Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
895/21.4GDSTB.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: VASQUES OSÓRIO
Descritores: RECURSO PER SALTUM
ROUBO AGRAVADO
ARMA
RESIDÊNCIA
APROPRIAÇÃO
DIREITO DE PROPRIEDADE
CONCURSO DE INFRAÇÕES
QUALIFICAÇÃO JURÍDICA
COAÇÃO
MEDIDA CONCRETA DA PENA
PROCEDÊNCIA PARCIAL
Data do Acordão: 11/28/2024
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: PROVIDO
Sumário :

I. Sendo o roubo um crime contra a propriedade, onde a lesão dos bens patrimoniais é alcançada pelo agente, mediante a lesão de bens pessoais, é a partir da lesão daqueles e da sua relação com o ofendido ou os ofendidos, que se aferirá a verificação de um crime de roubo ou de uma pluralidade de crimes de roubo.

II. Consistindo o plano criminoso dos arguidos em apoderarem-se do dinheiro que se encontrasse na residência dos ofendidos, na sua execução, exerceram os arguidos violência sobre o ofendido e a ofendida, como meio para se apropriarem da quantia de € 4000 que vieram a encontrar no bolso das calças que o ofendido então envergava, sem que da matéria de facto provada conste a titularidade do direito de propriedade da referida quantia, designadamente, aí sendo atribuída a qualquer dos ofendidos, a ambos ou a terceira pessoa.

III. Não estando estabelecida a relação entre a ofendida e a quantia em causa – fosse como sua proprietária, fosse como sua detentora –, a circunstância de os arguidos, mediante a violência exercida, terem lesado os seus direitos pessoais, como meio para obterem o fim criminoso a que se propuseram – a apropriação do dinheiro – não permite que se considere preenchido um crime de roubo relativamente àquela, pois que, quanto a ela, falha o preenchimento típico da vertente patrimonial de tal crime.

IV. Não obstante, observado que foi o disposto no art. 424º, nº 3 do C. Processo Penal, impõe-se a condenação dos arguidos pela prática, em co-autoria, de um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154º, nº 1, do C. Penal, relativamente à ofendida, uma vez que a violência a que foi sujeita por aqueles, preenche o respectivo tipo.
Decisão Texto Integral:
RECURSO Nº 895/21.4GDSTB.S1

Acordam, em conferência, na 5ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça

I. RELATÓRIO

No Tribunal Judicial da Comarca de...– Juízo Central Criminal de ... – Juiz 1, o Ministério Público requereu o julgamento, em processo comum com intervenção do tribunal colectivo, dos arguidos AA e BB, ambos com os demais sinais nos autos, imputando-lhes a prática, em co-autoria material e concurso efectivo, de dois crimes de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), com referência ao art. 204º, nºs 1, f) e 2, f), ambos do C. Penal.

No decurso da audiência de julgamento foi comunicada aos arguidos uma alteração não substancial dos factos descritos na acusação.

Por acórdão de 11 de Março de 2024, foi cada um dos arguidos condenado, pela prática dos imputados crimes de roubo agravado, nas penas parcelares de 10 (dez) anos de prisão e de 8 (oito) anos de prisão e, em cúmulo, na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

*

Inconformado com a decisão, recorre o arguido AA para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:

A- Não ficou provado que o dinheiro subtraído pertencesse às duas vítimas;

B- O acórdão recorrido não discrimina quais os concretos bens pertencentes ao ofendido CC e à ofendida DD aquando da entrada na casa onde ambos residiam, certo é também que nada resulta da factualidade provada que nos leve a presumir que o bem apropriado fosse detido em compropriedade pelas duas vitimas;

C- Foi um único bem jurídico atingido, no mesmo ato, no mesmo local, no quadro da mesma solicitação, pelo que não poderiam os Arguidos, e o ora recorrente, ser condenado pela prática de dois crimes de roubo, mas sim, de um único crime, o que se espera em recurso, que merece provimento.

D- Nos casos, como o presente, de património único e unidade de resolução criminosa, a condenação do agente por tantos crimes de roubo quantas as pessoas ofendidas na sua pessoa como meio para atingir o fim de apropriação patrimonial, parece esbarrar com o problema da aparente duplicação da condenação na sua vertente patrimonial.

E- Embora o ataque pessoal a uma pessoa como meio de atingir o fim último da apropriação patrimonial ilegítima constitua elemento diferenciador do roubo face ao furto, a colocação do crime de roubo entre os crimes contra a propriedade não permite desconsiderar a vertente patrimonial do crime a ponto de ter lugar a condenação do agente por uma pluralidade de crimes de roubo exclusivamente com base na pluralidade de vítimas pessoais.

F- O Tribunal A quo e o acórdão de que se recorre, erra no que toca à configuração do facto ilícito praticado, como a prática de dois crimes de roubo em concurso efetivo.

G- Erra igualmente o Tribunal A quo ao não valorar, como devido, todo o circunstancialismo e o distinto grau de culpa de cada um dos co-arguidos;

H- Por conseguinte, violou o Tribunal A quo o disposto no artigo 71º do Código Penal, traduzindo-se a/s pena/s aplicada/s ao Recorrente numa pena demasiado severa e manifestamente desproporcional.

I- O Tribunal Recorrido, foi bastante além do necessário, quer para punir, quer para prevenir, e julgando desta forma, violou as disposições legais mencionadas, nomeadamente os artigos 40º e 71º do Código Penal, provocando um vício na decisão por errada interpretação das normas do direito aplicáveis ao caso concreto.

J- Na fixação da medida da pena é necessário, ordenar, relacionando-as, a culpa, a prevenção geral e a prevenção especial, tendo-se, para isso, em conta os quadros agravativos e atenuativos, sob pena de se frustrarem as finalidades da sanção, ou seja, a protecção dos bens jurídicos e a reintegração do arguido na sociedade.

K- É de concluir que o grau de culpa do agente é menor que o considerado pelo Tribunal A quo.

L- Razões pelas quais, enferma o acórdão recorrido de erros notórios, nomeadamente na determinação da medida concreta da pena e viola os princípios básicos da determinação da pena, ao arrepio dos critérios previstos nos artigos 40º e 71º do Código Penal.

TERMOS EM QUE

Deve o presente recurso obter provimento, por provado, e em consequência o mui douto acórdão revogado, e substituído por outro que se coadune com a pretensão exposta,

Nestes termos deverá a decisão proferida em 1ª instância ser objecto de censura e em consequência ser substituída por SÃ JUSTIÇA!

*

Igualmente inconformado com a decisão, recorre o arguido BB para o Tribunal da Relação de Évora, formulando no termo da motivação, as seguintes conclusões:

O presente recurso tem como objeto a matéria de direito da sentença proferida nos presentes autos, a qual condenou nas penas parcelares de10 (dez) anos de prisão e 8 (oito)anos de prisão respetivamente o arguido por dois crimes de roubo qualificado previsto e punido pelo artigo 210.º n.º 1 e 2 alínea b), por referência ao artigo 204.º n.º 1 alínea f) e n.º 2 alínea f).

A- O Tribunal a quo considerou que o património visado foi uno do agregado familiar, pertencente a ambos os ofendidos, relativo ao dinheiro que tivessem em casa ou consigo, pelo que o facto de terem tirado notas do Banco Central Europeu do bolso das calças de CC não invalida que o dinheiro integrasse o património e a residência comum, tal como se provou.

B- Não se percebe como se chega à conclusão que o dinheiro pertenceria a ambos os ofendidos, já que em sede de audiência essa questão não foi aflorada, nem existe qualquer fundamentação para essa afirmação no douto acórdão de que se recorre pelo que se apenas se pode concluir que essa será apenas uma presunção, não fundamentada, e, muito menos provada, já que em momento algum existiu qualquer prova, quer testemunhal quer documental para se retirar essa conclusão.

C- Se é certo que não se discriminaram no acórdão recorrido quais os concretos bens pertencentes ao ofendido CC e à ofendida DD aquando da entrada na casa onde ambos residiam, certo é também que nada resulta da factualidade provada que nos leve a presumir que o bem apropriado fosse detido em compropriedade por ambas as vítimas.

D- Efetivamente, é um, e o mesmo, o bem jurídico atingido, praticado da mesma forma, no mesmo ato, no mesmo local, no quadro da mesma solicitação, pelo que não poderiam os Arguidos, e o ora recorrente, ser condenado pela prática de dois crimes de roubo, mas sim, de um único crime, o que se espera em recurso, que merece provimento

E- Nos casos, como o presente, de património único e unidade de resolução criminosa, a condenação do agente por tantos crimes de roubo quantas as pessoas ofendidas na sua pessoa como meio para atingir o fim de apropriação patrimonial, parece esbarrar com o problema da aparente duplicação da condenação na sua vertente patrimonial

F- Embora o ataque pessoal a uma pessoa como meio de atingir o fim último da apropriação patrimonial ilegítima constitua elemento diferenciador do roubo face ao furto, a colocação do crime de roubo entre os crimes contra a propriedade não permite desconsiderar a vertente patrimonial do crime a ponto de ter lugar a condenação do agente por uma pluralidade de crimes de roubo exclusivamente com base na pluralidade de vítimas pessoais.

G- O Tribunal a quo e a sentença de que se recorre erra, no que toca à configuração do facto ilícito praticado, como a prática de dois crimes de roubo em concurso efetivo.

Termos em que e nos mais de direito deve o presente recurso ser julgado procedente e em consequência:

A decisão recorrida ser revogada e substituída por outra que exare que se está em presença de um único crime de roubo qualificado, contra CC, devendo, em conformidade, ser substituída a pena atribuída, aplicando-se ao Arguido ora recorrente uma pena única de 10 (dez) anos de prisão.

*

Por despacho de 15 de Abril de 2024, foi o recurso do arguido BB admitido para o Supremo Tribunal de Justiça.

Por despacho de 6 de Maio de 2024, foi o recurso do arguido AA admitido para o Supremo Tribunal de Justiça.

