Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 4.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | CHAMBEL MOURISCO | ||
| Descritores: | ARGUIÇÃO DE NULIDADES FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO OPOSIÇÃO ENTRE OS FUNDAMENTOS E A DECISÃO ACESSO AO DIREITO | ||
| Data do Acordão: | 10/28/2020 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA EXCECIONAL | ||
| Decisão: | INDEFERIDA A ARGUIÇÃO DE NULIDADES | ||
| Sumário : |
1. A falta de fundamentação de uma decisão judicial a que alude a alínea b) do art.º 615.º do CPC, só é suscetível de integrar a nulidade da mesma quando se verifique a falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito. 2. A oposição entre os fundamentos e a decisão só geram a nulidade da decisão judicial quando se constate uma contradição real, ou seja, quando os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. 3. A opção do legislador, acolhida n.º 4 do art.º 672.º do CPC, respeitante à decisão da formação constituída para apreciar os pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional, no sentido dessa decisão ser definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso, em nada contende com o acesso ao direito, tal como se encontra definido no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa. Chambel Mourisco
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| Decisão Texto Integral: | Processo n.º 2375/18.6T8VFX.L1.S3 (Revista excecional) - 4ª Secção CM/LD/JG
Acordam na formação a que se refere o n.º 3 do artigo 672.º do Código de Processo Civil da Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
1. AA, Autor e Recorrente (Apelante) na ação que propôs contra SCC – SOCIEDADE CENTRAL DE CERVEJAS E BEBIDAS, S.A., veio arguir a nulidade do acórdão que lhe indeferiu o recurso de revista excecional, invocando o disposto do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC e artigo 20.º da CRP, apresentando o seguinte requerimento: «1. A decisão de que se reclama não admitiu o recurso de revista excecional interposto pelo Recorrente contra Acórdão do Tribunal da Relação, vindo alegar, em suma, que não existe oposição de julgados entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento, 2. postulando que o acórdão fundamento defende, em tese, a admissibilidade de pedidos implícitos, e que o acórdão recorrido não rejeita a admissibilidade de pedidos implícitos, limitando-se, num quadro processual diferente, a revogar decisão anterior, considerando que existira excesso de pronúncia face ao objeto do recurso. 3. E concluindo que se trata de situações diversas que, face às suas particularidades, não poderiam ser equacionadas, em termos de solução jurídica, como tendo na sua base a mesma questão fundamental de direito. 4. Em circunstâncias usuais, a decisão quanto à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excecional, devendo ser sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso - cfr. artigo 672.º, n.os 3 e 4 do CPC. Porém, 5. O controlo da legalidade das decisões judiciais é uma garantia constitucionalmente protegida, nos termos do disposto no artigo 20.º da Constituição da República Portuguesa, sendo corolário do princípio da legalidade que perpassa em todo o ordenamento jurídico português e encontra expressão escrita nas normas adjetivas que regulam o processo. 6. Isto por dizer que independentemente da impossibilidade de apresentação de reclamação ou recurso contra uma decisão com a qual um cidadão português não concorde, o mesmo goza da garantia constitucionalmente protegida relativamente à legalidade dessa mesma decisão. 7. Legalidade essa que se subsume a aspetos formais e a aspetos substantivos, e em particular no que aqui se frisa, passa pela devida e válida fundamentação das decisões judiciais - cfr. se alcança, além do mais, do artigo 615.º, n.º 1, alíneas b) e c) do CPC. É que 8. A decisão de que se reclama não cuidou de fundamentar devidamente o seu entendimento! 9. O coletivo que não admitiu o recurso de revista excecional ateve-se a uma argumentação vaga, e - salvo o devido respeito -, deixou-se mover pela falta de identidade entre as questões de facto decididas nos acórdãos em confronto, ao invés de considerar apenas e só as questões de direito neles discutidas, ceterís paribus. 10. Concluindo que um acórdão não contradizia o outro, e, portanto, decidindo pelo indeferimento da admissão da revista excecional. 11. Contudo, e seguindo de perto os introitos das alegações do recurso de revista excecional, a questão a decidir prende-se, inevitavelmente, com a decisão sumária proferida pela relatora, mormente se padece de nulidade por excesso de pronúncia no respeitante â existência de um despedimento e sua ilicitude. 12. Conforme facilmente se constata, toda a argumentação do acórdão recorrido quanto a esta questão incidiu na doutrina perfilhada de que ocorre excesso de pronúncia face ao objeto do recurso, que nada refere quanto a qualquer pedido implícito referente à existência de despedimento e sua ilicitude, sendo certo que o próprio Autor, peticionou uma ampliação do pedido, por não ter formulado corretamente ab initio. 