do 6º ano de escolaridade com 14 anos de idade, com registo de duas retenções, tendo-se mantido durante cerca de três anos sem qualquer ocupação (…).
Com a integração laboral da progenitora numa nova atividade laboral, o arguido retomou os estudos num curso de formação profissional de empregado de mesa, a fim de obter o 6º ano de escolaridade, curso esse que terminou aos 20/21 anos. Profissionalmente (…), iniciou atividade laboral como empregado de mesa em diversos restaurantes, tendo inclusive trabalhado com a progenitora num restaurante, propriedade desta, cerca de dois anos.
O arguido em 2010 inicia uma relação de namoro com WW, tendo a mesma evoluído para uma vivência marital quando a namorada ficou grávida, contexto em que esta integrou o agregado familiar da mãe do arguido. A filha de ambos nasceu em .../.../2012 e faleceu em .../.../2014, vitima de cardiopatia congénita. (…) AA refere ter começado a consumir estupefacientes aos 16/17 anos de idade, nomeadamente haxixe, hábito que manteve até à sua reclusão (…).
AA vivia, à data da reclusão com a mãe e o padrasto, em casa da mãe em ....
O arguido encontrava-se desempregado (…).
No estabelecimento prisional, o arguido conseguiu desvincular-se do consumo de estupefacientes, sem recurso a medicação para o efeito, mas reconhece que necessita de ajuda para consolidar o mesmo. Quer iniciar um tratamento, que o leve a uma vida sem produtos estupefacientes.
AA enquadrou os acontecimentos que despoletaram o presente processo ao consumo de estupefacientes que efetua à vários anos, econsequentemente na fraca capacidade para antecipar as consequências entre as suas ações e os respetivos resultados, assume-se como consumidor.
AA revela interiorização das normas sociais e capacidade de perceção do ilícito criminal em apreço, demonstrando censurabilidade sobre o mesmo, mas com capacidade critica limitada.
Em meio prisional, AA tem mantido um comportamento globalmente adaptado e sem incidentes. (…)
A presente situação de reclusão, provocou em VV um grande impacto, o que o levou a tomar alguma consciência da gravidade dos factos porque está acusado. Revela alguma interiorização em relação à gravidade dos factos inerentes à sua atual situação jurídica, e tem consequentemente uma perceção das consequências negativas que decorrem da mesma para si próprio, mas também para a família, sobretudo para a mãe, que está a sofrer com esta situação.
Identifica abstratamente, hipotéticas vítimas, bem como os danos provocados em situações análogas.
Mostra-se preocupado em resolver a presente situação judicial com celeridade, nomeadamente cumprindo a decisão que vier a ser proferida. (…).”
2.2.2. DOS FACTOS ÃO PROVADOS (transcrição parcial)
Não provado, com relevância para a decisão da causa, resultou:
b) Ao regressar a ..., o arguido AA guardava parte do produto estupefaciente no interior de várias residências detidas pelos restantes arguidos, designadamente do arguido DD na Rua ... e na Rua ..., em ..., da arguida CC, no ..., do arguido GG na Rua ..., em ..., da arguida EE, na Rua ..., ..., ou ainda na unidade de turismo rural gerida pelo arguido BB
AA, o A..., em ....
c) O arguido AA deslocou-se também várias vezes a ..., onde contactou com diversos consumidores dessa localidade, mas também de ... e do ..., que o contactaram e deslocaram junto de si para tal efeito e a quem vendeu produto estupefaciente mediante contrapartida em dinheiro.
d) O arguido AA vendeu produtos estupefacientes a XX, pelo menos no dia 15.12.2020.
e) Vendeu produtos estupefacientes a PP, pelo menos, em 08.12.2020, 10.12.2020, 15.12.2020, 18.12.2020, 20.12.2020, 27.12.2020, 28.12.2020, 29.12.2020, 02.01.2021, 30.01.2021, 04.01.2021, 14.02.2021, 15.02.2021 e 17.02.2021.
f) Durante o ano de 2020 e 2021, o arguido AA vendeu haxixe a NN, pelo menos três a quatro vezes por semana, pelo preço de € 20,00 ou € 30,00 a “pedra” de haxixe, sendo a entrega efectuada em vários locais de ..., designadamente nas imediações do “Restaurante L...” e na residência de GG, na Rua ..., ....
