Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | FRANCISCO CAETANO | ||
Descritores: | HOMICÍDIO IN DUBIO PRO REO COMPETÊNCIA DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA MORTE NEXO DE CAUSALIDADE INTENÇÃO DE MATAR DOLO | ||
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Data do Acordão: | 07/09/2020 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
Decisão: | JULGADO O RECURSO IMPROCEDENTE. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO. | ||
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Sumário : | I - O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos que sejam incertos, a dúvida deve favorecer o arguido, tratando-se de um princípio de prova conjugado com aqueloutro da presunção de inocência do arguido, cujo conhecimento compete, ipso facto, ao tribunal da relação (arts. 428.º e 434.º, do CPP). II - O STJ só pode sindicar a sua violação se da própria decisão recorrida resultar que o tribunal teve dúvidas sobre a veracidade dos factos imputados ao arguido e, ainda assim, lhe atribui a sua autoria. III - O critério da imputação objectiva do resultado à acção é no nosso direito construída a partir da teoria da adequação ou da causalidade adequada, por sua vez fornecida pelo n.º 1 do art. 10.º do CP quando dispõe que quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo e para a valoração jurídica da ilicitude serão relevantes não todas as condições (como assim para a teoria das condições equivalentes), mas somente aquelas que segundo as máximas da experiência e a normalidade do acontecer (segundo o que é em geral previsível) são idóneas para produzir o resultado. IV - No caso concreto, a brutal agressão em que se traduziu a evisceração da vítima, pelo local do corpo atingido, com órgãos vitais e tendo em conta as características do meio utilizado, tudo era idóneo e apto a provocar o desfecho acontecido. V - De acordo com a factualidade provada, a tromboembolia fatal para a vítima foi uma “complicação” surgida das lesões traumáticas toraco-abdominais causadas pelo objecto corto-perfurante manejado pelo arguido recorrente, sendo que quaisquer outras circunstâncias (obesidade, pessoa fumadora, AVC reportado a há 10 anos atrás) não constituíram “qualquer concreto factor de risco acrescido”, para o resultado, sendo que, para além disso, a vítima sempre cumpriu com as indicações médicas. VI - Aliás, fazendo aqui um paralelo com o direito civil, que igualmente segue a doutrina da causalidade adequada (art. 563.º, do CC), na lição de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil, Anot, I, nota 3 ao art. 563.º) “o nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia da causalidade indirecta que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste”. VII - Ainda no mesmo âmbito, o Ac. desde STJ de 26-11-2009 (www.dgsi.pt) entendeu que “[o] art. 563.º do CC consagrou a doutrina da causalidade adequada, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como acusa adequada quando, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo” e “[t]al doutrina também não pressupõe exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado e admite a causalidade indirecta de tal sorte que basta que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano”. VIII - Seja a intenção de matar, seja a fixação dos elementos subjectivos do dolo, constituem matéria de facto cujo conhecimento se esgotou na Relação. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Proc. n.º 2275/15.1JAPRT.P2.S1 5.ª Secção Recurso penal
Acordam em audiência no Supremo Tribunal de Justiça:
I. Relatório No âmbito do Processo n.º 2275/15.1JAPRT.P2.S1do Juízo Central Criminal de ..., após julgamento com outros, por acórdão do tribunal colectivo foram condenados os arguidos ora recorrentes AA, este pela prática de um crime de ofensa à integridade física simples do art.º 143.º, n.º 1 do CP na pena de 10 meses de prisão e BB, pela prática de um crime de homicídio do art.º 131.º do CP, na pena de 9 anos e 6 meses de prisão, de um crime de ofensa à integridade física grave do art.º 144.º, alín. a), do mesmo diploma legal na pena de 3 anos de prisão e ainda de um crime de ofensa à integridade física simples do art.º 143.º, n.º 1, do mesmo diploma, em co-autoria com aquele, na pena de 1 ano de prisão e, em cúmulo, na pena única de 12 anos de prisão. Inconformados com tais condenações recorreram os arguidos para o Tribunal da Relação do Porto que, por acórdão de 15.01.2020, modificou/clarificou o ponto 4 da matéria de facto provada quanto à conduta do arguido AA, cuja pena reduziu de 10 para 8 meses de prisão e quanto ao arguido BB julgou totalmente improcedente o recurso com manutenção integral das condenações da 1.ª instância. Ainda inconformados, recorreram para este Supremo Tribunal. Após exame preliminar foi proferida decisão sumária a rejeitar o recurso do arguido AA, atenta a irrecorribilidade da decisão em função da medida da pena que lhe foi aplicada (art.º 400.º, n.º 1, alín. e), do CPP). Já o recorrente BB finalizou a motivação com as seguintes conclusões: “1) Foi o arguido, BB, condenado pelo tribunal de 1ª Instância, em cúmulo jurídico, na pena única de 12 anos de prisão, em virtude da condenação do mesmo, em concurso real, e na forma consumada nas seguintes penas parcelares: - 9 anos e 6 meses de prisão, pela prática em autoria material de 1 (um) crime de homicídio, p. e p. pelo art.º 131º do C. Penal; - 3 anos de prisão, pela prática em autoria material de 1 (um) crime de ofensa à integridade física grave, p. e p. pelo art.º 144º, alínea b) do C. Penal; - 1 ano de prisão, pela prática em co-autoria material de 1 (um) crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143º, n.º 1 do C. Penal; Porém, 2) O arguido, não se conformando com a decisão proferida e com as contradições existentes em tal decisão, interpôs recurso para o Tribunal da Relação do Porto. 3) Não obstante, lamentavelmente, o recurso interposto viria a ser julgado totalmente improcedente. 4) Contudo, não poderá, uma vez mais, o Recorrente aceitar a posição adoptada pelo Tribunal a quo, sinteticamente por não se encontrarem reunidos os elementos objectivos e subjectivos do crime de homicídio (art.º 131º do C. Penal) e cuja verificação se revela indispensável para o crime em questão possa ser imputado ao Recorrente. 5) Pelo que, a decisão do Tribunal a quo, deveria ter sido distinta da proferida, prevalecendo a Justiça. Vejamos: 6) Refere o art.º 131º do C. Penal que “Quem matar outra pessoa é punido com pena de prisão de 8 a 16 anos”, sendo essencial, o preenchimento do a) elemento objectivo que consiste em matar outra pessoa e o preenchimento do b) elemento subjectivo que pressupõe que o agente tenha actuado dolosamente. 7) No que tange ao elemento objectivo, de realçar que, a expressão “matar” pressupõe que ao agente é objectivamente imputável a produção de um resultado mortal”. (GARCIA, Miguez e RIO, Castela in “Código Penal – Parte geral e especial com notas e comentários”, Almedina, 2014). 8) Pelo que é categórica a necessidade de um NEXO CAUSAL entre a conduta proibida (causa) e um concreto resultado (efeito), e neste sentido, vide o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães de 03-05-2004, Proc. n.º 717/04-1, já supra elencado. Porém, 9) Bem sabendo que o ofendido faleceu devido a uma TROMBOEMBOLIA PULMONAR, seria imprescindível que a causa da morte do ofendido derivasse EXCLUSIVAMENTE da conduta do ora Recorrente. 10) O que, categoricamente não se poderá afirmar. 11) Nomeadamente porque, a causa da morte do ofendido, tromboembolia pulmonar poderá ser consequência de uma série de causa, tais como: repouso prolongado no leito, viagens prolongadas, diabetes, obesidade, tabagismo, idade superior a 00 anos, algumas doenças genéticas, acidentes vasculares cerebrais, etc. 12) Tal como se poderá aferir nos autos, o ofendido compartilhava de todas estas causas que poderiam perfeitamente ser o rastilho necessário à tromboembolia pulmonar. 