Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DA GRAÇA TRIGO | ||
Descritores: | IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO ÓNUS DE ALEGAÇÃO VIOLAÇÃO DE LEI LEI PROCESSUAL PODERES DA RELAÇÃO REJEIÇÃO PRINCÍPIO DA PROPORCIONALIDADE PROCESSO EQUITATIVO QUALIFICAÇÃO JURÍDICA ARGUIÇÃO DE NULIDADES | ||
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Data do Acordão: | 10/13/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | CONCEDIDA | ||
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Sumário : | Nas circunstâncias dos autos, o não conhecimento (parcial) da impugnação da matéria de facto, desrespeita o princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.os 2 e 3, da CRP, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, da CRP. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça 1. Inforantunes, Sistemas Informáticos, Lda. intentou a presente acção declarativa de condenação, sob a forma de processo comum, contra Sage Portugal – Software, S.A., alegando, em síntese, o seguinte: - Entre A. e R. existia um contrato verbal pelo qual a A. foi distribuidora de produtos da R. durante treze anos (e que era uma relação preexistente com uma sociedade que foi adquirida pela R.), e esta, em Abril de 2018, quis forçar a A. a subscrever um contrato escrito que lhe era desvantajoso e, por isso, a A. deu o seu acordo, informando a R. da necessidade de se reunirem no sentido de encontrarem um consenso; - Reunião essa que não veio a ocorrer, mantendo-se as relações entre as partes como até então, sendo que, inesperadamente, a R. enviou à A. uma carta datada de 28.08.2020, comunicando-lhe a cessação do contrato com efeitos a partir de 01.10.2020, invocando como fundamento a não subscrição do contrato escrito e a falta de interesse da A. na dinamização e formalização da parceria, alegações que a A. rejeita; - Por outro lado, antes da anunciada data de cessação do contrato, a R. comunicou a todos os clientes angariados pela A. que esta deixara de ser seu parceiro, indicando-lhes um novo parceiro que a partir de então lhes prestaria o apoio necessário, sendo certo que aos clientes por si angariados a A. vendia outros produtos e serviços para além dos produtos da R.. Por tais razões, a A., que qualifica o contrato como sendo um contrato de distribuição comercial integrável no regime do contrato de agência, entende ser ilícita a resolução do contrato por parte da R., reclamando uma indemnização de clientela tendo em conta as centenas de clientes angariados pela A. para produtos da R., clientes de que esta continua a beneficiar, assim como uma indemnização por danos e, ainda, direitos de comissão relativamente a clientes cujas negociações para adesão aos produtos da R. a A. estava a desenvolver à data da cessação do contrato e que, efectivamente, vieram a tornar-se clientes de produtos da R.. Conclui, pedindo a condenação da R.: «a) No pagamento da comissão devida nos termos do art. 16º do DL sobre os contratos realizados por conta da actividade da INFORANTUNES Sistemas Informáticos, Lda, a fixar de acordo com os usos e os critérios de equidade. b) Ao pagamento de uma indemnização referente ao incumprimento contratual com resolução ilícita do mesmo e reparação dos danos a fixar de acordo com os usos e critérios de equidade. c) No pagamento da Indemnização de Clientela, por compensação ao Agente sobre o que deixou de auferir mas o principal continua a beneficiar com base na actividade desenvolvida por si, no total de 223.195,34€ no último ano.». A R. contestou, impugnando a versão dos factos apresentada pela A. e as consequências que dela pretende extrair, alegando, no essencial: - Que o conteúdo do contrato escrito que, em Abril de 2018, apresentou à A. foi apresentado a todos os seus parceiros comerciais, que, na sua maioria, apenas tinham acordos verbais de distribuição, o que fez no âmbito de uma estratégia mais ampla e de nível internacional do grupo em que se integra a R.; - Que essa que contrato escrito mais não era do que a formalização do acordo verbal existente, sem qualquer alteração substancial das condições até então vigentes, e que se destinava a clarificar os direitos e deveres de ambas as partes do contrato de distribuição, com o objectivo de profissionalizar e operacionalizar a rede de distribuidores do grupo, não tendo condicionado a manutenção das parcerias existentes à aceitação daquele acordo escrito.; - Foi, no entanto, a A., que recusou liminarmente a assinatura daquele documento e que sempre se mostrou indisponível para qualquer negociação ou proposta de alteração, tendo, porém, mantido a parceria entre R. e A. até Agosto de 2019 nos mesmos moldes em que vinha ocorrendo anteriormente; - Contudo, veio a R. veio a aperceber-se, a partir de Julho de 2019, que a A., pelo menos desde Outubro de 2018, encetara uma estratégia de desvio de clientela da R., mediante uma campanha lesiva da sua imagem e difamadora do seu bom nome e reputação junto dos clientes com os quais a A. contactava; - Tendo a R., concorrentes entre Outubro de 2018 e Julho de 2019, perdido clientes para outras sociedades em razão dessa conduta da A.; - Por outro lado, desde que recusou a formalização do contrato, a A. diminuiu brusca e vertiginosamente a sua actividade comercial, com ausência de angariação de novos clientes e negócios, diminuição da actividade de promoção e acentuada queda dos objectivos propostos; - Foi a conjugação dessas circunstâncias, e não a recusa de aceitação do contrato escrito, como a A. alega, que fez a R. entender não estarem reunidas as condições, sobretudo de confiança, mas também de rentabilidade, para prosseguir a relação em curso e, por isso, remeteu à A. a carta de 28.08.2019, que a mesma refere na sua petição, fazendo cessar a relação comercial entre ambas. Com tais fundamentos, a R., que igualmente qualifica o contrato como sendo de distribuição comercial integrável no regime do contrato de agência, entende que a resolução do contrato ocorreu com justa causa, pugnando pela improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos e pela condenação da A. como litigante de má-fé, em multa e em indemnização não inferior a € 10.000,00. Procedeu-se à realização de audiência prévia, na qual a mandatária da A. foi convidada a esclarecer/aperfeiçoar alguns aspectos da petição, o que a mesma fez verbalmente relativamente a alguns deles, designadamente quanto a que o pedido formulado em b) do petitório se sustenta no art. 32.º da Lei do Contrato de Agência, formulando-se pedido genérico ao abrigo da faculdade prevista no art. 569.