g) Durante o ano de 2020 e 2021, o arguido AA vendeu heroína a OO, pelo menos duas a três vezes por semana, pelo preço de €10,00 cada panfleto de heroína, combinando tal venda através de chamada telefónica, sendo a entrega efectuada em vários locais de ... e na residência de GG, na Rua ..., ....
h) Durante o ano de 2020 e 2021, o arguido AA vendeu heroína a PP, pelo menos duas a três vezes por semana, pelo preço de € 10,00 cada panfleto de heroína, combinando tal venda através de chamada telefónica, sendo a entrega efetuada em vários locais de ..., nomeadamente junto à Escola ..., junto ao cemitério, junto ao Restaurante L...”, na residência de GG, na Rua ..., ... e na residência de CC, na localidade de ....
i) O arguido AA vendeu cocaína e heroína a QQ combinando tal venda através de chamada telefónica que este efetuava através do seu número de telemóvel ...22 para CC que obtinha o produto estupefaciente junto de AA e o entregava na sua residência, no ..., ..., na residência de GG, na Rua ..., ..., nas imediações da Escola ... e junto ao bar situado perto do Largo ..., em ....
j) Durante o ano de 2020 e 2021, o arguido AA vendeu produtos estupefacientes designadamente a YY e a XX.
k) O arguido AA encontrava-se com os consumidores na Rua ..., em ..., local onde habitava a arguida EE.
*
(…)
s) Parte do produto estupefacientes que o arguido AA vendia a terceiros era entregue à arguida EE, depois de o adquirir na zona do ....
t) No dia 30.01.2021, a arguida EE chegou a solicitar à arguida CC que lhe entregasse dinheiro obtido por esta com a venda a terceiros, mediante contrapartida económica, de produto estupefaciente.
*
v) Designadamente, no dia 16.09.2020, os arguidos AA e CC encontravam-se na habitação do arguido BB, acima indicada, onde venderam a terceiros produto estupefaciente, mediante contrapartida em dinheiro.
w) No dia 16-12-2020, o arguido BB pediu ao arguido AA que lhe disponibilizasse produto estupefaciente, e, no seguimento de tal conversa, informa-o de ter conseguido recuperar um dos consumidores para o arguido AA.
(…)
gg) Apesar disso, o arguido DD terá regressado à localidade de ... em meados de abril de 2021, altura em que voltou a contactar pessoalmente com o arguido AA, assim como através do telemóvel.
hh) No dia 22.04.2021, após ter sido combinado por conversa telefónica, o arguido DD transportou um indivíduo de identidade desconhecida até à localidade de ..., a fim de este adquirir produto estupefaciente ao arguido AA.
ii) Nesse mesmo dia, mais tarde, o arguido DD contactou via telemóvel com AA, e questionou-o se este ainda se encontrava onde estava no dia anterior, tendo este confirmado que sim, e desligado a chamada.
(…)
kk)O arguido DD vendeu heroína e cocaína a QQ conforme dado por provado sempre que AA não se encontrava em ....
mm) Pelo menos no dia 01.04.2021, e no dia 05.05.2021, o arguido FF transportou o arguido AA a fim de este adquirir produto estupefaciente.
(…)
qq) Em várias ocasiões, mas pelo menos em 21.05.2021, o arguido FF questionou AA e CC se existia produto estupefaciente.
(…)
ss) O arguido GG foi impulsionado pela arguida CC ao permitir que o arguido AA se estabelecesse na sua residência conforme dado por provado supra.
tt) Em datas não concretamente apuradas, na ausência de AA, o arguido GG vendeu heroína a PP, no ... da sua habitação, em Rua ..., ....
uu) Durante o ano de 2021, o arguido GG, por número de vezes não apurado, vendeu cocaína e heroína a OO, face à ausência de AA, pelo preço de €10,00 por cada panfleto de heroína e €20,00 por cada panfleto de cocaína.
vv) Durante o ano de 2021, o arguido GG, por número de vezes não apurado, vendeu, heroína a RR, face à ausência de AA, pelo preço de € 10,00 por cada panfleto de heroína.
(…)
ww) Durante o ano de 2021, o arguido GG, por número de vezes não apurado, vendeu cocaína e heroína a QQ, face à ausência de AA, pelo preço de €10,00 por cada panfleto de heroína e €20,00 por cada panfleto de cocaína.