*

Respondeu aos recursos a Digna Magistrada do Ministério Público, formulando no termo da contramotivação as seguintes conclusões:

1ª – Vêm os recursos a que ora se responde interpostos do acórdão que condenou os arguidos BB e AA pela prática, em co-autoria material, no dia 9 de Novembro de 2021, de dois crimes de roubo qualificado p. e p. pelos arts. 210º nº 1 e nº 2 al. b) e 204º nº 1 al. f) e nº 2 al. f) do Código Penal, na pessoa de CC e DD, nas penas parcelares de 10 (dez) anos de prisão e 8 (oito) anos de prisão, respectivamente, e, em cúmulo jurídico, na pena única de 14 (catorze) anos de prisão;

2ª – Pese embora nos recursos seja contestada a propriedade da quantia em dinheiro ilicitamente apropriada (sob a alegação de que não foi feita prova de que ela pertencesse a CC e a DD), a decisão proferida sobre a matéria de facto deverá permanecer inalterada, porquanto os Recorrentes não especificam claramente as provas que, em seu entender, impõem decisão diversa da recorrida, neste particular, nem muito menos o fazem por referência às concretas passagens da prova gravada tidas por pertinentes – artº 412º nº 3 al. b) e nº 4 do Código de Processo Penal;

3ª – Foi julgado provado que o fito dos Recorrentes, ao acederem à residência de CC e DD, era apropriar-se de todo o dinheiro que ali existisse, tendo efectivamente logrado apoderar-se de quantia que integrava o respectivo património comum;

4ª – Perante a factualidade dada como assente, é de concluir que a resolução criminosa que animou os Recorrentes foi uma só, dirigida a uma única coisa móvel alheia e nela concretizada, ainda que a violência, a ameaça e/ou a colocação em impossibilidade de resistir tenha incidido sobre duas distintas pessoas;

5ª – A conduta dos Recorrentes não preencheu por duas vezes o mesmo tipo de crime, o que vale por dizer que não estamos perante a realização plúrima do mesmo tipo de crime (artº 30º do Código Penal), na sua dupla vertente patrimonial e pessoal;

6ª – Em face da natureza complexa do crime de roubo, a condenação dos Recorrentes pela prática de dois destes crimes conduz, salvo melhor opinião, a uma dupla punição pelo mesmo tipo de ilícito, na sua vertente patrimonial;

7ª – Para obviar a este resultado sem desvirtuar a vertente pessoal do ilícito – neste como noutros casos com contornos similares – a solução passará por considerar verificado um único crime de roubo e valorar a pluralidade de ofendidos nos seus bens de natureza pessoal como circunstância agravante de carácter geral;

8ª – Por conseguinte, deverão os Recorrentes ser condenados pela prática, em co-autoria material, de um único crime de roubo qualificado p. e p. nos termos das disposições conjugadas dos arts. 210º nº 1 e nº 2 al. b) e 204º nº 1 al. f) e nº 2 al. f) do C.P. (a verificação das duas circunstâncias agravantes especiais em causa não foi objecto de contestação);

9ª – Sobressaem contra os Recorrentes o grau de ilicitude do facto (muito elevado, perante a presença de duas distintas circunstâncias qualificativas do crime de roubo e o exercício de violência física, ameaça e/ou constrangimento da liberdade de movimentos sobre duas pessoas), o seu modo de execução (em co-autoria – potenciando assim a eficácia do resultado pretendido –, com utilização de não apenas um mas de dois objectos com a aparência de arma de fogo, e uso de violência gratuita e absolutamente desnecessária face à ameaça que a posse e a exibição de tais instrumentos por si só representava), a gravidade das suas consequências (já de relevo no plano patrimonial e magnitude facilmente intuível no que respeita aos bens pessoais afectados), o grau de culpa (consubstanciado em dolo directo e de intensidade acentuada, e evidenciado no nível de preparação da conduta – os Recorrentes ocultaram-se num anexo da habitação onde aguardaram a melhor oportunidade para ali aceder, muniram-se cada um deles com um objecto com a aparência exterior de uma arma de fogo e preveniram-se com abraçadeiras), a conduta anterior e posterior ao facto (traduzida na existência de outras condenações penais, designadamente pela prática de crimes de roubo, e pautada pela falta de expressão de juízo crítico ou arrependimento), as fortíssimas exigências de prevenção geral e as ponderosas necessidades de prevenção especial;

10ª – À luz do exposto, afigura-se adequada a aplicação de pena de prisão compreendida já no terço superior da respectiva moldura abstracta, concretamente, doze anos para cada um dos Recorrentes;

11ª – Na verdade – e secundando, nesta parte, o douto acórdão –, não se vislumbra razão para diferenciar a pena de prisão a impor a cada um dos Recorrentes, porquanto ao comportamento individual menos violento do arguido AA, por comparação com o arguido BB, se contrapõe o peso bem mais esmagador do seu passado criminal.

Termos em que deverá ser concedido parcial provimento aos recursos interpostos, nos moldes antes expostos.

V. Exªs, porém, melhor apreciarão, decidindo conforme for de JUSTIÇA.

*

*

Na vista a que se refere o art. 416º, nº 1 do C. Processo Penal, o Exmo. Procurador-Geral Adjunto junto deste Supremo Tribunal emitiu parecer, assim finalizado:

III Em síntese:

Comete um só crime de “roubo” quem, verificados os restantes pressupostos, usando violência contra os dois membros do casal (ou em união de facto), acaba por retirar e levar do bolso do casaco do ofendido quantia em dinheiro pertença de ambos (ou só dele).

No pressuposto de terem sido cometidos, em concurso efectivo, dois crimes de “roubo”, qualificado, p. e p. nas disposições dos arts. 204º/1-f) e 2-f) e 210º/1 e 2-b) do Código Penal, com penas parcelares de 10 e 08 anos de prisão, respectivamente, é justa e criteriosa, em função das circunstâncias do caso, a pena única de 14 anos de prisão.

IV Em conclusão:

Motivo por que o Ministério Público dá Parecer que:

O presente recurso merece provimento, com revogação da decisão recorrida na parte em que julgou os arguidos, ora recorrentes, incursos na prática, em concurso efectivo, de dois crimes de “roubo”, qualificados, devendo ser substituída por outra que os condene apenas por um crime;

Se assim, não se entender, deverá, no restante, o recurso ser julgado improcedente, sendo de manter os termos da decisão recorrida.

Foi cumprido o art. 417º, nº 2 do C. Processo Penal.

*

*

Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência.

Cumpre decidir.

*

*

*

*

II. FUNDAMENTAÇÃO

A) Factos provados

A matéria de facto provada que provém da 1ª instância é a seguinte:

“(…).

1. Em data não concretamente apurada, mas seguramente antes das 07H50m. do dia 09 de novembro de 2021, os arguidos decidiram apropriar-se de todo o dinheiro que existisse em casa de CC e DD, sita em Rua das ..., ....

2. Assim, e de acordo com o plano previamente traçado e delineado, no dia 09 de novembro de 2021, cerca das 07H50m, os arguidos dirigiram-se à supra referida residência.

3. Aí chegados, os arguidos esconderam-se num anexo junto à habitação, aguardando pela melhor oportunidade para entrar nesta.

4. Quando observaram CC a sair de casa, aproximaram-se imediatamente deste, apontando-lhe objeto com aparência de arma de fogo curta de características não concretamente apuradas, que cada um dos arguidos trazia consigo.

5. Ato contínuo, os arguidos exigiram que CC entrasse novamente em casa, o que este fez, tendo o arguido BB desferido várias pancadas em número não concretamente apurado, com a empunhadura da arma que empunhava, na parte de trás da cabeça de CC.

6. Já no interior da habitação, onde se encontrava DD, o arguido BB deitou CC no chão e manietou-o atrás das costas com abraçadeira, tendo o arguido AA manietado de igual modo DD que foi surpreendida pela entrada dos arguidos, ambos perguntando aos ofendidos em tom de voz alto e exaltado, e repetidas vezes: “Onde está o cofre?”.

7. Como CC respondeu dizendo que não tinham cofre, o arguido BB, fazendo uso da arma que trazia e de sua força muscular, desferiu múltiplas pancadas com a empunhadura na cabeça e face daquele, causando-lhe dores.

8. Após, os arguidos começaram a retirar todos os quadros que se encontravam na parede com vista a encontrarem o cofre, o que não aconteceu.

9. Ato contínuo, o arguido BB revistou CC tendo-lhe retirado, de dentro do bolso das calças que trajava, um maço de notas emitidas pelo Banco Central Europeu, no valor total de 4.000,00 € (quatro mil euros).

10. Na posse do dinheiro, os arguidos abandonaram o local, integrando-o no seu património.

11. Os arguidos sabiam que se introduziam na habitação de CC e DD, sem a autorização e contra a vontade destes, empunhando uma arma, que os ofendidos acreditaram ser de fogo, causando-lhes receio pela própria vida.

12. Sabiam que ao desferirem pancadas com a empunhadura na face e cabeça de CC, molestavam o seu corpo e a sua saúde, levando-o a temer pela integridade física e a própria vida.

13. Sabiam que ao manietarem as mãos dos ofendidos atrás das costas com abraçadeiras, restringiam contra a vontade de ambos a sua liberdade de movimentos e molestavam o seu corpo e a sua saúde.

14. Em tudo os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, em comunhão de esforços e intentos, mediante o cumprimento de um plano previamente gizado, no intuito concretizado de subtraírem para si a quantia monetária que os ofendidos detivessem consigo no interior da residência comum.

15. Os arguidos sabiam que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal, podiam determinar-se em sentido contrário de acordo com essa avaliação que efetivamente fizeram e, ainda assim, não se abstiveram de as praticar.

[Mais se provou]

16. Os arguidos abandonaram o local porque um transeunte que passava na rua, tocou à campainha, assustando-os.

17. O filho dos ofendidos de 10 anos de idade estava a dormir no piso de cima da habitação, acordou com o barulho provocado pelos arguidos e, dando conta do que se estava a passar, sem se dar a conhecer aos arguidos foi à varanda do quarto dos pais chamar por ajuda, despoletando a reação do transeunte descrita em 16.

18. Os arguidos iam munidos de boné na cabeça e máscara cirúrgica a tapar a face, tendo o arguido BB deixado cair o boné aquando da fuga.

19. Na mesma circunstância de tempo e lugar a que se alude nos pontos 6 a 9, sempre que DD olhava na direção de BB este apontava-lhe a arma que transportava e proferia a expressão “Não olhes para mim!”.

20. Por causa das pancadas na cabeça que BB desferiu em CC este sofreu múltiplas escoriações e hematomas na face e cabeça, não tendo recorrido a tratamento hospitalar ou por profissional de saúde.

[Factos atinentes ao relatório social]

Arguido BB

21. O arguido nasceu no Brasil em ..., fruto de uma relação ocasional dos pais que nunca coabitaram.

22. Iniciou consumos de estupefaciente e álcool aos 19 anos de idade, ainda no seu país de origem, nunca tendo solicitado apoio especializado para o tratamento da dependência das drogas e do álcool.

23. Foi criado pela mãe e pelo padrasto, tendo dois irmãos com 32 e 24 anos de idade.

24. O pai do arguido faleceu quando este tinha cerca de 8 anos de idade e o padrasto faleceu cerca de 9 anos depois.

25. Beneficiou de afetos e estabilidade económica no agregado de origem.

26. Integrou o ensino em idade regular, completando o 9.º ano de escolaridade no seu país de origem.

27. Iniciou o percurso laboral com 13 anos de idade, numa oficina de motorizadas, propriedade do padrinho, passando a estudar em período noturno.

