Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
3585/14.0TBMAI.P1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: ROQUE NOGUEIRA
Descritores: CONTRATO DE FIDUTIA CUM CREDITORE
USUCAPIÃO
CONSTITUTO POSSESSÓRIO
VALOR DO USO
ENRIQUECIMENTO SEM CAUSA
BENFEITORIAS
Data do Acordão: 03/07/2017
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: CONCEDIDA PARCIALMENTE A REVISTA
Área Temática:
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / FACTOS JURÍDICOS / NEGÓCIO JURÍDICO / DECLARAÇÃO NEGOCIAL / FORMA DA DECLARAÇÃO / EXERCÍCIO E TUTELA DE DIREITOS / PROVAS - DIREITO DAS OBRIGAÇÕES / CONTRATOS EM ESPECIAL / DOAÇÃO - DIREITOS REAIS / POSSE / USUCAPIÃO DE IMÓVEIS / DIREITO DE PROPRIEDADE.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - INSTRUÇÃO DO PROCESSO / PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS.
Doutrina:
- Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3.ª ed., 361, 391, 392.
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil”, Anotado, vol. III, 4.ª ed., 122.
- Antunes Varela, in R.L.J., Ano 120.º, N.º3760, 220.
- Catarina Monteiro Pires, Alienação em Garantia, 2009, 99.
- Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/1971,92 e 238.
- Pires de Lima e Antunes Varela, “Código Civil”, Anotado, vol. I, 399 e ss.; “Código Civil”, Anotado, vol. III, 2.ª ed., 29, 112, 113 e 116.
Legislação Nacional:

CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 220.º, 342.º, N.º 1, 352.º, 354.º, 357.º, 358.º, N.º 1, 364.º, 393.º, N.º 1, 394.º, N.º 2, 927.º, 932.º, 947.º, N.º 1, 1251.º, 1253.º, 1264.º, N.º 1, 1267.º, N.º 1, AL. C) 1273.º, 1290.º, 1296.º, 1311.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (CPC): - ARTIGOS 489.º, 498.º, N.º 4, 615.º, N.º1, ALS. B) E C), 635.º, N.º 4, 639.º, N.º1, 661.º, N.º 1, 662.º, N.ºS 1, 2 E 4, 674.º, N.º 3, 682.º, N.ºS 2 E 3, 683.º, N.ºS1 E 2.
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 4/5/76, B.M.J., 257.º-82, DE 14/10/76, B.M.J., 260.º-97, DE 18/2/88, B.M.J., 374.º-414 E DE 24/1/95, C.J., ANO III, TOMO I, 38.
-DE 25/1/74, B.M.J., 233.º-195, DE 14/10/76, B.M.J., 260.º-97, E DE 6/1/88, B.M.J., 373.º-532).
-DE 8/5/07, DE 6/5/08 E DE 10/7/08, TODOS DISPONÍVEIS IN WWW.DGSI.PT .
-DE 26/5/09, IN WWW.DGSI.PT .
-DE 28/5/09 E DE 6/5/10, DISPONÍVEIS IN WWW.DGSI.PT.
-DE 16/3/11, IN WWW.DGSI.PT .
Sumário :
I - Sendo a acção caracterizada pelo pedido, que se consubstancia na providência requerida, e pela causa de pedir, que se traduz nos fundamentos por que se solicita essa providência, resulta da petição inicial que foi proposta a acção a que se refere o citado art.1311º.

II – No contrato de fidutia cum creditore há um sujeito (prestador da garantia) que transmite a outro (beneficiário da garantia) a titularidade de um bem ou de um direito, com a finalidade de garantia de um crédito, ficando o beneficiário da garantia obrigado, uma vez extinta esta finalidade, a retransmitir-lhe aquela mesma titularidade.

III - Os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse, caso em que o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título (art.1290º, do CC).

IV – O constituto possessório é uma forma de aquisição solo consensu da posse, tratando-se, pois, de uma aquisição derivada da posse com tradição real implícita, já que não é necessário um acto de empossamento.

V - Competindo ao lesado provar o dano, não basta a prova da privação da coisa, sendo ainda necessário que o autor demonstre que dela pretende retirar utilidades que, normalmente, lhe seriam proporcionadas se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante.

VI - É pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que cabe àquele que pretende beneficiar do instituto do enriquecimento sem causa a prova dos factos, positivos ou negativos, que integram tal instituto.

VII – O direito à indemnização das benfeitorias feitas no prédio reivindicado, só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contradireito relativamente à pretensão reivindicatória (cfr. o art.1273º, do CC).

Decisão Texto Integral:

Revista nº3585/14.0TBMAI.P1.S1

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça:

1 – Relatório.

No 2º Juízo do Tribunal Judicial da Comarca da ..., AA intentou acção declarativa de condenação, sob a forma de processo ordinário, contra BB e marido CC, pedindo que os réus sejam condenados a reconhecerem o direito de propriedade da autora sobre o edifício que identifica na petição inicial, a restituírem imediatamente à autora, inteiramente livre e desocupada, a parte desse edifício que ocupam, e a pagarem à autora uma indemnização de 20.000 escudos por cada dia que decorrer entre a citação e a efectiva restituição à autora da parte do edifício que reivindica.

Os réus contestaram, concluindo pela verificação daas seguintes excepções peremptórias:

Ia) a nulidade parcial da escritura de 12/11/1986, por simulação;

Ib) a falsidade dessa escritura;

Ic) nulidade parcial do registo feito com base nessa escritura;

Id) aquisição por usucapião da casa Poente da Quinta do ...;

Ie) se assim não se entender, a aquisição derivada e por usucapião de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ...;

If) o abuso do direito por parte da autora.

Concluem, ainda, que:

II) a acção seja julgada improcedente, absolvendo-se a ré dos pedidos.  

Em sede de reconvenção, os réus pedem que a autora seja condenada:

IIIa) a reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ...;

IIIb) a reconhecer que a ré é plena proprietária do Palheiro da ...;

IIIc) a reconhecer que a ré é plena proprietária da quinta de ..., também denominada Casa da ...;

IIId) a não perturbar, ou por qualquer forma pôr em causa, o direito de propriedade da ré sobre esses prédios.

Os réus integram na pretensão de reconvenção, na eventualidade de a autora não ter reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ..., que a autora seja condenada:

IV) a reconhecer que a ré é comproprietária de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ....

Os réus integram na pretensão de reconvenção, na eventualidade de a autora não ter de reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ... e na eventualidade de a autora não ter de reconhecer que a ré é comproprietária de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ..., que:

Va) seja proferida sentença que transmita para a ré a casa Poente da Quinta do ...;

 Vb) ou que seja proferida sentença que transmita para a ré metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ....

Os réus integram na pretensão de reconvenção, na eventualidade de a autora não ter de reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ..., na eventualidade de a autora não ter de reconhecer que a ré é comproprietária de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ..., na eventualidade de não ser proferida sentença que transmita para a ré a casa Poente da Quinta do ... e na eventualidade de não ser proferida sentença que transmita para a ré metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ..., que:

VIa) a autora seja condenada a pagar à ré a importância de 400.000.000 de escudos, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação à autora da contestação;

VIb) a autora seja condenada a pagar à ré a importância de 13.500.000 escudos, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação à autora da contestação.

Os réus concluem que se deve ordenar:

VIIa) o cancelamento parcial da inscrição 00.656 a fls. 114vº do livro G-24 da Conservatória do Registo Predial da ..., no que à casa Poente da Quinta do ... se refere;

VIIb) o cancelamento parcial da inscrição 00.656 a fls. 114vº do livro G-24 da Conservatória do Registo Predial da ..., no que à metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ... se refere;

VIIc) o cancelamento da inscrição G2 sobre a parte urbana da descrição 61/020785 da freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial de ...;

VIId) o cancelamento da inscrição G1 sobre a descrição 692 da freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial de ....

Concluem, também, os réus que:

VIII) a autora seja condenada como litigante de má fé, com multa e com indemnização aos réus, esta a liquidar oportunamente.

Após réplica e tréplica, foi proferido despacho saneador, tendo-se seleccionado a matéria de facto relevante considerada assente e a que passou a constituir a base instrutória da causa.

Realizada a audiência de discussão e julgamento, foi proferida sentença, decidindo-se nos seguintes termos:

I- julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a acção e, consequentemente:

a) Condenar os réus a reconhecerem que a autora é proprietária da parte urbana do prédio sito no Lugar do ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o número 00.738, conhecido por Quinta do ..., inscrita na respectiva matriz urbana sob o artigo 581;

b) Condenar os réus a restituírem imediatamente, inteiramente livre e desocupada, a parte que ocupam do referido prédio;

c) No mais, julgar improcedente a acção.

II- julgar parcialmente procedente, por parcialmente provada, a reconvenção e, consequentemente:

a) Condenar a autora a reconhecer que a ré é plena proprietária do prédio urbano sito na ... do ..., freguesia da ..., concelho de ..., composta de casa térrea (hoje demolida) e casa de rés do chão e primeiro andar para habitação, logradouro e quintal, a confrontar do Poente com estrada, do Sul com Rua … e do Norte e Nascente com urbanização, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 61 e inscrito na matriz urbana nos artigos 1 e 2;

b) Condenar a autora a reconhecer que a ré é plena proprietária do prédio urbano, uma morada de casas altas, de habitação, de rés do chão e andares, com quintal, sito no Lugar de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o número 000/00001026 da freguesia de ... e inscrito na matriz no artigo 78;

c) Condenar a autora a não perturbar ou por qualquer forma pôr em causa o direito de propriedade da ré sobre esses prédios;

d) Ordenar o cancelamento da inscrição G2 sobre a parte urbana da inscrição 61/020785 da freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial de ..., bem como da inscrição G1 sobre a descrição 000/00001026 da freguesia de ... da Conservatória do Registo Predial de ..., em conformidade com o supra decidido quanto aos respectivos prédios;

e) No mais, julgar improcedente a reconvenção.

Mais se decidiu que as custas relativas aos pedidos da autora seriam suportadas pela autora e pelos réus na proporção de um oitavo e de sete oitavos, respectivamente, e que as custas relativas à reconvenção seriam suportadas pela ré e pela autora na proporção de nove décimos e de um décimo, respectivamente.

Autora e réus interpuseram recursos de apelação daquela sentença, tendo o acórdão da Relação do … decidido nos termos seguintes:

«- Confirmam a sentença para o efeito de condenarem os réus a reconhecerem que a autora é a única proprietária de toda a Quinta do ..., sita no Lugar do ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrita na Conservatória do Registo Predial da ... sob o número 00.738;

- Confirmam a sentença para o efeito de condenarem os réus a restituírem à autora, imediatamente, inteiramente livre e desocupada, a parte que ocupam na Quinta do ...;

- Julgam a apelação da autora parcialmente procedente e condenam os réus a pagarem à autora a quantia de 425.161,92€, bem como condenam os réus a pagarem à autora a quantia de 78,04€ por cada dia que decorrer entre 29/10/2015 e o dia em que efectivamente lhe entreguem a casa Poente da Quinta do ...;

- Julgam a apelação dos réus parcialmente procedente, pelo que na procedência parcial do pedido reconvencional VIb) condenam a autora a pagar à ré a quantia de 12.445€, acrescida de juros, contados à taxa anual de 7% entre 13/1/2001 e 30/4/2003 e à taxa anual de 4% desde 1/5/2003 até integral pagamento;

- Confirmam a sentença na parte de improcedência dos seguintes pedidos dos réus:

IIIa) Condenação da autora a reconhecer que a ré é plena proprietária da casa Poente da Quinta do ...;

IIId) Condenação da autora a não perturbar, ou por qualquer forma pôr em causa, o direito de propriedade da ré sobre a casa Poente da Quinta do ...;

IV) Condenação da autora a reconhecer que a ré é comproprietária de metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ...;

Va) Que seja proferida sentença que transmita para a ré a casa Poente da Quinta do ...;

Vb) Ou que seja proferida sentença que transmita para a ré metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ...;

VIa) Condenação da autora a pagar à ré a importância de 400.000.000 de escudos, acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação à autora da contestação;

VIIa) Que se ordene o cancelamento parcial da inscrição 00.656 a fls. 114vº do livro G-24 da Conservatória do Registo Predial da ..., no que à casa Poente da Quinta do ... se refere;

VIIb) Que se ordene o cancelamento parcial da inscrição 00.656 a fls. 114vº do livro G-24 da Conservatória do Registo Predial da ..., no que à metade indivisa da casa Poente e da casa Nascente que integram a Quinta do ... se refere;

VIII) Condenação da autora como litigante de má fé.

- Revogam a sentença na parte de condenação em custas;

- Determinam que a autora pagará custas sobre o valor de 118.330,56€ e que os réus pagarão custas sobre o valor de 824.200,24€, reportando-se essa condenação aos pedidos da autora e à fase dos autos que correu na primeira instância;

- Determinam que a autora pagará custas sobre o valor de 118.330,56€ e que os réus pagarão custas sobre o valor de 824.200,24€, reportando-se essa condenação aos pedidos da autora e à fase dos autos que correu nesta segunda instância;

- Determinam que a autora pagará custas sobre o valor de 194.506,23€ e que os réus pagarão custas sobre o valor de 2.050.084,31€, reportando-se essa condenação aos pedidos formulados pelos réus em reconvenção e à fase dos autos que correu na primeira instância;

- Determinam que a autora pagará custas sobre o valor tributário de 12.445€ e que os réus pagarão custas sobre o valor tributário de 2.050.084,31€, reportando-se essa condenação aos pedidos formulados pelos réus em reconvenção e à fase dos autos que correu nesta segunda instância».

Inconformados, os réus interpuseram recurso de revista daquele acórdão.

Produzidas as alegações e colhidos os vistos legais, cumpre decidir.

2 – Fundamentos.

2.1. No acórdão recorrido consideraram-se provados os seguintes factos:

1 DD [“mãe”] faleceu no dia 00/0/1989, no estado de viúva de EE [A) dos factos assentes].

2 FF [“tia”] faleceu no dia 00/00/1977, sucedendo-lhe como única herdeira a dita DD [B) dos factos assentes].

3 Mediante escritura pública de 7/7/1977, GG, na qualidade de procurador da tia, declarou vender à autora e à ré que, por seu turno, declararam comprar, em comum e partes iguais, como alodial e livre de encargos, pelo preço de 2.400.000 escudos, uma propriedade mista, toda unida, denominada HH, sita no Lugar do ... ou ..., da freguesia de ..., concelho da ..., descrita na Conservatória sob o nº 00.739, conforme fls. 13 a 18 [C) dos factos assentes].

4 No mês de Agosto de 1978, com conhecimento e sem oposição da mãe, a autora e a ré procederam à divisão física em duas partes de parte do prédio Quinta do ..., sito no Lugar do ..., freguesia de ..., concelho da ..., descrito na Conservatória do Registo Predial da ... sob o nº 00.738, parte essa inscrita na respectiva matriz urbana sob o artigo 581 [D) dos factos assentes].

5 A divisão aludida em 4 incidiu, pelo menos, sobre o edifício de três pavimentos, para habitação, claustro, dependência, jardim, pátio e logradouro [E) dos factos assentes].

6 Tendo-se destinado a possibilitar que a autora e a ré pudessem passar a habitar e residir com as respectivas famílias no referido edifício com privacidade própria e como se de duas casas se tratassem [F) dos factos assentes].

7 No ano de 1982, a mãe passou a residir no edifício referido em 5, dormindo na parte ocupada pela autora [G) dos factos assentes].

8 Em 27/12/1985, mediante escritura pública, a mãe declarou doar à autora e à ré que, por seu turno, declararam aceitar tal doação, em comum e partes iguais e por conta da quota disponível, a Quinta do ... [H) dos factos assentes],

9 tendo a autora e a ré requerido o registo predial dessa aquisição a favor de ambas, o qual se mostra efectuado mediante a inscrição 00.190, lavrada a fls. 84 do livro G-23, desde o dia 17/6/1986 [I) dos factos assentes].

10 Em 12/11/1986, mediante escritura pública denominada “troca”, a ré declarou dar à autora a metade indivisa que possuía nos prédios urbanos que integravam a HH, bem como a metade indivisa da Quinta do ... [J) dos factos assentes].

11 E a autora declarou dar à ré a metade indivisa que possuía no prédio rústico que integrava a HH [L) dos factos assentes].

12 A escritura pública aludida em 10 foi lida em voz alta, na presença da autora e da ré, e o seu conteúdo foi-lhes explicado pelo notário [M) dos factos assentes].

13 A autora procedeu ao registo predial da aquisição aludida em 10, a qual se mostra efectuada sob a inscrição 00.656, a fls. 114 vº do livro G-24, desde o dia 15/9/1987 [N) dos factos assentes].

14 E a ré procedeu ao registo de metade da parte rústica da HH [O) dos factos assentes].

15 Após a celebração da escritura pública aludida em 10, a ré continuou a residir, como até ali vinha fazendo, na metade do edifício identificado em 4 [P) dos factos assentes].

