Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 5.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DOS REIS BRAVO | ||
Descritores: | RECURSO PARA FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA PRESSUPOSTOS PRAZO DE INTERPOSIÇÃO DO RECURSO EXTEMPORANEIDADE REJEIÇÃO DE RECURSO | ||
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Data do Acordão: | 03/20/2025 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | RECURSO DE FIXAÇÃO DE JURISPRUDÊNCIA (PENAL) | ||
Decisão: | NEGADO PROVIMENTO | ||
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Sumário : | É intempestivo o recurso de fixação de jurisprudência interposto para além do terceiro dia útil posterior ao termo do prazo para a sua interposição (artigos 107.º, 113.º, n.º 12, 438.º, n.º 1 e 441.º, n.º 1, I Parte, do CPP). | ||
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Decisão Texto Integral: | [Processo n.º 278/22.9GAVVD-B.G1-A.S1 (Recurso extraordinário de fixação de jurisprudência) – Tribunal Judicial da Comarca de Braga - Juízo de Instrução Criminal de .../Juiz ... - Tribunal da Relação de Guimarães/Secção Penal –– Supremo Tribunal de Justiça/5.ª Secção] * * * I. Relatório 1. AA, em 12-12-2024 (Ref.ª ...37) «(…) notificado que foi do Acórdão proferido pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 08 de outubro de 2024 (ref.ª Citius ...51), que julgou improcedente o recurso por si interposto, confirmando o despacho recorrido que rejeitou o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução (…) Vem, mui respeitosamente, nos termos e para os efeitos do artigo 437.o e seguintes do Código de Processo Penal, doravante designado por CPP, interpor: -Recurso Extraordinário de Fixação de Jurisprudência para o Supremo Tribunal de Justiça», apresentando as seguintes conclusões: « I. O aqui Recorrente vem interpor o presente Recurso, por estar inconformado com a Decisão proferida pelo douto Tribunal da Relação de Guimarães, datado de 08 de outubro de 2024 (Ref.ª Citius ...51), o qual, de forma manifestamente inusitada, negou provimento ao recurso por si interposto, e por consequência, manteve o despacho recorrido. II. Sendo, entendimento do aqui Recorrente que o Acórdão-Recorrido profere entendimento contrário a vários Acórdãos, tendo-se selecionado, como Acórdão-Fundamento, o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora, datado de 18 de junho de 2024, no âmbito do Processo n.º 509/24.0T8STR.E1. III. O Acórdão de que ora se recorre, ao entender negar provimento ao recurso interposto pelo aqui Recorrente, confirmando o despacho que rejeitou o requerimento de abertura instrução por inadmissibilidade legal da instrução, tendo por base a consideração de que o RAI não continha a indicação dos factos concretos a averiguar que pudessem preencher o elemento subjetivo do crime imputado ao arguido, concluindo que essa situação conduz à inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 3 do CPP, decide de forma totalmente contraditória ao Acórdão-Fundamento. IV. No entendimento do Acórdão-Recorrido, a omissão ou a insuficiência da descrição de factos relativos ao elemento intelectual do dolo dos tipos legais de crime imputados à arguida, é susceptível de configurar uma situação subsumível ao artigo 287.º, n.º 3 do CPP. V. Contudo, e em face disso, o Acórdão-Fundamento mencionado está em oposição quanto à necessidade do preenchimento do elemento subjetivo. VI. Cumpre, desde logo, a elaboração do enquadramento circunstancial que pauta o caso em apreço. VII. Face ao despacho de arquivamento do MP, veio o Assistente, aqui Recorrente, requerer a abertura de instrução contra a Arguida visando a pronúncia desta pela prática de um crime de violência doméstica, p. e p. pelo art.º 152.º al. a) do Código Penal (CP) ou de um crime de ofensa à integridade física simples, p. e p. pelo art.