28. Após o termo da frequência escolar passou a trabalhar na área da pintura de automóveis, primeiro como aprendiz e posteriormente como pintor.

29. Ainda no Brasil, o arguido manteve dois relacionamentos, quando tinha 17 anos de idade, dos quais resultaram o nacimento de dois filhos, ambos atualmente com 10 anos de idade, que residem com as respetivas mães.

30. Aos 21 anos de idade deslocou-se para Portugal onde ficou até aos dias de hoje, tendo trabalhado em várias oficinas na área da pintura automóvel.

31. Inicialmente residiu em casa do irmão e posteriormente passou a partilhar apartamento com amigos.

32. Nunca requereu a regularização da sua situação de permanência em Portugal.

33. Encontra-se em cumprimento de pena no estabelecimento prisional de ..., onde mantém contactos telefónicos com a mãe e com o irmão.

34. O irmão visitou-o, regularmente, no estabelecimento prisional em que esteve anteriormente, e no Estabelecimento prisional, supra referido, visita-o, de forma mais esporádica, prestando-lhe o auxílio económico para satisfação de algumas das necessidades em meio prisional.

35. A família revela-se disponível a apoiar o seu processo de reinserção social, no Brasil.

36. No estabelecimento prisional precedente registou três infrações disciplinares, relacionadas com o envolvimento em conflitos com outros reclusos.

37. No estabelecimento prisional atual não regista quaisquer infrações, sem prejuízo o arguido é sempre transportado a tribunal com medida de segurança de escolta, pelo Grupo de Intervenção e Segurança Prisional (GISP).

Arguido AA

38. O arguido nasceu no Brasil em ..., sendo filho único de uma relação ocasional dos pais.

39. Viveu no agregado da avó materna, onde se incluía a mãe até iniciar novo relacionamento, com bom envolvimento afetivo.

40. Do novo relacionamento da mãe tem uma irmã uterina com 21 anos de idade.

41. Só conheceu o pai e foi perfilhado pelo mesmo aos 17 anos de idade.

42. Altura em que conheceu os dois irmãos consanguíneos com 31 e 29 anos de idade.

43. Integrou o ensino escolar em idade regular e concluiu no Brasil o 6.º ano de escolaridade, aos 15 anos de idade.

44. Após iniciou o percurso laboral como ajudante de mecânico automóvel.

45. Quando atingiu a maioridade deslocou-se para Portugal com um irmão do padrasto, passando a trabalhar numa estação de lavagem de viaturas.

46. Posteriormente, passou a exercer funções nas áreas da restauração e da pintura da construção civil, embora sem vínculo laboral.

47. Residiu, na maioria do tempo em apartamentos arrendados próximos dos locais onde trabalhava, juntamente com concidadãos brasileiros.

48. Nunca teve a sua situação de permanência em Portugal regularizada.

49. À data dos factos, residia temporariamente em ..., em casa arrendada, em morada que não recorda.

50. Encontrava-se desempregado, apesar de executar trabalhos nas áreas da jardinagem e da construção civil, sem registo de atividade.

51. Em 2020, na sequência da dissolução de uma relação marital estabelecida durante cerca de 2 anos com a companheira, retomou os consumos de cocaína e de álcool.

52. Em termos sociais mantinha relações superficiais com indivíduos com quem partilhava consumos de álcool e estupefacientes.

53. Iniciou os consumos aos 17 anos de idade, ainda quando residia no seu país de origem.

54. Atualmente não consome e tem para o efeito tomado medicação ansiolítica.

[Antecedentes criminais]

BB

55. O arguido BB foi condenado por sentença proferida no dia 19 de dezembro de 2019, transitada em julgado no dia 31 de janeiro de 2020, pela prática no dia 21 de março de 2018 de um crime de condução de veículo em estado de embriaguez, um crime de condução sem habilitação legal, um crime de injúria e um crime de resistência e coação sobre funcionário nas penas parcelares de 60 dias de multa, 80 dias de multa, 50 dias de multa e 3 meses de prisão suspensa na sua execução, tendo sido aplicada em cúmulo jurídico das penas não privativas da liberdade, uma pena única de 150 dias de multa.

56. Por acórdão proferido no dia 17 de abril de 2023 no processo 1131/21.9..., transitado em julgado no dia 17 de maio de 2023, foi o arguido BB condenado pela prática no dia 22 de dezembro de 2022 de um crime de roubo qualificado na pena de 09 anos de prisão.

Arguido AA

57. Por acórdão proferido no dia 10 de maio de 2017, transitado em julgado no dia 09 de junho de 2017, o arguido foi condenado pela prática no dia 06 de maio de 2016 de 2 crimes de roubo na pena única de 4 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, por igual período, revogada por despacho de 30 de setembro de 2019.

58. Por sentença proferida no dia 17 de janeiro 2018, transitada em julgado no dia 26 de setembro de 2018, foi o arguido condenado pela prática no dia 28 de junho de 2016, de 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 180 dias de multa, à taxa diária de 6,00€.

59. Por sentença proferida no dia 08 de fevereiro de 2019, transitada em julgado no dia 08 de fevereiro 2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 14 de maio de 2018, de 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, extinta por despacho de 01/09/2023 na sequência do perdão concedido pela Lei 32-A/2023 de 2 de Agosto.

60. Por sentença proferida no dia 08 de fevereiro de 2019, transitada em julgado no dia 08 de fevereiro de 2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 14 de maio de 2018 de 1 crime de condução sem habilitação legal, na pena de 200 dias de multa, à taxa diária de 6,00 €, extinta por despacho de 01/09/2023 na sequência do perdão concedido pela Lei 32-A/2023 de 2 de agosto.

61. Por sentença proferida no dia 23 de outubro de 2019, transitada em julgado no dia 23 de novembro de 2019, o arguido foi condenado pela prática no dia 14 de abril de 2019 de 1 crime de condução sem habilitação legal e 1 crime de condução de veículo em estado de embriaguez, na pena única de 6 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos (esta extinta a 23/11/2021), e na pena acessória de conduzir veículos automóveis pelo período de 3 meses (esta extinta a 23/02/2020).

62. Por acórdão proferido no dia 08de novembro de 2017, transitado em julgado no dia 09 de dezembro de 2022, o arguido foi condenado pela prática no dia 12 de setembro de 2021 de 1 crime de roubo e no crime de deteção de arma proibida na pena única de 8 anos de prisão.

63. Por acórdão proferido no dia 21 de março de 2023, transitado em julgado no dia 20 de abril de 2023, o arguido foi condenado pela prática no dia 20 de outubro de 2020, de 2 crimes de roubo qualificado, 2 crimes de detenção de arma proibida, 1 crime de homicídio na forma tentada e 3 crimes de roubo qualificado na pena única de 15 anos de prisão e na pena acessória de expulsão do território Português, pelo prazo de 10 anos.

64. Por acórdão proferido no dia 17 de abril de 2023 no processo 1131/21.9..., transitado em julgado no dia 17 de maio de 2023, foi o arguido BB condenado pela prática no dia 22 de dezembro de 2022 de um crime de roubo qualificado na pena única de 7 anos de prisão.

(…)”.

B) Factos não provados

Inexistem factos não provados.

C) Fundamentação quanto à qualificação dos factos provados:

“(…).

Dos crimes de roubo

O arguido encontra-se acusado da prática de dois crimes de roubo agravados nas pessoas de ambos os ofendidos.

Está em causa em qualquer uma das situações o tipo legal de crime ínsito no artigo 210.º n.º 1) e 2 alínea b) do Código Penal, por referência ao artigo 204.º n.º 1 alínea a) e n.º 2 alínea f), todos do Código Penal, que dispõem o seguinte:

1 – Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de um a oito anos.”

O n.º 2 alínea b) do mesmo preceito legal, dispõe que “A pena é a de prisão de 3 a 15 anos se se verificarem, singular ou cumulativamente, quaisquer requisitos referidos nos n.ºs 1 e 2 do artigo 204.º, sendo correspondentemente aplicável o disposto no n.º 4 do mesmo artigo.

O artigo 204.º n.º 1 alínea f), qualifica a conduta quando o agente se introduza ilegitimamente em habitação (…) ou espaço fechado e aí permaneça com intenção de praticar o crime.

Por fim, o artigo 204.º n.º 2 alínea f) do Código penal, refere-se a “Quem furtar coisa móvel alheia, trazendo no momento do crime, arma aparente ou oculta”.

Os bens jurídicos tutelados pela norma incriminadora são a propriedade em primeiro plano, mas também a vida, a integridade física e a liberdade de decisão e ação.

O crime de roubo é um crime de dano e de resultado.

Os elementos objetivos do tipo de crime são, por um lado, a subtração de coisa móvel alheia a terceiro e, por outro, o constrangimento dessa pessoa a entregar essa coisa, por meio de violência, ameaça de perigo iminente para a vida ou integridade física, inviabilizando a possibilidade de resistência por parte da vítima.

Paulo Pinto de Albuquerque, in Comentário do Código Penal, 2.ª Edição atualizada da Editora Universidade Católica, página 657, anotação 6 ao artigo 210.º, refere que “os meios de execução do crime devem ser adequados (“por meio de”) para causar o resultado do desapossamento da coisa.” Ou seja, ter-se-á de estabelecer o nexo causal entre o meio empregado e o desapossamento contrário à vontade do proprietário e, entre o meio empregado e a decisão do ofendido em não resistir ou de não contrariar o intuito criminoso do agente.

Neste caso em concreto, os arguidos agiram em conjugação de esforços, invadindo espaço habitacional fechado, pulando muro delimitador da propriedade e permanecendo em anexo junto à moradia principal, até que CC saiu de manhã pela porta de entrada da moradia principal, altura em que o abordaram com recurso a arma de fogo que apontaram, no decurso da ação a ambas as vítimas. BB foi mais longe e desferiu múltiplas pancadas na cabeça e face de CC com a empunhadura da arma que portava. As vítimas acreditaram que as armas eram reais e, por isso, com medo de morrer ou de ficarem gravemente feridas, não resistiram, permitindo que os arguidos subtraíssem o dinheiro que encontraram, no caso concreto no bolso das calças de CC. Conhecendo a divergência jurisprudencial quanto à interpretação a dar ao conceito de “arma aparente”, reproduzimos a fundamentação plasmada no acórdão de primeira instância que correu termos no J4 deste Juízo Central Criminal de Setúbal, processo 960/21.8GDSTB, que o ora relator integrou como juiz adjunto e em que foram julgados e condenados estes mesmos dois arguidos por factos similares e com semelhante modo de atuar:

Não obstante, não se olvidar a discussão jurídica com que a jurisprudência dos Tribunais Superiores se tem debatido, não sendo a mesma consensual, sufragamos aquela que vem entendendo que a qualificativa se preenche quanto à interpretação do conceito de arma aparente, e significado do vocábulo aparente, como aquela arma que, ainda, que seja simulada, fictícia ou de simples alarme, seja apta a causar ou causa medo às vítimas, pois que a percepcionem como de uma verdadeira arma de fogo se tratasse.