Consigna-se que a demais factualidade referente ao despacho de pronúncia que não consta em sede de matéria assente ou não assente assim resultou por se tratar de matéria que é desprovida de qualquer relevância ou que se afigura como mera ou manifestamente conclusiva não podendo, por tal, ser alvo de um juízo probatório no sentido positivo ou negativo.
Quanto a tal, refira-se que o despacho de pronúncia se apresentou constituído por um elevado número de pontos da matéria facto que correspondiam a um aglomerado de conclusões ou ilações que não se podem ter como “factos”, igualmente existindo um elevado número de pontos que não continham em si a descrição de uma conduta que se possa ter por relevante e/ou pertinente à boa decisão da causa nos moldes em que se encontram exarados, mais sendo de referir que não foram considerados pontos da acusação/despacho pronúncia que respeitam a verdadeiras interpretações do teor de interceções telefónicas constantes dos autos.
(…) »
2.3. Dado o objeto do presente recurso e por não estar em causa nulidade de sentença a apreciar oficiosamente nos termos do art. 410º nº2 CPP, não releva a decisão do tribunal recorrido em matéria de motivação da decisão da matéria de facto, pelo que não se procede à sua transcrição.
3. Decidindo
3.1. A qualificação jurídico-penal dos factos
Como vimos, a primeira questão a decidir no presente recurso é de saber se, contrariamente ao decidido pelo tribunal coletivo recorrido, os factos provados preenchem a previsão do art. 25º do Dec-lei 15/91 de 20 de janeiro, tráfico de menor gravidade, e não do art. 21º do mesmo Diploma legal.
3.1.1. No essencial, o arguido recorrente assenta esta sua pretensão nas seguintes razões, que expõe nas conclusões de recurso:
- «4. Resulta do texto do próprio acórdão recorrido que a actividade delituosa é de modalidade de venda directa ao consumidor, de doses próprias para consumo, numa área geográfica restrita, sem meios sofisticados, num período inferior a um ano, sendo o recorrente e demais co-arguidos todos consumidores do estupefaciente transaccionado.
- (…)
- 6. Não havia nenhum esquema organizativo que agravasse a conduta do recorrente. - 7. O número de consumidores não era superior a 13 (treze)
- 8. A quantia pecuniária apreendida ao recorrente não era relevante (580€)
- 9. A droga detida (cocaína) pelo recorrente não era de pureza elevada (47%).
- 10. Não são conhecidos sinais exteriores de riqueza, e nem sequer detinha veiculo automóvel.
- 11.A sua deslocação de ... para ... não afasta a ilicitude do artigo 25º do dec-lei 15/93…». Conclui que, a actuação do recorrente com a dos demais coarguidos não afasta a imagem global de uma considerável diminuição da ilicitude, porquanto eram todos consumidores e estavam motivados exclusivamente com a satisfação do seu consumo.
3.1.2. A respeito da qualificação jurídico penal dos factos e com especial interesse face às conclusões do recorrente, pode ler-se no acórdão do Juízo Central Cível e Criminal ..., - Juiz ..., ora recorrido:
- « Certo sendo que os meios utilizados para a venda não eram propriamente sofisticados e certo sendo também que os próprios arguidos seriam consumidores de heroína e cocaína, muitos dos quais de longa data, certo o é, do mesmo modo, que o quadro factual global apurado e traçado supra não nos remete para uma ilicitude consideravelmente diminuída, saltando à vista o período de tempo em causa de quase 1 ano; o elevado número de transações apuradas; o igualmente elevado número de consumidores apurados, tratando-se de uma localidade de pequenas dimensões com uma densidade populacional reduzida; o tipo de droga transacionada no total de 2 drogas duras, revelando desde logo a cocaína apreendida ter um elevado grau de pureza e corresponder a um elevado número de doses; e a forma de obtenção de lucro fácil inerente à atividade desenvolvida, sendo efetivadas vendas com regularidade no período de tempo apurado que igualmente permitiam a alguns dos arguidos manter o seu vício aditivo, algo que acabou por contribuir indiscutivelmente para o próprio sucesso da atividade de tráfico ocasionada.
Desta forma, é de concluir que a ilicitude dos factos praticados não se demonstra consideravelmente diminuída, não apontando a “imagem global do facto” para a subsunção ao tipo privilegiado que pretende ser uma “válvula de segurança”, tendo em vista situações de menor gravidade objetiva.»
