Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA JOÃO VAZ TOMÉ | ||
Descritores: | CONTRATO DE SEGURO INOPONIBILIDADE DO NEGÓCIO TERCEIRO INTERVENÇÃO ACESSÓRIA INTERVENÇÃO PROVOCADA ASSISTENTE LEGITIMIDADE PARA RECORRER PREJUÍZO SÉRIO EFEITOS DA SENTENÇA CASO JULGADO AÇÃO DE REGRESSO RECLAMAÇÃO DESPACHO DE NÃO ADMISSÃO DE RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 02/09/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
Decisão: | INDEFERIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I. A jurisprudência do STJ tem entendido que não é consentido ao interveniente acessório recorrer autonomamente, salvo no caso de revelia do assistido (art. 329.º do CPC), pois que, beneficiando do estatuto de assistente, assume a posição de auxiliar de uma das partes principais: do réu-chamante. II. Ao incidente da intervenção acessória provocada está subjacente a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, meramente conexa com a relação material controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento - é a de mero auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor. Isto mesmo se afigura conforme com o direito substantivo, pois que, de outro modo – mediante a atribuição de uma posição processual que não a de mero auxiliar do réu-chamante e sem a correspondente posição material ou substantiva -, o contrato de seguro celebrado entre o réu-chamante e o interveniente acessório chamado como que seria oponível ao autor, violando-se o princípio da relatividade dos contratos consagrado no art. 406.º, n.º 2 do CC. O autor ver-se-ia compelido a litigar com um terceiro - com o qual não mantem qualquer relação jurídica material -, por força de um contrato de seguro celebrado entre este e o réu-chamante e ao qual é alheio (e que não foi celebrado a seu favor). III. O art. 631.º, n.º 2 do CPC reveste-se de natureza excecional. Como requisito da atribuição de legitimidade recursiva a quem não é parte principal na causa, este preceito estabelece a existência de prejuízo direto e efetivo. IV. A decisão da ação principal não se reflete diretamente na esfera jurídica do chamado: condenado é o réu e não o chamado. Os efeitos dessa decisão não se lhe referem diretamente. Essa decisão apenas produz efeitos numa ação subsequente, em que o chamado se encontra protegido dos efeitos decorrentes da inação da parte principal (art. 332.º, als. a) e b) do CPC). Por outro lado, muito dificilmente se pode afirmar a existência de um prejuízo efetivo, porque esse depende tanto da propositura como da procedência da ação de regresso. V. De iure constituto, não é admissível a interposição autónoma de um recurso próprio pelo interveniente acessório, por o mesmo não beneficiar do estatuto de parte principal e a decisão do litígio assumir para si relevância apenas indireta ou reflexa e eventual ou hipotética no âmbito de uma futura e eventual acção de regresso que o réu venha a intentar contra si. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, no Supremo Tribunal de Justiça, I - Relatório
1. AA, na qualidade de cabeça de casal da herança aberta por morte de BB, intentou ação declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra CC, advogado, pedindo que a ação seja julgada procedente, por provada, condenando-se o Réu a pagar à Autora quantia global de € 97.918,48, sendo € 85.418,48 a título de danos patrimoniais e € 12.500,00 a título de danos não patrimoniais, assim como os juros à taxa legal em vigor desde a citação até efetivo e integral pagamento. 2. Alegou, para o efeito, que a de cujus BB celebrou contrato de mandato forense com o Réu CC para a representar no proc. n.º 119/20…, que correu termos na Secção única do Tribunal Judicial … . Como, na conferência de interessados realizada no âmbito do processo de inventário o Réu a informou erradamente de que a casa de morada de família integrava a verba n.º 1, a de cujus licitou-a pelo montante de € 60.501,00, quando na realidade, essa casa integrava a verba n.º 2. O Réu não observou o dever objetivo de cuidado que sobre si impendia, violando as legis artis: desde logo, porque relacionou dois bens imóveis sob a mesma verba; depois, porque ao descrever os bens imóveis em duas verbas e ao licitar os mesmos, não cuidou de saber quais os bens que integravam cada uma das verbas, induzindo a de cujus em erro. 3. O Réu contestou por impugnação e deduziu o incidente de intervenção principal provocada da seguradora Arch Insurance Company Europe, Ltd. 4. A 16 de fevereiro de 2017, foi proferido despacho que deferiu o incidente de intervenção deduzido pelo Réu CC e, consequentemente, admitiu a intervenção acessória – e não principal - provocada de Arch Insurance Company Europe, Ltd. e ordenou a sua citação, no termos do art. 319.º, n.º 1, do CPC. 5. A Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. apresentou articulado, em que defendeu, em síntese, que não se pode condenar o Réu na reparação de quaisquer danos e, por isso, não decorre para si qualquer obrigação decorrente da alegada transferência de responsabilidades por força das apólices – anexadas - relativas ao sinistro sub judice. Concluiu que a presente ação deve ser julgada improcedente com a consequente absolvição do Réu do pedido. 6. Foi realizada audiência prévia, tendo sido elaborado despacho saneador com fixação do valor do causa em € 97.918,47, identificação do objeto do litigio, indicação dos factos assentes e enunciação dos temas de prova. 7. Procedeu-se a julgamento. 8. A 25 de fevereiro de 2019, foi proferida sentença que julgou a ação procedente, condenando solidariamente o Réu CC e a chamada seguradora Arch Insurance Company Europe, Ltd. no pagamento ao Autor AA da quantia global de € 87.918,48 (€ 85.418,48 a título de danos patrimoniais e € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até integral pagamento. 9. Inconformada, a Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. interpôs recurso de apelação, pugnando pela revogação da sentença. 10. Não foram apresentadas contra-alegacões. 11. Por acórdão de 10 de outubro de 2019, o Tribunal da Relação … decidiu o seguinte: “Com fundamento no atrás exposto, decide-se julgar procedente a apelação, e, em conformidade, revoga-se a sentença recorrida, na parte em que condenou solidariamente a Interveniente Acessória D….. no pagamento ao Autor AA da quantia global de € 87.918,48 (oitenta e sete mil novecentos e dezoito euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, sendo € 85.418,48 a título de danos patrimoniais e € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais. No mais, mantém-se a sentença recorrida. Sem custas”.
