Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARGARIDA BLASCO | ||
Descritores: | TRÁFICO DE ESTUPEFACIENTES TRÁFICO DE MENOR GRAVIDADE QUALIFICAÇÃO JURÍDICA REGIME PENAL ESPECIAL PARA JOVENS CONDUÇÃO SEM HABILITAÇÃO LEGAL PENA ÚNICA PENA SUSPENSA PRESSUPOSTOS PENA DE PRISÃO MEDIDA DA PENA | ||
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Data do Acordão: | 04/08/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO O RECURSO PARCIALMENTE PROCEDENTE. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - Dispõe o art. 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, que comete o crime do tipo fundamental de tráfico: “(q)uem, sem para tal se encontrar autorizado, cultivar, produzir, fabricar, extrair, preparar, oferecer, puser à venda, vender, distribuir, comprar, ceder ou por qualquer título receber, proporcionar a outrem, transportar, importar, exportar, fizer transitar ou ilicitamente detiver, fora dos casos previstos no artigo 40.º, plantas, substâncias ou preparações (estupefacientes e psicotrópicas) compreendidas nas tabelas I a III”, sendo punido com pena de prisão de 4 a 12 anos. II - A previsão legal do art. 21.º, do DL n.º 15/93 contém a descrição típica do crime de tráfico de estupefacientes, de maneira compreensiva e de largo espectro, contendo o tipo base, fundamental, essencial, matricial. Trata-se de um tipo plural, com actividade típica ampla e diversificada, abrangendo desde a fase inicial do cultivo, produção, fabrico, extracção ou preparação dos produtos ou substâncias até ao seu lançamento no mercado consumidor, passando pelos outros elos do circuito, mas em que todos os actos têm entre si um denominador comum, que é exactamente a sua aptidão para colocar em perigo os bens e os interesses protegidos com a incriminação. Tem sido englobado na categoria do "crime exaurido", "crime de empreendimento" ou "crime excutido". É um crime de perigo comum. E é, também, um crime de perigo abstracto. E consuma-se com a simples criação de perigo ou risco de dano para o bem jurídico protegido (a saúde pública na dupla vertente física e moral). III - Por seu turno, o art. 25.º, do DL n.º 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no artigo 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma. Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”. O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta, pois, de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (art. 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir exemplificativamente “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”. IV- Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade: (1) o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”; (2) a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza; (3) a dimensão dos lucros obtidos; (4) o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; (5) a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas; (6) a duração temporal da atividade desenvolvida; (7) a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma; (8) a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores; (9) o número de consumidores contactados; (10)a extensão geográfica da atividade do agente; (11) a existência de contactos internacionais; (11) o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados. V - Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade. VI - A situação de vendedor de rua, contactando o agente diretamente os consumidores, enquadra-se normalmente neste preceito, mas não necessariamente. Também a cedência gratuita ou a guarda por conta de outrem sem intuito lucrativo integrarão normalmente, mas não obrigatoriamente, este tipo criminal. VII - É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no art. 21.º. VIII- Assim, o art. 25.º encerra um específico tipo legal de crime, o que pressupõe a sua caracterização como uma variante dependente privilegiada do tipo de crime do artigo 21.º. IX - A sua aplicação tem como pressuposto específico a existência de uma considerável diminuição do ilícito; pressupõe um juízo positivo sobre a ilicitude do facto, que constate uma substancial diminuição desta, um menor desvalor da acção, uma atenuação do conteúdo de injusto, uma menor dimensão e expressão do ilícito. X - Respeita, assim, os pressupostos da disposição, todos eles, ao juízo sobre a ilicitude do facto no sentido positivo, constatando, face à específica forma e grau de realização do facto, que o caso se situará forçosamente aquém da necessidade de pena expressa pelo limite mínimo do tipo base, uma substancial diminuição desta. XI - E, sendo os índices, exemplos padrão, enumerados no preceito, a par de outros, atinentes, uns, à própria acção típica (meios utilizados, modalidade, circunstâncias da acção), outros, ao objecto da acção típica (qualidade ou quantidade do estupefaciente), pertencem todos ao desvalor da conduta, à execução do facto, fazendo parte do tipo de ilícito, não entrando em acção qualquer consideração relativa ao desvalor da atitude interna do agente, à personalidade deste, ao juízo sobre a culpa. XII - Constitui, assim, o art. 25.º, al. a), do DL n.º 15/93, de 22-01, uma "válvula de segurança do sistema'', destinado a evitar que se parifiquem os casos de tráfico menor aos de tráfico importante e significativo, evitando-se que situações de menor gravidade sejam tratadas com penas desproporcionadas ou que se utilize indevidamente uma atenuação especial. XIII - A pretensão do recorrente teria, naturalmente de encontrar alicerce bastante, na matéria de facto provada. Evidencia-se que a sua actividade se reconduz ao chamado tráfico de rua. Não obstante, tal tipo de tráfico não permite a conclusão de que estamos perante factualidade a integrar no art 25.º, al. a), do DL n.º 15 / 93, de 22-01, com referência às suas Tabelas anexas I-A, I-B e I-C. Com efeito, compulsada a matéria assente verifica-se que o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, objecto do tráfico pelo recorrente, compreendiam, para além de cannabis, heroína e cocaína, de resto, com especial destaque para estas duas últimas, reconhecidamente substâncias mais danosas para a saúde do consumidor e de maior poder aditivo, qualificadas, por isso, como drogas duras; a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza uma bola contendo 24,542 g de heroína, outras duas bolas contendo 13,109 g de cocaína -50 embalagens, um embrulho contendo 10, 655 g de cocaína, uma embalagem com 30,070 g de heroína, uma embalagem plástica contendo 59 g de paracetamol / cafeína, um IPhone marca Apple apreendidas em duas ocasiões totalmente diferentes do ano de 2019; o uso de veículos automóveis, para as deslocações que ao tráfico importavam; o facto de não ser conhecida ao recorrente actividade profissional regular. São factores, todos eles, que convergem exactamente no sentido de que não estarmos perante situação em que a ilicitude se possa considerar, como consideravelmente diminuída. XIV - O crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. XV - A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, de harmonia com o disposto nos arts. 71.º e 40.º, n.º 2, ambos do CP, deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. XVI - Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os factores de determinação da pena elencados no n.º 2, do art. 71.º, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração). XVII - Por seu turno, o art. 40.º, n.º 1, do CP, estabelece que a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado. XVIII - Entende o recorrente que à data da prática dos factos descritos na acusação, e pelos quais o arguido foi condenado, este tinha apenas 20 anos de idade, tendo o tribunal recorrido ponderado a aplicação do Regime Especial Penal para Jovens consagrado no DL n.º 401/82, de 23-09, decidindo não ser de o aplicar ao arguido. Interpretação esta com a qual não pode concordar. XIX - Está assente na jurisprudência que o poder de atenuar especialmente a pena aos jovens delinquentes é um verdadeiro poder-dever, isto é, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam as sérias razões a que se refere o DL n.º 401/82, de 23-09, e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena. Não sendo este regime de aplicação automática, não basta para o accionar, o simples facto de o agente ter idade compreendida na previsão legal, impondo-se um juízo positivo, desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção, devendo sobressair face à gravidade dos factos provados, a prevalência das finalidades politico-criminais que estão no fundamento do regime penal para jovens. Ou seja, que com a atenuação prevista no artigo 4.º do citado Diploma, as condições e a idade do arguido possam fazer crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção. XX - Deste modo, o prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, no caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes. A idade não determinará, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente, porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, na qual terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos arts. 72.º e 73.º, do CP. XXI - No caso do ora recorrente, as finalidades da prevenção especial positiva em caso algum podem justificar a aplicação de uma pena que frustre as da prevenção geral de integração. Atenta a natureza, a gravidade do ilícito e as circunstâncias em que o arguido cometeu o crime, deve concluir-se que não existem razões sérias para acreditar que decorram da atenuação especial vantagens para a reinserção social do arguido, verificando-se que a tais vantagens se opõem as exigências de prevenção geral. Pelo que, improcede esta pretensão do recorrente. XXII - O crime de condução sem habilitação legal apresenta-se como um crime de perigo abstracto que tutela a segurança rodoviária. São os seguintes os seus elementos constitutivos: (1) a condução na via pública ou equiparada;(2) a inexistência de título legítimo que habilite o condutor a exercer a condução de veículo (arts. 121.º e 122.º, n.º 1, do CE); e o dolo (elemento subjectivo do tipo). XXIII - Face à matéria dada por assente, verifica-se que a conduta levada a cabo pelo ora recorrente, no dia 03-12-2019, preenche os elementos típicos do crime de condução sem habilitação legal. Este tipo de crime convoca as prementes necessidades de prevenção geral, atendendo ao elevado nível de sinistralidade rodoviária em Portugal. XXIV - Entendemos, que quanto ao critério de escolha da pena e invocando os pressupostos ditos no art. 70.º do CP, como foi decidido no acórdão recorrido que o pressuposto da aplicação de uma pena não privativa da liberdade, manifestamente não se verifica. O recorrente já havia sido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, o que em nada lhe serviu de advertência quanto à reiteração de tal comportamento. XXV - Acresce que o grau da ilicitude, agora no contexto de tráfico de droga, se mostra elevado, impondo-se a conclusão de que a aplicação de pena não privativa da liberdade, não satisfaz in casu de forma adequada e suficiente as finalidades da punição, pelo que não pode ser aplicada uma pena de multa. XXVI - A natureza da droga traficada, tendo em consideração que a cocaína e a heroína são consideradas droga duras; a actividade de tráfico foi exercida numa área geográfica restrita; o modo de execução do crime praticado que não revela grande preparação técnica, sendo o tráfico efectuado com utilização de logística rudimentar; o grau de ilicitude do facto, a intensidade elevada da actividade desenvolvida, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, ou seja, obtenção de proveitos económicos (dinheiro); a gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera mediana, considerando, por um lado, não só o período de tempo em que o arguido se dedicou ao tráfico, mas também ao número de toxicodependentes que se apurou serem seus clientes; a intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é intenso e directo; as necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam. A simples existência de droga nas mãos de alguém, constitui, por si só, um perigo e uma ameaça social que põe em risco toda a comunidade, não sendo aceite pela mesma considerando o número de vidas que são ceifadas e a destruição dos lares onde a droga acaba por entrar. Estamos perante um crime contra a saúde pública, onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes. Além disto, o “sentimento jurídico da comunidade” apelando, por um lado, a uma eliminação do tráfico de estupefacientes e, por outro lado, também anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas, isto é, uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos lesados com o crime. Aliás, tendo em conta as características desta criminalidade e os seus efeitos nefastos para a sociedade, as exigências de manutenção da confiança geral na validade da norma e, portanto, a confiança de que estas condutas são punidas, impõem exigências acrescidas de restauração da paz jurídica; o arguido revela uma situação económica instável, não tem formação profissional nem actividade profissional regular; encontrava-se a viver sozinho num quarto alugado, com fraca inserção familiar; tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal e furto qualificado, vindo a praticar os factos pelos quais vai ora condenado, no período de suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada; a seu favor, pesa a circunstância de ainda ser jovem, embora não tenha manifestado qualquer capacidade de auto-crítica. XXVII - A pena abstracta pela prática deste ilícito (tráfico de estupefacientes) é fixada entre 4 e 12 anos de prisão. E que lhe foi aplicada a pena de 5 anos e 4 meses de prisão. Ora, tendo em conta a intensidade do dolo e o apontado grau de ilicitude do facto, e tendo-se a culpa como mediana, permitindo que a pena se fixe em patamar situado junto do limite mínimo da moldura penal, entendemos ser de fixar uma pena 4 anos e 6 meses de prisão (quanto ao crime de tráfico de estupefacientes). XXVIII - Face ao disposto no n.