Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 1ª SECÇÃO | ||
| Relator: | GABRIEL CATARINO | ||
| Descritores: | RECURSO DE REVISTA PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO PRINCÍPIO DA LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PRESUNÇÕES JUDICIAIS TESTAMENTO VÍCIOS DA VONTADE INCAPACIDADE ACIDENTAL ÓNUS DA PROVA ANULABILIDADE | ||
| Data do Acordão: | 04/11/2013 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | REVISTA | ||
| Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
| Área Temática: | DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL - DIREITO DAS SUCESSÕES / SUCESSÃO TESTAMENTÁRIA / FALTA E VÍCIOS DA VONTADE. DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / DISCUSSÃO E JULGAMENTO DA CAUSA / RECURSOS. | ||
| Doutrina: | - Aliste Santos, Tomás-Javier, La Motivación de las Resoluciones Judiciales, Colecção Processo e Derecho, Marcial Pons, Madrid, 2011, pp. 341 a 376. - Ferrer Beltrán, Jordi, La Valoración racional de la Prueba, Marcial Pons, Madrid, 2007, pp. 41 a 49; Prueba y Verdad en el Derecho, Marcial Pons, Madrid, 2005, pp. 80 a 96 (Prueba y Actitudes Proposicionales). - Galvão Teles, R.T., ano 72, p. 268. - Gascón Abellán, Marina, Los Hechos en el Derecho, Marcial Pons, Madrid, 2004, pp. 137, 151-157. - Guilherme de Oliveira, Temas de Direito de Família – O Testamento. Apontamentos, 1, Coimbra Editora, 1999, p. 113. - Mota Pinto, Carlos A., Teoria Geral do Direito Civil, 3.ª edição, Coimbra Editora, 1996, p. 501, nota 2. - Oliveira Ascensão, Direito das Sucessões, Coimbra Editora, 4ª edição, p. 67 e segs.. - Pamplona Corte Real, Curso de Direito das Sucessões, I, p. 130. - Pereira Coelho, Direito das Sucessões, Lições ao Curso de 1973-1974, Parte II, p. 218. - Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, Coimbra Editora, volume I, p. 147, e volume VI, p. 323. - Pires de Lima e Antunes Varela, Noções Fundamentais de Direito Civil, 5.ª edição, volume II, p. 384. - Rabindranath Capelo de Sousa, Lições de Direito das Sucessões, Coimbra Editora, 4.ª ed., p. 184, nota 412. | ||
| Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 257.º, N.º1, 2179.º, 2199.º. CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 655.º, 712.º, 721.º, N.º2, 722.º, N.ºS 2 E 3, 729.º, N.ºS 2 E 3. LEI N.º 3/99, DE 13-01: - ARTIGO 26.º. | ||
| Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: -DE 5-7-2001, CJ, ANO IX, TOMO II, PÁGINA 151; 05-07-2001, DA 1.ª SECÇÃO, IN WWW.STJ.PT ; -DE 25-02-2003, DA 1.ª SECÇÃO; -DE 2-11-2006, DE 31-05-2007, DE 26 -06-2008, DE 18-12-2008 OU DE 20-01-2010, PROCESSOS NºS 06B2641, 07B1333, 07B335, 07B3434 E 09B195, RESPECTIVAMENTE, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 10-07-2008, DA 1.ª SECÇÃO; -DE 23-09-2008, 18-11-2008, 16-04-2009 OU 11-03-2010, PROCS. NºS 697/1000.S1, 08B2748, 08B2346, 77/07.8CTB.C1.S1, RESPECTIVAMENTE, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 05-02-2009, PROC. N.º 4092/08; DE 21-09-2010 PROC. N.º 2/03.5TBMNC.G1.S1; DE 21-10-2010, PROC. N.º 937/06.3TBCSC.L1.S1; E DE 30-11-2010, PROC. N.º 581/1999.P1.S1, EM WWW.STJ.PT ; -DE 10-09-2009, PROC. Nº 374/09.8YFLSB, EM WWW.DGSI.PT ; -DE 31-03-2009 E DE 02-02-2010, AMBOS DA 1.ª SECÇÃO; -DE 26-11-2009, DA 2.ª SECÇÃO; -DE 28-06-2011; DE 12-09-2006; 19-12-2006; 12-09-2006 E 16-12-2010, TODOS EM WWW.STJ.PT; -DE 14-06-2011, DA 6.ª SECÇÃO; -DE 01-03-2012, PROC. Nº 29/04.0TBRSD.P1.S1,EM WWW.DGSI.PT; -DE 13-11-2012, DA 1.ª SECÇÃO; -DE 11-12-2012, DA 1.ª SECÇÃO; -DE 26-02-2013, DA 6.ª SECÇÃO. -*- ACÓRDÃO (UNIFORMIZADOR) DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA, DE 26 DE MAIO DE 1964. | ||
| Sumário : | I - O STJ é, organicamente, um tribunal de revista (art. 26.º da Lei n.º 3/99, de 13-01), pelo que a sua capacidade de cognoscibilidade em matéria de recurso (de revista) está confinada a questões de direito (arts. 722.º e 729.º do CPC), confinação essa que apenas sofre um “desvio” ou entorse nos casos em que, analisada a factualidade adquirida pelas instâncias, o Supremo verifica não ser compaginável com a assumpção ou eleição de uma arrimada decisão de direito, caso em que, depois de fixar a questão de direito, envia o processo para ampliação da decisão de facto para a 2.ª instância. II - No âmbito do julgamento da matéria de facto, cabe, quase em exclusivo, às instâncias fixar os parâmetros em que o STJ terá de se movimentar para aplicar o direito, cabendo a este o papel residual de sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos a que chegaram. III - O STJ pode sindicar a decisão da matéria de facto a que as instâncias chegaram nas duas hipóteses da 2.ª parte do n.º 2 do art. 722.º do CPC: quando o tribunal recorrido tiver dado como provado um facto sem que se tenha produzido a prova que, segundo a lei, é indispensável para demonstrar a sua existência, ou quando tenham sido desrespeitadas as normas que regulam a força probatória de algum dos meios de prova admitidos no nosso sistema jurídico. IV - Não compete ao STJ, perante o quadro normativo delineado pelos arts. 721.º, n.º 2, e 722.º do CPC, sindicar a valoração feita da prova testemunhal, incluindo as presunções naturais, que as instâncias tenham extraído dos depoimentos prestados pelas testemunhas, já que se trata de apreciar livremente provas, desprovidas manifestamente de valor legal ou tarifado. V - Incumbindo ao autor provar os enunciados fácticos constantes da sua alegação inicial e que levariam à conclusão de que o testador foi conduzido pelos demandados a prestar uma declaração para que não estava, psíquica e espiritualmente, apto e capaz e para a qual não tinha plena consciência, pela situação de demência inerente à doença que lhe havia sido diagnosticada há mais de dois anos e que se expressava com evidência nos actos comportamentais quotidianos que lhe eram observados pelas pessoas que lhe eram mais próximas, verifica-se que o comportamento dos demandados, na concitação de um profissional e a marcação da feitura do testamento para um cartório notarial distante da terra de onde era natural, indicia, ainda que de forma mediata, que os demandados usaram de disfarce e barganha para induzirem o testador na declaração testamentária. VI - Ocorrem, no caso, os requisitos de que a lei faz depender o uso de presunções hominis ou naturais, tais como a certeza de factos, a precisão ou univocidade e a pluralidade e concordância, de modo a que a coerência estabelecida para o conjunto da prova produzida justifica o método presuntivo utilizado. VII - Como tal, o tribunal não estava impedido de recorrer ao meio de prova presuntivo e, ao fazê-lo, não infringiu as regras deste tipo de prova, nomeadamente, as de logicidade interna e coerente das inferências que extraiu dos factos directamente provados. VIII - O sujeito que se dispõe a concretar um acto jurídico deve, no momento em que o materializa, estar na plenitude da sua capacidade de perceber, entender e ditar sobre as consequências, efeitos e alcance do acto que vai realizar. IX - A verificação ou validação de um estado de incapacidade impeditiva de perceber e entender o alcance de um acto jurídico, em que se expressa e pretende dispor de valores e bens do respectivo património, conleva uma questão de direito a ser extraída e dessumida dos factos que vierem a ser dados como provados. X - Ao invés do que acontece nas situações de anulação da declaração negocial conformadora de um acto ou negocio jurídico, em geral, por incapacidade acidental, em que a lei exige que “o facto seja notório ou do conhecimento do declaratário” (art. 257.º, n.º 1, do CC), no caso previsto no art. 2199.º do CC, a anulação do testamento por idêntica razão – incapacidade acidental – não é exigida essa notoriedade, bastando-se com a prova da existência de um estado de incapacidade natural que seja coeva ou contemporânea do momento em que o declarante emite a declaração relativa à disposição dos seus bens post mortis. XI - Compete ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico de disposição post mortem, a prova dos factos conducentes à verificação do estado de incapacidade que obnubilaria a sã capacidade de dispor dos seus bens e o discernimento quanto às consequências decorrentes do acto ditado. XII - Ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença que, no plano clínico, é comprovada e cientificamente susceptível de afectar a sua capacidade de percepção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer acto de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente. XIII - Tratando-se de uma doença que, no plano clínico e cientifico, está comprovada a degenerescência evolutiva e paulatina das condições de percepção, compreensão, raciocínio, gestão dos actos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstracto e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e factores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, o peticionante da anulabilidade de um acto jurídico praticado por uma pessoa portadora deste quadro patológico apenas estará compelido a provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais. | ||