13. No respeitante à questão da existência do despedimento e da sua ilicitude, considera ainda, não estarmos perante uma situação de ampliação do pedido pelas razões explanadas na decisão sumária, mormente pelo facto de tal figura jurídica não se destinar à supressão de vícios ou omissões puramente formais, e ainda por mais que não seja porque o Autor não justificou por que razão, apenas na resposta à contestação formulou tais pedidos. 14. Mais se constata da decisão do acórdão recorrido no respeitante à alegada questão da ausência do pedido de declaração da existência de um despedimento e da sua ilicitude, o entendimento de que, independentemente da forma, tenha esta sido ilícita ou não, como o contrato que existiu entre o Autor e a Ré está sempre dependente da vontade e interesse das partes, pretenderem, ou não, o conhecimento judicial da validade, regularidade e ilicitude dessa forma de extinção do seu direito. 15. Nesta senda, entende que a decisão transitada em julgado faz depender os pedidos formulados de reintegração e pagamento dos salários intercalares da existência de um pedido expresso de despedimento ilícito, pelo que não poderia agora o Tribunal da Relação, enveredar pelo argumento da existência de um pedido implícito, face ao caso julgado que se formou. 16. Salvo o devido respeito que é muito, a interpretação efetuada pelo douto acórdão recorrido, viola o dever de gestão processual previsto no n.º 2 do art.º 6.º do CPC, bem como o, n.º 2 do artigo 28.º do CPC e ainda o n.º 1, alínea b) do artigo 389.º do CT. 17. Isto dito, o caso em concreto assume especial particularidade e chama à colação o douto Acórdão n.º 217/12.5TBSAT.C1, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 03.12.2013, Proc. 217/12.5, Secção Cível, Relator Teles Pereira, in www.dgsi.pt, segundo o qual, entende que, a efetiva compreensão pelo julgador dentro do processo (dentro de um mesmo processo) de quais os pedidos explícitos e devidamente localizados e de quais os pedidos implícitos e, eventualmente, deslocalizados dentro do articulado - isto no sentido de serem somente apresentados na narração e, portanto, fora da parte conclusiva do articulado inicial e menos claramente - uma incidência deste tipo deve ser objeto de um tratamento coerente e uniforme, porquanto, se se diz algo equivalente a que esse pedido existe, para daí deduzir um pressuposto processual, não se vislumbra como, depois disso, se possa deixar de pressupor a existência desse mesmo pedido (dizer até que ele não foi formulado…) para efeitos de aferição da legitimidade substantiva que é dedutível da formulação desse mesmo pedido. 18. Ainda na esteira do referido acórdão é expresso o entendimento, igualmente partilhado em Acórdão desta Relação de 10/09/2013 (Jorge Arcanjo), também subscrito pelos ora relator e o aqui Primeiro Adjunto: “[o] pedido formulado pelo autor na petição inicial (artigo 467º, nº 1, e) do CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos”. 19. Face ao exposto, dúvidas não poderiam restar que, in casu, o Acórdão da Relação, do qual se recorre, que se encontra em contradição com o douto Acórdão n.º 217/12.5TBSAT.C1, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 03.12.2013, Proc. 217/12.5, Secção Cível, Relator Teles Pereira, in www.dgsi.pt, que assume especial particularidade para o caso em concreto. 20. Tudo isto, conforme melhor se expôs em sede das Alegações do recurso de revista excecional que não foi admitido e, adiante, se retomará. B. Do poder-dever de condenação no pedido implícito: 21. Sem pretender acrescer ao que já foi dito em sede própria, não é de todo possível ignorar as especificidades do processo de trabalho. 22. Atentando-se aqui e em particular nos poderes especificamente cometidos ao juiz de Trabalho, cujo dever de gestão processual encontra uma dimensão acrescida, concomitante com a extensão dos seus poderes de cognição factual, quando comparados com os iguais mecanismos previstos no processo civil. 23. Veja-se que dispõe o artigo 27.º, n.º 2, al. b), do CPT, que o juiz pode convidar as partes a completar e a corrigir os articulados, quando no decurso do processo reconheça que deixaram de ser articulados factos que podem interessar à decisão da causa. 24. Adicionalmente, o artigo 72.º, n.º 1, do CPT confere ao juiz o poder-dever de ampliar dos temas de prova ou de tomar em consideração na decisão quaisquer factos essenciais que, embora não articulados, surjam no decurso da produção da prova e sejam relevantes para a boa decisão da causa. 25. Assim, embora encontrando óbvias limitações quando confrontado com o princípio processual do dispositivo, é inegável que em matéria laboral, o julgador possui certa autonomia para instar as partes a completar os seus articulados ou, até, a ampliar os temas de prova ou vir a considerar na decisão quaisquer factos essenciais que venham a ser descortinados na produção de prova. 26. O que é por dizer que o Tribunal do Trabalho pode conhecer e condenar além dos factos articulados pelas partes. 27. Factos não são pedidos, porém, e quanto à dicotomia entre os pedidos delimitados pelo autor e o poder jurisdicional do Tribunal do Trabalho em condenar para além dos mesmos ocorre também uma situação a todos os títulos excecional, no princípio de condenação extra vel ultra petitum, positivada no artigo 74.