12. De novo inconformada, a Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd., com fundamento nos arts. 671.º, n.º 1 e 674.º, n.º 1, als. a) e b) do CPC, interpôs recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1. Não sendo parte principal na causa, a ora Recorrente ficou, in casu, directa e efectivamente prejudicada pela decisão proferida pelo douto Tribunal a quo; 2. Na verdade, tendo em conta a transferência integral de responsabilidade (do seu segurado, Dr. CC) para a ora Recorrente Seguradora, por via dos contratos de seguro melhor identificados nos pontos 31) a 38) dos factos julgados provados, sempre será a ora Recorrente directa e efectivamente prejudicada pela decisão proferida nos autos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 631.º, n.º 2 do CPC. 3. De facto, atendendo às coberturas e garantias das cláusulas constantes das apólices de seguro n.º DP/…… e DP/….. celebradas com a Ordem dos Advogados, e bem assim da apólice de seguro de reforço de capital n.º …., directamente contratada pelo ora Réu, Dr. CC, sempre será a ora Recorrente Seguradora a suportar integralmente a totalidade dos pagamentos indemnizatórios que se venham a julgar devidos ao A. (o que, aliás, parece resultar claro da circunstância de o R. advogado, tendo sido condenado nos autos, não ter recorrido); 4. Razão pela qual, afigura-se manifestamente evidente dos factos julgados provados nos autos, e bem assim da posição processual assumida pela Recorrente, a sua legitimidade e interesse para recorrer da douta decisão proferida nos autos, relativamente aos pressupostos da responsabilização civil do R. advogado. 5. Sendo, nessa medida, de admitir, com base no disposto no nº 2 do artigo 631º do CPC, a legitimidade recursória da interveniente acessória quanto à decisão proferida nos autos que, pelo seu conteúdo, direta e efetivamente a afete, designadamente quanto aos pressupostos do direito de regresso; 6. Entendendo, a este respeito, a ora Recorrente (salvo o devido respeito) que, ao decidir do modo como decidiu, violou e/ou interpretou incorretamente a Veneranda Relação ….. no douto Acórdão recorrido, a norma legal prevista no artigo 631.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, nomeadamente por a douta decisão proferida nos autos impedir à ora Recorrente Arch a possibilidade de, em sede de recurso, ver reapreciadas as questões – suscitadas no seu recurso de apelação – as quais, para além de fazerem, relativamente à Recorrente, caso julgado material, implicarão a sua directa e integral responsabilização pelo pagamento ao A. da totalidade do montante indemnizatório julgado devido nos autos. 7. Ainda que concretamente existisse uma actuação ilícita imputável ao aqui Réu no âmbito do referido patrocínio assumido perante a de cujus, a sua responsabilização civil dependeria sempre do apuramento dos danos e da relação de causalidade entre estes danos e a conduta negligente, o que não se verifica in casu; 8. Com efeito, a obrigação de indemnizar, a cargo do causador do dano, deve reconstituir a situação que existiria “se não se tivesse verificado o evento que obriga à reparação” – artigo 562º do Código Civil; 9. O artigo 566º do C.C., consagra o princípio da reconstituição natural do dano, mandando o artigo 562º reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade; 10. Sendo que, nos termos do art.º 563 do Código Civil, “a obrigação de indemnização só existe em relação aos danos que o lesado provavelmente não teria sofrido se não fosse a lesão”; 11. Ora, a eventual responsabilidade civil do Réu advogado, no âmbito do contrato de mandato forense em crise nos presentes autos, resultaria de “um erro na descrição das verbas e na respectiva licitação”; 12. Sendo que, o Réu apenas agiu com base nas informações e elementos que lhe foram prestados e disponibilizados pela sua constituinte, sendo devido à incorrecção (posteriormente constatada pelos intervenientes no processo de inventário) da informação disponibilizada ao Réu, que se produziram os pretensos danos sofridos pela de cujus; 13. Sobre a de cujus, e o Autor, que sempre acompanhou a sua mãe em todas as reuniões com o Réu advogado e actos formais, impendia um ónus de informação e colaboração com o seu mandatário; 14. Aliás, era o Autor quem dava instruções ao Réu advogado e foi ele quem licitou, em 02/03/2006, na Conferência de Interessados, nas verbas relativas aos imóveis, por, segundo as suas próprias palavras, a mãe não o conseguir fazer (cfr. declarações e depoimento de parte do Autor). 15. Pelo que, deveria o Tribunal a quo ter reduzido ou mesmo excluído uma eventual indemnização em virtude da culpa do lesado, nos termos do Art. 570º do C.C. 16. Ademais, e sem conceder, o alegado erro profissional do Réu advogado na identificação das verbas em licitação na Conferência de Interessados terá induzido em erro a de cujus, e teria levado esta a licitar € 60.531,00 (facto provado 12) por um imóvel que não correspondia à casa de morada de família e que valia na data de adjudicação no processo de inventário, em 23/06/2010, € 45.000,00 (facto provado 56), sendo-lhe esta a que lhe foi adjudicada, e tendo a de cujus de dar de tornas aos outros interessados o montante de € 42.709,24 (facto provado 22); 17. Mandando o artigo 562º do Código Civil reconstituir a situação hipotética que existiria se não fosse o facto gerador da responsabilidade, torna-se imprescindível equacionar tal caso hipotético; 18. Na situação hipotética de não ter ocorrido qualquer erro, a de cujus teria licitado e ter-lhe-ia sido adjudicada a casa morada de família pelo valor de € 60.531,00 (valor que licitou pela casa que julgava ser a casa morada de família). 19. A casa morada de família, na data de adjudicação no processo de inventário, em 23/06/2010, valia € 65.000,00 (facto provado 57). 20. Na situação hipotética (sem ocorrência do alegado erro), a de cujus, ao contrário do que concluiu (incorrectamente) o douto Tribunal a quo, continuaria a ter de dar de tornas aos demais interessados, no mesmo montante de € 42.709,24, e consequentemente, não teria direito a haver quaisquer tornas dos demais interessados. 21. Tal ocorre pois o valor total dos bens a partilhar manter-se-ia igual (conforme consta no mapa de partilha junto aos autos), ou seja, seria de € 74.989,65, pois as licitações seriam as mesmas, sendo a única diferença no mapa de partilhas o facto de a verba n.º 1 passar a ter o valor de € 10.301,00 (antes € 60.531,00) e a verba n.º 2 (a casa morada de família) passar a ter o valor de € 60.531,00 (antes € 10.301,00). 22. As tornas continuariam, assim, a ser calculadas tendo em consideração o quinhão hereditário da de cujus, de, apenas, € 20.522,24, que também não sofreria qualquer alteração, pois a troca de valores operou-se entre bens próprios do Inventariado, logo teria na mesma de dar de tornas o valor de € 42.709,24 a favor dos outros interessados. 23. A diferença entre o que o ocorreu e a situação hipotética sem o alegado erro, teria apenas que ser avaliada, em termos de danos patrimoniais, apenas atentando à aquisição de um bem menos valioso, já que em termos de tornas, a de cujus continuaria a ter de pagar o mesmo valor (e obviamente nada a receber). 24. Considerando o valor do bem que lhe foi adjudicado (45,000,00), e o valor que despendeu por este (€ 60.531,00), existiria, no limite, e sem conceder, um prejuízo patrimonial de € 15.531,00 (resultante da diferença entre o valor pago pela de cujos pelo imóvel em causa:€60.531,00;e o valor de mercado desse mesmo bem imóvel: €45,000,00). 25. Assim, o supra referido valor corresponderá ao pretenso dano sofrido pela de cujus por ter adquirido um bem menos valioso em virtude do pretenso erro do Réu advogado. 