º 2, do art. 77.º, do CP, a moldura penal determinada pelo presente concurso tem como limiar máximo 5 anos de prisão, e como limiar mínimo 4 anos e 6 meses de prisão. Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, releva especialmente a relação temporal existente entre os crimes praticados (contemporâneos), o número de crimes (dois), a natureza dos crimes (diferenciada), e o percurso de vida do arguido, também ele, globalmente considerado. Estes factores mostram que as exigências de prevenção especial, mas também geral, de reafirmação da validade da ordem jurídica, presentes no caso, não são menosprezáveis sem serem muito elevadas, embora a medida da gravidade global dos factos ser dada essencialmente pelo crime de tráfico de estupefacientes, sendo igualmente relevante, mas não muito acentuado o grau de culpa manifestado nos factos. Assim, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstracta aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). XXIX - Estando em concurso a prática pelo arguido de 1 crime de tráfico de estupefacientes e 1 crime de condução sem habilitação legal, partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre 5 anos de prisão e 4 anos e 6 meses de prisão , atendendo ao critério e princípios supra enunciados, designadamente a consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, procedendo ao cúmulo jurídico, das penas parcelares nos termos do art. 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada a pena única de 4 anos e 8 meses de prisão. XXX - Esta pena admite a suspensão da execução, por força do art. 50.º, n.º 1, do CP, medida expressamente solicitada pelo arguido e que sempre teria de ser ponderada, por força da mesma disposição legal. Condição formal da suspensão da pena de prisão é esta não ser superior a 5 anos, o que é o caso, encontrando-se a mesma preenchida. XXXI - À opção pela suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida de reacção criminal autónoma, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo exclusivamente as exigências postas pelas finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização (art. 40. º, n. º1, do CP). De molde que a opção por esta pena deverá assentar, em primeira linha, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efectiva execução desta prisão, que ficaria suspensa, mas desde que esta opção não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão. XXXII - Com efeito, perante o grau de ilicitude dos factos praticados, o passado criminal do arguido e a personalidade que assim se revela (a seu favor, pesa a circunstância de ainda ser jovem, embora não tenha manifestado qualquer capacidade de auto-crítica), parece evidente que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão” não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição consagradas no artigo 40.º, n.º 1 do CP. XXXIII - Não pode, pois, fundadamente sustentar-se que a (nova) simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, agora, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, quando já anteriormente não demoveram o recorrente da prática de outros crimes. XXXIV - O dolo directo do arguido e a intenção, exclusiva, de obter proventos com actividade de tráfico de estupefacientes concorrem para a acentuação da culpa, ainda assim sem ultrapassar os patamares intermédios. Donde não ser susceptível de suspensão a execução da pena fixada. | ||
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Decisão Texto Integral: | Processo n.º 1/19.5PBPTM.S1 Arguido preso[1]
Acordam, em conferência, na 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça
I. 1. Nos autos de processo comum em referência, foi proferido acórdão em 26.11.2020 no Juízo Central Criminal ……-J….- do Tribunal Judicial da Comarca……, onde se decidiu condenar o arguido AA em autoria material, sob a forma consumada e em concurso real, pela prática de: - um crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punível (p.e p.) pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, e mapa anexo à Portaria n.º 94/96, na pena de 5 (cinco) anos 4 (quatro) meses de prisão: - um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena de 6 (seis) meses de prisão; - e, em cúmulo jurídico das penas, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. 2. Inconformado veio o arguido recorrer deste acórdão para o Supremo Tribunal de Justiça, apresentando as seguintes conclusões na sua motivação, que se transcrevem: (…) 1. O Tribunal de 1.ª Instância, condenou o Recorrente na pena única de (05) cinco anos e (06) seis meses de prisão, pela prática em autoria material, de um crime de tráfico de estupefacientes p. e p. pelo art.º 21.º do DL 15/93 de 22 de Janeiro a que correspondeu uma pena de (05) cinco anos e (04) quatro meses de prisão, e pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo art.º 3.º n.ºs 1 e 2 do Dl 2/98 de 03 de Janeiro, com referência ao art.º 121.º do Código da Estrada a que correspondeu uma pena de (06) seis meses de prisão. 2. O Recorrente não concorda com o entendimento constante no douto acórdão, razão pela qual interpõe o presente recurso. 3. No que se refere ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo art.º 21.º n.º 1 do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, pelo qual o Recorrente foi condenado numa pena de (5) cinco anos e (4) quatro meses de prisão, deverá esse Colendo Tribunal ponderar o seguinte: 4. Da factualidade julgada provada e não obstante o lapso temporal apenas se alcança vendas de produto estupefaciente a 3 consumidores, vide factos provados n.º 22, 23 e 24 do acórdão recorrido; 5. Pelo que, salvo melhor opinião, a atividade de venda de estupefaciente pelo Arguido poderá ser qualificada de diminuta. 6. No que se reporta à atividade de tráfico e a forma como foi desenvolvida é de referir que a mesma foi exercida por contacto direto do Recorrente com quem consome, portanto sem recurso a intermediários, e com os meios normais que as pessoas usam para se relacionarem contacto pessoal e telefónico; 7. As quantidades transacionadas pelo Recorrente eram adequadas ao consumo do adquirente; 8. Resultou evidente os rudimentares meios utilizados para empreender a venda do estupefaciente, não tendo qualquer sofisticação as embalagens e os demais meios utilizados; 9. Os proventos obtidos destinaram-se à subsistência própria do Recorrente, mantendo um nível de vida modesto, disso dá nota a factualidade julgada provada; 10. A atividade de tráfico foi desenvolvida numa pequena circunscrição geográfica, sendo certo que as vendas foram todas realizadas na cidade ………. . 11. Assim considerando as orientações desse Colendo Tribunal – Acórdão STJ Processo N.º 127/09.3PEFUN.S1, de 23-11-201 – sobretudo por razões de ordem comparativa, o Arguido ora Recorrente não será um grande traficante. 12. Em face de todo o circunstancialismo fáctico julgado provado, entendemos ser de concluir por uma imagem global dos factos menos negativa, justificativa de uma considerável diminuição da ilicitude, razão pela qual nos parece defensável, o seu enquadramento jurídico como tráfico de estupefacientes de menor gravidade. 13. Considerando, a detenção, apreensão, qualidade e quantidade de produto estupefaciente apreendido, ao Recorrente; 14. Que, as quantias monetárias apreendidas que não são de todo compatíveis com uma atividade de relevo. 15. Somos da opinião que, é ainda possível integrar a conduta do Arguido na previsão legal do art.º 25º, al. a) do DL 15/93, de 22/1. 16. Impondo-se a revogação da decisão recorrida, sendo o Arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade. Tal ilícito é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos. 17. À data da prática dos factos descritos na acusação, e pelos quais o Arguido ora Recorrente foi condenado, este tinha apenas 20 anos de idade. 18. Em face de se tratar dum jovem adulto, o Tribunal recorrido ponderou a aplicação do Regime Penal para Jovens consagrado no DL n.º 401/82 de 23 de Setembro, decidindo não ser de o aplicar ao Recorrente. 19. Pois bem, certamente todos concordarão que tal regime especial não pretende premiar o arguido pela sua tenra idade no percurso criminal. Porém, 20. A imposição de um regime penal próprio para os designados "jovens delinquentes" traduz uma das opções fundamentais de política criminal, ancorada em conceções moldadas por uma racionalidade e intencionalidade de preeminência das finalidades de integração e socialização, e que, por isso, comandam quer a interpretação, quer a aplicação e a avaliação das condições de aplicação das normas pertinentes. 21. O regime pressuposto no art.º 9º do Código Penal consta (ainda hoje) do Decreto-Lei nº 401/82, de 22 de Setembro, e contém uma dupla vertente de opções no domínio sancionatório: evitar, por um lado e tanto quanto possível, a pena de prisão, impondo a atenuação especial sempre que se verifiquem condições prognósticas que prevê (art.º 4º), e por outro, pelo estabelecimento de um quadro específico de medidas ditas de correção (art.º s 5º e 6º). 22. O regime penal dos jovens permite compatibilizar a reafirmação da validade das normas e dos valores que protegem, como elementos de coesão comunitária e a contribuição para o reencaminhamento para o direito do agente do facto. 23. No caso do Recorrente, a medida da pena que foi aplicada por ser excessiva, tem um efeito contraproducente, uma vez que em nada contribui para a reintegração do Arguido, sendo esse o objetivo fulcral da aplicação do Regime Especial Para Jovens. 24. Pelo que, uma pena especialmente atenuada irá potenciar a integração social do Recorrente, impondo-se a revogação da decisão recorrida, decidindo esse Colendo Tribunal pela aplicação ao recorrente do Regime Especial para Jovens previsto no DL n.º 401/82 de 23 de Setembro. 25. As penas parcelares, e consequentemente a pena única de prisão, efetiva, aplicada ao Recorrente, um cidadão que, reunindo manifestas condições para a suspensão da execução da pena, que merece a confiança da justiça, integrado na sociedade, com família, com hábitos de trabalho no ramo artístico, só pode comprometer a sua ressocialização em virtude dos nefastos efeitos da reclusão. 26. A pena concreta a aplicar dentro da moldura abstrata previstas na lei, deverá ser determinada tendo em vista as finalidades que presidem à aplicação das penas, da proteção dos bens jurídicos e da reintegração do agente na sociedade – nos termos do art. 40.º n.º 1 do CP – em função das exigências de prevenção de futuros crimes - nos termos do art. 71º do CP - e, tendo a culpa do arguido por limite inultrapassável, como preceitua o art. 40º n.º 2 do CP. 27. À data da prática dos factos o Arguido tinha 20 anos de idade, pelo que, deverá o Tribunal ad quem alterar a decisão recorrida, determinando a aplicação do Regime Especial Penal dos Jovens ao recorrente, tendo presente que na sua aplicação as razões de ressocialização devem prevalecer sobre as questões da ilicitude e da culpa, entendendo que a atenuação especial da pena constituirá um impulso positivo na reinserção social desse arguido – vd. Ac. do STJ de 21/9/2006 relator Sr. Consº. Rodrigues da Costa, disponível em www.dgsi.pt. 28. No que se refere ao crime de condução sem habilitação legal, a decisão recorrida viola o disposto nos art.º 40º n.º 1 e 71.º, n.º 1, ambos do Código Penal e do princípio da proporcionalidade para a escolha e determinação da medida da pena. 29. A pena de (06) seis meses de prisão, pela prática do crime de condução sem habilitação legal é exagerada, desproporcional e compromete a reinserção social do Recorrente, que é o oposto do que realmente se pretende. 30. É sobejamente conhecido que a pena efetiva de prisão não cumpre as exigências de prevenção especial e de ressocialização, pois introduz o condenado no meio criminógeno, altamente estigmatizante, que, por obedecer a valores e princípios próprios, é capaz de corromper e perverter os objetivos pretendidos com a sanção aplicada ao agente, afastando-o, cada vez mais, do comportamento que de si é esperado. 31. A reintegração do agente na sociedade é um dos meios de realizar o fim do direito penal, que é a proteção dos bens jurídicos (ao contribuir esta reinserção social para evitar a reincidência — prevenção especial positiva sendo certo que a intimidação do condenado constitui também uma função da pena, que não é incompatível com a função positiva de ressocialização, procurando dissuadir através das privações que a pena naturalmente contém, a fim de reforçar no condenado o sentimento da necessidade de não reincidir. 32. O art.º 70.º do Código Penal cuja epígrafe é Critério de Escolha da Pena estatui, como critério de orientação geral para a escolha da pena, que sempre que possível, deverá o Tribunal optar pela aplicação de uma pena não privativa da liberdade em detrimento da privativa da liberdade. 33. No caso concreto, o crime de condução sem habilitação legal, é punível com pena de prisão ou com pena de Multa. 34. Não obstante decidiu o Tribunal a quo optar pela aplicação de pena de prisão, ao invés de pena de multa. 35. Porém, como o crime de condução de veículo sem habilitação legal pode, em alternativa, ser sancionado com pena privativa e não privativa da liberdade, deverá ser dada preferência à segunda, ou seja, à pena não privativa da liberdade. 