º do CPT. 28. Norma que impõe ao juiz de Trabalho a condenação em quantidade superior ao pedido ou em objeto diverso dele quando isso resulte da aplicação à matéria provada, ou aos factos de que possa servir-se, nos termos do artigo 412.º do CPC, de preceitos inderrogáveis de leis ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho. 29. Seguindo de perto Artur da Silva Carvalho, “A Condenação Extra Vel Ultra Petitum”, Verbo Jurídico, 2008, trata-se de um mecanismo jurídico-processual único no ordenamento jurídico português, visto que confere ao Juiz o poder de garantir a prevalência da Justiça Material sobre a Justiça Formal. 30. Em respeito do princípio do dispositivo, no Processo Civil Comum, o Tribunal está impedido de condenar em quantia superior ou em objeto diverso do que for pedido, sob pena de a Sentença ser considerada nula. 31. No Processo Laboral isso não sucede, visto que existem na jurisdição laboral normas legais ou instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho inderrogáveis pela vontade das partes. 32. Como refere Pedro Romano Martinez, «enquanto o juiz em processo civil está condicionado a proferir a sentença dentro dos limites da quantia e do objeto peticionados, em processo de trabalho é conferida uma maior autonomia ao julgador, mediante a designada condenação extra vel ultra petitum.», Pedro Romano Martinez, “Direito do Trabalho”, Almedina, 3.ª Edição (2006), p. 1258. 33. Por isso, parafraseando Carlos Alegre, «O tribunal pode movimentar-se na ação, sem que a limitação dos termos em que foi proposta ou contestada constitua impedimento a fazer coincidir o que é direito» - pretensão substantiva - «com a intenção do demandante em pedir tudo a quanto tem direito» - pretensão processual -«eventualmente condenando em conformidade.», Carlos Alegre, “Código de Processo de Trabalho - Anotado”, Almedina, 6.ª Edição (2004) 34. A aplicação da condenação ultra petita verifica-se, pois, no momento da prolação da Sentença, realizando-se quando o Tribunal tenha concluído pela procedência na pretensão substantiva juridicamente possível, sem se considerar limitado pela pretensão efetiva traduzida no pedido. 35. O Processo Civil Comum admite por sua vez, embora de forma muitíssimo limitada, a existência de pedidos implícitos formulados conjuntamente com o petitório expresso da parte processual - para concluir pela possibilidade da respetiva admissão e condenação nos mesmos. 36. In casu, o que foi peticionado para além do pagamento de créditos laborais foi a reintegração laboral do Autor, a qual pressupõe que ocorra um despedimento e que este seja declarado ilícito, nos termos do artigo 389.º, n.º 1, alínea b) do CT. 37. O que equivale a dizer que a declaração da ilicitude do despedimento é pressuposto da reintegração, sendo esta uma inevitável consequência daquela, por consubstanciar a regra geral face ao despedimento ilícito - e que em regra apenas por escolha expressa do trabalhador ilicitamente despedimento é substituída por indemnização. 38. Cumpre também referir que a reintegração do trabalhador é uma consequência natural da ilicitude do despedimento, que com a consagração do direito à “segurança no emprego” consagrada no artigo 53.º da CRP, passou a ser entendimento praticamente pacifico na doutrina que a reintegração constitui, no caso de despedimento sem justa causa, uma imposição da lei fundamental. 39. Ou seja, pretendeu o Autor/trabalhador obter decisão judicial que determinasse a ilicitude do despedimento, para exigir do Réu/empregador não somente o pagamento das prestações salariais vencidas no momento anterior à anulação do despedimento, mas também o cumprimento pelo empregador das demais obrigações que advêm do contrato de trabalho e que se venceram após a anulação do despedimento, a efetiva reintegração. 40. O pedido implícito é o que pressupõe inequivocamente o pedido formulado, desde que, do corpo do articulado e dos seus fundamentos resultem razões de facto e de direito que para ele apelem e o chamem à colação da demanda, sendo esse o caso dos autos. 41. O pedido da verificação dos efeitos que a ilicitude do despedimento acarreta e respetiva condenação do Réu nos mesmos tem que ter em si implícito o pedido da declaração da ilicitude do despedimento. 42. Nesta senda, o que se retira do acórdão fundamento é que o pedido pode estar “deslocado” da conclusão final, desde que resulte do articulado, da “exposição dos factos e das razões de direito, mas com suficiente individualização em termos de propiciarem a sua deteção e compreensão com essa natureza: a de pedidos”. 43. O Apelante alegou no seu articulado as razões pelas quais entende estar na presença de um despedimento, e que este é ilícito, formulando o consequente pedido de reintegração. 44. É o que ocorre no presente caso, pois para além do supra alegado, é inequivocamente mencionada no articulado inicial, a invalidade do despedimento, mormente nos seus artigos 24.º, 28.º, 31.º, 34.º, 35.º e 36.º. 45. Ademais, e conforme melhor se expôs, a Ré na sua Contestação demonstrou compreender o peticionado pelo Autor, mormente a invalidade do despedimento, pelo que não poderia - por absurdo - considerar a petição inicial inepta a esse respeito, muito menos dizer-se que a questão não foi abordada ou referida. 