26. Para que possa ser atribuída uma indemnização por danos não patrimoniais é necessário que a conduta do lesante seja apta a provocar danos graves; e essa gravidade há-de ser aferida objectivamente, ou seja, em função de um padrão médio de sensibilidade, e não da especial susceptibilidade do visado; 27. Portanto, não seria suficiente que o A. provasse que a de cujus sofreu danos de natureza moral (não patrimonial). Seria ainda necessário que provasse que esses danos eram de tal maneira graves que justificassem a tutela do direito; 28. Assim, tendo em consideração os factos dados como provados (e só estes podem ser tidos em conta), não nos parece (salvo melhor e douta opinião em contrário) que se possa concluir que a de cujus sofreu danos de natureza não patrimonial que justifiquem a tutela do direito e, portanto, devam ser indemnizados no montante de €2.500,00, conforme entendeu a douta sentença recorrida; 29. O douto Tribunal a quo, para justificar o supra referido valor apresentou um raciocínio (sem qualquer apego com a realidade e ignorando a prova gravada e todos os demais elementos probatórios constantes dos autos - por exemplo o mapa de partilha e relatório de peritagem) de que a de cujus “a ter licitado correctamente em vez de dar tornas deveria ter recebido igual montante, pelo que o prejuízo patrimonial verificado corresponde ao somatório das tornas indevidamente pagas acrescido de igual montante de tornas que tinha a receber e não recebeu.” – Cfr. Sentença recorrida; 30. Salvo o devido respeito, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 4.º, 342.º, 483.º, 494.º, 496.º, 562.º, 563.º, 564º, 566.º e 570º do Código Civil, não se encontrando, de facto, demonstrados nos autos factos passíveis de conduzir à atribuição, ao Autor, da “quantia global de € 87.918,48 (oitenta e sete mil novecentos e dezoito euros e quarenta e oito cêntimos), acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação e até integral pagamento, sendo € 85.418,48 a título de danos patrimoniais e € 2.500,00 a título de danos não patrimoniais” (Cfr. Sentença recorrida), afigurando-se, caso se entenda que existe responsabilidade civil do Réu advogado, o valor arbitrado a título de danos patrimoniais manifestamente desajustado, por excessivo, devendo assim o montante indemnizatório ser, no limite, aquele que corresponde ao prejuízo patrimonial sofrido pela de cujus (€ 15.531,00); 31. Contrariamente ao que decidiu o douto Tribunal a quo, a maioria da jurisprudência e doutrina considera que, relativamente aos danos não patrimoniais, o pagamento de juros de mora apenas é devido a partir do trânsito em julgado da decisão que reconheceu tais danos (Art. 806.º n.º 1 do Código Civil); 32. Resultando ainda do Acórdão de Uniformização de Jurisprudência do STJ n.º 4/2002: que “Sempre que a indemnização pecuniária por facto ilícito ou pelo risco tiver sido objecto de cálculo actualizado, nos termos do n.º 2 do artigo 566.º do Código Civil, vence juros de mora, por efeito do disposto nos artigos 805.º, n.º 3 (interpretado restritivamente), e 806.º, n.º 1, também do Código Civil, a partir da decisão actualizadora, e não a partir da citação”. 33. Consequentemente, quaisquer juros de mora que possam vir a ser devidos ao A., o que se alega sem conceder, só se poderão contabilizar a partir do trânsito em julgado de Decisão final que venha a ser proferida nos Autos. 34. Por conseguinte, e salvo o devido respeito, ao decidir do modo como decidiu, violou o douto Tribunal a quo as normas legais previstas nos artigos 805.º e 806.º, n.º 1 do Código Civil, devendo assim a sentença recorrida ser alterada, e caso se confirme, sem conceder, pela existência de danos patrimoniais e não patrimoniais decorrentes do alegado erro profissional do Réu advogado, deverão os eventuais juros de mora ser contabilizados apenas a partir do trânsito em julgado da douta decisão final. Nestes termos e nos demais de direito, deve ser concedido provimento ao presente recurso, revogando-se o douto Acórdão proferido, só assim se fazendo JUSTIÇA!”.
13. Não houve contra-alegações. 14. A 27 de janeiro de 2020, o Senhor Desembargador do Tribunal da Relação …., proferiu o seguinte despacho: “Com fundamento no atrás exposto, rejeito o recurso interposto pela interveniente acessória D….., LTD, por falta de legitimidade para recorrer. Custas pelo Recorrente”. 15. A Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd., ao abrigo do art. 643.º, n.º 1 do CPC, reclamou dessa decisão que não admitiu o seu recurso de revista, apresentando as seguintes Conclusões: “1. Embora não possa o interveniente acessório ser directamente condenado na acção para a qual foi chamado a intervir, encontrando-se demonstrado nos autos que a decisão condenatória lhe afecta directa e efectivamente, deverá ser reconhecida a sua legitimidade recursória, nos termos previstos no artigo 631.º, n.º 2 do CPC; 2. O simples facto de ser admitido a assistir, vincula o interveniente acessório à decisão, de facto e de direito, que venha a ser proferida nesses autos, ficando este obrigado a aceitá-la, como prova plena e com força de caso julgado, nomeadamente em nova acção em que figure como parte principal; 3. Por tal razão, é desde logo evidente o seu interesse em fazer improceder as razões e fundamentos sobre os quais o A. sustenta a sua pretensão indemnizatória; 4. No caso em apreço nos autos, atendendo às coberturas e garantias das cláusulas constantes das apólices de seguro n.º DP/….. e DP/….. celebradas com a Ordem dos Advogados, e bem assim da apólice de seguro de reforço de capital n.º …., directamente contratada pelo Réu, Dr. CC, sempre será a ora Requerente Seguradora a suportar integralmente a totalidade dos pagamentos indemnizatórios que se venham a julgar devidos ao A.; 5. Inexistindo sequer, no caso em apreço, qualquer exclusão e/ou limitação de cobertura contratual que tenha sido alegada nos autos por parte da Recorrente Seguradora. 6. Aliás, e conforme se pode verificar dos factos 31) e 38) julgados provados, à data da reclamação do alegado sinistro profissional à Seguradora Interveniente, encontrava-se integralmente transferida para a Requerente, por via das identificadas apólices de seguro, a responsabilidade civil do Réu advogado, Dr. CC, por quaisquer actos e/ou omissões profissionais causados a terceiros no exercício da sua actividade profissional de advogado (inclusivamente quanto ao valor da franquia contratual aplicável); 7. Tanto que o Réu, aliás, no seguimento da notificação do douto Acórdão proferido nos autos, já expressamente interpelou a ora Requerente Seguradora para pagamento da quantia indemnizatória considerada devida ao A.; 8. Sendo certo que, in casu, tendo o douto Tribunal de Primeira Instância apreciado já todas as questões respeitantes aos contratos de seguro em vigor, verificando-se assim caso julgado material igualmente sobre essa matéria, nada mais haverá a discutir em eventual acção de regresso que o Réu viesse intentar contra a ora Interveniente Seguradora (a qual apenas serviria, nesse caso, para fazer acrescer juros à decisão condenatória já proferida); 9. De modo que, a manter-se a decisão proferida nos autos nos precisos termos em que foi proferida, com a qual a ora Recorrente não se conforma, impedindo-se a ora Requerente de ver reapreciada, por um segundo grau de jurisdição, todas as questões fácticas e jurídicas das quais dependerá a sua obrigação de indemnizar, só poderá configurar (salvo o devido respeito) uma denegação flagrante e inadmissível de justiça material da causa. 10. Sendo certo que, in casu, mantém a Requerente a sua séria e profunda convicção de que existem nos autos argumentos, de facto e de direito, que permitirão, in casu, uma diversa apreciação, nomeadamente quanto aos pressupostos da responsabilidade civil do Réu advogado, e bem assim quanto à medida da indemnização (dano) considerado devido e atribuído ao A. (no montante total de 87.918,48); 11. Assim, tendo em conta a transferência integral de responsabilidade civil do seu segurado, aqui Réu, para a ora Recorrente Seguradora, por via dos contratos de seguro melhor identificados nos pontos 31) a 38) dos factos julgados provados, afigura-se manifestamente evidente que a ora Recorrente sempre será directa e efectivamente prejudicada pela decisão proferida nos autos; 12. Sendo manifesta a sua legitimidade e interesse directo para recorrer da douta decisão proferida nos autos, nos termos e para os efeitos previstos no artigo 631.º, n.º 2 do CPC; 13. Razão pela qual, sempre será de admitir, com base no nº 2 do artigo 631º do CPC, a legitimidade recursória da ora Requerente quanto à douta decisão proferida nos autos, nomeadamente quanto à apreciação dos pressupostos da responsabilidade civil do Réu advogado, por via da sua condenação directa, integral e efectiva. Nestes termos, requer-se, muito respeitosamente a V. Exa. se digne admitir a presente reclamação, revogando-se assim o douto despacho reclamado, e admitindo o recurso interposto pela Requerente, por legalmente admissível, e nos termos previstos no artigo 631.º, n.º 2 do CPC, só assim de fazendo Justiça”.