13) Mas, contrariando o que seria aceitável, o tribunal a quo desconsiderou todos estes argumentos cientificamente fundamentados por profissionais competentes. 14) Afastando desta forma insensata, as evidências, que, em conjunto ou separadamente, poderiam ter sido a causa da morte do ofendido, e não a acção do arguido para com ofendido, como assim querem fazer crer! 15) Em suma, questiona-se o recorrente, como poderá o Tribunal a quo, afirmar, sem qualquer dúvida razoável, que o ofendido só faleceu DEVIDO ÀS FACADAS desferidas pelo Recorrente! Quando, 16) O ofendido faleceu uma semana após lhe ter sido dada alta médica, quando já se encontrava estável, e sem correr qualquer risco de vida. Certo é que, 17) O ofendido não cumpriu escrupulosamente os deveres que lhe foram impostos após a sua alta hospitalar, nomeadamente terá recusado a marcação de consulta de pós-operatório! (situação esta que também o Tribunal a quo desvalorizou). 18) Ao desvalorizar as inúmeras causas possíveis para o resultado morte, bem como, aos desconsiderar as evidências no que ao comportamento do ofendido após alta hospitalar se refere, o Tribunal a Quo contrariou “as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 25-03-2010, Proc. n.º 1058/08.0TACBR.C1). Aliás, 19) NEM OS MÉDICOS que acompanharam a situação [do] ofendido conseguiram eliminar toda e qualquer dúvida quanto às causas que originaram a morte do ofendido. 20) Como foi possível o Tribunal a Quo alcançar tal proeza? 21) Dúvidas não restam, que o Tribunal a Quo ignorou o princípio basilar do in dubio pro reo, que “sendo emanação do princípio da presunção de inocência surge como resposta ao problema da incerteza em processo penal, impondo a absolvição do acusado quando a produção de prova não permita resolver a dúvida inicial que está na base do processo. Se, a final, persiste uma dúvida razoável e insanável acerca da culpabilidade ou dos concretos contornos da actuação do acusado, esse non liquet na questão da prova tem de ser resolvido a seu favor (...) ”. 22) Ainda assim, da mesma forma, o elemento subjectivo do tipo não estava preenchido! 23) O dolo comporta um elemento intelectual, que “consiste na representação pelo agente de todos os elementos que integram o facto ilícito e na consciência de que esse facto é ilícito e a sua prática censurável” e um elemento volitivo que “consiste na especial direcção da vontade do agente na realização do facto ilícito” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 22-01-2014, Proc. n.º 2572/10.2TALRA.C1). 24) Ou seja, “O dolo pode ser definido, de uma forma sintética, como o conhecimento e vontade de praticar o facto” (Acórdão do Tribunal da Relação de Coimbra, de 04-03-2009, Proc. n.º 1184/08.5TBCBR.C1). 25) Podendo revestir uma de três modalidades, nos termos e para os efeitos do art.º 14º do C. Penal: “actuação com intenção de realizar o facto típico (dolo directo); aceitação da realização dos elementos do tipo objectivo como consequência necessária da conduta (dolo necessário); e conformação ou indiferença pela realização do resultado previsto como possível (dolo eventual).” 26) Poderá o tribunal aferir, com a certeza que se impõe: Se o Recorrente tinha intenção de matar o ofendido? Se existia essa intenção, qual o motivo pelo qual o arguido não desferiu golpes penetrantes/profundos, e até mesmo em zonas do corpo vitais? Se do arguido era matar o ofendido, porque não se fez aquele acompanhar de instrumentos com os quais pudesse obter tal resultado? 27) Certamente que o tribunal a quo não poderá responder com toda a certeza às questões supra elencadas, pelo que, deveria ter concluído que o ora Recorrente não agiu dolosamente. Até porque, 28) Os golpes desferidos pelo arguido, foram com o único intuito de conseguir fugir da contenda, até porque, não se fazia acompanhar de quaisquer objectos que pudessem ofender e / ou matar alguém, o que denota que não era esse o seu propósito!!! 29) Posto que, existiu sim um crime de ofensas à integridade física, porém, NUNCA um crime de Homicídio! 30) Pelo que, O tribunal a Quo, ao decidir da forma que decidiu, demonstrou total ausência de juízo em prol da verdade e justiça, pugnado tão-somente por mais uma condenação. Por todo o exposto, o presente Acórdão viola o(s) artigo(s) - 131º e 138º (?) do Código Penal - 13º, 32º e 205º da CRP. - 127° CPP Termos pelos quais, se requer, desde já, a realização da audiência, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 411°, n.º 5 do C.P.P. Termos em que por todo o exposto: O presente recurso deve ser julgado totalmente procedente, por provado, devendo, por conseguinte, ser revogado o Acórdão de que ora se recorre, e, nesse sentido, ser proferido outro que o substitua a decisão ora recorrida absolvendo o ora Recorrente do crime de homicídio pelo qual foi condenado”. O M.º P.º junto da Relação respondeu no sentido de que a matéria de facto ficou assente na Relação, não mais podendo ser discutida, a qual se subsume ao crime de homicídio com dolo eventual, devendo manter-se a condenação na pena única imposta. Realizada a audiência a requerimento do ora recorrente, o respectivo debate limitou-se à reiteração da posição sustentada nas conclusões da motivação. O Mº. P.º pronunciou-se pela improcedência do recurso, reiterando o teor da resposta oportunamente apresentada pelo M.º P.º junto da Relação. * II. Fundamentação Foi a seguinte a matéria de facto provada: - “1. No dia 10 de Agosto de 2015, pelas 18:30 horas, na esplanada do estabelecimento de cafetaria “...”, situado na Rua ..., n.º 000, …, em ... – ..., encontravam-se CC, a esposa, DD, e os filhos, EE e FF, que são respectivamente tios e primos da arguida GG. 2. Na sequência de um desentendimento familiar ocorrido pela hora de almoço desse mesmo dia, a arguida GG e o marido, o arguido HH, surgiram junto à referida esplanada acompanhados dos arguidos BB e AA. 3. Ao avistarem os ofendidos CC, EE e FF na esplanada, os arguidos GG e HH proferiram uma expressão que em concreto não foi possível apurar mas pelo menos indicadora de que os ofendidos que estavam em tal estabelecimento. 4. De imediato os arguidos BB e AA atravessaram a rua e dirigiram-se aos ofendidos, começando o BB por agredir o ofendido CC com um violento soco na zona ocular direita, que o fez cair da cadeira, e tendo de seguida o arguido BB agredido os três ofendidos EE e CC, e na companhia do arguido AA, o ofendido FF com vários socos no seu corpo. 5. Com o desenvolvimento da contenda, o arguido BB decidiu pegar numa faca que trazia consigo, com um cabo preto e semelhante a uma faca de mato mas cujas demais características não se apuraram. 6. Ao ver a faca, o comparsa AA expressamente lhe pediu que não a utilizasse, proferindo uma expressão semelhante a “ó pá, isso não”, e afastou-se do local, não tendo mais intervenção na contenda. 7. Sozinho perante os três ofendidos, o arguido BB utilizou a mencionada faca e atingiu o ofendido CC na zona abdominal, perfurando-o ao nível do hipocôndrio direito com passagem pela face antero-superior do fígado e terminando já dentro do saco pericárdio, que perfurou em cerca de 1 milímetro, numa trajectória da frente para trás (de anterior para posterior), de baixo para cima (de inferior para superior) e da direita para a esquerda (de lateral para medial) numa extensão de 15 centímetros. 8. Sequentemente, o mesmo arguido BB utilizou a mesma faca para golpear o ofendido EE na coxa da perna esquerda. 9. Em consequência das agressões físicas, o ofendido CC sofreu equimose na pálpebra inferior esquerda e subluxação dos dentes 12, 41 e 42. 10. E em consequência da perfuração, sofreu ferimento corto-perfurante extenso e profundo, na região abdominal, com sangramento activo e exposição do conteúdo abdominal, tendo de ser submetido a intervenção cirúrgica de emergência. 