46. Mas ainda que nada fosse dito a esse respeito, os factos essenciais aptos a permitir uma decisão do Tribunal nesse sentido foram dados como provados (factos provados como números 3. e 4.). 47. A causa de pedir dos pedidos formulados pelo Autor era apta a sustentar o pedido implícito de declaração da ilicitude do despedimento e, consequentemente, o pedido explícito de reintegração do trabalho. 48. Os factos essenciais para a decisão da causa nesse sentido foram devidamente alegados e, a fim, dados como provados, sendo que os poderes de cognição do Tribunal permitiriam sempre o conhecimento dos mesmos. 49. São inderrogáveis os preceitos legais relativos à estabilidade do emprego, que proíbem, além do mais, o despedimento que não seja precedido do competente procedimento. 50. Pelo que o Tribunal de 1.ª instância estava sempre obrigado, ao abrigo do poder-dever da condenação extra vel ultra petitum, a declarar a ilicitude do despedimento (pedido implícito) e a condenar o Réu na reintegração do Autor (pedido explícito). 51. O que não fez. 52. Veio então a decisão sumária do Tribunal da Relação de Lisboa retificar essa pecha da sentença judicial, não obstante a mesma ter sido revogada posteriormente pela conferência da mesma Relação, por se ter considerado, por um lado, nula por excesso de pronúncia face ao objeto do recurso e, por outro, como ofendendo a autoridade do caso julgado não só quanto ao incidente de ampliação do pedido (o qual foi indeferido e cujo recurso não foi admitido) mas também quanto à própria decisão de mérito sobre o thema decidendum, que como se já viu não considerou a existência do pedido implícito de declaração de ilicitude do despedimento. 53. Por sua vez, o recurso de revista excecional interposto também não foi admitido, do que se reclama no presente. C. Da nulidade da decisão que não admitiu o recurso de revista excecional: 54. Como se já disse, o recurso de revista excecional não foi admitido, com aparente esteio na falta de oposição entre o Acórdão recorrido e o Acórdão-fundamento. 55. E, diga-se aqui, aparente, pois não se vislumbra de facto uma verdadeira fundamentação para a decisão de que se reclama. 56. a decisão quanto à verificação dos pressupostos de admissibilidade do recurso de revista excecional, devendo ser sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso - cfr. artigo 672.º, n.os 3 e 4 do CPC. Porém, 57. O controlo da legalidade das decisões judiciais é uma garantia constitucionalmente protegida, nos termos do disposto no artigo 2 0.º da Constituição da República Portuguesa, sendo corolário do princípio da legalidade que perpassa em todo o ordenamento jurídico português e encontra expressão escrita nas normas adjetivas que regulam o processo. 58. Isto por dizer que independentemente da impossibilidade de apresentação de reclamação ou recurso contra uma decisão com a qual um cidadão português não concorde, o mesmo goza da garantia constitucionalmente protegida relativamente à legalidade dessa mesma decisão. 59. Legalidade essa que se subsume a aspetos formais e a aspetos substantivos, e em particular no que aqui se frisa, passa pela devida e válida fundamentação das decisões judiciais - cfr. se alcança, além do mais, do artigo 615.º, n.º 1, als. b) e c) do CPC. 60. O aresto que se sindica considera (p. 57) que «quanto à existência de pedidos implícitos, que foi tomada em consideração e julgada pela decisão sumária em sentido positivo, considera o mesmo coletivo que tal entendimento colide com a autoridade do caso julgado da decisão recorrida quanto à ampliação do pedido, porquanto não foi admitido o respetivo recurso, pelas razões que também resultam da decisão sumária 61. Outrossim, o acórdão fundamento vem postular (no seu sumário) que «I - No percurso expositivo de uma petição inicial (contendo a identificação das partes e da ação a narração e a conclusão) podem existir pedidos expressamente formulados como tal na conclusão do articulado e pedidos deslocalizados dessa conclusão final, formulados ao longo do articulado na exposição dos factos e das razões de direito, mas com suficiente individualização em termos de propiciarem a sua deteção e compreensão com essa natureza: a de pedidos; II - É o que sucede com a invocação expressa, embora ao longo da narração e não na conclusão do articulado, da aquisição pelos autores de um prédio por usucapião, quando da propriedade desse prédio se deduz (este no pedido expresso na conclusão) um direito de preferência dos referidos autores na alienação de um outro prédio (confinante e que onera o prédio dos autores com uma servidão de passagem); […] IV - A compreensão pelo réu, evidenciada na contestação, de que a afirmação dessa aquisição por usucapião envolve outras pessoas não demandadas pelos autores, significa ter o réu percebido a natureza de pedido implícito dessa aquisição por usucapião, alicerçando tal incidência, com base na regra interpretativa de um articulado processual que subjaz, com vocação de generalidade, ao artigo 193º, nº 3 do CPC (artigo 186º, nº 3 do Novo CPC) a consideração dessa referência à usucapião, não obstante deslocalizada da conclusão do articulado, como traduzindo um pedido efetivamente formulado pelos autores; V - Assim, envolvendo esse pedido implícito e deslocalizado