Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DO ROSÁRIO MORGADO | ||
Descritores: | CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA VALIDADE DOMÍNIO PÚBLICO MARÍTIMO | ||
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Data do Acordão: | 02/21/2019 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
Área Temática: | DIREITO CIVIL – RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGOCIO JURÍDICO / OBJECTO NEGOCIAL, NEGÓCIOS USUÁRIOS – DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / FONTES DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS / CONTRATO-PROMESSA. | ||
Legislação Nacional: | CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 280.º, N.º 1 E 410.º, N.º 1. | ||
Jurisprudência Nacional: | ACÓRDÃO DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA: - DE 04-06-2013, PROCESSO N.º 6584/06.2TBVNG.P1.S1, IN WWW.DGSI.PT. | ||
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Sumário : | É válido o contrato-promessa de compra e venda de bem imóvel, ainda que o mesmo possa integrar o domínio público marítimo. | ||
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Decisão Texto Integral: | Acordam no Supremo Tribunal de Justiça I – Relatório 1. "AA - ACTIVIDADES HOTELEIRAS, S.A.." intentou ação declarativa de condenação contra "BB, S.A.", pedindo que: a) Seja declarado nulo o contrato-promessa celebrado entre a autora e a ré, por ilegal, com as cominações legais; b) Seja devolvido à autora aquilo que a ré recebeu, com a devida correção monetária, acrescido de juros mora vincendos após citação e até integral pagamento. Subsidiariamente: c) Seja declarado o incumprimento do contrato-promessa de compra e venda por causa imputável à ré; d) Seja a ré condenada a pagar-lhe uma “indemnização correspondente ao dobro dos valores entregues a título de sinal e reforço de sinal, no valor de € 820 000, 00, acrescidos de juros moratórios vincendos até integral pagamento.”. Em qualquer dos casos, pediu ainda que, depois da citação da ré, os juros fossem capitalizados nos termos e por força do disposto no artº 560º, nº1, do C.C.. Para tanto, alegou, em síntese, que: Em 12.7.2010, a autora, como promitente compradora, e a ré, como promitente vendedora, celebraram contrato-promessa de compra e venda tendo por objeto um determinado imóvel, tudo nos termos e condições constantes do doc. de fls. 59-61v. Sucede que, posteriormente, a autora veio a apurar que o imóvel prometido vender não possuía as características que lhe tinham siso assinaladas pela ré, e que foram determinantes para a formação da vontade de contratar da autora, pelo que perdeu o interesse na aquisição do imóvel. Além disso, o imóvel é inalienável, por integrar o domínio público do Estado, sendo, por conseguinte, nulo o contrato-promessa celebrado entre as partes. 2. A ré contestou, pugnando pela improcedência da ação, tendo, em síntese, alegado que: A ré é a legítima proprietária do imóvel a que os respeitam, estando a respetiva aquisição registada a seu favor na CRP. O referido imóvel integra o domínio privado do Estado. Ainda que o imóvel prometido comprar/vender se situe nas margens do mar e ainda que, por isso, o Estado pudesse beneficiar da presunção da sua dominialidade pública, o contrato-promessa celebrado entre a A./promitente compradora e a Ré/promitente vendedora não seria nulo por impossibilidade física ou legal do objeto, visto que do contrato-promessa celebrado entre as partes, dotado de eficácia meramente obrigacional, não decorre transferência da propriedade da coisa, limitando-se as partes a obrigar-se à celebração futura do contrato prometido. Inexiste fundamento para a autora resolver o contrato, por alegada perda de interesse em contratar. Em face disso, a ré interpelou a autora para proceder à marcação da escritura pública de compra e venda do imóvel, no limite, até dia 31/7/2011, sob pena de considerar, para todos os efeitos, não cumprida essa obrigação. Porém, a A. não procedeu à marcação da escritura até 31/7/2011, nem posteriormente. Assim, por carta datada de 9/8/2011, a ré comunicou à autora a resolução do contrato-promessa celebrado entre as partes. 3. Na 1ª instância, realizado o julgamento, foi proferida sentença que, julgando a ação procedente, declarou a nulidade do contrato-promessa celebrado entre as partes e condenou a ré a devolver à autora a quantia de EUR 410.000,00, acrescida de juros de mora à taxa legal, desde a citação até integral pagamento. 4. Inconformada com o assim decidido, a ré interpôs recurso para o Tribunal da Relação de Lisboa que, revogando a sentença, absolveu a ré do pedido de condenação formulado a título principal (restituição da quantia que lhe foi entregue pela Autora/Apelada a título de sinal – EUR 410 000,00 -, acrescida de juros de mora às taxas legais, desde a data da citação até pagamento), bem como do pedido subsidiário (condenação da Ré a pagar-lhe uma indemnização correspondente ao dobro dos valores entregues a título de sinal e reforço de sinal, no valor de EUR 820.000, 00, acrescidos de juros moratórios vincendos até integral pagamento). 5. Irresignada, veio a autora interpor a presente revista, formulando as seguintes conclusões: 1. O imóvel objeto do contrato-promessa, sobre o qual foi peticionada a declaração de nulidade, confronta com o mar, conforme resulta das confrontações insertas na certidão do registo predial junta aos autos, pelo que, incide sobre ele a presunção - embora ilidível - de que se encontra no denominado Domínio Público Hídrico. 2. Logo trata-se de um imóvel que integra o domínio público - Lei 54/2005, de 15 de novembro. 