11. Apesar de ter tido alta hospitalar no dia 18.08.2015 veio a ser novamente internado e acabou por falecer, no dia 00.08.2015, pelas 22:25 horas, em consequência de uma tromboemolia pulmonar maciça surgida como complicação das lesões traumáticas toraco-abdominais causadas por objecto corto-perfurante ou como tal actuando e que foram submetidas a tratamento cirúrgico. 12. Em consequência das agressões, o ofendido EE sofreu ferimento incisivo na face externa da coxa esquerda com secção completa do nervo ciático e perda estimada de um litro de sangue ainda no local dos factos e teve de ser submetido a cirurgia de neurorrafia epidural e miorrafia. 13. Ficou com as seguintes lesões: hipossensibilidade no quinto dedo da mão esquerda, alterações tróficas do membro inferior direito com alteração da coloração e temperatura, atrofia acentuada da coxa esquerda (36cm) em relação à coxa contralateral (42cm) e da perna esquerda (30cm) em relação à perna contralateral (35cm), força muscular diminuída de todo o membro inferior esquerdo, flexão activa do joelho máxima aos 70 graus com rigidez articular, mobilidade do tornozelo e pé esquerdo abolidas, hipossensibilidade na face lateral e posterior da coxa e face postero-lateral da perna esquerdas, abolição de reflexos osteotendinosos plantar e anquiliano e cicatriz hipertrófica na face posterior da coxa esquerda em forma de “Z”. Lesões estas que ainda não estão estabilizadas e que determinaram, até ao dia 10.12.2015 (data de realização do exame), 122 (cento e vinte e dois) dias de doença com afectação grave da capacidade de trabalho do ponto de vista funcional. 14. Tais lesões terão repercussão permanente e previsivelmente significativa no estado de saúde do ofendido. 15. Em consequência das agressões, o ofendido FF sofreu escoriação superficial com 2,5 cm de comprimento e equimose com 5 cm de comprimento na região frontal do crânio, escoriação com 0,5 de diâmetro localizada lateralmente à extremidade distal do supracílio direito, escoriação com 0,5 cm por 0,3 cm a nível da concha do pavilhão auricular direito, equimose com 1,5 cm por 1 cm na pálpebra superior esquerda com escoriação com 1,5 cm de comprimento, e escoriação com 3 cm por 0,4 cm na região da arcada zigomática direita, lesões essas que terão determinado, de modo directo e necessário, 8 (oito) dias para cura sem afectação da capacidade de trabalho. 16. No dia 03 de Setembro de 2015, pelas 07:00 horas, o arguido II guardava na residência situada na Rua ..., n.º 000, em ... – ..., dentro de uma caixa no interior do armário do seu quarto: - uma soqueira de fabrico artesanal em metal, com área de inserção para três dedos encimados por espigões, feito a partir de secções de tubo redondo, e - uma faca borboleta com comprimento total de 18,5 cm, com uma lâmina corto-perfurante com 7,2 cm, dotada de um só gume com 6,3 cm. 17. Guardava ainda uma folha recortada do “Jornal de Notícias” de 27.08.2015 onde é noticiada a ocorrência dos factos descritos nesta acusação. 18. Nesse mesmo dia 03 de Setembro de 2015, pelas 08:10 horas, o arguido II guardava dentro do veículo “BMW 525”, com a matrícula 00-00-ZN” que utilizava, uma pistola de cor preta, réplica visualmente perfeita de uma arma de fogo “Glock 19”, com a marca “KJ” e o número de série “KJ0000”. 19. Os arguidos BB e AA actuaram do modo descrito com o propósito, de atingirem, aquele, os três ofendidos e, este, um dos ofendidos na sua integridade física. 20. Apesar de conhecer as características corto-perfurantes da faca, o arguido BB quis utilizá-la para desferir um golpe extenso e profundo no abdómen da vítima CC, ciente de que nessa zona se alojam órgãos vitais que se perfurados por instrumento com aquelas características podiam causar a morte, tendo-se conformado com essa possibilidade. 21. E quis utilizá-la para desferir um golpe na coxa do ofendido EE, ciente de que lhe podia causar lesões que afectassem gravemente a possibilidade de utilizar plenamente o corpo, tendo-se também conformado com essa possibilidade. 22. Fê-lo de forma voluntária, livre e consciente, contrariando a vontade do comparsa AA. 23. Os arguidos actuaram todos de forma livre, voluntária e consciente, bem cientes de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. 24. O arguido JJ, de modo livre, voluntário e consciente, sabendo que a detenção da soqueira e da faca de borboleta era proibida e que não estava autorizado a deter a referida reprodução de arma de fogo, quis deter tais armas, ciente de que tais condutas eram proibidas e punidas por lei. Mais se apurou que 25. BB apresenta dificuldades de realização pessoal determinadas tanto pela atitude de descomprometimento social como pela emergência de uma anti-sociabilidade criminal. 26. O seu processo social de desenvolvimento da personalidade decorreu no agregado de origem, em ambiente educativo prejudicado pela instabilidade amorosa materna e pela contínua exposição às descontinuidades, rupturas afectivas e às violências decorrentes tanto da perturbação do consumo de estupefacientes do progenitor, o qual terá sido morto durante a prática de um furto a um estabelecimento comercial, como pelos comportamentos de abuso físico violento cometidos pelo companheiro seguinte da progenitora, igualmente movido pela anti-sociabilidade toxicómana e criminal. 27. A progenitora, a única figura de suporte da prole de três, da qual o arguido é o mais velho, empenhou-se sozinha para assegurar as necessidades básicas do agregado através da actividade profissional foi insuficiente para superar a exiguidade financeira e as limitações pedagógicas de responsabilização e controlo das convivências desviantes, pelo que BB não progrediu além do 0º ano de escolaridade, habilitado pelos 00 anos de idade durante o cumprimento de medida tutelar educativa de internamento de 7 meses, no então Centro de Acolhimento, Educação e Formação, por suposta agressão a outro menor. 28. Os reduzidos hábitos de empenho e de persistência de BB bem como a desmotivação pelo investimento em objectivos de realização tanto formativa como profissional dificultaram a concretização de uma carreira laboral, limitada a uma atitude descuidada e um desempenho irregular pelo que as entidades empregadoras não o consideram fiável, incorrendo em diversos períodos de desemprego, ociosidade e preferência pelos convívios com pares e a diversão nocturna. 29. Neste itinerário social BB voluntariou-se aos 00 anos para o serviço militar nas tropas ... porém, iguais dificuldades de adaptação às exigências motivaram o abandono da unidade após 6 ou 7 meses da admissão. Estabeleceu relacionamento amoroso entretanto terminado, do qual tem uma filha menor, os investimentos profissionais conturbados pela irregularidade do desempenho, e que em associação com um estilo de vida desorganizado facilitaram a prática criminal, variável e persistente entre os anos de 2000 e 2011. 30. Assim, pela autoria dos crimes de furto, condução sem habilitação legal, injúrias, roubo, detenção de arma proibida, BB sofreu sete condenações, todas já extintas, quatro em penas de multa extintas pelo pagamento e três de prisão, suspensas na sua execução, igualmente extintas pelo cumprimento. 31. A saber, o arguido sofreu uma condenação na pena de 90 dias de multa, à taxa diária de então 600$00, pela prática a 24.03.2000 de um crime de condução sem habilitação legal; uma condenação em pena de 70 dias de multa, à taxa diária de então 800$00, pela prática a 11.01.2000 de um crime de injúrias agravadas; na pena de 3 anos de prisão, suspensa na sua execução, pela prática a 1.10.2004 de um crime de roubo; 180 dias de multa, à taxa diária de então 500$00 e 200 dias de multa, à taxa diária de €5,00, pela prática, respectivamente a 12.11.2000 e 10.12.2007 de crimes de detenção de arma proibida; e ainda pela prática deste mesmo crime a 25.09.2002, na pena de 10 meses de prisão cuja execução foi suspensa. Finalmente, sofreu uma condenação na pena de 9 meses de prisão cuja execução foi suspensa pela prática a 9.06.2011 de um crime de furto qualificado na forma tentada – tudo nos termos que se alcançam do CRC de fls. 1127 a 1132 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 32. À data dos factos em causa nos presentes autos, BB compunha o agregado materno persistia na condição de desempregado ocupando o seu quotidiano em convívio familiar ou com pares em idênticas circunstâncias. 