16 E procedeu ao loteamento, para venda, do prédio aludido em 3 [Q) dos factos assentes].

17 No decurso do ano de 1990, a autora e a ré partilharam entre si dois pares de brincos, sendo um desses pares avaliado em 800.000 escudos e o outro em 500.000 escudos, ficando o mais valioso a pertencer à autora e o de menor valor a pertencer à ré [R) dos factos assentes].

18 A autora e a ré partilharam entre si uma cama indo-portuguesa que pertencera à mãe, adjudicando-a à autora [S) dos factos assentes].

19 A tia era proprietária, pelo menos, dos seguintes bens:

A) No concelho da ...:

- propriedade mista HH, composta por casa de rés-do-chão e andar, com direito e esquerdo, inscrita na matriz urbana no artigo 060, casa de rés-do-chão e andar, com direito e esquerdo, inscrito na matriz no artigo 061, e terreno a mato e pinhal, cultura e pastagem, inscrito na matriz nos artigos 020, 021, 023, 025, 027, 096, 097, 098 e 700;

- prédio misto Quinta do ..., composto de casa de três pavimentos, dependência, jardim, pátio, terreno de lavradio e pomar, inscrito na matriz nos artigos 081 urbano e 087, 088, 090, 093 e 094 rústicos.

B) No concelho de ...:

- prédio misto, sito na ... do ..., freguesia da ..., composto de casa térrea e casa de rés-do-chão e primeiro  andar e área descoberta, inscrito na matriz nos artigos 1 e 2 urbano e 2.717 rústico e descrito na Conservatória do Registo Predial de ..., sob o nº 00/000785 de ....

C) No concelho de ...:

- prédio rústico, terreno de lavradio com vinha e terreno inculto com mato, situado no lugar do ... (antigo ...), freguesia de ..., a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 00.707, a fls. 54 v. do livro B-166, e inscrito na matriz no artigo 008;

- prédio rústico, terreno de mato e pinheiros, sito no mesmo lugar, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 00.707, a fls. 54 v. do livro B-166, e inscrito na matriz no artigo 009;

- prédio rústico, Quinta da ..., terreno de lavradio, com vinha, oliveiras e outras árvores de fruto e terreno inculto com mato, sito no mesmo lugar, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 00.707, a fls. 54 v. do livro B-166, e inscrito na matriz no artigo 310;

- prédio rústico, terreno a mato e pinheiros, sito no mesmo lugar, a desanexar do prédio descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 00.707, a fls. 54 v. do livro B-166, e inscrito na matriz no artigo 311;

- prédio urbano, uma morada de casas altas, de habitação, de rés-do-chão e andar, com quintal e demais pertenças, sito no lugar de ..., freguesia de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº 000/001026 da freguesia de ...  e inscrito na matriz no artigo 78 [T) dos factos assentes].

20 A autora e a ré contrataram um avaliador para atribuir o valor aos bens situados em ... e na ... e para sugerir uma divisão com base nos valores que apurasse [U) dos factos assentes].

22 A divisão aludida em 4 consistiu na construção de paredes fixas nos locais por onde passava a linha acordada como divisória das casas [V) dos factos assentes].

21 e 23 Sendo a parte habitada pela autora denominada casa Nascente e a parte habitada pela ré denominada casa Poente [X) dos factos assentes].

24 Tendo sido a autora quem construiu a totalidade das divisórias, designadamente as paredes fixas [Z) dos factos assentes].

25 A rede eléctrica da casa Nascente e da casa Poente está separada, estando instalados contadores próprios para cada uma das casas [AA) dos factos assentes].

26 A autora e a ré construíram na casa Nascente e na casa Poente cozinhas e instalações sanitárias próprias [BB) dos factos assentes].

27 As obras feitas pela autora na casa Nascente foram de maior vulto que as feitas pela ré, tendo implicado a construção de novas salas e outras dependências anteriormente não existentes [CC) dos factos assentes].

28 As casas passaram a ter entradas próprias, totalmente independentes e para ruas diferentes [DD) dos factos assentes].

29 Logo a seguir à divisão aludida em 4, a autora contratou o seu próprio seguro de incêndio [EE) dos factos assentes].

30 Desde Agosto ou Setembro de 1978, a autora passou a residir na casa Nascente e a ré na casa Poente e passaram a utilizar as partes exteriores complementares a essas casas [FF) dos factos assentes].

31 No exterior da casa Poente, a ré foi tratando do jardim, nele plantando flores e árvores ornamentais [GG) dos factos assentes].

32 E no choupelo (terreno destinado a quintal, situado a Sul do jardim), a ré planta e colhe produtos hortícolas [HH) dos factos assentes].

33 Entre um e outro construiu uma rampa para passagem de viaturas [II) dos factos assentes].

34 O terreiro entre a casa, o choupelo e a tulha, é habitualmente limpo de ervas daninhas e o seu piso regularizado pela ré, por forma a manter-se plano e utilizável para passagem de pessoas e veículos e para estacionamento destes [JJ) dos factos assentes].

35 Nesse terreiro, a ré construiu uma garagem para quatro automóveis [LL) dos factos assentes].

36 Até ao princípio do ano de 1997, a ré utilizou a tulha e adega (anexo em pedra situado a Poente do terreiro) para arrumos e arrecadações agrícolas [MM) dos factos assentes].

37 Presentemente a tulha vem sendo utilizada para a realização de festas [NN) dos factos assentes].

38 A ré cultivou directamente, com assalariados agrícolas, ou através de caseiros, a parte da HH destinada a cultivo, colhendo os seus frutos [OO) dos factos assentes].

39 E da parte inculta colheu mato e lenha, cortou árvores, que vendeu ou utilizou para madeira [PP) dos factos assentes].

40 E negociou a venda de uma parcela de terreno e recebeu o respectivo preço [QQ) dos factos assentes].

41 Na escritura de venda dessa parcela, a autora e a ré outorgaram como vendedoras [RR) dos factos assentes].

42 Sem que a autora tenha intervindo nas negociações que deram origem a essa venda e sem que tenha recebido a parte do preço respectivo, limitando-se a assinar aquilo que lhe era solicitado pela ré [SS) dos factos assentes].

43 E a autora passou a cultivar, através de caseiros agrícolas, a parte rústica da Quinta do ..., recebendo as suas rendas [TT) dos factos assentes].

44 No ano de 1978, a autora construiu um edifício para vacaria na zona do logradouro junta à Rua ... e também uma garagem para recolha de automóveis [UU) dos factos assentes].

45 E negociou a venda de duas parcelas de terreno e recebeu os respectivos preços [VV) dos factos assentes].

46 No terreno fronteiro à casa Nascente, a autora desenhou e construiu um jardim totalmente autónomo em relação ao espaço exterior da casa Poente [XX) dos factos assentes].

47 E no topo Nascente desse jardim, a autora abriu uma entrada carral para acesso à casa Nascente, totalmente independente da entrada para a outra casa [ZZ) dos factos assentes].

48 Na casa e logradouro situados no lugar da ... do …, freguesia de ..., concelho de ..., a ré fez obras de conservação, designadamente arranjando por diversas vezes o telhado, reparando e pintando as paredes, mudando e reparando as canalizações e a instalação eléctrica [AAA) dos factos assentes].

49 E trata do logradouro anexo, mantendo-o limpo de ervas e silvas [BBB) dos factos assentes].

50 Praticando todos estes actos à vista de todas as pessoas, designadamente da autora [CCC) dos factos assentes].

51 E sem oposição de ninguém [DDD) dos factos assentes].

52 Actuando na plena convicção de que, por exercer um direito próprio, não prejudica quem quer que seja [EEE) dos factos assentes].

53 A autora reconheceu a ré como proprietária do prédio aludido em 48 [FFF) dos factos assentes].

54 A casa e logradouro situados na ... são contíguos a um prédio rústico conhecido por Areal da ... [GGG) dos factos assentes].

55 Esse prédio foi sujeito a loteamento, tendo sido já vendido a terceiros a totalidade dos lotes [HHH) dos factos assentes].

56 Em 1978 a ré passou a usar e fruir a Casa e Quinta da ..., em ... [III) dos factos assentes].

57 Desde 1978 é a ré quem tem as chaves das casas [JJJ) dos factos assentes].

58 Utilizando a casa para habitação nas férias e em alguns fins de semana [LLL) dos factos assentes].

59 A ré fez obras de conservação, tendo designadamente renovado todo o primeiro andar, consertando e pintando as janelas, reparando o soalho e reconstruindo a cozinha e os quartos de banho [MMM) dos factos assentes].

60 E trata dos logradouros e anexos, mantendo-os limpos de ervas e silvas [NNN) dos factos assentes].

61 A ré negociou a venda de toda a parte rústica da quinta, parte a um particular e outra parte à Junta de Freguesia [OOO) dos factos assentes].

62 E recebeu a totalidade dos preços [PPP) dos factos assentes].

63 Para a celebração da escritura de venda ao particular, outorgada em 21/4/1979, a ré muniu-se de uma procuração da mãe [QQQ) dos factos assentes].

64 E para a escritura de venda à Junta de Freguesia de ... muniu-se de uma procuração da autora [RRR) dos factos assentes].

65 Nem a mãe, nem a autora interferiram nas negociações, nem reclamaram o preço ou parte dele [SSS) dos factos assentes].

66 Limitando-se a passar as procurações que a ré lhes solicitou, sem pedirem quaisquer explicações [TTT) dos factos assentes].

67 Todos estes actos foram praticados à vista de toda a gente, designadamente da autora [UUU) dos factos assentes].

68 Sem oposição de ninguém [VVV) dos factos assentes].

69 A autora assinou o documento “contrato de comodato” junto a fls. 224 a 226 dos autos, cujo teor se dá por reproduzido [XXX) dos factos assentes].

70 A casa da Quinta do ... compõe-se de um edifício em forma de U, de três pisos nas suas alas Sul e Nascente e de um piso na ala Poente, com um claustro no interior; um jardim a Sul; um terreiro a Poente e Sul; uma horta a Sul do jardim denominada choupelo; um anexo denominado tulha e adega, outrora destinado a arrecadação de cereais e de vinhos [ZZZ) dos factos assentes].

71 A ala Sul do edifício principal - parte Poente - é constituída no rés-do-chão por hall de entrada, átrio (antiga cozinha) com porta para o claustro, sala grande, cozinha, copa e WC de empregada [AAAA) dos factos assentes].

72 Estando dividida da parte Nascente através de uma parede de pedra e de uma antiga porta de comunicação, hoje tapada através de uma parede de tijolo [BBBB) dos factos assentes].

73 E no primeiro andar é constituída por quatro quartos grandes, dois quartos de banho, um quarto de arrumos (pequeno) e um corredor [CCCC) dos factos assentes].

74 Estando dividido da parte Nascente através das escadas de acesso do rés-do-chão ao primeiro andar [DDDD) dos factos assentes].

75 E no segundo andar é constituída por três salas grandes, um hall entre duas salas, hall de entrada (ao subir das escadas) e dois quartos pequenos [EEEE) dos factos assentes].

76 Estando dividida da parte Nascente através de uma parede de tijolo, no local de um antigo corredor, e, na parte restante, através de uma parede [FFFF) dos factos assentes].

77 Esta ala Sul é ainda integrada pelas escadas de comunicação entre os três pisos [GGGG) dos factos assentes].

78 A ala Poente do edifício principal - parte Poente - é constituída por dois quartos de banho, um quarto pequeno, uma lavandaria, um quarto grande, um corredor, um quarto de arrumas (antiga garagem), quarto do jardineiro e uma garrafeira [HHHH) dos factos assentes].

79 O espaço entre as alas Sul, Nascente e Poente forma o denominado claustro [IIII) dos factos assentes].

80 Estando dividido através de uma rede [JJJJ) dos factos assentes].

81 A parcela do claustro integrada na casa Poente é a do lado Poente e corresponde a cerca de quatro quintos do total [LLLL) dos factos assentes].

82 O jardim a Sul e a Nascente do edifício principal encontra-se dividido do jardim da casa Nascente através de uma grade com uma cancela, que se prolonga por 3,75 metros para Sul, a partir da face exterior da parede Sul do edifício principal; uma rede que se inicia nessa grade e se prolonga para Nascente numa extensão de 10,20 metros; uma rede com sebe viva que se prolonga por 33 metros para Sul, desde a rede anteriormente referida até ao muro de suporte do jardim [MMMM) dos factos assentes].

83 A parte do jardim que faz parte da casa Poente é a que se situa a Poente da linha divisória assim definida e, juntamente com o terreiro Sul, tem uma área aproximada de 1.500 metros quadrados (36,2 metros no sentido Poente/Nascente e 33 metros no sentido Norte/Sul) [NNNN) dos factos assentes].

84 A Sul deste jardim, existe a horta choupelo, que, do lado Nascente, se encontra dividida do jardim da casa Nascente através de uma rede com sebe viva, com a extensão de 70,20 metros; do lado Sul confronta com a parte rústica da Quinta do ..., da qual está dividida por um muro de pedra com a extensão de 57,5 metros; e do Poente com a vala da vacaria e a parede do celeiro do caseiro, que fazem parte da mesma parte rústica, com uma extensão de 68 metros [OOOO) dos factos assentes].

85 O choupelo está em plano inferior ao jardim, tem uma área aproximada de 4.000 metros quadrados (70,20 metros no sentido Norte/Sul e 57,5 metros no sentido Poente/Nascente) e todo ele se integra na casa Poente [PPPP) dos factos assentes].

86 O choupelo, do lado Norte e numa extensão de 21,30 metros, confronta com a casa dos empregados do caseiro da Quinta do ... (a qual integra a parte rústica dessa quinta) [QQQQ) dos factos assentes].

87 Nesse local a divisória é constituída por uma recta que une uma porta que dá acesso ao caseiro, para o lado Norte, ao princípio da vala, junto à esquina Sul/Poente da vacaria do caseiro, formando assim, um triângu1o [RRRR) dos factos assentes].

88 Entre a ala Poente da casa e a tulha existe um terreiro com a área aproximada de 1.050 metros quadrados, que confronta do Norte com o adro da Igreja, do Nascente com a ala Poente da casa, do Sul com terreno da casa do caseiro atrás referido e do Poente com a tulha e adega, terreiro que integra, todo ele, a casa Poente [SSSS) dos factos assentes].

89 E o mesmo acontece com a tulha e adega, com a superfície coberta de 350,8 metros quadrados, situada imediatamente a Poente do terreiro [TTTT) dos factos assentes].

90 A casa Poente é ainda integrada por uma faixa de terreno a Poente da tulha com a área aproximada de 120 metros quadrados, incluindo um portão de acesso dessa faixa ao exterior (adro da igreja) [UUUU) dos factos assentes].

91 A divisão aludida em 4 foi efectuada com o acordo da mãe [1 da base instrutória].

92 Tendo sido motivada pela necessidade que a autora e o seu agregado familiar, até então residentes no …, sentiram nessa época em usar gratuitamente uma casa, para melhor enfrentarem o período de dificuldades económicas que atravessavam [2 da base instrutória].

94 Logo que a divisão aludida em 4 ficou concluída, com o acordo da mãe a autora e a ré passaram a ocupar, a título gratuito, respectivamente a casa Nascente e a casa Poente [resposta a 4 da base instrutória].

95 Nas circunstâncias aludidas em 7, a mãe circulava por toda a sua casa, através de uma porta existente num corredor [5 da base instrutória].

95A Na sequência da celebração da escritura de 12/11/1986, a autora autorizou a ré a continuar a residir na casa Poente [resposta a 6 da base instrutória].

95B A ré sabia em 12/11/1986 que o valor da HH era superior ao valor da Quinta do ... [resposta a 8 da base instrutória].

96 A ré recusou-se a fazer qualquer acerto de contas entre os valores da HH e os valores da Quinta do ... e em Outubro de 1999 afirmou à autora que a casa Poente lhe pertence [resposta a 13 da base instrutória].

97 A cedência a terceiros do uso e fruição da casa Poente permitiria obter uma contrapartida monetária diária de 78,04€, por referência a 27/11/2000 [resposta a 14 da base instrutória].

101 Logo a seguir a 26/10/1977, a mãe passou a favor da autora e da ré procurações com poderes de administração e de disposição dos bens [resposta a 21 da base instrutória].

104 A autora e a ré combinaram que a casa da Quinta do ... seria dividida fisicamente, em duas partes iguais, de valor considerado equivalente [resposta a 26 da base instrutória].

