Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | LUIS CORREIA DE MENDONÇA | ||
| Descritores: | DIREITO REAL DIVISÃO DE COISA COMUM PRÉDIO URBANO REGISTO PREDIAL OFENSA DO CASO JULGADO CONDENAÇÃO EM CUSTAS LITIGÂNCIA DE MÁ FÉ REQUISITOS IMPROCEDÊNCIA | ||
| Data do Acordão: | 10/21/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | REVISTA IMPROCEDENTE | ||
| Sumário : | I. As decisões dos tribunais não se destinam a sossegar estados de espírito, provocados por incertezas subjectivas das partes acerca do objecto da relação jurídica controvertida.
II. Um acórdão confirmativo de uma condenação em custas, numa acção de divisão de coisa comum, não viola o julgado numa acção de impugnação de justificação notarial, entre partes diferentes, na qual se reconheceu a titularidade do direito real de propriedade de um familiar de uma interveniente naquela segunda acção, sobre imóvel susceptível de ser confundido com o imóvel a dividir. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça *** AA e outros instauraram contra BB e outros acção, com processo especial, pedindo a divisão do prédio urbano, sito em Tonda, da freguesia de Tonda, concelho de Tondela, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob o n.º ..83. O tribunal proferiu sentença nos seguintes termos: a) Julgo indivisível, em substância: 1. O prédio urbano, composto por casa de habitação com dois pisos, com a área total de 65 m2, sito em Tonda, da freguesia de Tonda, concelho de Tondela, encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .21 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob o n.º ..83; b) Fixo a quota-parte de cada um dos comproprietários do prédio referido em a), nas seguintes quotas: 1. 5/6 para o Requerente AA; 2. 1/6 para os Requeridos CC, DD, EE, FF, GG e BB. Condeno os Requeridos CC, BB, FF e GG Requerente no pagamento das custas da ação, sem prejuízo do apoio judiciário de que beneficiam e nas respetivas modalidades». Inconformada, BB interpôs recurso de apelação. O Tribunal da Relação julgou o recurso improcedente e confirmou a decisão recorrida. De novo inconformada, interpôs a apelante recurso de revista, cuja minuta concluiu da seguinte forma: «1. O douto Tribunal da Relação de Coimbra andou bem ao deixar claro que objectivamente, o objecto de divisão está circunstanciado, como sendo a verba 38 da Relação de Bens, correspondente ao artigo .21 da freguesia de Tonda, não relevando as alegações do recorrido quanto à localidade de Figueirinha para a sua concreta identificação: “O facto de o Autor dizer que o prédio aqui em questão se situava no lugar de Figueirinha não tinha qualquer implicação real na sua correcta identificação.”, da mesma forma que andou concluir que não consta dos factos provados da sentença, no que respeita à identificação do prédio, que ele seja situado no «lugar de figueirinha», tendo ficado apenas a constar dos factos provados a freguesia Tonda e já não o lugar, facto este consensual. 2. Porém, a recorrente, bem como os Requeridos CC, FF e GG, conhecendo o elemento subjectivo do recorrido que pretende que o objecto desta acção seja a casa justificada pelos seus avós e doada a HH, sita na Rua 1, Figueirinha, manifestaram, cautelarmente, oposição ao objecto da acção (cfr. Acta da Audiência Prévia) 3. Foi auscultada o Serviço de Finanças que veio juntar a localização do imóvel .21 sita no meio da localidade de Tonda. 4. Foi realizada prova pericial idónea, não impugnada, que verificou a concreta localização do artigo .21 na Rua 2, Tonda, distante da casa de HH, sita em Figueirinha, mais concretamente, na Rua 1, facto, este, que não está considerado na factualidade provada, não obstante o valor acrescido/irrefutável da prova pericial em causa. 