36. Em face das condições pessoais do Recorrente, espelhadas na factualidade provada, o Recorrente mostra-se familiar, social e laboralmente inserido, não devendo de todo ser afastada a suficiência da pena de multa como adequada e suficiente para as finalidades da punição, mormente de socialização e prevenção especial, não obstante registe um antecedente criminal por crime da mesma natureza. 37. Daí que a pena a aplicar ao crime de condução sem habilitação legal deva ser de multa. 38. Assim considerando as razões de prevenção geral, de defesa do ordenamento jurídico, e razões de prevenção especial permitem concluir que a aplicação ao Recorrente de uma pena de multa pela prática do crime de condução sem habilitação legal, é capaz de realizar, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição. 39. Pelo que, mal andou o Tribunal a quo ao decidir aplicar ao Recorrente uma pena de prisão e não uma pena de multa – pena não privativa da liberdade, impondo-se a revogação da decisão por esse Colendo Tribunal, decidindo pela aplicação duma pena de MULTA ao Recorrente pela prática do crime de condução sem habilitação legal, especialmente atenuada nos termos dos arts. 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, ex vi art. 9.º Cód. Penal 72.º e 73.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal. 40. Sendo a decisão recorrida revogada, e alterada a qualificação jurídica dos factos provados, nos termos modestamente propostos, o Recorrente terá que ser condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, p. e p. pelo art.º 25º nº 1, al. a) do Dec. Lei nº 15/93 de 22 de Janeiro, (a pena é de prisão de um a cinco anos). 41. Em face de se tratar dum jovem adulto, decidindo esse Colendo Tribunal revogar a decisão recorrida, e pela aplicação do Regime Penal para Jovens consagrado no DL n.º 401/82 de 23 de Setembro, ao Recorrente – nos termos do disposto nos arts. 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro, ex vi art. 9.º Cód. Penal, a moldura abstrata aplicável que passa a situar-se entre o mínimo legal para a pena de prisão e o limite máximo abstrato de 40 meses, ou seja, 3 anos e 4 meses, nos termos dos arts. 72.º e 73.º, n.º 1 e n.º 2 do Código Penal”. 42. A determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, atendendo o Tribunal a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo, depuserem a favor ou contra ele. (art. 71.º, n.º 1 e 2 do Código Penal). 43. Por respeito à eminente dignidade da pessoa a medida da pena não pode ultrapassar a medida da culpa (art.º 40.º, n.º 2 do C.P.), designadamente por razões de prevenção. 44. Em obediência aos critérios de determinação da medida concreta da pena enunciados no art.º 71.º do CP, haveremos de reconhecer, desde logo, que o arguido agiu com dolo direto, de alguma intensidade é o grau de ilicitude dos factos. 45. Assim, no que se refere ao crime de condução sem habilitação legal, decidindo esse Colendo Tribunal optar pela aplicação de pena de Multa especialmente atenuada, deverá a mesma ser fixada dentro dos limites mínimos da moldura abstrata, em face da condições socio económicas do arguido fixando-se o valor diário no mínimo legal. 46. Em face de tal atenuação especial da pena abstratamente aplicável, deverá esse Colendo Tribunal decidir que a pena de prisão a aplicar pela prática do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25.º do Dl 15/93 de 22 de Janeiro, não deverá exceder (02) dois anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos do disposto no art.º 50.º do Código Penal. 47. Sem prescindir do motivado, 48. Decidindo esse Colendo Tribunal pela manutenção da decisão de não aplicação do regime penal especial consagrado no DL 401/82 de 23/9; E, 49. Impondo-se a revogação da decisão recorrida por esse Colendo Tribunal, decidindo pela aplicação duma pena de MULTA nos limites médios da moldura abstrata ao Recorrente pela prática do crime de condução sem habilitação legal. E, 50. Sendo a decisão recorrida revogada alterando-se a qualificação jurídica dos factos referente as crime de tráfico de estupefacientes, e o Arguido condenado pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes de menor gravidade, (tal ilícito é punível com pena de prisão de 1 a 5 anos), há-de ser aplicada ao Recorrente uma pena dentro dos limites médios da moldura abstrata, uma pena de prisão nunca superior a três anos de prisão suspensa na sua execução nos termos do disposto no art.º 50.º do Código Penal. 51. Assim não se entendendo, sempre se dirá, 52. Conforme vem sendo entendimento desse Colendo Tribunal “No que respeita ao crime de tráfico de estupefacientes, o legislador adoptou um esquema de tipificação penal em que leva em conta que a grande maioria dos casos que chegam aos tribunais se apresentam como pouco investigados, pelo que há uma «zona cinzenta» em que o juiz fica na dúvida sobre a real dimensão do tráfico em causa e, nesses casos, deverá, tendencialmente, aplicar uma pena cuja medida concreta é coincidente na moldura penal abstracta do crime de tráfico comum e na do crime de tráfico menor gravidade, a qual, conforme se pode verificar pelos artigos 21.º e 25.º, se situa entre os 4 e os 5 anos de prisão. 53. Estamos em crer que o ora Recorrente, não sendo um grande traficante, em face do modus operandi da atividade empreendia, da ausência de lucros consideráveis (de resto não foram apreendidas quantias monetárias relevantes), se insere precisamente nessa zona cinzenta. 54. Visando, a aplicação de penas, a reintegração do agente na sociedade, será de considerar que a aplicação de qualquer pena de prisão efetiva, ao ora Recorrente, irá comprometer, irremediavelmente, o seu percurso de vida, pois está integrado, social, profissional e familiarmente. 55. Ressocializar/reintegrar, não tem que implicar reclusão, geradora de reação social de carácter negativo, provocadora de um estigma absolutamente desnecessário para um indivíduo com estabilidade social e familiar, que teve um percalço na sua vida. 56. A moldura penal abstrata inclui uma multiplicidade de condutas, e, a não se considerar verificado o ilícito de menor gravidade (trafico de menor gravidade p. e p. pelo art.º 25 do Dl 15/93 de 22 de Janeiro), excessiva, face aos factos provados, será toda a pena superior ao mínimo legal, (04) quatro anos de prisão. 57. Nos termos do disposto no art.º 77.º do Código Penal, deverá o Recorrente ser condenado numa pena única nunca superior a (04) quatro anos de prisão, sempre se impondo a suspensão da execução da pena, por verificados os pressupostos legais para o efeito enunciados no art.º 50.º, n.º 1 do Código Penal. 58. Privilegiando a ressocialização do ora Recorrente, perante todo a matéria de facto provada, bastará a ameaça do cumprimento de pena, havendo, por isso, que reduzir a pena a aplicar, ao ora Recorrente, suspensa na sua execução, por se verificarem os legais pressupostos, em face da demonstrada inserção social e laboral, acautelando desta forma as necessidades de prevenção especial que se fazem sentir, o que se espera, em sede de Recurso, que, cremos, merece integral provimento, havendo, por isso, que revogar o douto Acórdão recorrido, substituindo-o por outro que decida nos termos referidos supra, como é de elementar Justiça. 59. Nestes termos e nos demais de Direito, deverão V. Exas. julgar procedente o presente recurso e nessa sequência aplicar ao recorrente uma pena de prisão inferior à que foi aplicada, (pena única nunca superior a 4 anos de prisão) suspensa na sua execução. 60. O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 25.º e 21.º do DL 15/93, de 22/01, art.º 40.º, 50.º, 70.º, 71.º, 73.º e 77 do Código Penal, e o DL 401/82 de 23 de Setembro. Termos em que, se requer a V. Exas., a reparação do douto Acórdão de acordo com as premissas modestamente supra expostas, fazendo-se assim a habitual, sã e serena Justiça. (…). 3. O Ministério Público veio apresentar recurso do acórdão para o Tribunal da Relação de Évora (TRE), de cuja motivação se extraem as seguintes conclusões que se transcrevem: (…) 1ª – O presente recurso vem interposto no seguimento do acórdão proferido no dia 26 de Novembro de 2020, no Processo Comum, Tribunal Colectivo, n.º 1/19………, que condenou o arguido AA na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão; 2ª – Foram dados como provados os seguintes factos: 1. Desde data não concretamente apurada, mas pelo menos no período temporal compreendido entre Agosto de 2017 e Dezembro de 2019 e entre o Verão de 2018 e Dezembro de 2019, respectivamente, que o arguido DD e o arguido AA, também conhecido pela alcunha de “BB”, decidiram proceder à compra, detenção e posterior cedência a troco de dinheiro, de produto estupefaciente, designadamente canábis, cocaína e heroína, a pessoas que para esse efeito os contactavam. 2. Os indivíduos interessados na aquisição de canábis, cocaína e heroína contactavam os arguidos DD e AA, predominantemente através de telemóvel, combinando quantidades, valores, locais de encontro, os quais ocorriam em regra na área territorial da cidade ……… . 3. O arguido AA também se desloca ao encontro das pessoas que lhe adquirem produtos estupefacientes (cocaína e heroína) ao volante de diferentes veículos automóveis, com mais frequência o veículo com a matrícula …-OU-…. (alugado). 4. Em data não concretamente apurada, mas desde Dezembro de 2018, e durante cerca de seis meses, três a quatro vezes por semana, o arguido DD, após prévio contacto telefónico para o n.º ………98 a combinar a entrega, entregou a EE quantidades não apuradas de heroína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de €10 pela venda de cada “mucha”, sendo que para o efeito EE se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, sendo os mesmos junto da sua residência ( Rua …….., em ………) ou nas suas imediações; 5. No dia 15 de Maio de 2019, cerca das 12:00horas o arguido DD, entregou a EE uma “mucha” de heroína (0,236 gramas), recebendo em contrapartida €10, sendo que, para o efeito, EE se deslocou junto da sua residência supra referida; 6. No período compreendido entre Dezembro de 2018 e Fevereiro de 2019, cerca de uma vez por semana, e após prévio contacto telefónico para o n.º ………98 para combinar a entrega, o arguido DD entregou a FF quantidades não apuradas de heroína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de €10 pela venda de cada “mucha”, sendo que para o efeito FF se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, sendo os mesmos perto da sua residência ( supra mencionada) ou nas imediações; 7. No dia 16 de Janeiro de 2019, cerca das 11:35horas o arguido DD, entregou a FF 0,727 gramas de heroína, recebendo em contrapartida valor não concretamente apurado, sendo que para o efeito EE se deslocou junto da sua residência, na morada supra indicada; 8. Em data não concretamente apurada, no intervalo de tempo compreendido em 1, durante um período de dois anos, pelo menos uma vez por semana, após prévio contacto telefónico para combinar a entrega, o arguido DD entregou a GG quantidades não apuradas de canábis, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas, mas de €10 pela venda de cada “língua”; 9. Desde data não concretamente apurada, no período compreendido em 1. que o arguido DD entrega a HH quantidades não apuradas de heroína e cocaína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de €5 pela venda de cada dose de heroína e 20€ por cada dose de cocaína, que para o efeito HH se deslocava a uma arrecadação sita junto da residência de DD ( supra indicada), sendo que a última vez ocorreu em 02.12.2019, data em que o arguido DD lhe entregou uma dose de heroína (em quantidade não apurada) tendo HH pago cerca de 5€ pela mesma; 10. No período compreendido entre Janeiro e Fevereiro de 2019, pelo menos 3 vezes, o arguido DD entregou a II quantidades não apuradas de heroína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de €10 pela venda de cada “saqueta”; 11. Em datas não concretamente apuradas, mas desde Agosto de 2018 até Outubro de 2018, em número não determinado de vezes, o arguido DD entregou a JJ quantidades não apuradas de heroína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas; 12. Em datas não concretamente apuradas, no período compreendido em 1. e até Novembro de 2019, cerca de uma vez por semana, o arguido DD entregou a KK quantidades não apuradas de cocaína e heroína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de €10 pela venda de cada dose, sendo que, para o efeito, KK se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, sendo os mesmos perto da sua residência (supra mencionada) ou nas imediações; 13. Em datas não concretamente apuradas, mas no período compreendido entre o verão de 2018 e a meados do ano de 2019, cerca de 10 vezes, o arguido DD entregou a LL quantidades não apuradas de cocaína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de €50 pela venda de duas embalagens, sendo que para o efeito LL se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, designadamente a um terreno de mato contíguo à Rua ………. em ……; 14. No período compreendido entre Janeiro e Setembro de 2019, pelo menos vinte e cinco vezes, o arguido DD, após prévio contacto telefónico, entregou a MM quantidades não apuradas de heroína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de €10 pela venda de cada “saqueta”, sendo que para o efeito MM se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, sendo normalmente junto da C……, dentro do Bairro ………. em ………; 15. Em data não concretamente apurada, mas desde o verão de 2018, pelo menos de dois em dois dias, sendo a última vez no dia 02/12/2019, o arguido DD entregou a NN quantidades não apuradas de heroína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas, mas de €20 pela venda de cada duas “saquetas”; 16. No dia 15 de Maio de 2019, foi realizada uma busca à residência do arguido DD, (sita na Rua ………, ……….), e foi apreendido: - Cinco “muchas” de heroína (1,18g) que se encontravam numa caixa de plástico de cor azul na mesa da cozinha; - Um panfleto de cocaína (0,50g) que se encontrava acondicionado dentro de uma caixa de cor castanha na estante da cozinha; -Três recortes de plástico de cor preta que se encontravam no balde do lixo da cozinha; - Uma tesoura que se encontrava em cima do fogão, na cozinha; - Um telemóvel Nokia, 107 que estava em cima da mesa da cozinha, portador do cartão NOS …………, IMEI ……../………..93; Na arrecadação, foi apreendido: - Produto estupefaciente (Heroína) 11,14grama, acondicionado em plástico preto, encontrado numa bancada/móvel; - Uma Balança de precisão digital de cor preta encontrada numa bancada/móvel; - Quatro pedaços de plástico, vulgo recortes de cor preta que se encontravam na bancada/móvel; Detinha ainda consigo, tendo-lhe sido apreendido: - Um telemóvel da marca Wiko, Tommy 2, cartão 1 número ………, cartão 2 número ………, IMEI ………..93, PIN:…….; - duas notas de cinco euros; - Duas moedas de um euro, uma moeda de dois euros, uma moeda de cinquenta cêntimos. 