105 Em Agosto de 1978 foi celebrado o seguinte acordo de distribuição de posses exclusivas:

- Nas duas casas de rés do chão e andar, com direito e esquerdo, sitas no cruzamento de ... de ..., que constituía a parte urbana do prédio misto HH, autora e ré acordaram que a autora seria a sua possuidora exclusiva;

­- No terreno de mato e pinhal, cultura e pastagem que constituía a parte rústica do prédio misto HH, autora e ré acordaram que a ré seria a sua possuidora exclusiva;

- No lado Nascente da parte urbana do prédio misto Quinta do ..., composta de uma parte da casa, parte do claustro, jardim e logradouro anexo, ou casa Nascente, acordaram a autora, a ré e a mãe, que a autora e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas;

- No lado Poente da parte urbana do prédio misto Quinta do ..., composta de uma outra parte da casa, outra parte do claustro, jardim a Sul e Nascente, horta denominada choupelo, terreiro, tulha e adega, e faixa de terreno a Sul desta, ou casa Poente, acordaram a autora, a ré e a mãe, que a ré e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas;

- Na parte rústica do prédio misto Quinta do ..., com as instalações agrícolas correspondentes, acordaram a autora, a ré e a mãe, que a autora e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas;

- Quanto à Quinta da ..., acordaram a autora, a ré e a mãe, que a ré e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas;

- Quanto ao Palheiro II – casa térrea e casa de rés do chão e primeiro andar, com área descoberta, esta última sem incluir o prédio rústico denominado Areal da ... –, acordaram a autora, a ré e a mãe, que a ré e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas [resposta a 28 da base instrutória].

107 A divisão aludida em 4 ocorreu na sequência da celebração do acordo referido em 105 [31 da base instrutória].

108 Tendo consistido também na colocação de redes, cobertas ou não por sebes vivas, na linha acordada para divisão do claustro, jardins e logradouros [32 da base instrutória].

109 Na sequência da divisão aludida em 4, a utilização da casa Poente e da casa Nascente continuou a ser efectuada indistintamente pela mãe, a utilização da casa Nascente passou a ser realizada em exclusivo pela autora e pela mãe e a utilização da casa Poente passou a ser realizada em exclusivo pela ré e pela mãe [resposta a 35 da base instrutória].

110 Em data não concretamente apurada, mas anterior a 24/11/1997, os réus, com a autorização da autora, resolveram utilizar a tulha e adega para organização de casamentos e baptizados [resposta a 37 da base instrutória].

111 Para o efeito constituíram a sociedade JJ, Limitada [38 da base instrutória].

112 Tal sociedade apresentou um projecto de investimento ao abrigo do RIME, projecto esse que foi aprovado [39 da base instrutória].

113 Na execução desse projecto foram feitas, a partir do princípio de 1998, obras de adaptação do edifício e dos espaços circundantes às novas finalidades [40 da base instrutória].

114 Essas obras orçaram no custo global de 14.000.000 de escudos, inteiramente pago por aquela sociedade [resposta a 41 da base instrutória].

115 Terminadas as obras, o edifício e espaço circundante passou a ser utilizado para a organização de festas, casamentos e baptizados [42 da base instrutória].

116 Revertendo o lucro dessa actividade integralmente para a sociedade [43 da base instrutória].

117 Na sequência da divisão aludida em 4, a autora passou a utilizar as duas casas que constituíam a parte urbana da HH em exclusivo, a autora e a mãe passaram a utilizar a parte rústica da Quinta do ... em exclusivo e a ré passou a utilizar a parte rústica da HH em exclusivo [resposta a 44 da base instrutória].

123 A autora nunca interferiu nas obras que a ré foi fazendo desde 1978 [50 da base instrutória].

124 Sendo que quando se deslocava à casa Poente fazia-o como visita [51 da base instrutória].

125 E quando falava com a ré e sua família da casa Poente, referia-se à “tua casa” ou “vossa casa” [52 da base instrutória].

126 As obras que a autora fez na casa Nascente transformaram-na numa casa funcionalmente independente da casa Poente [resposta a 53 da base instrutória].

128 Logo após a celebração do acordo de distribuição de posses exclusivas referido em 105, a mãe continuou a usar e a fruir o Palheiro II e a ré passou a usar e a fruir esse prédio em exclusivo com a mãe [resposta a 56 da base instrutória].

129 Desde então a ré e sua família têm as suas chaves e utilizam-na nas férias e nalguns fins de semana [57 da base instrutória].

130 Até ao ano de 1978, todos os anos a autora utilizava a casa e logradouro situados no lugar da ... do ..., freguesia de ..., concelho de ..., no mês de Agosto para férias e em alguns fins de semana [58 da base instrutória].

131 Tendo então deixado de o fazer [59 da base instrutória].

134 Os factos relativos à Casa e Quinta da ... aludidos em 56 a 68 verificaram-se na sequência da celebração do acordo aludido em 105 [65 da base instrutória].

135 Actuando a ré, desde Agosto de 1978, quanto à Casa e Quinta da ..., na plena convicção de que não prejudicava quem quer que fosse [resposta a 66 da base instrutória].

137 Desde 1978, nunca mais a autora ali passou férias e fins de semana, como anteriormente fazia com frequência [68 da base instrutória].

139 Pouco tempo após a celebração do acordo aludido em 105, a mãe entrou em litígio com a Fábrica da Igreja Paroquial e com Benefício Paroquial, tudo da igreja de ..., concelho da ..., pela necessidade de abrir um portão para o exterior [resposta a 90 da base instrutória].

140 Nessa acção era discutida a propriedade de uma parcela de terreno existente ao longo da Rua ..., entre esta, o jardim da casa Nascente e um campo situado a Sul deste [91 da base instrutória].

141 Na sequência deste litígio, o jardim da casa Nascente e uma parcela de terreno da Quinta do ... deixaram de ter frente para a Rua ... [92 da base instrutória].

144 A autora mandou elaborar a planta de fls. 223 onde, por sua própria indicação, estão assinaladas com cores diferentes os edifícios, anexos e terrenos da casa Poente e da casa Nascente [resposta a 102 da base instrutória].

145 Para levar a cabo as obras no anexo da tulha e adega, a sociedade JJ pediu um subsídio do Estado [resposta a 103 da base instrutória].

145A A autora assinou o documento “contrato de comodato” aludido em XXX) dos factos assentes, a pedido da ré e do gerente da sociedade JJ, porque toda a Quinta do ..., incluindo a tulha e adega, só a ela pertence [resposta a 104 da base instrutória].

146 A divisão aludida em D) dos factos assentes incidiu também sobre o quintal e a tulha [109 da base instrutória].

146A O processo de loteamento da HH, aludido em Q) dos factos assentes, teve início em 1993, tendo sido aprovado pela Câmara Municipal da ... em 1994 [110 da base instrutória].

 147 A parte rústica da HH obteve uma grande valorização, a qual não era prevista em 7/7/1977, mas já era conhecida pela autora e pela ré antes da celebração da escritura de troca de 12/11/1986 [resposta a 111 da base instrutória].

148 A casa Poente compõe-se da zona Poente do edifício principal, da parte Sul e Poente da área descoberta e da tulha e adega [112 da base instrutória].

149 As obras na cozinha da casa Poente, feitas pela ré em 1978, consistiram na colocação de tijoleira, azulejos e banca [resposta a 114 da base instrutória].

150 Tendo orçado em 75.000 escudos [resposta a 115 da base instrutória].

151 No ano de 1978, a ré remodelou o quarto de banho situado no primeiro andar da casa Poente, com a substituição da louça sanitária e azulejos, mudança de canalizações e pintura geral [116 da base instrutória].

152 O que orçou em 75.000 escudos [resposta a 117 da base instrutória].

153 No ano de 1978, a ré construiu no choupelo um anexo [resposta a 118 da base instrutória].

154 O que orçou em 45.000 escudos [resposta a 119 da base instrutória].

155 Em 1981 e em 1995, a ré procedeu à reparação e pintura geral de todas as portas e janelas exteriores da casa Poente [120 da base instrutória].

156 Despendendo para o efeito a quantia de 990.000 escudos [resposta a 121 da base instrutória].

157 Em data não concretamente apurada, a ré efectuou um furo artesiano no choupelo [resposta a 122 da base instrutória].

158 Tendo despendido para o efeito a quantia de 240.000 escudos [resposta a 123 da base instrutória].

159 Em 1980, a ré instalou na casa Poente um monta-cargas da cozinha, no rés-do-chão, para a sala de jantar, no segundo andar, tendo em 1999 sido feita a sua electrificação [124 da base instrutória].

160 Tendo o seu custo sido de 62.000 escudos quanto à instalação em 1980 e de 462.651 escudos quanto à electrificação em 1999 [resposta a 125 da base instrutória].

161 Em data não concretamente apurada, a ré construiu uma rampa de acesso do jardim para o choupelo, permitindo assim o acesso carral entre ambos [resposta a 126 da base instrutória].

162 Esta rampa é em pedra e o seu custo foi de 300.000 escudos [127 da base instrutória].

163 Em 1997, a ré construiu no terreiro da casa Poente um anexo para garagem, com capacidade para quatro automóveis [128 da base instrutória].

164 Tendo o seu custo sido de 1.200.000 escudos [129 da base instrutória].

165 Em 1999, a ré procedeu à remodelação de uma sala, um quarto de banho, um corredor e uma salinha, tudo no rés-do-chão da ala Poente [130 da base instrutória].

166 Quanto ao quarto de banho, implicou a substituição de canalizações, azulejos e louças sanitárias e a pintura de tectos e paredes [131 da base instrutória].

167 Quanto às restantes dependências, a remodelação consistiu na pintura de tectos e paredes, polimento e envernizamento dos soalhos e, na salinha, a instalação de um recuperador [132 da base instrutória].

168 Tendo despendido para o efeito a quantia de 2.000.000 de escudos [133 da base instrutória].

169 Ao longo dos anos a ré procedeu a diversos consertos do telhado da casa Poente, que implicaram a substituição de telhas e cumes, ripas, caibros e beiral [134 da base instrutória].

170 O custo destas reparações foi de 300.000 escudos [135 da base instrutória].

171 Ao longo dos anos a ré procedeu à pintura de todas as dependências da casa Poente [136 da base instrutória].

172 O custo destas pinturas foi de 1.500.000 escudos [137 da base instrutória].

173 Em 1980, a ré construiu o WC da empregada, no segundo andar da casa Poente, o que implicou a colocação de tijoleira, azulejos e louças sanitárias e o arranjo, reboco e pintura do tecto e paredes [144 da base instrutória].

174 O custo dessas obras foi de 150.000 escudos [resposta a 145 da base instrutória].

175 No decurso do ano de 2000, a ré colocou pavimento em granito à entrada do portão principal [146 da base instrutória].

176 O custo dessa obra foi de 250.000 escudos [147 da base instrutória].

177 As obras aludidas em 149 a 176 ficaram integradas na casa Poente e nos seus anexos [resposta a 148 da base instrutória].

178 Com as obras aludidas em 149 a 176 indispensáveis à conservação da casa Poente e dos seus anexos – excepto tulha e adega –, na parte realizada depois de 12/11/1986, a ré gastou 2.495.000 escudos (12.445€) [resposta a 150 da base instrutória].

179 A casa Poente tinha em 27/11/2000 o valor de 855.172,50€ [resposta a 151 da base instrutória].

180 Para além dos bens aludidos em 19, a tia era proprietária dos seguintes bens no concelho de ...:

- prédio inscrito na matriz no artigo 872 urbano de ...;

- prédio inscrito na matriz no artigo 73 rústico de Nazaré [152 da base instrutória].

186 Em 1982, quando se instalou na casa da Quinta do ..., a mãe passeava-se por toda a casa, como sua dona [resposta a 159 da base instrutória].

187 Actualmente, entre a casa Nascente e a casa Poente existem passagens de um jardim para o outro franqueadas por portões [160 da base instrutória].

188 As casas ficaram ligadas por uma porta colocada a meio de um dos corredores principais [161 da base instrutória].

189 O saneamento das casas Nascente e Poente sempre foi, e ainda hoje é, comum a ambas [162 da base instrutória].

190 Todos os canos de saneamento e o que por eles circula terminam em fossas situadas na zona da casa Nascente [163 da base instrutória].

191 As águas foram durante mais de cinco anos, para além de 1978, captadas num mesmo poço [164 da base instrutória].

191A A ré pediu autorização à autora para que a tulha e a adega fossem utilizadas para fazer festas [165 da base instrutória].

191B A ré só passou a afirmar que a casa Poente lhe pertencia a partir de Outubro de 1999 [resposta a 170 da base instrutória].

192 A seguir à divisão aludida em D) dos factos assentes, a ré contratou o seu próprio seguro de incêndio [resposta a 171 da base instrutória].

193 As casas Nascente e Poente não estão separadas em toda a sua extensão por planos verticais [172 da base instrutória].

Factos não provados:

1 Ao procederem à divisão aludida em 4, a autora e a ré admitiam então como possível, caso viessem a herdar a casa em apreço, virem a partilhá-la de acordo com essa divisão [3 da base instrutória].

2 Que a autorização dada pela autora à ré para que esta continuasse a residir na casa Poente, na sequência da celebração da escritura de 12/11/1986, se deva à circunstância de ambas terem acordado verbalmente que, um dia, aquando do acerto de contas entre os valores da HH e os valores da Quinta do ..., a autora procederia, simultaneamente, à transmissão para a ré, se ela ainda a quisesse, da parte da casa que ela ocupava [resposta a 6 da base instrutória].

3 Esse acerto de contas, como a ré sabia, consistiria exclusivamente no pagamento à autora de uma quantia pecuniária por parte da ré [7 da base instrutória].

5 A partilha de dois pares de brincos, aludida em 17 da matéria de facto provada, foi efectuada antes e por conta do acerto de contas que algum dia fariam entre os valores da HH e os valores da Quinta do ... [9 da base instrutória].

6 Sendo que a autora e a ré acordaram expressamente em que a diferença de valor seria levada em consideração nas contas que um dia viessem a fazer [10 da base instrutória].

7 Na sequência da partilha da cama indo-portuguesa, mencionada em 18 da matéria de facto provada, a autora e a ré acordaram que as tornas correspondentes seriam tomadas em consideração no dia em que fizessem contas entre os valores da HH e os valores da Quinta do ... [11 da base instrutória].

8 A ré, apesar de reconhecer inicialmente a necessidade da sua realização, nunca se disponibilizou para proceder ao acerto de contas referido em 2 dos factos não provados [12 da base instrutória].

8A Ao celebrarem a escritura pública de 7/7/1977, a tia não agiu com a intenção de vender a HH e a autora e a ré não agiram com a intenção de adquirir tal prédio, não tendo sido estipulado qualquer preço [15 da base instrutória].

8B Sendo que a importância referida como preço, 2.400.000 escudos, não foi paga pela autora e pela ré, nem recebida pela tia [16 da base instrutória].

9 Ao celebrarem a escritura pública de 7/7/1977, a tia agiu com a intenção de doar a HH à autora e à ré e estas agiram com a intenção de aceitar tal doação [17 da base instrutória].

10 Quando a autora manifestou intenção de passar a residir na casa da Quinta do ..., a autora e a ré, como condição prévia para essa mudança, acordaram em dividir entre si os bens que tinham pertencido à tia [18 da base instrutória].

11 Essa divisão envolveria a HH e também a Quinta do ..., a Casa e Quinta da ..., em ..., Palheiro e Areal da ... [19 da base instrutória].

11A Nessas circunstâncias, logo a seguir a 26/10/1977, a mãe tomou conhecimento da intenção da autora e da ré, tendo concordado e consentido expressamente nessa divisão [20 da base instrutória].

12 Declarando então que lhes doava verbalmente os bens ainda em seu nome e que quando o desejassem formalizaria essa doação [resposta a 21 da base instrutória].

12A Sendo que ao mesmo tempo autorizou a autora e a ré a que tomassem posse de todos os bens, móveis e móveis, o que estas fizeram de imediato [22 da base instrutória].

12B Nas circunstâncias referidas em U) dos factos assentes, o avaliador foi contratado pela autora e ré para atribuir o valor aos bens a dividir entre ambas [23 da base instrutória].

13 Os bens situados no concelho de ... não foram avaliados porque a autora e a ré concordaram que o terreno (areal) ficaria em comum e que o valor da casa e logradouro seriam compensados pela atribuição à outra parte da área de terreno correspondente (naquele areal) [24 da base instrutória].

13A A autora e a ré concordaram com os valores atribuídos à Quinta da ... e aos bens situados na ..., mas quanto a estes colocaram objecções às soluções de divisão apresentadas [25 da base instrutória].

13B Da avaliação dos bens situados no concelho da ... foi excluída a casa aludida em D) dos factos assentes [resposta a 26 da base instrutória].

14 Foi a autora quem estabeleceu as partes em que a casa da Quinta do ... seria fisicamente dividida, dando a escolher à ré, a qual optou pela parte Poente [resposta a 27 da base instrutória].

15 Que com base na combinação de Agosto de 1978, ficou estabelecido que o areal da ... era bem comum [resposta a 28 da base instrutória].

16 Nos termos desse acordo, não ficaram previstas tornas, uma vez que ambos os lotes foram considerados de igual valor [29 da base instrutória].

16A Após a celebração do acordo de distribuição de posses exclusivas, a autora e a ré entraram na posse dos bens que, segundo ele, lhe passaram a pertencer [30 da base instrutória].

17 Tendo consistido também na colocação de redes, cobertas ou não por sebes vivas, na linha acordada para divisão do claustro, jardins e logradouros [32 da base instrutória].