5. Sendo um facto provado que as coordenadas do prédio existentes na matriz colocam o objecto da divisão na Rua 2, Tonda, deveria o mesmo constar do elenco dos factos provados e/ou ser considerado na decisão sobre o objecto de divisão. 6. O recorrido veio confirmar as suspeitas da recorrente nas contra-alegações e nova documentação que apresentou junto do Tribunal da Relação de Coimbra. Confirmou o elemento subjectivo no sentido de que a pretensão do mesmo é de fixar o objecto de divisão (artigo .21) no lugar de Figueirinha, mais concretamente na Rua 1, à revelia de toda a documentação originária junta aos autos. 7. Ora, o n.º Rua 1, sito no lugar ou quinta de Figueirinha coincide, exactamente, com a casa de HH, conforme propriedade já reconhecida em Acórdão deste Tribunal da Relação de Coimbra. 8. O recorrido, com as suas contra-alegações de recurso, veio juntar documentação diferente daquela que estava junta ao processo judicial e na qual se fundou a sentença recorrida, designadamente uma caderneta predial urbana e uma certidão de registo predial alteradas, face àsque constavam nosautos: a caderneta predial original definia a localização do artigo .21 apenas em Tonda, enquanto que a nova caderneta predial, junta com as contra-alegações do recorrido, define a localização do artigo na Rua 1, Figueirinha – Vila Nova. Por sua vez, a certidão de registo predial original situava o prédio, apenas, em Tonda, enquanto a nova certidão de registo predial, junta com as contra-alegações do recorrido, situa o prédio em Figueirinha – Vila Nova. 9. As alterações aos dois documentos em causa foram realizadas pelo próprio recorrido, após a realização da prova pericial, que entregou novo modelo 1 de IMI junto do Serviço de Finanças e pediu o averbamento à descrição junto da Conservatória do Registo Predial, alterando a documentação em causa, conforme lhe era favorável. 10. E porque a prova pericial realizada nos autos, não lhe aproveitou, situando o prédio, objecto de divisão, na Rua 2, Tonda (de acordo com as coordenadas originais da matriz), o próprio recorrido confessa no ponto 12. das suas alegações suas alegações que também procedeu à alteração das coordenadas que estavam inscritas na matriz!!!! 11. O Tribunal de 1.ª instância considerou a prova pericial, e, esclarecida que estava a concreta localização do prédio, na Rua 2, Tonda, assumiu que a menção ao lugar de Figueirinha terá sido um lapso do Autor, condenando a ora recorrente em custas pela oposição apresentada, por não ter alcançado que o Autor não invocara nenhum lapso de escrita nem aceitava que o prédio se situasse na rua indicada pelo senhor perito, o que se veio a confirmar, aliás, nas contra-alegações de recurso que o mesmo apresentou e que confirmam a sua pretensão de situar o prédio em Figueirinha, longe da localização ditada pelo senhor perito nomeado. 12. O recorrido sempre teve o elemento subjectivo de fixar a localização do prédio em Figueirinha (mais concretamente na Rua 1), e após a prova pericial realizada, alteroua documentação doprédionos seus elementos fundamentais, quer seja a caderneta predial, quer seja a certidão de registo predial, e até as coordenadas originais existentes na matriz predial que sustentaram a prova pericial e a decisão do douto tribunal de primeira instância!!!! 13. As alterações que o mesmo realizou são possíveis, por se tratar de processo declarativo que pode ser espoletado pelo proprietário, porém, não sendo o recorrido proprietário único do dito artigo .21, foi interposta reclamação junto do Serviço de Finanças competente, destinada a anular as alterações unilaterais, abusivas e ilegais realizadas pelo recorrido. 