º 143.º n.º 1 do CP. VIII. No aludido RAI, o aqui Recorrente, referiu, conforme consta no ponto 26. IX. Foi proferido, a 16.05.2024, despacho pelo qual foi decidido rejeitar, o referido, requerimento para a abertura de instrução. X. Uma vez que, o JIC, concluiu que o dolo da culpa não se mostrava afirmado nos factos, rejeitou o requerimento de abertura de instrução por inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 3 do CPP. XI. Não se conformando com tal despacho, o Assistente, aqui Recorrente, dele interpôs recurso. XII. O MP respondeu ao recurso, concluindo nos seguintes termos (transcrição): “No requerimento de instrução em apreço, o assistente não narra quaisquer factos que preencham os elementos objetivo e subjetivo de qualquer tipo legal de crime. Não constando tais factos no RAI e devendo o Mm.º JIC no despacho de pronúncia descrever os factos que fundamentam a aplicação ao arguido de uma pena ou medida de segurança (artigo 308.º, n.º 1, do Código de Processo Penal), a instrução é inexequível, por falta de objeto e, por conseguinte, somos reconduzidos a uma inadmissibilidade legal da instrução, nos termos do artigo 287.º, n.º 3, do Código de Processo Penal, cuja consequência é a rejeição do requerimento para abertura de instrução.”. XIII. A Arguida não respondeu ao Recurso. XIV. Na mesma senda do MP, e como já supra exposto, concluiu o Acórdão-Recorrido pela improcedência do recurso, e em consequência pela confirmação do despacho recorrido. XV. Feito o enquadramento fáctico, que em tudo, incluindo no tipo legal de crime, se assemelha ao Acórdão-Fundamento. XVI. A contradição entre o Acórdão-Recorrido e o Acórdão-Fundamento, prende-se com a necessidade do preenchimento do elemento subjetivo no RAI apresentado pelo Assistente. XVII. O artigo 287.º, n.º 2, do CPP, prevê que o requerimento de abertura de instrução não está sujeito a formalidades especiais. XVIII. Somente, impondo, que o mesmo contenha, em súmula, isto é resumidamente, as razões de facto e de direito relativamente à acusação ou não acusação. XIX. A norma referida, acrescenta que, quando o requerimento seja apresentado pelo assistente, se aplique o disposto no artigo 283.º, n.º 3 al. b) e c). XX. Ora, segundo a decisão recorrida e acompanhada pelo Acórdão-Recorrido, a circunstância essencial que levou à rejeição do RAI foi que: “no tipo subjetivo de ilícito, necessário ao preenchimento do crime, exige-se o dolo do tipo, conceitualizado na sua formulação mais geral como conhecimento e vontade referidos a todos os pressupostos do tipo objetivo, e o dolo da culpa, traduzido na consciência por parte do arguido de que com a sua conduta sabe que actua contra direito, com consciência da censurabilidade da conduta. Esta última parte – dolo da culpa – não se mostra afirmada nos factos.”. XXI. No mesmo como referido, fundamentou o Acórdão-Recorrido: “Ora, não podemos deixar de concordar com o sentido da decisão recorrida, sendo que no caso em apreço estão em causa crimes dolosos. É que para afirmar o dolo não basta dizer apenas que a arguida agiu com a vontade, a intenção ou o propósito de ofender o ofendido no seu corpo e na sua saúde, com conhecimento da adequação da sua conduta para alcança de tal desiderato. Como é sabido, o dolo desdobra-se em dois elementos, a saber o elemento volitivo, que consiste na vontade, por parte do agente, de realizar o facto típico; e o elemento intelectual, cognitivo ou emocional, que se reporta ao conhecimento (previsão ou representação), por parte do agente dos elementos materiais constitutivos do tipo objetivo do ilícito, incluindo as circunstâncias modificativas agravantes nos tipos qualificados ou agravados. E naturalmente da acusação, com referência ao tipo legal de crime imputado, têm necessariamente de constar os dizeres que se traduzam os referidos elementos.”