| Decisão Texto Integral: |
I. RELATÓRIO Irresignado, interpôs o demandante recurso de apelação, tendo o Tribunal da Relação do Porto, por acórdão de 15 de Dezembro de 2012 – cfr. fls. 316 a 424 – decidido: A) – [Alterar] a matéria de facto nos termos sobreditos, prevalecendo a fixada no elenco organizado sob o número 6., supra; B) – [Revogar] a sentença recorrida e julga-se procedente, por provada, a acção, e, por isso, declara-se anulado o testamento outorgado pelo falecido DD, no dia 7 de Abril de 2008, no Cartório Notarial de EE, sito em ..., com todas legais consequências, nomeadamente condenando-se os RR a restituírem à herança aberta por óbito dele todos os bens integrantes do acervo patrimonial hereditário.” “I. O Venerando Supremo Tribunal de Justiça só conhece matéria de direito, salvo situações de excepção legalmente previstas, contudo, o modo como a Relação fixou os factos materiais não deixa de ser sindicável por este Venerando Tribunal ad quem se foram aceites factos sem produção do tipo de prova legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova. II. As regras do ónus da prova constituem matéria de direito sindicável pelo Venerando Supremo Tribunal de Justiça, porquanto neste conspecto estamos perante uma questão de direito de saber em que sentido deve o tribunal decidir (por força da aplicação das regras de direito) no caso de não se provarem determinados factos. III. Ainda que se admita, legitimamente, o recurso a presunções judiciais, como elementos de formação da convicção, por forma a revelar a verdade judiciária, não é através da mera elaboração teórica que tal deve ser alcançado, mas antes através da relacionação e interligação de factos indirectos, mas objectivos, cuja prova se mostrou segura, que, pese embora, serem factos meramente circunstanciais, instrumentais e indiciários, através de uma operação de raciocínio lógico-dedutivo, norteada e sustentada nas regras da experiência, conduzam a juízos convincentes com o grau de certeza que as provas devem proporcionar, sob pena do recurso a essas presunções judiciais se transformar em mera arbitrariedade ou reconduzir a meros juízos especulativos. IV. Para que opere a inversão do ónus da prova, de acordo como disposto no art.º 344.º, do Código Civil, é necessário que: - Exista presunção legal, dispensa ou liberação do ónus da prova, ou convenção válida ou disposição legal nesse sentido; Ou que, - A contraparte tenha, culposamente, tornado impossível a prova ao onerado. V. O tribunal a quo, através do recurso a presunções judiciais, numa operação lógico-dedutiva pretensamente assente nos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários e na prova indirectamente produzida, alterou a decisão da 1.ª instância sobre o concreto ponto da matéria de facto alinhado na Base Instrutória sob o quesito 7, de "Não provado" para "O falecido DD registava uma diminuição do pensamento abstracto". VI. O pensamento abstracto é a capacidade que temos de idealização de determinado corpo, objecto, forma ou conceito, isto é, de relacionar e associar ideias às coisas, de conceptualizar ideias ou representações mentais, através de estímulos externos recebidos pelos órgãos sensoriais ou de lembranças evocadas da memória ou simplesmente de mensagens provenientes de locais indeterminados nos recônditos da mente e sem qualquer traço de lembrança consciente. VII. O tribunal a quo extraiu o seu juízo e assentou a sua conclusão em factos que não estão directa ou sequer indirectamente ligados à capacidade ou dificuldade do indivíduo operar conceptualmente e de cogitar relações dessa índole, factos esses que nem sequer indiciariamente permitem sustentar com um mínimo de certeza e de segurança a pretensa perda ou diminuição do pensamento abstracto. VIII. Dos factos indirectos (circunstanciais e instrumentais) a que o tribunal a quo recorreu para sustentar a sua decisão no que concerne ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em questão, não é possível aferir ou extrair, com segurança e um mínimo de certeza, segundo as regras do raciocínio lógico escoradas em juízos de experiência e de normalidade, a verificação ou demonstração do respectivo e concreto ponto da matéria de facto em apreço. IX. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi efectuado pelo tribunal a quo para concluir pela alteração e pela resposta que deu ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em apreço – quesito 7 –, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada ao concreto ponto da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. X. O tribunal a quo, através do recurso a presunções judiciais, numa operação lógico-dedutiva pretensamente assente nos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários e na prova indirectamente produzida, alterou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre o concreto ponto da matéria de facto alinhado na Base Instrutória sob o quesito 23, de "Provado apenas que chegou a perder a noção dos dias da semana" para "Provado, apenas, que chegou a perder a noção das horas e dos dias das semanas". XI. Os factos indirectos ou indiciários a que o tribunal a quo recorreu para estear a sua decisão sobre o concreto ponto da matéria de facto em causa, de acordo com o raciocínio lógico e segundo as regras da experiência que se impõem, não permitem, de forma segura e com um mínimo de certeza, concluir pela verificação da respectiva realidade fáctica. XII. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi efectuado pelo tribunal a quo para concluir pela alteração e pela resposta que deu ao concreto ponto da matéria de facto controvertida em apreço – quesito 23 –, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada ao concreto ponto da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. XIII. O tribunal a quo alterou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre os concretos pontos da matéria de facto alinhados na Base Instrutória sob os quesitos 55, 56 e 57, de "Não Provado" para "Provado", "Provado", "Provado, apenas, que nem conseguia preparar um acto notarial". XIV. Os factos indirectos ou indiciários a que o tribunal a quo recorreu para estear a sua decisão sobre os concretos pontos da matéria de facto em causa, ainda que conjugados e interligados do modo como o tribunal a quo considerou, de acordo com o raciocínio lógico segundo as regras da experiência que se impõem, não permitem, de forma segura e com um mínimo de certeza, concluir pela verificação da respectiva realidade fáctica. XV. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, do modo como foi efectuado pelo tribunal a quo para concluir pela alteração e pela resposta que deu aos concretos pontos da matéria de facto controvertida em apreço - quesitos 55, 56 e 57 -, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada aos concretos pontos da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. VXI. O tribunal a quo alterou a decisão do tribunal de 1.