33. O arguido dispõe de acolhimento familiar e habitacional no agregado materno, composto pela progenitora e irmão, este último desempregado, domiciliado na Rua …, 000 0º … 0000-000 ..., ..., correspondente a um apartamento de tipologia 3 arrendado, com condições de conforto, inserido em complexo habitacional camarário, conotado com problemáticas a nível de exclusão social, desemprego e criminalidade. 34. A subsistência quotidiana é assegurada, em exclusivo, pelos rendimentos laborais obtidos por KK de €500 mensais, resultando do exercício das funções profissionais de ..., uma vez que BB e o irmão são elementos não contributivos e dependentes daquele suporte. 35. BB está preso preventivamente no EP… desde o dia 27-08-2015, à ordem destes autos. 36. A conduta adoptada pelo arguido em meio prisional foi alvo duas sanções disciplinares com três dias e outra de quatro dias de cela disciplinar por envolvimento em altercação e por posse de telemóvel, cartão de activação, 1 micro SD e carregador artesanal. 37. Sem ocupação, é a primeira vez que BB se confronta com a situação de privação da liberdade e de convivência em meio carcerário manifestando preocupação com a acusação e a gravidade dos factos, entendidos como danosos para as vítimas. Tende a minimizar a conduta anti-social e a não reconhecer a falta de controlo da impulsividade expressando-se como uma pessoa generosa permeável às influências alheias. 38. A rede vicinal contactada manifesta apreço por BB, o qual se salientaria pela positiva relativamente a outros elementos residentes no local, igualmente sujeitos a confronto com o sistema judicial penal com alguma frequência. 39. A análise biográfica e do curso evolutivo da trajectória de vida de BB evidencia a construção de uma individualidade definida pelas dificuldades de adaptação às exigências sociais, instabilidade pessoal, convivências desviantes e dificuldade de controlo da impulsividade e insensibilidade às anteriores intervenções da justiça apresentando um itinerário criminal persistente. 40. BB detém condições de acolhimento e de suporte no agregado materno que lhe possibilita as condições mínimas de reorganização. 41. O processo de socialização do arguido HH decorreu, até aos 00 anos, no contexto do agregado familiar de origem, composto pelos progenitores, o próprio e um irmão mais velho, sendo a actuação parental caracterizada como responsabilizante e exigente no cumprimento de normas. 42. A economia doméstica, suportada nos rendimentos auferidos pelos progenitores, foi vivenciada como confortável. 43. Os pais de HH separaram-se quando aquele contava 00 anos de idade mas os progenitores mantiveram relacionamento de cordialidade pelo que ambos continuaram figuras presentes no seu processo educativo, constituindo-se o pai como figura de referência, nomeadamente, ao nível da afectividade. 44. HH, após a conclusão do 0º ano de escolaridade, coincidente com acidente de trabalho do pai que o incapacitou para o trabalho, tomou a decisão de abandonar o sistema do ensino, passando a trabalhar com a mãe num … que aquela detinha à exploração. 45. O arguido, posteriormente, trabalhou na área da … e como … em várias empresas, desempenhando as referidas funções desde 10-01-2012 na empresa “…”. 46. HH contraiu matrimónio em Agosto de 2009, não tendo, ainda, descendentes. 47. À data da ocorrência dos presentes factos o arguido residia com a cônjuge e a progenitora e avó paterna daquela, tendo em momento posterior efectuado mudança de residência para a morada constante dos autos, habitação arrendada pelo montante de 350 €, sedeada em zona periurbana, com características de dormitório e sem conotação com especiais problemáticas criminais. 48. As despesas domésticas são asseguradas com recurso os rendimentos auferidos pelo arguido, no valor de 530 € e do cônjuge no montante de 350 €. 49. A relação de conjugalidade é vivenciada pelo arguido como gratificante, referindo também manutenção de proximidade afectiva aos progenitores e irmão. 50. O arguido gere o seu quotidiano de acordo com o cumprimento das obrigações laborais, face às quais evidencia valorização e empenho, e com convívios com familiares e pares, pessoas que afirma registo de inserção social normativa e isenta de contactos com o sistema da justiça. 51. No meio sócio-residencial, atentas as características de dormitório, não foi possível a recolha de informação sobre a prestação social do arguido. 52. No contacto efectuado com o chefe de equipa de trabalho de HH, aquele caracterizou-o como um profissional responsável, que cumpre as orientações superiores e regista interacção adequada com pares e superiores hierárquicos, quer no local de trabalho, quer no tempo de lazer colectivo, que ocorre uma vez por semana na prática desportiva de …. 53. HH manifesta sentimentos de apreensão e vergonha face à vivência da sua actual situação jurídica, razão apontada para só ter comunicado a sua actual situação jurídica ao superior directo no local de trabalho. 54. O arguido, em abstracto, posiciona-se face à natureza de factos similares de forma crítica, reconhecendo ilicitude dos mesmos e admitindo os prejuízos para as vítimas. 55. HH não antecipa, face à sua representação dos factos, condenação. 56. HH denota um percurso de vida, maioritariamente, normativo em que o desempenho de actividade laboral sobressai com um valor de sustentação e autonomia. 57. Das informações coligidas, o arguido denota uma inserção laboral e social estruturada, sendo, também, sendo, também, referida interacção familiar de proximidade afectiva e securizante. 58. Não tem antecedentes criminais. 59. O processo de desenvolvimento psicossocial da arguida GG decorreu em contexto do núcleo familiar de origem, composto pela própria, progenitores, duas irmãs mais velhas e a avó paterna, sendo a dinâmica caracterizada como funcional e modelo educativo responsabilizante. 60. O pai de GG faleceu quando aquela contava 00 anos, facto que terá propiciado desenvolvimento de especial aproximação afectiva à progenitora. 61. GG concluiu o 0º ano de escolaridade, aos 00 anos, decidiu abandonar o sistema do ensino e integrar o mercado do trabalho, passando a laborar como empregada de …, actividade profissional que tem vindo a desempenhar desde então. 62. GG contraiu matrimónio em Agosto de 2009, não tendo, ainda, descendentes. 63. À data da ocorrência dos presentes factos a arguida residia com o cônjuge, a progenitora e avó paterna, tendo em momento posterior efectuado mudança de residência para a morada constante dos autos, habitação arrendada pelo montante de 350€, sedeada em zona periurbana, com características de dormitório e sem conotação com especiais problemáticas criminais. 64. As despesas domésticas são asseguradas com recurso os rendimentos auferidos pela arguida, no valor de 350€ e do cônjuge no montante de 530€. 65. GG após cessação de contrato laboral com empresa de … de prestação de serviços no Estabelecimento de ..., foi colocada, no âmbito de programa ocupacional promovido pelo Instituto do Emprego e Formação Profissional, na Santa Casa da Misericórdia da …- Lar de 3ª Idade ..., desempenhando tarefas na …. 66. No contacto efectuado com a responsável laboral, a arguida foi caracterizada como profissional responsável e com registo de interacção adequada com superiores hierárquicos e pares. 67. A relação de conjugalidade é vivenciada pela arguida como gratificante. 