. XXII. Das circunstâncias narradas no RAI, verificamos que os comportamentos imputados à arguida, consistiram numa agressão física, dando o mesmo uma imagem global dos factos que lhe são imputados, enquadrando-os no crime de violência doméstica. XXIII. E conforme consta no Acórdão-Fundamento: “E no concernente ao elemento subjetivo do crime de violência doméstica, este é composto pelo dolo genérico, i. e., (o conhecimento e vontade de praticar o facto), em qualquer das suas formas (direto, necessário ou eventual). Não exigindo a lei nenhum dolo específico (...)”. XXIV. Entrando, desde logo, em contradição com o Acórdão-Recorrido, que considerou que o conhecimento e a vontade, não eram suficientes para o preenchimento do elemento subjetivo! XXV. Ademais, e de forma bastante elucidativa, o Acórdão-Fundamento vai mais longe, referindo que: “No respeitante ao elemento subjetivo do tipo doloso, o Código Penal não o define, fazendo-o apenas relativamente a cada uma das formas em que ele se analisa (artigo 14.º CP). Mas a doutrina conceptualiza-o, sintetizando que corresponde ao conhecimento (elemento intelectual) e à vontade de realização do tipo objetivo de ilícito (elemento volitivo). Consiste, assim, no conhecimento e vontade de praticar o facto ilícito com consciência da sua censurabilidade. Traduzindo o seu elemento intelectual a representação da realização do facto ilícito (a consciência psicológica, ou consciência intencional), id est a representação das circunstâncias de facto que preenche um tipo de ilícito objetivo. Visa que “o agente conheça tudo quanto é necessário para uma correta orientação da sua consciência ética para o desvalor jurídico que concretamente se liga à ação intentada”. Por seu turno o elemento volitivo, conexo com o elemento intelectual, serve para indicar uma posição ou atitude do agente contrária ou indiferente à norma de comportamento. Supõe uma decisão de vontade do agente para a realização de um ilícito-típico, por via de uma ação (ou omissão do comportamento devido), sendo que é, especialmente, através do grau de intensidade desta relação de vontade que se diferenciam as várias formas de dolo. Mas a consciência e a vontade não podem ser vistas, isoladamente, pois, só se pode querer aquilo que se conhece.”. XXVI. Ora, tanto o tipo ilícito de violência doméstica, bem assim como o de ofensa à integridade física, encerram uma carga axiológica, que inexoravelmente determina que a falta de consciência da ilicitude seria sempre censurável ao agente, razão pela qual, in casu, arguida não deixaria de ser responsabilizada, mesmo se a afirmação daquele facto se não viesse a provar! XXVII. Neste sentido, vide o douto Acórdão-Fundamento, na parte que ora se passa a citar: “Para bem se compreender esta afirmação, importará ter presente o disposto no artigo 17.º do CP, que se reporta justamente aos crimes mala in se, quer-sedizer, aoscrimescuja ilicitudesepresumeconhecida detodososcidadão, sendo-lhes exigível tal conhecimento. Neste contexto, conforme ensina Jorge de Figueiredo Dias, “o conhecimento da proibição legal, que não é exatamente equivalente a “consciência da ilicitude” será de exigir em certos casos em que a relevância axiológica de certos comportamentos é muito pouco significativa ou não está enraizada nas práticas sociais e em que, portanto, o conhecimento dos elementos do tipo e a sua realização voluntária e consciente não é suficiente para orientar o agente de acordo com o desvalor do comportado pelo tipo ilícito. Por isso, o desconhecimento desta proibição impede o conhecimento total do substrato de valoração e determina uma insuficiente orientação da consciência ética do agente parta o problema da ilicitude, Por isso, em suma, neste campo, o conhecimento da proibição é requerido