Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE DIAS | ||
Descritores: | DESERÇÃO DA INSTÂNCIA PRESSUPOSTOS NEGLIGÊNCIA EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA PRINCÍPIO DO CONTRADITÓRIO DEVER DE GESTÃO PROCESSUAL PRINCÍPIO DA COOPERAÇÃO PRINCÍPIO DA AUTO-RESPONSABILIZAÇÃO DAS PARTES DECISÃO SURPRESA SUSPENSÃO DA INSTÂNCIA FALECIMENTO DE PARTE HABILITAÇÃO DE HERDEIROS | ||
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Nº do Documento: | SJ | ||
Data do Acordão: | 01/31/2023 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | DECLARADA A EXTINÇÃO DA INSTÂNCIA | ||
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Sumário : | I- Do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil conclui-se que é necessário que seja proferida decisão sobre a deserção (referindo-se o nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil a “simples despacho”), não ocorrendo, portanto, de forma automática.
II- Para apurar da ocorrência de negligência das partes, ao juiz compete analisar o comportamento processual das partes no âmbito do processo, isto é, se a parte (ou partes) demonstraram no processo as dificuldades em impulsionar os autos, as diligências necessárias para remover os eventuais obstáculos com que se tem deparado para afastar a causa que levou à suspensão, e, inclusive, solicitar o contributo do tribunal para que as razões impossibilitadoras do prosseguimento normal dos autos sejam afastadas ou se a parte (ou partes) se manteve numa inação total, desinteressando-se do prosseguimento normal dos autos. III- A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar, pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes. IV- A instância extingue-se por deserção quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, por negligência das partes. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, 1ª Secção Cível. Na ação declarativa que AA move contra Novo Banco, S.A., Fundo de Resolução e BB, o A. interpôs recurso do despacho proferido a 12 de julho de 2021, despacho esse do seguinte teor: "Na presente acção foi proferido em 14/09/2020 despacho suspendendo a instância em razão de se ter verificado o óbito da ré BB, nos termos e ao abrigo do disposto nos arts. 269° n° 1 alínea a) e 270° do CPC. Este despacho foi notificado às partes, incluindo ao autor, no dia 17/09/2020 pelo que, e nos termos do art. 248° do CPC as partes se tem por notificadas a 21/09/2020. Nos termos do disposto no art. 281° n° 1 do CPC a instância extingue-se por deserção quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, por negligência das partes. O autor teve conhecimento que a instância foi suspensa por óbito da ré BB e que deveria promover o incidente de habilitação de herdeiros para que os autos prosseguissem os seus termos. As partes não podem deixar de saber que a suspensão da instância conduziria à deserção da instância se, por sua negligência, os autos continuassem sem impulso durante seis meses. O autor não deduziu o incidente de habilitação de herdeiros e durante este longo período de seis meses nada disse a este respeito, embora tenha apresentado requerimentos colocando outras questões, mormente peticionando a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. Ora, não tendo sido promovida a habilitação dos sucessores da falecida ou qualquer outro acto que importasse em impulsionar os autos, podendo e devendo o autor fazê-lo, entendemos estar configurada a situação reportada no art. 281° n° 1 do CPC, pelo que se julga a instância deserta e, consequentemente, extinta - art. 277° alínea c) do CPC. Notifique." Inconformado com esta decisão veio o autor recorrer de apelação, tendo em conferência decidiu o Tribunal da Relação de Lisboa: “Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente a apelação, confirmando o despacho recorrido. Custas pelo recorrente.” * Uma vez mais inconformado com o decidido pela Relação, o autor interpõe recurso de Revista para este STJ, e formula as seguintes conclusões: “A. Salvo o devido respeito, entende o ora Recorrente que andou mal o douto Tribunal a quo ao qualificar a conduta do Autor como negligente