17A Após a sua construção ambas as casas ficaram perfeitamente isoladas entre si [33 da base instrutória].

18 O mesmo sucedeu com o claustro, jardins e logradouros [34 da base instrutória].

19 A autora e a ré começaram por separar as canalizações de água e de saneamento, que passaram a ser totalmente distintas para cada uma das casas [36 da base instrutória].

19A Desde Agosto de 1978 até à actualidade, sem interrupções, a autora e a ré vêm agindo em relação aos prédios aludidos em 105 dos factos provados como se os mesmos lhes pertencessem [45 da base instrutória].

19B Durante esse período, a autora e a ré vêm praticando esses actos à vista de todas as pessoas [46 da base instrutória].

19C E sem oposição de ninguém [47 da base instrutória].

19D E quer uma, quer outra, o fizeram desde o princípio, na plena convicção de que, por exercerem um direito próprio, não prejudicavam ninguém [48 da base instrutória].

20 A autora sempre considerou a ré como proprietária da casa Poente, seus jardins, logradouros e anexos [49 da base instrutória].

21 Desde 1978 até à actualidade, a autora nunca colocou em causa a utilização por parte da ré e da sua família da casa Poente [54 da base instrutória].

21A Nos contactos que teve, ao longo deste período, a autora sempre deu a entender e assumiu que a ré era a única dona da casa Poente [55 da base instrutória].

81 O loteamento do Areal da ... referido em HHH) dos factos assentes foi requerido por autora e ré [60 da base instrutória].

22 Nas contas que se fizeram entre a autora e a ré das importâncias provenientes dessas vendas, a ré não recebeu a parte que lhe pertencia em 4 lotes [61 da base instrutória],

22A cuja área somada corresponderá à casa e logradouro [62 da base instrutória].  

22B Sendo que assim se pretendeu operar a compensação pela casa e logradouro que a ré recebeu no acordo aludido no quesito 28 [63 da base instrutória].

24 E feita esta compensação a autora e a ré consideraram as contas encerradas, sem que nenhuma tivesse a exigir da outra o que quer que fosse [64 da base instrutória].

24A A autora sempre reconheceu a ré como proprietária da Casa e Quinta da ... [67 da base instrutória].

25 Com a escritura pública de doação de 27/12/1985, aludida em H) dos factos assentes, as outorgantes pretenderam regularizar formalmente a doação que já havia sido feita verbalmente em 1978 [69 da base instrutória].

25A Não tendo alterado a situação resultante do acordo aludido em 105 [70 da base instrutória].

26 Uns meses depois da celebração da escritura pública de doação de 27/12/1985, aludida em H) dos factos assentes, a autora manifestou à ré a intenção de que fosse formalizado o acordo mencionado em 105 da matéria de facto provada no que se refere aos bens situados no concelho da ... [71 da base instrutória].

27 Porque pretendia vender alguns terrenos para os quais lhe apareceram pretendentes [72 da base instrutória].

28 A ré deu o seu acordo a esta pretensão da autora [73 da base instrutória].

29 Tendo esta encarregado do assunto o solicitador GG [74 da base instrutória].

30 No próprio acto da escritura de 12/11/1986, referida em J) dos factos assentes, a ré foi confrontada com o facto de, na permuta, se incluir também a Quinta do ... e de ela ficar, na sua totalidade, em nome da autora [75 da base instrutória].

31 Tendo-lhe então sido explicado pelo Solicitador GG, com o acordo da autora, que essa era a melhor maneira de proceder, para depois se obter a regularização da situação [76 da base instrutória].

32 Sendo que essa regularização se traduziria na passagem da casa Poente para nome da ré, logo que fossem ultrapassados os obstáculos de carácter burocrático - obstáculos esses que justificaram a inclusão na escritura e a adjudicação à autora da totalidade da Quinta do ... [77 da base instrutória].

33 Tendo a autora garantido à ré que essa maneira de proceder em nada a viria a prejudicar [78 da base instrutória].

34 E que de forma alguma seria posto em causa quer o seu direito de propriedade sobre a casa Poente, quer a posse que a ré sobre ela vinha exercendo [79 da base instrutória].

35 Tendo a autora e a ré acordado que aquela praticaria todos os actos que fossem necessários para a regularização, logo que removidos aqueles obstáculos e sem que isso ficasse condicionado a quaisquer acertos de contas ou pagamento de contrapartidas [80 da base instrutória].

36 Sendo que tudo se passou no acto da escritura, sem que a ré tivesse tido previamente acesso a tais informações e ao texto da minuta da escritura [81 da base instrutória].

37 Os réus sempre confiaram inteiramente na autora e no seu falecido marido, considerando-os pessoas íntegras e incapazes de qualquer acto menos sério [82 da base instrutória].

38 E sempre acreditaram no solicitador GG como pessoa séria e tecnicamente apta a aconselhar as melhores soluções, já que se tratava de técnico indicado pela autora e da sua máxima confiança [83 da base instrutória].

39 Tendo por isso celebrado a escritura pública de 12/11/1986 aludida em J) dos factos assentes [84 da base instrutória].

40 Com o pressuposto e na convicção de que a autora respeitaria a obrigação então assumida quanto à regularização em seu nome da casa Poente [85 da base instrutória].

41 Ao celebrar a escritura de 12/11/1986 aludida em J) dos factos assentes, a autora e a ré pretenderam formalizar, quanto aos bens situados na ..., o acordo mencionado em 105 da matéria de facto provada [86 da base instrutória].

42 Ao celebrar a escritura de 12/11/1986 aludida em J) dos factos assentes, a autora e a ré nunca tiveram a intenção que a autora se tornasse proprietária única da Quinta do ... [87 da base instrutória].

43 Sendo que ao celebrar essa escritura, a ré nunca pretendeu que metade da casa da Quinta do ... deixasse de lhe pertencer, nem a autora pretendeu que ela lhe passasse a pertencer [88 da base instrutória].

44 Com a celebração dessa escritura, a autora e a ré pretenderam que a autora ficasse apenas formalmente proprietária da parte rústica da Quinta do ... e da parte urbana da HH e que a ré ficasse apenas formalmente proprietária da parte rústica da HH [89 da base instrutória].

44A Sendo pelo motivo referido em 141 dos factos provados e por a autora entender que daí resultava uma desvalorização do lote que lhe havia sido adjudicado nos termos do acordo aludido em 105, que a autora e a ré resolveram fazer o acerto das contas com as jóias e com a cama indo-portuguesa aludidas em 17 e 18 [93 da base instrutória].

45 Com a atribuição à autora da cama indo-portuguesa aludida em S) dos factos assentes e prescindindo a ré de tornas, a autora considerou-se inteiramente compensada pela diminuição de valor do seu lote [94 da base instrutória].

46 Por ocasião da partilha dos dois pares de brincos referidos em R) dos factos assentes, uns anos após a escritura de 12/11/1986 referida em J) dos factos assentes, a autora voltou a falar do mesmo acerto [95 da base instrutória].

47 A ré, muito embora considerasse não haver lugar a tal, aceitou ficar com a jóia de menor valor e não receber quaisquer tornas [96 da base instrutória].

48 Tendo a autora e a ré acordado então que o assunto dos acertos ficava definitivamente encerrado e que nunca mais nele se falaria [97 da base instrutória].

49 Em 1996, a ré foi alertada para a irregularidade da situação por um amigo da família que dela se apercebeu quando tratava de assuntos relativos a outros prédios da ..., e falou então com a autora sobre a necessidade de se proceder à regularização da casa Poente, tendo esta referido que estava inteiramente de acordo [98 da base instrutória].

50 Resolveram, então, dirigir-se à agência que tratava dos assuntos fiscais de ambas, onde pediram os seus serviços para se proceder a essa regularização, que passaria pela “transmissão” para a ré da casa Poente [99 da base instrutória].

51 Nessa agência, foram informadas que o assunto era muito complexo e que, por isso, teriam de consultar advogados, o que foi feito [100 da base instrutória].

52 Seguiram-se, depois, dois anos de conversações entre as partes, nas quais foram analisadas diversas hipóteses para se obter tal regularização [101 da base instrutória].

53 Um dos primeiros passos que a autora deu no sentido da regularização formal da situação referente às casas foi mandar elaborar a planta de fls. 223 [resposta a 102 da base instrutória].

55 Ao celebrar o acordo aludido em XXX) dos factos assentes, denominado “contrato de comodato”, a autora não agiu com a intenção de emprestar a tulha e adega, nem a sociedade JJ a quis receber de empréstimo [105 da base instrutória].

56 Correspondendo a um mero instrumento para permitir à ré licenciar na Câmara Municipal da ... o projecto de obras de remodelação da tulha e adega [106 da base instrutória].

57 Quem emprestou a tulha e adega à sociedade JJ foi a ré [107 da base instrutória].

58 Há 4 ou 5 anos a autora e a ré acordaram em proceder a alguns acertos na linha divisória entre a casa Poente e a parte rústica da Quinta do ... [108 da base instrutória].

60 A linha divisória entre o choupelo e a casa dos empregados do caseiro da Quinta do ..., aludida em QQQQ) e RRRR) dos factos assentes, foi confirmada num acordo verbal celebrado há cerca de três anos, por referência à entrada da presente acção, entre a autora e a ré, no qual se esclareceu que a vala da vacaria e o triângulo pertencem à autora e que a faixa de terreno a Poente da tulha e adega, desde a porta que dá ligação ao adro da igreja até à rampa, pertence à ré [113 da base instrutória].

61 As obras na cozinha da casa Poente, feitas pela ré em 1978, também consistiram na demolição de uma parede [resposta a 114 da base instrutória].

62 O anexo que a ré construiu no choupelo é de tijolo, coberto de telha, com a superfície coberta de 20 metros quadrados e destinou-se a arrecadações agrícolas [resposta a 118 da base instrutória].

63 O furo artesiano que a ré efectuou no choupelo tem 70 metros de profundidade [resposta a 122 da base instrutória].

64 Ao longo dos anos e por várias vezes, a ré procedeu à substituição total da instalação eléctrica da casa Poente [138 da base instrutória].

65 Sendo o custo dessas obras de 2.500.000 escudos [139 da base instrutória].

66 Em 1978, a ré procedeu à construção do quarto e WC na antiga garrafeira, o que implicou o levantamento de duas paredes, reboco e pintura de todas as paredes, colocação de tijoleira, azulejos, louça sanitária, canalizações e saneamento [140 da base instrutória].

67 Sendo o custo dessas obras de 700.000 escudos [141 da base instrutória].

68 Em 1978, a ré procedeu à instalação total de novo das canalizações da casa Poente, as quais foram sendo reparadas ao longo dos anos [142 da base instrutória].

69 Sendo o custo dessas obras de 500.000 escudos [143 da base instrutória].

70 O levantamento das obras efectuadas pelos réus, aludidas em 149 a 176 dos factos provados, implica a demolição da casa Poente e dos seus anexos [149 da base instrutória].

70A No ano de 1978, a mãe doou à ré a casa conhecida por Palheiro II, em ..., assim como o logradouro e o mobiliário lá existente [153 da base instrutória].

70B Em 1982 e 1983, quando se procedeu ao loteamento e à venda de parte dos terrenos situados em ..., a mãe deu à autora o valor de quatro dos lotes obtidos, para a igualar relativamente à ré no respeitante à doação aludida em 153 da base instrutória [154 da base instrutória].

71 Foi com vista a uma futura partilha (por morte dos pais) ou a uma futura divisão (em caso de doação), que o avaliador referido em U) dos factos assentes foi contratado pela autora e pela ré para avaliar os bens de ... e da ... e sugerir uma divisão igualitária com base nos valores que apurasse [155 da base instrutória].

71A Tendo em conta as avaliações efectuadas pelo avaliador quanto aos prédios da ..., a autora e a ré acabaram por acordar na sua futura divisão em termos semelhantes aos propostos pelo avaliador [resposta a 156 da base instrutória].

71B A autora concordou com os valores atribuídos pelo avaliador às diversas parcelas avaliadas no pressuposto de que elas tivessem as características que o avaliador afirmou, designadamente quanto às áreas e às aptidões económicas [157 da base instrutória].

73 Sendo que se verificou que o avaliador incorreu em erros de classificação de solos e de medição das áreas dos prédios, os quais implicam que a diferença entre o valor da avaliação e o valor real seja de 64.234.154 escudos [158 da base instrutória].

75 A autora sempre se dispôs a respeitar os princípios de partilha delineados em 1978, desde que os valores e áreas erradas fossem corrigidos [166 da base instrutória].

76 A autora outorgou a escritura de venda de uma parcela de terreno da HH, aludida em RR) dos factos assentes, em virtude de estar convicta que a ré nunca se recusaria a fazer e a acertar contas [167 da base instrutória].

77 No âmbito da partilha projectada em 1978, os acertos a fazer teriam a ré como devedora [168 da base instrutória].

78 Sendo que só quando a ré negou ser devedora de alguma coisa à autora, esta se passou a considerar desvinculada dos compromissos verbais assumidos em 1986, aquando da permuta [169 da base instrutória].

2.2. Os recorrentes rematam as suas alegações com as seguintes conclusões:

a) Nulidades

1) O ponto 147 da MFP foi alterado pela Relação apenas com base na transcrição de partes de depoimentos, tal como vêm referidos na sentença e que, ou não se referem expressa ou explicitamente ao facto (conhecimento pela autora e ré da grande valorização da HH antes da celebração da escritura de troca, em 12/11/1986) ou o contradizem;

2) A matéria do artigo 23° da BI foi expressamente confessada pela autora no seu depoimento de parte pelo que, ao remetê-la para o rol dos factos não provados, o acórdão incorreu em contradição (e em violação do artigo 358 n° l do CC);

3) A consideração como não provado, quanto aos imóveis, do facto do ponto 102 da MFP (versão da sentença) é contraditória com a exuberância dos atos possessórios referidos nos pontos 22 a 68, 123 a 126, 129, 130, 131 e 148 a 191 da MFP (sendo certo que o apossamento decorre de factos que não estão sujeitos a qualquer limitação probatória);

4) A consideração como não provado do facto do ponto 102 da MFP (versão da sentença) quanto aos móveis contraria o acordo das partes nos articulados quanto a essa matéria e a confissão pela autora no seu depoimento de parte;

5) A consideração como não provado do facto do ponto 103 da MFP, na versão da sentença é contraditória com o teor do documento da avaliação;

6) A versão do acórdão do ponto 104 é contraditória com o ponto 20 da MFP;

7) Há uma contradição evidente entre os pontos 56 a 68, 134 e 135 da MFP, por um lado e do ponto 105 da MFP, por outro;

8) Há uma contradição evidente entre os pontos 48 a 53 e 129 a 131 da MFP, por um lado e o ponto 105 da MFP, por outro;

9) Há uma contradição evidente entre a decisão (não reconhecimento da existência da obrigação de retransmissão pelo facto de "os réus pretenderem para a ré o direito de propriedade sobre ioda a quinta do ..., nesse caso com quota de metade") e os fundamentos (os réus pretendem para a ré a Casa Poente ou metade indivisa da Casa do ...);

10) Todas estas contradições e/ou omissões de fundamentação implicam nulidade - art. 607 n0 4, alíneas b) e c) do CPC;

11) Há contradição entre a fixação em 2% da desvalorização da casa Poente pela existência do contrato de comodato e o seu fundamento (avaliação pericial da adega e tulha).

b) Alterações ilegais da matéria de facto

12) O douto acórdão recorrido alterou e fixou a matéria de facto com base
em normas de direito probatório, no
"entendimento de que existiu um acordo de
distribuição de posses exclusivas e não um acordo global de partilhas" e na
"inexistência de contratos promessa"
;

13) Pode, pois, o STJ sindicar a interpretação e aplicação prática dessas normas (art. 674 n° 3 do CPC);

14) No decurso do período que medeia entre 1977 e 2000 ocorreram factos relevantes que enquadram, explicam e desenvolvem o sentido das três escrituras: compra e venda de 1977, doação de 1985, permuta de 1986;

15) Alguns desses factos estão documentalmente provados ou resultam de confissão das partes, o que faculta a produção de prova testemunhal sobre eles;

16) A invocação de acordos/compromissos não escritos pode ser objeto de qualquer tipo de prova quando a parte que os invoca não pretenda deles socorrer-se como atos formalmente válidos.

c) A escritura de 1977

17) Autora e ré reconheceram nos articulados e a autora também no seu depoimento de parte que a tia (FF) não lhes quis vender a HH nem elas a quiseram comprar, não tendo sido pago nem recebido o preço;

18) Esta confissão é relevante porque feita por ambas as partes por si e na qualidade de únicas herdeiras da tia;

19) Ao decidir de forma diferente e por meras razões de direito probatório, o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou o disposto no artigo 394 n° 2 do CC.

d) O acordo de 1978

20) Em 1978, foi celebrado entre a autora, a ré a mãe de ambas (Maria José) um acordo, com incidência patrimonial que teve por objeto os bens móveis e imóveis que haviam pertencido à tia (FF);

21) A sentença considerou ter sido feita prova exuberante desse acordo que envolveu uma doação e uma partilha;

22) O douto acórdão recorrido:

- deixou de fazer qualquer referência aos bens móveis, sem para o facto ter dado qualquer explicação;

- considerou que o acordo se traduziu na "distribuição de posses exclusivas, por razões ligadas à forma dos contratos e à aplicação de regras de direito probatório ";

23) No entanto: os negócios sobre móveis são válidos independentemente da forma;

24) E a nulidade, por falta de forma, subjacente aos negócios sobre imóveis, não se estende à realidade fática subjacente;

25) Por outro lado: a "prática contratual" adotada por autora e ré desde 1978 é relevante para a interpretação dos atos formais anteriores e posteriores;

26) Existem exuberantes provas documentais do acordo de 1978 – em especial o texto da avaliação, por si e confrontado com os atos posteriores de posse, com os atos de disposição praticados por autora e ré, com as procurações passadas pela mãe, com o requerimento subscrito pelo marido da autora e troca de correspondência entre ele e o pároco da ..., com os documentos relativos à Quinta da ..., com o requerimento subscrito pela autora em 21/06/1995, dirigido ao IPPAR e com a carta de 17/03/1999, subscrita pelo Ilustre Mandatário da autora;

27) O acordo de 1978 e a prática posterior criaram entre autora e ré todos os quatro requisitos para que se considere a figura do venire contra factum proprium: situação de confiança, justificação para essa confiança, investimento da confiança e a imputação da situação de confiança;

28) O Tribunal não pode substituir-se às partes invocando a nulidade com base no art. 286 do CC, sob pena do esvaziamento do art. 334 e do próprio princípio da boa-fé;

29) Ao decidir de fornia diferente o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou esta disposição legal;

30) O acordo de 1978 envolveu a entrega pela mãe dos bens móveis e imóveis às filhas, que assim foram investidas na sua posse;

31) A nova redação dos pontos 94, 101, 104, 105, 109 e 128, feito exclusivamente com base em errada interpretação e violação dos artigos 393 e 394 n0 2, envolve a sua violação.

e) A ação contra a Fábrica da Igreja da ...