de reconhecimento da aquisição por usucapião o afastamento da dominialidade desse prédio de outras pessoas não demandadas (os formalmente comproprietários com os autores de um prédio mais vasto integrando o que se afirma ter sido adquirido por usucapião), ocorre uma situação de litisconsórcio necessário natural entre os autores e aqueles comproprietários, em termos de estes deverem ser igualmente demandados para que a decisão relativa a esse direito de propriedade (o pedido implícito condicionante do pedido explícito referido ao direito de preferência) produza o seu efeito útil normal, nos termos do artigo 28º, nº 2 do CPC (artigo 33º, nº 2 do Novo CPC); VI - A preterição deste litisconsórcio necessário gera uma situação de ilegitimidade processual, determinando a prolação no saneador de uma decisão de absolvição da instância.» 62. Mostrando-se o sumário do acórdão fundamento consabidamente extenso, retira-se desde logo do mesmo - e, como não podia deixar de ser, resulta também da leitura integral dessa decisão - que a decisão de mérito proferida em 1.ª instância pode ser modificada em sede de recurso pela Relação, atendendo a um pedido implícito formulado pela parte demandante. 63. No caso do acórdão fundamento, a decisão da 1.ª instância, que consistiu na absolvição dos réus do pedido, foi substituída pela absolvição dos réus da instância, por verificação da exceção de ilegitimidade decorrente da preterição de litisconsórcio necessário. 64. Nesse processo, a força e autoridade do caso julgado (uma decisão absolutória de mérito) tiveram manifestamente que ceder perante uma nulidade processual (ilegitimidade decorrente da preterição de litisconsórcio necessário). 65. Aquilo que fora decidido por um Tribunal, foi revogado por outro atendendo à inobservância das normas adjetivas da lei de processo aplicável ao caso. 66. Sendo neste particular, naturalmente, absolutamente irrelevante o facto de se discutir naqueles autos uma aquisição por usucapião, e nestes a ilicitude de um despedimento. 67. O que está em causa em ambos é justamente essa inobservância das normas adjetivas da lei de processo aplicável. 68. In casu, e como melhor se explicitou, o Tribunal a quo ignorou o poder-dever da condenação extra vel ultra petitum, que obrigaria a declarar a ilicitude do despedimento (pedido implícito) e a condenar o Réu na reintegração do Autor (pedido explícito) - uma norma adjetiva da lei de processo aplicável. 69. No acórdão fundamento, o Tribunal a quo ignorou a exceção de ilegitimidade decorrente da preterição de litisconsórcio necessário decorrente da aquisição de um prédio por usucapião (pedido implícito) relativamente ao exercício do direito de preferência quanto a outro prédio (pedido explícito) - uma norma adjetiva da lei de processo aplicável. 70. Em ambos os casos, trata-se de pedidos implícitos considerados improcedentes a montante e que foram considerados procedentes a jusante, o que ocorreu por terem sido inobservadas as normas processuais aplicáveis a cada caso. 71. Mas nada disto foi entendido, referido ou fundamentado pelo acórdão que indeferiu a admissão do recurso de revista excecional. 72. O acórdão em causa limitou-se a entender essencialmente que, por se estar perante duas situações factualmente díspares, inexistiria oposição de julgados, insistindo que in casu ocorreria mesmo excesso de pronúncia por parte da relatora que proferiu a decisão singular, e que por esse motivo não poderia ser admitido o recurso de revista excecional. 73. A escassa argumentação trazida à lide pelo STJ insiste na tese do excesso de pronúncia por parte da relatora, nada dizendo relativamente à identidade entre a matéria de direito abordada em ambos os arestos em confronto. 74. É que o recurso de revista excecional, independentemente de como venha a ser decidido de mérito, tem em primeiro lugar que ser, ou não, admitido pelo STJ. 75. É admitido excecionalmente o recurso de revista de acórdão da Relação quando este esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme. 76. Ora, o coletivo do STJ pronunciou-se, antes de mais e de forma totalmente extemporânea, sobre as razões de mérito que, no seu entender, fariam desmerecer o recurso de revista excecional interposto. 77. Para o caso é absolutamente irrelevante que tenha ou não ocorrido excesso de pronúncia1 por parte da relatora da decisão singular que o coletivo da Relação veio revogar. 78. O que deve relevar aqui é, tão-só, a existência objetiva de uma contradição entre o Acórdão da Relação que se sindica e o acórdão fundamento que se trouxe à colação - e que, como se demonstrou, indubitavelmente existe! 79. A fundamentação trazida à liça pelo STJ como apta a sustentar a decisão de indeferimento da admissão do recurso de revista excecional é, assim, totalmente desadequada para esse fim, existindo manifesta contradição entre a decisão e a sua aparente fundamentação. 80. Existiria porventura fundamentação para uma eventual decisão de mérito - ainda que, a nosso ver, errada - sobre o recurso de revista excecional. 81. Não existe fundamentação para a decisão que não admitiu o referido recurso. 82. É nula a sentença cujos fundamentos estejam em oposição com a decisão, cfr. artigo 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC. 83. A garantia da legalidade das decisões está constitucionalmente protegida, cfr. artigo 20.