ª instância sobre os concretos pontos da matéria de facto alinhados na Base Instrutória sob os quesitos 54 – que depois da fusão do quesito 15 passou a constar com a seguinte redacção: "Que o incapacitava, no momento em que foi outorgado o testamento, de entender o sentido da sua declaração e que impedia o livre exercício da sua vontade" –, 69, 70, 71 e 72, de "Não Provado" para "Provado". XVII. Tendo concluído que: "se a incapacidade aludida no art. 2199.º se refere a uma deficiência psíquica ou psicológica, em termos de inaptidão natural, falta de discernimento para entender o significado do que se comunica, e se a indução comporta actos destinados a influenciar ou condicionar o exercício livre da vontade, parece que tais factos podem ser perguntados e, em princípio, ser respondidos". XVIII. Os respectivos quesitos comportam ou encerram meros juízos conclusivos ou meras questões e conclusões de direito. XIX. Contrariamente ao que se sustentou no acórdão recorrido, os quesitos em apreço não devem constar da base instrutória por não conterem ou traduzirem, directa ou indirectamente, matéria de facto controvertida, antes contendo um juízo que opera já na esfera de apreciação do mérito. XX. O tribunal a quo violou o disposto no art. 511.º, n.º 1, do CPC, tendo feito uma errada interpretação e aplicação do respectivo preceito legal que, numa correcta interpretação e aplicação, impõe que se excluam os respectivos quesitos 54 (que depois da fusão do quesito 15 passou a constar com a seguinte redacção: "Que o incapacitava, no momento em que foi outorgado o testamento, de entender o sentido da sua declaração e que impedia o livre exercício da sua vontade"), 69, 70, 71 e 72, da base instrutória e do elenco dos concretos pontos da matéria de facto a considerar. XXI. Sem prescindir, ainda que se entenda que os quesitos em apreço consubstanciam matéria de facto ou juízos de facto, que, por conseguinte, devem ser levados e mantidos na base instrutória e considerados no elenco dos concretos pontos da matéria de facto, o tribunal a quo cimentou a sua decisão sobre os concretos pontos da "matéria de facto" ou sobre os quesitos em causa através do recurso a presunções judiciais por meio de factos indirectos (factos circunstanciais, instrumentais ou meramente indiciários) e através do recurso à inversão do ónus da prova. XXII. Dos factos conhecidos, contrariamente ao entendimento sustentado pelo tribunal a quo, não resulta indiciado ou evidenciado qualquer sintoma característico das 2:ª, 3.ª e 4.ª fases da doença de Alzheimer conforme as mesmas são catalogadas e caracterizadas segundo a Wikipédia. XXIII. O tribunal a quo partiu da conclusão, errada, de que o falecido DD já estaria num estado intermédio da doença, com as suas funções cognitivas e volitivas já muito diminuídas, para depois procurar "ajustar" a matéria de facto conhecida e provada a essa sua conclusão, numa completa inversão das regras do raciocínio lógico que parte da premissa maior para chegar premissa menor e à conclusão. XXIV. Da realidade fáctica conhecida impõe-se inferir ou concluir que ao falecido DD foi diagnosticada a doença de Alzheimer e que, aquando da feitura do testamento, essa doença ainda estava num estado muito incipiente ou inicial que não o incapacitava de entender o sentido das suas declarações nem o privava do livre exercício da sua vontade. XXV. O tribunal a quo sob o pretexto do recurso a presunções judiciais, sustentou a sua decisão em juízos presuntivos assentes em meras especulações, as quais não resultam de uma actividade lógico-experencial de indução devidamente sustentada em factos objectivos e seguros que, ainda que indirectamente e segundo um juízo de experiência, possam suportar a respectiva convicção e conduzir a uma decisão plausível e boa. XXVI. Para além do incorrecto uso e aplicação das presunções judiciais, o tribunal a quo fez tábua rasa da motivação ou fundamentação da decisão da 1.ª instância sobre a matéria de facto e foi muito para além da realidade material conhecida, sustentando uma realidade meramente suposta e presumida assente na ideia preconcebida de que o falecido DD estava já num avançado estado da doença de Alzheimer. XXVII. O acto em causa – feitura de testamento pelo falecido DD – tendo sido praticado perante um Notário, está investido de especial fé pública e valor probatório no que concerne à sã capacidade de querer e de entender do testador, bem como no que concerne à liberdade do exercício dessa sua vontade. XXVIII. O ónus da prova dos factos reveladores de uma situação de incapacidade de facto do testador para entender o sentido da sua declaração ou de uma situação de o mesmo não ter o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória, susceptível de integrar a previsão legal plasmada no artigo 2199.º, do Código Civil, cabe ao autor, interessado na anulação do testamento, porquanto se tratam de factos constitutivos do seu direito (de invalidação do acto). XXIX. Tratando-se de acto (testamento) celebrado perante notário, um funcionário especializado que goza de fé pública, cuja presença, aditada às duas testemunhas que devem presenciar o acto, constitui uma primeira e qualificada garantia de que o testador gozava ainda, no momento em que foi revelando a sua vontade, de um mínimo bastante de capacidade anímica para querer e entender o que afirmou ser sua vontade, e que essa vontade foi livremente exercida, o ónus da prova que impende sobre o autor interessado na respectiva anulação não deixa de estar reforçado, pelo que, será ele, e não os réus, a suportar as consequências da falta de prova. XXX. E, no caso sub judice, contrariamente ao que é sustentado no acórdão recorrido, não se verificam os pressupostos legais de que depende a inversão do respectivo ónus da prova, prescritos no art.º 344.º, do CC. XXXI. Não é suficiente, para operar a inversão do ónus da prova, que a prova dos factos integradores dos vícios da vontade - incapacidade para entender o sentido da sua declaração - ou da privação do livre exercício da vontade do testador seja difícil ou que a parte contrária esteja em melhor condições para fazer prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos da pretensão do autor. XXXII. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, bem como à inversão do ónus da prova, do modo como foi efectuado pelo tribunal a quo para concluir pela alteração e pela resposta que deu aos concretos pontos da matéria de facto controvertida em apreço - quesitos 54 (depois da fusão do quesito 15, 69, 70, 71 e 72 -, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada aos concretos pontos da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. XXXIII. O tribunal a quo sustentou que, as alterações que efectuou na decisão sobre a matéria de facto, a respectiva fundamentação, toda a demais prova disponível nos autos e, de modo a evitarem-se contradições (pré-existentes ou geradas com a alteração da decisão obrigam a alterar, ao abrigo do art.º 712.º, n.º 1, al. a) e n.