68. No meio sócio-residencial, atentas as características de dormitório, não foi possível a recolha de informação sobre a prestação social da arguida. 69. GG refere que a sua actual situação jurídica lhe tem aportado, ao nível pessoal, sentimentos de vergonha e ansiedade, tendo, também, vivenciado impacto negativo ao nível profissional, já que nessa sequência ficou em situação de desemprego. A cessação de contrato de trabalho, foi segundo a arguida, acordada entre a entidade empregadora e a própria, atento a primeira considerar inconveniente mantê-la a executar tarefas no Estabelecimento Prisional de ..., pela visibilidade mediática que, então, a situação registou nos meios de comunicação social. 70. Para além do referido impacto, a arguida afirma que a mudança de residência ocorreu, também, devido à vivência da actual situação jurídica, atenta a necessidade sentida de se afastar do anterior meio de residência. 71. A arguida, em abstracto, posiciona-se face à natureza de factos similares de forma crítica, reconhecendo ilicitude dos mesmos e admitindo os prejuízos para as vítimas. 72. GG não antecipa, face à sua representação dos factos, condenação. 73. GG denota um percurso de vida, maioritariamente, normativo e inserção familiar funcional e de proximidade afectiva. 74. A arguida denota registo de percurso laboral regular e empenho na manutenção de integração laboral. 75. Não tem antecedentes criminais. 76. O processo educativo de II decorreu na família nuclear, constituída pelos progenitores e um descendente, um agregado percepcionado como equilibrado do ponto de vista das relações inter e intrapessoais. Pai e mãe, empresários, no ramo da … , representam, respectivamente, a figura da autoridade e da imposição regras na família e da transmissão de afectos. 77. Ingressou no sistema de ensino aos … anos de idade, tendo concluído o 0.º ano, através da Formação em … - curso de …, num percurso que regista duas retenções escolares, no 0.º e no 0.º ano de escolaridade, sem problemas de comportamento, porém muito pouco motivado para a componente lectiva. 78. II aos 00 anos de idade, depois de ter concluído a formação referenciada, regista o primeiro emprego, na empresa …, instrumentação e automação, propriedade de uns tios. 79. Em Maio de 2015 emigrou para a …, com licença sem vencimento, exercendo a profissão de …. Regressou dois meses depois, alegadamente pela oferta de emprego não ter correspondido às suas expectativas laborais, tendo sido readmitido na …, onde permanece há, aproximadamente, oito anos. 80. Os factos constantes da acusação abrangem um período em que o arguido se encontrava em ..., na casa de familiares, tio materno, em gozo de férias. 81. Profissionalmente activo e residindo com os progenitores na morada indicada nos autos, o arguido não regista qualquer tipo de despesa para além de gastos pessoais com tabaco e roupa. Exerce a profissão como ajudante de …, auferindo o salário base de € 600 (seiscentos euros) mensais, acrescido de prémios de assiduidade e de responsabilidade, podendo materializar um salário líquido no valor de cerca de €1600. 82. A dinâmica familiar é avaliada como positiva e funcional, destacando-se os elos de proximidade e coesão prevalecentes nesta esfera. 83. O arguido, no seu tempo livre, privilegia o convívio com a namorada, com quem mantém um relacionamento afectivo há cinco anos, e com familiares da sua faixa etária, referindo ter poucos amigos e alguns conhecidos, destes alguns com registo de práticas criminais. 84. Na deslocação ao contexto residencial não foram reportados quaisquer comportamentos desfavoráveis e/ou desajustados a nível social, parecendo integrar um núcleo familiar revelador de adequadas condições e padrões de vivência social normalizados. 85. Os factos adjacentes aos presentes autos, cuja ilicitude em termos abstractos o arguido reconhece, configuram o seu primeiro envolvimento com o sistema da justiça penal, vivenciando um período aparentemente tranquilo quanto ao desfecho dos mesmos. O processo não reproduziu alterações significativas na inserção sociofamiliar, não lhe acarretando consequências imediatas e nefastas, pese embora esteja a ser vivenciada uma situação de angústia, centrada na família nuclear. 86. O processo de desenvolvimento e aquisição de competências pessoais de II, filho único, decorreu inserido na família nuclear, um contexto sem indicadores de disfunção ao nível educativo e de socialização, registando e mantendo hábitos de trabalho, com relações familiares e interligação a grupo de pares de conduta pró-social. 87. Concluiu o 0.º ano de escolaridade - Formação em … -curso de … iniciando actividade profissional que se revela estruturada e contínua. 88. O arguido mantém residência em casa dos progenitores, suportando paralelamente uma relação de namoro gratificante. 89. Usufrui de uma situação financeira equilibrada, resultante da actividade profissional que o próprio exerce como ajudante de …, numa empresa de soluções de …, instrumentação e automação, propriedade de um tio materno. 90. Embora não tenham sido identificadas especiais necessidades de intervenção, em caso de eventual condenação e se a pena concretamente aplicada assim o permitir, o arguido reúne características pessoais para o cumprimento de uma medida de execução na comunidade, que passe pela promoção da interiorização do desvalor da sua conduta e manutenção regular do exercício laboral. 91. Não tem antecedentes criminais. 92. AA é proveniente de uma família de estatuto socioeconómico desfavorecido, constituído pelos progenitores e três descendentes do casal, dos quais é o primogénito. 93. O contexto de precaridade económica foi agravado pela situação de doença crónica da progenitora, incapacitada para o trabalho, assim como pela separação dos progenitores, tinha AA 0 anos de idade. Natural de ..., o progenitor é desde então uma figura ausente, mantendo-se alheado da realidade familiar e das responsabilidades parentais. 94. No sistema de ensino, as aquisições de AA não ultrapassam o 0º ano de escolaridade, situando-se aquém do nível básico obrigatório. É referido um percurso escolar globalmente adequado e isento de problemas disciplinares. 95. Tendo em conta o quadro de restrição económica, aos 00 anos de idade preteriu a escolarização em função do início de actividade laboral remunerada. Sem formação ou qualificação profissional específica, manteve o estatuto de aprendiz/ ajudante e experiências diversificadas de trabalho, de carácter manual e indiferenciado, no sector da …, na área da …, … entre outros, com acentuada mobilidade e períodos significativos de inactividade. 96. Tinha 00 anos de idade quando foi confrontado pela primeira vez com a experiência da paternidade, com o nascimento do descendente em … de 0000, na sequência de uma relação de namoro sem continuidade. 97. AA apresenta antecedentes criminais na prática de crimes de roubo, a primeira em Outubro de 2004, em co-autoria com o seu co-arguido nos presentes autos, BB, e ainda em Abril de 2008, desta feita condenado na pena de 2 anos e 6 meses de prisão, suspensa na sua execução, com regime de prova, e com decisão transitada em julgado em 27-01-2010. Neste contexto evidenciou níveis diminutos de envolvimento e permeabilidade pessoal à intervenção técnica. Registou uma presença irregular nos serviços de reinserção social e escassa colaboração no cumprimento dos objectivos e acções previstos no plano de reinserção social, nomeadamente de estruturação laboral ou formativa. 98. Sofreu ainda duas outras condenações – na pena de 2 anos e 3 meses de prisão cuja execução foi suspensa por 3 anos, pela prática a 1.10.2004 de um crime de roubo e na pena de 14 meses de prisão, cuja execução foi suspensa por igual período de tempo mediante acompanhamento com regime de prova, pela prática a 30.06.2011 de um crime de resistência e coacção sobre funcionário – tudo nos termos que se alcançam do CRC de fls. 1133 a 1135 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido para os devidos e legais efeitos. 