3.1.3. Por sua vez, o MP junto do tribunal recorrido manifesta-se pela total improcedência do recurso, como aludido, por considerar que.
- « 1.Os factos provados revelam que o arguido assumiu o tráfico de drogas como fonte certa e habitual de receitas, dão uma imagem global da sua actividade, que se prolongou no tempo por cerca de um ano, sem se descortinar qualquer factor de diminuição de ilicitude da sua conduta, susceptível do enquadramento no tráfico de menor gravidade do artº. 25º.
2. A quantidade de estupefaciente apreendida (cocaína e heroína) possui algum relevo e não pode olvidar-se que exerceu a sua actividade de uma forma regular, ininterrupta, como que no exercício de uma qualquer actividade profissional.
3. Não estamos, por isso, perante actuação episódica, ocasional, desgarrada.
4. Face ao exposto, resulta claro que a conjugação dos vários índices referidos no artº 25º, do Dec. Lei nº 15/93, de 22.01, nomeadamente a quantidade da droga transaccionada, a sua qualidade, a duração da acção delituosa, não conduz a uma imagem global do facto, de pequena gravidade,» 3.2. Vejamos
3.2.1. A grande diferença entre a moldura penal prevista no artº 25 (1 a 5 anos de prisão) e no art. 21º (4 a 12 anos de prisão), por um lado, e o conceito normativo aberto utilizado pelo legislador no art. 25º (ilicitude consideravelmente diminuída), tem levado a que a questão do preenchimento de um ou outro daqueles tipos penais se coloque frequentemente nos nossos tribunais, que têm desenvolvido critérios que refletem a procura de densificação do que deva tomar-se por ilicitude consideravelmente diminuída.
Desde logo importa ter presente, no que respeita à previsão e ao tratamento penal das atividades de tráfico de estupefacientes - que dão entre nós origem à tipificação de crimes de perigo, de proteção (total) recuada a momentos anteriores a qualquer manifestação de consequências danosas -, que a técnica legislativa empregue no DL 15/93 de 22 de janeiro assenta na criação de um crime matricial, que contém a descrição fundamental das condutas típicas, por referência ao qual são previstos o tipo qualificado do art. 24º (Agravação), que agrava a moldura legal base em função das circunstâncias agravantes nele previstas, o tipo privilegiado do art. 25º que pune o Tráfico de menor gravidade definido em função da diminuição sensível da ilicitude e tipo privilegiado do art. 26º (Traficante-consumidor), assente na diminuição da culpa do agente decorrente da relação causal entre o (pequeno) tráfico e o consumo próprio.
Ora, como aludido, o art. 25º do Decreto-Lei nº 15/93, epigrafado de "tráfico de menor gravidade" constitui um tipo privilegiado em razão do grau de ilicitude, por referência ao tipo fundamental de artigo 21º mas também ao tipo agravado do art. 24º, impondo a norma que a ilicitude do facto se mostre «consideravelmente diminuída» em razão de circunstâncias específicas, mas objetivas e factuais, verificadas na ação concreta, nomeadamente os meios utilizados pelo agente, a modalidade ou as circunstâncias da ação, e a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações.
A essência da distinção entre o tipo fundamental e o tipo privilegiado situa-se, pois, ao nível exclusivo da ilicitude do facto (consideravelmente diminuída), mediada por um conjunto de circunstâncias objetivas que a revelem em concreto, e que devam ser conjuntamente valoradas por referência à matriz subjacente à enumeração exemplificativa contida no art. 25º. Os critérios de proporcionalidade que devem estar pressupostos na definição das penas, constituem, também, um padrão de referência na densificação do conceito normativo do tipo, «considerável diminuição de ilicitude», com alargados espaços de indeterminação.
Na verdade como se diz no Ac STJ de 23.02.2005, rel. H. Gaspar ( reafirmado, entre outros, no Ac STJ de 17.04.2008, do mesmo relator, igualmente acessível em www.dgsi.pt), a diversificação dos tipos apenas conforme o grau de ilicitude, com imediato e necessário reflexo na moldura penal, não traduz, afinal, senão a resposta a realidades diferenciadas que supõem respostas penais também diferenciadas: o grande tráfico e o pequeno e médio tráfico, sem esquecer que o chamado grande tráfico cabe muitas das situações previstas no artigo 24º mas também na descrição típica abrangente do artigo 21º, onde se incluirão ainda atividades de média dimensão e relevância que, por não corresponderem a quadros de acentuada diminuição da ilicitude não são abrangidas pela previsão típica do art. 25º.