No caso, não foi apreendida qualquer arma de fogo e, portanto, não foi possível concretizar o tipo de arma utilizada.

Todavia, ficou apurado que os ofendidos recearam pela sua integridade física e vida, desde logo, pela utilização do objecto com a aparência arma de fogo e que a mesma foi adequada e apta a causar o referido receio e constrangimento, o que sempre aconteceria, por referência ao homem médio.

A este respeito vide acórdãos do Tribunal da Relação de Évora de 05/06/2012, de 17/09/2013 (consultados em texto integral in www.dgsi.pt) e acórdão do mesmo Tribunal da Relação de 23/03/2021, este último consultado no site ECLI -jurisprudência Portuguesa -jurisprudência.csm.org.pt.

Este último acórdão refere, a este propósito, posição que perfilhamos na íntegra, que “Se o agressor trouxer consigo um instrumento (arma de alarme tipo pistola em tudo idêntica à arma de fogo Glock 19 utilizada pelas forças e serviços de segurança e forças armadas) no momento do roubo ameaçando utilizá-lo como arma contra a vítima, conquanto esta se sinta impossibilitada de, perante a ameaça, reagir contra o ataque aos bens que se encontrem na sua disponibilidade, a qualificativa da alínea b), do n.º 2 do artigo 210.º estará preenchida.

Sob este ponto de vista o instrumento utilizado pelo agressor não carece, assim, de tratar-se de uma arma suscetível de realizar disparos com projéteis.

(…) Para além deste argumento utilizado para interpretar o artigo 210.º, n.ºs 1 e 2, alíneas a) e b) do CP, a essa conclusão também se chega se na análise do artigo 204.º, n.º 2 alínea f) do CP atentarmos ao verdadeiro significado das palavras “arma aparente e oculta”, vocábulos já utilizados no artigo 426.º, n.º 1 do CP de 1886 e no artigo 297.º, n.º 2, alínea g) do CP de 1982.

A expressão “aparente” significa não só “evidente, manifesto, visível” como o que “parece real ou verdadeiro, mas não o é”, o que é “falso, fictício, fingido” o contrário de “real, verdadeiro”.

Assim, tem-se, também, por preenchida a qualificativa da alínea f) do n.º 2 do citado art.º 204º, ex vi n.º 210º n.º 2 b) ambos do CP, imputada aos arguidos.”

Está assim cabalmente preenchido, o elemento objetivo do tipo qualificado previsto na alínea f) do n.º 1 e alínea f) do n.º 2 do artigo 204.º, por referência ao artigo 210.º n.º 2 alínea b), todos do Código Penal. No que concerne ao elemento subjetivo, para a prática do crime de roubo é sempre necessário o dolo nos termos do artigo 13.º do Código Penal, independentemente das suas modalidades previstas no artigo 14.º do referido código. Provou-se que os arguidos agiram com intenção de se apropriar do dinheiro que encontrassem conscientes do carácter proibido da sua conduta, pelo que se encontra preenchido o elemento subjetivo do tipo de crime na modalidade de dolo direto.

Inexistem causas de exclusão da culpa e da ilicitude, pelo que os arguidos praticaram efetivamente o crime que lhe foi imputado.

Importa agora aferir quantos crimes de roubo praticaram os arguidos, sendo certo que estão imputados dois, sendo um por cada uma das vítimas sobre as quais foi exercida violência. Dispõe o artigo 30.º n.º 1 do Código Penal que o número de crimes se determina, pelo número de tipos de crime efetivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime for preenchido pela conduta do agente.

O crime de roubo é um crime complexo que abarca uma multiplicidade de bens jurídicos para além do património, cuja violação é o fim especialmente visado pelo agente perpetrador que pretende a subtração de coisa móvel alheia. Para alcançar o objetivo, o agente pratica condutas subsumíveis noutros tipos de crime com vista a “constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel alheia, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir”, podendo aqui violar bens jurídicos eminentemente pessoais como a vida, a integridade física, a liberdade de ação e autodeterminação.

Nos presentes autos os arguidos usaram de grande violência física e psíquica, pois que o ofendido CC foi múltiplas vezes agredido na cabeça e os arguidos irromperam para o interior da residência do casal munidos de armas que apontaram a ambos os ofendidos. DD sempre que falava via a arma que estava a ser empunhada por BB ser apontada na sua direção, para além de que foram ambos os ofendidos manietados com abraçadeiras e sofreram ambos a angústia de terem o filho menor de 10 anos a dormir no piso de cima, com a incerteza sobre o que a partir dali iria ou poderia vir a acontecer. O património visado foi uno do agregado familiar, pertencente a ambos os ofendidos relativo ao dinheiro que tivessem em casa ou consigo, pelo que o facto de terem tirado notas do Banco Central Europeu do bolso das calças de CC não invalida que o dinheiro integrasse o património e a residência comum, tal como se provou.

Dúvidas não poderão restar de que foram violados de forma grave bens eminentemente pessoais e patrimoniais de ambos os ofendidos que sairiam parcialmente impunes se se concluísse pela prática de um único crime.

Apenas se o património visado ou lesado não fosse de algum dos ofendidos titulares dos bens jurídicos pessoais violados, não estaríamos perante um concurso real efetivo entre vários crimes de roubo, mas sim numa relação de concurso real e efetivo entre o crime de roubo e os crimes subsumíveis nas condutas praticadas contra os bens jurídicos pessoais de quem não foi lesado no património, seja ofensa à integridade física, ameaça, coação, sequestro, etc. Veja-se a título de exemplo a seguinte jurisprudência que seguimos:

a) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 09 de março de 2017, processo 14392/15.3T8LRS.L1.S1, Conselheiro Manuel Augusto de Matos, consultável in ECLI – jurisprudência portuguesa: jurisprudência.csm.org.pt, em que se sumaria, além do mais o seguinte:

IX - A vertente do bem pessoal atingido pela prática do crime de roubo, tem levado a doutrina e a jurisprudência, sem divergências conhecidas, a considerar que o agente comete tantos crimes de roubo quanto as pessoas ofendidas. Porém, se o agente assaltar duas pessoas, mas só se apropriar de bens de uma, só comete um crime de roubo, pois apenas na pessoa que foi desapropriada se reúne a violação conjunta dos bens jurídicos pessoal e patrimonial. Quanto ao outro assaltado, poderá ocorrer a prática de outro crime, por exemplo, o de ofensa à integridade física, que poderá ser punido em concurso com o roubo.”

b) Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, datado de 02 de maio de 2007, processo 07P1024, Conselheiro Armindo Monteiro, consultável in www.dgsi.pt, sumariando-se além do mais o seguinte:

“IV - É precisamente o relevo que o elemento pessoal ganha na previsão e punição do crime de roubo, quando comparativamente com o aspecto patrimonial, que tem sido repetidamente afirmado para, sendo diversas as vítimas, se excluir a figuração do crime continuado, sendo peremptório este STJ em afirmar o concurso real, ou seja, tantos crimes quantas as pessoas das vítimas.

c) Acórdão da Relação de Évora datado de 09 de setembro de 2014, processo 1718/08.5PBSTB – Desembargador António Latas, consultável in ECLI – jurisprudência portuguesa: jurisprudência.csm.org.pt, em que se sumaria, além do mais o seguinte:

I - Só quando se reúnam na mesma pessoa as qualidades de titular dos direitos patrimoniais e pessoais atingidos pela conduta do agente, pode considerar-se que a pluralidade de ofendidos implica o concurso efectivo de crimes, uma vez que a punição pelo crime autónomo de roubo depende e assenta na dupla vertente patrimonial e pessoal.

II – Assim, se o arguido apenas visou apropriar-se de um único bem ou de bens de um único património, mesmo que tenham sido várias as pessoas atingidas na sua pessoa como meio para atingir o fim de ilegítima apropriação patrimonial, não se verifica concurso efectivo de crimes de roubo, se apenas uma das pessoas, ou nenhuma delas, é dono ou titular de direito patrimonial relevante sobre a coisa.

III - Verifica-se, antes, uma relação de concurso efectivo entre o crime de roubo - cujo preenchimento típico se basta com a violência sobre uma pessoa desde que aquela constitua meio de atingir o crime fim - e o crime, ou crimes, contra a integridade física ou contra a liberdade, sofrido pelas demais pessoas atingidas.

A posição aqui plasmada após cuidada discussão e ponderação, que de ora avante se adotará, traduz alteração em face ao anteriormente defendido pelo ora relator no processo 327/20.5... deste Juiz 1 do Juízo Central Criminal de ..., o que se consigna.

Termos em que os arguidos serão condenados pela prática de dois crimes de roubo qualificado previstos e punidos pelos artigos 210.º n.º 1 e n.º 2 alínea b), por referência ao artigo 204.º n.º 1 alínea f) e n.º 2 alínea f), todos do Código Penal.

(…)”.

D) Fundamentação quanto à determinação da medida da pena

“(…).

Os arguidos serão condenados pela prática em coautoria material e na forma consumada de dois crimes de roubo agravado cuja moldura penal nos termos do artigo 210.º n.º 2 do Código Penal se situa entre os 3 e os 15 anos de prisão.

Não estando prevista a condenação em pena de multa não há que fazer a ponderação entre pena privativa e não privativa da liberdade prevista no artigo 70.º do Código Penal.

O artigo 71.º n.º 1 do Código Penal, dispõe que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção. Em caso algum a medida da pena poderá ultrapassar a medida da culpa – artigo 40.º n.º 2 do Código Penal.

Importa ter em consideração as exigências de prevenção geral e especial.

Na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção na sociedade, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas, servindo assim a pena para aprofundar a consciência dos valores jurídicos por parte dos cidadãos – prevenção geral positiva.

Na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade, podendo variar nesta medida, quer a escolha da pena, quer a execução da mesma, conforme as especificidades de cada condenado.

Dispõe o artigo 71.º n.º 2 do Código Penal que na determinação concreta da pena, o tribunal atende a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente ou contra ele, considerando nomeadamente:

a) O grau de ilicitude do facto, o modo de execução deste e a gravidade das suas consequências, bem como o grau de violação dos deveres impostos ao agente.

b) A intensidade do dolo ou da negligência.

c) Os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram.

d) As condições pessoais do agente e a sua situação económica.

e) A conduta anterior ao facto e a posterior a este, especialmente quando esta seja destinada a reparar as consequências do crime

f) A falta de preparação para manter uma conduta lícita, manifestada no facto, quando essa falta deva ser censurada através da aplicação da pena.