3. O artigo 202.°, n°2 do Código Civil prevê que estão fora do comércio todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público. 4. A condição jurídica do imóvel afeta a validade do contrato-promessa ab initio, determinando a sua nulidade do acordo, conforme disposto no artigo 401°, n° 1 do Código Civil. 5. O facto de o imóvel (objeto mediato do contrato-promessa) ser insusceptível de ser objeto de relações jurídicas privadas, gera a nulidade originária e acarreta a impossibilidade objetiva da prestação imediata, ou seja, impede a celebração do contrato definitivo. 6. Sendo o objeto mediato do contrato uma prestação ilegal e impossível a correspondente obrigação não se constituiu validamente. 7. A prestação debitória tem de ser possível, legal e lícita. Não sendo, como não o é, aquele contrato-promessa que tem por objeto um imóvel fora do comércio jurídico, tal circunstância determina a impossibilidade de se constituir a obrigação e, em consequência, gera a nulidade originária. 8. Ao contrário do que acontece num contrato-promessa de bem futuro, em que a prestação debitória é lícita, legal e possível, sendo que é a parte que carece de legitimidade ou capacidade, mas que a lei excecionalmente, admite como válido, ocorrendo nulidade superveniente, caso a parte não venha a adquirir a legitimidade ou capacidade. 9. O facto de se alegar que o contrato-promessa tem eficácia meramente obrigacional e que, consequentemente, a realidade jurídica do imóvel prometido vender em nada afeta a validade substantiva do contrato-promessa, porquanto até à data da celebração do contrato prometido pode adquirir as características que faltavam ao objeto à data em que foi celebrado o contrato-promessa, é juridicamente irrelevante para o caso em discussão. 10. Porquanto a sanação do vício, pressupõe que a ordem jurídica permita a constituição da obrigação. 11. E a lei impede a constituição de uma obrigação, no ato da assinatura de um contrato-promessa, quando estamos perante um objeto mediato ilegal, impossível ou ilícito, ainda que, o vício no futuro pudesse vir a ser sanado. Veja-se nesse sentido o Professor Galvão Teles e o Professor Almeida e Costa: Tal indubitavelmente não ocorre quando “a prestação se traduza numa conduta que a lei proíba por ofensiva de um dever, como furtar ou difamar" (in Direito das Obrigações, Galvão Telles, 7ª edição, pág. 46). "Exige-se que a prestação seja realizável, pois ninguém pode considerar-se obrigado ao que não é susceptível de cumprimento... Ainda sob outra perspectiva a impossibilidade diz-se física ou legal, conforme resulta da própria natureza das coisas ou decorre da lei. A prestação é fisicamente impossível se consiste em ato materialmente Irrealizável...; legalmente impossível se consiste em ato jurídico que a lei fere de invalidade" (in Direito das Obrigações, Galvão Telles, 7a edição, pág. 46). Também, nesse mesmo sentido, leia-se Almeida Costa (in Noções de Direito Civil, 2ª edição, pág. 142) que: aparece-nos como primeiro requisito da prestação debitória o de que esta seja física e legalmente possível (art. 280° n° 1). Mas a impossibilidade da prestação pode ser originária ou superveniente, conforme exista na altura da constituição do vínculo obrigacional ou sobrevenha depois. A primeira impede que a obrigação nasça, ao passo que a segunda apenas obsta ao cumprimento (art. 790° e segs. (...) "sendo indiferente que se trate de uma impossibilidade de desaparecer mais tarde" (Almeida Costa, mesma obra e página). 12. Não existindo obrigação, porquanto a lei determina a nulidade originária de contratos cuja prestação seja ilegal ou impossível, como é o caso do contrato-promessa que tem por objeto um imóvel fora do comércio jurídico, não podemos qualificar como obrigacional ou real uma obrigação que não existe. 13. Caso se aderisse ao raciocínio defendido pelo Tribunal a quo, admitindo que a falta de "característica" do objeto do contrato-promessa poderia ser suprida até à data do contrato definitivo, equiparando ao contrato-promessa de um bem futuro, tal entendimento esvaziaria completamente as soluções jurídicas consagradas para o regime da nulidade originária. 14. A nulidade originária tem efeito retroativo e coloca as partes no estado em que se encontraria caso não tivessem celebrado o contrato-promessa. 15. Mais, dos factos provados, não resulta que fosse possível obter a desafetação do domínio público ou reconhecimento da propriedade privada, como erradamente presumiu o douto acórdão recorrido. 16. Resulta provado exatamente o contrário: que o imóvel integra o domínio público hídrico e que o terreno onde se encontra construído o AA foi adquirido por particulares ao Estado - Câmara Municipal de … - em 1872. 17. Não tendo a Recorrida logrado provar que em 1864 o imóvel se encontrava no domínio privado e, portanto, em condições de lhe ser reconhecido a propriedade privada. 18. Mas, e ainda que por mero dever de patrocínio, e sem conceder, se aceitasse que estamos perante um contrato-promessa válido, ainda assim, a Recorrida não estaria em condições de obter a desafetação do domínio público hídrico ou reconhecimento da propriedade privada. 