99. Actualmente com 00 anos de idade e com um trajecto laboral descontínuo, apesar dos compromissos familiares decorrentes da paternidade, AA não conseguiu alicerçar uma inserção social autónoma, compatível com o estatuto de adulto. 100. Tal como à data dos factos a que se reportam os autos, mantém coabitação junto da progenitora, sexagenária e com reforma antecipada por invalidez, devido a problemas de saúde de natureza .... 101. Com inserção sócio-habitacional estável, residem num apartamento de tipologia 3, com adequadas condições de habitabilidade e conforto, inserido em conjunto habitacional camarário onde o desfavorecimento e precaridade económica coexistem com outras problemáticas sociais de exclusão e criminalidade. 102. Os recursos económicos são maioritariamente assegurados pela pensão de reforma atribuída à progenitora, na ordem dos 260 euros/mês, a que acresce uma ajuda regular da igreja local, sob a forma de géneros alimentares. 103. AA encontra-se em situação de desemprego continuado e persistente. Esporadicamente realiza trabalhos de curta duração e pequenos biscates, sendo incertos os rendimentos assim auferidos. A sua ligação a meios relacionados com a prática de …, na modalidade de …, desporto a que se tem dedicado com regularidade nos últimos cinco anos, tem-lhe proporcionado o exercício ocasional de tarefas de …/ …, em espaços de …. Assim, na vertente laboral o trajecto do arguido carece de estruturação, consistência e intencionalidade, persistindo condições de aleatoriedade. 104. Ao nível afectivo e no que se refere às responsabilidades parentais, AA evidencia níveis igualmente diminutos de compromisso e intencionalidade. Menciona o envolvimento em novo relacionamento afectivo que perdura há cerca de quatro anos e de que resultou o nascimento da sua segunda descendente, em … de 0000. As duas descendentes, de relações distintas, e hoje com 0 e 0 anos de idade, permanecem ao cuidado e responsabilidade das respectivas progenitoras. 105. A rede de relações sociais de AA decorre essencialmente da pertença comunitária, reunindo-se nos cafés próximos à residência, com o grupo de pares provenientes do meio circunvizinho e igualmente desprovidos de ocupação. À data dos factos, mantinha uma relação próxima de amizade com BB, seu co-arguido do actual processo. 106. Na área de residência é referida uma inserção ajustada, adequação nas interacções pessoais e relações de vizinhança. AA é considerado cordato e de bom trato, não sendo sinalizados episódios de desadequação pessoal nem sentimentos de oposição ou animosidade, na comunidade local. 107. AA continua a usufruir da aceitação, confiança e retaguarda do seu contexto sociofamiliar, não se constatando alterações significativas ao nível das rotinas e condições pessoais de inserção. 108. Reconhece a censurabilidade e gravidade do tipo de condutas visadas, manifestando crítica pessoal face à situação de ilicitude que está na origem dos presentes autos. 109. Apresenta também uma postura de censura e questionamento pessoal face aos antecedentes criminais, identificando o carácter desadequado e transgressivo do seu percurso, que considera ter entretanto ultrapassado. 110. Manifesta sentimentos de inquietude e ansiedade face ao desfecho do actual processo e aguarda com expectativa a sua resolução, excluindo a hipótese de condenação. Contudo, sendo provada a sua responsabilidade criminal, afirma-se receptivo para aderir e cumprir uma medida a ser executada na comunidade. 111. Relativamente ao quadro sociofamiliar de origem de AA parece-nos importante destacar o desfavorecimento económico, agravado pelo afastamento do progenitor, quando tinha 0 anos de idade, e a inserção habitacional em conjunto habitacional camarário, onde coexistem várias problemáticas de exclusão social. 112. No sistema de ensino as aquisições de AA situam-se a um nível elementar, aquém da escolaridade obrigatória, sucedendo-se um trajecto laboral descontínuo, com experiências diversificadas de trabalho pouco qualificado. Apresenta inserção laboral esporádica, predominando os períodos de inactividade. 113. Apesar dos compromissos familiares decorrentes da paternidade, AA não conseguiu alicerçar uma inserção social autónoma, compatível com o estatuto de adulto. 114. Com condenações anteriores pela prática de crimes contra a propriedade, manifesta uma atitude de reconhecimento crítico e de questionamento pessoal, face ao carácter desadequado e transgressivo do seu percurso, que considera ter ultrapassado. Do pedido de indemnização civil resultou provado que (ressalvado o que traduz a repetição do já descrito na acusação pública/pronúncia) 115. Os ofendidos EE, FF, DD e CC viviam no estrangeiro em comunhão de casa, mesa e habitação. 116. Constituíam, os quatro, um agregado familiar que vivia em economia comum. 117. Em resultado da factualidade imputada na acusação aos arguidos a realidade dos ofendidos alterou-se, pois a morte do seu pai e marido e as lesões corporais infligidas ao EE tiveram e têm consequências nas suas vidas pessoais e familiares. 118. Os ofendidos vivem a dor da perda de um ente que lhes era querido. 119. Nos dias e semanas que se seguiram às agressões, os ofendidos foram acolhidos pela APAV, em ..., Fundação ..., a partir do dia 3 de Setembro, onde permaneceram por tempo que não foi possível determinar. 120. Nesse período de tempo os ofendidos deixaram de trabalhar, não auferindo qualquer remuneração pelo seu trabalho. 121. O pai e marido dos ofendidos tinha, à data da sua morte, 47 anos de idade. 122. Com os seus filhos e mulher, aqui ofendidos/demandantes trabalharam na empresa ..., sita em ... como sub-contratados para serviços de … que executaram entre Junho de 2011 e Junho de 2015, auferindo um rendimento médio mensal conjunto variável entre as 14.000£ e as 16.000£ como trabalhadores por conta própria e trabalhando como sub-contratados. 123. O pai e marido dos ofendidos foi levado com urgência para o Hospital ... em ... onde foi submetido a intervenção cirúrgica de emergência. 124. Foi anestesiado. 125. Foi-lhe ministrada medicação. 126. Esteve nos cuidados intensivos e nos cuidados intermédios. 127. Sofreu dores intensas e prolongadas. 128. Temeu pela sua vida. 129. Ficou internado durante 8 dias. 130. O ofendido EE foi transportado de urgência para o Hospital de ..., em .... 131. Foi depois transferido para o Hospital de … no …, onde foi submetido a cirurgia de neurorrafia epidural e miorrafia. 132. Posteriormente, regressou ao Hospital de ..., em ..., onde continuou a ser tratado e a recuperar das suas lesões. 133. Esteve internado 8 dias. 134. Sofreu dores físicas intensas. 135. O ofendido FF sofreu dores físicas em resultado das agressões sofridas. 136. Foi tratado e medicado. 137. A ofendida DD presenciou as agressões perpetradas pelos arguidos. 138. Viu os seus filhos e marido serem gravemente feridos, especialmente através da utilização de uma faca pelo arguido BB. 139. Viveu momentos de pânico. 140. Temeu pela vida do marido e dos seus filhos. 