e, consequentemente, considerar verificado o pressuposto subjetivo da deserção da instância, previsto no art. 281º doCPC. B. O douto Tribunal fez ainda uma errada interpretação e aplicação do art. 281º na medida em que considerou que a deserção da instância opera sem necessidade de exercício do contraditório. C. Por discordar desse entendimento, por existirem Acórdãos da Relação em contradição com o recorrido, e com vista a uma melhor aplicação do direito, nos termos do art.2 672º, al. a) e al. c), vem o Autor interpor o presente Recurso de Revista Excecional. D. Isto porque, desde logo, não pode considerar-se preenchido o requisito de natureza subjetiva, previsto no art. 28º do CPC, para a verificação da deserção da instância, uma vez que o Autor não atuou com negligência, ativa ou omissiva. E. Pois, e conforme alegado supra, a negligência a que alude o art. 281º não é meramente processual ou aparente, devendo ser efetivamente apurada no processo. F. Assim, vejamos, o Tribunal de primeira instância, tendo dado nota do falecimento da Ré BB, decidiu pela suspensão da instância. G. Ora, é entendimento do Autor que o Tribunal deveria ter notificado o cônjuge da Ré falecida para vir informar da identificação dos herdeiros/sucessores da mesma, ou, pelo menos, deveria ter notificado o Autor, no sentido de o advertir acerca das graves consequências da falta de dedução do respetivo incidente, em cumprimento do princípio da cooperação previsto no art.Q 7° do CPC. H. Salvo o devido respeito, não deveria o Tribunal ter automaticamente extraído um comportamento negligente por parte do Autor, pela não dedução do incidente de habilitação de herdeiros, ao invés de notificar do cônjuge da Ré BB, com vista à identificação dos herdeiros/sucessores da parte falecida, e sem sequer a advertir das consequências da sua falta de impulso. I. No entanto, esta foi a decisão tomada pelo douto Tribunal de primeira instância, decisão essa que foi confirmada pelo Tribunal a quo. J. Ao que acresce o facto de o Tribunal não ter concedido a possibilidade ao Autor, de exercício do contraditório, num momento anterior à prolação da sentença de deserção da instância, que gerou uma verdadeira decisão-surpresa. K. Pois, considerando os graves efeitos que resultam da extinção da instância, e o facto de se ter de apurar do comportamento negligente da parte na omissão do impulso processual, nunca poderia o tribunal ter decidido pela deserção da instância sem previamente conceder às partes a possibilidade de se pronunciarem sobre essa questão, à luz do princípio do contraditório e conforme prevê o art. 3, nº 3 do CPC. L. Em face deste entendimento, deveria o douto Tribunal de primeira instância ter notificado o Autor para se pronunciar quanto ao requisito subjetivo da deserção da instância, o que não o fez. M. Destarte, o douto tribunal recorrido fez uma errada interpretação e aplicação do art.s 281º doCPC. NESTES TERMOS E NOS DEMAIS DE DIREITO, QUE V/EXAS. DOUTAMENTE SUPRIRÃO, DEVE O PRESENTE RECURSO DE REVISTA EXCECIONAL SER JULGADO TOTALMENTE PROCEDENTE, REVOGANDO-SE IN TOTUM A DECISÃO RECORRIDA, E EM CONSEQUÊNCIA SEGUINDO A AÇÃO JUDICIAL OS SEUS TRÂMITES. SÓ ASSIM SE FAZENDO A TÃO COSTUMADA JUSTIÇA!” Não foi apresentada resposta. * Vinha interposto recurso de revista excecional, sendo admitido pela Formação, que fundamenta: “Na verdade, distinguimos decisões Jurisprudenciais em que, conquanto se afirme que a deserção da instância só pode ser declarada judicialmente no caso de poder considerar-se negligente a falta de satisfação do ónus de impulso processual por parte daqueles sobre quem tal ónus impende, reconhece que tal negligência não pode presumir-se do simples facto de ter decorrido o aludido prazo de seis meses sem que alguma diligência tenha sido promovida por parte daquele que tem aquele ónus, devendo o tribunal diligenciar, antes de declarar a deserção da instância, pelo apuramento do circunstancialismo factual que permita sustentar a afirmação do comportamento negligente que procura sancionar-se com a cominada deserção, impondo-se que previamente tenha sido conferida às partes, especialmente àquela contra quem é ela dirigida, a