º do Código Civil e ainda nos moldes que constam a fls. 108 e segs. Exercido o contraditório, arguiu a R. a ineptidão parcial da petição, no que se refere ao pedido do direito à comissão. Tal excepção foi conhecida e julgada improcedente. Por sentença de 14 de Maio de 2021foi proferida a seguinte decisão: «Nestes termos e pelos fundamentos supra expostos, o Tribunal julga parcialmente procedente a acção e, em consequência: - condena a R. a indemnizar a A. na quantia de € 25.000,00 [a coberto do n° 2 do art° 32° do DL n° 178/86, de 03/07], - absolve a R. dos demais peticionado. Mais, o Tribunal absolve a A. do pedido de condenação por litigância de má fé.». Inconformada, a A. interpôs recurso de apelação para o Tribunal da Relação do Porto, pedindo a alteração da decisão relativa à matéria de facto e a reapreciação da decisão de direito. Também a R. apelou, impugnando apenas de direito. Por acórdão de 17 de Fevereiro de 2022 foi julgado improcedente o recurso da A. e procedente o recurso da R., revogando-se a decisão recorrida no segmento em que condenou a R. a pagar à A. a quantia de € 25.000,00, absolvendo-se a mesma deste pedido, e mantendo-se no restante a referida sentença. 2. Vem a A. interpor recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, formulando as seguintes conclusões: «A. A decisão ora recorrida entendeu rejeitar a impugnação da matéria de facto realizada pela Autora, alegando que a recorrente não cumpriu o dever, plasmado no art. 640º nº 2 do CPC, de indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, B. Ora tal não corresponde à realidade, aquando a apresentação da impugnação da matéria de facto a recorrente indicou as concretas passagens do depoimento das testemunhas em que fundava o seu recurso, nomeadamente no ponto indicando no corpo das alegações conforme é bom de ver nos p 4 e 33 da sua motivação de recurso. C. Pelo que sempre teria de ser apreciado a impugnação da matéria de facto apresentada e sede de recurso ao invés da rejeição por alegado incumprimento do disposto no art. 640º nº 2 do CPC, D. Pois que o Recorrente cumpriu o ónus que sobre si impendia nos termos da citada norma, pelo que a decisão ora recorrida, pelo que impunha a apreciação da impugnação realizada pela recorrente, sob pena de nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. d) do CPC, impondo-se a apreciação da impugnação da matéria de facto realizada, o que desde já se requer. E. Acresce que, nos termos do disposto no art 615º do CPC invocou a Autora, nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, porquanto, as partes aceitaram o contrato em causa como um contrato de agência, sendo que não obstante a consolidação de tal facto perante as partes, o Tribunal a quo entendeu tipificá-lo como contrato de distribuição autorizada, F. Ora exposta tal nulidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa entendeu não existir a invocada nulidade que a qualificação jurídica do contrato constitui apenas corolário da apreciação jurídica da causa, de conhecimento oficioso do Tribunal G. Ora se assim fosse, sempre teria tal de ser realizado aquando do saneamento dos autos e não afinal aquando da prolação de sentença! H. Pelo que cremos que efectivamente não assiste qualquer sustentabilidade na fundamentação do acórdão ora recorrido, verificando-se, em nosso modesto entendimento a apontada nulidade de excesso de pronúncia. I. Entendeu ainda a decisão recorrida que a resolução operada pela Ré, seria lícita, porquanto entendeu que nos termos do disposto no art. 33º nº 3 do DL 178/86 não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte houver cedido a sua posição contratual, entendendo que tal encontra eco na factualidade assente, pelo que inexiste direito a tal indemnização, J. Concluindo que a extinção do contrato efectuada pela declaração da ré de 28.08.2019, se fundou na recusa da A. assinar o texto escrito do clausulado sem justificação para tanto, K. Ora a fundamentação do Acórdão ora recorrido, encontra-se, entre o mais, ferida de nulidade de sentença prevista no art. 615º nº 1 al. c) do CPC porquanto a decisão emitida é contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto por contradição entre a factualidade assente e a decisão proferida, existindo verdadeiro erro de julgamento, Senão vejamos, L. Na decisão Recorrida é referido que existe resolução do contrato realizada de forma licita por parte da parte da Ré, por razões imputáveis à Autora, M. Ora, no relatório da decisão proferida é dito desde logo a fls. 4 da decisão recorrida é referido " E foi a conjugação dessas circunstâncias e não a recusa de aceitação do contrato escrito, como veicula a A., que fez a Ré entender não estarem reunidas as condições, sobretudo de confiança, mas também de rentabilidade, para prosseguir a relação em curso e por isso remeteu à A. carta de 28.08.2019, que a mesma refere na sua petição, cessando a relação comercial" N. Ora do teor da fundamentação decorre que o motivo da cessação contratual não foi afinal a recusa de aceitação do contrato escrito... sendo que depois afinal na mesma decisão recorrida se pode ler, a fls.60 da decisão recorrida que: "Demonstrando-se que a extinção do contrato - efectuada por declaração da Ré de 28.08.2019, se fundou na recusa da autora em assinar o texto escrito do clausulado, sem justificação para tanto, (...) O. A própria fundamentação vai contra os factos assentes até por confissão da Ré, pois que conforme resultava já da sentença de primeira instância e transcrita para a decisão ora recorrida, a fls 56, (...) Ou seja é a própria Ré, que refere expressamente que o motivo da sua resolução não foi qualquer recusa de outorga do contrato verbal, em escrito, R. Contudo o Tribunal vem entender que a resolução é legitima por causa imputável à Autora (recusa de assinatura do contrato escrito), contrariamente ao que a própria Ré alega, dizendo que a causa foi outra que não aquela, S. Ainda assim o Tribunal entende que a resolução é legitima com base num argumento contrariado pela própria Ré, (autora de tal resolução), o que é diga-se surreal!!!! T. Como se tal não fosse bastante, temos ainda que o facto provado 12, "A Autora considerou que algumas clausulas do texto que lhe foi apresentado pela Ré lhe seriam prejudicais ou desvantajosas e não o assinou", U. Sendo que a decisão ora recorrida refere que "Demonstrando-se que a extinção do contrato – efectuada pela declaração da ré de 28/8/2019 - se fundou na recusa da autora em assinar o texto escrito do clausulado, sem justificação para tanto, acompanha-se a conclusão da decisão recorrida, no sentido de não ser devida a indemnização de clientela, nos termos do citado art.33º, nº3" V. Ora da factualidade assente resulta desde logo o porque da recusa de assinar o mencionado contrato, ou seja, porque entendeu que tais cláusulas lhe eram desfavoráveis e tal facto encontra-se provado, pelo que colide em termos de raciocínio lógico com a fundamentação da decisão ora recorrida de que a recusa ocorreu sem qualquer justificação. W. A decisão