19. Ainda que Recorrida demonstrasse, como resulta da certidão camarária, que o imóvel se encontra numa zona urbana consolidada e que se trata de uma construção anterior a 1951, para ter provimento na ação judicial de reconhecimento de propriedade privada, a Recorrida teria de provar que o imóvel não de encontra numa zona de risco de erosão, tratar-se-ia, todavia, de uma impossibilidade objetiva de provar em virtude da sua confrontação direta com o mar. 20. Importa, pois, esclarecer que a Lei 34/2014 de 19 de Junho, constitui a segunda alteração à Lei 78/2013, de 21 de Novembro, e não é uma lei interpretativa, na medida em que, introduziu alterações à legislação em vigor (não se limitou a fixar uma interpretação) no sentido de eliminar o prazo para obtenção do reconhecimento da propriedade sobre imóveis que se situem a menos de 50 metros do mar, como é o caso do objeto dos presentes autos, bem assim, alterou o regime de prova. 21. Ou seja, não eliminou o regime de prova. A Lei, na sua redação atual, conferida pela Lei 34/2014 de 19 de Junho, continua a presumir a dominialidade de imóveis situados a 50 metros do mar, cabendo ao proprietário, que pretenda ver o seu direito reconhecido, lançar mão de ação para o efeito; continua a permitir que a presunção seja ilidida, prevendo diferentes regimes de prova consoante a realidade. 22. Em conclusão, o legislador não estabelece que a ação judicial de reconhecimento da propriedade é dispensada, vem apenas reiterar o meio de prova necessário para tal reconhecimento. 23. O legislador, no n.° 5, do artigo 15º da Lei 54/2005 de 15 de novembro, veio apenas admitir outros meios de prova, segundo os quais afastavam o regime probatório dos n.°s 2 a 4. 24. A Recorrida não afastou a presunção de dominialidade a que estava adstrita enquanto vendedora de um imóvel presumivelmente integrado no domínio público hídrico. 25. De acordo com Freitas do Amaral, a venda de um imóvel pelo Estado não pode ser considerado um ato de desafetação em si mesmo, na medida em que a venda em si não tem a virtualidade de desafetar um imóvel do domínio público nem do domínio público hídrico, ou seja, o mecanismo de desafetação é independente e impõe-se para que a venda seja validade. 26. Nunca a Recorrida obteve o reconhecimento da propriedade privada do imóvel, ou a sua desafetação, razão pela qual, o imóvel encontra-se ainda presentemente, e sempre se encontrou, no domínio público hídrico e, consequentemente fora do comércio jurídico. 27. O Tribunal a quo ao decidir como decidiu fez uma incorreta apreciação e aplicação da lei substantiva, devendo a douta sentença merecer reparo e ser revogada. Nestes termos, e nos melhores de Direito, deve ser dado provimento ao presente recurso, revogando-se consequentemente a decisão a quo, a qual absolveu a Recorrida do pagamento da quantia peticionada à Recorrente, sendo substituída por outra que declare nulo o contrato-promessa-compra celebrado entre Recorrente e Recorrida e condene esta a devolver àquela a quantia por si paga a título de sinal, acrescida de juros após citação e até integral pagamento. 6. Nas contra-alegações, pugnou-se pela confirmação do acórdão recorrido. *** 7. Como se sabe, o âmbito objetivo do recurso é definido pelas conclusões apresentadas (arts. 608.º, n.º2, 635.º, nº4 e 639º, do CPC), pelo que só abrange as questões aí contidas. Por sua vez – como vem sendo repetidamente afirmado – os recursos são meios para obter o reexame de questões já submetidas à apreciação do tribunal que proferiu a decisão impugnada, e não para criar decisões sobre matéria nova, não submetida ao exame do tribunal a quo. No caso concreto, a única questão de que cumpre conhecer consiste em saber se o contrato-promessa a que os autos aludem se encontra ferido de nulidade, uma vez que, contendo a parte dispositiva do acórdão recorrido decisões distintas, a recorrente – nesta revista – veio apenas impugnar o segmento decisório que declarou a validade do contrato e, consequentemente, absolveu a ré do pedido formulado a título principal. *** II – Fundamentação de facto 8. Está provado que: 1 - Em 28/10/1872, o terreno onde hoje se mostra implantado o denominado "AA" foi inscrito no registo predial a favor de CC, 3º Duque de … (doc. 1 da contestação). 2 - Em 1896, nesse terreno foi mandado construir o atualmente denominado "AA", conforme Informação da Direção Regional de Lisboa do Instituto Português do Património Arquitetónico n.° 9…/DRL-DS/2004 (doc. 2 da contestação). 3 - Por escritura pública outorgada em 15/5/1983, no Décimo Sétimo Cartório Notarial de …, o imóvel "AA" foi vendido por DD e EE ao Estado Português (cf. certidão de escritura pública - doc. 3 da contestação). 4 - Em 1984, o Estado fez registar a seu favor a referida aquisição (doc. 4 da contestação). 5 - Em 27-12-2005, por ajuste direto, o Estado Português alienou o referido imóvel à R. (doc. 5 da contestação). 6 - Do título de alienação constava o seguinte: «(...) De acordo com o artigo 12.° do Despacho Normativo nº 27-A/2001, de 31 de Maio, alterado pelos Despachos Normativos nºs 29/2002, de 26 de Abril e 30-A/2004, de 30 de Junho, a alienação fica sujeita às seguintes condições: 1. Até ao valor da alienação efetuada pela DGP (3.138.000 euros), a mais-valia resultante de futura alienação pelo adquirente será repartida na proporção de 80% para o ESTADO e 20% para a BB, S.A. 2. Sendo o valor da alienação pela adquirente superior ao valor da avaliação do imóvel realizada pela Direcção-Geral do Património (3.138.000 euros), a tranche da mais-valia que exceder o resultante da avaliação é repartida na proporção de 50% para o ESTADO e 50% para a BB, S.A. A esta percentagem de 50% a atribuir ao ESTADO acresce a de 80% resultante da aplicação do nº1. 