14. O recorrido, já no passado havia tentado, sem sucesso, reverter a doação que os avós de HH lhe fizeram da sua casa, sita em Figueirinha, actualmente Rua 1,pelo que as Requeridas CC, BB, FF, GG, vieram esclarecer – como lhes competia - que o prédio indiviso não se situa em Figueirinha, mas antes em Tonda, e que relativamente ao imóvel de Tonda nada têm a opor à sua divisão. 15. No Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo 38/11.2TBTND.C1 e na decisão que lhe precedeu, foi considerada válida a escritura de justificação, feita pelos avós de HH (II e JJ), relativamente à sua casa, sita em Figueirinha, que doaram à neta. 16. Uma vez que naqueles autos o imóvel de HH ficou sem artigo matricial, sem que tal afectasse a sua plena propriedade, o recorrido, usando o artigo .21 que efectivamente existe e se situa na Rua 2, Tonda, tenta fazer crer que o dito artigo respeita à casa de HH, alterando a documentação originária que está na génese dos autos!!! 17. Fê-lo, inicialmente, de forma mais discreta na primeira instância, e, na segunda instância, de forma evidente, no âmbito das contra-alegações de recurso, e com a alteração da caderneta predial e da certidão de registo predial alteradas, à revelia dos demais coproprietários. 18. O objecto do dissenso, na base do recurso interlocutório, consiste no facto de o recorrido querer fazer cessar a compropriedade do artigo .21 que alega ter sito em Figueirinha (e que pertence a HH, conforme decisão judicial já transitada) e a recorrente (e demais partes) aceitarem fazer cessar a compropriedade do artigo .21 sito em Tonda, cujas coordenadas e prova pericial confirmam a situação concreta do mesmo Rua 2, Tonda. 19. Existe, por isso, divergência clara quanto ao objecto do processo, que embora não seja uma divergência objectiva, porque objectivamente não há dúvidas que se trata do prédio .21 da freguesia de Tonda, que integra a verba 38 da relação de bens, subjectivamente, o recorrido quer dividir um bem/uma realidade que as partes não reconhecem como sendo o objecto desta acção, até porque, a propriedade da casa de II e JJ (doada à neta HH), já foi reconhecida como válida, em processo judicial, já transitado em julgado, que teve inclusive, inspecção judicial ao local. 20. O processo judicial de divisão de coisa comum só está em condições de prosseguir se o objecto do mesmo estiver objectiva e subjectivamente definido, o que, como é patente nos autos, não é consensual, prevalecendo, por isso, a prova pericial realizada que não foi, sequer, impugnada e/ou contraditada pelo recorrido, e sendo irrelevante o imóvel de HH, cuja propriedade já lhe foi reconhecida, por acórdão, transitado em julgado. - Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, proferido no âmbito do processo 38/11.2TBTND.C1, que confirma a validade da escritura de justificação de II e JJ da sua casa de habitação de Figueirinha (com doação subsequente para a neta HH). 21. O recorrido não aceita a validade da justificação notarial da propriedade dos avós de HH, pais da ora recorrente, bem como a cumulativa doação à neta HH, não obstante a decisão judicial, já transitada em julgado. 22. Há uma clara divergência subjectiva quanto à localização do prédio, tendo a oposição da recorrente (e demais coproprietários) procedido, mediante o resultado da perícia realizada, dando-lhes razão quanto à localização do artigo .21 e, desta forma, quanto ao concreto objecto da acção, pelo que não devem as partes que manifestaram oposição ser condenadas em custas. 23. O douto acórdão recorrido, ao manter a condenação em custas, mesmo após a confissão inquestionável do recorrido nas suas contra-alegações, quanto ao elemento subjectivo do mesmo, no que toca ao objecto de divisão, sustentado na prova documental que alterou propositadamente e juntou,em sede de recurso, violao caso julgado decorrente de Acórdão, já transitado em julgado e erra na interpretação/desvalorização da prova pericial, gerando a sua nulidade, na parte em que mantém a condenação da recorrente (e demais intervenientes) em custas. 