º da CRP. 1 Não obstante, entende o Autor e Apelante que não ocorreu qualquer excesso de pronúncia por parte da relatora da decisão singular, nem tal poderia ter ocorrido. Atendendo ao específico quadro de poderes do juiz do Tribunal do Trabalho que se abordou já neste articulado e cabendo aos Tribunais superiores o controlo efetivo da atividade jurisdicional da primeira instância, não se compreende como se pode vedar à Relação (singularmente ou em coletivo) a faculdade de modificação de uma decisão de mérito atendendo à consideração de pedidos implícitos que foram ignorados em primeira instância, ou mesmo o exercício, ainda que posterior, do poder-dever da condenação extra vel ultra petitum. 84. A decisão que não admitiu o recurso de revista excecional é nula por falta de fundamentação, pelo que deve a mesma ser revogada. 85. Em consequência, deve ser admitido e decidido o Recurso de Revista Excecional, sendo a final revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo substituído pela decisão sumária proferida pela relatora, com todas as legais cominações ou, caso assim não se entenda, por outra que venha a admitir o pedido implícito. 86. Postulando nesse caso o Autor e Apelante que, por forma a não prejudicar o princípio do contraditório, deverão baixar os autos à primeira instância para decisão de mérito relativamente ao pedido implícito de ilicitude do despedimento. Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve a presente arguição de nulidade ser considerada procedente, por provada, e em consequência ser revogada a decisão que não admitiu o Recurso de Revista Excecional. Mais deve, a final, ser revogado o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, sendo substituído pela decisão sumária proferida pela relatora, com todas as legais cominações ou, caso assim não se entenda, por outra que venha a admitir o pedido implícito de ilicitude do despedimento, devendo nesse caso baixar os autos à primeira instância para ser proferida decisão de mérito relativamente ao mesmo.» 2. Cumpre apreciar e decidir: Como já se referiu o recorrente veio arguir a nulidade do acórdão que lhe indeferiu o recurso de revista excecional, invocando o disposto do artigo 615.º, n.º 1, als. b) e c) do CPC e artigo 20.º da CRP. A propósito da causa de nulidade da sentença, prevista no art.º 615.º, n.º1, al. b) do CPC, Amâncio Ferreira (Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 39 e 40) refere: «A falta de motivação suscetível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito. A motivação incompleta, deficiente ou errada não produz a nulidade, afetando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso. Para que haja falta de fundamentos de facto, como causa de nulidade de sentença, torna-se necessário que o juiz omita totalmente a especificação dos factos que considere provados, de harmonia com o se estabelece no n.º 3 do art.º 659.º, e que suportam a decisão. No que concerne aos fundamentos de direito, duas notas se impõe destacar: à uma, o julgador não tem que apreciar todas as razões jurídicas produzidas pelas partes, se bem que não encontre dispensado de resolver todas as questões por elas suscitadas: à outra, não é forçoso que o juiz indique as disposições legais em que baseia a sua decisão, bastando que mencione as regras e os princípios jurídicos que a apoiam». Também Cardona Ferreira (Guia dos Recursos em Processo Civil, 6.ª edição, Coimbra Editora, pág. 69) relativamente a esta questão refere: «A hipótese da alínea b) do n.º 1 do art.º 615.º conjuga-se com o dever de fundamentar as decisões que impende sobre o Juiz. Omissão dos fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão (cfr. Art. 154.º), não é o mesmo que fundamentação insuficiente, inadequada ou, até errada; note-se que o art.º 154.º tem de ser entendido e aplicado sem prejuízo do alcance do art.º 205.º, n.º1, da CRP; As decisões dos Tribunais que não sejam de mero expediente são fundamentadas na forma prevista na lei». No que concerne à nulidade prevista na alínea c) do art.º 615.º do CPC ̶ Oposição entre os fundamentos e a decisão ̶ Amâncio Ferreira (obra citada, pág. 40) especifica que a mesma «refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão: a construção da sentença é viciosa, uma vez que os fundamentos referidos pelo juiz conduziriam necessariamente a uma decisão de sentido oposto ou, pelo menos, de sentido diferente. Vejamos a fundamentação do acórdão que indeferiu a revista excecional: A recorrente indicou como Acórdão fundamento o Acórdão n.