é tão mais despicienda que pese embora a Ré tenha dito, e redito de várias formas quer nos seus articulados, quer na prova produzida conforme resulta da transcrição da sentença de primeira instância para a decisão recorrida supra exposta, que o motivo da sua resolução não foi qualquer recusa por parte da Autora, mas sim a quebra da confiança, por desvio de clientela e afins, factos esses que resultaram não provados, X. Incredulamente o Tribunal a quo vem dizer que a resolução se deu pelo motivo que a Ré nega!! Y. Mais diz-se ainda na decisão recorrida que somente tal motivo, de recusa injustificada de assinatura do documento justifica que a resolução fosse legitima, portanto, o que parece suceder é que o Tribunal a quo, parece de forma incessante arranjar uma argumentação para legitimar a Ré na sua resolução, utilizando argumentação contrária inclusive à aduzida pela própria Ré, o que é no mínimo questionável... Z. Não bastasse o já exposto, entendeu ainda a decisão recorrida revogar a indemnização de equidade em que fora condenada a Ré no montante de 25000,00€, fazendo-o com a seguinte fundamentação, AA.. refere-se na decisão recorrida que se verifica o disposto no art. 30º a) do DL178/86 de 03/07, que permite a resolução do contrato, verificadas as seguintes condições: - Se a outra parte faltar ao cumprimento das suas obrigações; - Esse incumprimento seja de tal forma grave ou reiterado, que se possa concluir, - Não seja exigível a subsistência do vínculo contratual; BB. Concluindo que a situação descrita preenche, a nosso ver, as três condições. CC. Pergunte-se de onde resulta tal factualidade assente que permita tal conclusão?? DD. Desde logo temos que a Ré não aponta a recusa do contrato como causa de resolução, EE. Para além disso o ponto 12 dos factos provados demonstra uma justificação para tal recusa FF. depois nunca foi alegado pela Ré, nem provado que o incumprimento foi de tal forma grave ou reiterado que se possa concluir não ser exigível a subsistência do vínculo contratual!! GG. Pelo contrário a Ré refere não ter sido esse o motivo, mais, refere outros motivos de quebra de confiança mas cuja prova não logrou alcançar, pelo que não bastasse o tribunal quo estar já a legitimar como fundamento de resolução um fundamento que a própria Ré nega, falava ainda acrescentar a este aquele que a Ré não reconhecendo não podia alegar ou provar, que o incumprimento fosse de tal forma grave que se pudesse concluir pela inexigibilidade de subsistência do vinculo!!!! HH. padecendo claramente a decisão recorrida de nulidade por excesso de pronúncia, sendo que se denota simultaneamente claro erro de julgamento pois que a fundamentação em causa está em contradição com os factos provados e bem assim inexistindo qualquer suporte factual que sustente a decisão proferida. II. Pelo contrário temos ré, sucessivamente a alegar e demonstrar que não foi a recusa da assinatura do contrato que motivou a sua resolução, demonstrando claramente que tal não lhe foi relevante, pelo que a conclusão vertida no Acórdão recorrido com alusão ao disposto no art. 30º nº a) do diploma legal em análise é completamente despiciente!! JJ. Referindo uma vez mais que “se assume como grave a recusa - injustificada - na dedução a escrito exigida pela contra- parte, uma vez mais em gritante contradição com a factual idade assente nomeadamente o pinto 12 dos factos provados. KK. Não podemos aceitar a conclusão de que a resolução operada pela Ré é licita, muito menos quando o Tribunal a quo utiliza uma argumentação (recusa de assinatura do contrato escrito), que a própria Ré refuta!!! MM. Conforme supra exposto encontra-se evidenciado nos autos que efectivamente existia uma pretensão de modificação no documento apresentado pela Ré, pelo que a A./recorrente sempre teria de aceitar tal modificação de forma consentida, NN. Mas mesmo que assim não fosse e que efectivamente não se atendesse á alteração da matéria de facto nos termos supra referidos, temos que, OO. Nos termos da matéria assente sob o ponto 12 dos factos provados podemos ler que “A Autora considerou que algumas cláusulas do texto que lhe foi apresentado pela Ré lhe seriam prejudiciais ou desvantajosas e não o assinou”. PP. Ora equivale isto a dizer que perante a apresentação do documento escrito a A./Recorrente entendeu que tal era prejudicial e não o assinou, o que consubstancia recusa legitima, porquanto ninguém está obrigado a vincular-se a um contrato que considera prejudicial para si próprio, com respeito e conforme impõe o princípio da liberdade contratual, QQ. Pelo que nunca poderia ter-se entendido que tal consubstancie a violação de um qualquer direito irrenunciável legalmente atribuído à contraparte, RR. Pois que o disposto no art. 1º e 2º do disposto no DL 178/86 apenas reputa de irrenunciável o direito de obter de outrem documento assinado que indique o conteúdo do contrato, SS. O que de forma alguma explana o que temos no presente caso, pois que a recusa da A. é legitima porquanto a assinatura pretendida no documento escrito não consubstancia uma transposição do contrato não escrito e sim uma verdadeira alteração contratual, TT. que ao A. entendeu ser-lhe prejudicial e que legitimamente recusou ao abrigo do disposto no art. 406º nº 1 do Código Civil, UU. Sendo que para além disso e ainda que assim não se entendesse, ficou sobejamente demonstrado não ser tal fundamento o móbil da cessação contratual, pois que, como refere a Ré na sua Contestação “25.º Porém, a Ré, aquando da apresentação da mencionada proposta àquele universo de parceiros, em momento algum referiu ou sequer sugeriu que as parcerias existentes estariam condicionadas ou dependentes da aceitação daquele acordo escrito, tal não constituindo, por conseguinte, condição indispensável ou necessária à manutenção dos contratos em vigor.” VV- Constando ainda da decisão ora recorrida que as testemunhas “AA, BB e CC. Apesar de os dois primeiros não conhecerem a situação concreta da A., de não terem conhecimento de que tenha havido pedidos de adendas/alterações ao contrato por parceiros, e de o primeiro ter dúvidas de que tal pudesse ser aceite pela R., referiram relevantemente que houve parceiros que não assinaram o texto proposto pela R. e que continuam a ser parceiros desta(...)”