º 4 - este a contrario sensu -, do CPC, as seguintes respostas: "Quesito 35: Provado. Quesito 73: Provado, apenas, que o falecido DD figurava como gerente da Residencial ..., mas a gestão era feita conforme resulta da resposta ao quesito 35. Quesito 74 a 77: Não Provado. Quesito 80: Provado, apenas o que consta das respostas aos quesitos 22e 32. Quesito 86: Provado, apenas, que o DD não perdeu a noção do mês ou do ano em que se encontrava. Quesito 87: Não Provado. Quesito 88: Provado. Quesito 99: Não Provado.". XXXIV. O tribunal a quo recorreu, uma vez mais, a meras presunções judiciais, para alterar a resposta aos quesitos 35, 73, 74 a 77 e 87, que, não estando devidamente sustentadas nos factos conhecidos e na prova efectivamente produzida, não permitem um juízo com a certeza e segurança que se impõe, mas antes revelam um juízo meramente arbitrário e especulativo. XXXV. A resposta dada pela 1ª instância aos quesitos 80, 86, 88 e 99, não apresenta quaisquer contradições em relação aos demais factos provados, pelo que não se verifica o respectivo pressuposto legal – contradição entre os concretos pontos da matéria de facto provados – para que o tribunal a quo altere essa mesma resposta aos respectivos e concretos pontos da matéria de facto. XXXVI. O recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, bem como a sustentação de contradição entre os factos provados, do modo como foi efectuado pelo tribunal a que para concluir pela alteração e pela resposta que deu aos concretos pontos da matéria de facto controvertida em apreço – quesitos 35, 73, 74 a 77, 80, 86, 87, 88 e 99 –, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil, fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada aos concretos pontos da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação. XXXVII. O tribunal a que sustentou que, ainda que se entenda que a matéria ínsita nos quesitos 54 (na redacção alterada e refundida com o 15), 55 a 57, e 69 a 72, encerra juízos de valor, conclusões, raciocínios, valorações de factos, a operar por meio de presunções, com base nos arts. 349.Q e 351.Q, do CC, e são actividade estranha àquela decisão e só devem ter lugar na sentença, ainda assim, os pressupostos (factos base), os critérios legais (arts. 349.º e 351.º, do CC), o percurso avaliativo, lógico-dedutivo e argumentativo, bem como o resultado não seriam diferentes, em substância, dos expendidos e conseguidos nos pontos 4.1, 4.4, 4.5 e 4.6, que reitera. XXXVIII. E, concluiu que, por conseguinte, o percurso terminaria com a conclusão – a partir dos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários, apurados, em que avulta a doença e o estado de demência do falecido e a actuação dos RR, de que, em conformidade com as regras da experiência e não tendo sido destruídas por aquelas presunções de facto dali extraíveis mediante prova de que o falecido DD se encontrava, contra todos os indícios, no pleno gozo das suas capacidades – efectivamente incapaz de entender o sentido da sua declaração e não tinha o livre exercício da sua vontade quando outorgou o testamento. XXXIX. Contrariamente ao sustentado pelo tribunal a quo, dos factos circunstanciais, instrumentais e meramente indiciários, conhecidos, não é possível concluir, segundo um raciocínio lógico pautado pelas regras da experiência, com a segurança e certeza exigíveis à prova e ao convencimento da bondade da decisão, que, no acto da feitura do testamento o falecido DD estava incapacitado de entender o sentido da sua declaração e não tinha o livre exercício da sua vontade. XL.O tribunal a quo estribou a sua convicção em meras conjecturas resultantes de construções mentais meramente teóricas, condicionadas pelo falso convencimento de que o falecido DD se encontrava em estado avançado da doença de Alzheimer, sem qualquer base sólida de facto que, de acordo com uma operação de raciocínio lógico-dedutivo, pautada pelas regras da experiência de vida, lhe permitissem, de forma convincente e segura, extrair ou inferir tal suposta realidade e chegar à uma verdade judiciária devidamente sustentada e fundamentada, de forma plausível e credível. XLI. O tribunal a quo não levou na devida linha de conta que, tendo o testamento sido realizado na presença de uma notária e presenciado pelas duas testemunhas, conforme legalmente prescrito, não pode deixar de se entender que existe uma forte presunção de que o testador tem aptidão para entender o que declara e que essa declaração de vontade é livremente exercida e que o ónus da prova dos factos integradores dos vícios invocados recai sobre o autor, pelo que, será ele, e não os réus, a suportar as consequências da falta de prova. XLII. O tribunal a quo fez uma errada interpretação e uma errada aplicação do disposto nos artigos 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil, bem como do disposto no art. 516.º,do Código do Processo Civil, violando estes preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que se conclua que, dos factos circunstanciais, instrumentais, indiciários, apurados, não é possível concluir que o falecido DD, no acto da feitura do testamento em causa, se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração e não tinha o livre exercício da sua vontade. XLIII. Na situação sub judice estamos perante a questão da realidade fáctica consubstanciar ou não a incapacidade acidental do testador, prevista no art. 2199.º, do CC, isto é, se na data da realização do testamento o falecido DD estava ou não incapacitado de entender o sentido da sua declaração e se tinha ou não o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória. XLIV. A incapacidade relevante, para efeitos do disposto no art. 2199.º, do CC, é apenas a que existe ao tempo da feitura do testamento, não sendo de atender a outro momento, anterior ou posterior. XLV. O art. 2199.º, do Código Civil, prescreve proposições de direito, a concluir de factos alegados e provados pelas partes. XLVI. O ónus da prova dos factos reveladores da situação do testador, no momento da feitura do testamento, se encontrar incapacitado de entender o sentido da sua declaração e não ter o livre exercício da sua vontade, impende sobre o interessado na anulação do testamento, por se tratar de factos constitutivos do direito alegado, atento o disposto no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil. XLVII. Tendo o testamento em apreço sido realizado na presença de uma notária e presenciado pelas duas testemunhas instrumentárias, não pode deixar de se entender que existe uma forte presunção de que o testador tinha aptidão para entender o que declarou e que essa declaração de vontade foi livremente exercida, sendo certo que o ónus da prova dos factos integradores dos vícios invocados recai sobre o autor, pelo que, será ele, e não os réus, a suportar as consequências da falta de prova, nos termos do disposto no artigo 516.º, do CPC. XLVIII. Pese embora o autor tenha logrado provar que, cerca de ano e meio antes da realização do testamento, foi diagnosticada a doença de Alzheimer ao falecido DD e que o mesmo passou a ser medicado, bem como os factos do DD ter passado a revelar alguma apatia, alguns esquecimentos (muito esporádicos no dizer da testemunha GG que os associou à idade e aos medicamentos que tomava), bem como debilidade e fragilidade física (a que as testemunhas FF e GG associaram à perda do paladar e à falta de apetite), não provou que, no momento em que o testamento foi realizado o testador encontrava-se incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre de exercício da sua vontade. XLIX. O acórdão recorrido fez errada interpretação e errada aplicação do disposto nos artigos 342.º, n.º 1 e 2199.º, do Código Civil, bem como do disposto no art.º 516.º, do Código do Processo Civil, violando estes preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação impõem que se julgue não se verificarem, na situação sub judice, as proposições de direito previstas no art.º 2199.º, do Código Civil, isto é, que o testador, no momento da realização do testamento, estivesse incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tivesse o livre exercício da sua vontade, e, por conseguinte, o testamento em apreço não está inquinado de qualquer vício que importe a respectiva anulabilidade.” Contra-alegaram os demandantes, tendo condensado o epítome conclusivo que a seguir queda extractado: “1. O Acórdão recorrido não merece reparo ou censura; 2. Clamando por uma inadequada aplicação do regimes substantivos e processuais de presunções e de inversão do ónus da prova, ao mesmo tempo que chamam á colação a reapreciação da prova testemunhal, os RR mais não fazem do que pedir uma alteração da matéria de facto em sendo grau de jurisdição, facto que não é permitido por lei; 3. O facto de os RR terem faltado á verdade, de o Réu BB ter tentado influenciar a testemunha FF e de no relatório de autópsia constar que o falecido DD tinha histórico de graves lapsos de memória, constitui uma realidade presente ao longo de toda a discussão, que deve, a final, pesar na manutenção da decisão recorrida. 