16. Não houve resposta. 17. Por despacho de 9 de novembro de 2020, a Relatora proferiu a seguinte decisão: “Nos termos expostos, em virtude da falta de legitimidade da Interveniente Acessória para recorrer, autonomamente, do acórdão do Tribunal da Relação ….., indefere-se a reclamação, não se admitindo o recurso e confirmando-se a decisão reclamada”.
18. Não conformada, a Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd., à luz do art. 652.º, n.º 3, do CPC, veio requerer que sobre a matéria do despacho recaia um acórdão. II – Questões a decidir Está em causa a questão de saber se a Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. tem ou não legitimidade recursiva autónoma do Réu-Chamante CC. III - Fundamentação A) De Facto O Tribunal de 1.ª Instância considerou como provada a seguinte factualidade: “A) FACTOS PROVADOS, 1 - Em …/05/2014 faleceu BB. 2 - A qualidade de herdeiros foi reconhecida através da competente escritura de habilitação realizada em …/07/2014 no Cartório Notarial da Licenciada EE. 3 - Por acordo de todos os herdeiros e conforme consta da referida escritura de habilitação, foi nomeado cabeça de casal, seu filho, AA. 4 - O R. é Advogado e titular da cédula profissional n9 …. 5 - A "de cujus", BB, contactou o réu, na qualidade de advogado, para a representar no processo de inventário por óbito de seu marido, FF, que, sob o n 119/20……, correu seus termos na Secção Única do Tribuna! Judicial de ……. 6 - "De cujus" e R. celebraram um acordo, que denominaram de "mandato forense", através do qual o R. passou a representá-la. 7 - No referido processo, interveio a "de cujus" na qualidade de cabeça de casai, tendo o ora réu apresentado a relação de bens, relacionando, entre outros, os seguintes bens imóveis e direitos numa única verba (verba ne 1 dos bens próprios): "metade da herança indivisa aberta por óbito de GG, composta por dois prédios urbanos sitos na Rua ….., em ….., inscritos na matriz predial urbana, sob os artes ….. e ….., com os valores patrimoniais de € 5.252,34 e € 1.150,47, respetivamente, num total de €6402,81". 8 - No dia 16/01/2006, no âmbito do processo de Inventário referido no ponto anterior, realizou-se a conferência de interessados, na qual estiveram presentes a "de cujus", o seu mandatário, ora R., bem como os Interessados, HH, II, JJ, LL e MM acompanhados pelo respetivo mandatário. 9 - Nessa conferência, os mandatários presentes pediram a palavra e, no seu uso, retificaram a relação de bens imóveis apresentada pelo ora réu numa única verba mediante o acordo de todos os interessados, nos seguintes termos: "Quanto aos bens imóveis relacionados na verba n.º 1, passam a ter a seguinte descrição: Verba n.º 1: Um prédio urbano, sito na Rua …., em …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo …. da Conservatória do Registo Predial de …., no valor de € 5.252,34;Verba n.º 2: Um prédio urbano, sito na Rua …., em …., inscrito na matriz predial urbana sob o artigo ….. da Conservatória do Registo Predial de ….., no valor de € 1.150,47". 10 - No dia 02/03/2006, realizou-se a continuação da Conferência de Interessados, na qual estiveram presentes a "de cujus", o seu mandatário, ora réu, a mandatária com poderes especiais do interessado, NN, bem como os restantes Interessados, tendo os interessados HH, II, JJ, LL e MM sido acompanhados pelo respetivo mandatário. 11 - Da ata da referida Conferência de interessados, previamente à licitação, consta o seguinte teor: "Nesta altura, pelo Digno Mandatário da cabeça de casa" foi pedida a palavra e tendo-lhe sido concedida, requereu: Dado que se vão iniciar licitações dos imóveis, sendo que um deles (verba n. s i) constituiu a casa de morada de família da cabeça de casal, desde Já se solicita que seja a mesma encabeçada na casa de morada de família e no recheio ali existente, composto pelos lotes 1 e 2. Ouvidos os restantes interessados os mesmos declararam nada ter a opor". 12 - Na referida conferência de interessados, efetuaram-se licitações, tendo sido licitadas, entre outras, as seguintes verbas: a) Verba n.º 1 (Imóvel) - foi licitada pela Cabeça de Casal, BB, pelo montante de € 60. 531,00; b) Verba n.º 2 (Imóvel) - foi licitada pela Cabeça de Casal, BB, pelo montante de € 10.301,00. 13 - Notificados para o efeito, vieram os Interessados, HH, OO, II e JJ, por requerimento apresentado em 21/11/2006, requerer a adjudicação da verba n.º 2 dos imóveis, em comum e na proporção do respetivo quinhão - prédio urbano sito na Rua …., em ….., inscrito na matriz predial urbana sob o art.º …. - pelo valor resultante da licitação. 14 - A "de cujus", através do seu mandatário, veio também requerer que lhe fosse adjudicado o imóvel descrito na verba n.º 2. 15 - Por despacho judicial proferido em 20/07/2007, foi indeferido o requerimento apresentado pela cabeça de casal. 16 - Tendo sido determinada a adjudicação da verba n$ 2 dos imóveis aos interessados, HH, II, JJ e OO. 17 - Notificada do aludido despacho judicial, por não se conformar com o mesmo, a "de cujus", através do seu mandatário, ora réu, em 07/09/2007, interpôs recurso de agravo. 18 - Em 27/11/2007, veio o réu desistir da interposição do recurso. 19 - Por despacho proferido em 29/04/2008, foi julgada válida e relevante a desistência do recurso. 20 - Assim, o imóvel constante da verba n$ 1 foi adjudicado à "de cujus". 21 - E o imóvel da verba ns 2, foi adjudicado aos interessados, HH, OO, II e JJ. 22 - Face aos valores da licitação, a "de cujus " teve de dar tomas aos outros Interessados no valor de € 42.709,24. 23 - Em 09/06/2008, a "de cujus", por indicação do seu mandatário, ora réu, procedeu ao depósito das tornas no valor de € 42.709,24, como se lhe tivesse sido adjudicado o imóvel que sempre foi a casa de morada de família. 24 - Por carta registada expedida em 02/06/2010, os interessados foram notificados do mapa de partilha constante de fls. 480 a 485 do processo de inventário acima referido. 25 - Não foram apresentadas quaisquer reclamações. 26 - Em 23/06/2010 foi proferida sentença homologatória da partilha no aludido processo de inventário, a qual transitou em julgado em 14/07/2010. 27 - Em 22/09/2010, os Interessados, HH, II, JJ e OO, notificaram a "de cujus" para entregar o imóvel descrito sob a verba n.º 2, sito na Rua …. e inscrito na matriz predial urbana sob o art……. 28 - O prédio urbano (verba n9 1} sito na Rua ….. em …., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art…., tinha, segundo a autoridade tributária, à data do inventário, o valor patrimonial de € 5.252,34. 