efetiva possibilidade de a discutir, contestar e valorar, pelo que, violado o exigido principio do contraditório, ocorre nulidade processual se influir decisivamente na decisão da causa. Ao invés, outras há que entendem que declarada a suspensão da instância, como nos presentes autos se verifica, por óbito de uma das partes passa a recair sobre a parte ou os sucessores da parte falecida, o ónus de promover a habilitação dos sucessores, sendo que, nestas circunstâncias, não cumpre ao tribunal promover a audição da parte sobre a negligência, tendo em vista formular um juízo sobre a razão da inércia, por não resultar da lei a realização de tal diligência, importando que a negligência seja avaliada em função dos elementos objetivos que resultarem do processo, sublinhando que recai sobre a parte o ónus de informar o tribunal sobre algum obstáculo que possa surgir, constituindo, a declaração de deserção, uma consequência processual diretamente associada na lei à omissão negligente da parte tal como retratada objetivamente no processo.” Cumpre apreciar e decidir. * São factos tidos por relevantes pelas instâncias: “Para conhecimento do objeto do recurso, importa ter presente que resulta dos autos o seguinte: 1- No dia 14 de setembro de 2020, foi proferido o seguinte despacho: "Como resulta da certidão ora junta a ré BB faleceu no dia .../.../2019. Donde, e ao abrigo do disposto nos arts. 269° n° 1 alínea a) e 270° do CPC, declara--se suspensa a instância. Notifique." 2- Por notificação elaborada a 17 de setembro de 2020, foi o recorrente, na pessoa do seu mandatário, notificado do despacho mencionado no ponto 1. 3- A 7 de junho de 2021, a CMVM apresentou requerimento do seguinte teor: "1. Por despacho proferido em 14.09.2020, com a ref.ª ...36, este Tribunal declarou suspensa a instância em virtude do falecimento da Ré BB, nos termos do disposto nos artigos 269°, n° 1, ai a), e ?70°, ambos do Código de Processo Civil (doravante, C.P.C.). 2. Esse despacho foi notificado às partes por ofícios elaborados a 17.09.2020, pelo que as mesmas se consideram notificadas na data de 21.09.2020, nos termos do art.° 248.° do C.P.C.. 3. Ora, de acordo com o disposto no art.° 281.°, n.° 1 do CPC, "considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses." 4.Sucede, que até à presente data, o Autor não requereu, como se impunha, a habilitação de herdeiros da Ré BB, nos termos do art.° 351.°, n.° 1 do CPC. 5.Pelo exposto, e uma vez que a instância se encontra suspensa há mais de seis meses, a aguardar o impulso processual do Autor (por ser quem tem interesse na demanda), requer-se a V. Exa que se digne a ordenar a extinção da instância nos termos dos artigos 277.°, al. c), e 281.°, n.°s 1, 3 e 4, todos do C.P.C." 4- No formulário através do qual foi apresentado o requerimento referido no ponto 3, consta, no espaço destinado às "Notificações entre Mandatários nos termos do artigo 221° CPC", a indicação do nome do mandatária do recorrente e os dizeres "Notificado por via Electrónica". * Conhecendo: Sendo o objeto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações – artigo 635º e 639º, do Código de Processo Civil – as questões a decidir respeitam: -Saber se a deserção da instância prevista no art. 281º do CPC opera sem necessidade de exercício do contraditório. -Saber se a negligência a que alude o art. 281º não é meramente processual ou aparente, devendo ser efetivamente apurada no processo. -Saber se essa omissão gerou uma verdadeira decisão-surpresa. Por concordarmos seguiremos o entendimento expresso no Ac. desta Secção de 20-04-2021, proferido no Proc. nº 27911/18.4T8LSB.L1.S1, onde foi lavrado sumário do seguinte teor: “I. Do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil conclui-se que: é necessário que seja proferida decisão sobre a deserção (referindo-se o nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil a “simples despacho”), não ocorrendo, portanto, de forma automática. II. Não basta o mero decurso do prazo de seis meses para que ocorra a deserção da instância, é necessário, também, apurar-se se o processo está parado por negligência das partes. III. No que respeita