4. A fundamentação para a alteração da matéria de facto, não merece reparo ou censura. 5. É facto comprovado que, num quadro em que o falecido DD sofria de Alzheimer, registava no momento da sua morte fortes lapsos de memória, tinha o cartão multibanco confiado a terceiros, não tinha força para sair de casa e registava perda de iniciativa, incapaz de prover pela administração a si próprio de medicamentos, tendo morrido nos termos documentados nos autos, no momento da celebração do testamento, o falecido DD tinha perda de pensamento abstracto, tanto mais que este é um dos corolários da doença de Alzheimer 6. O Tribunal da Relação fixou bem e fundadamente o facto de que o falecido perdia a noção dos dias e horas da semana; para além dos motivos invocados na fundamentação respectiva, há que ter em conta que se o falecido DD não conseguia prover pela administração atempada da sua própria medicação (resposta ao quesito 38) não há como contrariar a fixação deste facto; 7. A afirmação de que o falecido DD não conseguia deslocar-se sozinho, fazer telefonemas ou agendar conferências está bem e devidamente fundamentada no acórdão recorrido. Do contrário nem tal era necessário á vista das explicações (interessadas) do Réu BB sobre a diferença entre uma doação e um testamento. 8. Não tendo os RR reclamado da selecção da matéria de facto, estão agora impedidos de discutir o acerto da inclusão do quesito 54.º, que, de qualquer forma, seja como juízo conclusivo, seja como facto a provar, tem que ser objecto de apreciação por parte do julgador. 9. É relevante para a matéria em discussão o facto de ter sido admitido como interveniente na qualidade de testemunha, para além do advogado que agendou o acto notarial em questão, pessoa desconhecida do falecido DD. 10. Em matéria de testamentos, o que se afigura ser prática comum, é a dos testadores pretenderem sigilo no tocante á sua disposição testamentária, quer relativamente aos beneficiários, quer relativamente a terceiros, o que parece prejudicado no caso vertente em que os beneficiários não só acompanharam o testador no momento do testamento e foram diligentes em requerer o registo de aquisição a seu favor das participações sociais do Sr. DD, por intermédio do Sr. Dr. HH; 11. Tendo os RR faltado á verdade, tentado influenciar o depoimento da testemunha FF consentido da celebração do testamento numa 2. ª Feira, quando o FF (única pessoa que entrava no quarto do falecido DD e a quem este declarara que nunca faria uma testamento) estava de folga, agido conjugação de esforços com seu amigo II, proporcionando por intermédio deste os serviços de advogado e transporte para o cartório notarial onde foi agendado o testamento, onde o DD não era conhecido quer da notária que exarou o testamento, quer da testemunha que nele interveio nesta qualidade, os RR agiram de forma a dificultar a prova do Autor; 12. Foram os RR que se socorreram das pessoas que entenderam, para consumar o acto do testamento; claro que restringiram, condicionaram e obstaculizaram a produção de prova, e comportaram-se de forma muito censurável, omitindo a verdade, pelo que, salvo melhor entendimento em contrário, deveriam ser objecto, a este propósito, de sanção adequada, sob o instituto da litigância de má-fé. Após aturada reapreciação da decisão de facto, o Tribunal da Relação fixou, definitivamente, a factualidade que a seguir queda extractada: O Supremo Tribunal de Justiça é, organicamente um tribunal de revista – cfr. artigo 26.º da Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro - pelo que a sua capacidade de cognoscibilidade em matéria de recurso (de revista) está confinada a questões de direito - cfr. artigo 722.º e 729.º, ambos do Código Processo Civil. Essa confinação de cognoscibilidade apenas sofre um “desvio” ou entorse nos casos em que o Supremo, analisada a factualidade adquirida pelas instâncias, verifica não ser compaginável com a assumpção ou eleição de uma arrimada decisão de direito. Neste caso, depois de fixar a questão de direito, o Supremo envia o processo para ampliação da decisão de facto para a 2.ª instância. Mesmo no campo da possibilidade de censura da decisão de facto os poderes do Supremo Tribunal de Justiça estão confinados aos casos em que tenha havido “[ofensa] de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe força de determinado meio de prova.” - cfr. n.º 3 do artigo 722.º do Código Processo Civil. Resulta, assim, limitada e de efeitos cingidos a possibilidade de o Supremo Tribunal em sede recurso de revista sindicar ou escrutinar a decisão de facto laborada pelas instâncias. Valendo-se, como tribunal que atina, primacialmente, como aferidor da decisão em matéria de direito, o Supremo Tribunal de Justiça apenas poderá sindicar a decisão da matéria de facto se esta revelar uma incompletude ontológica para sustentar uma decisão arrimada ao direito ou nos já apontados casos ineridos nos artigos 722.º, n.º 2 e 729.º, n.º 3, ambos do Código Processo Civil. Desta competência residual, em matéria de sindicância da decisão de facto, resulta que ao Supremo tribunal está vedada a possibilidade de sindicar a decisão de facto quando o tribunal inferior toma como referente decisional prova não vinculada ou não ofenda regras de produção de prova que a lei prescreva. Vale por dizer que tendo as instâncias laborado a decisão de facto num conspecto de livre apreciação da prova escapa ao Supremo Tribunal sindicar a percepção e a compreensão dos meios de prova captados e utilizados, ou seja o sentido e a inteligibilidade que desses meios de prova o julgador captou e razoou para obter o resultado probatório que consignou na decisão de facto. A decisão de facto fundada em meios de prova que devam ser apreciados livremente pelo tribunal, pelo razoamento e capacidade de inteligibilidade pessoal-institucional a que estão sujeitos, desde que não violem as regras estipuladas para a sua produção em tribunal, não podem ser escrutinadas pelo Supremo Tribunal. De facto, o distanciamento que da prova produzida por meios não vinculados e que possam ser percepcionados, directamente, pelo Supremo Tribunal ou que não possam decorrer directamente da lei, conduziria a criar uma volatilidade nos mecanismos de produção e aquisição de prova para o processo que tornariam as decisões infinitamente sindicáveis e sem certeza relativa quanto a um dos suportes decisórios, ou seja uma decisão de facto performativa da aplicação do direito. A criação de um espaço de certeza e de segurança para a aplicação do direito pelo Supremo Tribunal impõe que se confira á decisão de facto, consolidada pelas instâncias numa livre apreciação da prova não vinculada, um valor de certeza probatória e de pressuposto referencial incontornável. Decorre do que fica explanado que, no âmbito do julgamento da matéria de facto, cabe, quase em exclusivo, ou numa dimensão quase total, às instâncias fixaram os parâmetros em que o Supremo Tribunal terá de se movimentar e orientar para aplicar o direito que ao caso couber. A este Supremo Tribunal cabe o papel residual de sindicar a forma e o modo como as instâncias procederam à aplicação das normas de direito probatório de que se serviram para obtenção dos juízos e veredictos a que chegaram por aplicação das referidas normas. [[2]] Esta função, capacidade cognoscente atina com o já referido enquadramento estatutário que a lei orgânica lhe inculca e ao qual o vincula, de conhecer tão só de matéria de direito deixando para as instâncias o poder-dever de formular os juízos, extrair conclusões fácticas e justificar os resultados das provas apresentadas pelos sujeitos processuais. Desta injunção normativa extrai-se, com meridiana linearidade intelectiva, que o Supremo estaria capacitado e poderia intervir na operação de reapreciação da decisão de facto estabelecida pela 2.ª instância e criticar a forma como aceitou ou modificou a decisão de tacto que lhe vinha aportada da 1.