No caso em apreço, as necessidades de prevenção geral são muito altas, atendendo ao número elevado de verificação de crimes desta natureza e tendo em conta o bem jurídico tutelado pela incriminação. Protege-se, para além do património, a vida, a integridade física, a liberdade de decisão e ação e, em última análise, a segurança da vida em sociedade. A prática constante de crimes desta natureza, o que se verifica com especial incidência nesta comarca, gera na comunidade sensação de grande insegurança, que reclama uma reação firme por parte do sistema judicial no sentido de inverter esta muito nociva tendência.

Quanto à prevenção especial à data de hoje, entende-se que as necessidades de prevenção são muito elevadas. Os arguidos têm antecedentes pela prática de crimes da mesma natureza, um deles praticado igualmente em conjunto, tendo agido com grande violência e desprezo pelas vítimas. Acresce que não demonstraram qualquer arrependimento ou um mínimo de interiorização do desvalor da conduta.

O grau de ilicitude das condutas foi muito elevado, pelo grau de violência física e psíquica utilizado, especialmente a violência física usada contra o corpo de CC e psíquica pelo facto de terem recorrido à atemorização pela exibição de armas.

A intensidade do dolo foi muito elevada porque baseada em culpa grave.

Os sentimentos manifestados no cometimento do crime, não abonam a favor dos arguidos. Os arguidos exerceram o direito ao silêncio não nos revelando com profundidade a motivação da conduta que terá sempre um cariz de satisfação económica.

A conduta anterior é desfavorável, quanto a ambos os arguidos, pois que têm antecedentes pela prática de crimes violentos, sendo que o arguido AA à data da prática dos factos já tinha praticado outros similares pelos quais viria a ser condenado pelo mesmo tipo de crime na pena de 8 anos de prisão.

A conduta posterior é muito desfavorável quanto a ambos os arguidos, pois que praticaram factos em conjunto e da mesma natureza que, apesar de posteriores já lhes valeram condenação transitada em julgado nas penas de 9 anos de prisão para BB e 7 anos de prisão para AA.

Os arguidos têm ambos uma frágil inserção profissional e familiar.

Não demonstraram qualquer arrependimento ou interiorização do desvalor da conduta não evidenciando qualquer característica que possa positivamente ser reveladora de uma boa preparação para manterem no futuro uma conduta conforme ao direito. Não é despiciendo verificar a singularidade das apertadas medidas de segurança utilizadas pelo GISP no transporte com escolta do arguido BB e que refletem a avaliação deste corpo de segurança da guarda prisional quanto à perigosidade do arguido.

Neste contexto, sendo de distinguir em sede de grau de ilicitude a violência exercida sobre CC quando comparada com a exercida sobre DD, afigura-se que a pena a aplicar ao crime de roubo praticado contra CC deverá situar-se acima do ponto médio da moldura penal, podendo a pena a aplicar pelo crime de roubo praticado contra DD ficar próximo, mas ainda abaixo desse ponto. No que concerne à distinção das condutas praticadas pelos arguidos, importa referir o seguinte. O arguido BB foi sempre mais violento, mas certo é que ambos agiram em conjunto, não tendo AA manifestado de alguma forma surpresa ou descontentamento com tal grau de violência utilizado, pelo que agindo em comunhão de esforços não deverá ser beneficiado em sede de pena. Por outro lado, se AA foi menos violento por um lado, por outro apresenta certificado de registo criminal mais gravoso com condenação em pena de prisão elevada pela prática de factos similares em momento anterior. Assim, compensando a diferença nos antecedentes criminais com a diferença no grau de violência efetivamente exercido, deverão os arguidos ser condenados em pena equivalente por cada um dos crimes.

Termos em que se afigura proporcional à gravidade dos factos e adequadas à personalidade dos arguidos a condenação pela prática do crime de roubo contra CC na pena de 10 (dez) anos de prisão e pela prática do crime de roubo contra DD na pena de 8 (oito) anos de prisão.

*

V – CÚMULO JURÍDICO

Os arguidos serão condenados pela prática de dois crimes de roubo agravado, previsto e punido pelo artigo 210.º n.º 1 e 2 do Código Penal.

O artigo 77.º n.º 1 do Código Penal, dispõe que quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena, sendo de considerar em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

O n.º 2 do referido normativo estabelece que a pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão. Já como limite mínimo, impõe a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

Temos assim uma moldura penal que se situa no seu limite máximo em 18 anos de prisão e o seu limite mínimo em 10 (dez) anos de prisão.

Conforme supra se referiu, pouco ou nada abona aos arguidos, sendo frágil o contexto familiar e inserção profissional de ambos. BB recebe em meio prisional visitas de um irmão e AA recebe chamadas da mãe e da ex-companheira. Ambos registam infrações disciplinares em meio prisional não evidenciando até à data qualquer arrependimento ou interiorização do desvalor da conduta, pelo que não deverão ser condenados em pena inferior ao ponto médio da moldura.

Será uma pena suficientemente longa para transmitir à sociedade uma resposta forte por parte do sistema de justiça, sem defraudar as necessidades de prevenção geral e sem exceder a culpa muito elevada de cada um dos arguidos. Ainda que não se vislumbrem por ora quaisquer evidencias de interiorização do desvalor da conduta, será tempo mais do que suficiente para os arguidos interiorizarem tal desvalor sem impedir na totalidade uma eventual futura e por ora incerta reintegração na sociedade, que é o fim último de toda a pena – artigo 40.º n.º 1 do Código Penal – razão pela qual não serão condenados em medida superior ao ponto médio da moldura.

Termos em que se afigura adequada à personalidade criminógena dos arguidos e proporcional à gravidade dos factos a aplicação de uma pena unitária em cúmulo jurídico de 14 (catorze) anos de prisão.

(…)”.

*

*

*

Âmbito do recurso

Dispõe o art. 412º, nº 1 do C. Processo Penal que, a motivação enuncia especificamente os fundamentos do recurso e termina pela formulação de conclusões, deduzidas por artigos, em que o recorrente resume as razões do pedido.

As conclusões constituem, pois, o limite do objecto do recurso, delas se devendo extrair as questões a decidir em cada caso.

Consistindo as conclusões num resumo do pedido, portanto, numa síntese dos fundamentos do recurso levados ao corpo da motivação, entre aquelas [conclusões] e estes [fundamentos] deve existir congruência.

Deste modo, as questões que integram o corpo da motivação só podem ser conhecidas pelo tribunal ad quem se também se encontrarem sumariadas nas respectivas conclusões. Quando tal não acontece deve entender-se que o recorrente restringiu tacitamente o objecto do recurso.

Por outro lado, também não deve ser conhecida questão referida nas conclusões, que não tenha sido tratada no corpo da motivação (Germano Marques da Silva, Direito Processual Penal Português, Vol. 3, 2020, Universidade Católica Editora, pág. 335 e seguintes).

Assim, atentas as conclusões formuladas pelos recorrentes nos respectivos recursos, as questões a decidir, sem prejuízo das de conhecimento oficioso, são, por ordem de precedência lógica:

A) Questão comum a ambos os recursos

- A incorrecta qualificação jurídico-penal dos factos;

B) Questão privativa do recurso do arguido AA

- A incorrecta determinação da medida concreta das penas.

*

*
*

A) Da incorrecta qualificação jurídico-penal dos factos

1. Alegam os recorrentes – conclusões B a G do recurso do arguido BB e conclusões A a F do recurso do arguido AA – não se perceber como chegou o tribunal a quo à conclusão de que o dinheiro apropriado pertencia a ambos os ofendidos, pois a questão não foi abordada na audiência de julgamento, não resultou provada por qualquer forma nem se mostra fundamentada na decisão em crise, não existindo, por outro lado, qualquer razão para presumir que o bem apropriado fosse compropriedade dos ofendidos, que existindo um único bem jurídico atingido, praticado no mesmo acto e sob a mesma solicitação, não podem os co-arguidos ser condenados pela prática de dois roubos, pois existindo uma única resolução criminosa, a condenação do agente por tantos roubos quantos os ofendidos em bens pessoais para se atingir o fim patrimonial esbarra na duplicação da condenação na vertente patrimonial, tendo o tribunal a quo errado na condenação, em concurso efectivo, por dois crimes de roubo.

Qualificar jurídico-penalmente um facto é subsumir um determinado acontecimento na descrição abstracta de uma preposição penal, isto é, verificar se aquele comportamento concreto daquele agente, corresponde ou não, ao comportamento abstractamente descrito numa dada lei penal, como constituindo um crime (Frederico Isasca, Alteração Substancial dos Factos e sua Relevância no Processo Penal Português, 2ª Edição, 1995, Almedina, pág. 100).

Podemos, assim, dizer, que a qualificação jurídica tem por objecto os factos que integram o pedaço de vida, delimitado no espaço e no tempo, imputado ao agente, portanto, o objecto do processo. Como é evidente, quando é questionada a qualificação jurídico-penal feita num determinado processo, ela pode abranger a totalidade do seu objecto, como pode abranger apenas parte dele.

In casu, ambos os arguidos questionam que a sua provada conduta possa ser qualificada como prática, em co-autoria e concurso efectivo, de dois crimes de roubo, por entenderem que a factualidade provada apenas consente a qualificação de prática em co-autoria de um crime de roubo.

Vejamos, então.

1.1. Integrado no Livro II Parte Especial, Título II Dos Crimes Contra o Património, Capítulo II Dos Crimes Contra a Propriedade, e tipificando o crime de roubo, dispõe o art. 210º do C. Penal, na parte em que agora releva:

1 – Quem, com ilegítima intenção de apropriação para si ou para outra pessoa, subtrair, ou constranger a que lhe seja entregue, coisa móvel ou animal alheios, por meio de violência contra uma pessoa, de ameaça com perigo iminente para a vida ou para a integridade física, ou pondo-a na impossibilidade de resistir, é punido com pena de prisão de 1 a 8 anos.

(…).

O roubo é um crime complexo – trata-se de um concurso efectivo unificado pela lei (Cristina Líbano Monteiro, Roubo e sequestro em concurso efectivo?, Revista Portuguesa de Ciência Criminal, Ano 15, Nº 3, 2005, pág. 494) – composto por um furtocrime fim – e como meio para o atingir, pela violência contra uma pessoa – seja a que detém a coisa, seja a que opõe resistência ao agente –, violência que pode configurar um atentado à liberdade de decisão e acção e mesmo à liberdade de movimentos, à integridade física, e em casos mais extremos, à própria vida, susceptível de configurar, tipicamente, crimes de ameaça, coacção, sequestro, ofensa à integridade física [nas suas diversas modalidades] e homicídio por negligênciacrimes meio (Conceição Ferreira da Cunha, Comentário Conimbricense do Código Penal, obra colectiva, Parte Especial, Tomo II, 1999, Coimbra Editora, pág. 160 e seguintes, José Damião da Cunha, Direito Penal patrimonial, 1ª Edição, 2017, Universidade Católica Editora Porto, pág. 144 e seguintes, e Paulo Pinto de Albuquerque, Comentário do Código Penal, 3ª edição actualizada, 2015, Universidade Católica Editora, pág. 825).