24. O acórdão em causa viola, assim, o caso julgado (artigo 619.º, n.º 1 do CPC), enferma de nulidade ao não considerar a prova pericial, aceite pelas partes, que implica a concreta localização do objecto de divisão na Rua 2, Tonda, nos termos do disposto nos artigos 674.º, n.º 1, alínea c) e n.º 3, 666.º e 616.º, n.º 2, alínea b), 619.º CPC. Termos em que, e nos demais de direito, e com o douto suprimento de V/Ex.ªs, deve ser dado provimento ao presente recurso e, por via dele ser revogada a decisão de condenação em custas da ora recorrente, fazendo-se, assim, a necessária justiça!». O recorrido AA apresentou contra-alegações em que pugna pela inadmissibilidade do recurso, atenta à dupla conformidade e extemporaneidade do mesmo, pedindo a confirmação do julgado e a condenação da recorrente como litigante de má fé. A recorrente foi ouvida sobre este pedido de condenação e para se pronunciar sobre a admissibilidade do recurso (violação do caso julgado). *** Constituem questões decidendas saber se o acórdão recorrido violou o caso julgado e se a recorrente litiga com má fé. *** São os seguintes os enunciados de dados de facto considerados assentes nas instâncias: 1. O prédio urbano, composto por casa de habitação com dois pisos, com a área total de 65 m2, sito em Tonda, da freguesia de Tonda, concelho de Tondela, encontra-se inscrito na matriz predial urbana sob o artigo .21 e descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob o n.º ..83. 2. No registo predial consta a inscrição, pela ap. ..58 de 2014/11/19, da aquisição da quota de 4/6 sobre o prédio referido em 1 a favor do Requerente AA, por sucessão hereditária. 3. Por sentença proferida nos presentes autos, datada de 10/12/2021, já transitada em julgado, foi homologada transação entre o Requerente AA e a Requerente KK, transação mediante a qual a segunda doa por conta da sua quota disponível ao primeiro, que aceita, a quota de 1/6 de que é titular no prédio referido em 1, atribuindo à doação o valor de 1.965,71 EUR (mil, novecentos e sessenta e cinco euros e setenta e um cêntimos). 4. Os demais Requeridos CC, DD, EE, FF, GG e BB são comproprietários da quota de 1/6 no prédio referido em 1, porquanto são filhos, único e universais herdeiros de II e de JJ. 5. O prédio referido em 1 não é suscetível de ser dividido em frações autónomas. * Além destes factos foram aditados mais os seguintes: 5 (sic) - O artigo 7-º da Petição tem este teor: «Na Relação de Bens anexa à referida Escritura de Partilhas encontra-se descrito o referido prédio urbano inscrito na matriz sob º artigo .21º da freguesia de Tonda, concelho de Tondela sob a verba nº 38, como sendo: -Uma casa sita em Tonda, com a superfície coberta de sessenta e cinco metros quadrados, a confrontar do sul com o caminho e dos outros lados com os prédios da relação números treze e catorze, inscrita na matriz sob o artigo .21º, descrito na Conservatória do Registo Predial de Tondela sob o nº ..83. 6 - O artigo 8-º da Petição tem este teor: «Hoje, a descrição predial do artigo urbano .21º é a seguinte: - prédio urbano composto por casa de habitação com dois pisos, com superfície coberta de 65 m2, sita no lugar da Figueirinha, freguesia de Tonda, a partir do norte, nascente e poente com o ora Réu AA, e do sul com o caminho, conforme certidão do registo predial, Docs. 3 e 4.» 7 – A verba n.º 13 da relação de bens anexa à escritura de partilhas tem o seguinte teor: «Uma terra de cultura sita à Figueirinha…» 8 – A verba n.º 14 da relação de bens anexa à escritura de partilhas e junta com a petição destes autos, tem o seguinte teor: «Uma terra de cultura sita à Figueirinha…». 