à audição antes de ser proferida a decisão a julgar extinta a instância por deserção, não se encontra qualquer disposição legal que determina essa audição, nem a mesma decorre do princípio do contraditório ou do princípio da cooperação e do dever de gestão processual. IV. A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes. V. Não ocorre inconstitucionalidade por violação do princípio do processo equitativo, do direito de acesso ao direito e à tutela jurisdicional efetiva.” Seguiremos, como dissemos, o entendimento perfilhado neste Acórdão. A instância suspende-se quando falecer alguma das partes (alínea a) do nº 1 do artigo 269º do Código de Processo Civil). Nos termos do disposto no nº 1 do artigo 281º do Código de Processo Civil, sem prejuízo do disposto no nº 5, considera-se deserta a instância quando, por negligência das partes, o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses. Tendo surgido algum incidente com efeito suspensivo, a instância ou o recurso consideram-se desertos quando, por negligência das partes, o incidente se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses (nº 3 do artigo 281º do Código de Processo Civil). A deserção é julgada no tribunal onde se verifique a falta, por simples despacho do juiz ou do relator (nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil). A instância extingue-se com a deserção (alínea c) do artigo 277º do Código de Processo Civil. Do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil conclui-se que é necessário que seja proferida decisão sobre a deserção (referindo-se o nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil a “simples despacho”), não ocorrendo, portanto, de forma automática. E que para que ocorra a decisão, torna-se necessário que: – o processo aguarde o impulso processual há mais de seis meses; – o processo não seja impulsionado por negligência das partes. Assim, não basta o mero decurso do prazo de seis meses para que ocorra a deserção da instância, é necessário, também, apurar-se se o processo está parado por negligência das partes. Deste modo, tendo presente estes termos, o juiz, na sua decisão, deve pronunciar-se sobre o decurso do prazo e a ocorrência da negligência das partes ou não. Para apurar da ocorrência de negligência das partes, ao juiz compete analisar o comportamento processual das partes no âmbito do processo, isto é, se a parte (ou partes) demonstraram no processo as dificuldades em impulsionar os autos, as diligências necessárias para remover os eventuais obstáculos com que se tem deparado para afastar a causa que levou à suspensão, e, inclusive, solicitar o contributo do tribunal para que as razões impossibilitadoras do prosseguimento normal dos autos sejam afastadas ou se a parte (ou partes) se manteve numa inação total, desinteressando-se do prosseguimento normal dos autos. No que respeita à audição antes de ser proferida a decisão a julgar extinta a instância por deserção, não se encontra qualquer disposição legal que determina essa audição, nem a mesma decorre do princípio do contraditório ou do princípio da cooperação e do dever de gestão processual. Ora, quanto ao disposto no nº 3 do artigo 3º do Código de Processo Civil, como se refere no Acórdão do STJ, de 14 de dezembro de 2016, “o princípio do contraditório tem em vista questões de facto ou de direito que sejam suscitadas no processo, impondo-se ao Tribunal decidi-las, não tem em vista, o que é completamente diferente, impor ao Tribunal, no âmbito de um incidente inominado que não está previsto na lei, convidar os interessados que, no aludido período de seis meses optaram por não juntar aos autos nenhum documento nem suscitar qualquer questão, explicar o seu comportamento ou apresentar os documentos ou suscitar as questões que podiam ter suscitado e não suscitaram” (in www.dgsi.pt), nem, por outro lado, a decisão pode configurar uma decisão surpresa, porquanto desde o momento em que tem conhecimento do despacho que determinou a suspensão da instância as partes sabem que, se ocorrer a sua inércia durante 6 meses, a instância será extinta por deserção, não podendo ficar surpreendidos com uma tal decisão do