Tutela esta incriminação, em sintonia com a sua estrutura complexa, um bem jurídico patrimonial, a propriedade, entendida em sentido amplo, abarcando, portanto, a detenção da coisa, e bens jurídicos pessoais, como a liberdade de acção e decisão e de movimentos, a integridade física e, mesmo, a vida.

Trata-se de um crime comum, de dano, de resultado e de execução vinculada, que tem como elementos constitutivos do respectivo tipo:

[Tipo de ilícito objectivo]

- A acção típica, i.e., a subtracção – a passagem da coisa do domínio do detentor, contra a sua vontade, para a esfera do agente – ou o constrangimento à entrega de coisa móvel ou animal alheios, mediante um processo vinculado, por meio de violência, ameaça ou colocação da vítima na impossibilidade de resistir;

[Tipo de ilícito subjectivo]

- O dolo, o conhecimento e a vontade de praticar o facto, acrescido de um elemento subjectivo específico, a ilegítima intenção de apropriação;

[Tipo de culpa]

- A realização do facto típico com culpa dolosa enquanto atitude contrária ou indiferente à violação do bem jurídico, pressuposta a consciência da ilicitude da conduta.

Conforme já dito, colocam os arguidos a questão de a sua provada conduta não poder consubstanciar a prática, em concurso efectivo, de dois crimes de roubo, mas apenas de um, tendo por ofendido, CC portanto, e dito de outro modo, por os factos provados não permitirem considerar verificado um crime de roubo tendo por ofendida, DD.

1.2. No concurso de crimes podemos distinguir entre o concurso legal, aparente ou impuro e o concurso efectivo, verdadeiro ou puro. No primeiro, está apenas em causa um concurso de normas, isto é, a conduta do agente preenche, formalmente, vários tipos de crime que, mas a relação existente entre as normas que os preveem, determina que a aplicação de uma afaste a aplicação das outras (seja por relação de especialidade, de consumpção ou de subsidiariedade).

No concurso efectivo, verdadeiro ou puro, que é o que releva para a questão em apreço, as distintas normas abstractamente preenchidas pela conduta do agente e, por isso, aplicáveis, concorrem, paralelamente, na aplicação ao caso concreto. Aqui, podemos distinguir entre concurso ideal, quando através de uma só conduta são preenchidos diversos tipos (concurso ideal heterogéneo), ou se preenche várias vezes o mesmo tipo (concurso ideal homogéneo), e concurso real, quando através de uma pluralidade de condutas é preenchida uma pluralidade de tipos ou várias vezes o mesmo tipo.

Estabelece o nº 1 do art. 30º do C. Penal que, o número de crimes determina-se pelo número de tipos de crime efectivamente cometidos, ou pelo número de vezes que o mesmo tipo de crime foi preenchido pela conduta do agente. Assim, quando o agente, com a sua conduta, preenche mais do que um tipo de crime, ou preenche o mesmo tipo de crime várias vezes, estamos perante um concurso de crimes, resultando evidente que a norma transcrita disciplina o concurso efectivo de crimes, equiparando o concurso ideal ao concurso real.

Pois bem.

Convocando a factualidade provada, temos que os arguidos, tendo firmado o propósito de se apoderarem de todo o dinheiro que existisse na residência de CC e de DD, situada na Rua das ..., em ..., pelas 7h50 do dia 9 de Novembro de 2021, aí se dirigiram, escondendo-se num anexo, aguardando a oportunidade mais propícia para actuarem [pontos 1 a 3 dos factos provados].

Quando CC saiu da residência, os arguidos aproximaram-se dele, cada um apontou-lhe um objecto aparentando ser uma arma de fogo curta, e obrigaram-no a entrar na residência, o que fez, enquanto o arguido BB lhe desferia várias pancadas na cabeça com o objecto que empunhava [pontos 4 e 5 dos factos provados].

No interior da habitação, onde também se encontrava DD, depois de o arguido BB ter manietado com as mãos atrás das costas, com uma abraçadeira, CC, e de o arguido AA ter manietado com as mãos atrás das costas, com uma abraçadeira, DD, os dois arguidos, em voz alta e exaltada, perguntaram repetidamente aos ofendidos onde se encontrava o cofre e, tendo CC dito que não tinham cofre, o arguido BB, usando o objecto que empunhava, com ele desferiu várias pancadas na cabeça e face daquele, causando-lhe dores, após o que ambos os arguidos retiraram os quadros da parede, visando encontrar o cofre, o que não aconteceu [pontos 6 a 8 dos factos provados].

Depois, o arguido BB revistou CC, retirando-lhe do bolso das calças que envergava, um maço de notas do Banco Central Europeu, totalizando a quantia de € 4000, após o que, ambos os arguidos abandonaram a residência, levando consigo tal quantia e fazendo-a sua [pontos 9 e 10 dos factos provados].

Temos ainda provado que os arguidos sabiam que se introduziram na residência dos ofendidos sem autorização e contra a vontade destes, empunhando cada um objecto aparentando ser uma arma de fogo, causando aos ofendidos receio pela vida, sabiam que ao serem desferidas pancadas pelo arguido BB, com o referido objecto, na cabeça de CC, molestavam a sua integridade física e levaram-no a temer pela vida, sabiam que, ao manietarem os ofendidos, limitavam, contra a respectiva vontade, a sua liberdade de acção, tendo ambos os arguidos agido sempre de forma livre deliberada e consciente, em comunhão de esforços e intenções, na execução de plano previamente traçado, com o propósito alcançado de se apropriarem da quantia monetária que os ofendidos detivessem consigo na residência comum, bem sabendo também que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei [pontos 11 a 15 dos factos provados].

Dito isto.

A factualidade provada que consta do acórdão recorrido nos pontos 1 a 15, corresponde, com algumas alterações de pormenor, ao teor da acusação. Daí, a inexistência de factos não provados.

Sendo o roubo, como já dissemos, um crime contra a propriedade, onde a lesão dos bens patrimoniais é alcançada pelo agente, mediante a lesão de bens pessoais, é a partir da lesão daqueles e da sua relação com o ofendido ou os ofendidos, que se aferirá a verificação de um crime de roubo ou de uma pluralidade de crimes de roubo (acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 4 de Dezembro de 2008, processo nº 08P3275, in www.dgsi.pt).

Sucede que, consistindo o projecto criminoso dos arguidos em apoderarem-se do dinheiro que se encontrasse na residência dos ofendidos, na respectiva execução, exerceram violência sobre os membros do casal, como meio para se apropriarem da quantia de € 4000 que vieram a encontrar, através de revista efectuada pelo arguido BB, no bolso das calças que o ofendido envergava na ocasião.

Na acusação, para além desta circunstância, não é referida a titularidade do direito de propriedade da quantia de € 4000 designadamente, aí sendo atribuída a qualquer dos ofendidos, a ambos ou a terceira pessoa, o mesmo vindo a acontecer na matéria de facto provada do acórdão recorrido.

Com efeito, no acórdão em crise, o que consta como provado é a revista do ofendido e consequente detecção, pelos arguidos, da quantia monetária no bolso das calças daquele. Significa isto que no momento da apropriação, os € 4000 se encontravam sob o domínio, sob o poder de facto do ofendido, e apenas deste – e não, propriamente, na residência do casal, no sentido comum desta expressão. Portanto, não se mostra provado que a quantia apropriada pertencesse à ofendida ou também por esta fosse detida. Coisa diferente não resulta, aliás, do teor do ponto 14 dos factos provados do acórdão recorrido [no segmento, a quantia monetária que os ofendidos detivessem consigo no interior da residência comum] posto que, se refere ao dolo do agente, e, como vimos, objectivamente, a ofendida não era detentora da quantia apropriada.

Assim, não estando estabelecida a relação entre a ofendida e a quantia em causa – fosse como sua proprietária, fosse como sua detentora –, a circunstância de os arguidos, mediante a violência exercida, terem lesado os seus direitos pessoais, como meio para obterem o fim criminoso a que se propuseram – a apropriação do dinheiro – não permite que se considere preenchido um crime de roubo relativamente à ofendida DD, pois que, quanto a ela, falha o preenchimento típico da vertente patrimonial de tal crime. Como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 11 de Abril de 2002 (processo nº 02P237, in www.dgsi.pt), «Se a índole complexa do tipo legal roubo não exclui a tutela dos interesses pessoais que sejam lesados, a verdade é que essa mesma complexidade não legítima, por si, que se estruturem crimes de roubo por crimes radicados em tal lesão e à revelia do preenchimento típico da sua vertente patrimonial própria, afinal a que identifica a tonalidade típica do ilícito e o individualiza na sua textura e sendo que os ditos interesses pessoais, ainda que ofendidos no percurso conducente à lesão patrimonial e mesmo que afectando diversas pessoas, podem não ocasionar outras lesões patrimoniais para além daquela que o agente buscou. Por outras palavras: O mesmo tipo penal (in casu, o de roubo) não pode servir para gerar, a partir de si próprio, outros crimes absolutamente idênticos, quando, na envolvência de um mesmo condicionalismo, esteja definido o seu desígnio impulsionador, identificado o seu objecto, delimitada a sua específica finalidade e preenchidos, em função desse desígnio, desse objecto e dessa finalidade, os seus requisitos típicos.».

No mesmo sentido, pode ainda ver-se o acórdão deste Supremo Tribunal de 9 de Março de 2017 (processo nº 14392/15.3T8LRS.L1.S1, in www.dgsi.pt), em cujo sumário se lê, «A vertente do bem pessoal atingido pela prática do crime de roubo, tem levado a doutrina e a jurisprudência, sem divergências conhecidas, a considerar que o agente comete tantos crimes de roubo quanto as pessoas ofendidas. Porém, se o agente assaltar duas pessoas, mas só se apropriar de bens de uma, só comete um crime de roubo, pois apenas na pessoa que foi desapropriada se reúne a violação conjunta dos bens jurídicos pessoal e patrimonial. Quanto ao outro assaltado, poderá ocorrer a prática de outro crime, por exemplo, o de ofensa à integridade física, que poderá ser punido em concurso com o roubo.».

Pelas sobreditas razões, resta concluir que assiste razão aos recorrentes quanto, face aos factos provados, não poderem ser considerados co-autores de um crime de roubo tendo por ofendida, DD, impondo-se, por conseguinte, a sua absolvição relativamente a tal crime.