29 - 0 prédio urbano (verba n5 2) sito na Rua …, em …., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art.º ….., tinha, à data do inventário, segundo a autoridade tributária, o valor patrimonial de € 1.150,47. 30 - 0 réu entregou no Tribunal …. um requerimento nos termos do art.º 13862 do CC, (emenda da partilha) que veio a ser indeferido. 31 - Foi celebrado um contrato de seguro de responsabilidade civil profissional entre a Arch Insurance Company Europe, Ltd.., e a Ordem dos Advogados de Portugal titulado pelas apólices de seguro D P/….. e DP/…... 32 - Em tais apólices foram indicados como segurados "todos os membros da Ordem dos Advogados de Portugal com inscrição em vigor, nos termos definidos nas condições especiais da apólice", sendo definido como tal "cada membro da Ordem identificado nas Condições Particulares que, estando habilitado com formação adequada para exercer a atividade profissional descrita nas condições particulares desta apólice, seja titular de cédula profissional emitida peia Ordem e com inscrição em vigor". 33 Nos termos definidos nas condições especiais do contrato, a ora interveniente D...... assumiu, perante o Tomador, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional desenvolvida pelos seus segurados, garantindo o eventual pagamento de indemnizações resultantes da responsabilização civil dos segurado, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício da sua atividade, 34 - Encontravam-se em vigor até 31/12/2011 as apólices de seguro DP/…. e DP/…… cujos limites indemnizatórios máximos contratados para o seu período de vigência/período seguro (de 01 de janeiro de 2011 a 31 de dezembro de 2011 foi fixado em €100.000,00 e € 50.000,00 respectivamente. 35 - Peio réu advogado foi contratada com a interveniente D......, Lda. a apólice de seguro (de reforço) EPA-……... 36 - Nos termos definidos nas condições especiais do contrato, a ora interveniente assumiu, perante o tomador, a cobertura dos riscos inerentes ao exercício da atividade profissional desenvolvida pelo seu segurado, garantindo o eventual pagamento de indemnizações resultantes da responsabilização civil dos segurado, em decorrência de erros e/ou omissões profissionais incorridas no exercício da sua atividade. 37 - Funcionando a referida apólice de seguro (de reforço) EPA-……., em excesso das apólices globais subscritas pela Ordem dos Advogados. 38 - Encontravam-se em vigor até 01/01/2012 a apólice de seguro EPA-……, cujos limites indemnizatórios máximos contratados para o seu período de vigência/ "período seguro" (de 01 de janeiro de 2011 a 1 de janeiro de 2012) foi fixado em € 100.000,00, garantindo a eliminação da franquia prevista nas apólices base. 39 - O prédio urbano (verba n9 2) sito na Rua ….., em …., inscrito na respetiva matriz predial urbana sob o art. ….. correspondia à casa de morada de família da "de cujus", onde esta habitava há mais de 40 anos. 40 - A "de cujus" esteve sempre representada, nos autos, peio mandatário, ora réu. 41 - 0 réu não deu conhecimento à "de cujus" da desistência de recurso referida em 17 dos factos provados. 42 - A "de cujus" era analfabeta e à data tinha 83 anos de idade. 43 - O autor interpelou o réu sobre o que se estava a passar. 44 -0 réu informou-o que tinha trocado os artigos matriciais. 45 - A "de cujus" ao licitar sobre o imóvel descrito na verba n.º 1 pelos valores em que licitou, fê-lo na convicção que o imóvel constante da verba n.º 1 correspondia à sua casa de morada de família, tal como informação do seu mandatário, ora réu. 46 - 0 réu relacionou 2 bens imóveis sob a mesma verba. 47 - 0 réu sabia do interesse da "de cujus" na casa de morada de família. 48 - Ao descrever os bens imóveis em 2 verbas e ao licitar sobre os mesmos, não cuidou de saber, quais os bens que integravam cada verba, induzindo a "de cujus" em erro. 49 - Desde que tomou conhecimento de toda esta situação, em finais de setembro de 2010, até à data do seu decesso 24 de maio de 2014, a "de cujus" viveu num estado de profunda ansiedade e angústia, extremamente desgostosa. 50 - A "de cujus" sempre se recusou a aceitar o facto de ter ficado sem a sua casa onde viveu com o seu marido. 51 - À data em que foi retificada a relação de bens, não havia justificação para duvidar que o imóvel da verba n9 1 não era a casa de morada de família, nomeadamente, o autor que se encontrava presente na sala de audiências. 52 - Em setembro de 2010, o autor contactou o réu e informou-o de que os interessados a quem tinha sido adjudicada a verba 2 estavam a exigir a desocupação e entrega da casa de morada de família. 53 - Nessa data o réu apercebeu-se do erro quanto à identificação dos imóveis. 54 - A casa de morada de família era o imóvel do lote 2 e não do lote 1. 55 - A "de cujus" a partir daí contratou outro advogado para requerer a emenda da partilha. 56 - À data da adjudicação no processo de inventário, em 23. 6. 2010, o prédio descrito na verba n^ 1 a que correspondia o ns 10 de polícia tinha o valor de € 45.000,00. 57 - À data da adjudicação no processo de inventário, em 23. 6. 2010, o prédio descrito na verba ns 2 a que correspondia o ns 18 de polícia tinha o valor de € 65.000,00. b) FACTOS NÃO PROVADOS: 1 - A cabeça de casal optou pela desistência do recurso. 2 - A opção pela desistência foi tomada em reunião em que o autor esteve presente. 3 - O réu de imediato tentou ver o que se passava e só depois de ter sido consultado o processo e as "novas" cadernetas dos imóveis é que se apercebeu que tinha havido um erro na descrição das verbas e na respetiva licitação. 4 - Desde logo, o réu tentou que se procedesse à emenda da partilha por acorao, nos termos do art.s 13869 do CPC, tendo inclusive contactado nesse sentido e telefonicamente os mandatários dos interessados, 5 - Alguns dos interessados se mostrassem disponíveis para tal, alguns opuseram-se. 6 - A partir da situação descrita em dd), por indicação do autor, o réu substabeleceu, sem reserva, os poderes que lhe haviam sido conferidos pela cabeça de casal, no subscritor da p.i. destes autos. 7 - À data em que foi exigida a restituição da casa da verba 2 à "de cujus", a cabeça de casal já aí não vivia”.
B) De Direito (I)legitimidade da Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. para recorrer autonomamente de CC do acórdão do Tribunal da Relação ...