. WW. Pelo que, incorre claramente a decisão proferida de vicio/nulidade quer por que existe clara contradição entre os fundamentos de facto e a decisão proferida, quer porque inexiste fundamentação de facto que sustente tal decisão e bem assim os fundamentos de facto encontram-se em oposição com a decisão, XX. Pois que tornando - se claro que não foi qualquer recusa da assinatura do documento escrito que determinou a iniciativa da cessação contratual da Ré, mas sim, conforme invocado pela própria Ré o móbil da resolução contratual seria: "O - Que desde o início da relação da R. com a A. esta tenha revelado incapacidade em alinhar com a estratégia comercial da R., não comparecesse às reuniões anuais de parceiros, se recusasse a reunir nas instalações da R. e mantivesse uma relação difícil e conflituosa com os comerciais da R.. "P - Que pelo menos desde Outubro de 2018 a A. encetou uma estratégia de desvio de clientela da R.. Q - Que a A. tenha afectado o bom-nome e a imagem comercial da R.." Factos estes que alegou como sustentando a sua resolução contratual com a A., mas que não logrou provar e que, por conseguinte, constam no rol dos factos não provados sob os pontos O, P e Q. YY. Pelo que sempre seria de concluir que a resolução operada pela Ré, com os motivos indicados pela própria mas que não resultaram provados, consubstancia sempre verdadeira resolução ilícita, ZZ. Pelo que em conformidade se impunha que a Ré ter sido condenada nos termos peticionados, AAA. não se admitindo de forma alguma a imputação da violação de um qualquer dever por parte da A. que permitisse à Ré a legítima resolução, por totalmente inexistente, conforme supra demonstrado. BBB. A interpretação realizada na decisão recorrida viola assim o disposto no art. 1º e 2º, 33º, todos do DL 178/86 de 03/07 e bem assim o disposto no art. 405º e 406º nº 1 do Código Civil., enfermando ainda de nulidade nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al.s b), c) e d) do CPC. CCC. Concluindo atentemos que a Ré peremptória, expressa e indubitavelmente refere que o motivo pela qual cessou o contrato foi pelos motivos invocados em 50. do presente articulado, negando que o tenha feito pelos motivos que colocou na declaração junta como documento nº 3 dos autos, DDD. Para depois termos uma decisão (de que ora se recorre) a referir que o motivo de recusa injustificada de assinatura do contrato escrito (que a Ré nega), não só torna a resolução legítima, como ainda concluiu que a mesma é de tal forma grave que se pode concluir a inexigibilidade do vínculo contratual!!! EEE. Efectivamente não se depreende tal conclusão muito menos a sustentação de tal decisão, chocando a argumentação aduzida e fazendo-nos clamar por Justiça!». Termina pedindo que o recurso seja julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido, determinando-se a apreciação da matéria de facto impugnada e reconhecendo-se igualmente os vícios e nulidades apontadas e, em conformidade, declarando-se a ilicitude da resolução contratual operada pela R. e condenando-a no peticionado. A Recorrida contra-alegou, sem apresentar conclusões, pugnando pela improcedência do recurso com a manutenção do acórdão recorrido. 3. Por acórdão da conferência de 9 de Junho de 2022, o tribunal a quo pronunciou-se pela não verificação das nulidades invocadas pela Recorrente. 4. Antes de prosseguir esclareça-se que, perante a falta de rigor a respectiva formulação, os pedidos recursórios devem ser interpretados como sendo pedidos subsidiários, assim ordenados em função da sua precedência: - Em primeiro lugar, pretende-se que se reconheçam as arguidas nulidades do acórdão recorrido, com as legais consequências; - Subsidiariamente, pretende-se a anulação do acórdão recorrido com a determinação da baixa dos autos ao Tribunal da Relação para conhecimento da impugnação da matéria de facto, na parte rejeitada; - Subsidiariamente, pretende-se a revogação do acórdão recorrido e a prolação de decisão de condenação da R. nos pedidos. Cumpre apreciar e decidir. 5. Vem provado o seguinte (mantêm-se a numeração e a redacção das instâncias): 1 - A Autora é uma empresa especializada na implementação de soluções informáticas (hardware e software) em diversas áreas de negócio, como a gestão administrativa, comercial e de recursos humanos, proporcionando serviços de aconselhamento, instalação e assistência de forma a apoiar as micro, pequenas e médias empresas nas suas necessidades tecnológicas e de gestão. 2 - A Ré é uma empresa de tecnologia, fornecedora de software de planeamento e gestão de recursos empresariais, que integra o grupo multinacional “The SAGE Group PLC”, cuja sociedade dominante tem sede no ..., constituído por várias sociedades comerciais que comercializam os seus produtos e presta os seus serviços através de diferentes divisões comerciais. 3 - No âmbito da estratégia de expansão do Grupo Sage a R. incorporou, por fusão, a sociedade comercial “E..., SA”, a qual se dedicava ao comércio a retalho de computadores e programas informáticos. 4 - A Autora desde 1997 tinha uma forte e estável relação comercial com a “E..., SA”, comercializando, promovendo e/ou prestando serviços em relação a produtos desta. 5 - Aproximadamente em 2006, a relação que a Autora tinha com a “E..., SA” migrou para a Ré SAGE Portugal. 6 - As suas relações comerciais estabeleciam-se por meio de acordo verbal pelo qual a Autora, actuando em nome próprio e por sua conta, promovia e divulgava os produtos e serviços da R. por forma a angariar novos clientes, e sem sujeição a exclusividade por qualquer das partes, distribuindo e comercializando os programas informáticos produzidos pela R., e prestava aos clientes finais assistência técnica, consultoria, e procedia à instalação das aplicações produzidas pela R., sendo a A. remunerada pela R. mediante o recebimento de uma margem do lucro do negócio concluído com o cliente final. 7 - Tal relação comercial perdurou por cerca de 13 anos, até ao ano de 2019. 8 - A A. efectuava serviços de suporte e assistência dos produtos aos clientes finais, e realizava, com autorização da R., a venda de equipamentos e produtos complementares, o que constituía uma fonte de lucro. 9 - Em Abril de 2018 a Ré propôs à Autora a assinatura do acordo escrito cujo teor se encontra a fls. 15v° ss. e se dá por integralmente reproduzido. 10 - Ao longo do ano 2018 a R. apresentou, para subscrição, o acordo escrito referido no ponto anterior aos cerca de 1000 parceiros com os quais tinha acordos verbais. 11 - O motivo para essa formalização teve que ver com a necessidade de protecção de dados dos clientes finais e com exigências da lei inglesa relativamente à política anticorrupção quanto a empresas cotadas em bolsa, e integrando a R. uma multinacional inglesa cotada na bolsa inglesa foi-lhe solicitado pela casa mãe que formalizasse em Portugal os acordos verbais que tinha com parceiros. 12 - A Autora considerou que algumas cláusulas do texto que lhe foi apresentado pela Ré lhe seriam prejudiciais ou desvantajosas e não o assinou. 13 - A relação comercial entre ambas continuou nos termos e de acordo com o modelo em que vinha sendo realizada. 