3. À tranche da eventual mais-valia a pagar ao Estado serão descontados os encargos com impostos suportados com a presente transação, bem como as taxas municipais devidas desde a data da aquisição até à revenda do imóvel, acrescidos dos custos que, aquela revenda, a agora adquirente venha a suportar com obras de conservação e segurança do imóvel ou eventuais estudos e projetos de arquitetura por ela desenvolvidos, bem como despesas de publicitação para venda do imóvel.» (doc. 2 junto com a p.i.). 7 - A R. é uma empresa pública que tem por objeto a compra, venda e administração de imóveis, incluindo a revenda dos que sejam adquiridos para esse fim. 8 - Em 8-2-2006, o Instituto Português do Património Arquitetónico dirigiu à BB o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 182 e 183 (doc. 12 da contestação), em que informa a R. de que foi determinada a abertura de procedimento administrativo relativo à eventual classificação do AA. 9 - Nos dias 4, 5, 11, 12, 18,19, 24, 25 e 26 de Novembro de 2009, a R. publicitou a venda do imóvel denominado AA, nos jornais C… e D…, aí estabelecendo como data limite para apresentação das propostas o dia 10/12/2009. 10 - A modalidade de venda seria através da apresentação de propostas de aquisição do imóvel em envelope fechado, nas condições estabelecidas pela R. e a apresentar até ao dia 10 de Dezembro de 2009 (doc. 1). 11 - Da publicidade da venda do imóvel, entre outros, faziam parte os seguintes documentos: (a) Certidão do Registo Predial; (b) Caderneta Predial; (c) TAAD (Título de Alienação por Ajuste Direto); (d) Regulamento e Condições de Venda; (e) Minuta do Contrato-promessa de Compra e Venda (doc. 2). 12 - A R. colocou à disposição de todos os eventuais interessados, através do site, o «Regulamento e Condições de Venda do Imóvel», do qual faziam parte os seguintes documentos: (i) brochura de apresentação do imóvel, (ii) certidão permanente do registo predial, (iii) título de alienação por ajuste direto e (iv) minuta de contrato-promessa (docs. juntos como doc. 2 com a p.i.) 13 - Da certidão do registo predial do imóvel, constava a seguinte descrição: «Composição e Confrontações: Moradia de 4 pavimentos, jardim e logradouro - Norte, Estrada Nacional nº 67; Sul e Nascente, praia; Poente, mar - O prédio foi classificado como imóvel de interesse público - Reprodução por extratação da descrição» (cf. certidão junta como doc. 2 com a p.i.) 14 - Do Regulamento e Condições de Venda constava, além do mais, o seguinte: «2.1. Até ao termo do prazo referido em 3.3, a BB facultará a quaisquer interessados o acesso e a visita ao Prédio, a fim de que os mesmos, se assim o entenderem, possam fundamentar a sua decisão de apresentar uma proposta ou não com cabal conhecimento de todos os elementos identificadores do prédio, designadamente a sua composição, limites e estrutura, bem como a sua localização, o respectivo estado de conservação e características, não sendo aceite nenhuma reclamação com fundamento no eventual desconhecimento das mesmas. 2.2. É da exclusiva responsabilidade dos Proponentes a verificação da conformidade com a realidade e designadamente dos elementos de informação disponibilizados pela BB, não sendo aceite nenhuma reclamação com fundamento naquela eventual desconformidade. 2.3. É ainda da exclusiva responsabilidade dos Proponentes, não sendo a sua falta fundamento de nenhuma eventual reclamação perante a BB, a recolha de todos os restantes elementos de informação que reputem necessários ou convenientes para eventual apresentação de propostas, designadamente a obtenção junto das entidades oficiais competentes de todas as informações sobre a validade das utilizações que pretendam dar ao prédio, e sobre a eventual existência de condicionantes e/ou relativas a tais utilizações. 2.4. Todos os esclarecimentos relativos à venda e à identificação e características do prédio urbano deverão ser solicitadas por escrito 15 - Do «Regulamento e Condições de Venda do Imóvel» constava, assinaladamente: «1. Objeto (...) 1.4. Conforme mencionado na referida certidão, o imóvel confronta a Sul e a Nascente com a praia e poente com o mar. O imóvel encontra-se na área do domínio público hídrico. A BB adquiriu em 27 de Dezembro de 2005 o imóvel, conforme TAAD de que se junta cópia. O referido TAAD menciona que o título é feito nos termos do nº 7 do artigo 32º da Lei nº 55-B/2004 de 30 de Dezembro com as alterações introduzidas pela Lei nº 39-A/2005, de 29 de Julho. Cabe aos interessados na aquisição do Imóvel a análise jurídica do mesmo e da validade do negócio proposto.». 16 - Em 10/12/2009, as sociedades FF - Sociedade Imobiliária, Lda. e GG, Lda. apresentaram uma proposta conjunta para aquisição do imóvel. 17 - Em 11-12-2009, a R. procedeu à abertura das propostas apresentadas (cf. ata de reunião de comissão de abertura de propostas e relatório de avaliação de propostas - doc. 6). 18 - Por carta de 15-12-2009, a R. comunicou a "FF - Sociedade Imobiliária, Lda." e "GG, Lda." a adjudicação provisória da proposta por estas apresentadas, remetendo-lhes a minuta do contrato-promessa de compra e venda (doc. 6 da p.i.). 19 - Nos termos prescritos na dita carta, e que igualmente decorriam das condições de aquisição, era necessário efetuar o pagamento da reserva no montante de € 123 000,00, o que teve lugar (doc. 5). 20 - Por carta de 21/12/2009, as sociedades informaram a R. de que pretendiam constituir uma nova sociedade, a A., com a qual seria celebrado com o contrato-promessa de compra e venda (doc. 3 da p.i.). 21 - A R. solicitou um parecer jurídico sobre o estatuto jurídico do imóvel "AA" e a validade do negócio pretendido. 