141. Em virtude dos factos supra descritos perdeu o seu marido com quem estava casada há cerca de 00 anos”. Na sequência de novo julgamento determinado pela Relação foram ainda considerados provados os seguintes factos: “A. O Ofendido CC era pessoa obesa; era fumador e havia sofrido um avc há cerca de 10 anos em relação aos factos supra descritos. B. Após alta clínica/médica do hospital, o ofendido foi assistido no centro de saúde, onde se dirigia para fazer também os curativos e pensos na ferida cirúrgica e remover os respectivos pontos, mormente nos dias 21 e 00.08.2015. C. Durante o internamento e cirurgia não foram constatadas nem registadas quaisquer intercorrências médicas/no seu estado de saúde ou que traduzissem qualquer concreto factor de risco acrescido, mormente em consequência ou relacionadas com o descrito em A. D. Durante a convalescença e após a referida alta o ofendido CC cumpria as indicações médicas, incluindo os períodos de descanso”. Não se provou (nesse âmbito) que: “A.1 O trombo que se formou e originou a embolia pulmonar maciça que, por sua vez, foi causa da morte do ofendido já se havia formado e existia previamente à lesão sofrida e tal como supra descrita. A.2 A sobredita tromboembolia pulmonar foi por alguma forma causada ou potenciada pelas circunstâncias descritas em A dos factos provados supra”. * 2. Preliminarmente, dir-se-á que o recorrente BB, ainda que tacitamente, limitou o âmbito do recurso ao crime de homicídio, questionando, quanto ao seu elemento objectivo, o nexo de causalidade entre a acção e o resultado e a intenção de matar quanto ao elemento subjectivo, sobre o que invocou violação do princípio in dubio pro reo, para concluir que a sua conduta integra, afinal, não aquele tipo legal de crime, mas um crime de ofensas à integridade física, supõe-se, agravado pelo resultado. Não colocou em causa as condenações nas penas parcelares dos crimes de ofensa à integridade física, o que sempre seria irrecorrível nos termos das alíneas e) e f) do n.º 1 do art.º 400.º do CPP, nem a determinação da medida da pena única. * 2.1. O princípio in dubio pro reo estabelece que na decisão de factos que sejam incertos, a dúvida deve favorecer o arguido. Trata-se de um princípio de prova conjugado com aqueloutro da presunção de inocência do arguido, cujo conhecimento compete, ipso facto, ao tribunal da relação (art.ºs 428.º e 434.º do CPP). O Supremo Tribunal de Justiça só pode sindicar a sua violação se da própria decisão recorrida resultar que o tribunal teve dúvidas sobre a veracidade dos factos imputados ao arguido e, ainda assim, lhe atribui a sua autoria. Adiantando a conclusão, face ao texto do acórdão recorrido, que por sua vez confirmou o acórdão do tribunal colectivo, não resulta que, por si ou em conjugação com as regras da experiência comum, o processo decisório tivesse desembocado num estado de dúvida sobre aqueles elementos (ou outros) que devesse ser valorada a favor do arguido. * 2.2. Recortando da matéria de facto provada na parte correspondente ao crime de homicídio, por que foi condenado o recorrente, temos o seguinte: “5. Com o desenvolvimento da contenda, o arguido BB decidiu pegar numa faca que trazia consigo, com um cabo preto e semelhante a uma faca de mato mas cujas demais características não se apuraram. 6. Ao ver a faca, o comparsa AA expressamente lhe pediu que não a utilizasse, proferindo uma expressão semelhante a “ó pá, isso não”, e afastou-se do local, não tendo mais intervenção na contenda. 7. Sozinho perante os três ofendidos, o arguido BB utilizou a mencionada faca e atingiu o ofendido CC na zona abdominal, perfurando-o ao nível do hipocôndrio direito com passagem pela face antero-superior do fígado e terminando já dentro do saco pericárdio, que perfurou em cerca de 1 milímetro, numa trajectória da frente para trás (de anterior para posterior), de baixo para cima (de inferior para superior) e da direita para a esquerda (de lateral para medial) numa extensão de 15 centímetros. 10. E em consequência da perfuração, sofreu ferimento corto-perfurante extenso e profundo, na região abdominal, com sangramento activo e exposição do conteúdo abdominal, tendo de ser submetido a intervenção cirúrgica de emergência. 11. Apesar de ter tido alta hospitalar no dia 18.08.2015 veio a ser novamente internado e acabou por falecer, no dia 00.08.2015, pelas 22:25 horas, em consequência de uma tromboemolia pulmonar maciça surgida como complicação das lesões traumáticas toraco-abdominais causadas por objecto corto-perfurante ou como tal actuando e que foram submetidas a tratamento cirúrgico. 19. Os arguidos BB e AA actuaram do modo descrito com o propósito, de atingirem, aquele, os três ofendidos e, este, um dos ofendidos na sua integridade física. 20. Apesar de conhecer as características corto-perfurantes da faca, o arguido BB quis utilizá-la para desferir um golpe extenso e profundo no abdómen da vítima CC, ciente de que nessa zona se alojam órgãos vitais que se perfurados por instrumento com aquelas características podiam causar a morte, tendo-se conformado com essa possibilidade. 22. Fê-lo de forma voluntária, livre e consciente, contrariando a vontade do comparsa AA. 23. Os arguidos actuaram todos de forma livre, voluntária e consciente, bem cientes de que as suas condutas eram proibidas e punidas por lei. A. O Ofendido CC era pessoa obesa; era fumador e havia sofrido um avc há cerca de 10 anos em relação aos factos supra descritos. B. Após alta clínica/médica do hospital, o ofendido foi assistido no centro de saúde, onde se dirigia para fazer também os curativos e pensos na ferida cirúrgica e remover os respectivos pontos, mormente nos dias 21 e 00.08.2015. C. Durante o internamento e cirurgia não foram constatadas nem registadas quaisquer intercorrências médicas/no seu estado de saúde ou que traduzissem qualquer concreto factor de risco acrescido, mormente em consequência ou relacionadas com o descrito em A. D. Durante a convalescença e após a referida alta o ofendido CC cumpria as indicações médicas, incluindo os períodos de descanso”. A propósito do elemento subjectivo do crime de homicídio sustenta o recorrente que, tendo a vítima CC falecido devido a tromboembolia pulmonar, para que a morte lhe pudesse ser imputada necessário seria que esse efeito se devesse exclusivamente à sua conduta agressiva, o que não aconteceu, dado que a tromboembolia pulmonar pode dever-se a múltiplas outras causas. Concluiu, assim, que não se poderá afirmar de forma inequívoca que o ofendido veio a falecer tão-somente devido às facadas desferidas pelo recorrente, não faleceu nem imediatamente após a facada, nem durante a cirurgia, nem após, teve alta médica, vindo a falecer uma semana depois, além do que poderia não ter cumprido as prescrições médicas para o pós-operatório. Trata-se de toda uma alegação ao arrepio da matéria de facto provada (em definitivo) fixada na sequência do novo julgamento da matéria de facto a que houve lugar e acima elencada e sobre que depuseram peritos médicos que assistiram a vítima ou que efectuaram o subsequente exame de autópsia. A questão que vem colocada tem, assim, a ver com a imputação objectiva do resultado à acção no que respeita ao crime de homicídio, que é, por natureza, um crime de resultado (morte de outra pessoa). A esse propósito se pronunciou o acórdão recorrido nos seguintes termos: “Sobre a causalidade da morte, nas conclusões de recurso, enfatiza-se no ponto 45 (segundo ponto com esta numeração) que a zona não é vital, o que manifestamente não é correcto, porquanto, trata-se de uma importante zona, onde existem órgãos vitais como o fígado (que aliás fora atingido pelo golpe profundo desferido pelo arguido). Apurou-se que o arguido atingiu com uma faca o ofendido CC na zona abdominal, perfurando-o ao nível do hipocôndrio direito com passagem pela face antero-superior do fígado e terminando já dentro do saco pericárdio, que perfurou em cerca de 1 milímetro, numa trajectória da frente para trás (de anterior para posterior), de baixo para cima (de inferior para superior) e da direita para a esquerda (de lateral para medial) numa extensão de 15 centímetros. Em consequência da perfuração, sofreu ferimento corto-perfurante extenso e profundo, na região abdominal, com laceração hepática e do pericárdio, com sangramento activo e exposição do conteúdo abdominal, tendo de ser submetido a intervenção cirúrgica de emergência. Portanto, um golpe profundo no abdómen, atingindo o fígado e o pericárdio, é manifestamente uma lesão muito grave e extensa, não deixando dúvidas sobre a natureza do dolo de morte. Quanto às conclusões 44, 45 (primeiro ponto com esta numeração), 47 a 51, 65, 66 onde se