ª instância, se viesse alegado que na conclusão a que chegou para se alcandorar a uma determinada decisão de facto, as instâncias utilizaram um comportamento inibitório ou perverso violador de normas de direito probatório material. [[3]] O recorrente critica a função reapreciativa da decisão da matéria de facto operada pela segunda instância, basicamente por ” [o] recurso aos métodos de prova meramente indiciária ou indirecta e à presunção judicial, bem como à inversão do ónus da prova, do modo como foi efectuado pelo tribunal a quo para concluir pela alteração e pela resposta que deu aos concretos pontos da matéria de facto controvertida em apreço – quesitos 54 (depois da fusão do quesito 15, 69, 70, 71 e 72 -, viola o disposto nos arts. 341.º, 342.º, 344.º, 349.º e 351.º, do Código Civil bem como o disposto nos arts. 516.º e 712.º, n.º 2, do Código do Processo Civil fazendo uma errada interpretação e aplicação dos respectivos preceitos legais, os quais, numa correcta interpretação e aplicação, impõem que não se altere a resposta dada aos concretos pontos da matéria de facto em causa pela 1.ª instância nos moldes ou com os fundamentos sustentados pela Relação.” A violação ou errada aplicação e interpretação dos preceitos citados são esgrimidas para todo o conjunto de factos que o recorrente alinha ao longo das conclusões e que apresenta por bloco de factos – cfr. conclusões de V. a IX (para a resposta alterada/modificada pela decisão revidenda do quesito 7.; conclusões de X. a XI para a resposta alterada/modificada pela decisão revidenda do quesito 23; conclusões XIII. a XV. para a resposta alterada/modificada pela decisão revidenda dos quesitos 55, 56 e 57; conclusões XVI. a XXXII para a resposta alterada/modificada pela decisão revidenda dos quesitos69, 70, 71 e 72; XXXIII a XXXVI para a resposta alterada/modificada pela decisão revidenda dos quesitos 35, 73, 74 a 77, 80, 86, 87, 88 e 99; fez ainda errada interpretação na análise a que procedeu relativamente aos quesitos 54, 55 a 57 e 69 a 72 – cfr. conclusões XXXVII a XLII; tendo efectuada ainda errada interpretação dos artigos 2199.º, ex vi do artigo 342.º, ambos do Código Civil, bem como do disposto no artigo 516.º do Código Processo Civil – cfr. conclusões XLII a XLIX. Conjugados os depoimentos prestados em audiência, a motivação da decisão sobre a matéria de facto em 1ª instância e a cronologia dos eventos factuais descritos, entenderam as instâncias que devia ter-se por demonstrado um facto essencialmente de cariz subjectivo ou psicológico, alcançado por via de presunções judiciais – que completem e integrem o resultado atomístico dos vários depoimentos prestados em audiência, permitindo formar a livre convicção do julgador sobre o quadro factual essencial para a composição do litígio.” [[4]/[5]] A questão da valoração conjunta da prova aportada pelas partes, de que soem operar-se as inferências conclusivas, com recurso á máximas da experiência, concita problemas na doutrina e na jurisprudência, porquanto estimam alguns que nessa operação se deprecia ou esbanja o principio consolidado no apotegma: “iudex debet iudicare secundum allegata et probata, non secundum conscientiam”. [[6]] A questão, no remate que lhe é conferido pelo autor infra referido, foi equacionada por Michele Taruffo que “considera que o valor “coerência” de uma narrativa judicial determinada só deveria tomar-se em consideração quando a mesma entra em contradição com outras narrativas possíveis acerca dos mesmos factos, sempre que todas elas guardem no seu seio uma valoração analítica das provas recolhidas no processo, então e só então, se poderá optar pela narrativa que judicialmente se considere mais coerente, sendo esta para além do mais a sustentada por elementos de prova cuja análise se tenha realizado com um critério aberto ao conhecimento da verdade. Pelo contrário quando o juiz parte de um critério epistemologicamente inspirado na teoria da verdade como coerência para a averiguação da verdade conforme à qual «uma proposição é verdadeira se e só se é membro de um conjunto coerente. Tal é o caso da actuação do juiz quando procede à valoração do conjunto do material probatório. Atendendo ao critério da «coerência narrativa» ainda que o relato probatório pretenda ter uma ancoragem empírica, o juiz perde a possibilidade de constatar na sua valoração do material probatório a relação de correspondência entre cada um dos enunciados fácticos submetidos a prova e a realidade histórica. Assim, o critério da verdade entendida como coerência desloca o critério da verdade concebida como correspondência e esta questão converte-se no problema fundamental da jurisprudência sobre a valoração conjunta da prova. (…) A insuficiência da concepção da verdade como coerência impede que esta possa servir como critério exclusivo em matéria de apreciação conjunta da prova. Por isso, torna-se necessário, partir de um critério de valoração da prova aberto a uma perspectiva cognoscitivista ajustada à teoria da verdade como correspondência, sem que isto signifique o rechaço absoluto da coerência narrativa, entendido como critério de valoração judicial.” [[7]] Existem um conjunto de factos directamente provados que se inerem no amplexo de indícios que permitem ao julgador extrair factos desconhecidos com alguma certeza (histórica e/ou processual). Na verdade, da análise da motivação e da justificação que é fornecida para as inferências que permitem a convicção decisional a que chegou. Na verdade, não se descortina uma utilização transviada e desgarrada de métodos perversos ou malvertidos no raciocínio lógico-dedutivo que conduziu à convicção do tribunal recorrido. A coerência do conjunto dos factos adquiridos permite uma correspondência ou concordância com as inferências operadas de modo a criar um conjunto factual historicamente consistente e racionalmente válido. Resulta invadeável que era ao autor que incumbia provar os enunciados fácticos propostos ao tribunal para prova e resultaram da sua alegação inicial e que conduziriam à conclusão de que o testador foi conduzido pelos demandados a prestar uma declaração para que não estava, psíquica e espiritualmente, apto e capaz e para a qual não tinha plena consciência, pela situação de demência inerente à doença que lhe havia sido diagnosticada há mais de dois anos e que se expressava com evidência nos actos comportamentais quotidianos que lhe eram observados pelas pessoas que lhe eram mais próximas. O comportamento dos demandados, na concitação de um profissional e a marcação da feitura do testamento para um cartório notarial distante da terra de onde era natural indiciam, ainda que de forma mediata, que os demandados usaram de disfarce e barganha para induzirem o testador na declaração testamentária. Ocorrem, no caso, os requisitos de que a lei faz depender o uso de presunções hominis ou naturais, tais como a certeza de factos, a precisão ou univocidade e a pluralidade e concordância, de modo a que a coerência estabelecida para o conjunto da prova produzida justifica o método presuntivo utilizado. Concluindo, o tribunal não estava impedido de recorrer ao meio de prova presuntivo para prova dos factos que alterou; ao fazê-lo não infringiu as regras que soe serem aplicadas neste tipo de prova, nomeadamente, as de logicidade interna e coerente das inferências que extraiu dos factos directamente provados. Fenece, deste modo o fundamento de violação das regras, métodos e critérios que soe utilizar na aplicação deste tipo de prova. Consolidada prova importa afrontar o problema da incapacidade do testador no momento em que prestou ou dispôs na declaração testamentária perante oficial público. A lei define testamento como sendo o acto unilateral e revogável pelo qual uma pessoa dispõe, para depois da morte, de todos os seus bens ou parte deles – artigo 2179.