22 - Do referido parecer jurídico, da sociedade de advogados "HH - Sociedade de Advogados, RL", datado de 8 de Abril de 2010, constava, entre outras, a seguinte conclusão: «1.9 (...) não se verifica in casu, qualquer, qualquer restrição à celebração da Escritura de Compra e Venda do imóvel AA a qualquer terceiro interessado na sua aquisição, uma vez que o mesmo se encontra no Domínio Privado, sujeito assim ao regime previsto no art. 202º do C. Civil» (doc. 8 junto com a p.i.). 23 - Em 12-7-2010, a A. e a R. celebraram contrato-promessa de compra e venda, nos termos do qual esta prometeu vender e aquela prometeu comprar o imóvel denominado "AA" (doc. 10 da p.i.). 24 - O preço acordado foi de € 4 100 000,00, a ser pago pela A. à R. do seguinte modo: (i) € 410 000,00 na data da celebração do contrato-promessa e (ii) € 3 690 000,00 (três milhões, seiscentos e noventa mil euros) na data da outorga da escritura de compra e venda. 25 - Na data da celebração do contrato-promessa (12-7-2010), a A. entregou à R., a título de sinal e princípio de pagamento, € 410 000,00, aí se incluindo a quantia de € 123 000,00 já paga a título de reserva. 26 - Nos termos do Considerando VI do contrato-promessa de compra e venda a Promitente Compradora tem pleno conhecimento do Parecer Jurídico solicitado pela Promitente Vendedora à Sociedade de Advogados HH, RL, que tem por objeto a análise da validade do negócio ora prometido, o qual se revelou essencial à sua formação de vontade de contratar pelo conforto jurídico veiculado pelo mesmo e que constitui o ANEXO 1 do presente contrato. 27 - Constituiu objeto do contrato-promessa, conforme a cláusula 1.1.: Nos termos e condições ora estabelecidos, a Promitente Vendedora obriga-se a vender às Promitentes Compradoras e as Promitentes Compradoras obrigam-se solidariamente a comprar a totalidade do Imóvel, no estado atual em que o mesmo se encontra e conforme atualmente caracterizado, quer na respectiva descrição predial, quer na correspondente inscrição matricial, livre de quaisquer ónus ou encargos e sem quaisquer ocupantes ou inquilinos (doc. 6 da P.I., fls. 32 verso). 28 - A R. enviou à A. o escrito que se mostra junta cópia a fls. 187 (doc. 13 da contestação), datado de 18-11-2010, em que assinaladamente, se lê: (...) vimos pela presente notificar V. Exas. de que a escritura pública de compra e venda do imóvel se realizará no próximo dia 29 de Novembro de 2010, às 14.30 horas (...). 29 - A A. enviou à R. carta datada de 24 de Novembro de 2010, em que, assinaladamente, considera que, tendo em consideração os pressupostos da compra e venda (tratar-se de um imóvel de interesse público), e que o montante do imposto a pagar ou a isentar seria de € 266.500,00, que no estudo subjacente à proposta "Oferta de Preço" havia sido considerada a isenção do pagamento de IMT, contactado o IGESPAR para o efeito de emissão da certidão necessária a instruir o requerimento de isenção do IMT, havia sido informada de que o prédio não se encontrava classificado, mas em vias de classificação, em face do exposto e como condição sine qua non para que possamos manter as nossas legítimas expectativas quanto aos montantes do investimento previsto na aquisição do "AA" solicita-se que o prazo para a outorga da escritura seja prorrogado para 15 dias após a classificação do prédio como imóvel de interesse público (doc. 13). 30 - A R. respondeu conforme doc. 14, a fls. 83, datado de 25 de Novembro de 2010, concluindo que a BB está disposta a adiar a escritura por um período adicional de 15 dias para permitir que as Partes possam encontrar em conjunto uma solução para o problema suscitado (aplicando-se durante este período, naturalmente, o disposto na parte final da alínea b) da cláusula 2 do mencionado contrato-promessa). Com este intuito, convocamos V. Exas. para uma reunião a realizar-se às 14.30 do dia 29 de Novembro, nas instalações da BB. 31 - A A. enviou à R. o escrito de que se mostra cópia a fls. 84 (doc. 15 da p.i.), datado de 3-6-2011, em que, assinaladamente, se lê, há uma perda de interesse objetiva na aquisição do imóvel AA. Essa perda de interesse tem como pano de fundo as grandes alterações do nosso sistema financeiro. As taxas de juro e o spread que havia inicialmente acordado com a instituição de crédito financiadora da operação, agravaram-se de tal forma que põem em risco o sucesso do projeto que originou o interesse na aquisição. O tempo que decorreu entre a data agendada inicialmente para a escritura (29 de Novembro de 2010) e hoje foi determinante para estas alterações (...) os momentos que vivemos obrigam a cálculos rigorosos nas operações de crédito. A alteração das condições de financiamento é determinante para o interesse económico em prosseguir com a aquisição do imóvel. Neste contexto, não vejo alternativa a não ser a da resolução do contrato-promessa e a, consequente, devolução do sinal acrescido dos respectivos juros. (...) 