14 - A R. convocou todos os parceiros para sessões de esclarecimento, realizadas via Internet, quanto à necessidade de formalização escrita dos acordos verbais e quanto ao conteúdo do clausulado escrito proposto, e foi sucessivamente promovendo a realização de reuniões mais pequenas para esclarecimento de dúvidas e colocação de questões, até reuniões individuais entre o parceiro e o respectivo comercial da R., o que aconteceu entre a A. e a comercial DD. 15 - A A. nunca assinou o acordo escrito e em 26/07/2019 a R., através da então gestora da conta da A., enviou-lhe e-mail do seguinte teor “(...) no seguimento das tentativas que temos efectuado para agendar reunião comercial com a Inforantunes, e não tendo sido mostrada disponibilidade da vossa parte para reunir, venho uma vez mais propor uma reunião com a vossa direcção Comercial, nas instalações da Sage Lisboa. Sugerimos as datas de 1 de Agosto às 14H30 ou 9 de Agosto às 14H30. Caso nenhuma destas datas seja conveniente, gostaria que propusessem uma data alternativa (...)”. 16 - A A. respondeu à R. em 29/07/2019, por e-mail dirigido à sua Directora Comercial da unidade de pequenas empresas, CC, do qual consta “Olá CC, as nossa portas estão abertas das 9h às 19h e estamos cá para receber de muito bom agrado todos os nossos parceiros/fornecedores e clientes, neste sentido não percebo o porquê de dizer no seu e-mail que não tem conseguido se reunir connosco, bom enfim. Volto assim a reiterar a nossa disponibilidade para vos receber nas nossas instalações na mesma data que sugerem no email abaixo (...) Sempre posso agendar? Qual o melhor dia? (...)». 17 - A esse e-mail a R. respondeu nos seguintes termos «Este convite partiu de nós Sage e como tal considero que se houver interesse da vossa parte deverá ser aceite na forma como foi feito. O mesmo foi já feito várias vezes pela BB, tendo sido sempre recusado por indisponibilidade. (...) Aguardo o vosso feedback sobre a vossa disponibilidade para os dias propostos ou outro dia que vos seja favorável. De outra forma aceitarei igualmente o vosso desinteresse e impossibilidade de aceitarem a reunião nas nossas instalações». 18 - A R. enviou à A. escrito datado de 28/08/2019 comunicando-lhe a cessação da distribuição dos seus produtos a partir de 01/10/2019, do qual consta “(...) a Sage Portugal, SA tem estabelecido com a sua empresa um acordo de distribuição dos produtos e serviços que a Sage desenvolve e presta. Regulamos esta parceria através de um contrato que deverá ser assinado por ambas as partes. Este contrato nunca foi aceite e assinado pela sua empresa. Neste contexto, sequentes conversações efectuadas e feedback de clientes, entendemos existir ausência de interesse na dinamização e formalização deste acordo de parceria. Assim sendo, proceder-se-á à cessação da distribuição dos nossos produtos e serviços através da sua empresa a partir do dia 01.10.2019.(…) Em todo o caso, agradecemos o seu interesse durante o tempo em que se dedicou a esta parceria. (...)». 19 - Em 03/09/2019 a Ré enviou emails e cartas aos clientes finais da carteira de clientes da A. informando-os da cessação da parceria com esta e indicando outros parceiros que, em alternativa, lhes poderiam continuar a dar apoio caso o cliente quisesse continuar com os produtos e serviços da R.. 20 - Em datas não concretamente apuradas de 2018-2019 a A. disse a cerca de meia dúzia de clientes finais que a R. poderia deixar a operação em Portugal, que o programa Sage Retail ia deixar de existir, e que o programa que o substituiria seria mais caro. 21 - Nunca foi pensada a saída da operação da R. de Portugal. 22 - O programa Sage Retail continua a ser comercializado, embora tenha sido descontinuado, e por isso sem actualizações, e substituído pelo programa Sage 50C. 23 - O programa Sage 50C, com os módulos associados sugeridos pela R., é mais caro do que o programa Sage Retail. 24 - A A. em 2018 angariou três clientes novos e em 2019 angariou um cliente novo, e perdeu quarenta clientes de Outubro de 2018 até Julho de 2019. 25 - Em 2018 a A. tinha 219 clientes activos de produtos da R. e aquando da cessação da parceria eram 179 os clientes activos de produtos da R. que integravam a carteira de clientes da A.. 26 - Desses clientes finais cerca de metade permaneceram clientes de produtos da R. após a cessação da parceria entre esta e a A.. 27 - Relativamente à outra metade, a A. instalou a alguns, em número que em concreto não foi possível apurar, um programa de gestão da marca XD, produzido por uma empresa que actua na mesma área de negócios que a R.. Nada mais resultou provado com relevância para a decisão da causa, nomeadamente: A - Que desde o ano de 2012/2013 a Ré começou progressivamente a retirar benefícios aos seus distribuidores reduzindo as suas parcelas remuneratórias, actualizando metas, muitas delas impossíveis de atingir, e a proceder à alteração sucessiva dos produtos distribuídos com perda acentuada da qualidade do produto, e aumento do preço, colocando os distribuidores em posição de fragilidade perante o cliente final. B - Que a Ré foi retirando aos distribuidores a possibilidade de assistência e reparação dos produtos, encetando um caminho de centralização de funções na multinacional. C - Que após a Ré ter proposto à Autora a assinatura do acordo escrito com o teor que se encontra a fls. 15v° ss., esta tenha solicitado à R. uma reunião para debater as cláusulas com as quais não concordava com vista a chegarem a um consenso, e que nunca recebeu resposta da R.. D - Que a R. tenha imposto à A. aquele acordo escrito e sem possibilidade de negociação sobre o seu conteúdo. E - Que o acordo escrito proposto pela R. à A. alterasse as condições da parceria de distribuição em termos menos vantajosos para A. do que o acordo verbal existente, nem que estabelecesse objectivos inacessíveis. F - Que após a apresentação da proposta do acordo escrito pela R. à Autora esta continuou a realizar acções de marketing e promoção dos produtos da R. com inerentes custos e esforços de angariação de novos clientes e fidelização de antigos clientes, com o inerente dispêndio de tempo e de recursos humanos, G - (...) nem que tenha empregue um acrescido esforço financeiro e de tempo nessas tarefas, designadamente por os produtos e serviços da R. apresentarem então decréscimo de qualidade, aumento de preços e alteração das metas aos parceiros (e que grande parte deles não conseguia atingir). H - Que após a cessação da parceria todos os clientes angariados e/ou fidelizados pela A. tenham permanecido clientes finais de produtos e serviços da R.. I - Que durante a vigência da parceria entre R. e A. esta tenha auferido, em média, lucros anuais de € 223.195,34, nomeadamente € 198.954,13 no ano 2014, € 226.620,51 no ano 2015, € 229.347,74 no ano 2016, € 235.124,43 no ano 2017 e € 225.929,89 no ano 2018. J - Que relativamente aos pacotes de serviços e produtos adquiridos pelos clientes finais a A. auferisse anualmente cerca de € 68.092,55. K - Que