º do Código Civil. [[12]] Tratando-se de um acto jurídico a sua validade fica dependente dos requisitos que a lei faz depender a validade de qualquer acto querido e assumido por um sujeito jurídico que se destine a regular e a dispor sobre as relações jurídicas estabelecidas entre pessoas. A pessoa que se disponha a efectuar uma declaração que encerre uma disposição de vontade, querida e assumida, deve, no momento em que a materializa e profere estar investido de plena consciência do acto que pretende realizar. Ou seja, o sujeito que se dispõe a concretar um acto jurídico deve, no momento em que o materializa, estar na plenitude da sua capacidade de perceber, entender e ditar sobre as consequências, efeitos e alcance do acto que vai realizar. Torna-se, inafastável e indispensável, “que o testador tenha a consciência do seu acto e dos efeitos deste; que tenha uma ideia justa da extensão do bem de que dispõe; que esteja em estado de compreender e de apreciar os direitos que vão nascer da sua disposição de ultima vontade, e, especialmente, com relação a este ultimo objecto, que nenhuma perturbação de espírito envenene as suas afeições, ou perverta o seu sentimento do justo, ou ponha obstáculo ao exercício das suas faculdades naturais; que nenhum delírio influencie a sua vontade, quando dispõe da sua fortuna, ou o arraste a fazer um uso dela que não faria, se estivesse em plena integridade do seu espírito (…)” [[13]] A situação de incapacidade (temporária ou transitória) condutível à anulabilidade do acto praticado, vem expressamente contemplada na previsão normativa contida no artigo 2199.º do Código Civil, ao preceituar que “é anulável o testamento feito por quem se encontrava incapacitado de entender o sentido da sua declaração ou não tinha o livre exercício da sua vontade por qualquer causa, ainda que transitória.” [[15]] Como, acertada e proficientemente, se escreveu no acórdão recorrido “[a] norma do art. 2199.º trata especialmente de situações episódicas que não constituem fundamento para interdição (art. 138º) ou que, revestindo-se embora das mesmas características, ainda não tenham dado lugar ao seu decretamento, pois o pressuposto desta – “incapacidade de governar sua pessoa e bens” por anomalia psíquica – traduzido por “deficiências de intelecto, de entendimento ou de discernimento, como as deficiências da vontade e da própria afectividade ou sensibilidade” (P. Lima-A. Varela, I, 4ª, página 147), não divergirá, na realidade e materialmente, do exigido naquela. A diferença consiste em que o interdito (ou o portador de anomalia psíquica fundamentadora de interdição mas ainda não decretada) pode testar validamente num “intervalo lúcido”, enquanto que a incapacidade do art. 2199.º contempla o acto praticado por pessoa normalmente capaz, mas acidentalmente incapacitada para entender o sentido da sua declaração ou despojada do livre exercício da sua vontade.” Não se constituirá controversa a asserção de que a verificação ou validação de um estado de incapacidade impeditiva de perceber e entender o alcance de um acto jurídico, em que se expressa e pretende dispor de valores e bens do respectivo património, conleva uma questão de direito a ser extraída e dessumida dos factos que vierem a ser dados como provados. [[16]] No cotejo das situações em que a lei possibilita a anulabilidade de um acto ou negócio jurídico, dever-se-á enfatizar que, ao invés do que acontece para as situações de anulação da declaração negocial conformadora de um acto ou negocio jurídico, em geral, por incapacidade acidental [[17]], em que a lei exige que “o facto seja notório ou do conhecimento do declaratário” – cfr. artigo 257.º, n.º 1 do Código Civil - no caso previsto no artigo 2199.º do mesmo livro de leis, a anulação do testamento por idêntica razão - incapacidade acidental - não é exigida essa notoriedade, bastando-se com a prova da existência de um estado de incapacidade natural que seja coeva ou contemporânea do momento em que o declarante emite a declaração relativa á disposição dos seus bens post mortis. [[18]] Na ajustada distribuição do ónus probandi, compete ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico de disposição post mortem, a prova dos factos conducentes á verificação do estado de incapacidade que obnubilaria a sã capacidade de dispor dos seus bens e o discernimento quanto ás consequências decorrentes do acto ditado. [[19]] Ocorrendo uma situação de incapacidade acidental decorrente de um estado clínico demencial ou de doença evolutiva e degenerescente das capacidades de percepção, compreensão e intelecção do mundo circundante e vivencial, a questão a equacionar deverá ser se o peticionante da anulabilidade deverá ser constrangido a provar que no exacto momento em que o declarante materializou o acto jurídico ajuizado, o estado de incapacidade acidental se mantinha ou era verificável? Ou dito de outra maneira, se o peticionante deverá ser constrangido a provar que o estado patológico degenerativo e incapacitante que está medicamente comprovado e é inerente ao estado vivencial do declarante, não era verificável no momento da materialização do acto jurídico. Ou ainda de outra maneira, deverá o peticionante estar obrigado a demonstrar, provando, que no momento em que alguém padecente de maleita ou morbo incapacitante tivera um momento de lucidez que o habilitou e capacitou para a prestação de uma declaração querida, discernida e assumida. Em nosso, juízo, ao peticionante da anulabilidade do acto jurídico testamentário, por incapacidade acidental, compete provar que o testador sofria de doença, que no plano clínico, é comprovada e cientificamente susceptível de afectar a sua capacidade de percepção, compreensão, discernimento e entendimento, e passível de disturbar e comprometer qualquer acto de vontade que pretenda levar a cabo, na sua vivência quotidiana e corrente. Tratando-se de uma doença que no plano clínico e cientifico está comprovada a degenerescência evolutiva e paulatina das condições de percepção, compreensão, raciocínio, gestão dos actos quotidianos e da sua vivência existencial, aptidões de pensamento abstracto e concreto, discernimento das opções comportamentais básicas e factores de funcionamento das relações interpessoais e sociais, o peticionante da anulabilidade de um acto jurídico praticado por uma pessoa portador deste quadro patológico apenas estará compelido a provar o estado de morbidez de que o declarante é padecente, por ser previsível, à luz da ciência e da experiência comum, que este tipo de situações não se compatibilizam com períodos de lucidez ou compreensão (normal) das situações vivenciais. Como se escreveu no acórdão recorrido, o Acórdão do STJ, de 5-7-2001 (CJ, Ano IX, Tomo II, página 151, doutrinou que: “A permanência da situação de incapacidade não é incompatível com a existência de intervalos lúcidos por parte da pessoa demente, cabendo ao interessado na manutenção do acto jurídico em causa a prova dessa lucidez aquando da realização do acordo”. Aí se cita uma passagem significativa do que escreveu o Prof. Galvão Teles (R.T., ano 72, página 268): “Provado o estado de demência em período que abrange o acto anulando, é de presumir, sem necessidade de mais, que na data do mesmo acto aquele estado se mantinha sem interrupção. Corresponde ao id quod plerum accidit; está em conformidade com as regras da experiência. À outra parte caberá ilidir a presunção demonstrando (se puder fazê-lo) que o acto recaiu num momento excepcional e intermitente de lucidez”. [1] Quanto aos poderes de sindicância do Supremo Tribunal de Justiça da reapreciação efectuada pelo Tribunal veja-se o acórdão desta secção de 31-03-2009, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que se sumariou:”1. Nos termos do artigo 712.º do Código de Processo Civil, a Relação só pode tocar na matéria de facto apurada na 1.ª instância alterando-a; determinando a renovação dos meios de prova; anulando o julgado; determinando a sua fundamentação.2) Do uso de qualquer destes poderes não cabe recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, mas este Supremo Tribunal pode sobre eles exercer censura directa ou indirecta. 3) A censura directa consiste em apurar se a Relação excedeu os limites do artigo 712.