1. Com base na ação de regresso que pudesse vir a ter que intentar contra Arch Insurance Company Europe, Ltd. para ser reembolsada do montante indemnizatório que houvesse que despender em caso de perda da demanda, o Réu CC chamou-a a intervir como auxiliar na defesa, porquanto aquela não tinha legitimidade, sponte sua ou provocadamente, para intervir como parte principal (art. 321.º, n.º 1 do CPC). 2. De acordo com o art. 323.º, n.º 1 do CPC (“O chamado (…) e passando a beneficiar do estatuto de assistente, aplicando-se, com as necessárias adaptações, o disposto nos artigos 328.º e seguintes”), na intervenção acessória, o chamado beneficia do estatuto de assistente, cujos poderes e deveres gerais se encontram previstos no art. 328.º do mesmo corpo de normas. 3. A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça tem entendido que não é consentido ao interveniente acessório – que tem a “posição de auxiliar de uma das partes principais” - recorrer autonomamente, salvo no caso de revelia do assistido (art. 329.º do CPC), pois que, beneficiando do estatuto de assistente, assume a posição de auxiliar de uma das partes principais: do réu-chamante[1]. 4. Ao assistente é tão somente permitido, em recurso próprio, completar ou desenvolver a argumentação usada na alegação, apresentada no respetivo recurso, pela parte principal, prevalecendo sempre a vontade desta. 5. A participação processual consentida ao interveniente acessório permite-lhe influenciar a decisão, com observância do princípio do contraditório. 6. Conforme o art. 321.º, n.º 2 do CPC, a atuação do interveniente acessório limita-se à discussão das questões que tenham repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento. 7. A decisão proferida não tem incidência direta nos interesses e na esfera jurídica do interveniente acessório, relevando somente de forma reflexa, indireta ou mediata no âmbito da eventual ação de regresso intentada pelo réu-chamante. 8. É certo que a relação jurídica de regresso depende daquela que é discutida na ação, porquanto o estabelecimento desta implica a verificação de um dos requisitos do direito de regresso - a existência do direito do autor perante o réu. Está também em causa, efetivamente, a viabilidade da ação de regresso, assim como a sua dependência das questões a resolver na causa principal. 9. A Arch Insurance Company Europe, Ltd. foi chamada precisamente para que, quanto à verificação desse requisito do direito de regresso do Réu, se possa constituir perante si “caso julgado”: tornar indiscutível, perante o chamado, a existência e o conteúdo do direito à indemnização do Autor, pressuposto do direito de regresso do Réu, a exercer em ação subsequente, contra o terceiro. O objeto desta ação é prejudicial relativamente à apreciação do direito de regresso do Réu perante a seguradora. Nessa medida, a Arch Insurance Company Europe, Ltd. fica, cum grano salis (art. 332.º do CPC), incluída no âmbito subjetivo do caso julgado da decisão dos presentes autos[2]. 10. A Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. apenas pode auxiliar o Réu CC na sua defesa no que respeite às questões implicadas pela apreciação da (in)existência do direito do autor e do seu conteúdo. A sua participação processual – enquanto auxiliar do Réu - restringe-se às questões relativas ao pedido ou à causa de pedir com ressonância na existência e no conteúdo do direito de regresso[3]. 11. Por seu turno, conforme o art. 631.º, n.º 1 do CPC, “Sem prejuízo dos disposto nos números seguintes, os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal na causa, tenha ficado vencido”. Segundo o n.º 2, do mesmo preceito, “As pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão podem recorrer dela, ainda que não sejam partes na causa ou sejam apenas partes acessórias”. Às partes acessórias é permitido recorrer autonomamente apenas e tão somente quando se configurem como pessoas direta e efetivamente prejudicadas pela decisão. A lei estabelece, pois, um critério material para aferir se as partes acessórias – e terceiros – podem interpor recurso de decisões judiciais. 12. Na medida em que a hipótese do art. 631.º, n.º 2 do CPC se refere a prejuízos diretos e efetivos, apenas a verificação, no caso concreto, destes mesmos prejuízos, e não de prejuízos indiretos, mediatos ou reflexos, e/ou eventuais, potenciais, hipotéticos ou meramente possíveis, desencadeia a consequência jurídica fixada na sua estatuição: a atribuição de legitimidade à parte acessória para recorrer da decisão autonomamente da parte principal. 13. A Arch Insurance Company Europe, Ltd. figurou no processo exclusivamente na veste de parte acessória, na sequência da suscitação do seu chamamento pelo Réu CC. 14. O seu papel era, pois, por força dos arts. 323.º, n.º 1 e 328.º do CPC, de mero auxiliar na defesa do Réu CC, limitando-se a sua participação processual à discussão das questões com repercussão na ação de regresso invocada como fundamento do chamamento (art. 321.º, n.º 2, do CPC) e cabendo-lhe, nas fases subsequentes à respetiva citação, o estatuto de assistente. 15. Ao incidente da intervenção acessória (ad adiuvandum) provocada está subjacente a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, meramente conexa com a relação material controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento - é a de mero auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indireto, mediato ou reflexo na improcedência da pretensão do autor. A atuação processual do interveniente acessório visa alcançar a improcedência da pretensão deduzida pelo autor contra o réu-chamante, em que tem um interesse tão somente indireto, mediato ou reflexo[4]. A posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso é, por conseguinte, aquela de mero auxiliar na defesa. Isto mesmo se afigura conforme com o direito substantivo, pois que, de outro modo – mediante a atribuição de uma posição processual que não a de mero auxiliar do réu-chamante e sem a correspondente posição material ou substantiva -, o contrato de seguro celebrado entre o réu-chamante e o interveniente acessório chamado como que seria oponível ao autor, violando-se o princípio da relatividade dos contratos consagrado no art. 406.º, n.º 2 do CC. Na verdade, o autor ver-se-ia compelido a litigar com um terceiro - com o qual não mantem qualquer relação jurídica material -, por força de um contrato de seguro celebrado entre este e o réu-chamante e ao qual é alheio. É que nem o chamado (seguradora) é parte da relação material controvertida, nem o autor é parte do contrato de seguro (nem este foi tão pouco celebrado a seu favor). Estão em causa duas relações jurídicas materiais distintas, que, embora conexas, não se devem amalgamar no plano processual: de um lado, a que é discutida entre o autor e o réu-chamante e, de outro, a que funda a eventual ação de regresso ou “ulterior acção de indemnização” (art. 323.º, n.º 4, in fine, do CPC), que justifica o chamamento do terceiro (seguradora). Também por isso não se pode atribuir ao interveniente acessório (seguradora) legitimidade para recorrer autonomamente do Réu. 16. Apesar de ser típico das obrigações solidárias (arts. 512.º- 533.º do CC) - da disciplina das respetivas relações internas -, o direito de regresso não depende necessariamente da existência de uma obrigação solidária, podendo existir nos casos em que um sujeito se encontra obrigado a cumprir em primeiro lugar e adquire, com esse cumprimento, o direito de ser reembolsado de parte ou da totalidade do montante que despendeu. É, justamente, o caso dos autos. Com o cumprimento, a relação obrigacional inicial extingue-se e surge uma nova relação jurídica. Todos os sujeitos da relação obrigacional mudam: o credor (lesado) passa a ser um terceiro, o devedor (lesante) assume a posição de credor e o terceiro (seguradora) ocupa o lugar de devedor. 