para a afirmação do dolo do tipo (...)) A exigência do conhecimento da proibição ocorre, sobretudo, ao nível do direito contraordenacional ou do direito penal secundário, relativamente a incriminações de menor carga axiológica ou de carga axiológica neutra. (...) Nesses casos (mas só nesses, caracterizando-os) fará todo o sentido exigir o conhecimento da proibição como forma de realização do dolo do tipo. Mas em geral, como sucede nos crimes de violência doméstica (...) o sentido da ilicitude dos factos respetivos ressalta da realização pelo agente da factualidade típica (...) nestes casos carecerá de sentido questionar se o agente atuou conscientemente, se tinha pleno conhecimento da proibição, representando todas as circunstâncias de facto, e querendo mesmo assim realizá-lo. Porque, se não tinha essa consciência e esse conhecimento, isso terá necessariamente de lhe ser censurável.” (negrito e sublinhado nosso). XXVIII. Ora, é exatamente o que sucede, in casu, encontrando-se preenchido o elemento objetivo, que aliás a decisão recorrida não coloca em causa, um eventual despacho de pronuncia não estaria dependente do preenchimento do elemento subjetivo no RAI. XXIX. Isto pois, e conforme prevê o artigo 17.º n.º 2, se o erro sobre a ilicitude for censurável, o agente é punido com a pena aplicável ao crime doloso respetivo. XXX. Sendo que, nos crimes com uma carga axiológica pesada, como sucede, nos crimes de violência doméstica, onde aliás existe várias medidas de sensibilização e consciencialização, o erro sobre a ilicitude seria sempre censurável. XXXI. Isto significa, em termos práticos, e in casu, que provando-se os factos a arguida seria sempre punida, porquanto, o erro sobre a ilicitude do crime de violência doméstica seria sempre censurável. XXXII. Ora, o facto de o Assistente, alegar ou não, a consciência da ilicitude, não tem relevância, porquanto, como atrás referido e conforme consta do Acórdão-Fundamento, poderia ocorrer na mesma condenação, em decorrência do que dispõe o artigo 17.º, n.º 2 do CP. XXXIII. Pelo que, poderia igualmente ter sido proferido, eventualmente, um despacho de pronúncia. XXXIV. Concluindo, e novamente, com o Acórdão-Fundamento, “no respeitante aos crimes relativamente aos quais a ilicitude é de todos conhecida, por integrar o conhecimento normalmente exigível do homem comum – como já referimos ser aqui manifestamente o caso -, não é necessário alegar a consciência da ilicitude, por ela estar pressuposta.”. XXXV. Desta feita, não sendo o RAI uma peça perfeita seguro parece ser que o mesmo não padece do vício alegado no despacho recorrido, nem no Acórdão-Recorrido. XXXVI. Nesta senda, é entendimento do aqui Recorrente que, nesse sentido, o Acórdão-Recorrido se encontra em plena contradição com o Acórdão-Fundamento. XXXVII. Pois, nesta situação em concreto e atento todo o enquadramento legal e factual em que o caso sub iudice se enquadra, tal como as decisões que têm vindo a ser proferidas nas mesmas circunstâncias, deveria o Tribunal da Relação de Guimarães ter proferido decisão no sentido de revogar o despacho recorrido, procedendo-se à instrução requerida. Termos em que e nos demais de direito deve ser dado provimento ao presente recurso e ser fixada jurisprudência nos termos apresentados, revogando-se o douto Acórdão-Recorrido.» 2. Admitido por despacho do Senhor Desembargador relator no Tribunal da Relação de Guimarães (doravante, também “TRG”) de 16-12-2024 (Ref.ª Citius ...27), o Ministério Público junto do TRG respondeu ao recurso do assistente, em 18-12-2024 (Ref.ª Citius ...26), pugnando pela sua rejeição, por não se mostrarem preenchidos «os requisitos formais e materiais imprescindíveis para a definição de existência de uma situação de oposição de julgados entre o Acórdão recorrido constante do proc. 278/22.9GAVVR-B. G1 do Tribunal da Relação de Guimarães, exarado em 8-10-2024 e o Acórdão do Tribunal da Relação de Évora datado de 18-6-2024 e proferido no proc. 509/24.0T8STR-E1». 