3.2.2. Estas categorias são, pois, meramente indicativas ou aproximativas, não correspondendo a categorias legais ou sequer sociológicas ou criminológicas bem delimitadas. Daí não poder afirmar-se que no tipo base do artigo 21º apenas caibam os grandes agentes do tráfico de estupefacientes, integrados em organizações mais ou menos extensas e sofisticadas, detentores, em regra, de grandes fortunas pessoais, ou ainda os traficantes que circulem na respetiva órbita dando corpo e consistência à atividade organizada, pois os critérios legalmente fixados impõem que se abranja no tipo base de tráfico de estupefacientes (art. 21º) realidades sociológicas que claramente extravasam daquele quadro, abrangendo muitos casos envolvendo os chamados traficantes de rua, cuja atividade apresenta igualmente grandes diferenças entre si.
Na verdade, ao apelar à diminuição considerável da ilicitude do facto por mera referência a fatores como a modalidade da ação, de entre a extensa panóplia enumerada no artigo 21º (compra, venda, detenção, troca, etc), ou às circunstâncias da mesma ação, onde se incluirá v.g. o ato esporádico, pontual, pouco frequente, ao lado da qualidade ou quantidade das plantas, substâncias ou preparações objeto da ação, de onde se destacam a espécie do produto estupefaciente (cocaína, heroína) ou a sua pureza, o tipo privilegiado do artigo 25º parece deixar de fora quadros fatuais e pessoais que, por referência a critérios densificadores como o volume de negócio, lucro do agente ou a pertença a quadros organizativos acabados, encaixam-se melhor no chamada tráfico médio que no grande tráfico. Aliás, podem mesmo caber na previsão ampla do art. 21º algumas hipóteses que na representação social dos traficantes de produtos estupefacientes são consideradas de pequeno tráfico, mas que em face dos critérios exemplificativamente indicados no artigo 25º ou outros igualmente relevantes do ponto de vista da ilicitude (v.g. modalidade da ação, a qualidade ou quantidade de estupefaciente, aqui incluídas, em nosso ver, a sua maior ou menor perigosidade intrínseca, a duração da atividade ilícita ou a dimensão do universo de compradores e/ou consumidores abrangidos por aquela mesma atividade), não têm cabimento naquele artigo 25º, antes se integrando no artigo 21º.
Estando em causa a diminuição considerável da ilicitude, é, pois, em função do grau de lesão do bem jurídico protegido pelos crimes de tráfico de estupefacientes1 que a conduta concretamente abarcada pela descrição típica do art. 21º do Dec-lei 15/93 pode considerar-se antes abrangida pelo tipo privilegiado do art. 25º, seja em função de um menor desvalor do resultado, seja de um menor desvalor da ação2, mas sobretudo em função do desvalor do resultado3, ou seja, em função dos elementos
1 Embora seja comum considerar-se a saúde pública como o bem jurídico protegido pelas incriminações do Dec-lei 15/93, é igualmente comum a ideia de que àquele conceito se reconduzem vários outros bens jurídicos protegidos de natureza pessoal, sejam eles a vida, a integridade física ou a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes. Para além destes, porém, a tutela penal visa ainda a proteção, pelo menos reflexa, de bens jurídicos essencialmente coletivos, máxime a vida em sociedade, na medida em que o tráfico de estupefacientes dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovada eficácia criminógena, mas também porque o tráfico, enquanto atividade criminal transnacionalmente organizada, põe em risco princípios estruturais da organização económica e política derivada dos Estados e mesmo de organizações internacionais onde estes se inserem – Vd, por todos, Pedro Vaz Patto, anotação ao art. 21º do Dec-lei 15/93 in Comentário das Leis Penais Extravagantes, Vol. 2.
2 Conforme explica, por todos, F.Dias, “Por desvalor de ação compreende-se o conjunto de elementos subjetivos que conformam o tipo de ilícito (subjetivo) e o tipo de culpa, nomeadamente a finalidade delituosa, a atitude interna do agente que preside ao facto e a parte do comportamento que exprime faticamente este conjunto de elementos. Por desvalor do resultado compreende-se a criação de um estado juridicamente desaprovado e, assim, o conjunto de elementos objetivos do tipo de ilícito (eventualmente também do tipo de culpa) que perfeccionam a figura do delito.” – Cfr Direito Penal. Parte Geral. Tomo I, 2ª edição, Coimbra Editora-2007, pp 285-6.