32 - A R. enviou à A. o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 84 verso e 85, datado de 30 de Junho de 2011, em que, assinaladamente, se lê: Recordamos que, em reunião mantida com V. Exas. em 2 de Dezembro de 2010, a BB aceitou o adiamento da escritura pública de compra e venda prometida nos termos do Contrato-promessa em reconhecimento de que a discrepância entre a informação constante do registo predial e a situação real do imóvel em termos de classificação face à lei do património cultural possa ter defraudado uma expectativa criada em V. Exas. quanto ao reconhecimento da isenção de IMT, ainda que não pudesse ser assacada à BB qualquer responsabilidade na criação daquela expectativa. Recebemos agora com espanto a proposta de resolução do Contrato-promessa, formulada na carta data de 3 de Junho de 2011, na qual alegam que o obstáculo à concretização do negócio não é, afinal, a obtenção ou não da isenção em se[de] de IMT mas antes alegada impossibilidade de cumprimento fundamentada no decurso do período de tempo entre a data fixada para a realização da escritura (29-11-2010) e a data em que a carta é remetida e as alterações entretanto verificadas no mercado de financiamento. Por um lado é inaceitável que a AA fundamente a resolução do Contrato-promessa com a dilação verificada no respectivo cumprimento quando (i) a data foi fixada pela BB, na ausência da sua fixação pela AA, e principalmente porque (ii) o motivo pelo qual a escritura não se verificou na referida data apenas pode ser imputado à AA, não sendo lícito a esta opor à BB a referida dilação, quando esta se limitou a consentir nela, a pedido e no interesse da AA. Por outro lado é evidente que as condições em que a AA financiaria a compra do imóvel em nenhum momento condicionaram os termos do Contrato-promessa celebrado entre as partes. A alegada alteração dessas condições, seja por que motivos se tenha eventualmente verificado, diz obviamente respeito única e exclusivamente à AA. Em face do exposto e embora com pesar, à BB não resta outra alternativa se não a de notificar a AA no sentido de que a escritura pública de compra e venda a que se refere o Contrato-promessa se realize, impreterivelmente, até ao dia 31 de Julho de 2011. Para o efeito, deverão V. Exas. proceder à respectiva marcação, conforme disposto no parágrafo segundo da cláusula 4 do referido contrato-promessa, para o que a promitente compradora se compromete a entregar toda a documentação a si respeitante até 3 (três) dias úteis antes da data marcada para a escritura. Caso a escritura não seja realizada até à referida data de 31 de Julho de 2011 considera-se para todos os efeitos não cumprida a obrigação resultante do contrato-promessa em apreço, nos termos do disposto no art. 808º/1 do Código Civil, em consequência do que a BB fará seu o sinal prestado, ao abrigo do disposto no artº 442º, nº 2 do mesmo diploma legal, sem prejuízo do poder vir a exigir a indemnização de outros danos sofridos. 33 - A A. enviou à R. o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 86 e 87 (doc. 17 da P.I.), datado de 11 de Julho de 2011, em que, assinaladamente, se lê: O prazo que decorreu entre a data inicialmente prevista para a celebração da escritura e o presente momento ocorreram profundas alterações no nosso sistema financeiro que comprometeram totalmente a viabilidade económica desta aquisição. Não constitui novidade para ninguém o agravamento das taxas de juro e spreads para novos contratos de financiamento. É, pois, com estes fundamentos, que, legitimamente, propusemos a resolução contratual, que, se amigável, implicará apenas a devolução do sinal em singelo e respectivos juros. 34 - O imóvel veio a ser classificado como imóvel de interesse público em 24 de Dezembro de 2012 (publicação no D.R. 248 2.2 Série) (Portaria n.2 740-s/2012) (doc. 12). 35 - O notário II lavrou a nota de recusa de escritura pública referente ao AA, de que se mostra junta cópia a fls. 87 verso e 88, datada de 9-12-2013 (doc. 18 da P.I.), em que, assinaladamente, se lê: 6. De modo que, estabelecendo a lei a presunção de que a Casa … constitui domínio público, compete a quem pretende transmitir provar perante o notário que o Estado já lhe reconheceu o direito de propriedade privada. 7. Pelo que, não sendo apresentada prova de que a presunção referida no ponto anterior foi elidida, o imóvel em causa pertence ao domínio público, estando por isso fora do comércio jurídico, impondo-se legalmente ao notário que recuse a escritura de transmissão. 8. Em face do exposto, lavro a presente nota de recusa. 36 - A advogada JJ dirigiu à Conservadora do Registo Predial de … o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 89 (doc. 19 da P.I.), sem data, em que, assinaladamente, se lê: Dirijo-me a V. Exa. na qualidade de mandatária da sociedade "AA - Actividades Hoteleiras" (...) A dita sociedade celebrou contrato-promessa de compra e venda com a sociedade "BB -Participações Imobiliárias, S.A.", com vista a adquirir o prédio urbano denominado "AA" (...) O referido prédio urbano, pela sua localização, integra o domínio público, facto que a minha constituinte à época, desconhecia. Ora, tal como decorre do Decreto-Lei nº 220/2007, de 7 de Agosto, nomeadamente do disposto no art. 18º do segundo o qual este imóvel integrando o domínio público está fora do comércio jurídico, não podendo, portanto, ser objeto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado. De igual modo, o artigo 202º/2 do Código Civil prevê que estão fora do comércio todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público. Assim, venho, por este meio, em nome da minha representada, solicitar à Exma. Senhora Conservadora que me informe se perfilha este entendimento e, se for o caso, mais me informe da impossibilidade legal do registo da aquisição deste prédio urbano. 37 - KK dirigiu a JJ o e-mail de que se mostra junta cópia a fls. 89 verso (doc. 19 da P.I.), em que, assinaladamente, se lê: Em resposta ao pedido solicitado informo que nos termos do art. 202º nº 2 do Código Civil estão fora do comércio jurídico todas as coisas que não podem ser objeto de direitos privados, tais como as que se encontram no domínio público. E no domínio público nos termos do Decreto-Lei nº 280/2007 de 7.8 que estabelece o Regime Jurídico do Património Imobiliário Público, define no art. 18º os imóveis que integram o domínio público, estão fora do comércio jurídico, não podendo ser objeto de direitos privados ou de transmissão por instrumentos de direito privado. Concordo plenamente com o entendimento da Srª Drª, não sendo também objeto de registo e da mesma forma não estão nos factos sujeitos a registo elencados no art. 2º do Código do Registo Predial. 