9 - Na ata da Tentativa de Conciliação realizada no dia 1 de julho de 2022 ficou exarado o seguinte: «De seguida, pelos Ilustres Mandatários das partes foi dito não terem chegado a acordo, pelo que, ficou consignado o seguinte: - As partes não aceitam a alteração da forma de acção, nem estão de acordo quanto à identificação do objecto da divisão de coisa comum, ou seja, segundo os requerentes, o objecto é o identificado no artº. 6º do requerimento inicial (artº .21ºU da freguesia de Tonda), cuja descrição se encontra no artº. 8º do requerimento inicial; - Segundo os réus LL, MM e NN, estes repudiaram a herança; - Segundo a ré CC, o local e o objecto de partilha é outro, cfr. indica a fls. 83; - Segundo FF, o prédio localiza-se noutro local e o mesmo refere GG. De seguida, pelo Mmº Juiz foi proferido o seguinte DESPACHO Porque o objectivo da presente diligência era tentar o consenso: 1º.- Quanto ao objecto; 2º.- Quanto ao destino a dar ao mesmo e a possibilidade de negociação entre as partes para a composição ou eventual adjudicação do imóvel, Determino que seja aberta conclusão para proferir despacho sobre as questões suscitadas nas contestações.» *** Da violação do caso julgado Comece-se por recordar o que foi dito, com inegável acerto, no despacho de admissão de recurso pelo Sr. Desembargador Relator: «A sentença sob recurso é a decisão final relativa à fase declarativa da acção. Por isso, o prazo para recorrer é de 30 dias, nos termos do n.º1, 1.ª parte, do artigo 638.º do CPC (ver neste sentido acórdão do STJ de 21/10/2020, proferido no processo 583/16.3T8FND.C1.S1). Uma vez que vem alegada a violação do caso julgado, admito o recurso para o STJ – artigo 629.º, n.º2, al. a), do CPC». Não releva aqui, bem entendido, a questão do prazo do recurso, mas sim pôr em destaque que estamos diante de uma decisão final, não interlocutória. respeitante à fase declarativa do processo, fase esta em que se define o direito a que alude o artigo 926 nºs 2 e 3 do NCPC. Como se diz no acórdão do STJ de 27.02.2025, Proc. 1101/15, «a alegação de violação do caso julgado torna admissível o recurso de revista, prevalecendo sobre a dupla conformidade decisória, que é patente no presente caso. Por esse motivo, vai conhecer-se deste fundamento do recurso (al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil)». Nesse aresto adverte-se «que é jurisprudência assente no Supremo Tribunal de Justiça (fundada na forma como a al. a) do n.º 2 do artigo 629.º do Código de Processo Civil prevê a admissibilidade de recurso com fundamento em violação de caso julgado, mesmo quando o recurso não seria possível segundo os critérios gerais de admissibilidade) que, nos recursos de revista apenas admissíveis por se fundarem em violação de caso julgado – formal ou material –, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça se limita à verificação desse fundamento (cfr., apenas como exemplo, os acórdãos deste Supremo Tribunal de 3 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. n.º 190-A/1999.E1.S19, de 18 de Outubro de 2018, www.dgsi.pt, proc. n.º 3468/16.0T9CBR.C1.S1) ou de 11 de Maio de 2022, www.dgsi.pt, proc. n.º 60/08.6TBADV-2.E1.S1)». Advertência que faz todo o sentido que seja agora recordada e reproduzida. Também é pertinente sublinhar o que se afirma no acórdão do STJ de 15.05.2025, Proc. 239/19, a saber, que «o STJ tem também observado, repetidamente, que saber se uma decisão judicial decidiu determinada questão com força de caso julgado implica, naturalmente, a respectiva interpretação. Para o efeito, a sua parte decisória há-de ser entendida à luz da fundamentação que apresenta (“é ponto assente na doutrina que os fundamentos da sentença podem e devem ser utilizados para fixar o sentido e alcance da decisão contida na parte final da sentença, coberta pelo caso julgado”, escrevem Antunes Varela, J. M. Bezerra e Sampaio e Nora, Manual de Processo Civil, 2ª ed., Coimbra, 1985, pág. 715, como se recorda no acórdão de 29 de Abril de 2010, www.dgsi.pt, proc. n.