Adverte o autor que naquele contexto, ou seja, em sede de discussão sobre a relevância da distinção em sede de ilícito típico entre desvalor da ação e desvalor do resultado, «… a expressão “resultado” vale como afetação da situação de tranquilidade do bem jurídico protegido e não (como na expressão “crimes de resultado” ….), enquanto modificação do substrato do bem jurídico, temporal e espacialmente cindida da ação”. – idem p. 288.
3 No seu estudo, Aspectos do resultado no direito penal (in Liber Discipulorum Figueredo Dias-2003 pp. 541-570, Helena Moniz, depois de assinalar que o conceito “resultado” é utilizado no âmbito do direito penal com diversos significados, começa por distinguir entre o”… conceito de resultado em sentido material , enquanto relativos ao tipo objetivo exemplificativamente indicados no art. 25º: meios utilizados, modalidade ou circunstâncias da ação, a qualidade ou quantidade das plantas substâncias ou preparações que, no seu conjunto, permitirão captar o que a nossa jurisprudência tem designado por imagem global do facto.
Como pode ler-se, no acórdão do STJ de 05.05.2022, processo 41/20.1PJCSC.L1.S1 (Relator – Conselheiro Orlando Gonçalves), ora citado no parecer do MP no STJ, «… o regime do tráfico de menor gravidade fundamenta-se na “diminuição considerável da ilicitude do facto”, revelada pela valoração conjunta dos diversos fatores que se apuraram na situação global dada como provada pelo Tribunal (…) [os critérios práticos desenvolvidos na jurisprudência ] ajudam a guiar a jurisprudência para alguma objetividade de critérios e para que, em casos semelhantes, as consequências jurídicas venham a ser as mesmas, mas não devem ser entendidos como critérios normativos.
Importante é que na avaliação global da situação de facto não poderá deixar de se considerar a regra da proporcionalidade na apreciação dos fatores relevantes, como a quantidade e a qualidade dos estupefacientes comercializados, os lucros obtidos, o modo de vida, a afetação ou não de parte dos lucros ao financiamento do consumo próprio de estupefacientes, a duração e intensidade da atividade desenvolvida, o número de consumidores contactados e o posicionamento do agente na rede de distribuição dos estupefacientes ….».
3.2.3. Ora, no caso presente, apesar de o arguido recorrente entender que a sua atuação com a dos demais coarguidos não afasta a imagem global de uma considerável diminuição da ilicitude, atentas as razões que expõe na sua motivação e respetivas conclusões, não é essa a realidade espelhada na factualidade provada.
3.2.3.1. Com efeito, desde logo, diferentemente do alegado pelo arguido, não se menciona na factualidade provada que o recorrente e demais coarguidos fossem consumidores do estupefaciente transacionado e que estavam motivados exclusivamente co“mutação física” e o conceito de resultado no sentido jurídico-penal, enquanto “afetação do bem jurídico”. Referindo-se a este último, diz a autora, com especial interesse para os crimes de perigo, que «…o resultado enquanto lesão ou colocação em perigo do bem jurídico pode ser uma consequência da ação, como acontece nos crimes de perigo concreto, ou pode ser a própria conduta, como, em regra, acontece nos crimes de perigo abstrato.» - cfr. p. 544.
É, pois, neste ultimo sentido que nos referimos em texto ao desvalor do resultado enquanto elemento do tipo de ilícito do crime de perigo abstrato previsto no artigo 25º do Dec-lei 15/93.
a satisfação do seu consumo, constando ainda da factualidade provada que o arguido vendia cocaína e heroína, apesar de o recorrente apenas mencionar a venda de cocaína.