38 - A A. dirigiu à R. o escrito de que se mostra junta cópia a fls. 90 (doc. 20 da P.I.), datado de 3-1-2013, em que, assinaladamente, se lê: Como é do conhecimento das partes contratantes, existe, por parte da BB - Participações Imobiliárias, S.A." uma impossibilidade objetiva em outorgar a escritura de compra e venda, uma vez que o imóvel objeto do referido contrato-promessa de compra e venda está integrado no domínio público (...) Não obstante, e tal como referido, as partes contratantes terem total conhecimento da real e efetiva impossibilidade da outorga da escritura pública de compra e venda, no sentido de dissipar quaisquer eventuais dúvidas, tomámos a iniciativa de formalmente abordar um Cartório Notarial que lavrou despacho de Nota de Recusa Notarial de Escritura Pública, cuja cópia se junta. De igual modo, abordámos a Conservatória do Registo predial de …, a qual, na pessoa da sua Conservadora, Dr.ª KK, cujo entendimento é o mesmo quanto à real e efetiva impossibilidade de registo de transmissão de prédios urbanos nas circunstâncias acima descritas, conforme cópia que igualmente se junta. Não sendo, portanto, possível concluir a aquisição do imóvel pelas razões apontadas, ter-se-á que resolver o aludido contrato com as respectivas consequências legais. No entanto, caso a devolução do sinal ocorra até ao dia 31 de Janeiro de 2014, estamos disponíveis para aceitar a resolução contratual com a devolução do montante do sinal em singelo, dando assim o contrato como resolvido. 39 - A A. enviou à R. a carta datada de 10-9-2013, em que, assinaladamente, se lê: «Ou seja, continuamos a ter interesse em desenvolver o projeto imobiliário que para aquele imóvel havíamos concebido. Nesse sentido, estamos disponíveis para conjuntamente encontrar uma solução - um modelo de negócio -, que permita, de algum modo, prosseguir com aquele projeto ou similar» (doc. 17 da contestação). 40 - A base do negócio passaria por um contrato de ocupação do imóvel durante 30 anos. 41 - No seguimento de reuniões entre representantes da A. e da R., em Outubro de 2013, a A. formalizou o discutido, apresentando uma proposta de negócio, que consistiria na ocupação do espaço por um período de 30 anos, com início após entrada em funcionamento do SPA, com um pagamento anual de 6,00% do valor do imóvel (€ 4 100 000), deduzido do sinal já pago (€ 410 000) e acrescido dos pagamentos feitos capitalizados durante o período de carência (€ 1 500 000), o que resultaria numa base de incidência de € 5 190 000; o período de carência duraria até que o montante da carência perfizesse o valor investido pela A. o qual se estimava em cerca de 6 anos; a partir do 6.9 ano o pagamento mensal pela ocupação ascenderia ao montante de € 311 400/ano (doc. 22 da contestação). 42 - Esteve designada escritura pública para 30-12-2015, às 14.30 horas, na sede social da R. (docs. 1 e 2 juntos com o articulado superveniente). 43 - A A. solicitou à R., através do e-mail de 29-12-2015, conforme fls. 232 (doc. 2 do articulado superveniente) que se fizesse menção escrita na escritura pública de compra e venda que, não obstante a localização do imóvel (a menos de 50 metros das margens do mar) e pelo facto de não ter sido declarado judicialmente que o mesmo integra propriedade privada em momento anterior a 1864, este não está fora do comércio jurídico, podendo ser validamente alienado. 44 - Consta do certificado emitido pela notária LL, conforme fls. 233 e 234, assinaladamente, que a escritura não se realizou uma vez que a parte compradora solicitou, como condição para a realização da mesma, que a parte vendedora declarasse na escritura não obstante a localização do imóvel (a menos de 50 metros das margens do mar) e pelo facto de não ter sido declarado judicialmente que o mesmo integra propriedade privada em momento anterior a 1864, este não está fora do comércio jurídico, podendo ser validamente alienado. Em face desta solicitação, a parte vendedora informou não se encontrar disponível para prestar tal declaração sendo que a mesma era inoportuna e ainda que não lhe compete a ela "BB, PARTICIPAÇÕES IMOBILIÁRIAS, S.A." prestar esse tipo de informação, declarando ainda que a parte compradora conhece a situação do imóvel desde o ano de dois mil e dez, não tendo obstado a que tomasse a iniciativa de propor acordo extrajudicial no âmbito do qual adquiriu o referido imóvel. 45 - Nos termos da escritura pública de que se mostra junta cópia de fls. 302 a 304, datada de 10-5-2016, o imóvel foi vendido a "MM, S.A.." pelo preço de três milhões e quinhentos mil euros.» 46. "O terreno onde foi construído, em data anterior a 1951, o denominado AA está integrado numa zona urbana consolidada".