32) Na ação proposta contra a Comissão da Fábrica da Igreja da ..., a mãe é formalmente parte mas, materialmente, é a autora que litiga;

33) Ao decidir de maneira diferente, alterando a redação do ponto 139 da MFP, o douto acórdão recorrido violou as citadas disposições legais.

f) A escritura de doação de 1985

34) A escritura de doação de 1985 - que não tem quaisquer efeitos repristinatórios - traduziu apenas a formalização da doação de 1978; os elementos documentais, designadamente os referidos na conclusão 26, constituem muito mais do que um início de prova nesse sentido;

35) Entre esses elementos contam-se os dois contratos de seguro que autora e ré celebram e cujo objeto era, respetivamente, a Casa Nascente e a Casa Poente;

36) Ao decidir de forma diferente, considerando como não provados os artigos 69 e 70 da BI, o douto acórdão recorrido violou as citadas normas de direito probatório.

g) O conhecimento da potencialidade construtiva da HH

37) Não ficou demonstrado, nem sequer indiciado, que autora e ré tivessem conhecimento, antes de 1986, da grande valorização da HH, tal como resulta do ponto 147 da MFP (e ao contrário do que se refere no mesmo ponto, mas na versão da sentença);

38) Dos docs. n° l e 3 juntos com o requerimento dos réus de 01/07/2013, dos docs. n° 8 e 12 junto com o requerimento dos réus de 28/03/2013, do doc. de fls. 207, doc. n° 5 junto com o requerimento da autora de 18/06/2013; da portaria 807/92 de 18/08/1992, que aprovou a carta da RAN do concelho da ...; e pela resolução do Conselho de Ministros n° 33/94, de 15/05 que ratificou o PDM da ..., aprovado por deliberação da Assembleia Municipal de 20/12/1993, resulta que em 1986 (e, por maioria de razão, antes dessa data) autora e ré não poderiam ter conhecimento da sobrevalorização da HH;

39) Ao decidir de forma diferente, o douto acórdão recorrido violou a força probatória dos documentos e dos textos legais citados.

h) A escritura de troca de 1986

40) Ambas as partes reconhecem divergências entre a vontade real e as declarações por elas prestadas na escritura de troca de 1986:

- a casa Poente era e sempre foi a casa de morada de família da ré;

- os valores atribuídos aos prédios são muito inferiores aos reais;

41) E, através da prova documental, do próprio texto dos articulados das partes e do depoimento de parte da autora, resulta claramente que a vontade delas contradiz ou vai para além da que consta das declarações que prestaram;

42) Na verdade ambas reconhecem que existe uma obrigação, por parte da autora, de retransmitir (formal e/ou materialmente) a Casa Poente para a ré;

43) Havendo provas, documentais e não só, que constituem indícios de divergências entre a vontade real e a declarada na escritura de troca, a prova testemunhal é admissível;

44) Ao decidir de forma diferente o douto acórdão recorrido violou as citadas disposições legais;

i) O comodato

45) O aditamento do ponto 145 da MFP, por meras razões formais e sem atender às outras provas produzidas (documentais, depoimento de parte, testemunhas) - o que seria particularmente importante atento o estranho conteúdo do contrato de comodato - violou, uma vez mais, as citadas disposições legais.

j) A planta topográfica

46) A planta de fls. 223 e a sua legenda foram executadas a pedido da autora e nela, por sua própria indicação, foram assinalados com cores diferentes os edifícios, anexos e terrenos de casa Nascente - legendados como sendo da autora - e da casa Poente — legendados como sendo da ré - isto numa ocasião em que havia conversações entre as partes para a formalização da situação da casa Poente na titularidade da ré;

47) Não pode, pois, deixar de ser considerada como uma confissão - ou, no
mínimo, um seu fortíssimo indicio - da titularidade da casa Poente pela ré;

k) A partilha das jóias e da cama indo portuguesa

48) Demonstrada a existência do acordo global de partilhas de 1978 e a autoria material da ação contra a Comissão da Fábrica de ... da ..., a matéria dos pontos 142 e 143 da MFP referente à partilha das jóias e da cama indo portuguesa considerada provada pela sentença mas remetida para os factos não provados pelo acórdão, deve voltar a ser considerada como provada;

I) Materialidade e informalidade

49) Da cronologia dos factos e acontecimentos ocorridos desde 1977 a 2000 resulta que, durante este longo período em que a ré viveu com a sua família na Casa Poente e aí fez obras de vulto, existiram duas realidades, uma material e outra formal que muitas vezes não coincidiram;

50) A realidade material, porque existiu, produziu efeitos já judicialmente reconhecidos: a aquisição por usucapião do direito de propriedade sobre a quinta da ... e sobre o Palheiro da ...;

51) Por isso mesmo toma-se incompreensível que essa mesma realidade não possa ser reconhecida no que se refere aos bens da ..., mormente a casa Poente, sobre a qual foram praticados atos de posse tão ou mais exuberantes;

m) A posse subsequente ao acordo de 1978

52) A prática por autora e ré desses atos sobre os bens objeto do acordo de 1978, deve qualificar-se como possessória;

53) Ao decidir de maneira diferente, o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou os artigos 1251,1252 n° 2,1253 a) e 1257 c) do C.C.

54) O constituto possessório não opera automaticamente, requerendo, antes,
um acordo pelo qual
"o possuidor, alienada a posse, reserva, por qualquer título, ü
detenção da coisa e se dispensa, assim, de a entregar ao novo possuidor"
— P. Lima e
A. Varela. Cód. Civil Anot., Vol. III, 2
a. Edição, pág. 29;

55) O artº 1264 do CC, quando refere "qualquer causa" tem em vista esse acordo - e a sua não existência implica o não funcionamento do constituto possessório;

56) A posse da ré manteve-se, pois, durante 22 anos e tem por consequência a aquisição pela ré do direito de propriedade sobre a casa Poente;

57) Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou os arts 1252 n° 2,1257 n° 2 e 1290 do CC;

n) Contrato fiduciário e causa de pedir

58) O contrato de fidutía cum creditore seria (na tese retirada dos factos alegados pela autora) a causa da manutenção da ré na posse da casa Poente;

59) A nulidade, a resolução (ou até a indemonstração da sua existência por quem o invocou) obriga à devolução do que foi recebido com base nesse contrato (neste caso, a casa Poente) e com efeitos retroativos;

60) A causa de pedir traduz-se em factos necessariamente alegados pela autora e deles se conclui que a ação não é de reivindicação mas de incumprimento de um contrato de fidutia cum creditore;

61) Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou os arts 1311 do CC e 581 do CPC:

o) Outra causa de nulidade

62) A nulidade da escritura de compra e venda de 1977 implica a nulidade da escritura de permuta de 1986;

p) Enriquecimento sem causa

63) A autora, ao justificar a atribuição a si própria da casa Poente, com o acerto de contas e ao não o ter demonstrado está obrigada à reposição da situação que existiria se essa atribuição não tivesse sido feita;

64) Essa reposição implica a sua "retransmissâo" ou, caso assim se não entenda, à "restituição" à ré do seu valor;

65) A Casa do ..., muito embora tenha sido incluída no âmbito do acordo de partilha de 1978, foi dividida em substância pelas duas irmãs, constituindo um lote à parte dos outros bens;

66) A inclusão da casa Poente - ou de metade indivisa da Casa do ... - na escritura de troca e a sua adjudicação à autora não foi acompanhada de qualquer contrapartida financeira: a autora recebeu-a "de graça " sem que nada o justificasse;

67) E decorre da tese da autora que recebeu, também de graça, a cama indo- portuguesa e a jóia mais valiosa;

68) E tudo isto no âmbito de negócios onerosos: igualmente por esta via se chega ao enriquecimento sem causa da autora à custa do empobrecimento, também sem causa, da ré;

69) Face à situação de confiança gerada na ré com relação à casa Poente, é abusiva a invocação da necessidade do segundo contrato promessa, como requisito formal para a apreciação do acordo celebrado entre as duas irmãs quando da escritura de troca.

70) Não reconhecendo a propriedade da ré, incumbe ao Tribunal, nos termos do art. 479 do CC, determinar-lhe uma compensação correspondente ao valor da Casa Poente adjudicada à autora, de montante não inferior ao da avaliação constante dos autos:

71) Ao decidir em sentido contrário, o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou os arts. 334,473,479 n° l, 562 e 566 do CC;

q) A indemnização com base no art. 1271 do C.C.

72) Face à causa de pedir da ação, a indemnização pela ocupação da casa Poente tem base contratual, mas não foram demonstrados os seus pressupostos;

73) O disposto no art° 1271 não é aplicável à detenção;

74) Mas, ainda que fosse aplicável à situação em apreço, não conduziria a qualquer indemnização por não terem sido alegados e muito menos demonstrados os seus pressupostos, designadamente factos donde se pudesse concluir que a autora sofreu um qualquer prejuízo efetivo;

75) Não sendo, para tal, suficiente uma qualquer alegação genérica e vaga - a que acresce o facto de as circunstâncias concretas demonstrarem que a autora nunca daria de arrendamento a casa Poente;

76) Vai neste sentido a jurisprudência dominante, designadamente a deste Supremo Tribunal;

77) Ao decidir em contrario, o douto acórdão recorrido interpretou erradamente e violou o art° 1271 do CC;

78) O valor líquido do rendimento da casa Poente, dela excluídas a tulha e a adega e deduzidas as despesas de manutenção e fiscais, não seria superior a 1.661,50 € mensais;

79) A ser fixada indemnização - sempre injustificada, como se demonstrou - ela deveria ser reduzida nos termos dos arts 494 e 570 do CC;

r) Indemnização por benfeitorias; retenção

80) A indemnização devida à ré por benfeitorias deve ser fixada em 21.358,52 €;

81) Ela está indissociavelmente ligada à posse, pelo que o reconhecimento do direito da ré a indemnização por benfeitorias implica, necessariamente, o reconhecimento da ré como possuidora da casa Poente;

82) Como credora de indemnização por benfeitorias, a ré gozaria sempre do direito de retenção sobre a casa Poente, onde elas foram realizadas (art0 754 do CC) inviabilizando, também por esta via, o direito à indemnização invocado pela autora.

Termos em que que deve:

a) - ser declarado nulo o douto acórdão recorrido; e

b) - ser o processo remetido ao Venerando Tribunal da Relação para ampliação da matéria de facto e eliminação das suas contradições; ou

c) - ser revogado o douto acórdão recorrido na totalidade e proferida decisão que julgue a ação inteiramente improcedente e procedente a reconvenção condenando-se a autora nos pedidos reconvencionais principais formulados; ou

d) - ser revogado o douto acórdão na parte em que condenou os réus no pagamento da indemnização pelo não uso da casa Poente, prosseguindo o processo pelo reenvio para o Tribunal da Relação quanto à parte restante, tal como referido em b).

2.3. A recorrida contra-alegou, concluindo pela improcedência de todas as conclusões do recurso.

2.4. Como é sabido, o âmbito dos recursos determina-se face às conclusões da alegação do recorrente, só abrangendo as questões aí contidas, como resulta do disposto nos arts.639º, nº1 e 635º, nº4, do CPC (serão deste Código as demais disposições citadas sem menção de origem).

Nas conclusões da sua alegação de recurso de revista, os réus-recorrentes colocam questões de facto e de direito, embora nem sempre o façam de forma sistematizada e diferenciada.

Os nºs 1 e 2, do art.662º, referenciam os casos em que a Relação deve alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto, determinando o nº4, do mesmo artigo, que, das decisões da Relação previstas naqueles nºs 1 e 2, não cabe recurso para o STJ.

Por outro lado, nos termos do art.682º, nº2, «A decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no nº3 do artigo 674º».

Sendo que, por força deste último artigo, «O erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa da lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova».

Como refere Abrantes Geraldes, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, 3ª ed., pág.361, «Sendo genericamente correcta a asserção de que a matéria de facto é da exclusiva competência das instâncias, também se verifica, através da apreciação do nº3, do art.674º, que o STJ não fica totalmente paralisado no que concerne ao controlo da decisão da matéria de facto, ainda que a sua intervenção acabe por se circunscrever a aspectos em que se tenha verificado a violação de normas de direito probatório».

Quando o STJ actue nos casos excepcionais do art.674º, nº3, considerando que existiu ofensa expressa a norma legal que exija determinada espécie de prova (v.g. documento para titular facto sujeito a registo) ou que atribua valor tarifado a determinado meio de prova (v.g. desconsideração de confissão judicial ou extrajudicial), fá-lo em regime de substituição, com anulação do facto que ilegitimamente tenha sido considerado provado ou com a recolha do facto mediante a valoração do meio ou meios de prova que tenham sido desconsiderados (cfr. ob.cit., pág.391).

Quando o STJ entende que a correcta decisão da causa está prejudicada pela omissão de factos tidos por relevantes ou pela constatação de que a decisão da matéria de facto está eivada de contradições (art.682º, nº3), então assume-se como tribunal de cassação, o que, para além da detecção daquelas irregularidades, implica a definição do direito aplicável ao caso (art.683º, nº1) (cfr. ob.cit., pág.392).

No entanto, esta prévia definição do direito aplicável pode não ser viável se, por falta de elementos de facto ou por contradição da matéria de facto, o STJ não puder fixar com precisão o regime jurídico aplicável ao caso concreto.

Neste caso, o STJ limitar-se-á a remeter o processo para a Relação, a fim de serem superadas as omissões ou as contradições detectadas (art.683º, nº2).

Será, pois, face a este enquadramento jurídico que se analisarão as questões suscitadas pelos recorrentes quanto à decisão da matéria de facto.

Por outro lado, haverá que ter em consideração que uma parte da sentença da 1ª instância transitou em julgado, nomeadamente aquela que, julgando parcialmente procedente a reconvenção, condenou a autora a reconhecer que a ré é plena proprietária dos prédios sitos no concelho de ... (Palheiro II) e de ... (Quinta da ...), pelo que, quando estiver em causa matéria de facto que contenda com tal condenação, tornar-se-á inútil apreciar essa matéria.

Começar-se-á, assim, pelas questões de facto colocadas pelos recorrentes, seguindo-se a ordem  que lhes foi dada nas conclusões da alegação de recurso.

Tais questões surgem dispersas pelas conclusões nºs 1 a 48, numeração essa que respeitaremos na exposição subsequente.

2.4.1. Matéria de facto

1) Alegam os recorrentes que o ponto 111º da base instrutória «foi alterado pela Relação apenas com base na transcrição de partes de depoimentos, tal como vêm referidos na sentença e que, ou não se referem expressa ou explicitamente ao facto (conhecimento pela autora e ré da grande valorização da HH antes da celebração da escritura de troca, em 12/11/1986) ou o contradizem».

Perguntava-se no ponto 111º: «Sendo que com a sua aprovação (loteamento) a «HH» obteve uma valorização antes não prevista?».