17. Apenas no caso de a ação de responsabilidade civil proceder e de o réu ser condenado no pagamento da indemnização ao lesado é que se colocará, subsequentemente, a questão de um eventual direito de regresso do réu-chamante perante o terceiro chamado (seguradora). 18. Deste modo, o réu terá de instaurar contra a seguradora a respetiva ação de regresso. Para que o direito de regresso surja na esfera jurídica do réu, além da condenação deste no pagamento da indemnização ao autor, é ainda necessário que se verifiquem os requisitos específicos do facto justificativo desse direito de regresso. 19. A Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. não é condenada na presente ação, os efeitos da decisão não se lhe referem diretamente. 1. Por outro lado, a regra da legitimidade recursiva é aquela consagrada no art. 631.º, n.º 1 do CPC [“(…) os recursos só podem ser interpostos por quem, sendo parte principal, tenha ficado vencido”], revestindo-se a norma do n.º 2 de natureza excecional. O legislador foi claro ao estabelecer, na previsão desta norma excecional, como requisito da atribuição da legitimidade recursiva a quem não é parte principal na causa, a existência de prejuízo direto e efetivo (requisito este de novo desenvolvido infra). Não parece que a letra da lei tenha ficado aquém do seu espírito. Não se pode dizer que o legislador tivesse em mente estender o preceito a casos aparentemente não contemplados. Não pode também dizer-se que o único limite da interpretação extensiva seja um limite axiológico, sob pena de o intérprete poder, à luz de valores também relevantes, traçar limites que então nenhuma norma poderia definitivamente estabelecer. A atribuição de legitimidade ao interveniente acessório – como aquele dos autos - para recorrer autonomamente do réu-chamante não encontra ressonância na letra da lei (art. 9.º, n.º 2 do CC: teoria da alusão), não correspondendo ao significado natural, direto e correto das expressões usadas pelo legislador (“direta e efetivamente prejudicadas pela decisão”). De acordo com o art. 9.º, n.º 3 do CC, “o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados”. 2. Aliás, na interpretação do preceito do art. 631.º, n.º 2 do CPC, parece não poder descurar-se a sua natureza excecional (atendendo a que, historicamente, se qualificam como excecionais aquelas normas que, em princípio, não se podem deduzir do sistema)[5]. 3. De iure constituto, o interveniente acessório não tem legitimidade para recorrer autonomamente da parte principal. É parte acessória, auxiliar, titular de poderes dependentes da parte principal. Isto mesmo decorre da sua falta de legitimidade passiva principal. 4. O caso julgado tem o alcance de “tornar indiscutíveis, no confronto do chamado, os pressupostos do direito à indemnização, a fazer valer em ação posterior, que respeitem à existência e ao conteúdo do direito do autor”[6]. Limita-se a firmar um dos pressupostos do direito de regresso relativamente às questões decididas na ação principal que, por respeitarem à relação jurídica existente entre o autor e o réu-chamante, condicionam a relação conexa entre este e o interveniente acessório chamado, discutindo-se apenas ulteriormente, na ação de regresso, os restantes aspetos de que depende o respetivo direito. 5. A decisão sobre a efetiva titularidade do direito de regresso não cabe no âmbito da relação jurídica controvertida em apreço nesta ação, respeitando antes a outra relação jurídica conexa com ela, cuja apreciação pressupõe a propositura de uma ação de regresso contra o chamado (seguradora), onde se decidirá sobre a (in)existência desse direito. 6. “O âmbito objetivo do caso julgado circunscreve-se assim no âmbito da causa prejudicial (relativamente ao direito de regresso) constituída pelo primeiro processo: para a ação de indemnização fica em aberto a discussão sobre todos os outros pontos de que dependa o direito de regresso; assentes ficam só os pressupostos desse direito que, por respeitarem à relação jurídica existente entre o autor e o réu, condicionam a relação (dependente) entre este e o chamado”[7]. 7. Acresce que, apesar de, via de regra, ficar obrigado a aceitar, na ação de regresso, os factos e o direito que a decisão judicial haja estabelecido, o chamado, nos termos do art. 332.º do CPC, tem a “faculdade” (ónus) de os impugnar, alegando e provando “que o estado do processo na sua intervenção ou a atitude da parte principal o impediram de fazer uso de alegações ou meios de prova que poderiam influir na decisão final”, ou “que desconhecia a existência de alegações ou meios de prova suscetíveis de influir na decisão final e que o assistido não se socorreu deles intencionalmente ou por negligência grave”[8]. 8. Com efeito, o legislador não considerou a interposição de recurso autónomo, na ação principal, como o momento processual adequado para o interveniente acessório/assistente agir ativamente, autonomamente do réu-chamante/assistido. Não o cerceando na defesa, reservou esse momento para a ação de regresso. Assim, o interveniente acessório pode sempre defender-se ao abrigo do art. 332.º, als. a) e b) do CPC, no âmbito da ação de regresso, invocando, designadamente, que o réu-chamante, ao não ter recorrido da decisão condenatória, o impediu de fazer uso de alegações que poderiam influir na decisão final. 9. O regime consagrado no art. 332.º, als. a) e b) do CPC, esbate, de resto, o efeito do denominado “caso julgado”. 10. No fundo, o “caso julgado” mencionado no corpo do art. 332.º do CPC consubstancia-se num “efeito vinculativo prejudicial, num efeito da intervenção, até concetualmente autónomo da figura do caso julgado”, provocado pelo chamamento como interveniente acessório. Não se trata, verdadeiramente, de uma manifestação ou extensão do caso julgado, mas antes de uma eficácia sui generis da decisão, “com especificidades tanto no âmbito subjetivo (opera apenas na relação entre o assistente e a parte assistida) como no objetivo (…). No processo posterior entre a parte principal e o terceiro é relevante não a decisão per se (em conformidade com os limites objetivos …), mas os pressupostos de facto e de direito da mesma (…)”[9]. 11. Não se ignora o interesse da Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. na absolvição do réu-chamante CC, pois que ela obstaria a que fosse demandada em ação de regresso. Desse interesse não resulta, porém, a sua legitimidade para recorrer autonomamente. 12. Insiste-se: ao assistente não cabe o direito de recorrer pelo assistido, exceto no caso de substituição processual prevista no art. 329.º do CPC, apenas lhe sendo lícito completar ou desenvolver, em alegações próprias, a alegação produzida no recurso da parte principal[10]. 13. Não defendendo o interveniente acessório um direito próprio, limitando-se antes a auxiliar a parte principal, que é quem é condenada na ação, apesar de ter os mesmos direitos e deveres que a parte principal, a sua atuação está subordinada à da parte auxiliada[11]. 14. A atuação da Arch Insurance Company Europe, Ltd. (interveniente acessória) encontrava-se, pois, subordinada à do Réu CC (parte principal). Aquela pode completar a atividade deste, mas não a pode suprir, mediante a prática de atos que esta não pratique, tendo o ónus de os praticar. Não lhe é, pois, consentido recorrer pelo Réu-chamante[12]. 15. A Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. não é condenada nesta ação a cumprir qualquer obrigação decorrente de pedido da Autora, apenas ficando vinculada a aceitar os factos que fundaram a condenação do Réu CC – que provocou o incidente da sua intervenção acessória. O prejuízo, a que se refere a norma do art. 631.º, n.