17. No dia 03.12.2019, pelas 15:20horas, o arguido AA, deslocou-se perto da residência do arguido DD (na morada supra indicada) a conduzir o veículo automóvel de marca ……, modelo ……, com a matrícula ….-….-OV e retirou da bagageira algo volumoso entrando de seguida na residência do arguido DD, local onde o mesmo também se encontrava; 18. Cerca de 5 minutos depois, na sequência do cumprimento do mandado de busca domiciliária à residência do arguido DD, sita na morada indicada em 16. o arguido AA encontrava-se juntamente com o arguido DD na cozinha a dividir um produto que sujeito a teste rápido resultou ser heroína. 19. Na mesa encontravam-se vários recortes de plástico dispostos no tampo de forma a serem preenchidos com produto estupefaciente, sendo que num destes já havia sido colocada uma pequena porção de produto estupefaciente; 20. Junto aos recortes encontrava-se uma embalagem, vulgo bola, contendo 25,70 grama de Heroína, um cartão, um telemóvel de marca F2, uma balança de precisão, um saco de plástico de cor preto rasgado, contendo duas embalagens, vulgo bolas, contendo 50 embalagens de Cocaína com o peso de 18,05 grama, duas embalagens de REDRATE já abertas, uma tesoura e outros recortes de plástico. 21. No dia 18.02.2019, pelas 20:00 horas, na Rua ……, em ………., o arguido AA, encontrava-se na posse do veículo automóvel de matrícula ….-….-HC, quando foi sujeito a uma buscas e transportava no interior do veículo suprarreferido: a) em cima do banco do passageiro da frente: - uma caixa com 20 carteiras de uma substância farmacêutica denominada de "REDRATE" habitualmente adquirida e utilizada para o corte de substâncias estupefacientes; - um telemóvel da marca Apple, modelo iphone, com o IMEI …….09., com o PIN……; b) num compartimento aberto por baixo do auto-rádio um embrulho com 11,39 gramas de cocaína e duas embalagens plásticas, uma com 59,71 grama e a outra com 30,71 grama de heroína; c) E no bolso das calças 210 Euros em notas; 22. No período compreendido entre 2017 e início de 2019, cerca de 20 vezes, o arguido AA, após prévio contacto telefónico, entregou a OO quantidades não apuradas de cocaína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas, mas de €10 ou €20 pela venda de cada saqueta, sendo que para o efeito OO se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, sendo os mesmos na zona ……. e até à praia……; 23. Em data não concretamente apurada, no ano de 2019, por diversas vezes, sendo a última no dia 02/12/2019, o arguido AA entregou a DD quantidades não apuradas de heroína destinadas a NN, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas, mas de €20 pela venda de cada duas “saquetas”; 24. No período compreendido entre o Verão de 2018 e finais de Fevereiro de 2019, um número de vezes não concretamente apuradas, mas quase diariamente, o arguido AA, após prévio contacto telefónico, entregou a PP quantidades não apuradas de cocaína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de € 20 a 40 € por cada venda, sendo que, para o efeito, PP se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, sendo os mesmos perto da Igreja ……. e na zona ……. . 25. Os telemóveis que os arguidos DD e AA tinham na sua posse eram destinados por estes para receber e efectuar contactos telefónicos com vista a concretizar as transacções de venda de substâncias estupefacientes a que se dedicavam. 26. Sendo certo também que, o dinheiro que os arguidos tinham em seu poder era resultante das vendas de estupefaciente a que os mesmos se dedicavam. 27. Com efeito, para além da actividade de tráfico de estupefacientes, aos arguidos DD e AA não lhes é conhecida uma actividade profissional regular. 28. Os arguidos destinavam as aludidas balanças e sacos plásticos transparentes para pesar e embalar, no caso do arguido DD a cannabis, a cocaína e heroína e no caso do arguido AA a cocaína e heroína que vendiam e/ou cediam a terceiros. 29. A viatura de matrícula …-….-OV foi utilizada pelo arguido AA na concretização da actividade de venda de cocaína e heroína. 30. Com a conduta descrita, os arguidos DD e AA quiseram deter, vender, ceder, distribuir haxixe, cocaína e heroína, bem sabendo a qualidade, quantidade e as características estupefacientes dos produtos que possuíam, intentos que lograram alcançar. 31. Agiram sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei penal. 32. Acresce ainda, que o arguido AA na situação descrita em 17. encontrava- se a conduzir na via pública veículo automóvel sem que para o efeito estivesse legalmente habilitado. 33. Não obstante, quis e decidiu conduzir o aludido veículo sem que fosse titular de documento que legalmente o habilitasse. 34. O arguido AA sabia que não podia conduzir na via pública qualquer veículo automóvel sem que se encontrasse legalmente habilitado a fazê-lo. 35. O arguido AA actuou livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei. Mais se apurou relativamente ao arguido AA: 46. Antes de ser preso preventivamente em janeiro/2020 no Estabelecimento Prisional ……. à ordem do presente processo, AA estava temporariamente a viver sozinho num quarto alugado em ……, mantendo, desde 2018, uma relação de namoro com CC, de 19 anos, cuja família reside ………. 47. A situação económica era instável, sendo os rendimentos do arguido provenientes, na sua maioria, dos concertos de acordeão que dava em estabelecimentos noturnos, embora não estivesse coletado nas Finanças como trabalhador independente. 48. Sendo o filho mais novo de um casal de ……… migrado em Portugal, AA nasceu no ……… e passou a primeira infância numa barraca do antigo bairro ………, em ………, onde os pais então residiam. Quando o grupo familiar regressou ao país de origem o arguido acompanhou os pais e fez o 1° e 2° ciclo do ensino básico em ………, apenas regressando a Portugal com 15 anos, após o falecimento dos progenitores, a mãe em 2004 e o pai em 2010. 49. Teve nessa altura o apoio familiar de uma tia materna e retomou os estudos, completando o 9.º ano de escolaridade. Ainda se matriculou num curso de cozinha/pastelaria promovido pelo Centro de Emprego do Barlavento do IEFP que lhe daria equivalência ao ensino secundário, mas desistiu ao fim de um ano. A partir dos 17 anos começou a trabalhar em ………. em empregos part-time de curta duração na época alta, tendo passado pelo McDonalds, um restaurante de Kebab no CC ……, uma pizzeria na Praia ……. e uma lavandaria, este último através de uma firma de trabalho temporário. 50. Em 2018, esteve uns meses na zona ……. (……), onde tem alguns familiares, a trabalhar na construção civil, mas regressou a Portugal. Residiu durante algum tempo na zona ………, onde conheceu a actual namorada e aprendeu a tocar acordeão, tendo começado a dar pequenos concertos em ……. . No último ano antes da prisão foi vivendo entre ……… e ………. 51. Já em 2016, na companhia de amigos/pares muito jovens tinha sido condenado no processo n.º 65/16………. por crimes de condução de veículo sem habilitação legal e furto qualificado numa pena suspensa com a duração de 2 anos, transitada em julgado em 05.03.2018. Nestes autos, foi ainda condenado a uma multa que não pagou e cuja prisão subsidiaria de 40 dias cumpriu, terminando no dia 28.10.2020 52. Para além disso, AA foi recentemente condenado no Juízo Central Criminal de ……… – Juiz …, a uma pena de 10 anos de prisão no processo no 39/18……. por crimes de natureza sexual. 53. AA tem algumas visitas no EP e contactos com um dos irmãos, a cunhada e uma tia materna, continuando a ter apoio da namorada CC, apesar da sua situação penal. No EP ……, o arguido ainda trabalhou um curto período como faxina, mas no presente não exerce funções laborais, passando parte do tempo em jogos na sala de convívio. 54. Do Certificado de Registo Criminal deste Arguido consta uma condenação no Processo n.º 65/16…………, por decisão de 01.02.2018, transitada em julgado em 05.03.2018, pela prática, em 21.03.2016, de um crime de Condução Sem Habilitação Legal e, em 22.03.2016, de um crime de Furto Qualificado, nas penas de 60 dias de multa e de 1ano e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos. 3.ª Deu-se como provado que, no dia 18-02-2019, o arguido detinha cocaína susceptível de ser dividida – atento o seu grau de pureza - em 27 doses, e heroína susceptível de ser dividida – atento o seu grau de pureza - em 52 doses. 4.ª No dia 3-12-2019, o a r g u i d o transportou no seu veículo e levou para a habitação do arguido DD, cocaína, que detinha, susceptível de ser dividida – atento o seu grau de pureza – em 23 doses e heroína susceptível de ser dividida – atento o seu grau de pureza – em 6 doses. 5.ª A prova encontra-se estribada no depoimento dos agentes da P.S.P. que procederam às vigilâncias e demais diligências de investigação, no depoimento das testemunhas que adquiriam produto estupefaciente, e os documentos juntos aos autos, designadamente, relatórios de diligência externa, reportagens fotográficas, autos de apreensão, autos de busca e apreensão, autos de visionamento de imagens, autos de transcrição de mensagens, autos de interpretação de dados, autos de resumo e intercepcões telefónicas, autos de intercepção de dados e relatórios forenses, e considerando ainda as regras da experiência comum, não teve o Tribunal a quo quaisquer dúvidas de que os arguidos procederam à entrega de produto estupefaciente a diversas pessoas que os procuraram para esse efeito. 6.ª No dia 18-02-2019, este arguido detinha cocaína susceptível de ser dividida – atento o seu grau de pureza - em 27 doses, e heroína susceptível de ser dividida – atento o seu grau de pureza - em 52 doses. 7.ª No dia 3-12-2019, o arguido transportou no seu veículo e levou para a habitação do arguido DD, onde detinha cocaína susceptível de ser dividida – atento o seu grau de pureza – em 23 doses e heroína susceptível de ser dividida – atento o seu grau de pureza – em 6 doses. 8.ª Ainda relativamente ao arguido AA, resultou provado que aquele entregou a OO, a NN (por intermédio de DD) e a PP heroína e cocaína, vendendo directamente ou por intermédio do arguido DD. 9.ª Do depoimento das testemunhas que adquiriam heroína e cocaína ao arguido, e em particular a testemunha PP, resulta que, num largo período de tempo, com regularidade quase diária, o arguido vendia, em vários locais………, saquetas de cocaína pelo preço de 20,00 € e 40,00 €, o que, conjugado com a conversa mantida entre o arguido e um terceiro, em que refere que, a “trabalhar”, percebe cerca de 2 000,00 € a 4 000,00 €, no período de um a três dias, demonstra que o arguido tinha elevados lucros com a sua actividade delituosa. 10.ª Temos assim de considerar o lapso de tempo, a energia, a persistência e a intensidade com que AA desenvolveu a actividade de tráfico, a quantidade de produto estupefaciente detida, a sua qualidade (mormente, cocaína e heroína, amplamente conhecidas pelo seu poder aditivo e incluídas nas chamadas “drogas duras”) e os lucros obtidos com a sua actividade delituosa, sendo que terceiros colaboravam consigo na distribuição do produto estupefaciente. 11.º Considerando ainda o resultado da pesquisa ao IMT e o depoimento dos agentes da PSP, resulta também que, no dia 3-12-2019, o arguido AA conduziu, na via pública, um veículo automóvel sem que estivesse legalmente habilitado para o efeito. 12.ª No julgamento, o arguido não confessou a prática dos factos dados como provados, não mostrando o mínimo arrependimento pela sua conduta altamente censurável. 13.ª Analisando os factos dados como provados, a fundamentação de facto, de direito e o dispositivo do acórdão recorrido, salvo melhor opinião, não podemos concordar com a decisão de condenar o arguido, pela prática, em autoria material, na forma consumada e, em concurso real, de um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, com referência às tabelas I-A, I-B e I-C, e mapa anexo à Portaria n.º 94/96, e um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, na pena única de 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. 14.ª - A aplicação de penas e de medidas de segurança visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade – artigo 40.º, n.º 1, do C. Penal. 15.ª - Em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa – n.º 2 do artigo 40.º do C. Penal. 16.ª O art. 71.º do C. Penal estabelece o critério da determinação da medida concreta da pena, dispondo que a determinação da medida da pena, dentro dos limites definidos na lei, é feita em função da culpa do agente e das exigências de prevenção, prevenção geral e prevenção especial. 17.