enfatizam outros factores de risco (a obesidade, ser fumador, diabetes, ter já sido vítima de AVC haver recusado as consultas do pós operatório, a circunstância de ser doente hospitalizado), referindo os depoimentos dos médicos que enunciaram os factores de risco para uma “tromboembolia pulmonar” deve esclarecer-se que a sentença recorrida foi bem clara no percurso da convicção que firmou. A testemunha prof. LL referiu que a causa da morte se deveu a um trombo recente. Diversamente do que se sustentou no recurso, os factores de risco não são todos iguais e perante todos, destaca-se, pela sua evidente importância, o grave traumatismo provocado pelo golpe perfurante no diafragma (musculo que separa a cavidade abdominal da pulmonar) e hepática, como o factor de risco predominante, quer pela importância da lesão provocada, quer pela proximidade temporal entre a agressão e o decesso. Sustenta-se no recurso que o nexo causal é quebrado com a alta hospitalar (conclusão 57). Mas não é assim. Os processos geradores de risco e as fragilidades criadas no organismo da vítima que passam, como é óbvio, pela necessária cirurgia (que, em si, também comporta o risco inerente de tromboembolia [conforme aludiu a testemunha médica MM “ser este tipo de cirurgia um risco em si mesmo”], risco que se reconduz à causalidade do golpe do arguido) foram criados de forma preponderante pela agressão do arguido provocador de um traumatismo grave. As teorias da interrupção do nexo de causalidade determinariam que o resultado morte acontecesse de modo totalmente imprevisível e anómalo face à conduta do arguido BB. Quando muito poderia colocar-se a questão de causalidade cumulativa, perante o concurso de causas todas necessárias à produção do resultado, que o recorrente nas suas conclusões aproveita para alegar acarretarem essas circunstâncias cumulativas incerteza probatória sobre qual das causas, se uma ou várias, produziram a morte. Se é certo que existiam outros factores de risco, não se provou que quaisquer deles tivessem eficácia ou densidade causal para a tromboembolia pulmonar que ocorreu: concretamente as circunstâncias de ser fumador, diabético, obeso, ter sofrido um AVC no passado, ou haver recusado as consultas do pós-operatório”. Como salienta Figueiredo Dias (Direito Penal, Parte Geral, I, 2.ª ed., 2.ª reimp., pp. 328 e ss.), o critério da imputação objectiva do resultado à acção é no nosso direito construída a partir da teoria da adequação ou da causalidade adequada, por sua vez fornecida pelo n.º 1 do art.º 10.º do CP quando dispõe que quando um tipo legal de crime compreender um certo resultado, o facto abrange não só a acção adequada a produzi-lo como a omissão da acção adequada a evitá-lo e para a valoração jurídica da ilicitude serão relevantes não todas as condições (como assim para a teoria das condições equivalentes), mas somente aquelas que segundo as máximas da experiência e a normalidade do acontecer (segundo o que é em geral previsível) são idóneas para produzir o resultado. A brutal agressão em que se traduziu a evisceração da vítima, pelo local do corpo atingido, com órgãos vitais e tendo em conta as características do meio utilizado, tudo era idóneo e apto a provocar o desfecho acontecido. De acordo com a factualidade provada, a tromboembolia fatal para a vítima foi uma “complicação” surgida das lesões traumáticas toraco-abdominais causadas pelo objecto corto-perfurante manejado pelo arguido recorrente (ponto de facto n.º 11), sendo que quaisquer outras circunstâncias (obesidade, pessoa fumadora, AVC reportado a há 10 anos atrás) não constituíram “qualquer concreto factor de risco acrescido”, para o resultado, sendo que, para além disso, a vítima sempre cumpriu com as indicações médicas (factos provados de A) a D)). Aliás, fazendo aqui um paralelo com o direito civil, que igualmente segue a doutrina da causalidade adequada (art.º 563.º do CC), na lição de Pires de Lima e Antunes Varela (Código Civil, Anot, I, nota 3 ao art.º 563.º) “o nexo de causalidade exigido entre o dano e o facto não exclui a ideia da causalidade indirecta que se dá quando o facto não produz ele mesmo o dano, mas desencadeia ou proporciona um outro que leva à verificação deste”. Ainda no mesmo âmbito, o Ac. desde STJ no Ac. de 26.11.2009 (www.dgsi.pt) entendeu que “[o] art.º 563.º do CC consagrou a doutrina da causalidade adequada, nos termos da qual o facto que actuou como condição do dano só deixará de ser considerado como causa adequada quando, dada a sua natureza geral, se mostrar de todo indiferente para a verificação do mesmo” e “[t]al doutrina também não pressupõe exclusividade da condição, no sentido de que esta tenha só por si determinado o resultado e admite a causalidade indirecta de tal sorte que basta que o facto condicionante desencadeie outro que directamente suscite o dano”. Merece assim confirmação a conclusão implícita de que o resultado morte se inseriu tipicamente no processo causal iniciado com a agressão do recorrente, nem em rigor se podendo falar em causalidade cumulativa dado que a tromboembolia foi ainda consequência da conduta agressiva, nem houve qualquer interrupção do nexo causal, dado que as lesões não deixaram de, à partida, ser aptas a poder produzir tal resultado. * 2.3. Quanto ao elemento subjectivo do tipo, traduzido no dolo, face a matéria de facto provada no ponto 20 (“Apesar de conhecer as características corto-perfurantes da faca, o arguido BB quis utilizá-la para desferir um golpe extenso e profundo no abdómen da vítima CC, ciente de que nessa zona se alojam órgãos vitais que se perfurados por instrumento com aquelas características podiam causar a morte, tendo-se conformado com essa possibilidade”) o mesmo assume aqui a forma de dolo eventual (n.º 3 do art.º 14.º do CP). Seja a intenção de matar, seja a fixação dos elementos subjectivos do dolo, constituem matéria de facto cujo conhecimento se esgotou na Relação. A esse propósito se referiu o acórdão recorrido nestes termos: “O modo como a facada foi desferida não suscitou dúvidas ao Tribunal “A Quo” e a este Tribunal de recurso também não, sobre o dolo de morte do arguido BB. A zona Abdominal é indiscutivelmente uma zona vital (o fígado foi atingido), sendo o golpe vibrado energicamente como denota a profundidade e extensão do mesmo, a intenção de matar é manifesta. Com efeito, não resulta dos depoimentos qualquer situação de defesa em que o arguido BB se haja visto em perigo, que justificasse sacar de uma faca (que o arguido esboça nas suas conclusões, mas sem qualquer virtualidade de justificar a ilicitude). Antes o arguido é quem se dirigiu resoluto para os ofendidos, iniciando a contenda de forma enérgica”. Tal como atrás se viu, também aqui soçobram as questões levantadas pelo recorrente sobre a factualidade respeitante ao elemento subjectivo, onde encontra resposta para as questões que levanta, seja a propósito da intenção de matar, desde logo aferida pela zona vital atingida e a forma violenta com que o fez, ou pela aptidão do meio usado (faca semelhante a faca de mato). Não merece assim censura a qualificação jurídico-penal efectuada pelo acórdão recorrido na figura do crime de homicídio do art.º 131.º do CP e não no crime de ofensa à integridade física agravado pelo resultado previsto no art.º 147.º do CP, havendo que a manter, o mesmo acontecendo quanto à pena determinada e que não foi posta em causa no recurso, como assim aconteceu com a medida da pena única, uma e outra, de resto, se mostrando adequada e proporcional à culpa e às necessidades de prevenção geral e especial. * III. Decisão Face ao exposto, acordam em julgar improcedente o recurso e manter o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente, com a taxa de justiça de 7 UC. * Supremo Tribunal de Justiça, 9 de Julho de 2020
Francisco Caetano – Relator Clemente Lima Manuel Braz
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