pelos serviços de assistência prestados pela Autora esta auferisse anualmente a quantia de € 19.998,30. L - Nem que a A. auferisse outros valores fixos anuais no valor de € 16.613,85. M - Que pelas outras vendas de materiais/equipamentos e/ou serviços prestados pela A. aos clientes finais ela auferisse anualmente a quantia de € 118.704,70. N - Que ao tempo da recepção da carta de 28/08/2019 (de cessação do acordo de distribuição) havia negociações em curso entre a A. e clientes para a adesão dos mesmos a produtos R., que efectivamente vieram a aderir aos mesmos, designadamente EE, “A..., Lda” e “C..., Unipessoal, Lda”. O - Que desde o início da relação da R. com a A. esta tenha revelado incapacidade em alinhar com a estratégia comercial da R., não comparecesse às reuniões anuais de parceiros, se recusasse a reunir nas instalações da R. e mantivesse uma relação difícil e conflituosa com os comerciais da R.. P - Que pelo menos desde Outubro de 2018 a A. encetou uma estratégia de desvio de clientela da R.. Q - Que a A. tenha afectado o bom-nome e a imagem comercial da R.. 6. Tendo em conta o disposto no n.º 4 do art. 635.º do Código de Processo Civil, o objecto do recurso delimita-se pelas respectivas conclusões, sem prejuízo da apreciação das questões de conhecimento oficioso. Assim, o presente recurso tem como objecto as seguintes questões: - Nulidades do acórdão recorrido; - Regularidade da rejeição da impugnação da matéria de facto pela autora; - Erro do acórdão recorrido na apreciação da questão da nulidade da sentença em matéria de qualificação do contrato dos autos; - Ilicitude da resolução do contrato dos autos e consequências indemnizatórias. 7. Invoca a Recorrente a nulidade do acórdão recorrido «nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al.s b), c) e d) do CPC». Compulsadas as conclusões recursórias constata-se, porém, que, em matéria de vícios geradores de nulidade da decisão, a Recorrente se limitou a alegar o seguinte: «D. Pois que o Recorrente cumpriu o ónus que sobre si impendia nos termos da citada norma, pelo que a decisão ora recorrida, pelo que impunha a apreciação da impugnação realizada pela recorrente, sob pena de nulidade da sentença nos termos do disposto no art. 615º nº 1 al. d) do CPC, impondo-se a apreciação da impugnação da matéria de facto realizada, o que desde já se requer. E. Acresce que, nos termos do disposto no art 615º do CPC invocou a Autora, nulidade da sentença recorrida por excesso de pronúncia, porquanto, as partes aceitaram o contrato em causa como um contrato de agência, sendo que não obstante a consolidação de tal facto perante as partes, o Tribunal a quo entendeu tipificá-lo como contrato de distribuição autorizada, F. Ora exposta tal nulidade o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa entendeu não existir a invocada nulidade que a qualificação jurídica do contrato constitui apenas corolário da apreciação jurídica da causa, de conhecimento oficioso do Tribunal G. Ora se assim fosse, sempre teria tal de ser realizado aquando do saneamento dos autos e não afinal aquando da prolação de sentença! H. Pelo que cremos que efectivamente não assiste qualquer sustentabilidade na fundamentação do acórdão ora recorrido, verificando-se, em nosso modesto entendimento a apontada nulidade de excesso de pronúncia. I. Entendeu ainda a decisão recorrida que a resolução operada pela Ré, seria lícita, porquanto entendeu que nos termos do disposto no art. 33º nº 3 do DL 178/86 não é devida indemnização de clientela se o contrato tiver cessado por razões imputáveis ao agente ou se este, por acordo com a outra parte houver cedido a sua posição contratual, entendendo que tal encontra eco na factualidade assente, pelo que inexiste direito a tal indemnização, J. Concluindo que a extinção do contrato efectuada pela declaração da ré de 28.08.2019, se fundou na recusa da A. assinar o texto escrito do clausulado sem justificação para tanto, K. Ora a fundamentação do Acórdão ora recorrido, encontra-se, entre o mais, ferida de nulidade de sentença prevista no art. 615º nº 1 al. c) do CPC porquanto a decisão emitida é contrária à que seria imposta pelos fundamentos de facto por contradição entre a factualidade assente e a decisão proferida, existindo verdadeiro erro de julgamento». Constata-se que: - A invocada nulidade por omissão de pronúncia (art. 615.º, n.º 2, alínea d), do CPC) se reconduz afinal à questão do alegado erro na interpretação do art. 640.º do CPC ao não ter conhecido parcialmente da impugnação da matéria de facto; questão de que se conhecerá subsequentemente no presente acórdão; - A invocada nulidade por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 2, alínea d), do CPC), devidamente qualificada, consiste na questão do erro do acórdão recorrido na decisão acerca da nulidade por excesso de pronúncia da decisão da 1.ª instância (na qualificação do contrato dos autos); - A invocada nulidade por contradição entre os factos e a fundamentação não corresponde à nulidade prevista no art. 615.º, n.º 2, alínea c), do CPC (regime que respeita à nulidade por contradição entre a fundamentação de direito e a decisão) mas antes à questão do alegado erro de direito correspondente à última questão objecto do presente recurso; - Limita-se a Recorrente a referir a norma do art. 615.º, n.º 2, alínea b), do CPC (nulidade por falta de fundamentação) sem concretizar em que termos padece o acórdão recorrido de tal vício. Conclui-se, assim, não caber pronúncia em sede das incorrectamente qualificadas nulidades do acórdão recorrido. 8. Invoca a Recorrente a irregularidade do acórdão recorrido ao rejeitar a impugnação do ponto 20 da matéria de facto por falta de cumprimento do ónus previsto no art. 640.º, n.º 2, do Código de Processo Civil, isto é, por falta de indicação, com exactidão, das passagens da gravação em que se funda o recurso. Com efeito, o acórdão recorrido rejeitou a impugnação do ponto 20 da factualidade provada, por entender que «a autora não cumpriu o seu dever, plasmado no citado art. 640º, nº2 do Código de Processo Civil, de indicação com exactidão das passagens da gravação em que se funda o seu recurso, limitando-se a resumir a sua leitura dos depoimentos de FF, DD, GG e HH». Contra este juízo insurge-se a Recorrente. Alegando que tal exigência foi respeitada no corpo das alegações de recurso de apelação. Quid iuris? Dispõe o art. 640.º do CPC: «1 - Quando seja impugnada a decisão sobre a matéria de facto, deve o recorrente obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição: a) Os concretos pontos de facto que considera incorretamente julgados; b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida; c) A decisão que, no seu entender, deve ser proferida sobre as questões de facto impugnadas. 