º 217/12.5TBSAT.C1, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 3.12.2013, Proc. 217/12.5, Secção Cível, sublinhando que este Acórdão e o Acórdão recorrido foram proferidos no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. No texto do acórdão a questão foi desenvolvida nos seguintes termos: «Entendemos que a efetiva compreensão pelo julgador dentro do processo (dentro de um mesmo processo) de quais os pedidos explícitos e devidamente localizados e de quais os pedidos implícitos e, eventualmente, deslocalizados dentro do articulado – isto no sentido de serem somente apresentados na narração e, portanto, fora da parte conclusiva do articulado inicial e menos claramente –, entendemos que uma incidência deste tipo, dizíamos, deve ser objeto (repetimos: dentro do mesmo processo) de um tratamento coerente e uniforme. É que, se se diz algo equivalente a que esse pedido existe, para daí deduzir um pressuposto processual, caso da legitimidade ad causam, não cremos que se possa, depois disso, deixar de pressupor a existência desse mesmo pedido (dizer até que ele não foi formulado…) para efeitos de aferição da legitimidade substantiva que é dedutível da formulação desse mesmo pedido. Vale aqui o entendimento que, sendo discutível – admitimos que o seja –, foi aceite recentemente no Acórdão desta Relação de 10/09/2013 (…), também subscrito pelos ora relator e o aqui Primeiro Adjunto: “[o] pedido formulado pelo autor na petição inicial (artigo 467º, nº 1, e) do CPC) deve, em regra, ser feito na conclusão. Contudo, tal não obsta a que possa também ser expresso na parte narrativa do articulado, desde que se revele com nitidez a intenção de obter os efeitos jurídicos pretendidos”. Ancora-se esta posição, desde logo, no entendimento de um articulado processual, designadamente uma petição inicial, como configurando “[…] uma declaração de vontade tendente a obter determinado efeito jurídico, devendo ser interpretada segundo o critério estabelecido nos artigos 236.º, n.º 1 e 238.º n.º 1 do Código Civil […]”, acrescentando-se colher este entendimento algum respaldo no artigo 295.º do CC, ao determinar a aplicação aos atos jurídicos que não se configurem como negócios jurídicos das disposições do Código Civil referentes a estes, designadamente das atinentes à interpretação e integração previstas nos ditos artigos 236.º, n.º 1 e 238.º, n.º 1, “na medida em que a analogia das situações o justifique”. Esta problemática acaba por entroncar na da caracterização disjuntiva dos atos das partes no processo, quanto aos efeitos, como atos de natureza constitutiva ou postulativa, sendo que um articulado processual – uma petição inicial, uma contestação, uma réplica ou um outro articulado – corresponderá tendencialmente, na sua função primordial (propor uma ação, contestá-la e reconvir, responder a uma exceção, etc.), à categoria de ato postulativo. Note-se que a referência ao artigo 236.º do CC interessa neste contexto (o da interpretação de ato processual correspondente a um articulado) como via para afirmar a relevância de um sentido normal da declaração na compreensão do efetivo sentido desse ato em algum dos seus elementos e até, por referência ao n.º 2 do mesmo artigo 236.º, para conferir valor interpretativo ao conhecimento pelos destinatários desse ato processual – destinatários que aqui funcionariam como declaratários – da vontade real do declarante. Esta questão é desenvolvidamente tratada por Paula Costa e Silva (na obra referida na nota 12 supra- Ato e Processo. O Dogma da Irrelevância da Vontade na Interpretação e nos Vícios do Ato Postulativo, Coimbra, 2003, p. 210), tomando como ponto de partida a afirmação de não ter o legislador do Código de Processo Civil construído um sistema de interpretação dos atos de processo nos termos em que isso sucede relativamente à lei, nos artigos 9.º e seguintes do CC e à declaração negocial nos artigos 236.º e seguintes do CC: “[…] Se é verdade que o Código de Processo Civil não contém um regime geral de interpretação dos atos das partes, é também verdade que ele inclui uma disposição fundamental em matéria de interpretação, a maioria das vezes não qualificada como tal. Referimo-nos ao artigo 193.º, n.º 3 [[12]]. […] Existe um paralelismo evidente entre o disposto no artigo 236.º, n.º 2 do CC e no artigo 193.º, n.º 3 do CPC. De acordo com o artigo 236.º, n.º 2 do CC, a declaração emitida vale com a vontade real do declarante, se esta for conhecida do declaratário. O que significa que pode existir uma total descoincidência entre a vontade real e a vontade tal como foi ou aparece declarada. Neste caso, e porque o declaratário sabe exatamente aquilo que o declarante pretende, passa-se por cima do texto, valendo a declaração eventualmente com um sentido que aquele nem sequer comporta. O que encontramos no artigo 193.º, n.º 3 é algo de semelhante. Também neste caso a petição vale de acordo com o sentido real que o autor pretendia atribuir-lhe. A interpretação (no caso da ininteligibilidade) ou a integração (no caso de falta) realizadas pelo réu mostram que ele atribuiu o sentido correto à imprecisa ou incompleta forma de expressão do autor. Tanto num caso, como no outro, o sentido do ato pode ser fixado contra o texto. No entanto, há uma dissemelhança entre os dois regimes. Enquanto o artigo 236.º, n.º 2 vincula o declaratário a uma intenção, que ele conhece, e que não pressupõe uma interpretação da declaração, o artigo 193.º, n.