º do Código de Processo Civil. Exerce censura indirecta – ou tácita – quando verificando o não uso pela Relação dos poderes de alteração ou de anulação da decisão de facto, manda ampliá-la para que constitua base suficiente para a decisão de direito ou determina a eliminação de contradições impeditivas da solução jurídica. 4) A faculdade da alínea a) do n.º 1 do artigo 712.º, do Código de Processo Civil pressupõe que a matéria de facto tenha sido impugnada nos termos do artigo 690-A (hoje 685-B) ou que do processo constem todos os elementos de prova que fundamentaram o julgado em 1.ª instância. 5) A faculdade da alínea b) do n.º 1 do mesmo artigo 712.º pressupõe que os elementos constantes dos autos apontem inequivocamente – e sem possibilidade de ser contrariado por quaisquer outras provas – para uma decisão diversa.6) Embora a Relação possa fazer uso de presunções judiciais (simples, de experiência ou de primeira aparência) não pode utilizá-las para alterar um facto dado por provado pela 1.ª instância, e alcançar outro diferente, mas tão-somente, dele se servir como fundamento base do raciocínio lógico-discursivo que conduziu à conclusão presumida.7) E o Supremo Tribunal de Justiça pode sindicar se foram respeitadas as normas jurídicas que regulam o uso (e a base de que partiu) a presunção judicial.” Ou ainda do mesmo Relator o acórdão de 02-02-2010 em que se escreveu: “1) O Supremo Tribunal de Justiça está limitado nos seus poderes sobre a matéria de facto, âmbito em que, de harmonia com o disposto nos artigos 26.º da Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais – Lei n.º 3/99, de 13 de Janeiro – e 722.º, n.º 2 e 729.º, n.ºs 1 e 2 do Código de Processo Civil, só lhe é lícito intervir em questão de prova vinculada ou perante desrespeito de norma reguladora do valor legal das provas. 2) Tratam-se de questões de direito, já que, em tais hipóteses, não há que apreciar as provas segundo a convicção de quem julga (artigo 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil) mas apenas determinar se para a prova de certo facto a lei exige, ou não, determinado meio de prova insubstituível, ou de decidir se determinado meio de prova tem, ou não, face à lei, força probatória plena. 3) Fora do âmbito da prova vinculada, cuja apreciação é pura matéria de direito, o erro na apreciação das provas e a consequente fixação dos factos da causa, isto é, a decisão da matéria de facto, é de livre apreciação do julgador nas instâncias no seu papel de apuramento da factualidade relevante, cabendo à Relação a última palavra. E mesmo a Relação só pode censurar o respondido à base instrutória através do exercício dos poderes que lhe são conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil. 4) E só se, na fase de julgamento do mérito, o Supremo Tribunal de Justiça deparar com insuficiência de matéria de facto para decidir de direito, ou se o acervo factual contiver contradições inviabilizadoras dessa decisão, é que deve devolver o processo ao tribunal recorrido para ampliar a decisão de facto, desde que nos limites da matéria alegada (artigo 729.º, n.º 3, ainda do Código de Processo Civil).” Ou ainda os acórdãos de 28-06-2011; de 12-09- 2006; 19-12-2006; 12-09-2006 e 16-12-2010, todos in www.stj.pt [3] Cfr. acórdãos deste Supremo Tribunal de Justiça de 05-02-2009, Proc. n.º 4092/08; de 21-09-2010 Proc. n.º 2/03.5TBMNC.G1.S1; de 21-10-2010, Proc. n.º 937/06.3TBCSC.L1.S1; e de 30-11-2010, Proc. n.º 581/1999.P1.S1, in www.stj.pt . Veja-se ainda, pela novidade, o recente acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 26-02-2013, relatado pelo Conselheiro Nuno Cameira, de cujo sumário consta: “I – O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova (art. 722.º, n.º 2, do CPC). II – Não se verificando nenhuma destas hipóteses, o STJ tem de acatar a decisão de facto recorrida, visto que somente lhe compete, enquanto tribunal de revista, aplicar aos factos materiais fixados pela Relação o regime jurídico que julgue adequado (art. 729.º, n.ºs 1 e 2, do CPC). III – Se o STJ não censurar a decisão de facto das instâncias com base no art. 722.º, n.º 2, 2.ª parte, do CPC, terá necessariamente de improceder a revista que não impugne o julgamento de fundo adoptado pela Relação quando a matéria de facto subsista inalterada.” Ou ainda o acórdão desta secção relatado pelo Conselheiro Alves Velho, de 11-12-2012, em cujo sumário se extractou a seguinte doutrina: “I – Quando a Relação tenha procedido a alteração da matéria de facto, o STJ não está impedido de apreciar o uso que a 2.ª Instância fez dos seus poderes nesse campo, pois que em causa está averiguar se houve violação da lei, designadamente dos critérios legais fixados no art. 712.º, n.º 1, do CPC e dos preceitos substantivos relativos ao regime probatório. I – Em regra, se as respostas ultrapassam o âmbito da matéria quesitada, em termos não comportáveis no articulado pelas partes, têm de ser limitadas ao âmbito do perguntado, considerando-se não escrito o que o exorbite. III – Porém, se tal não se mostra possível, em virtude de, por exemplo, a resposta se traduzir na criação de factos novos, inserindo conteúdo diferente do perguntado ou invertendo o sentido do que estava sob indagação, então, terá de ser completamente eliminada. IV - A decisão da Relação que, em apreciação de impugnação da matéria de facto, visando o recorrente que se responda “provado” ou “não provado” a certos quesitos, modifique o sentido da factualidade para mais gravosa para o impugnante que o que resultaria das simples respostas de “provado” ou “não provado” a esses quesitos, preenche os vícios de excesso de pronúncia e de violação de normas processuais relativas ao uso pela Relação dos poderes que lhe são conferidos pelo referido art. 712.º, com referência ao n.º 4 do art. 646.º do CPC.” Ou ainda o acórdão deste Supremo, de 10-07-2008, relatado pelo Conselheiro Sebastião Póvoas, em que, na parte interessante do sumário se escreveu: “1) Cumpre às instâncias apurar a matéria de facto relevante para a solução do litígio, só a Relação podendo emitir um juízo de censura sobre o apurado na 1.ª instância. 2) Enquanto Tribunal de revista, com competência restrita à matéria de direito, só nos limitados termos do n.º 2 do artigo 722.º e do artigo 729.º, é consentido ao Supremo Tribunal de Justiça que intervenha em matéria de facto. A possibilidade de debater questões de facto perante este Tribunal confina-se ao domínio da prova vinculada. 3) O exercício, ou não, pela Relação dos poderes das alíneas a), b) e c) do n.º 1 do artigo 712.º do Código de Processo Civil é incensurável pelo Supremo Tribunal de Justiça sendo a respectiva decisão irrecorrível.4) O Supremo Tribunal de Justiça, e salvo situações de excepção legalmente previstas, só conhece matéria de direito, sendo que, no âmbito do recurso de revista, o modo como a Relação fixou os factos materiais só é sindicável se foi aceite um facto sem produção do tipo de prova para tal legalmente imposto ou tiverem sido incumpridos os preceitos reguladores da força probatória de certos meios de prova.5) A fundamentação das respostas aos quesitos – quer quanto aos provados, quer quando aos não provados – basta-se com uma explicação sucinta do “iter” lógico-dedutivo que levou à conclusão encontrada. 6) O princípio da livre apreciação das provas para a formação da convicção do julgador implica que na fase de ponderação decorra um processo lógico-racional conducente a uma conclusão sensata e prudente. 7) Mas esse processo, insondável e íntimo, não tem que ser transposto para a motivação, que se limita a elencar criticamente as provas consideradas credíveis. 8) Contra a falta ou a insuficiência da motivação reage-se com o incidente do n.º 4 do artigo 653.º Código de Processo Civil, também na Relação quando altera ou inova a base instrutória.” [12] Cfr. Pereira Coelho, in “Direito das Sucessões, Lições ao Curso de 1973-1974”, Parte II, p. 218; Pamplona Corte Real, in “Curso de Direito das Sucessões”, I, pág. 130; e Oliveira Ascensão, “Direito das Sucessões, Coimbra Editora, 4ª edição, págs. 67 e segs. |