ª A culpa funciona como moldura de topo da pena, funcionando dentro dela as sub-molduras da prevenção, prevalecendo a geral sobre a especial. 18.ª Para tanto, atender-se-á, nos termos do artigo 71.º, n.º 2, do Código Penal, a “todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depuserem a favor do agente e contra ele”. 19.ª Os elementos e critérios do art. 71.º do C. Penal devem contribuir tanto para co-determinar a medida adequada à prevenção geral (a natureza e o grau de ilicitude do facto impõem maior ou menor conteúdo da prevenção geral, conforme tenham provocado maior ou menor sentimento comunitário de afectação de valores) como para definir o nível e a premência das exigências de prevenção especial (as circunstâncias pessoais do agente, a idade, a confissão, o arrependimento) ao mesmo tempo que transmitem indicações externas e objectivas para avaliar a culpa do agente. 20.ª “A medida concreta da pena relevará da consideração da importância dos bens jurídicos a tutelar (art. 40.º, n.º 1) e que ditam a necessidade, com proibição de excesso da pena, influenciada, em larga medida por considerações de prevenção geral, forma de dissuasão de potenciais delinquentes e de tranquilização da colectividade, que reclama intervenção vigorosa do aparelho punitivo do Estado em relação ao tráfico de estupefacientes e em que se defronta uma ofensividade a plúrimos bens ou valores jurídicos, que vão desde a saúde e liberdade individuais, estabilidade familiar, que destrói, ao erário público, que desfalca, à tranquilidade e segurança públicas porque se situa na génese de criminalidade grave, tornando o traficante alguém de espaço social limitado, que reclama benesses mas esquece sempre, ou quase, a miséria alheia que traz particularmente, aos segmentos juvenis da sociedade. 21.ª – A necessidade da pena é, ainda, influenciada por considerações humanitárias sob a égide da reabilitação do agente do crime, tendo em vista a interiorização do seu mau proceder, evitando a sucumbência futura ao crime, a sua emenda cívica, com o que, ele próprio, ganha, desde logo, como a própria sociedade. 22.ª A balizar pelo topo, e quaisquer que sejam as considerações de prevenção (art. 71.º, n.º 1, do CP), a culpa do agente, fornecendo a moldura dentro da qual interferem as submolduras de prevenção geral e especial, bem como as circunstâncias que não fazendo parte do tipo atenuam ou agravam a responsabilidade do agente (n.º 2 do art. 71.º do CP), concorrem, ainda, para a formação da pena.” - Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 12 de Julho de 2006, Processo 1709/06, in CJ 192, T. II, 2006). 23.ª O crime de tráfico de estupefacientes é um crime onde as necessidades de prevenção geral são acrescidas, e onde as exigências de prevenção especial, ainda que relevantes, acabam por sofrer a compressão derivada daquelas necessidades acrescidas dado o alarme social que estes crimes provocam, que atingem proporções de um flagelo nacional. 20.ª No caso há a ponderar que: - Atento o aumento vertiginoso da criminalidade relacionada com o tráfico de estupefacientes, são intensas as exigências de prevenção geral positiva; - É muito elevado o grau de ilicitude dos factos, em virtude da qualidade (cocaína e heroína, drogas duras), e da quantidade da droga detida e vendida pelo arguido; - Quanto ao seu modo de execução, era o arguido que comprava e depois preparava a droga para venda, subdividia-a e acondicionava-a em pequenas embalagens, vendia-a aos consumidores, quer directamente, quer por intermédio do arguido DD, que, a troco de uma porção, a vendia por conta dele. - Agiu com dolo directo, sendo particularmente intenso e persistente (pelo menos dedicou-se à comercialização de cocaína e heroína durante dois anos). - Em momento algum demonstrou arrependimento, não confessando a prática dos factos, apesar da evidência dos mesmos, o que demonstra que não interiorizou a gravidade da sua conduta, ciente de que ao desenvolver tal actividade ilícita está a contribuir decisivamente para a miséria, perda de liberdade individual de terceiros consumidores a estabilidade e coesão familiar, além dos efeitos criminógenos associados. - Possui antecedentes criminais e praticou os factos no período de uma pena de prisão cuja execução ficou suspensa. - Agiu motivado pelo lucro fácil, desenvolvendo uma actividade que se traduzia em obter dinheiro de forma fácil, sem se preocupar com a danosidade social da sua conduta, o que revela insensibilidade moral. 21.ª No que concerne às exigências de prevenção geral, revelam-se as mesmas elevadíssimas, atentas as dramáticas consequências sociais que advêm do negócio do tráfico ilícito de estupefacientes, com efeitos nefastos sobre a vida dos jovens, das famílias e a saúde e a segurança da comunidade. 22.ª De facto, a prática dos factos pelo arguido traduz-se numa múltipla violação de interesses comunitários, elevando de forma acentuada não só as necessidades de tutela dos bens jurídicos como ainda as expectativas comunitárias na reafirmação da validade das mesmas. 23.ª No caso são de considerar as seguintes molduras penais: - Crime de tráfico de estupefacientes, previsto no artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, punido com pena de prisão de 4 a 12 anos; - Crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.º 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, o qual é punido como pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias. 24.ª No caso deste arguido, temos de considerar: as elevadas necessidades de prevenção geral; a natureza e gravidade dos ilícitos, mormente tráfico de estupefacientes; dolo directo e intenso; o grau de ilicitude dos factos elevado, já que pôs em causa diversos bens jurídicos; não demonstrou arrependimento nem revela espírito de auto-crítica; percurso de vida desestruturado, sem adequada integração familiar, ausência de actividade laboral regular e significativa; existência de antecedentes criminais; dificuldades de adaptação ao quadro normativo. 25.ª Merecendo provimento o recurso, as penas quantos aos crimes de tráfico de estupefacientes e de condução sem habilitação legal, deverão ser reformuladas. 26.ª Assim sendo, tudo ponderado, atendendo aos limites abstractos das penas, afigura-se adequada aplicar ao arguido AA: a1) pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro, a pena de 7 (sete) anos e 6 (seis) meses de prisão; a2) pela prática do crime de condução sem habilitação legal, previsto e punido pelo artigo 3.º, n.º 1.º e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a pena de 1 (um) mês de prisão. 27.ª Atento o disposto no artigo 77º, n.º 1, do Código Penal “quando alguém tiver praticado vários crimes antes de transitar em julgado a condenação por qualquer deles é condenado numa pena única.” 28.ª Caso o recurso tenha provimento, a pena única em que o arguido AA foi condenado também deverá ser reformulada. 29.ª Atendendo ao disposto no artigo 77.º, n.º 2, do C. Penal, a pena única aplicada ao arguido AA situar-se-á entre os 7 anos e 6 meses de prisão (mais alta das penas parcelares) e os 7 anos e 7 meses de prisão (soma da totalidade das penas aplicadas). 30.ª Tendo em atenção as considerações expendidas sobre a determinação das penas parcelares, e analisando a globalidade da factualidade que se deu como provada, revelando o arguido uma acentuada ilicitude e insensibilidade moral, não tendo mostrado arrependimento, entende-se adequado fixar a pena única do arguido AA em 7 (sete) anos de prisão. 31.ª Deve, portanto, o acórdão posto em crise ser sindicado no sentido de ser aplicada ao arguido AA a pena única de 7 (sete) anos de prisão, reformulando-se o cúmulo em relação ao arguido. 32.ª Decidindo como decidiu, o tribunal a quo violou os artigos 40.º, n.º 1 e 2, 71.º, n.º 1 e 2, 77.º, n.º 1 e 2, do Código Penal e 21.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 15/93, de 22 de Janeiro e 3.º, n.º 1.º e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro. (…). 4. Por despacho de 6.01.2021, foram ambos os recursos admitidos e fixado o devido efeito, tendo os autos sido remetidos a este Supremo Tribunal de Justiça. 5. O Ministério Público veio na sua contra-alegação ao recurso interposto pelo arguido AA manifestar o seu entendimento de que deve ser negado provimento àquele recurso. Para tal, em síntese, diz: - Na alegação do arguido que lhe deve ser aplicada o regime penal a jovens delinquentes, previsto no artigo 4.º, do DL n.º 401/82, de 23.09, entende que atenta a natureza, gravidade do ilícito e as circunstâncias em que o arguido cometeu o crime, deve concluir-se que não existem razões sérias para acreditar que decorram da atenuação especial vantagens para a reinserção social do arguido, verificando-se que a tais vantagens se opõem as exigências de prevenção geral; - E quanto à redução da pena única aplicada ao arguido, entende que a aplicada pelo Tribunal não é excessiva. 6. O arguido veio responder ao recurso interposto pelo Ministério Público, suscitando: - A incompetência material do Tribunal da Relação……. para conhecer dos recursos sub judice, incompetência que deve ser declarada por este Supremo Tribunal de Justiça; - O recurso interposto pelo Ministério Público deve improceder; e, - No mais remete o arguido para a fundamentação do recurso por si interposto; 7. Neste Supremo Tribunal de Justiça, o Senhor Procurador-Geral Adjunto emitiu Parecer no sentido de: - O recurso do arguido ser julgado in tottum improcedente; - O recurso do Ministério Público ser julgado parcialmente procedente, sustentando que a pena aplicada pelo crime de condução sem habilitação legal deve ser confirmada e não reduzida como se alegou no recurso interposto na Instância; - Quanto à pena única, tal como recortada pelas parcelares aplicadas, de 5 anos e 4 meses a 5 anos e 10 meses de prisão, entende que se deve fixar a pena parcelar pelo crime de tráfico de estupefacientes em 5 anos e 6 meses de prisão, devendo a pena única ser fixada em 5 anos e 8 meses de prisão. 8. Cumprido o artigo 417.º, n.º 2 do CPP, nada foi dito.
9. Colhidos os vistos, de acordo com o exame preliminar, foram os autos presentes a conferência.
II. 10. Do objecto dos recursos. 10. 1. Do recurso do arguido AA: O acórdão recorrido violou o disposto nos artigos 25.º e 21.º do DL 15/93, de 22/01, artigos 40.º, 50.º, 70.º, 71.º, 73.º e 77.º do CP, e o DL 401/82 de 23.09, porquanto: 10.2. Do recurso do Ministério Público. 11. Apreciemos. Do acórdão recorrido retiram-se os factos provados transcritos na peça recursiva do Ministério Público na 1.ª Instância, razão pela qual nos escusamos de os repetir, remetendo para supra ponto 3., conclusão 2.ª. 12. Comecemos por apreciar o recurso do arguido. 12.1. Questão Prévia – Da Competência do Tribunal da Relação……. O Ministério Público veio interpor recurso da decisão condenatória, no tocante às medidas das penas parcelares e consequentemente à medida da pena única, concluindo pela aplicação ao arguido duma pena única de prisão de 7 anos. Endereçou o recurso para o TR... O despacho judicial de 6.01.2021 (fls. 1883) que admitiu os recursos entendeu, e bem, que os mesmos por versarem apenas matéria de Direito, são da competência deste Supremo Tribunal de Justiça. Para onde os remeteu. Pelo que se declara que fixado o objecto dos recursos, que versam apenas matéria de direito, nos termos do disposto no artigo 432.º, alínea d), do CPP, é este Supremo Tribunal de Justiça o competente para conhecer dos recursos interpostos pelo Ministério Público e pelo arguido. 12.2. Da aplicação do artigo 25.º, n. º1, al. a), do DL n.º 15/93, de 22.01. Da qualificação jurídico-penal dos factos. Entende o recorrente que, em face de todo o circunstancialismo fáctico julgado provado, é possível integrar a conduta do arguido na previsão legal do artigo 25.º, n. º1, al. a) do DL 15/93, de 22.01, e ser o mesmo condenado pela prática de um crime de tráfico de menor gravidade, e não na do artigo 21.º, n.º 1 por que foi condenado (conclusões 4 a 16). Por seu turno, o artigo 25.º, do DL n.º 15/93, epigrafado de “tráfico de menor gravidade”, um crime de tráfico de estupefacientes privilegiado relativamente ao tipo fundamental (previsto no artigo 21.º), punível com pena de prisão de 1 a 5 anos, quando se tratar das substâncias previstas nas tabelas I a III, V e VI anexas ao diploma. Esse privilegiamento assenta numa considerável diminuição da ilicitude do facto, “tendo em conta nomeadamente os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade ou a quantidade das plantas, substâncias ou preparações”. O privilegiamento deste tipo legal de crime não resulta, pois, de um concreto elemento típico que acresça à descrição do tipo fundamental (artigo 21.