Resposta na 1ª instância: «Com a aprovação do loteamento aludido em 16. a «HH» obteve uma valorização antes não prevista».

Resposta na Relação: «A parte rústica da HH obteve uma grande valorização, a qual não era prevista em 7/7/1977, mas já era conhecida pela autora e pela ré antes da celebração da escritura de troca de 12/11/1986».

Como resulta do próprio teor da alegação dos recorrentes, estamos perante eventual erro na apreciação das provas, o qual, no caso, não pode ser objecto do recurso de revista, uma vez que não se verifica, e nem sequer vem alegada, qualquer das situações excepcionais previstas no art.674º, nº3.

Nada há, pois, a determinar no que respeita ao referido ponto 111º da base instrutória.

2) Alegam os recorrentes que a matéria do ponto 23º da base instrutória foi expressamente confessada pela autora no seu depoimento de parte, pelo que, ao remetê-la para o rol dos factos não provados, o acórdão incorreu em contradição e em violação do art.358º, nº1, do C.Civil.

Perguntava-se no ponto 23º: «Nas circunstâncias aludidas em U, o avaliador foi contratado pela autora e pela ré para atribuir o valor dos bens a dividir entre ambas?».

Verifica-se que da decisão de facto proferida pela 1ª instância não consta a resposta ao aludido ponto 23º.

Por outro lado, consta da acta de audiência de julgamento de fls.1097 a 1100 que a autora, em sede de depoimento de parte, confirmou o factualismo, designadamente, do ponto 23º.

No entanto, no acórdão recorrido, a Relação incluiu o ponto 23º nos factos não provados, desconhecendo-se porquê, já que, naquele acórdão, não se vê que se faça qualquer justificação a este propósito.

Uma vez que o depoimento de parte foi reduzido a escrito na parte em que houve confissão da depoente, tal confissão, em princípio, tem força probatória plena contra a confitente (cfr. o art.358º, nº1, do C.Civil).

Mas o que é certo é que, por um lado, a 1ª instância não se pronunciou sobre esse ponto, sendo que não consta que as partes tenham invocado essa omissão.

Por outro lado, a Relação limitou-se a incluir esse ponto nos factos não provados, sem que se saiba a razão de tal procedimento.

Seja como for, entendemos que houve ofensa de uma disposição expressa de lei que fixa a força probatória da confissão (art.358º, nº1, do C.Civil), sendo que esta é, no caso, admissível e inequívoca (cfr. os arts.354º e 357º, do C.Civil).

Assim, fazendo a confissão prova contra a confitente, haverá que considerar provado o facto constante do ponto 23º da base instrutória (cfr. o art.674º, nº3).

3 e 4) Alegam os recorrentes que a consideração como não provado, quanto aos imóveis, do facto do ponto 22º da base instrutória é contraditória com a exuberância dos actos possessórios referidos nas als.V a VV dos factos provados e nos pontos 50 a 53, 57 a 59, 112, 114 a 137, 144 a 148, 150 a 157 e 159 a 164, da base instrutória, e, ainda, que a consideração como não provado, quando aos móveis, do facto do ponto 22º contraria o acordo das partes nos articulados quanto a essa matéria e a confissão pela autora no seu depoimento de parte.

Perguntava-se no ponto 22º: «Sendo que ao mesmo tempo autorizou a autora e a ré a que tomassem posse de todos os bens, móveis e imóveis, o que estas fizeram de imediato?».

Enquanto na 1ª instância o ponto 22º foi considerado provado, na Relação foi considerado não provado.

Porém, a circunstância de a Relação ter considerado tal facto como não provado não entra nas aludidas contradições, porquanto o que o ponto 22º pretendia indagar era onde se estribava a «tomada de posse» de todos os bens.

Assim, a 1ª instância considerou que a mesma se estribava num acordo verbal de partilhas entre a autora e a ré, de todos os bens que tinham pertencido à tia de ambas, com a concordância da mãe destas, que lhes teria doado verbalmente certos bens (cfr. os pontos 18º a 21º da base instrutória) e que as teria autorizado a tomar posse de todos os bens (cfr. o aludido ponto 22º).

Já a Relação considerou não provados esses factos, como resulta não só da resposta negativa que deu ao referido ponto 22º, mas também da resposta negativa que deu aos mencionados pontos 18º a 21º.

Ou seja, a Relação entendeu que os chamados actos possessórios constantes da matéria de facto dada como provada não advinham daquele acordo verbal, tal como havia sido alegado pelos recorrentes.

Logo, não se verifica, no caso, a invocada contradição.

Acresce que não se vê que haja acordo das partes nos articulados quanto a essa matéria e que haja confissão da autora reduzida a escrito, aquando do seu depoimento de parte (cfr. a acta de audiência de julgamento de fls.1097 a 1100).

Mantém-se, pois, o ponto 22º da base instrutória como não provado.

5) Alegam os recorrentes que a consideração como não provado do facto do ponto 25º da base instrutória é contraditória com o teor do documento da avaliação.

Perguntava-se no ponto 25º: «A autora e a ré concordaram com os valores atribuídos à Quinta da ... e aos bens situados na ..., mas quanto a estes colocaram objecções às soluções de divisão apresentadas?».

Tal ponto foi considerado provado na 1ª instância e não provado na Relação.

Contudo, não se vê como é que a consideração como não provado colida com o teor do documento da avaliação.

Este documento destinou-se a avaliar determinados bens, atribuindo-lhes o respectivo valor.

Outra questão é a de saber se a autora e a ré concordaram com tais valores ou se colocaram objecções.

Assim, não se provando estes factos, essa circunstância não contraria o teor do documento de avaliação.

Mantém-se, pois, também como não provado o referido ponto 25º da base instrutória.

6) Alegam os recorrentes que a versão do acórdão do ponto 26º da base instrutória é contraditória com a al.U dos factos assentes.

 Perguntava-se no ponto 26º: «Da avaliação dos bens situados no concelho da ..., foi excluída a casa aludida em D), tendo a autora e a ré combinado que ela seria dividida fisicamente, em duas partes iguais, de valor considerado equivalente?».

A 1ª instância considerou esse ponto como provado, enquanto que a resposta da Relação foi restritiva, nos seguintes termos: «A autora e a ré combinaram que a casa da Quinta do ... seria dividida fisicamente, em duas partes iguais de valor considerado equivalente».

A al.U dos factos assentes é do seguinte teor: «A autora e a ré contrataram um avaliador para atribuir o valor aos bens situados em ... e na ... e para sugerir uma divisão com base nos valores que apurasse».

Analisando os pontos de facto constantes desta al.U e daquele ponto 26º, na versão da Relação, não se vê que haja contradição entre eles, como nos parece evidente.

O que releva, no caso, é que a autora e a ré combinaram que a referida casa seria dividida fisicamente, em duas partes iguais, de valor considerado equivalente.

Facto este que, quer a 1ª instância, quer a Relação, deram como provado.

Mantém-se, deste modo, a resposta dada ao ponto 26º em questão.

7 e 8) Alegam os recorrentes que há uma contradição evidente entre as als.III a VVV dos factos assentes e as respostas aos pontos 65º e 66º da base instrutória, por um lado, e a resposta ao ponto 28º da base instrutória, por outro.

Mais alegam que há uma contradição evidente entre as als.AAA a FFF dos factos assentes e as respostas aos pontos 57º a 59º da base instrutória, por um lado, e a resposta ao ponto 28º, por outro.

Verifica-se, no entanto, que tais factos dizem respeito aos prédios sitos nos concelhos de ... (Palheiro II) e de ... (Quinta da ...) cuja propriedade já foi reconhecida à ré por sentença transitada em julgado, pelo que, como atrás já se referiu, se torna inútil apreciar a invocada contradição entre aqueles pontos de facto.

9 e 10) Alegam os recorrentes que há uma contradição evidente entre a decisão (não reconhecimento da existência da obrigação de retransmissão pelo facto de «os réus pretenderem para a ré o direito de propriedade sobre toda a quinta do ..., nesse caso com quota de metade») e os fundamentos (os réus pretendem para a ré a Casa Poente ou metade indivisa da Casa do ...).

Mais alegam que todas estas contradições e/ou omissões de fundamentação implicam nulidade, citando, para o efeito, o disposto no art.607º, nº4, als.b) e c).

Dir-se-á, antes do mais, que houve manifesto lapso na citação do referido artigo, pois que, certamente, ter-se-á querido invocar o art.615º, nº1, als.b) e c), respeitante às causas de nulidade da sentença, mas aplicável à 2ª instância ex vi do disposto no art.666º, nº1.

Assim, aquelas als.b) e c) preveem, respectivamente, a nulidade do acórdão por falta de motivação e por contradição entre os fundamentos e a decisão.

Quanto à al.b), o que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação, isto é, a ausência total de fundamentos de direito e de facto.

Ora, é evidente que o acórdão recorrido especificou os fundamentos de facto que teve como provados e especificou os fundamentos de direito sobre os quais assentou a sua decisão, como resulta do teor do relatório do presente acórdão.

Quanto à al.c), o que a lei considera nulidade é a construção viciosa do acórdão, o que acontece quando os fundamentos aí invocados conduziriam, logicamente, não ao resultado expresso na decisão, mas a resultado oposto.

Ora, não se vê que o acórdão recorrido enferme de vício lógico que o comprometa, já que a decisão não colide com os fundamentos em que se apoia.

Aliás, nem os recorrentes apontam tal vício, tudo indicando que os mesmos consideram nulidade do acórdão quaisquer contradições que ocorram na decisão sobre a matéria de facto.

Porém, a ocorrência de tais contradições tem o seu regime próprio previsto nos arts.682º, nº3 e 683º, como atrás já se referiu, não justificando a arguição da nulidade da al.c), do nº1, do art.615º.

11) Alegam os recorrentes que há contradição entre a fixação em 2% da desvalorização da casa Poente pela existência do contrato de comodato e o seu fundamento (avaliação pericial da adega e da tulha).

Contudo, a prova pericial é livremente apreciada pelo tribunal (art.489º), pelo que não tem aplicação ao caso o disposto no art.674º, nº3, in fine.

O alegado pelos recorrentes, embora estes o não digam expressamente, tem a ver com a resposta dada ao ponto 151º da base instrutória.

Perguntava-se nesse ponto: «A Casa Poente tem o valor de 400.000.000$00?».

Resposta da 1ª instância: «A Casa Poente tinha em 1999 o valor de € 872.625,00».

Resposta da Relação: «A Casa Poente tinha em 27/11/2000 o valor de € 855.172,50».

Esta resposta, atento o atrás exposto, não é sindicável por este tribunal de revista, não podendo, pois, ser alterada.

12 a 16) Nestes pontos, os recorrentes limitam-se a fazer considerações genéricas sobre alterações ilegais da matéria de facto, aludindo às normas de direito probatório, mas sem concretizarem tais alterações, o que fazem nos pontos subsequentes.

17 a 19) Alegam os recorrentes que a autora e a ré reconheceram nos articulados e a autora também no seu depoimento de parte que a tia (FF) não lhes quis vender a HH, nem elas a quiseram comprar, não tendo sido pago nem recebido o preço.

Mais alegam que esta confissão é relevante, porque feita por ambas as partes, por si e na qualidade de únicas herdeiras da tia, pelo que, ao decidir de forma diferente e por meras razões de direito probatório, o acórdão recorrido interpretou erradamente e violou o disposto no art.394º, nº2, do C.Civil.

Vejamos.

Apesar de não o dizerem expressamente, certamente os recorrentes pretendem, com o alegado, pôr em causa a resposta negativa dada ao ponto 17º da base instrutória.

Perguntava-se aí: «Ao celebrarem a escritura pública aludida em C (escritura pública de 7/7/1977), a mencionada FF agiu com a intenção de doar o prédio ali referido à autora e à ré e estes agiram com a intenção de aceitar tal doação?».

O invocado art.394º, nº2, do C.Civil, prevê que a proibição da prova por testemunhas se aplique ao acordo simulatório e ao negócio dissimulado, quando invocados pelos simuladores.

Este artigo restringe consideravelmente os termos em que os simuladores podem invocar a simulação, já que, praticamente, a prova desta fica reduzida à prova documental e à prova por confissão.

No caso, alega-se acordo entre autora e ré, bem como confissão da autora em sede de depoimento de parte.

No entanto, esse acordo entre as pretensas adquirentes-simuladoras é ineficaz, no sentido de não ser susceptível de fazer prova da simulação.

Quanto à alegada confissão da autora, é certo que no seu depoimento de parte declarou confirmar o ponto 17º (cfr. fls.1099).

Todavia, nos termos do art.352º, do C.Civil, «Confissão é o reconhecimento que a parte faz da realidade de um facto que lhe é desfavorável e favorece a parte contrária».

A confissão tem a força de prova plena por se traduzir no reconhecimento como verdadeiro de um facto, apesar de a parte ter interesse em o contestar.

Na verdade, se a parte confessa o facto, não obstante ter interesse em o impugnar ou negar, deve naturalmente concluir-se que o facto é verdadeiro.

O que significa que, no caso, não tendo a autora afirmado um facto contrário ao seu interesse, não pode ver-se aí uma confissão.

Deste modo, a resposta ao ponto 17º da base instrutória não podia deixar de ser, como foi, negativa em ambas as instâncias, não violando a mesma o disposto no art.394º, nº2, do C.Civil.

20 a 31) Alegam os recorrentes que a nova redacção dos pontos 4º, 25º, 26º, 28º, 35º e 56º da base instrutória, feita exclusivamente com base em errada interpretação e violação dos arts.393º e 394º, nº2, envolve a sua violação.

Perguntava-se no ponto 4º: «Logo que a divisão aludida em D ficou concluída, a autora e a ré passaram a ocupar respectivamente cada uma dessas partes, gratuitamente, por mero favor da mencionada DD?».

Resposta da 1ª instância: provado que «logo que a divisão aludida em 4. ficou concluída, a autora e a ré passaram a ocupar respectivamente e a título gratuito cada uma dessas partes da casa»; não provado que tal ocupação tenha ocorrido «por mero favor da DD».

Resposta da Relação: «Logo que a divisão aludida em 4 ficou concluída, com o acordo da mãe a autora e a ré passaram a ocupar, a título gratuito, respectivamente a casa Nascente e a casa Poente».

Os pontos 25º26º já foram atrás referenciados.

Perguntava-se no ponto 28º: «Com base na combinação então efectuada, a qual ocorreu em Agosto de 1978, a divisão ficou assim estabelecida:

. Lote da autora: lado nascente da parte urbana da Casa do ... composta por casa, parte do claustro, jardim e logradouro anexos; parte rústica da Quinta do ... com as instalações agrícolas correspondentes; parte urbana da HH (formada por dois prédios no Cruzamento do ... de ...);

. Lote da ré: lado poente da parte urbana da Casa do ..., composta por casa com duas alas, parte do claustro, jardim a sul e nascente, horta denominada Choupelo, terreiro, tulha e adega e faixa de terreno a sul desta; parte rústica da HH; Quinta da ..., em ...; Casa e logradouro da ... (o denominado Palheiro II):

Bens comuns a ambos os lotes: areal da ...?».

Resposta da 1ª instância: provado, excepto a parte final, ou seja, a parte em que se perguntava se o areal da ... era bem comum a ambos os lotes.

Resposta da Relação: «Em Agosto de 1978 foi celebrado o seguinte acordo de distribuição de posses exclusivas:

- Nas duas casas de rés do chão e andar, com direito e esquerdo, sitas no cruzamento de ... de ..., que constituía a parte urbana do prédio misto HH, autora e ré acordaram que a autora seria a sua possuidora exclusiva;

­- No terreno de mato e pinhal, cultura e pastagem que constituía a parte rústica do prédio misto HH, autora e ré acordaram que a ré seria a sua possuidora exclusiva;

- No lado Nascente da parte urbana do prédio misto Quinta do ..., composta de uma parte da casa, parte do claustro, jardim e logradouro anexo, ou casa Nascente, acordaram a autora, a ré e a mãe, que a autora e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas;

- No lado Poente da parte urbana do prédio misto Quinta do ..., composta de uma outra parte da casa, outra parte do claustro, jardim a Sul e Nascente, horta denominada choupelo, terreiro, tulha e adega, e faixa de terreno a Sul desta, ou casa Poente, acordaram a autora, a ré e a mãe, que a ré e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas;

- Na parte rústica do prédio misto Quinta do ..., com as instalações agrícolas correspondentes, acordaram a autora, a ré e a mãe, que a autora e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas;

- Quanto à Quinta da ..., acordaram a autora, a ré e a mãe, que a ré e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas;

- Quanto ao Palheiro II – casa térrea e casa de rés do chão e primeiro andar, com área descoberta, esta última sem incluir o prédio rústico denominado Areal da ... –, acordaram a autora, a ré e a mãe, que a ré e a mãe seriam as suas possuidoras exclusivas».

Perguntava-se no ponto 35º: «Na sequência da divisão aludida em D, a utilização mencionada em FF passou a ser efectuada em termos de exclusividade?».