3. O Senhor magistrado do Ministério Público junto deste Supremo Tribunal de Justiça pronunciou-se em 13-02-2025 (Ref.ª Citius ...22), nos termos do art. 440.º, n.º 1, do CPP, após se pronunciar sobre a verificação dos pressupostos formais do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência, emitindo o seguinte parecer: «(…) Nesta fase do processo cumpre verificar se se mostram reunidos os requisitos constantes dos art. 437º e 438º do Código de Processo Penal para se ver admitido o recurso de fixação de jurisprudência interposto. É logo por falta de um dos requisitos formais que o MºPº entende não poderem os autos prosseguir termos. Na verdade, embora o requerente, dada a sua qualidade de assistente, possua legitimidade (artº 437º, nº 5, do Código de Processo Penal) certo é que o recuso extraordinário por si interposto o foi para além do prazo máximo que a lei o admite: - O Acórdão recorrido, conforme certidão junta, transitou em julgado no dia 21.10.2024; - O recurso extraordinário para fixação de jurisprudência tem de ser interposto dentro do prazo de 30 dias contados da data daquele trânsito, conforme estabelece o artº 438º, nº 1, do CPP); - Ou seja, teria de dar entrada até ao dia 20.11.2024 (a que poderiam acrescer 3 dias, atento o disposto no artº 107º, nº 5, do CPP); - Sucede que apenas em, 11.12.2024 deu entrada a motivação de recurso (também conforme elementos juntos, nomeadamente certidão que nesse sentido aponta, emitida pelo Tribunal da Relação de Guimarães); Ora, assim sendo, é claramente extemporâneo o recurso. -- Devendo ser, de acordo com o disposto no artº 441º, nº 1, do CPP, rejeitado. [E, de qualquer forma, sempre se refere que – na senda do entendido pelo magistrado do Ministério Público no Tribunal recorrido em resposta que se acompanha na totalidade – não se verifica a necessária oposição de julgados para efeitos de se poder concluir pelo preenchimento desse requisito substancial. Sendo até que, em parte, a matéria se reconduz a jurisprudência já fixada. Na verdade, o recorrente acaba por criticar a decisão recorrida quando esta seguiu o entendimento expresso no Acórdão de fixação de jurisprudência nº 1/2015, de 21.11.2024, coisa que igualmente efetuou o acórdão indicado como fundamento, da Relação de Évora, não existindo qualquer diversidade de opinião. A diversidade de opiniões centra-se, sim – e aqui o recorrente, salvo o devido respeito, «mistura» conceitos - em saber-se se é necessário consignar (no caso, no pedido de abertura de instrução) que o agente atuou com «consciência da ilicitude». Acerca dessa questão – que não se confunde com a matéria tratada no Acórdão 1/2015 – encontra-se, aliás, pendente neste STJ o recurso de fixação com o nº 725/20.4GAMAI.P1-B.S1, no qual o Ministério Público propôs a fixação de jurisprudência nos seguintes termos: «Por não ser elemento do tipo subjetivo do crime, não é exigível, na acusação, no requerimento de abertura de instrução, no despacho de pronúncia, bem como na decisão condenatória, a menção de ter o agente do crime atuado com «consciência da ilicitude», apenas havendo que apreciar esta matéria se for levantada a questão da falta de tal consciência.» No caso destes autos, não obstante exista diferença de entendimento relativamente a esta concreta questão entre a decisão recorrida e a proferida no acórdão utilizado como fundamento, certo é que o recorrente aí não faz centrar a questão, antes a centrando na indicação dos elementos subjetivos do crime (conhecimento, representação ou previsão de todas as circunstâncias da factualidade típica, na livre determinação do agente e na vontade de praticar o