º 2 do CPC, para ser direto e efetivo, há-de resultar da própria decisão e ser real ou atual. 16. Além do mais, o prejuízo direto pressuposto pela lei tem subjacente a ideia de que a decisão visa diretamente o recorrente, afastando as situações em que o prejuízo, ainda que efetivo, é tão somente indireto, reflexo ou mediato[13]. Deste modo, o direito de recorrer é apenas atribuído, em princípio, a quem for parte principal (art. 631.º, n.º 1 do CPC). O prejuízo referido no art. 631.º, n.º 2 do CPC como pressuposto da atribuição de legitimidade recursiva a quem não é parte principal na causa, para ser direto, tem de resultar da própria decisão e, para ser efetivo, real ou atual, deve traduzir-se na “imposição de responsabilidades ou na afetação de direitos ou interesses juridicamente tutelados”[14]. Ao exigir a verificação de um prejuízo efetivo, real ou atual, a lei afasta qualquer prejuízo eventual, potencial, hipotético ou incerto. No caso em apreço, a decisão recorrida não impõe à Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd. quaisquer responsabilidades, nem tão pouco implica a imediata afetação da sua esfera jurídica, pessoal ou patrimonial. 17. O prejuízo para a Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd., decorrente do efeito do caso julgado (do acórdão do Tribunal da Relação …), não tem incidência direta nos seus interesses e esfera jurídica, sendo apenas reflexo, indireto ou mediato. Na verdade, esse prejuízo revela-se tão somente no âmbito da ação de regresso que a parte principal CC venha eventualmente a propor contra si e que seja, também eventualmente, coroada de êxito[15]. 18. Deste modo, não estando em causa um prejuízo direto e efetivo para a Interveniente Acessória/Recorrente Arch Insurance Company Europe, Ltd., conforme a jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça, afigura-se inadmissível a interposição de recurso autónomo de CC, pela sua parte, por falta de legitimidade recursiva, designadamente ao abrigo do art. 631.º, n.º 2 do CPC. 19. Em suma: a decisão da ação principal não se reflete diretamente na esfera jurídica do chamado: condenado é o réu e não o chamado. Os efeitos dessa decisão não se lhe referem diretamente. Essa decisão apenas produz efeitos numa ação subsequente, em que o chamado se encontra, aliás, conforme referido supra, protegido dos efeitos decorrentes da inação da parte principal. Acresce que o direito de regresso do réu-chamante tem outros pressupostos, para além do direito à indemnização do autor/obrigação de indemnização do réu. Por outro lado, muito dificilmente se pode afirmar a existência de um prejuízo efetivo, porque esse depende tanto da propositura como da procedência da ação de regresso[16]. 20. De iure constituto, não parece, por isso, poder dizer-se que a decisão condenatória, proferida na ação principal, implique para a seguradora-interveniente acessório um prejuízo direto e efetivo na sua esfera jurídica, cuja alegação e prova é suscetível de lhe conferir legitimidade recursiva. 21. A eventual dificuldade com que a seguradora-interveniente acessório se possa deparar de provar, na ação de regresso que contra si venha a ser intentada pelo réu-chamante, a inexistência do direito à indemnização ou a inadequação do quantum indemnizatório, por excessivo, não permite alcançar outro resultado da interpretação do art. 631.º, n.º 2 do CPC. Apenas numa perspetiva de iure constituendo se poderia ponderar a legitimidade da seguradora-interveniente acessória para recorrer autonomamente do réu-chamante ou, até, a atribuição legal de legitimidade passiva principal. 22. Por conseguinte, não é admissível a interposição autónoma de um recurso próprio pela Interveniente Acessória Arch Insurance Company Europe, Ltd., por a mesma não beneficiar do estatuto de parte principal e a decisão do litígio assumir para si relevância apenas indireta ou reflexa e eventual ou hipotética no âmbito de uma futura e eventual acção de regresso que o Réu CC venha contra si a propor. Não havendo, com efeito, demonstrado que a decisão da presente contenda a prejudica direta e efetivamente, falta-lhe legitimidade ad recursum. IV – Decisão Nos termos expostos, em virtude da falta de legitimidade da Interveniente Acessória seguradora Arch Insurance Company Europe, Ltd. para recorrer autonomamente do Réu-Chamante CC do acórdão do Tribunal da Relação …., indefere-se a reclamação, confirmando-se a decisão reclamada e não se admitindo o recurso. Lisboa, 9 de fevereiro de 2021.
Sumário: 1. A jurisprudência do STJ tem entendido que não é consentido ao interveniente acessório recorrer autonomamente, salvo no caso de revelia do assistido (art. 329.º do CPC), pois que, beneficiando do estatuto de assistente, assume a posição de auxiliar de uma das partes principais: do réu-chamante. 2. Ao incidente da intervenção acessória provocada está subjacente a ideia de que a posição processual que deve corresponder ao sujeito passivo da relação de regresso, meramente conexa com a relação material controvertida – e invocada pelo réu como causa do chamamento - é a de mero auxiliar da defesa, tendo em vista o seu interesse indireto ou reflexo na improcedência da pretensão do autor. Isto mesmo se afigura conforme com o direito substantivo, pois que, de outro modo – mediante a atribuição de uma posição processual que não a de mero auxiliar do réu-chamante e sem a correspondente posição material ou substantiva -, o contrato de seguro celebrado entre o réu-chamante e o interveniente acessório chamado como que seria oponível ao autor, violando-se o princípio da relatividade dos contratos consagrado no art. 406.º, n.º 2 do CC. O autor ver-se-ia compelido a litigar com um terceiro - com o qual não mantem qualquer relação jurídica material -, por força de um contrato de seguro celebrado entre este e o réu-chamante e ao qual é alheio (e que não foi celebrado a seu favor). 3. O art. 631.º, n.º 2 do CPC reveste-se de natureza excecional. Como requisito da atribuição de legitimidade recursiva a quem não é parte principal na causa, este preceito estabelece a existência de prejuízo direto e efetivo. 4. A decisão da ação principal não se reflete diretamente na esfera jurídica do chamado: condenado é o réu e não o chamado. Os efeitos dessa decisão não se lhe referem diretamente. Essa decisão apenas produz efeitos numa ação subsequente, em que o chamado se encontra protegido dos efeitos decorrentes da inação da parte principal (art. 332.º, als. a) e b) do CPC). Por outro lado, muito dificilmente se pode afirmar a existência de um prejuízo efetivo, porque esse depende tanto da propositura como da procedência da ação de regresso. 5. De iure constituto, não é admissível a interposição autónoma de um recurso próprio pelo interveniente acessório, por o mesmo não beneficiar do estatuto de parte principal e a decisão do litígio assumir para si relevância apenas indireta ou reflexa e eventual ou hipotética no âmbito de uma futura e eventual acção de regresso que o réu venha a intentar contra si. Este acórdão obteve o voto de conformidade dos Excelentíssimos Senhores Conselheiros Adjuntos António Magalhães e Fernando Dias, a quem o respetivo projeto já havia sido apresentado, e que não o assinam por, em virtude das atuais circunstâncias de pandemia de covid-19, provocada pelo coronavírus Sars-Cov-2, não se encontrarem presentes (art. 15.º-A do DL n.º 10-A/2020, de 13 de março, que lhe foi aditado pelo DL n.º 20/2020, de 1 de maio). Maria João Vaz Tomé (Relatora) __________ [1] Cf. Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 24 de outubro de 2019 (Olindo Geraldes), proc. n.º 1152/15.0T8VFR.P1.S1; de 15 de dezembro de 2011 (Fonseca Ramos), proc. n.º 767/06.2TVYNG.P1.S1; de 25 de março de 2010 (Lopes do Rego), proc. n.º 428/1999.P1.S1 – disponíveis para consulta in www.dgsi.pt. |