Tribunal. Por outro lado, a não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar (devendo sofrer as consequências legais da sua omissão), pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes. No sentido de não ser necessária a audição das partes antes de ser proferida decisão sobre a extinção da instância por deserção, cf. o Acórdão do STJ atrás citado e os Acórdãos do STJ, de 20 de setembro de 2016, de 5 de julho de 2018, de 12 de janeiro de 2021 (in www.dgsi.pt). No caso concreto destes autos e como referem as instâncias, foi proferido em 14/09/2020 despacho suspender a instância em razão de se ter verificado o óbito da ré BB. Este despacho foi notificado às partes, incluindo ao autor, no dia 17/09/2020. A instância extingue-se por deserção quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, por negligência das partes. O autor teve conhecimento que a instância foi suspensa por óbito da ré BB e que deveria promover o incidente de habilitação de herdeiros para que os autos prosseguissem os seus termos. As partes não podem deixar de saber que a suspensão da instância conduziria à deserção da instância se, por sua negligência, os autos continuassem sem impulso durante seis meses. O autor não deduziu o incidente de habilitação de herdeiros e durante o período de seis meses nada disse a este respeito, embora tenha apresentado requerimentos colocando outras questões, mormente peticionando a dispensa do pagamento da taxa de justiça remanescente. Não tendo sido promovida a habilitação dos sucessores da falecida ou qualquer outro ato que importasse em impulsionar os autos, podendo e devendo o autor fazê-lo, entendemos, como entenderam as instâncias, estar configurada a situação reportada no art. 281° n° 1 do CPC, pelo que se só podia ter sido julgada a instância deserta e, consequentemente, extinta, como preceitua o art. 277° alínea c) do CPC. O autor nunca apresentou qualquer requerimento ou deu a conhecer da dificuldade de obter elementos que possibilitassem a intervenção a habilitação de herdeiros. Tendo presente o que atrás se referiu, a instância extingue-se por deserção quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, por negligência das partes. Ora, o autor teve conhecimento que a instância foi suspensa por óbito de uma ré e que deveria promover o incidente de habilitação de herdeiros (ficando suspensa até esse momento) para que os autos prosseguissem os seus termos. As partes não podem deixar de saber que a suspensão da instância culminaria com a deserção da instância se, por sua negligência, os autos continuassem sem impulso durante seis meses, não se podendo classificar como uma decisão surpresa (violadora do princípio do contraditório) a decisão que julgou extinta a instância por deserção. As normas que impõem às partes o ónus do impulso processual subsequente e que estipulam para a sua inobservância uma consequência processual não são inovatórias e nem sequer inesperadas, quer porque se encontram previstas na lei processual desde o Código de Processo Civil de 1939, quer porque, sendo claras, permitem que as partes saibam, de antemão, que a sua omissão terá a aludida consequência. Com efeito, traduzindo-se o princípio do processo equitativo, na dimensão do justo processo, além do mais, na confiança dos interessados ou dos sujeitos processuais nas decisões de conformação ou de orientação do processo, mal se compreenderia que aqueles pudessem ser surpreendidos por consequências processuais desfavoráveis com as quais, por força do próprio comportamento do tribunal, não podiam razoavelmente contar. A lealdade, a boa-fé, a confiança, o equilíbrio entre o rigor das decisões do processo e as expectativas que delas decorram, são elementos fundamentais a ter em conta quando seja necessário interpretar alguma sequência que, nas aparências, possa exteriormente apresentar-se com algum carácter de disfunção intraprocessual. Ora, no caso presente, a mencionada cominação no Código de Processo Civil não pode considerar-se inesperada quando a inércia da parte seja causadora da paragem do processo, mantendo-se a parte inerte, sem sequer indicar ao Tribunal as dificuldades