º 3 pressupõe que seja através da interpretação que o declaratário consegue apurar a intenção do declarante. Num caso, a intenção é oponível porque é conhecida; no outro, essa intenção é oponível porque foi descoberta. E acrescenta a Professora Paula Costa e Silva, justificando a vocação de generalidade como regra interpretativa do artigo 193º, nº 3 do CPC no que tange aos atos processuais: “[…] Se os diversos sujeitos processuais procederem a uma descodificação do ato, fixando-lhe um sentido comum, será este o sentido juridicamente relevante do ato postulativo. O que equivale a dizer que, havendo uma coincidência entre a intenção do autor e o sentido apreendido da formalização dessa intenção, será esse o sentido com que deve valer o ato. Pelo que, em caso de entendimento comum do ato postulativo, o sentido que a este é fixado coincide com o sentido genericamente considerado relevante quando se procede à fixação do sentido de uma declaração negocial. Nestes casos, exprimindo o ato de forma adequada a intenção do seu autor e sendo essa intenção apreendida, tanto pelo tribunal, como pela parte contrária, poderá concluir-se que o ato terá o sentido correspondente à intenção do seu autor.» (fim da transcrição parcial do acórdão fundamento). * No Acórdão n.º 217/12.5TBSAT.C1, proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra em 3.12.2013, Proc. 217/12.5, defendeu-se a admissibilidade de um pedido implícito, no caso a aquisição de um prédio por usucapião, no âmbito de uma ação de preferência quando se constata a indicação, no articulado, dos elementos que se entende integrarem a usucapião, seguida da referência expressa de se invocar esse título aquisitivo da propriedade, mesmo que no elenco final dos pedidos este reconhecimento da propriedade não seja expressamente formulado como pedido, mas tão-só o pedido de declaração do direito de preferência, condicionado pelo reconhecimento daquele direito de propriedade. O Acórdão recorrido foi proferido numa ação de processo comum laboral e incidiu sobre uma reclamação para a conferência de um despacho singular do relator, tendo sido decidido: Confrontando os dois arestos conclui-se que não existe oposição de julgados. O Acórdão fundamento defende, em tese, a admissibilidade de pedidos implícitos, para depois, face à factualidade alegada, num caso concreto, totalmente diferente do tratado no acórdão recorrido, concluir pela admissibilidade de um pedido que considerou implícito. O Acórdão recorrido não rejeita, em tese, a admissibilidade de pedidos implícitos, limitando-se, num quadro processual diferente, a revogar a decisão da relatora considerando que efetivamente ocorreu excesso de pronúncia, face ao objeto do recurso, que nada refere quanto a qualquer pedido implícito referente à existência de despedimento e sua ilicitude, sendo certo que o próprio Autor, peticionou uma ampliação do pedido, por não o ter formulado corretamente ab initio, que não foi admitida. O Acórdão recorrido acrescenta que a decisão, transitada em julgado, faz depender os pedidos formulados de reintegração e pagamento de salários intercalares da existência de um pedido expresso de despedimento e de despedimento ilícito, pelo que não pode agora o Tribunal da Relação, enveredar pelo argumento da existência de um pedido implícito, face ao caso julgado que se formou. Verifica-se assim que estamos perante situações diversas que, face às suas particularidades, não podem ser equacionadas, em termos de solução jurídica, como tendo na sua base a mesma questão fundamental de direito, sendo certo que o decidido no acórdão recorrido, num quadro processual diferente, em nada contradiz o afirmado no acórdão fundamento. Pelo exposto, acorda-se em indeferir a admissão da revista excecional interposta pelo recorrente do acórdão do Tribunal da Relação.» Através da leitura da fundamentação do acórdão é patente que a questão que foi colocada pelo recorrente, em sede de revista excecional, foi equacionada e decidida através de um percurso lógico, em que foi sendo desenvolvida uma argumentação que o coletivo da formação considerou em conformidade com o regime legal em vigor. Assim, não se vislumbra que o acórdão enferme da nulidade apontada de falta de fundamentação, prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea b) do CPC, pelo menos na aceção que tem sido aceite pela doutrina e pela jurisprudência que, como já se disse, só considera que a falta de motivação é suscetível de integrar a nulidade de sentença quando estamos perante uma falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito. Por outro lado, o raciocínio elaborado que conduziu à decisão não denota qualquer contradição real entre os fundamentos e a decisão, pelo que também não se verifica a alegada prevista no art.º 615.º, n.º 1, alínea c) do CPC. Acrescente-se que a decisão a que alude o n.º 3 do art.º 672.º do CPC apenas tem de apreciar a verificação dos pressupostos da admissibilidade do recurso de revista excecional. Nos termos do n.º 4 do preceito citado a referida decisão, sumariamente fundamentada, é definitiva, não sendo suscetível de reclamação ou recurso. Esta opção do legislador, no que concerne a uma decisão de uma formação constituída por três juízes escolhidos anualmente pelo presidente de entre os mais antigos das secções cíveis, em nada contende, no nosso entender, com o acesso ao direito tal como se encontra definido no art.º 20.º da Constituição da República Portuguesa. Nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 15.º-A do DL n.º 20/2020, de 1 de maio, declaro que os Exmos. Juízes Conselheiros adjuntos António Leones Dantas e Júlio Manuel Vieira Gomes votaram em conformidade. |