facto com o sentido do correspondente desvalor), matéria acerca da qual já existe fixação de jurisprudência e nem se verifica qualquer desconformidade de entendimentos entre os acórdãos. Aliás, precisamente por isso é que nunca poderia, sequer, existir oposição e julgados: no caso do acórdão recorrido, o RAI não contém os elementos atinentes ao dolo, enquanto no acórdão fundamento esses elementos existiam. Ou seja, nem sequer estamos perante idênticas situações de facto, o que sempre levaria a afastar a verificação de oposição para efeitos de fixação de jurisprudência.] Daqui que, mesmo se não se verificasse a falta de preenchimento do requisito formal (tempestividade) acima referenciado, os autos não poderiam prosseguir termos por falta de verdadeira oposição entre os julgados. ▪ Assim sendo, o Ministério Público entende que não se verificam os requisitos de admissibilidade do recurso extraordinário interposto pelo assistente AA, pelo que não deverá o mesmo prosseguir» 4. O recorrente foi notificado, por despacho do Senhor Conselheiro relator de 17-02-2025 (Ref.ª Citius ...68), do referido parecer do Ministério Público, para se pronunciar, nada tendo respondido. 5. Nos termos do disposto no art. 440.º, n.º 1 do CPP, foi realizado o exame preliminar. 6. Colhidos os vistos, foram os autos presentes à conferência, nos termos do disposto no art. 440.º, n.º 4, do CPP. Cumpre decidir. II. Fundamentação 7. Nos artigos 437.º a 448.º do CPP acha-se regulado o recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, que se segmenta em três espécies: o recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito, o recurso de decisão proferida contra jurisprudência fixada, e, o recurso no interesse da unidade do direito. No caso sub judice, estamos perante um recurso extraordinário da primeira espécie. O recurso de fixação de jurisprudência propriamente dito, previsto nos artigos 437.º a 445.º do CPP, visa «combater a jurisprudência por vezes flutuante e variável dos nossos tribunais superiores, geradora de incertezas no mundo do Direito e altamente desprestigiante para as instituições encarregadas da administração da justiça. (…) Uma interpretação uniforme da lei é, pois, o objetivo deste recurso»1. O recurso de fixação de jurisprudência assume natureza excecional: “a interpretação das regras jurídicas que o disciplinam deve fazer-se com as restrições e o rigor próprios dessa excecionalidade, por forma a não ser transformado em mais um recurso ordinário”2 Dispõe o artigo 437.º do CPP, sob a epígrafe “Fundamento do recurso”: “1 – Quando, no domínio da mesma legislação, o Supremo Tribunal de Justiça proferir dois acórdãos que, relativamente à mesma questão de direito, assentem em soluções opostas, cabe recurso, para o pleno das secções criminais, do acórdão proferido em último lugar. 2 – É também admissível recurso, nos termos do número anterior, quando um tribunal de relação proferir acórdão que esteja em oposição com outro, da mesma ou de diferente relação, ou do Supremo Tribunal de Justiça, e dele não for admissível recurso ordinário, salvo se a orientação perfilhada naquele acórdão estiver de acordo com a jurisprudência já anteriormente fixada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 3 – Os acórdãos consideram-se proferidos no domínio da mesma legislação quando, durante o intervalo da sua prolação, não tiver ocorrido modificação legislativa que interfira, direta ou indiretamente, na resolução da questão de direito controvertida. 4 – Como fundamento do recurso só pode invocar-se acórdão anterior transitado em julgado. 5 – O recurso previsto nos nºs 1 e 2 pode ser interposto pelo arguido, pelo assistente ou pelas partes civis e é obrigatório para o Ministério Público.” Por sua vez, dispõe o artigo 438.