º 102/2001.L1.S1); “e carecem ainda de ser tidos na devida conta o contexto, os antecedentes e outros elementos que se revelem pertinentes (acórdão de 8 de Junho de 2010, www.dgsi.pt, proc. nº 25.163/05.5YLSB.L1.S1). Além disso, e porque se trata de um acto formal, aliás particularmente solene, cumpre garantir que o sentido tem a devida tradução no texto (cfr., com o devido desenvolvimento, o acórdão de 3 de Fevereiro de 2011, www.dgsi.pt, proc. nº 190-A/1999.E1.S1 e o acórdão de 25 de Junho de 2009, www.dgsi.pt, proc. nº 351/09.9YFLSB)” – cfr, acórdão de 16 de Novembro de 2023, www.dgsi.pt, proc. n.º 1044/18.1T8VNF-A.G1.S1». O Tribunal da Relação de Coimbra fixou deste modo o Objeto do recurso: «O recurso coloca a questão de saber se a sentença enferma de diversas nulidades, que apenas serão analisadas na parte final, pelo facto da sua análise se encontrar já facilitada e se as custas serão da responsabilidade da recorrente, sustentando ela que não, que devem ser colocadas a cargo do autor, a quem será imputável a deficiente identificação do prédio objeto da ação e que suscitou a sua contestação». Tendo conhecido deste objecto, argumentou o segundo grau: «…não procede a pretensão da recorrente no sentido de não ser responsável pelas custas, pois a recorrente opôs-se ao pedido e decaiu na oposição. Essa oposição, que não foi apenas exercida pela recorrente, encontra-se patente na ata da Tentativa de Conciliação realizada no dia 1 de julho de 2022. Aí se diz que «- Segundo a ré CC, o local e o objecto de partilha é outro, cfr. indica a fls. 83; - Segundo FF, o prédio localiza-se noutro local e o mesmo refere GG.». Deduziu oposição e decaiu, tendo ficado vencida, pelo que é responsável pelas custas, como resulta do disposto no artigo 527.º, n.º 2, do CPC, onde se dispõe que «Entende-se que dá causa às custas do processo a parte vencida, na proporção em que o for». Coerentemente, foi proferida decisão que julgou improcedente o recurso e manteve a decisão do primeiro grau». Vem agora a recorrente dizer que o acórdão recorrido, ao manter a condenação em custas, mesmo após a confissão inquestionável do recorrido nas suas contra-alegações, quanto ao elemento subjectivo do mesmo, no que toca ao objecto de divisão, sustentado na prova documental que alterou propositadamente e juntou, em sede de recurso, viola o caso julgado decorrente de Acórdão, já transitado em julgado e erra na interpretação/desvalorização da prova em erro recorrente (e demais intervenientes) em custas». A recorrente não tem razão, e incorre em algumas imprecisões, percorrendo caminhos argumentativos pouco claros. O processo no qual foi proferido o julgado que a recorrente entende que foi violado, é o processo n.º 38/11, instaurado no Juízo de Competência Genérica de Tondela por Jocar- Fábrica de Máquinas de José de Oliveira Carlos & Filhos Lda contra II e mulher JJ e HH. Tratou-se de uma acção de simples apreciação negativa, prevista no artigo 116.º, 1, do Código de Registo Predial, na qual a aí autora impugnou a escritura de justificação notarial Nessa acção foi declarado: A. Que as declarações constantes das Escrituras de Justificação exarada no Livro para escrituras diversas n.º ..