1.3. Acontece que, conforme já referido, na execução do plano entre ambos concebido, os arguidos, além do mais, lesaram direitos pessoais da ofendida.

Na verdade, e como se provou, na execução de tal plano, o arguido AA, com uma abraçadeira, manietou as mãos da ofendida atrás das costas, sabendo ambos os arguidos que, ao manietarem os ofendidos, limitavam, contra a respectiva vontade, a sua liberdade de movimentos, tendo ambos os arguidos agido sempre de forma livre deliberada e consciente, em comunhão de esforços e intenções, sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei.

Dispõe o art. 154º, nº 1 do C. Penal, prevendo o crime de coacção que, quem, por meio de violência ou de ameaça com mal importante, constranger outra pessoa a uma acção ou omissão, ou a suportar uma actividade, é punido com pena de prisão até três anos ou com pena de multa.

Trata-se de um crime comum, de dano, de resultado e de execução vinculada, que tutela o bem jurídico liberdade de decisão e de acção, e tem como elementos constitutivos do respectivo tipo:

[Tipo de ilícito objectivo]

- A acção típica, i.e., o constrangimento de outra pessoa a praticar uma acção, a omitir uma acção ou a suportar uma actividade, mediante o uso de violência ou ameaça de mal importante;

[Tipo de ilícito subjectivo]

- O dolo, o conhecimento e a vontade de praticar o facto;

[Tipo de culpa]

- A realização do facto típico com culpa dolosa enquanto atitude contrária ou indiferente à violação do bem jurídico, pressuposta a consciência da ilicitude da conduta.

Tendo-se provado, conforme já dito, que na execução do plano entre ambos os arguidos concebido, o arguido AA manietou, com uma abraçadeira, as mãos da ofendida atrás das costas, contra a vontade desta, demonstrada fica a utilização de violência contra a ofendida.

Por outro lado, estando igualmente provado que ambos os arguidos agiram de forma livre, deliberada e consciente, sabendo que, com tal procedimento, limitavam a liberdade de acção da ofendida, e que as suas condutas eram proibidas por lei, demonstrado fica o dolo de ambos.

Finalmente, sabendo os arguidos que as suas condutas eram proibidas por lei, presente se mostra a realização do facto com culpa dolosa.

Em conclusão, praticaram os arguidos, em co-autoria, um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154º, nº 1, do C. Penal, tendo por ofendida, DD.

Por último, cumprido que se mostra o procedimento previsto no art. 424º, nº 3 do C. Processo Penal, nada obsta à condenação dos arguidos pela prática deste crime.

2. Impõe-se agora fixar as consequências jurídicas da prática deste crime de coacção, relativamente a cada um dos arguidos.

O crime em causa é punível com pena de prisão até três anos ou com pena de multa, havendo pois, que proceder à escolha da pena.

O critério legal para esta tarefa encontra-se previsto no art. 70º do C. Penal, nos termos do qual, se ao crime forem aplicáveis, em alternativa, perna privativa e pena não privativa da liberdade, o tribunal dá preferência à segunda sempre que esta realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição.

Como se vê, a preferência da lei pela pena não privativa da liberdade pressupõe a aptidão desta para realizar de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Atentemos, pois, nestas finalidades.

Dispõe o art. 40º do C. Penal, com a epígrafe «Finalidades das penas e das medidas de segurança», no seu nº 1 que, a aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade. Estabelece, por sua vez, o seu nº 2 que, em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa.

A medida da culpa, exprimindo a responsabilidade individual do agente pelo facto, é, assim, o fundamento ético da pena.

Concordantemente, dispõe o art. 71º, nº 1 do C. Penal que, a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção.

Podemos, assim, dizer que prevenção geral – protecção dos bens jurídicos – e prevenção especial – reintegração do agente na sociedade – constituem as finalidades da pena, através delas se reflectindo a necessidade comunitária da punição do caso concreto.

Em conclusão, são finalidades exclusivamente preventivas – e não, também, finalidades de compensação da culpa – que justificam a preferência pela pena não privativa da liberdade, rectius, pela pena de multa (Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, Aequitas/Editorial Notícias, 1993, pág. 331).

2.1. As exigências de prevenção geral positiva referentes ao crime de coacção podem situar-se em nível médio/elevado, dada a relativa frequência com que o mesmo é praticado, não raras vezes associado à prática de crimes de roubo, sendo que a frequência da prática deste é elevada.

Por sua vez, são muito elevadas as exigências de prevenção especial de ambos os arguidos. Com efeito, o arguido BB não tem a situação de permanência em Portugal regularizada, na data dos factos exercia com relativa regularidade a actividade profissional de pintor de automóveis, tem consumos de estupefacientes e consumo excessivo de álcool, tem algum apoio familiar no estabelecimento prisional, onde sofreu três sanções disciplinares, regista um antecedente criminal, pela prática em Março de 2018, de crimes de condução de veículo sem habilitação legal, de condução de veículo em estado de embriaguez, de injúria e de resistência e coacção sobre funcionário, tendo sido condenado com trânsito em julgado em Janeiro de 2020, com pena de multa e pena de prisão suspensa na respectiva execução, e tem ainda uma condenação em pena de nove anos de prisão, transitada em julgado em Maio de 2023, pela prática em Dezembro de 2022 de um crime de roubo agravado. Por seu turno, o arguido AA também não tem a situação de permanência em Portugal regularizada, na data dos factos estava desempregado, tem consumos de cocaína e de álcool, regista como antecedente criminal, além do mais, uma condenação transitada em julgado em Junho de 2017, pela prática de dois crimes de roubo, na pena única de quatro anos e seis messes de prisão, suspensa na respectiva execução, vindo, posteriormente, a ser revogada a pena de substituição e tem ainda, uma condenação transitada em julgado em Dezembro de 2022, pela prática em Setembro de 2021 de um crime de roubo e de um crime de detenção de arma proibida, na pena única de oito anos de prisão, uma condenação transitada em julgado em Abril de 2023, pela prática em Outubro de 2020, de dois crimes de roubo agravado, de dois crimes de detenção de arma proibida, de um crime de homicídio na forma tentada e de três crimes de roubo agravado, na pena única de quinze anos de prisão e na pena acessória de expulsão, uma condenação transitada em julgado em Maio de 2023, pela prática em Dezembro de 2022 de um crime de roubo agravado, na pena de sete anos de prisão.

Em suma, as exigências de prevenção geral e, muito particularmente, as exigências de prevenção especial – sublinhadas pelos antecedentes criminais dos arguidos e, sobretudo, pelos traços de personalidades extremamente violentas e despojados de motivação para a assunção de condutas conforme ao direito, que ambos revelam possuir –, permitem seguramente concluir pela inadequação de pena não privativa da liberdade para sancionamento do crime de coacção impondo-se, consequentemente, a opção pela pena de prisão.

2.2. O critério legal de determinação da medida concreta da pena encontra-se previsto no art. 71º do C. Penal. Dispõe o seu nº 1 que a determinação dessa medida é feita, dentro dos limites definidos pela moldura penal abstracta aplicável, em função das exigências de prevenção e da culpa do agente, e dispõe o seu nº 2 que, para este efeito, devem ser atendidas todas as circunstâncias que, não sendo típicas, militem contra e a seu favor, designadamente, as enunciadas nas diversas alíneas deste mesmo número.

Podemos pois dizer, com Figueiredo Dias, que toda a pena que responda adequadamente às exigências preventivas e não exceda a medida da culpa é uma pena justa (Direito Penal, Parte Geral, Tomo I, 2ª Edição, 2ª Reimpressão, 2012, Coimbra Editora, pág. 84).

A medida concreta da pena resultará do grau de necessidade de tutela do bem jurídico (prevenção geral), mas sem ultrapassar a medida da culpa, intervindo a prevenção especial de socialização entre o ponto mais elevado da necessidade de tutela do bem e o ponto mais baixo onde ainda é comunitariamente suportável essa tutela (Maria João Antunes, Consequências Jurídicas do Crime, 1ª Edição, 2013, Coimbra Editora, pág. 43 e seguintes) ou, como se pode ler no acórdão deste Supremo Tribunal de 3 de Julho de 2014, proferido no processo nº 1081/11.7PAMGR.C1.S1 (in www.dgsi.pt), a defesa da ordem jurídico-penal, tal como é interiorizada pela consciência colectiva (prevenção geral positiva ou de integração), é a finalidade primeira, que se prossegue, no quadro da moldura penal abstracta, entre o mínimo, em concreto, imprescindível à estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada, e o máximo, que a culpa do agente consente; entre estes limites, satisfazem-se quando possível, as necessidades de prevenção especial positiva ou de socialização.

Não se trata, portanto, do exercício de um poder discricionário do juiz e da sua arte de julgar, mas do uso de um critério legal, sendo a pena concreta o resultado de um procedimento juridicamente vinculado.

Dito isto.

É elevado o grau de ilicitude do facto, pela intensidade da violência usada, não manifestada apenas no concreto acto de manietar da ofendida, mas também, em toda a envolvência do crime de roubo em que se incluiu, mas, face aos que resultou provado, não foram graves as consequências da coacção exercida.

Os arguidos agiram com dolo de elevada intensidade, revelador de robusta energia criminosa.

Apenas o arguido BB tem relativo apoio familiar.

Não abona os arguidos os antecedentes criminais que possuem, e as condenações com trânsito posterior à data da prática dos factos objecto dos autos revelam, conforme já referido, personalidades muito violentas, desconformes ao direito e de alguma forma, insensíveis aos valores tutelados pelas normas violadas e à ameaça das respectivas sanções.

Em suma, as exigências de prevenção requerem uma resposta firme, mas sempre, proporcional, do sistema de justiça, considerando-se necessária e adequada uma pena situada acima do ponto médio da moldura abstracta aplicável e abaixo dos três quartos da mesma, concretamente, a pena de dois anos de prisão, para cada um dos arguidos.

*

Da incorrecta determinação da medida concreta das penas [questão privativa do recurso do arguido AA]

3. Alega o recorrente AA – conclusões G a L – que o tribunal a quo não distinguiu, na determinação da medida concreta das penas, os diferentes graus de culpa dos arguidos, vindo, por tal razão, a aplicar-lhe penas demasiado severas e desproporcionais, uma vez que a medida da sua culpa é menor do que a que lhe foi atribuída, tendo o julgador decretado as penas ao arrepio dos disposto nos arts. 40º e 71º do C. Penal.

No corpo da motivação nada mais foi acrescentado aos argumentos levados às referidas conclusões.

Como é evidente, a crítica agora feita pelo recorrente só pode referir-se à pena de dez anos de prisão que lhe foi imposta pela prática, em co-autoria, do crime de roubo que tem por ofendido, CC.