º do mesmo diploma), mas sim da verificação de uma diminuição considerável da ilicitude, a partir de uma avaliação da situação de facto, para a qual o legislador não indica todas as circunstâncias a atender, limitando-se a referir exemplificativamente “os meios utilizados, a modalidade ou as circunstâncias da ação, a qualidade e a quantidade das substâncias”, abrindo assim a porta à densificação doutrinal e jurisprudencial do conceito de “menor gravidade”. Na senda dessa densificação, dir-se-á que assumem particular relevo na identificação de uma situação de menor gravidade: -o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, tendo em consideração a sua danosidade para a saúde, habitualmente expressa na distinção entre “drogas duras” e “drogas leves”; -a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza; -a dimensão dos lucros obtidos; -o grau de adesão a essa atividade como modo e sustento de vida; -a afetação ou não de parte das receitas conseguidas ao financiamento do consumo pessoal de drogas; -a duração temporal da atividade desenvolvida; -a frequência (ocasionalidade ou regularidade), e a persistência no prosseguimento da mesma; -a posição do agente no circuito de distribuição clandestina dos estupefacientes, tendo em conta nomeadamente a distância ou proximidade com os consumidores; -o número de consumidores contactados; -a extensão geográfica da atividade do agente; -a existência de contactos internacionais; -o modo de execução do tráfico, nomeadamente se praticado isoladamente, se no âmbito de entreajuda familiar, ou antes com organização e meios sofisticados. Estas circunstâncias devem ser avaliadas globalmente. Dificilmente uma delas, com peso negativo, poderá obstar, por si só, à subsunção dos factos a esta incriminação, ou, inversamente, uma só circunstância favorável imporá essa subsunção. Exige-se sempre uma ponderação que avalie o valor, positivo ou negativo, e respetivo grau, de todas as circunstâncias apuradas e é desse cômputo total que resultará o juízo adequado à caracterização da situação como integrante, ou não, de tráfico de menor gravidade. A situação de vendedor de rua, contactando o agente diretamente os consumidores, enquadra-se normalmente neste preceito, mas não necessariamente. Também a cedência gratuita ou a guarda por conta de outrem sem intuito lucrativo integrarão normalmente, mas não obrigatoriamente, este tipo criminal. É a imagem global do facto, ponderadas conjuntamente todas as circunstâncias relevantes que nele concorrem, que permitirá a identificação de uma situação de ilicitude consideravelmente diminuída, ou seja, uma situação em que o desvalor da ação é claramente inferior ao padrão ínsito no tipo fundamental de crime – o tráfico de estupefacientes previsto no artigo 21.º. Dos factos assentes resulta que o ora recorrente, entre o verão de 2018 e Dezembro de 2019 decidiu proceder à compra, detenção e posterior cedência a troco de dinheiro, de produto estupefaciente, designadamente canábis, cocaína e heroína, a pessoas que para esse efeito o contactava predominantemente através de telemóvel para combinar as quantidades, valores e locais de encontro, sobretudo na área ……. (factos provados n.ºs 1 e 2 ). O ora recorrente também se deslocava ao encontro de pessoas que lhe adquiriam cocaína e heroína, utilizando diferentes veículos automóveis (facto provado n.º 3). No dia 03.12.2019, o arguido AA deslocou-se perto da residência do arguido DD a conduzir o veículo automóvel de marca ……, modelo …., com a matricula ….-….-OV e retirou da bagageira algo volumoso entrando de seguida na residência do arguido DD, local onde o mesmo também se encontrava (facto provado n.º 17). Cerca de 5 minutos depois, na sequência do cumprimento do mandado de busca domiciliária à residência do arguido DD, o arguido AA encontrava-se na cozinha a dividir um produto que sujeito a teste rápido resultou ser heroína (facto provado n.º 18). Na mesa encontravam-se vários recortes de plástico dispostos no tampo de forma a serem preenchidos com produto estupefaciente, sendo que num destes já havia sido colocada uma pequena porção de produto estupefaciente (facto provado n.º 19). E junto aos recortes encontrava-se uma embalagem, vulgo bola, contendo 24,542 gramas de heroína, um cartão, um telemóvel de marca F2, uma balança de precisão, um saco de plástico de cor preto rasgado, contendo duas embalagens, vulgo bolas, contendo 50 embalagens de cocaína com o peso de 13,109 gramas, duas embalagens de REDRATE já abertas, uma tesoura e outros recortes de plástico (facto provado n.º 20). Mais se apurou que, no dia 18.02.2019, pelas 20:00 horas, na Rua ……., em ……., o arguido AA, encontrava-se na posse do veículo automóvel de matricula ….-….-HC, quando foi sujeito a uma busca e transportava no interior do veículo supra referido: (a) em cima do banco do passageiro da frente: - uma caixa com 20 carteiras de uma substância farmacêutica denominada de REDRATE habitualmente adquirida e utilizada para o corte de substâncias estupefacientes; - um telemóvel da marca Apple, modelo IPhone, com o …….., com o PIN…….09; (b) num compartimento aberto por baixo do auto-rádio um embrulho com 10,655 gramas de cocaína e duas embalagens plásticas, uma com 59 gramas paracetamol/cafeína e a outra com 30,070 gramas de heroína; (c) E no bolso das calças € 210 em notas (facto provado n.º 21). Ainda relativamente ao recorrente, resultou provado que aquele entregou a OO, a NN (por intermédio de DD) e a PP heroína e cocaína, recebendo em contrapartida quantias monetárias - factos provados n.ºs 22, 23, 24 que se transcrevem: (…) 22. No período compreendido entre 2017 e inicio de 2019, cerca de 20 vezes, o arguido AA, após prévio contacto telefónico, entregou a OO quantidades não apuradas de cocaína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas, mas de €10 ou €20 pela venda de cada saqueta, sendo que para o efeito OO se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, sendo os mesmos na zona das ……. e até à praia ……; 23. Em data não concretamente apurada, no ano de 2019, por diversas vezes, sendo a última no dia 02/12/2019, o arguido AA entregou a DD quantidades não apuradas de heroína destinadas a NN, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas, mas de €20 pela venda de cada duas “saquetas”; 24. No período compreendido entre o Verão de 2018 e finais de Fevereiro de 2019, um número de vezes não concretamente apuradas, mas quase diariamente, o arguido AA, após prévio contacto telefónico, entregou a PP quantidades não apuradas de cocaína, recebendo em contrapartida quantias monetárias não concretamente apuradas mas de € 20 a 40 € por cada venda, sendo que, para o efeito, PP se deslocava aos locais também previamente combinados por aquele, sendo os mesmos perto da Igreja ……… e na zona das …….. . (…). Deu-se ainda como provado que o telemóvel que o arguido AA tinha na sua posse era destinado por este para receber e efectuar contactos telefónicos com vista a concretizar as transacções de venda de substâncias estupefacientes a que se dedicava (facto provado n.º 25). O dinheiro que o arguido tinha em seu poder era resultante das vendas de estupefaciente a que o mesmo se dedicava (facto provado n.º 26), dado que se provou que ao ora recorrente não lhe é conhecida uma actividade profissional regular (facto provado n.º 27). O ora recorrente destinava as balanças e sacos plásticos transparentes para pesar e embalar a cocaína e heroína que vendia e/ou cedia a terceiros (facto provado n.º 28). A viatura de matrícula …-….-OV foi utilizada pelo arguido AA na concretização da actividade de venda de cocaína e heroína (facto provado n.º 29). Com a conduta descrita, o arguido quis deter, vender, ceder, distribuir haxixe, cocaína e heroína, bem sabendo a qualidade, quantidade e as características estupefacientes dos produtos que possuía, intentos que logrou alcançar (facto provado n.º 30), tendo agido sempre livre, voluntária e conscientemente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei penal (facto provado n.º 31). Resulta da extensa motivação de facto elaborada no acórdão recorrido que: (…) Dos Relatórios dos Exames Periciais de Toxicologia juntos a fls. 674, 736, 994, 1002 e 1224 resultam as quantidades, qualidade e tipo de produtos apreendidos. Designadamente, no que se refere aos produtos apreendidos a AA no dia 18.02.2019, resulta que parte do mesmo era paracetamol/cafeína - facto não provado e) - vide Relatório de fls. 674. (…). E, no enquadramento jurídico-penal dos factos, diz-se no acórdão recorrido: (…) No caso em apreço, veja-se que, no dia 18.02.2019, AA tinha consigo cocaína susceptível de originar 27 doses e heroína susceptível de originar 52 doses (vide Relatório de Exame Pericial de fls. 674). E, no dia 03.12.2019, transportou para casa de DD e aí começou a preparar cocaína susceptível de originar 23 doses e heroína susceptível de originar 6 doses (vide Relatório de Exame Pericial de fls. 1224). Considerando, assim, o lapso de tempo e a intensidade com que AA desenvolvia a actividade de tráfico, a quantidade de produto estupefaciente detida, a sua qualidade (mormente, cocaína e heroína, amplamente conhecidas pelo seu poder aditivo e incluídas nas chamadas "drogas duras") e a quantia monetária que tinha na sua posse, não nos permitem, de modo algum, concluir por uma ilicitude consideravelmente diminuída. A conduta do Arguido AA preenche, pois, todos os requisitos do tipo legal contido no artigo 21º. n° 1. do Decreto-Lei n° 15/93 de 22 de Janeiro, devendo ser condenados pelo crime de Tráfico de Estupefacientes de que vem acusado. (…). Em síntese: a pretensão do recorrente teria, naturalmente de encontrar alicerce bastante, na matéria de facto provada. Evidencia-se que a sua actividade se reconduz ao chamado tráfico de rua. Não obstante, tal tipo de tráfico não permite a conclusão de que estamos perante factualidade a integrar no artigo 25.º, al. a), do DL n.º 15 / 93, de 22.01, com referência às suas Tabelas anexas I-A, I-B e I-C. Com efeito, compulsada a mesma (actividade) verifica-se que: - o tipo dos estupefacientes comercializados ou detidos para comercialização, objecto do tráfico pelo recorrente, compreendiam, para além de cannabis, heroína e cocaína, de resto, com especial destaque para estas duas últimas, reconhecidamente substâncias mais danosas para a saúde do consumidor e de maior poder aditivo, qualificadas, por isso, como drogas duras; - a quantidade dos estupefacientes comercializados ou detidos para esse fim, avaliada não só pelo peso, mas também pelo grau de pureza uma bola contendo 24,542 g de heroína, outras duas bolas contendo 13,109 g de cocaína -50 embalagens, um embrulho contendo 10, 655 g de cocaína, uma embalagem com 30,070 g de heroína, uma embalagem plástica contendo 59 g de paracetamol / cafeína, um IPhone marca Apple apreendidas em duas ocasiões totalmente diferentes do ano de 2019; - o uso de veículos automóveis, para as deslocações que ao tráfico importavam; - o facto de não ser conhecida ao recorrente actividade profissional regular. São factores, todos eles, que convergem exactamente no sentido de que não estarmos perante situação em que a ilicitude se possa considerar, como consideravelmente diminuída. Pelo que, carece de razão o recorrente quando alega que os factos provados cabem na previsão do tráfico de estupefacientes de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, al. a), do DL n.º 15/93 e não na do artigo 21.º, n.º 1, por que foi condenado. Improcede, pois, nesta parte, a pretensão do recorrente. 13. Da medida das penas (dos recursos do arguido AA e do Ministério Público). 13.1. Previamente à apreciação da medida concreta das penas, diremos que o crime de tráfico de estupefacientes é um crime de perigo abstrato, protector de diversos bens jurídicos pessoais, como a integridade física e a vida dos consumidores, mas em que o bem jurídico primariamente protegido é o da saúde pública. Ou, mais precisamente, como se define no acórdão do Tribunal Constitucional n.º 426/91 [2] “o escopo do legislador é evitar a degradação e a destruição de seres humanos, provocadas pelo consumo de estupefacientes, que o respectivo tráfico indiscutivelmente potencia. Assim, o tráfico põe em causa uma pluralidade de bens jurídicos: a vida, a integridade física e a liberdade dos virtuais consumidores de estupefacientes; e, demais, afecta a vida em sociedade, na medida em que dificulta a inserção social dos consumidores e possui comprovados efeitos criminógenos”; ou, nas palavras de Lourenço Martins [3]: “o bem jurídico primordialmente protegido pelas previsões do tráfico é o da saúde e integridade física dos cidadãos vivendo em sociedade, mais sinteticamente a saúde pública. (…) Em segundo lugar, estará em causa a protecção da economia do Estado, que pode ser completamente desvirtuada nas suas regras (…) com a existência desta economia paralela ou subterrânea erigida pelos traficantes”. A determinação da pena, realizada em função da culpa e das exigências de prevenção geral de integração e da prevenção especial de socialização, de harmonia com o disposto nos artigos 71.º e 40.º, n.º 2, ambos do CP, deve, no caso concreto, corresponder às necessidades de tutela do bem jurídico em causa e às exigências sociais decorrentes daquela lesão, sem esquecer que deve ser preservada a dignidade humana do delinquente. Para que se possa determinar o substrato da medida concreta da pena, dever-se-ão ter em conta todas as circunstâncias que depuserem a favor ou contra o arguido, nomeadamente, os factores de determinação da pena elencados no n.º 2, do artigo 71.º, do CP. Nesta valoração, o julgador não poderá utilizar as circunstâncias que já tenham sido utilizadas pelo legislador aquando da construção do tipo legal de crime, e que tenha tido em consideração na construção da moldura abstrata da pena (assegurando o cumprimento do princípio da proibição da dupla valoração). Por seu turno, o artigo 40.º, n.º 1, do CP estabelece que “a aplicação de penas visa a protecção de bens jurídicos e a reintegração do agente na sociedade” e, no n.º 2, que “em caso algum a pena pode ultrapassar a medida da culpa”. Assim, a finalidade primária da pena é a de tutela de bens jurídicos e, na medida do possível, de reinserção do agente na comunidade. À culpa cabe a função de estabelecer um limite que não pode ser ultrapassado. Na lição de Figueiredo Dias[4], a aplicação de uma pena visa acima de tudo o “restabelecimento da paz jurídica abalada pelo crime”. Uma tal finalidade identifica-se com a ideia da “prevenção geral positiva ou de integração” e dá “conteúdo ao princípio da necessidade da pena que o artigo 18.