-E, iniciada a fls. 56 do Cartório Notarial de Mira, foram lavradas em erro quanto à identificação dos prédios como sendo os inscritos na matriz predial rústica da freguesia de Tonda, relativamente aos artigos ..76 e ..77. B. Procedente a impugnação apenas quanto aos artigos supra referidos, mas não quanto à justificação de dois prédios. C. Que a autora é dona e legítima possuidora dos prédios inscritos na matriz predial rústica de Tonda, concelho de Tondela, sob os artigos ..76 e ..77. D. Sem efeito os registos lavrados a favor da ré HH, sob os números ..37 e ..38 da freguesia de Tonda, em consequência ordena-se o seu cancelamento na Conservatória do Registo Predial de Tondela. E. Que a ré HH recebeu de doação de seus avós, os réus II e mulher JJ, dois prédios rústicos, sitos em Tonda, mas cuja descrição matricial é diferente da constante da escritura. Houve recurso dos réus FF e HH, que pretendiam a absolvição na parte em que a decisão lhe foi desfavorável. O Tribunal da Relação de Coimbra conheceu do objecto da apelação e julgou-a parcialmente procedente, tendo revogado o capítulo C) da sentença. Ora, não se compreende, nem a recorrente o esclarece, em que é que a condenação em custas (aliás indevida, visto o apoio judiciário de que beneficiavam os responsáveis), nesta acção de divisão de coisa comum, pode beliscar o caso julgado naquela acção, com partes diferentes, quando é certo que o capítulo do dispositivo em questão apenas abrange a responsabilidade por divida de custas no processo em causa, ergo sem nada que tenha a ver com o fundo da causa, com a identificação do prédio e titularidade do direito real de propriedade sobre o mesmo. Os tribunais não servem para dissipar estados subjectivos das partes, sendo que as suas decisões dirimem os conflitos de interesses e direitos entre os cidadãos, de acordo com a constituição e a lei, e é com esta força que emitem o decreto judicial, que se impõe às partes, coercivamente se necessário, independentemente do seu reconhecimento. Mesmo quando são chamados a declarar a existência ou inexistência de um direito ou de um facto (artigo 10.º, 3, a) CPC) os tribunais não se contentam com a invocação pelas partes de um mero interesse subjectivo, exigindo mais: um interesses sério e objectivo, que supere os meros estados de alma. Não há, em suma, qualquer violação do caso julgado. *** Da litigância de má fé O recorrido diz não suas contra-alegações: «O STJ deverá condenar a recorrente como litigante de má fé, tendo em conta que esta pretende confundir as diversas instâncias, fazendo crer que a sua filha é proprietária de uma casa, baseando as suas alegações em factos falsos, nomeadamente utilizando a excepção de caso julgado ilicitamente, bem sabendo que as parte e o objecto da acção que invocam não coincidem». O recorrido não tem razão. De acordo com o artigo 542º, 2 CPC, diz-se litigante de má-fé quem, com dolo ou negligência grave: a) Tiver deduzido pretensão ou oposição cuja falta de fundamento não devia ignorar; b) Tiver alterado a verdade dos factos ou omitido factos relevantes para a decisão da causa; c) Tiver praticado omissão grave do dever de cooperação; d) Tiver feito do processo ou dos meios processuais um uso manifestamente reprovável, com o fim de conseguir um objetivo ilegal, impedir a descoberta da verdade, entorpecer a ação da justiça ou protelar, sem fundamento sério, o trânsito em julgado da decisão. - a todos é assegurado o acesso aos tribunais para defesa dos seus direitos; A lei sanciona as situações em que a parte tenha uma conduta abusiva, dolosa ou gravemente negligente, no exercício do direito de acção ou de resistência em juízo. É ela que está algo confusa em questões de direito, do seu direito ao recurso. Está convencida de que tem razão, embora não a tenha. *** Pelo exposto, acordamos em julgar improcedente a revista e, consequentemente, em confirmar o acórdão recorrido. *** 21 de Outubro de 2025 Luís Correia de Mendonça (Relator) Rosário Gonçalves Anabela Luna de Carvalho |