Por outro lado, resulta da factualidade provada que:
- O arguido agia no âmbito de um esquema minimamente organizado, por ele delineado, para a venda a terceiros de produto estupefaciente, nomeadamente heroína e cocaína desde julho de 2020 (nº1 dos factos provados – FP);
- Era o arguido que assumia a liderança, desenvolvendo-se por referência a ele alguns dos atos de venda de outros arguidos bem como a prestação de auxílio nessa atividade (v.g. FP nºs 16 e 17, 22 a 24 e 36, 38 e 40, 41, 42, 44, 45) );
- Era o arguido quem se deslocava ao Concelho ... para adquirir a cocaína e heroína que depois vendia na cidade ... por si ou com a colaboração de outros coarguidos;
- O arguido procedeu à venda direta de cocaína e heroína, entre julho de 2020 e junho de 2021, ou seja, durante quase um ano, em diversos locais da cidade ..., a diferentes compradores, muitos dos quais adquiriram produto estupefaciente ao recorrente por diversas vezes, que operou, assim, como fornecedor desses compradores ao longo do tempo em consideração, traduzindo a atividade ilícita do ora recorrente lesão considerável do bem jurídico tutelado pela criminalização do tráfico de estupefacientes, também na dimensão do número de pessoas visadas com a sua atividade e da frequência com que o foram, para além da especial danosidade das chamadas drogas duras concretamente vendidas pelo arguido, para a saúde dos respetivos consumidores ;
Por outro lado, conforme se destaca no parecer do MP no STJ, os montantes auferidos situavam-se, da cada vez, entre os 10 e os 20 euros por dose; quando detido, o arguido tinha na sua posse 580 euros, provenientes de vendas de estupefacientes que havia efetuado; na sua posse, na casa onde residia, tinha estupefacientes suficientes para fazer o total de 768 doses (6 de heroína, 4 de resina de canábis e as restantes 758 de cocaína); o arguido não exercia qualquer atividade profissional.
3.2.3.2. Concluímos, pois, que nem a imagem global do facto, nem a análise individualizada dos critérios indicadores previstos no art. 25º do Dec-lei 15/93 permitem concluir pela diminuição considerável da ilicitude da conduta do recorrente, contrariamente ao entendimento que expressa na sua motivação de recurso, pelo que nada há a censurar à qualificação jurídico-penal dos factos acolhida pelo tribunal recorrido, que julgou praticado pelo arguido um crime de tráfico p. e p. pelo art. 21º do DL 15/93, improcedendo o recurso nesta parte.
3.3. No essencial, é pelos mesmos factos ora apreciados em concreto, ou seja, o lapso de tempo durante o qual o arguido se dedicou e à venda de cocaína e heroína sem outra atividade, à considerável número de atos de venda praticados e ao número considerável de pessoas a quem vendeu (pelo menos 13 pessoas, algumas delas repetidamente), que se conclui serem muito elevadas as necessidades de prevenção geral no caso presente, exigindo a conduta do arguido resposta contra fática que não deixe dúvidas sobre a efetividade da tutela penal.
Por outro lado, também as necessidades de prevenção especial positiva levam a concluir que a determinação medida da pena concreta se mostra efetuada de acordo com os fatores previstos no art. 71º do C.Penal: o arguido tem antecedentes criminais, nomeadamente por crime de tráfico de estupefacientes e a substituição da prisão por pena suspensa não o inibiu de se dedicar à mesma atividade ilícita que levara à condenação anterior, sendo certo que o enquadramento familiar do arguido é pouco relevante no caso concreto, dado que com esse mesmo quadro o arguido dedicou-se regularmente ao tráfico de estupefacientes durante mais de um ano.
Assim, tendo em conta as fortes exigências de prevenção geral e de prevenção especial verificadas concluímos não merecer reparo a pena de 6 anos de prisão aplicada pelo tribunal recorrido ao arguido, pela prática de um crime de crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de janeiro, por referência às tabelas I-A e I-B, anexas ao mesmo diploma legal, improcedendo o recurso também nesta parte.
Assim sendo, fica prejudicada a apreciação da pretendida suspensão da execução da pena por ser a mesma legalmente inadmissível face à pena concreta aplicada – art. 50º C.Penal.
III.
DISPOSITIVO
Nesta conformidade, acordam os Juízes nas Secções Criminais do Supremo Tribunal de Justiça em negar total provimento ao recurso interposto pelo arguido AA, mantendo-se integralmente o acórdão do Juízo Central Cível e Criminal ... - Juiz ..., ora recorrido.
Custas pelo arguido, fixando-se a taxa de justiça em 5UC – cfr art. 513º do CPP, art. 8º nº5 do RCP e Tabela III a que se refere aquele preceito.
11.05.2023
António Latas – Juiz Conselheiro relator
José Eduardo Sapateiro – Juiz Conselheiro adjunto
Orlando Gonçalves – Juiz Conselheiro adjunto