2 - No caso previsto na alínea b) do número anterior, observa-se o seguinte: a) Quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso na respetiva parte, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda o seu recurso, sem prejuízo de poder proceder à transcrição dos excertos que considere relevantes; b) Independentemente dos poderes de investigação oficiosa do tribunal, incumbe ao recorrido designar os meios de prova que infirmem as conclusões do recorrente e, se os depoimentos tiverem sido gravados, indicar com exatidão as passagens da gravação em que se funda e proceder, querendo, à transcrição dos excertos que considere importantes. 3. (...).». É entendimento dominante neste Supremo Tribunal que o ónus previsto no art. 640.º do CPC se desdobra em dois tipos: - Um ónus primário que respeita à obrigação de indicação dos concretos pontos de facto impugnados, por se tratar de uma imposição de delimitação do objecto do recurso (n.º 1 do art. 640.º do CPC); - Um ónus secundário que visa possibilitar um mais facilitado acesso aos meios de prova gravados pertinentes para a apreciação da impugnação da matéria de facto (n.º 2 do art. 640.º do CPC). De acordo com a orientação maioritária da jurisprudência deste Supremo Tribunal, a interpretação do art. 640.º do CPC não deve ser pautada por uma perspetiva formalista, mas antes por critérios preferencialmente materiais, em função do princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que constitui uma manifestação do princípio da proporcionalidade das restrições, consagrado no art. 18.º, n.os 2 e 3, da Constituição, e da garantia do processo equitativo, consagrada no art. 20.º, n.º 4, da Constituição. Neste sentido, cfr. o acórdão de 11.02.2021 (proc. n.º 4279/17.0T8GMR.G1.S1)[1], consultável em www.dgsi.pt. Neste sentido, e com particular relevância para a questão em apreciação, vejam-se também os seguintes acórdãos: - Acórdão de 20.10.2015 (proc. n.º 233/09.4TBVNG.G1.S1)[2], consultável em www.dgsi.pt, assim sumariado: «I - Face aos regimes processuais que têm vigorado quanto aos pressupostos do exercício do duplo grau de jurisdição sobre a matéria de facto, é possível distinguir um ónus primário ou fundamental de delimitação do objecto e de fundamentação concludente da impugnação - que tem subsistido sem alterações relevantes e consta actualmente do nº1 do art. 640º do CPC; e um ónus secundário – tendente, não propriamente a fundamentar e delimitar o recurso, mas a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado pela Relação aos meios de prova gravados relevantes, que tem oscilado, no seu conteúdo prático, ao longo dos anos e das várias reformas – indo desde a transcrição obrigatória dos depoimentos até uma mera indicação e localização exacta das passagens da gravação relevantes ( e que consta actualmente do art. 640º, nº2, al. a) do CPC) . II - Este ónus de indicação exacta das passagens relevantes dos depoimentos gravados deve ser interpretado em termos funcionalmente adequados e em conformidade com o princípio da proporcionalidade, não sendo justificada a imediata e liminar rejeição do recurso quando – apesar de a indicação do recorrente não ser, porventura, totalmente exacta e precisa, não exista dificuldade relevante na localização pelo Tribunal dos excertos da gravação em que a parte se haja fundado para demonstrar o invocado erro de julgamento - como ocorre nos casos em que, para além de o apelante referenciar, em função do conteúdo da acta, os momentos temporais em que foi prestado o depoimento complemente tal indicação é complementada com uma extensa transcrição, em escrito dactilografado, dos depoimentos relevantes para o julgamento do objecto do recurso.».[negrito nosso] - Acórdão de 21.03.2019 (proc. n.º 3683/16.6T8CBR.C1.S2)[3], disponível em www.dgsi.pt, que tem como sumário: «I. Para efeitos do disposto nos artigos 640º e 662º, n º1, ambos do Código de Processo Civil, impõe-se distinguir, de um lado, a exigência da concretização dos pontos de facto incorretamente julgados, da especificação dos concretos meios probatórios convocados e da indicação da decisão a proferir, previstas nas alíneas a), b) e c) do nº1 do citado artigo 640º, que integram um ónus primário, na medida em que têm por função delimitar o objeto do recurso e fundamentar a impugnação da decisão da matéria de facto. E, por outro lado, a exigência da indicação exata das passagens da gravação dos depoimentos que se pretendem ver analisados, contemplada na alínea a) do nº 2 do mesmo artigo 640º, que integra um ónus secundário, tendente a possibilitar um acesso mais ou menos facilitado aos meios de prova gravados relevantes para a apreciação da impugnação deduzida. II. Na verificação do cumprimento dos ónus de impugnação previstos no citado artigo 640º, os aspetos de ordem formal devem ser modelados em função dos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. III. Nesta conformidade, enquanto a falta de especificação dos requisitos enunciados no nº1, alíneas a), b) e c) do referido artigo 640º implica a imediata rejeição do recurso na parte infirmada, já, quanto à falta ou imprecisão da indicação das passagens da gravação dos depoimentos a que alude o nº 2, alínea a) do mesmo artigo, tal sanção só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso. IV. Tendo o recorrente, indicado, nas conclusões das alegações de recurso, o início e o termo de cada um dos depoimentos das testemunhas ou indicado o ficheiro em que os mesmos se encontram gravados no suporte técnico e complementado estas indicações com a transcrição, no corpo das alegações, dos excertos dos depoimentos relevantes para o julgamento do objeto do recurso, tanto basta para se concluir que o recorrente cumpriu o núcleo essencial do ónus de indicação das passagens da gravação tidas por relevantes, nos termos prescritos no artigo 640º, nº 2, al. a) do CPC, nada obstando a que o Tribunal da Relação tome conhecimento dos fundamentos do recurso de impugnação da decisão sobre a matéria de facto.». [negritos nossos]