º, nº 2, da CRP consagra de forma paradigmática”. Há uma “medida óptima de tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias que a pena se deve propor alcançar”, mas que não fornece ao juiz um quantum exacto de pena, pois “abaixo desse ponto óptimo ideal outros existirão em que aquela tutela é ainda efectiva e consistente e onde, portanto a pena concreta aplicada se pode ainda situar sem perda da sua função primordial”. Dentro desta moldura de prevenção geral, ou seja, “entre o ponto óptimo e o ponto ainda comunitariamente suportável de medida da tutela dos bens jurídicos (ou de defesa do ordenamento jurídico)” actuam considerações de prevenção especial, que, em última instância, determinam a medida da pena. A medida da “necessidade de socialização do agente é, em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial”, mas, se o agente não se “revelar carente de socialização”, tudo se resumirá, em termos de prevenção especial, em “conferir à pena uma função de suficiente advertência” [5]. Dito isto, vejamos qual a razão do arguido/recorrente e do Ministério Público. 13.2. Da aplicação do regime penal a jovens delinquentes, previsto no artigo 4.º do DL n.º 401/82, de 23.09 (do recurso do arguido). Entende o recorrente que à data da prática dos factos descritos na acusação, e pelos quais o arguido foi condenado, este tinha apenas 20 anos de idade, tendo o tribunal recorrido ponderado a aplicação do Regime Especial Penal para Jovens consagrado no DL n.º 401/82, de 23.09, decidindo não ser de o aplicar ao arguido. Interpretação esta com a qual não pode concordar. Diz-se, a este respeito, no acórdão recorrido que e transcreve-se: (…) É ainda de considerar que o Arguido AA, à data dos factos apurada (Verão de 2018), ainda não tinha completado os 21 anos de idade. Dispõe o artigo 90.º do Código Penal que "aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial". A legislação a que se refere a citada norma do Código Penal consta do Decreto-Lei n° 401/82, de 23 de Setembro. Como se refere no preâmbulo do referido diploma, o interesse e a importância da legislação especial aplicável aos jovens delinquentes, regulada no mesmo, "não resulta tão só da ideia de que o jovem imputável é merecedor de um tratamento penal especializado, mas vai também ao encontro das mais recentes pesquisas no domínio das ciências humanas e da política criminal, como, finalmente entroncam num pensamento vasto e profundo, no qual a capacidade de ressocialização do homem é pressuposto necessário, sobretudo quando este se encontra ainda no limiar da sua maturidade". Tem-se em vista instituir um direito mais reeducador do que sancionador sem esquecer que "a reinserção social, para ser conseguida, não poderá descurar os interesses fundamentais da comunidade, e de exigir, sempre que a pena prevista seja a de prisão, que esta possa ser especialmente atenuada, nos termos gerais, se para tanto concorrerem sérias razões no sentido de que, assim, se facilitará aquela reinserção" (vide n° 4 do preâmbulo do Decreto - Lei n° 401/82, de 23 de Setembro). Dispõe o artigo 40 daquele diploma legal que "se for aplicável pena de prisão, deve o juiz atenuar especialmente a pena nos termos dos artigos 73.º e 74.º do Código Penal, quando tiver sérias razões para crer que da atenuação especial resultem vantagens para a reinserção social do jovem condenado". Com a alteração do Código Penal operada pelo Decreto-Lei n° 48/95, de 15 de Março, os artigos 73.º e 74.º, correspondem actualmente aos artigos 72º e 73º, devendo considerar-se feita para os actuais artigos 72º e 73º do Código Penal, a remissão constante no artigo 4º do Decreto-Lei n° 401/82. No caso em apreço o Arguido AA já conta com uma condenação pela prática de crimes de Condução Sem Habilitação Legal e de Furto Qualificado, tendo vindo a praticar os factos em apreço no período da suspensão da execução da pena de prisão aplicada. Acresce que este Arguido revela uma inserção familiar e laboral frágil, não tendo manifestado capacidade de auto-censura Já não se vislumbram, pois, quaisquer vantagens no processo da reinserção social deste Arguido pela aplicação da atenuação especial da pena. Não há, assim, que atenuar especialmente a pena a aplicar a AA por via da aplicação do Regime Especial Para Jovens. (…). Apreciemos: Está assente na jurisprudência que o poder de atenuar especialmente a pena aos jovens delinquentes é um verdadeiro poder-dever, isto é, perante a idade entre 16 e 21 anos do arguido, o tribunal não pode deixar de investigar se se verificam as sérias razões a que se refere o DL n.º 401/82, de 23.09, e se tal acontecer não pode deixar de atenuar especialmente a pena. Dizendo por outras palavras: não sendo este regime - especial para jovens delinquentes- de aplicação automática, não basta para o accionar, o simples facto de o agente ter idade compreendida na previsão legal, impondo-se um juízo positivo, desde que não existam razões fortes para duvidar da possibilidade de reinserção, devendo sobressair face à gravidade dos factos provados, a prevalência das finalidades politico-criminais que estão no fundamento do regime penal para jovens. Ou seja, que com a atenuação prevista no artigo 4.º do citado Diploma, as condições e a idade do arguido possam fazer crer que da atenuação resultarão vantagens para a sua reinserção. Deste modo, o prognóstico favorável à ressocialização radica na valoração, no caso concreto, da personalidade do jovem, da sua conduta anterior e posterior ao crime, da natureza e do modo de execução do ilícito e dos seus motivos determinantes. A idade não determinará, por si só, o desencadear dos benefícios do regime, designadamente, porque estes não se traduzem numa mera atenuação da dosimetria punitiva, mas numa atenuação especial, na qual terá de ser concretizada e quantificada de harmonia com o disposto nos artigos 72.º e 73.º do CP. No caso do ora recorrente, resulta dos factos provados 46. a 54., que: - do Certificado de Registo Criminal consta uma condenação no Processo n° 65/16………, por decisão de 01.02.2018, transitada em julgado em 05.03.2018, pela prática, em 21.03.2016, de um crime de condução sem habilitação legal e, em 22.03.2016, de um crime de furto qualificado, nas penas de 60 dias de multa e de 1 ano e 7 meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 anos; - o arguido praticou os factos em apreço no período da suspensão da execução daquela pena; - revela uma inserção familiar e laboral frágil; - não manifestou capacidade de auto-censura e de arrependimento; - agiu com dolo directo, sendo elevado o grau de ilicitude dos factos. Ora, as finalidades da prevenção especial positiva em caso algum podem justificar a aplicação de uma pena que frustre as da prevenção geral de integração. Atenta a natureza, a gravidade do ilícito e as circunstâncias em que o arguido cometeu o crime, deve concluir-se que não existem razões sérias para acreditar que decorram da atenuação especial vantagens para a reinserção social do arguido, verificando-se que a tais vantagens se opõem as exigências de prevenção geral. Pelo que, improcede esta pretensão do recorrente. 13.3. Da medida concreta das penas. O arguido, ora recorrente, AA foi condenado em autoria material, sob a forma consumada e em concurso real, pela prática de: - um crime de tráfico de estupefacientes, p.e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, e mapa anexo à Portaria n.º 94/96, na pena de 5 anos 4 meses de prisão: - um crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3.01, na pena de 6 meses de prisão; - e, em cúmulo jurídico das penas, na pena única de 5 anos e 6 meses de prisão. O recorrente AA vem discordar da medida concreta da pena, entendendo que a pena a aplicar ao crime de condução sem habilitação legal deve ser de multa, especialmente atenuada, e a pena de prisão a aplicar pela prática do crime de tráfico de menor gravidade p. e p. pelo artigo 25.º, do DL 15/93 de 22.01[6], não deverá exceder 2 anos de prisão, suspensa na sua execução por igual período, nos termos do disposto no artigo 50.º, do CP, ou nunca superior a 4 anos de prisão, se for entendido não aplicar o Regime Especial Penal para Jovens. Por seu turno, o Ministério Público entende no seu recurso que a pena aplicada ao arguido deve ser reformulada e aplicada pela prática do crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01, a pena de 7 anos e 6 meses de prisão; e pela prática do crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3.01, a pena de 1 mês de prisão. E na pena única de 7 anos de prisão. 13.3.1. Quanto à pena concreta a aplicar ao crime de condução sem habilitação legal. Dispõe o artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do DL n.º 2/98, de 3.01, com referência ao artigo 121.º, n.º 1, do Código da Estrada (CE), que: "Quem conduzir veículo a motor na via pública ou equiparada sem para tal estar habilitado nos termos do Código da Estrada é punido com prisão até um ano ou com pena de multa até 120 dias". Acrescenta o n.º 2 do mesmo artigo que dizendo tais factos respeito a motociclo ou veículo automóvel, é aplicável uma pena de prisão até 2 anos ou pena de multa até 240 dias. Quanto à habilitação legal, diz o artigo 121.º, n.º 1, do referido diploma legal que: "Só pode conduzir um veículo a motor na via pública quem estiver legalmente habilitado para o efeito". O crime de condução sem habilitação legal apresenta-se como um crime de perigo abstracto que tutela a segurança rodoviária. São os seguintes os seus elementos constitutivos: - A condução na via pública ou equiparada; - A inexistência de título legítimo que habilite o condutor a exercer a condução de veículo (artigos 121.º e 122.º, n.º 1 do CE); e - O dolo (elemento subjectivo do tipo). No caso em concreto, está provado que: - No dia 03.12.2019, pelas 15:20 horas, o arguido AA, deslocou-se perto da residência do arguido DD a conduzir o veículo automóvel de marca ……, modelo ……, com a matrícula …-…..-OV, sem que para o efeito estivesse legalmente habilitado (facto provado n.º 17). - Não obstante, quis e decidiu conduzir o aludido veículo sem que fosse titular de documento que legalmente o habilitasse, bem sabendo que não podia conduzir na via pública qualquer veículo automóvel sem que se encontrasse legalmente habilitado a fazê-lo. O arguido AA actuou livre, consciente e voluntariamente, bem sabendo que a sua conduta era proibida e punida por lei (factos provados 32, 33, 34 e 35). Face a esta matéria dada por assente, verifica-se que a referida conduta levada a cabo pelo ora recorrente, no dia 03.12.2019, preenche os elementos típicos do crime de condução sem habilitação legal. Este tipo de crime convoca as prementes necessidades de prevenção geral, atendendo ao elevado nível de sinistralidade rodoviária em Portugal. Entende o recorrente AA que lhe deve ser aplicada uma pena de multa, especialmente atenuada. Entende o recorrente Ministério Público que deve ser aplicada uma pena de 1 mês de prisão. Entendemos, que quanto ao critério de escolha da pena e invocando os pressupostos ditos no artigo 70.º do CPP (supra 13.1.), como foi decidido no acórdão recorrido que o pressuposto da aplicação de uma pena não privativa da liberdade, manifestamente não se verifica. Como se refere no facto provado n.º 54 (supratranscrito em 13.2.), o recorrente já havia sido condenado pela prática de um crime de condução sem habilitação legal, o que em nada lhe serviu de advertência quanto à reiteração de tal comportamento. Acresce que o grau da ilicitude, agora no contexto de tráfico de droga, se mostra elevado, impondo-se a conclusão de que a aplicação de pena não privativa da liberdade, não satisfaz in casu de forma adequada e suficiente as finalidades da punição. Temos assim, que a pretensão do arguido/recorrente em ser aplicada uma pena de multa, não pode proceder. E, quanto à pretensão veiculada no recurso do Ministério Público, de ver fixada pena aplicada pelo crime de condução sem habilitação legal próximo do mínimo legal, concretamente em um mês de prisão, entendemos que atento o grau de ilicitude num contexto de tráfico de droga, nos leva a confirmar a pena de 6 meses de prisão aplicada pelo acórdão recorrido. Pelo que improcede, nesta parte, o recurso do Ministério Público. 13.3.2. Quanto à pena concreta a aplicar ao crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n.º 1, do DL n.º 15/93, de 22.01 (com referência às Tabelas I-A, I-B e I-C, e mapa anexo à Portaria n.º 94/96). Entende o arguido/recorrente que a pena a aplicar quanto a este crime não deve ultrapassar os 4 anos de prisão, e como tal ao abrigo do artigo 50.