Pois bem.

No acórdão recorrido, o tribunal a quo fundamentou a determinação da medida concreta das penas como segue:

«No caso em apreço, as necessidades de prevenção geral são muito altas, atendendo ao número elevado de verificação de crimes desta natureza e tendo em conta o bem jurídico tutelado pela incriminação. Protege-se, para além do património, a vida, a integridade física, a liberdade de decisão e ação e, em última análise, a segurança da vida em sociedade. A prática constante de crimes desta natureza, o que se verifica com especial incidência nesta comarca, gera na comunidade sensação de grande insegurança, que reclama uma reação firme por parte do sistema judicial no sentido de inverter esta muito nociva tendência.

Quanto à prevenção especial à data de hoje, entende-se que as necessidades de prevenção são muito elevadas. Os arguidos têm antecedentes pela prática de crimes da mesma natureza, um deles praticado igualmente em conjunto, tendo agido com grande violência e desprezo pelas vítimas. Acresce que não demonstraram qualquer arrependimento ou um mínimo de interiorização do desvalor da conduta.

O grau de ilicitude das condutas foi muito elevado, pelo grau de violência física e psíquica utilizado, especialmente a violência física usada contra o corpo de CC e psíquica pelo facto de terem recorrido à atemorização pela exibição de armas.

A intensidade do dolo foi muito elevada porque baseada em culpa grave.

Os sentimentos manifestados no cometimento do crime, não abonam a favor dos arguidos. Os arguidos exerceram o direito ao silêncio não nos revelando com profundidade a motivação da conduta que terá sempre um cariz de satisfação económica.

A conduta anterior é desfavorável, quanto a ambos os arguidos, pois que têm antecedentes pela prática de crimes violentos, sendo que o arguido AA à data da prática dos factos já tinha praticado outros similares pelos quais viria a ser condenado pelo mesmo tipo de crime na pena de 8 anos de prisão.

A conduta posterior é muito desfavorável quanto a ambos os arguidos, pois que praticaram factos em conjunto e da mesma natureza que, apesar de posteriores já lhes valeram condenação transitada em julgado nas penas de 9 anos de prisão para BB e 7 anos de prisão para AA.

Os arguidos têm ambos uma frágil inserção profissional e familiar.

Não demonstraram qualquer arrependimento ou interiorização do desvalor da conduta não evidenciando qualquer característica que possa positivamente ser reveladora de uma boa preparação para manterem no futuro uma conduta conforme ao direito. Não é despiciendo verificar a singularidade das apertadas medidas de segurança utilizadas pelo GISP no transporte com escolta do arguido BB e que refletem a avaliação deste corpo de segurança da guarda prisional quanto à perigosidade do arguido.

Neste contexto, sendo de distinguir em sede de grau de ilicitude a violência exercida sobre CC quando comparada com a exercida sobre DD, afigura-se que a pena a aplicar ao crime de roubo praticado contra CC deverá situar-se acima do ponto médio da moldura penal, podendo a pena a aplicar pelo crime de roubo praticado contra DD ficar próximo, mas ainda abaixo desse ponto. No que concerne à distinção das condutas praticadas pelos arguidos, importa referir o seguinte. O arguido BB foi sempre mais violento, mas certo é que ambos agiram em conjunto, não tendo AA manifestado de alguma forma surpresa ou descontentamento com tal grau de violência utilizado, pelo que agindo em comunhão de esforços não deverá ser beneficiado em sede de pena. Por outro lado, se AA foi menos violento por um lado, por outro apresenta certificado de registo criminal mais gravoso com condenação em pena de prisão elevada pela prática de factos similares em momento anterior. Assim, compensando a diferença nos antecedentes criminais com a diferença no grau de violência efetivamente exercido, deverão os arguidos ser condenados em pena equivalente por cada um dos crimes.

Termos em que se afigura proporcional à gravidade dos factos e adequadas à personalidade dos arguidos a condenação pela prática do crime de roubo contra CC na pena de 10 (dez) anos de prisão e pela prática do crime de roubo contra DD na pena de 8 (oito) anos de prisão.».

Concordamos com esta fundamentação – incluindo a razão da fixação de penas iguais para ambos os arguidos –, com ressalva do ponderado desabono relativo ao sentimentos manifestados no cometimento do crime, pois estando em causa a prática de um crime de roubo, o seu móbil teria sempre uma natureza económica.

Deste modo, sendo muito elevadas, pelas razões apontadas, as exigências de prevenção geral e especial, a pena de dez anos de prisão, sendo severa, é necessária, adequada e proporcional e mostra-se, igualmente, plenamente suportada pela medida da culpa do recorrente pelo que, nada lhe havendo a censurar, deve ser mantida.

*

*

4. A absolvição dos arguidos relativamente ao crime de roubo que tem por ofendida, DD, e a condenação de ambos, pela prática de um crime de coacção, que tem por ofendida a mesma cidadã, impõe a realização do cúmulo jurídico da pena parcelar aplicada pela prática do crime de coacção – dois anos de prisão – com a pena parcelar imposta pela prática do crime de roubo que tem por ofendido, CC – dez anos de prisão.

Vejamos.

Definindo as regras da punição do concurso de crimes, dispõe o art. 77º do C. Penal, na parte em que agora releva:

1 – Quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa única pena. Na medida da pena são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente.

2. A pena aplicável tem como limite máximo a soma das penas concretamente aplicadas aos vários crimes, não podendo ultrapassar 25 anos tratando-se de pena de prisão e 900 dias tratando-se de pena de multa; e como limite mínimo a mais elevada das penas concretamente aplicadas aos vários crimes.

(…).

Assim, a moldura penal abstracta aplicável ao concurso é a 10 anos de prisão [pena parcelar mais grave] a 12 anos de prisão [somatório das penas parcelares].

Na medida da pena única são considerados, em conjunto, os factos e a personalidade do agente. A ponderação conjunta da globalidade dos factos e da personalidade do agente constitui, pois, o tópico diferenciador do critério especial de determinação da medida da pena única aplicável ao concurso efectivo de crimes.

O conjunto dos factos indicará a gravidade do ilícito global praticado – sendo particularmente relevante, para a sua fixação, a conexão existente entre os factos integrantes do concurso –, enquanto a avaliação da personalidade unitária do agente permitirá aferir se o conjunto dos factos integra uma tendência desvaliosa ou se, pelo contrário, é apenas uma pluriocasionalidade que não tem origem na personalidade, sendo que, só no primeiro caso, o concurso de crimes deverá ter um efeito agravante. É igualmente importante, nesta sede, a análise do efeito previsível da pena sobre a conduta futura do agente (Figueiredo Dias, op. cit., pág. 290 e seguintes). Na verdade, e como se escreveu no acórdão deste Supremo Tribunal de 27 de Fevereiro de 2013 (processo nº 455/08.5GDPTM, in www.dgsi.pt), «[f]undamental na formação da pena do concurso é a visão de conjunto, a eventual conexão dos factos entre si e a relação desse espaço de vida com a personalidade.».

Os arguidos praticaram o crime de roubo e o crime de coacção nas mesmas circunstâncias de tempo e de lugar, sendo que o último consolidou a prática do primeiro, daqui resultando a evidente e forte conexão entre ambos. Por outro lado, é elevado o grau de ilicitude do crime de roubo e médio/elevado o grau de ilicitude do crime de coacção.

Já o quadro global do comportamento dos arguidos, nos termos que ficaram desenhados em 2., que antecede, revelam personalidades unitárias mal formadas, claramente contrárias ao direito, insensíveis aos valores tutelados pelas normas jurídicas violadas e à ameaça das respectivas sanções, com propensão para a prática de crimes de roubo.

Por último, são evidentemente elevadas as exigências de prevenção geral, dada a frequência com que são praticados crimes contra a propriedade e o relevante alarme social causado pelo cometimento de crimes de roubo, importando assegurar a manutenção da confiança da comunidade na vigência e validade das normas penais violadas. Como são também elevadas às exigências de prevenção especial, considerando os traços da personalidade unitária dos arguidos, que apontam, com consistente probabilidade, para a futura repetição novos comportamentos típicos.

Em suma, considerando a moldura penal abstracta aplicável ao concurso, considerando que, quanto mais grave for a conduta, em função da intensidade com que foi afectado o bem jurídico tutelado, menor compressão deve sofrer a pena parcelar respectiva, no seu contributo para a composição da pena única, considerando a conexão entre os crimes e as referida exigências de prevenção, julgamos a pena única de onze anos e seis meses de prisão, como necessária, adequada, proporcional e plenamente suportada pela medida da culpa unitária de cada um dos arguidos.

*

*

*

*

III. DECISÃO

Nos termos e pelos fundamentos expostos, acordam os juízes que constituem este coletivo da 5.ª Secção Criminal, em conceder parcial provimento aos recursos interpostos pelos arguidos.

Consequentemente, decidem:

A) Absolver os arguidos AA e BB da prática, em co-autoria, de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), com referência ao art. 204º, nºs 1, f) e 2, f), ambos do C. Penal [tendo por ofendida, DD], revogando, nesta parte, o acórdão recorrido.

B) Revogar o acórdão recorrido na parte em que condenou os arguidos AA e BB, cada um, em cúmulo jurídico [das penas impostas por dois crimes de roubo agravado] na pena única de 14 (catorze) anos de prisão.

*

C) Condenar os arguidos AA e BB pela prática, em co-autoria, de um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154º, nº 1, do C. Penal [do qual é ofendida, DD], cada um, na pena de 2 (dois) anos de prisão.

D) Condenar os arguidos AA e BB, em cúmulo jurídico – da pena de 10 (dez) anos de prisão, imposta pela prática de um crime de roubo agravado, p. e p. pelo art. 210º, nºs 1 e 2, b), com referência ao art. 204º, nºs 1, f) e 2, f), ambos do C. Penal [do qual é ofendido, CC] e da pena de 2 (dois) anos de prisão, imposta pela prática de um crime de coacção, p. e p. pelo art. 154º, nº 1, do C. Penal [do qual é ofendida, DD] –, cada um, na pena única de 11 (onze) anos e 6 (seis). meses de prisão.

*

E) Confirmar, quanto aos mais, o acórdão recorrido.

*

F) Recursos sem tributação, atenta a sua parcial procedência (art. 513º, nº 1 do C. Processo Penal, a contrario).

*

*

(O acórdão foi processado em computador pelo relator e integralmente revisto e assinado pelos signatários, nos termos do art. 94º, nº 2 do C. Processo Penal).

*

*

Lisboa, 28 de Novembro de 2024

Vasques Osório (Relator)

Jorge Gonçalves (1º Adjunto)

Luís Teixeira (2º Adjunto)