[1] *** 9. Por sua vez, não se provou que: 1 – A R. houvesse admitido a impossibilidade de celebração do contrato definitivo. *** III – Fundamentação de direito 10. Da nulidade do contrato-promessa O acórdão recorrido afastou a nulidade do contrato-promessa celebrado entre as partes e, revogando a sentença da 1ª instância, absolveu a ré do correspondente pedido. Para fundamentar o assim decidido, o Tribunal da Relação considerou que, sendo o contrato-promessa dotado de eficácia meramente obrigacional, uma vez que os contratantes (apenas) se obrigaram à celebração futura do contrato prometido, o facto de o imóvel prometido comprar e vender poder integrar o domínio público marítimo, não permite configurar a nulidade prevista no art. 280º, nº 1, do CC. Insurgindo-se contra este entendimento, a recorrente veio, na revista, reafirmar que o imóvel prometido vender e comprar se encontra integrado no domínio público marítimo, sendo, por natureza, incomerciável, pelo que o contrato-promessa aqui em discussão, tendo um objeto legalmente impossível, se encontra ferido de nulidade. Cremos, porém, que não tem razão. Vejamos. Importa, antes de mais, salientar que, não obstante a recorrente defender que o imóvel objeto do contrato-promessa se encontra integrado no domínio público marítimo, para, por essa via, encontrar fundamento para imputar ao dito contrato a nulidade prevista no art. 280º, do CC., o elenco factual que as instâncias deram como provado de modo algum permite alicerçar aquela conclusão. Na verdade, tendo presente o regime jurídico aplicável, designadamente o disposto no DL nº 468/71, de 5 de Novembro e na Lei nº 54/2005, de 15 de Novembro, a facticidade provada, mormente o que consta da descrição do registo predial (cf. ponto 13, dos factos provados), não permite extrair quaisquer ilações, desde logo no tocante à localização geográfica e confrontações do imóvel. Aliás, há que referi-lo, a recorrente tão pouco alegou factualidade que, a provar-se, pudesse comprovar que o imóvel prometido vender/comprar integra o domínio público marítimo. Sendo assim, como é, tais omissões no plano factual, bastariam para fazer naufragar a pretensão da recorrente. Todavia, mesmo que assim fosse – e nada nos autos permite concluir que seja – o contrato-promessa aqui em causa não estaria, por causa disso, afetado de nulidade. Com efeito: O artigo 410º, nº 1, do CC consagra, em certa medida, o princípio da equiparação, prescrevendo que "à convenção pela qual alguém se obriga a celebrar certo contrato são aplicáveis as disposições legais relativas ao contrato prometido, excetuadas as relativas à forma e as que, por sua razão de ser, não se devam considerar extensivas ao contrato-promessa". Ora, ao contrário do que acontece no caso de celebração dos chamados contratos com eficácia real (como, por ex., a compra e venda – cf. alínea a) do art. 879º, do CC) em que a propriedade ou outro direito real se transferem por mero efeito do contrato - não no sentido de que se transmitem imediatamente, mas de que dependem tão-somente da sua celebração, no contrato-promessa de compra e venda não ocorre transferência da propriedade da coisa: as partes apenas se vinculam a celebrar o identificado contrato definitivo de compra e venda. Daí que se entenda pacificamente que o contrato-promessa é dotado de eficácia meramente obrigacional. Por outras palavras: Do contrato-promessa emergem prestações de facto jurídico positivo: a obrigação de emitir, no futuro, as declarações de vontade integrantes do contrato definitivo prometido, não tendo a virtualidade de alterar a titularidade da coisa objeto mediato do contrato prometido. Compreende-se, assim, que não sejam aplicáveis ao contrato-promessa todas as disposições que regulamentam a celebração do contrato definitivo. Consequentemente, não estando em causa nesta ação a titularidade do imóvel prometido comprar/vender, mesmo que integrasse o domínio público marítimo, e ainda que, por isso, o Estado pudesse beneficiar da presunção da sua dominialidade pública, tal circunstância não afetaria, sem mais, a sua validade, por impossibilidade física ou legal do seu objeto. Nesta perspetiva, entendeu-se no acórdão recorrido que, tal como o promitente vendedor que se vincula a alienar uma coisa que, no momento, não tem legitimidade ou capacidade para alienar, pode vir a adquirir, entretanto, essa capacidade ou legitimidade, nada obsta a que, à semelhança de um contrato-promessa de bem futuro, o imóvel prometido comprar/vender possa ser desafetado do domínio público ou reconhecido como propriedade privada entre o momento da celebração do contrato-promessa e o momento da outorga da escritura pública de compra e venda. Perfilhando a orientação que vimos defendendo, se pronunciou este Supremo Tribunal de Justiça, no acórdão de 4/6/2013, proferido no proc. nº 6584/06.2TBVNG.P1.S1, relatado pelo Juiz Conselheiro Gregório Silva Jesus, disponível em www.dgsi.pt., assim sumariado: “IV - Nada obsta a que o promitente-vendedor se vincule a alienar uma coisa que não tem legitimidade ou capacidade para alienar, uma vez que sempre pode adquirir, entretanto, essa capacidade ou legitimidade, pode adquirir a propriedade ou o consentimento do proprietário desta, de modo a poder cumprir a promessa; todavia, se não o conseguir, torna-se responsável pelo incumprimento de um compromisso validamente assumido. V - Se o terreno ajuizado se situa na margem do mar, o Estado beneficia da presunção da sua dominialidade pública, mas o contrato-promessa celebrado entre recorrente/promitente-compradora e recorridos/promitentes-vendedores não é nulo por impossibilidade física ou legal do objeto (art. 280.º, n.º 1, do CC).” Sendo assim, é de concluir que o contrato-promessa dos autos não padece de nulidade, não merecendo, por conseguinte, a decisão do Tribunal a quo, qualquer censura. *** IV – Decisão 11. Nestes termos, negando provimento à revista, acorda-se em confirmar o acórdão recorrido. Custas pela recorrente. Lisboa, 21.2.2019 Maria do Rosário Correia de Oliveira Morgado (Relatora) José Sousa Lameira Hélder Almeida ______ [1] Facto aditado pelo Tribunal da Relação – cf. fls. 31 do acórdão recorrido. |