Resposta da 1ª instância: provado.

Resposta da Relação: «Na sequência da divisão aludida em 4, a utilização da casa Poente e da casa Nascente continuou a ser efectuada indistintamente pela mãe, a utilização da casa Nascente passou a ser realizada em exclusivo pela autora e pela mãe e a utilização da casa Poente passou a ser realizada em exclusivo pela ré e pela mãe».

Perguntava-se no ponto 56º: «Logo após a celebração do acordo aludido em 28), a ré entrou no uso e fruição exclusivos da casa e logradouro situados no lugar da ... do ..., freguesia de ..., concelho de ...?».

Resposta da 1ª instância: «Em data não concretamente apurada de 1978, a ré entrou no uso e fruição exclusivos da casa e logradouro situados no lugar da ... do ..., freguesia de ..., concelho de ...».

Resposta da Relação: «Logo após a celebração do acordo de distribuição de posses exclusivas referido em 105, a mãe continuou a usar e a fruir o Palheiro II e a ré passou a usar e a fruir esse prédio em exclusivo com a mãe».

Verifica-se que as alterações introduzidas aos aludidos pontos de facto por parte da Relação têm a ver, além do mais, com a circunstância de aí se ter entendido que o acordo global de partilhas teria de ser exarado por escrito, designadamente através de contrato promessa, e de ser assinado pela autora e pela ré.

É que, na 1ª instância, considerou-se não haver dúvidas que existiu efectivamente um acordo de partilhas logo em 1978, referindo-se que «A prova é inequívoca nesse sentido, sendo que o próprio comportamento das partes, nomeadamente quando aos prédios que ocuparam, não deixa dúvidas nesse sentido. Com efeito, se não tivesse havido acordo não se perceberia como cada uma das partes foi administrando os bens que lhes coube, vendendo inclusivamente alguns deles».

Por isso que, na 1ª instância, se deu como provado que «A autora e a ré acordaram, logo em 1977, em dividir entre si o prédio aludido em 3. (HH), a Casa e Quinta do ... ou do ... e Quinta da ..., em ...» (resposta ao ponto 19º da base instrutória).

E que «Logo a seguir, em data não concretamente apurada, a referida DD concordou e consentiu expressamente nessa divisão e doou verbalmente às filhas os bens ainda em seu nome, passando-lhes procurações com poderes de administração e de disposição dos bens» (resposta aos pontos 20º e 21º da base instrutória).

E, ainda, «Sendo que ao mesmo tempo autorizou a autora e a ré a que tomassem posse de todos os bens, móveis e imóveis, o que estes fizeram de imediato» (resposta ao ponto 22º da base instrutória).

Na Relação, por se ter entendido que o acordo de partilhas teria de ser exarado por escrito e de ser assinado pela autora e pela ré, e que a doação de imóveis tinha de ser feita por escritura pública, considerou-se não ser admissível prova testemunhal.

Por isso que, na Relação, se consideraram não provados os pontos 19º, 20º e 22º da b.i., tendo-se respondido restritivamente ao ponto 21º, nos seguintes termos: «Logo a seguir a 26/10/1977, a mãe passou a favor da autora e da ré procurações com poderes de administração e de disposição de bens».

No entanto, porque na Relação também se entendeu que a prova é exuberante na demonstração da ocorrência de um acordo verbal de distribuição de bens pela autora e pela ré, dado até o comportamento posterior destas relativamente a tais bens, considerou-se que o acordo efectivamente alcançado em Agosto de 1978 era um «acordo de distribuição de posses exclusivas», dizendo-se expressamente que esta expressão «posses exclusivas» será sujeita a crítica, mas que é válida à luz do entendimento de um homem comum.

Acordo esse que, podendo ser validamente concluído por mera convenção verbal, admite todo o tipo de prova.

Razão pela qual se deu nova redacção à resposta ao ponto 28º da b.i., considerando-se provado o chamado acordo de distribuição de posses exclusivas, que teria natureza tripartida, por envolver a mãe da autora e da ré, na sua qualidade de proprietária dos bens, excepto da HH.

É certo que, na altura, nos termos do art.947º, nº1, do C.Civil, na redacção anterior à que lhe foi dada pelo DL nº116/2008, de 4/7, a doação de coisas imóveis só era válida se fosse celebrada por escritura pública.

É igualmente certo que, nos termos do art.393º, nº1, do C.Civil, «Se a  declaração negocial, por disposição da lei ou estipulação das partes, houver de ser reduzida a escrito ou necessitar de ser provada por escrito, não é admitida prova testemunhal».

Assim, quando a declaração negocial deva ser reduzida a escrito e não o seja, como aconteceu no caso dos autos, o acto é nulo (cfr. os arts.220º e 364º, do C.Civil), sendo, portanto, irrelevante qualquer espécie de prova.

O que significa que, no caso, exigindo a lei documento autêntico como forma da declaração negocial, não pode o mesmo ser substituído por outro meio de prova, pelo que, padecendo o negócio jurídico de um vício formal, não se transmitiu nem adquiriu nenhum direito com base nele.

Porém, daí não resulta que não possa constituir-se uma posse formal ou autónoma, isto é, uma posse desacompanhada do direito, exercendo-se poderes de facto sobre as coisas como se fossem titulares de um direito real, apesar de o não serem.

A posse formal ou autónoma é, até, mais importante do que a posse causal, sendo esta a posse que é acompanhada da titularidade do direito real.

Aliás, é para regular a posse formal que existem a generalidade dos artigos que regulam a posse.

Por outro lado, a posse pode ser não titulada, como acontece quando, apesar de se fundar num título em abstracto idóneo à aquisição do direito real, por exemplo, um contrato de doação (cfr. o art.954º, al.a), do C.Civil), exista um vício formal, designadamente, falta de escritura pública (cfr. o art.1259º, nº1, do C.Civil).

Deste modo, parece que nada impede que se dê como provado um acordo verbal de partilha em vida, com doação verbal por alguém de todos os seus bens ou parte deles.

Note-se que, assim se entendendo, não se está a substituir o documento autêntico por outro meio de prova, mas apenas a dar como demonstrado um facto da vida real, já que estamos no domínio da matéria de facto.

Claro que, em sede de matéria de direito, haverá que retirar as legais consequências da existência do aludido vício formal e da situação criada relativamente aos poderes de facto que se passaram a exercer sobre as coisas.

Segundo os recorrentes, a nova redacção dos pontos 4º, 25º, 26º, 28º, 35º e 56º da b.i., foi dada exclusivamente com base em errada interpretação e violação dos arts.393º e 394º, nº2, do C.Civil, envolvendo a sua violação.

Como já resulta do atrás exposto, a nova redacção dada aos pontos 4º, 25º e 26º, não tem nada a ver com o chamado «acordo de distribuição de posses exclusivas», mas o mesmo já não se poderá dizer da nova redacção dada aos pontos 28º, 35º e 56º, atrás transcrita.

Todavia, no acórdão recorrido diz-se expressamente que «A prova testemunhal e por confissão – para além da divisão física dentro da casa e da parte descoberta da parte urbana da Quinta do ... – são exuberantes na demonstração da ocorrência de um acordo de distribuição de posses exclusivas, ocorrido em Agosto de 1978».

E, mais à frente, diz-se, ainda, que «Esse acordo de distribuição de posses exclusivas demonstra-se claramente, seja com o contributo das testemunhas e dos depoimentos de parte, seja com o contributo de outros meios de prova».

Ou seja, foi face à prova produzida, designadamente testemunhal, que o tribunal recorrido adquiriu a convicção de que foi feito aquele acordo e não outro.

Estamos, pois, mais uma vez, no domínio da convicção probatória e do eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa, o qual não pode ser objecto de recurso de revista.

Deste modo, a nova redacção dos pontos 4º, 25º, 26º, 28º, 35º e 56º da b.i., não envolve violação dos arts.393 e 394º, nº2, do C.Civil, pelo que não poderá deixar de se manter.

32 e 33) Alegam os recorrentes que na acção proposta contra a Comissão da Fábrica da Igreja da ..., a mãe é formalmente parte mas, materialmente, é a autora que litiga, pelo que, alterando a redacção do ponto 90º da b.i., o acórdão recorrido violou os citados arts.393º e 394º, nº2.

Perguntava-se no ponto 90º: «Pouco temo após a celebração do acordo aludido em 28, a autora entrou em litígio com a Comissão Fabriqueira da Paróquia de ... da ..., pela necessidade de abrir um portão para o exterior?».

Resposta da 1ª instância: provado com o seguinte acrescentamento: «tendo sido sua mãe DD a intentar a competente acção cível».

Resposta da Relação: «Pouco tempo após a celebração do acordo aludido em 105, a mãe entrou em litígio com a Fábrica da Igreja Paroquial e com Benefício Paroquial, tudo da igreja de ..., concelho da ..., pela necessidade de abrir um portão para o exterior».

Não nos parece que a alteração operada pelo acórdão recorrido tenha violado qualquer disposição legal.

Na verdade, uma coisa é certa e os recorrentes estão de acordo nisso. Foi a mãe que intentou a competente acção cível.

Agora saber se quem entrou em litígio foi a autora ou a mãe não é questão relevante para a decisão da causa, até porque se desconhece a que título, uma ou outra, terão entrado em litígio.

Por conseguinte, sabido que é a mãe da autora que figura naquela acção como autora e que até lhe terá posto fim por transacção judicial, como se diz no acórdão recorrido, o entendimento de que foi a mãe que entrou em litígio não traduz ofensa expressa a qualquer norma legal.

Haverá, pois, que manter a redacção dada ao ponto 90º da b.i. pelo acórdão recorrido.

34 a 36) Alegam os recorrentes que a escritura de doação de 1985 traduziu, apenas, a formalização da doação verbal de 1978, como resulta dos elementos documentais constantes dos autos, pelo que, o acórdão recorrido, ao considerar como não provados os pontos 69º e 70º da b.i., violou os citados arts.393º e 394º, nº2.

Perguntava-se no ponto 69º: «Com a escritura pública aludida em H (doação de 27/12/85), as outorgantes pretenderam regularizar formalmente a doação que já havia sido feita verbalmente em 1978?».

Quer na 1ª instância, quer na Relação, a resposta àquele ponto foi negativa.

Logo, a resposta ao ponto 70º ficou prejudicada, já que se perguntava aí: «Não tendo alterado a situação resultante do acordo aludido em 28?».

Isto é, se não se provou a alegada regularização meramente formal, não tem sentido dar-se como provado, como se fez na 1ª instância, que mesma não alterou a situação anterior.

Assim, para evitar contradição entre as respostas aos pontos 69º e 70º, não podia a Relação dar como provado o ponto 70º, uma vez que, tal como a 1ª instância, deu como não provado o ponto 69º.

Sendo que, por nossa parte, não vemos que essa resposta ao ponto 69º implique violação dos invocados artigos do Código Civil.

Na verdade, o que não se provou foi que a escritura pública de doação de 27/12/85 tenha sido uma mera regularização formal de uma doação verbal de 1978.

Não está aqui em causa saber se houve ou não doação verbal. Mesmo que tenha havido, o que se pergunta é se a doação posterior, feita por escritura pública, se destinou apenas a regularizar aquela.

Ora, as instâncias, ao considerarem que esse facto não se provou, não ofenderam expressamente qualquer norma legal.

Mantêm-se, pois, as respostas dadas aos pontos 69º e 70º da b.i. pelo acórdão recorrido.

37 a 39) A matéria aqui alegada já foi tratada no ponto 1), a propósito do ponto 111º da b.i..

40 a 44) Nesta parte, os recorrentes não fazem referência a qualquer ponto da matéria de facto, nem nas conclusões, nem no texto da alegação (cfr. fls.2230 a 2233).

No entanto, alegam que ambas as partes reconhecem divergências entre a vontade real e as declarações por elas prestadas na escritura de troca de 1986, já que ambas admitem que existe uma obrigação por parte da autora de retransmitir a Casa Poente para a ré, o que constitui indício dessa divergência, pelo que a prova testemunhal é admissível.

Concluem que, ao decidir de forma diferente, o acórdão recorrido violou as citadas disposições legais (certamente serão os sempre invocados arts.393º e 394º, nº2).

Verifica-se, porém, que o acórdão recorrido não considerou inadmissível, nesta parte, a prova testemunhal, já que entendeu existir um início de prova por confissão da autora quanto ao acordo verbal estabelecido quando foi celebrada a escritura de troca, o que faculta a admissão da prova testemunhal sobre a existência de tal acordo de retransmissão.

Só que, entendeu também o acórdão recorrido que, mesmo com essa prova testemunhal, a matéria dos pontos 75º a 85º da b.i. (onde se inclui o aludido acordo verbal) deveria continuar a considerar-se não provada.

Não se vê, pois, que haja ofensa de qualquer disposição expressa de lei que justifique a intervenção do STJ.

45) Alegam os recorrentes que a resposta dada ao ponto 104º da b.i., por meras razões formais e sem atender às outras provas produzidas (documentais, depoimento de parte, testemunhas), violou as citadas disposições legais

Perguntava-se no ponto 104º: «Sendo que a autora assinou o documento aludido em XXX a pedido da ré e em virtude de toda a Casa do ... – incluindo a Tulha e a Adega – estar em nome da autora?».

Resposta da 1ª instância: não provado.

Resposta da Relação: «A autora assinou o documento “contrato de comodato” aludido em XXX) dos factos assentes, a pedido da ré e do gerente da sociedade JJ, porque toda a Quinta do ..., incluindo a tulha e adega, só a ela pertence».

No fundo, os recorrentes apontam a esta resposta ao ponto 104º um erro de julgamento e não, rigorosamente, ofensa expressa a qualquer norma legal, que, aliás, não indicam, aludindo apenas às citadas disposições legais.

Sendo que, por nossa parte, também não vemos que exista tal ofensa, pelo que se mantém aquela resposta.

46 e 47) Nesta parte, os recorrentes também não fazem referência a qualquer ponto da matéria de facto, nem nas conclusões, nem no texto da alegação (cfr. fls.2234 v.º a 2235 v.º).

Limitam-se a concluir que a planta topográfica não pode deixar de ser considerada como uma confissão, ou, no mínimo, um seu fortíssimo indício, da titularidade da Casa Poente pela ré.

No entanto, sempre se dirá que não se vê como é que uma planta topográfica possa ser considerada uma confissão relevante.

Por outro lado, ser ou não ser indício daquela titularidade não é questão que se coloque em sede de matéria de facto.

48) Alegam os recorrentes que, demonstrada a existência do acordo global de partilhas de 1978 e a autoria material da acção contra a Comissão da Fábrica de ... da ..., a matéria dos pontos 93º e 96º da b.i., referente à partilha das jóias e da cama indo-portuguesa, considerada provada pela sentença, mas remetida para os factos não provados pelo acórdão recorrido, deve voltar a ser considerada provada.

Perguntava-se no ponto 93º: «Sendo por esse motivo e por a autora entender que daí resultava uma desvalorização do lote que lhe havia sido adjudicado nos termos do acordo aludido em 28) que a autora e a ré resolveram fazer o acerto das contas com as jóias e com a cama indo-portuguesa aludidas em R) e S)?».

Resposta da 1ª instância: «Por esse motivo e por a autora entender que daí resultava uma desvalorização do lote que lhe havia sido adjudicado nos termos do acordo aludido em 105. que a autora e a ré resolveram fazer o acerto das contas com as jóias e com a cama indo-portuguesa aludidas em 17. e 18.».

Resposta da Relação: não provado.

Perguntava-se no ponto 96º: «A ré, muito embora considerasse não haver lugar a tal, aceitou ficar com a joia de menor valor e não receber quaisquer tornas?».

Resposta da 1ª instância: «A ré aceitou ficar com a joia de menor valor e não receber quaisquer tornas».

Resposta da Relação: não provado.

 Mais uma vez, não invocam os recorrentes ofensa de uma disposição expressa da lei que justifique a pretendida alteração da decisão da matéria de facto em questão.

Sendo que, inexistindo essa ofensa, o eventual erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto do recurso de revista, como já se referiu atrás.

Deste modo, as respostas dadas aos pontos 93º e 96º da b.i. pelo acórdão recorrido não podem ser alteradas.

2.4.2. Matéria de Direito

Assente a matéria de facto considerada provada, haverá agora que aplicar o direito, em sede do qual cumpre analisar as seguintes questões:

- saber se a acção devia ser julgada parcialmente procedente, nos termos em que o foi, por se verificarem os pressupostos da acção de reivindicação e dos pedidos aí formulados;

- saber se a reconvenção devia ser julgada parcialmente procedente, quanto ao pedido de indemnização por benfeitorias, e improcedente, quanto ao pedido de restituição por enriquecimento sem causa, nos termos em que o foi.

2.4.2.1. Verifica-se que quer na 1ª instância, quer na Relação, a decisão foi no sentido de se julgar parcialmente procedente a acção de reivindicação.