que encontra para que os autos prossigam com a habilitação de herdeiros do Réu falecido, não se mostra violada a garantia de um processo equitativo. O autor não deduziu o incidente de habilitação de herdeiros e durante este longo período de seis meses nada disse a esse respeito. Como se referiu, competia às partes, sem necessidade de intervenção do tribunal, dar conhecimento no processo (atenta a não dedução do incidente de habilitação de herdeiros) de todas as suas eventuais dificuldades para deduzirem o incidente, podendo solicitar a intervenção do tribunal para afastar eventuais obstáculos que tivessem encontrado. O que não podem é pretender a intervenção do tribunal perante o seu desinteresse e omissões com vista ao prosseguimento dos autos, questionando as partes pelo seu silêncio e manifesto desinteresse e incentivando-os à prática de qualquer ato. Assim, não tendo o Tribunal de ouvir as partes, no caso concreto, o autor, sobre as razões da sua manifesta inação, nem determinar a prática de qualquer ato, a decisão do Tribunal da Relação deve ser confirmada. Pois que o autor nada fez, nem diligenciou para obter os elementos necessários para proceder à habilitação (ou nem sequer informou o tribunal das suas dificuldades na obtenção desses elementos, demonstrando que não se mantinha inerte). E é vasta a jurisprudência no sentido do decidido, como expressa o acórdão recorrido, que refere: “O tribunal não tem de ouvir previamente as partes sobre a verificação ou não dos pressupostos da deserção da instância. A parte a quem compete impulsionar o processo é que deve, antes de esgotado o prazo da deserção, alegar e demonstrar as razões de facto justificativas da falta de impulso processual (www.dgsi.pt Acórdão do STJ proferido a 20 de setembro de 2016, processo 1742/09.0TBBNV-H.E1.S1; 14 de dezembro de 2016, processo 105/14.0TVLSB.G1 .S1; 12 de janeiro de 2021, processo 3820/17.3T8SNT.L1 .S1; e 20 de abril de 2021, processo 27911/18.4T8LSB.L1.S1).” Pelo exposto, o recurso terá de improceder. * Sumário elaborado nos termos do art. 663º nº 7 do CPC: I- Do disposto no artigo 281º do Código de Processo Civil conclui-se que é necessário que seja proferida decisão sobre a deserção (referindo-se o nº 4 do artigo 281º do Código de Processo Civil a “simples despacho”), não ocorrendo, portanto, de forma automática. II- Para apurar da ocorrência de negligência das partes, ao juiz compete analisar o comportamento processual das partes no âmbito do processo, isto é, se a parte (ou partes) demonstraram no processo as dificuldades em impulsionar os autos, as diligências necessárias para remover os eventuais obstáculos com que se tem deparado para afastar a causa que levou à suspensão, e, inclusive, solicitar o contributo do tribunal para que as razões impossibilitadoras do prosseguimento normal dos autos sejam afastadas ou se a parte (ou partes) se manteve numa inação total, desinteressando-se do prosseguimento normal dos autos. III- A não intervenção do Tribunal desde o despacho que suspende a instância por óbito de um interessado até à decisão que julga extinta a instância por deserção, não viola o princípio da cooperação previsto no artigo 7º do Código de Processo Civil ou o dever de gestão processual previsto no artigo 6º deste diploma legal, porquanto não cabe ao Tribunal terminar com a inércia das partes, impondo-lhes a prática de atos que as mesmas não pretendam praticar, pois a maior intervenção que o Código de Processo Civil confere ao Juiz para providenciar pelo andamento célere do processo e com vista à prevalência da justiça material em detrimento da justiça adjetiva, não afasta o princípio da autorresponsabilização das partes. IV- A instância extingue-se por deserção quando o processo se encontre a aguardar impulso processual há mais de seis meses, por negligência das partes. Decisão: Em face do exposto, acordam em: - Julgar improcedente o recurso e, em consequência, nega-se a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente. Lisboa, 31-01-2023
Fernando Jorge Dias - Juiz Conselheiro relator Jorge Arcanjo - Juiz Conselheiro 1º adjunto Isaías Pádua - Juiz Conselheiro 2º adjunto |