º do CPP, com a epígrafe “Interposição e efeito”: “1 – O recurso para a fixação de jurisprudência é interposto no prazo de 30 dias a contar do trânsito em julgado do acórdão proferido em último lugar. 2 – No requerimento de interposição do recurso o recorrente identifica o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontre em oposição e, se este estiver publicado, o lugar da publicação e justifica a oposição que origina o conflito de jurisprudência. 3 – O recurso para fixação de jurisprudência não tem efeito suspensivo.” Das normas transcritas retira-se ser necessário o confronto de dois acórdãos que relativamente à mesma questão de direito assentem em soluções opostas. O artigo 437.º do Código de Processo Penal faz depender a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência da existência de determinados pressupostos e o artigo 438.º identifica o tempo, o modo e o efeito da interposição do recurso. 8. Dos artigos 437.º, n.os 1, 2 e 3 e 438.º, n.os 1 e 2, do CPP, resulta, tal como é entendimento pacífico da jurisprudência deste Supremo Tribunal de Justiça, que a admissibilidade do recurso extraordinário para fixação de jurisprudência depende, antes de mais, da verificação de pressupostos formais e substanciais (cfr., por todos, PEREIRA MADEIRA, Código de Processo Penal, Comentado, Coimbra: Almedina, 2016, p.1439), a saber: (a) formais: - Legitimidade [e interesse em agir] do recorrente: existirá legitimidade e interesse em agir do recorrente, face ao decaimento do mesmo, no recurso que tenha interposto e originado a decisão recorrida. - Tempestividade: o recurso deve ser interposto no prazo de 30 dias após o trânsito do acórdão recorrido. - Identificação do acórdão fundamento: o acórdão com o qual o acórdão recorrido se encontrará em oposição, terá de ter transitado em julgado em data anterior à do trânsito do acórdão recorrido. Preenchidos os apontados pressupostos de ordem formal impõe-se indagar ainda do preenchimento dos seguintes pressupostos (b) substanciais: - Que dois acórdãos do STJ, das relações ou de uma das relações e do STJ, hajam sido proferidos no domínio da mesma legislação; - Que ambos os acórdãos hajam decidido a mesma questão de direito; - Que a decisão de ambos os acórdãos assente em soluções opostas para a mesma questão de direito, requisito este que se desdobra em três outros pressupostos ou requisitos, conforme vem sendo entendido na jurisprudência e doutrina: i) - Que as decisões em oposição sejam expressas e não meramente tácitas ou implícitas; ii) - Que os dois acórdãos assentem em soluções opostas da mesma questão de direito e a partir de idêntica situação de facto. iii) - Que a oposição se verifique entre duas decisões e não entre meros fundamentos ou entre uma decisão e meros fundamentos de outra. Apreciemos, então, a verificação dos mencionados pressupostos formais e substanciais, no caso concreto. 9. Relativamente aos requisitos formais de admissibilidade: - O recorrente AA, na qualidade de sujeito processual “assistente”, tem, obviamente, legitimidade para interpor o recurso (art. 437.º, n.º 5 do CPP), face ao seu decaimento no acórdão recorrido. Importa indagar do preenchimento de outro dos requisitos de admissibilidade supra referidos, que é o da tempestividade. O Ministério Público junto deste Supremo Tribunal vem assinalar a intempestividade da interposição do recurso. Dos elementos do processo decorre que: - O acórdão recorrido (do TRG) foi proferido em 08-10-2024 (Ref.ª Citius ...51), pelo qual foi mantido o despacho do juiz de instrução da comarca de Braga, que indeferiu o seu pedido de abertura de instrução. - Tal acórdão foi notificado por via eletrónica em 08-10-2024 ao advogado do assistente em 08-10-2024 (Ref.ª ...84), presumindo-se a notificação efetuada em 11 de outubro de 2024 [sexta-feira] (artigo 113.º, n.