- Acórdão de 04.06.2020 (proc. n.º 1519/18.2T8FAR.E1.S1)[4], consultável em www. jurisprudencia.csm.org.pt, assim sumariado, na parte que ora releva: «III. O art. 640.º do CPC estabelece que o recorrente no caso de impugnar a decisão sobre a matéria de facto deve proceder à especificação dos concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados, dos concretos meios probatórios que imponham decisão diversa e da decisão que deve ser proferida, sem, contudo, fazer qualquer referência ao modo e ao local de proceder a essa especificação. IV. Nesse conspecto tem-se gerado o consenso de que as conclusões devem conter uma clara referência à impugnação da decisão da matéria de facto em termos que permitam uma clara delimitação dos concretos pontos de facto que se consideram incorrectamente julgados, e que as demais especificações exigidas pelo art. 640.º do CPC devem constar do corpo das alegações. V. Vem-se, também, defendendo que a apreciação das exigências estabelecidas no art. 640.º do CPC se efectue segundo um critério de rigor que vise impedir que a impugnação da decisão da matéria de facto se banalize numa mera manifestação de inconsequente inconformismo sem, porém, se transmutar num excesso de formalismo que redunde na denegação da reapreciação da decisão da matéria de facto. VI. A apreciação da satisfação das exigências estabelecidas no art. 640.º do CPC deve consistir na aferição se da leitura concertada da alegação e das conclusões, segundo critérios de proporcionalidade e razoabilidade, resulta que a impugnação da decisão sobre a matéria de facto se encontra formulada num adequado nível de precisão e seriedade, independentemente do seu mérito intrínseco. VII. Tendo o recurso por objecto a impugnação da matéria de facto, não está o recorrente obrigado a proceder, nas conclusões, à reprodução textual do que se impugna, mostrando-se suficiente a mera indicação dos números sob os quais se encontram vertidos os factos impugnados.». [negritos nossos]
- Acórdão de 05.02.2020 (proc. n.º 3920/14.1TCLRS.L1.S1)[5]: «I - O critério relevante para apreciar a observância ou inobservância dos ónus enunciados no art. 640.º do CPC há-de ser um critério adequado à função e conforme aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade. II - Os ónus enunciados no art. 640.º do CPC pretendem garantir uma adequada inteligibilidade do fim e do objecto do recurso e, em consequência, facultar à contraparte a possibilidade de um contraditório esclarecido. III - Face aos princípios da proporcionalidade e da razoabilidade, a gravidade da consequência prevista no art. 640.º, n.os 1 e 2, do CPC – rejeição do recurso ou rejeição imediata do recurso – há-de ser uma consequência adequada, proporcionada e razoável considerando a gravidade da falha do recorrente. IV - A rejeição do recurso por inobservância do ónus secundário de facilitação do acesso aos meios de prova gravados deve restringir-se aos casos em que a inobservância do ónus secundário dificulta gravemente a actuação ou exercício do contraditório pelo recorrido ou a decisão do recurso pelo tribunal.». [negritos nossos] Apreciemos o caso concreto à luz da orientação explanada. Em sede de recurso de apelação, a A. indicou expressamente, nas conclusões E) e H), qual o ponto da matéria de facto impugnado (ponto 20), pugnando pela sua inclusão nos factos não provados. Tais conclusões são complementadas pelas alegações, onde se constata que, no ponto 4., indica com exactidão o início e o fim do depoimento de cada testemunha de que se serve para fundar a sua pretensão. Nesse ponto 4., a apelante, e ora Recorrente, tratou de resumir o depoimento das testemunhas que indicou, ainda que de forma sucinta, mas suficiente, permitindo que fosse exercido o contraditório: «4. Ora tais testemunhas prestaram depoimento gravado, a) Designadamente a testemunha FF, O seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, de 10:59:02 a 11:24:31, do dia 19.04.2021, Ora tal testemunha conforme decorre do seu depoimento refere ter ouvido dizer, consubstanciando depoimento indirecto sem qualquer outro meio de prova que o sustente, não sendo o mesmo cabal a dar como provado tal facto. b) A testemunha DD, cujo depoimento se encontra gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, de 10:18:46 a 10:41:05, do dia 23.04.2021, revelou total ausência de conhecimento directo, quando questionada quem lhe havia transmitido tais informações referiu-se à testemunha GG, não sendo tal confirmado pela mencionada testemunha, pelo que insusceptível de valoração. c) A testemunha GG, O seu depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática de 09:53:39 a 10:26:21, do dia 21.04.2021, onde o mesmo nega peremptória e taxativamente que alguma vez tenha ouvido à A. dizer qualquer das expressões elencadas no ponto 20 dos factos provados ou qualquer outra depreciativa. Por último a testemunha d) HH, cujo depoimento foi gravado através do sistema integrado de gravação digital, disponível na aplicação informática, de 11:08:53 a 11:29:07 do dia 27.04.2021, que somente informar o que ouviu dizer a outrem, não concretizando, nem sendo o seu depoimento susceptível de valoração quanto a tal facto porquanto sem conhecimento directo, consubstanciando depoimento de ouvir dizer , não tendo qualquer outro meio de prova que conciliado com este permi sse a valoração do mesmo pelo Tribunal a quo.».
De acordo com a supra referida orientação da jurisprudência deste Supremo Tribunal (cfr., entre muitos, os acórdãos do STJ de 03.10.2019 (proc. n.º 77/06.5TBGVA.C2.S277/06.5TBGVA.C2.S2), de 11.02.2021 (proc. n.º 4279/17.0T8GMR.G1.S1) e de 27.01.2022 (proc. n.º 225/16.7T8FAR.E2.S1), consultáveis em www.dgsi.pt, a rejeição da impugnação da matéria de facto «só se justifica nos casos em que essa omissão ou inexatidão dificulte, gravemente, o exercício do contraditório pela parte contrária e/ou o exame pelo tribunal de recurso». Ora, no caso dos autos, verifica-se que a apelada compreendeu o sentido da impugnação factual da apelante, tanto mais que nos pontos 45. a 60. das contra-alegações de apelação que apresentou, rebateu, com conhecimento, os fundamentos apresentados pela apelante. Conclui-se, pois, que a rejeição da impugnação do ponto 20 da matéria de facto não respeita o princípio da proporcionalidade dos ónus, cominações e preclusões impostos pela lei processual, princípio que é, como se afirmou supra, uma concretização tanto do princípio constitucional da proporcionalidade das restrições (cfr. art. 18.º, n.os 2 e 3, da CRP), como da garantia constitucional do processo equitativo (cfr. art. 20.º, n.º 4, da CRP). 9. Com a procedência da questão relativa ao não conhecimento da impugnação da matéria de facto, fica prejudicada a apreciação das demais questões objecto do presente recurso de revista (erro do acórdão recorrido na apreciação da questão da nulidade da sentença em matéria de qualificação do contrato dos autos; ilicitude da resolução do contrato dos autos e consequências indemnizatórias).
10. Pelo exposto, julga-se procedente o recurso, anulando-se o acórdão recorrido e determinando-se a baixa dos autos ao Tribunal da Relação para, se possível pelos mesmos Senhores Juízes Desembargadores, ser apreciada a impugnação da matéria de facto, na parte que foi rejeitada, com a subsequente apreciação da decisão de direito.
Custas do recurso pela Recorrida. Custas da acção e da apelação a final.
Lisboa, 13 de Outubro de 2022
Maria da Graça Trigo (Relatora)
Catarina Serra
Paulo Rijo Ferreira _______ [1] Relatado pela relatora do presente acórdão e votado, enquanto 2.ª Adjunta, pela Conselheira aqui 1.ª Adjunta. |