º do CP, suspensa na sua execução. Entende o Ministério Público no seu recurso que a pena de 7 anos e 6 meses de prisão é a adequada pela prática deste crime. Ponderando a matéria de facto assente (e supratranscrita), verifica-se que: - A natureza da droga traficada, tendo em consideração que a cocaína e a heroína são consideradas droga duras; - A actividade de tráfico foi exercida numa área geográfica restrita (na área de Portimão); - O modo de execução do crime praticado que não revela grande preparação técnica, sendo o tráfico efectuado com utilização de logística rudimentar; - O grau de ilicitude do facto, a intensidade elevada da actividade desenvolvida, os sentimentos manifestados no cometimento do crime e os fins ou motivos que o determinaram, ou seja, obtenção de proveitos económicos (dinheiro); - A gravidade das consequências que, no caso concreto, se considera mediana, considerando, por um lado, não só o período de tempo em que o arguido se dedicou ao tráfico, mas também ao número de toxicodependentes que se apurou serem seus clientes; - A intensidade do dolo do arguido, que no caso em apreço é intenso e directo; - As necessidades de prevenção geral deste tipo de comportamentos, que se impõem com particular acuidade, pela forte ressonância negativa, na consciência social, das actividades que os consubstanciam. A simples existência de droga nas mãos de alguém, constitui, por si só, um perigo e uma ameaça social que põe em risco toda a comunidade, não sendo aceite pela mesma considerando o número de vidas que são ceifadas e a destruição dos lares onde a droga acaba por entrar. Como atrás se disse, estamos perante um crime contra a saúde pública, onde as necessidades de prevenção geral de integração da norma e de proteção de bens jurídicos são prementes. Além disto, o “sentimento jurídico da comunidade” apelando, por um lado, a uma eliminação do tráfico de estupefacientes e, por outro lado, também anseia por uma diminuição deste tipo de criminalidade e uma correspondente consciencialização de todos aqueles que se dedicam a estas práticas ilícitas para os efeitos altamente nefastos para a saúde e vida das pessoas, isto é, uma exigência acrescida de tutela dos bens jurídicos lesados com o crime. Aliás, tendo em conta as características desta criminalidade e os seus efeitos nefastos para a sociedade, as exigências de manutenção da confiança geral na validade da norma e, portanto, a confiança de que estas condutas são punidas, impõem exigências acrescidas de restauração da paz jurídica; - O arguido revela uma situação económica instável, não tem formação profissional nem actividade profissional regular. - Encontrava-se a viver sozinho num quarto alugado, com fraca inserção familiar. - Tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal e furto qualificado, vindo a praticar os factos pelos quais vai ora condenado, no período de suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada. - A seu favor, pesa a circunstância de ainda ser jovem, embora não tenha manifestado qualquer capacidade de auto-crítica. Recorde-se que a pena abstracta pela prática deste ilícito (tráfico de estupefacientes) é fixada entre 4 e 12 anos de prisão. E que lhe foi aplicada a pena de 5 anos e 4 meses de prisão. Ora, tendo em conta a intensidade do dolo e o apontado grau de ilicitude do facto, e tendo-se a culpa como mediana, permitindo que a pena se fixe em patamar situado junto do limite mínimo da moldura penal, entendemos ser de fixar uma pena 4 anos e 6 meses de prisão (quanto ao crime de tráfico de estupefacientes). Ponderando tudo o exposto, concluímos que a pena adequada, proporcional e justa, no caso em concreto do recorrente, é de 4 anos e 6 meses de prisão, situando-se, como se disse, muito mais perto do limite mínimo do que do limite máximo da moldura penal, não excedendo a medida necessária para se realizarem as finalidades da punição. Procede, nesta parte, a pretensão do recorrente, no tocante à redução da pena de prisão pela prática do crime de tráfico de estupefacientes. Improcede, por outro lado, o recurso interposto pelo Ministério Público. 14. Passemos, agora, a apreciar a medida da pena conjunta. Face ao disposto no n.º 2, do artigo 77.º, do CP, a moldura penal determinada pelo presente concurso tem como limiar máximo 5 anos de prisão, e como limiar mínimo 4 anos e 6 meses de prisão. Ponderando globalmente as circunstâncias atinentes aos crimes em causa, releva especialmente a relação temporal existente entre os crimes praticados (contemporâneos), o número de crimes (dois), a natureza dos crimes (diferenciada), e o percurso de vida do arguido, também ele, globalmente considerado. Estes factores mostram que as exigências de prevenção especial, mas também geral, de reafirmação da validade da ordem jurídica, presentes no caso, não são menosprezáveis sem serem muito elevadas, embora a medida da gravidade global dos factos ser dada essencialmente pelo crime de tráfico de estupefacientes, sendo igualmente relevante, mas não muito acentuado o grau de culpa manifestado nos factos. Pelo que, e retomando o que atrás se disse sobre as finalidades da aplicação das penas- artigo 40.º, n.ºs 1 e 2 e 70.º do CP – e na determinação concreta da medida da pena, o tribunal tem de atender a todas as circunstâncias que, não fazendo parte do tipo de crime, depõem a favor do agente ou contra ele, designadamente as que a título exemplificativo estão enumeradas naquele preceito, bem como as exigências de prevenção que no caso se façam sentir, incluindo-se tanto exigências de prevenção geral como de prevenção especial. As primeiras dirigem-se ao restabelecimento da paz jurídica comunitária abalada pelo crime, que corresponde ao indispensável para a estabilização das expectativas comunitárias na validade da norma violada. As segundas visam a reintegração do arguido na sociedade (prevenção especial positiva) e evitar a prática de novos crimes (prevenção especial negativa) e, por isso, impõe-se a consideração da conduta e da personalidade do agente. Como diz o Prof. Figueiredo Dias[7], a propósito do critério da prevenção geral positiva, “A necessidade de tutela dos bens jurídicos – cuja medida ótima, relembre-se, não tem de coincidir sempre com a medida culpa – não é dada como um ponto exato da pena, mas como uma espécie de «moldura de prevenção”; a moldura cujo máximo é constituído pelo ponto mais alto consentido pela culpa do caso e cujo mínimo resulta do “quantum” da pena imprescindível, também no caso concreto, à tutela dos bens jurídicos e das expectativas comunitárias. É esta medida mínima da moldura de prevenção que merece o nome de defesa do ordenamento jurídico. Uma tal medida em nada pode ser influenciada por considerações, seja de culpa, seja de prevenção especial. Decisivo só pode ser o quantum da pena indispensável para se não ponham irremediavelmente em causa a crença da comunidade na validade de uma norma e, por essa via, os sentimentos de confiança e de segurança dos cidadãos nas instituições jurídico-penais”. E, relativamente ao critério da prevenção especial, escreve: “Dentro da «moldura de prevenção acabada de referir atuam irrestritamente as finalidades de prevenção especial. Isto significa que devem aqui ser valorados todos os fatores de medida da pena relevantes para qualquer uma das funções que o pensamento da prevenção especial realiza, seja a função primordial de socialização, seja qualquer uma das funções subordinadas de advertência individual ou de segurança ou inocuização. (...). A medida das necessidades de socialização do agente é pois em princípio, o critério decisivo das exigências de prevenção especial para efeito de medida da pena”. Assim, quanto à pena única a aplicar ao arguido em sede de cúmulo jurídico, a medida concreta da pena única do concurso de crimes dentro da moldura abstracta aplicável, constrói-se a partir das penas aplicadas aos diversos crimes e é determinada, tal como na concretização da medida das penas singulares, em função da culpa e da prevenção, mas agora levando em conta um critério específico: a consideração em conjunto dos factos e da personalidade do agente. À visão atomística inerente à determinação da medida das penas singulares, sucede uma visão de conjunto em que se consideram os factos na sua totalidade, como se de um facto global se tratasse, de modo a detetar a gravidade desse ilícito global, enquanto referida à personalidade unitária do agente. Por último, de grande relevo será também a análise do efeito previsível da pena sobre o comportamento futuro do agente (exigências de prevenção especial de socialização). Estando em concurso a prática pelo arguido de 1 crime de tráfico de estupefacientes e 1 crime de condução sem habilitação legal, partindo da moldura penal abstrata do cúmulo jurídico balizada entre 5 anos de prisão e 4 anos e 6 meses de prisão , atendendo ao critério e princípios supra enunciados, designadamente a consideração em conjunto dos factos e a personalidade do agente, as exigências de prevenção geral e especial, procedendo ao cúmulo jurídico, das penas parcelares nos termos do artigo 77.º, n.ºs 1 e 2, do CP, mostra-se justa, necessária, proporcional e adequada a pena única de 4 anos e 8 meses de prisão. Por tudo o exposto, condenar, em cúmulo jurídico das penas singulares ora aplicadas, o arguido AA na pena conjunta de 4 anos e 8 meses de prisão. Pelo que procede, deste modo, a pretensão do recorrente. E improcede a pretensão do Ministério Público. 15. Da suspensão da pena de prisão. Esta pena admite a suspensão da execução, por força do artigo 50.º, n.º 1, do CP, medida expressamente solicitada pelo arguido e que sempre teria de ser ponderada, por força da mesma disposição legal. Condição formal da suspensão da pena de prisão é esta não ser superior a 5 anos, o que é o caso, encontrando-se a mesma preenchida. Vejamos, agora, se estão reunidos os elementos necessários ao preenchimento da condição material, ou seja, se podemos concluir, no caso do recorrente, que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam as finalidades das penas. Como é sabido, à opção pela suspensão da execução da pena de prisão, enquanto medida de reacção criminal autónoma, são alheias considerações relativas à culpa do agente, valendo exclusivamente as exigências postas pelas finalidades preventivas da punição, sejam as de prevenção geral positiva ou de integração, sejam as de prevenção especial de socialização (artigo 40. º, n. º 1, do CP). De molde que a opção por esta pena deverá assentar, em primeira linha, na formulação de um juízo positivo ou favorável à recuperação comunitária do agente através da censura do facto e da ameaça da prisão, sem a efectiva execução desta prisão, que ficaria suspensa, mas desde que esta opção não prejudique ou contrarie a necessidade de reafirmar a validade das normas comunitárias, ou seja, desde que o sentimento comunitário de crença na validade das normas infringidas não seja contrariado ou posto em causa com tal suspensão. Com efeito, perante o grau de ilicitude dos factos praticados, o passado criminal do arguido e a personalidade que assim se revela (a seu favor, pesa a circunstância de ainda ser jovem, embora não tenha manifestado qualquer capacidade de auto-crítica), parece evidente que “a simples censura do facto e a ameaça da prisão” não realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição consagradas no artigo 40.º, n.º 1 do CP. Não pode, pois, fundadamente sustentar-se que a (nova) simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam, agora, de forma adequada e suficiente, as finalidades da punição, quando já anteriormente não demoveram o recorrente da prática de outros crimes. Recorde-se, neste momento, o Prof. Figueiredo Dias para o cuidado “…com que têm de ser manipulados estes factores, dada a particularíssima ambivalência de que são dotados: só em concreto se pode determinar o papel, agravante ou atenuante, que desempenham circunstâncias como as da condição económica e social do agente, a sua idade e sexo, a sua educação, inteligência, situação familiar e profissional, etc., quando conexionadas com o círculo de deveres especiais que ao agente incumbiam”[8] (sublinhado nosso). Diz-se no acórdão recorrido, no que concerne ao recorrente, que: (…) o Arguido AA, revela uma situação económica instável, não tem formação profissional nem actividade profissional regular. Encontrava-se a viver sozinho num quarto alugado, com fraca inserção familiar. Tem antecedentes criminais pela prática de crimes de condução de veículo sem habilitação legal e furto qualificado, vindo a praticar os factos pelos quais vai ora condenado, no período de suspensão da pena de prisão que lhe foi aplicada. A seu favor, pesa a circunstância de ainda ser jovem, embora não tenha manifestado qualquer capacidade de auto-crítica. (…). A mesma conclusão (inviabilidade da suspensão da execução da pena) se alcança se se atender agora às exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico (prevenção geral de integração da norma e de protecção de bens jurídicos), que se tendem a mostrar prementes neste tipo de delitos dada a sua projecção no funcionamento comunitário e no sentimento da comunidade, pela sua expansividade danosa. Com efeito, a relativa intensidade da actividade em causa torna claro que a suspensão da pena surgiria como um sinal de enfraquecimento intolerável do valor impositivo da norma penal em causa. Daí que o dolo directo do arguido e a intenção, exclusiva, de obter proventos com actividade de tráfico de estupefacientes concorrem para a acentuação da culpa, ainda assim sem ultrapassar os patamares intermédios. Donde não ser susceptível de suspensão a execução da pena fixada, pelo que improcede nesta parte o seu pedido. Improcede, deste modo, a pretensão do recorrente. III. 17. Pelo exposto, decidem os juízes da 5.ª secção deste Supremo Tribunal de Justiça em: a). Conceder parcial provimento ao recurso interposto por AA, condenando-o pela prática de: i. um crime de tráfico de estupefacientes, p. e p. pelo artigo 21.º, n. º1, do DL 15/93, de 22.01, na pena de 4 (quatro) anos e 6 (seis) meses de prisão (no que procede); ii. mantendo, no entanto, quanto ao crime de condução sem habilitação legal, p. e p. pelo artigo 3.º, n.ºs 1 e 2, do Decreto-Lei n.º 2/98, de 3 de Janeiro, a pena de 6 (seis) meses de prisão (no que improcede); iii. e, em cúmulo jurídico das penas, na pena única de 4 (quatro) anos e 8 (oito) meses de prisão (no que procede). b) Mais improcede a pretensão do recorrente quanto à suspensão da pena. c) Improcede o recurso interposto pelo Ministério Público. d) Sem custas. 8 de Abril de 2021 Processado e revisto pela relatora, nos termos do disposto no artigo 94.º, n.º 2 do CPP, e assinado eletronicamente pelos signatários.
Margarida Blasco (Relatora) Eduardo Loureiro (Adjunto)
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