º 12, do Código de Processo Penal); - Não constando dos termos dos autos, nem da informação junta pelo TRG (Ref.ª ...05, de 29 de janeiro de 2025) – nem fazendo o recorrente qualquer ressalva a tal propósito – que relativamente ao acórdão tenham sido arguidas nulidades (artigos 105.º, n.º 1, 379.º e 425.º, n.º 4, do CPP), pedida a correção (artigos 105.º, n.º 1, 380.º e 425.º, n.º 4, do CPP) ou que do mesmo haja sido interposto recurso para o Tribunal Constitucional (artigo 75.º, n.º 1, da Lei n.º 28/82, de 15-11), prazos todos eles de 10 dias, e considerando que o dito acórdão é insuscetível de recurso ordinário, o trânsito em julgado do mesmo ocorreu no dia 21 de outubro de 2024, ou seja, após o decurso do(s) referido(s) prazo(s) de 10 dias para as referidas finalidades: arguição de nulidades, correção ou interposição de recurso para o Tribunal Constitucional; - o prazo (de 30 dias), previsto no art. 438.º, n.º 1, do CPP, para a interposição do recurso para uniformização de jurisprudência expirou, nessa conformidade, em 20 de novembro de 2024 [quarta-feira]; - o ato de interposição do recurso poderia, contudo, ter sido praticado num dos três primeiros dias úteis subsequentes ao dia do termo, mediante o pagamento imediato de uma multa (artigos 107.º, n.ºs 2 e 5 e 107.º-A do Código de Processo Penal e 139.º, n.º 5, do Código de Processo Civil), ou seja, até 25 de novembro de 2024 [segunda-feira]; - o recurso foi interposto, como se disse, em 11 de dezembro de 2024. Conclui-se, assim, conforme pertinentemente assinala o Ministério Público junto deste STJ, pela inadmissibilidade do recurso, face à sua intempestividade e pela sua consequente rejeição, nos termos dos artigos 107.º, 113.º, n.º 12, 438.º, n.º 1, a contr., 441.º, n.º 1, I.ª Parte, 414º, n.º 2, e 420.º, n.º 1, al. b), ex vi do artigo 448.º, todos do CPP, ficando prejudicado o conhecimento de qualquer outro dos pressupostos cumulativos de que depende. III. Decisão Pelo exposto, acordam os juízes Conselheiros da 5.ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça, em rejeitar, por intempestividade, o presente recurso extraordinário de fixação de jurisprudência, interposto por AA. Condena-se o recorrente numa importância de 6 (seis) UC, nos termos do artigos 420.º, n.º 3 e 448.º, do CPP, e nas custas devidas, fixando-se a taxa de justiça em 5 (cinco) UC [artigos 513.º, n.º 1, 514.º, n.º 1 e 2, e 524.º do CPP, e, 1.º, 2.º, 3.º, 6.º e 8.º, n.º 9, e tabela III anexa, do RCP, aprovado pelo Dec.-Lei n.º 34/2008, de 26-02]. Notifique-se. * Lisboa, data e assinaturas supra certificadas (Texto elaborado e informaticamente editado, integralmente revisto pelo relator, sendo eletronicamente assinado pelo próprio e pelos Senhores Juízes Conselheiros Adjuntos - art. 94.º, n.ºs 2 e 3, do CPP) Os juízes Conselheiros Jorge dos Reis Bravo (Relator) Ana Paramés (1.ª adjunta) José Piedade (2.º adjunto) _____________________________________________ 1. Manuel Simas Santos e Manuel Leal- Henriques, “Recursos Penais”, 9.ª Ed., Rei dos Livros, pp. 200-201. 2. Simas Santos e Leal Henriques, ob. cit., p. 201. Neste sentido, Acórdãos do STJ de 26-09-1996, Proc. n.º 47.750, publicado na CJSTJ 1996, tomo 3, pág. 143; de 26-04-2007, Proc. n.º 604/07-5.ª; de 05-09-2007, Proc. n.º 2566/07-3.ª; de 14-11-2007, Proc. n.º 3854/07-3.ª; de 23-01-2008, Proc. n.º 4722/07-3.ª; de 12-03-2008, no Proc. n.º 407/08-3.ª, in CJSTJ 2008, tomo 1, pág. 253; de 26-03-2008, Proc. n.º 804/08-3.ª; de 19-03-2009, Proc. n.º 306/09-3.ª; de 15-09-2010, Proc. n.º 279/06.4GGOAZ.P1-A.S1-3.ª; de 30-01-2013, Proc. n.º 1935/09.0TAVIS.C1-A.S1-3.ª; de 21-10-2015, Proc. n.º 1/12.6GBALQ.L1-A.S1-3.ª; de 20-04-2016, Proc. n.º 22/03.0TELSB.L1-A.S1-3.ª; de 21-09-2016, Proc. n.º 2487/10.4TASXL.L1-A.S1-3.ª, de 9-11-2016, Proc. n.º 196/14.4JELSB – G - L1.S1- 3.ª Secção, todos in www.dgsi.pt. |