Assim, na 1ª instância, por via dessa procedência, foram os réus condenados a reconhecerem que a autora é proprietária da Quinta do ... e a restituírem-lhe imediatamente, inteiramente livre e desocupada, a parte que ocupam do referido prédio, tendo sido absolvidos do pedido de indemnização também formulado pela autora.

No acórdão recorrido, foi confirmada aquela sentença na parte em que condenou os réus aos aludidos reconhecimento e restituição, mas condenando-os, também, a pagarem à autora uma indemnização no montante de € 425.161,92, e, ainda, a quantia de € 78,04 por cada dia que decorrer entre 29/10/2015 e o dia em que efectivamente lhe entreguem a casa Poente da Quinta do ....

Entendem os recorrentes que a acção deve ser julgada inteiramente improcedente e procedente a reconvenção.

Vejamos.

Dir-se-á, antes do mais, que, nos termos do art.1311º, nº1, do C.Civil, «O proprietário pode exigir judicialmente de qualquer possuidor ou detentor da coisa o reconhecimento do seu direito de propriedade e a consequente restituição do que lhe pertence».

Acrescentando o nº2, do mesmo artigo que «Havendo reconhecimento do direito de propriedade, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei».

A acção de reivindicação prevista neste artigo é uma acção petitória, que tem por objecto o reconhecimento do direito de propriedade por parte do autor e a consequente restituição da coisa por parte do possuidor ou detentor dela.

São, assim, dois os pedidos que integram e caracterizam a reivindicação: o reconhecimento do direito de propriedade (pronuntiatio), por um lado, e a restituição da coisa (condemnatio), por outro.

Nada impedindo, no entanto, que o autor da reivindicação junte àqueles dois pedidos, um pedido de indemnização, por exemplo, do valor do uso que o demandado fez da coisa (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil, Anotado, vol.III, 2ª ed., págs.112 e 113).
Trata-se, pois, de uma acção que é exercida pelo proprietário não possuidor contra o detentor ou possuidor que não é proprietário da coisa, sendo o direito de reivindicar uma manifestação da sequela (cfr. Mota Pinto, Direitos Reais, 1970/1971, págs.92 e 238).

A causa de pedir na acção de reivindicação (acção real), é o facto jurídico de que deriva o direito de propriedade (art.498º, nº4, do C.P.C.).

Assim, se o autor invoca como título do seu direito uma forma de aquisição originária da propriedade, apenas precisará de provar os factos de que emerge o seu direito.

Mas, se a aquisição é derivada, não basta provar, por exemplo, que comprou a coisa, pois a compra e venda não se pode considerar constitutiva do direito de propriedade, mas apenas translativa desse direito, sendo preciso provar que o direito já existia no transmitente, o que, em muitos casos, se torna difícil de conseguir.

Por isso é que, para esse efeito, podem ter excepcional importância as presunções legais resultantes, designadamente, do registo.

Na verdade, tem-se entendido que, verificando-se a favor dos autores presunção legal de propriedade, derivada do benefício do registo de transmissão, nela podem fundamentar o pedido reivindicatório, sujeitando-se a que os réus a ilidam (cfr., entre muitos outros, os Acórdãos do S.T.J., de 4/5/76, B.M.J., 257º-82, de 14/10/76, B.M.J., 260º-97, de 18/2/88, B.M.J., 374º-414 e de 24/1/95, C.J., Ano III, tomo I, 38).

Consideram os recorrentes que a presente acção não é de reivindicação, mas de incumprimento de um contrato de fidutia cum creditore.

Mas não têm razão. Desde logo, porque nem sequer se provaram os elementos constitutivos daquele contrato (cfr. as respostas dadas aos pontos 6º e 7º da b.i.).

O negócio de alienação em garantia é definido por Catarina Monteiro Pires, in «Alienação em Garantia», 2009, pág.99, como o «negócio nos termos do qual um sujeito (prestador da garantia) transmite a outro (beneficiário da garantia) a titularidade de um bem ou de um direito, com a finalidade de garantia de um crédito, ficando o beneficiário da garantia obrigado, uma vez extinta esta finalidade, a retransmitir-lhe aquela mesma titularidade».

Como se refere no Acórdão do STJ, de 16/3/11 (Relator: Conselheiro Lopes do Rego), in www.dgsi.pt, a doutrina portuguesa corrente é hoje favorável, em termos gerais, à admissibilidade da figura do negócio fiduciário com o credor – fidutia cum creditore –, o qual terá, em princípio, de se considerar válido, enquanto emanação do princípio fundamental da autonomia da vontade dos contraentes.

No caso da venda fiduciária em garantia, o credor/com...r adquire imediatamente a propriedade do bem, através do acto de alienação, documentado por escritura pública e susceptível de imediata inscrição no registo predial, podendo passar a apresentar-se no comércio jurídico como legítimo proprietário do prédio.

Mas se ulteriormente for cumprida a obrigação que se pretendia indirectamente garantir através da venda fiduciária realizada ou mostrando-se, de qualquer outra forma, exaurido o fim de garantia do crédito, é lícito ao interessado invocar o «pactum fidutiae» informalmente acordado com o credor, onde se estipulou uma verdadeira obrigação pessoal de revender a coisa que lhe foi alienada.

Está, pois, excluído, desde logo por razões de forma, que o negócio fiduciário em causa possa produzir efeitos reais, apenas podendo conduzir a uma vinculação estritamente obrigacional e pessoal de revenda.

Por isso que, ao aceitar uma estipulação puramente informal do pacto fiduciário, o devedor tem necessariamente a noção da fragilidade da tutela do seu interesse na aquisição do bem vendido e do risco que irá correr, ao transmitir a propriedade do imóvel em termos reais em troca de uma vinculação, puramente obrigacional e pessoal, de revenda ou retransmissão por parte do com...r.

Sendo que tal risco pode ser minimizado, optando as partes pela celebração de uma venda a retro, estipulando, para tal, em termos formalmente válidos, a cláusula resolutiva e procedendo ao respectivo registo (cfr. os arts.927º e 932º, do C.Civil).

Seja como for, o que é certo é que, no caso dos autos, não resultam da matéria de facto alegada e provada elementos integradores de um qualquer negócio fiduciário com fim de garantia.

Razão pela qual nem sequer haja que falar em nulidade, anulação, violação ou resolução do chamado contrato de fidutia cum creditore.

vidas não restam que, no caso sub judice, a autora intentou acção de reivindicação contra os réus, pois que, sendo a acção caracterizada pelo pedido, que se consubstancia na providência requerida, e pela causa de pedir, que se traduz nos fundamentos por que se solicita essa providência, resulta da petição inicial que foi proposta a acção a que se refere o citado art.1311º.

Por outro lado, não suscita a menor dúvida a tese de que, na acção de reivindicação, incumbe ao reivindicante provar o direito de propriedade sobre a coisa reivindicada, tendo em conta a regra geral contida no nº1, do art.342º, quanto ao ónus da prova, e o preceito especial formulado no art.1311º, relativamente à estrutura básica da acção de reivindicação (cfr. Antunes Varela, in RLJ, Ano 120º, Nº3760, pág.220, Pires de Lima e Antunes Varela, ob.cit., pág.116 e Alberto dos Reis, Código de Processo Civil, Anotado, vol.III, 4ª ed., pág.122, e, ainda, entre outros, os Acórdãos do STJ, de 25/1/74, BMJ, 233º-195, de 14/10/76, BMJ, 260º-97 e de 6/1/88, BMJ, 373º-532).

Acresce que, também nos parece claro que o autor há-de alegar e provar que o réu está na posse ou detenção da coisa reivindicada, como referem expressamente Pires de Lima e Antunes Varela, ob.cit., pag.116, e tem sido defendido pelo STJ, designadamente, nos seus Acórdãos de 28/5/09 e de 6/5/10, disponíveis in www.dgsi.pt.

Na verdade, a circunstância de o nº2, do art.1311º, prever que a restituição da coisa ao proprietário apenas pode ser recusada se a parte contra quem é pedida fizer prova da titularidade de um dos direitos a que a lei atribua essa consequência, não significa que o autor não tenha que demonstrar que ela se encontra na posse ou detenção do réu.

O que o citado nº2 admite é que, em casos especiais, previstos na lei, apesar de haver reconhecimento do direito de propriedade, o demandado, não obstante ter-se provado que se encontra na posse ou detenção da coisa, possa deixar de proceder à restituição dela.

 O que vale por dizer que, enquanto sobre o reivindicante recai o ónus de provar que é proprietário da coisa e que esta se encontra na posse ou na detenção do réu, este tem o ónus da prova de que é titular de um direito (real ou de crédito) que legitima a recusa da restituição.

Ora, da matéria de facto apurada resulta que a reivindicante (autora) fez prova do seu direito de propriedade sobre a coisa reivindicada (Casa Poente da Quinta do ...), quer por via da sua aquisição derivada, através da escritura de permuta de 12/11/86, quer por via da presunção legal resultante do registo de transmissão, sendo que tal presunção não foi ilidida pelos réus.

É certo que os recorrentes alegam que a posse da ré se manteve durante 22 anos e que, por isso, esta adquiriu o direito de propriedade sobre a Casa Poente, por usucapião.

Na verdade, a usucapião pode considerar-se um modo de aquisição originária da propriedade, já que o usucapiente adquire o seu direito, não por causa o direito do proprietário anterior, mas apesar dele.

Na disciplina da usucapião (cfr. os arts.1287º e segs. do C.Civil), destaca-se a exigência de dois elementos: a posse (que deve ser pública e pacífica) e o tempo, sendo que este, além de depender do carácter móvel ou imóvel da coisa possuída, depende também de outras características da posse (ser de boa ou má fé, ser titulada ou não titulada e estar ou não inscrita no registo).

Como é sabido, tem-se entendido que a nossa lei acolheu a concepção subjectivista da posse, como claramente resulta dos arts.1251º e 1253º, do CC, devendo qualificar-se como simples detenção (e não como posse) todo o poder de facto que se exerça sobre as coisas sem o animus possidendi.

Ora, os detentores ou possuidores precários não podem adquirir para si, por usucapião, o direito possuído, excepto achando-se invertido o título da posse.

Caso em que o tempo necessário para a usucapião só começa a correr desde a inversão do título (art.1290º, do CC).

Trata-se de uma consequência de a detenção (ou posse precária) não se considerar verdadeira posse.

Segundo o acórdão recorrido, entre Agosto de 1978 (data do acordo verbal de distribuição de bens) e 27/12/85 (data da escritura de doação da Quinta do ... à autora e à ré), a ré foi detentora da Casa Poente dessa Quinta, sendo possuidora dela a sua mãe.

Entre 27/12/85 e 12/11/86 (data da escritura de permuta em que a ré declarou dar à autora, além do mais, a metade indivisa da Quinta do ...), a ré foi possuidora de uma quota de metade da Quinta do ... e detentora da Casa Poente dessa Quinta.

Em 12/11/86, a ré deixou de ser comproprietária da Quinta do ..., por via do contrato de permuta celebrado naquela data, continuando a ser detentora da Casa Poente por via do constituto possessório (art.1264º, nº1, do CC).

Esta detenção ter-se-á transformado em posse a partir do momento em que a ré (detentora) afirmou à autora (possuidora), em Outubro de 1999, que a Casa Poente lhe pertence, invertendo assim o título de posse por forma explícita, e decorrido que foi um ano e um dia a partir daquela data (o mais tardar, princípios de Novembro de 2000), altura em que a autora perdeu a posse sobre aquela casa (art.1267º, nº1, al.d), do CC).

E como a presente acção foi intentada em 2000 (a citação ocorreu em 27/11/2000), é evidente que decorreu tempo muito inferior ao tempo de 15 ou 20 anos a que alude o art.1296º, para se poder dar a usucapião.

Note-se que a igual conclusão se chegou na 1ª instância, apesar de aí se ter entendido que existiu um acordo verbal de partilhas em 1978, a poder implicar uma posse formal não titulada por parte da ré, relativamente à Casa Poente da Quinta do ....

E isto porque se considerou que, com a escritura de permuta de 12/11/86, a propriedade da metade daquela Quinta foi transmitida validamente pela ré à autora, tendo aquela perdido a posse, que se transmitiu para a autora (arts.1267º, nº1, al.c) e 1264º, do CC).

Assim, ainda que tivesse surgido nova posse após 12/11/86, não teriam decorrido os prazos necessários para a usucapião quando deu entrada a presente acção.

Segundo os recorrentes, a posse da ré manteve-se desde 1978 até 2000, ou seja, durante 22 anos.

Para tal concluírem, alegam que, no caso, não funciona o constituto possessório.

E não funciona, dizem, porque aquele instituto implica um duplo acordo: um primeiro, destinado a transferir a posse, e um segundo, que, mantendo o controlo no transmitente, dele faz um detentor.

Este segundo acordo seria o tal contrato de transmissão em garantia (fidutia cum creditore), o qual, sendo nulo ou susceptível de resolução por incumprimento, implica que a posse da ré se mantenha sem interrupção desde 1978 até 2000.

Vejamos.

Refira-se, antes do mais, que, como já se disse atrás, não se provaram os elementos constitutivos daquele contrato.

Por outro lado, nos termos do art.1264º, nº1, do CC, «Se o titular do direito real, que está na posse da coisa, transmitir esse direito a outrem, não deixa de considerar-se transferida a posse para o adquirente, ainda que, por qualquer causa, aquele continue a deter a coisa».

Como referem Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.III, 2ª ed., pág.29, o constituto possessório é uma forma de aquisição solo consensu da posse, isto é, uma aquisição sem necessidade de um acto material ou simbólico que a revele.

Uma das modalidades do constituto possessório é a prevista no citado nº1, do art.1264º, também chamado bilateral, que consiste num acordo pelo qual o possuidor, alienada a posse, reserva, por qualquer título, a detenção da coisa e se dispensa, assim, de a entregar ao novo possuidor.

Por isso que se trata de uma aquisição derivada da posse com tradição real implícita, já que não é necessário um acto de empossamento.

Deste modo, o alienante, que tinha em relação à coisa uma causa possessionis, passa a deter a coisa em virtude de uma causa detentionis.

Sem necessidade, pois, da entrega material ou simbólica da coisa alienada e à imediata restituição dela ao antigo possuidor.

Actos esses que foram banidos, por inúteis, considerando-se a posse convertida em mera detenção.

No caso dos autos, como já se referiu, não se provou que a autorização dada pela autora à ré para que esta continuasse a residir na Casa Poente, na sequência da celebração da escritura de permuta de 12/11/86, se tivesse ficado a dever à circunstância de ambas terem acordado quanto ao invocado acerto de contas (cfr. as respostas negativas dadas aos pontos 6º e 7º da b.i.).

Por outro lado, também não se provou o invocado acordo no sentido de a autora, após aquela escritura, regularizar a situação, isto é, colocar a Casa Poente em nome da ré (cfr. as respostas dadas aos pontos 75º a 89º da b.i.).

De todo o modo, daí não se pode concluir que a autora não tenha dado autorização à ré para que esta continuasse a residir naquela casa.

Aliás, essa autorização foi dada, como resulta da resposta positiva ao ponto 6º da b.i..

Por conseguinte, não se pode dizer que não houve um segundo acordo pelo facto de não se ter conseguido apurar em que termos o mesmo foi, concretamente, estabelecido.

Consideramos, pois, que, por via do contrato de permuta celebrado em 12/11/86, a ré alienou a metade indivisa da Quinta do ..., mas, por acordo com a adquirente, sua irmã, continuou a habitar a Casa Poente da referida Quinta.

Note-se que, por escritura pública de 27/12/85, a mãe da autora e da ré havia declarado doar-lhes aquela Quinta e estas haviam declarado aceitar tal doação, em comum e partes iguais (cfr. a al.H dos factos assentes).

Assim, sendo a ré comproprietária e compossuidora da Quinta do ..., onde se inclui a Casa Poente, ao transmitir a sua metade indivisa naquela Quinta para a autora (contrato de permuta de 12/11/86), transferiu a respectiva posse para esta, apesar de continuar a deter aquela casa.

O que vale por dizer que a autora adquiriu a posse do prédio em questão, por via do constituto possessório, passando a ré a detê-lo, depois do negócio, em virtude de uma causa detentionis.

Razão pela qual, a partir de 12/11/86, a ré não pode deixar de ser considerada detentora ou possuidora precária.

Só passando a ser novamente possuidora quando inverteu o título de posse, perdendo a autora a posse após o decurso de um ano e um dia, nos termos atrás referidos.

Por isso que já se concluiu que decorreu tempo muito inferior aos 15 ou 20 anos a que alude o art.1296º, do CC, para se poder dar a usucapião.

Refira-se, ainda, que a tese dos recorrentes, no sentido da aquisição do direito de propriedade sobre a Casa Poente por usucapião é, também, contrariada pelas respostas negativas dadas aos pontos 45º a 49º da b.i..

E não se diga que a nulidade da escritura de compra e venda de 1977 implica a nulidade da escritura de permuta de 1986, porquanto, desde logo, não ficou demonstrada a divergência entre a vontade real e a declarada na escritura de 1977 (cfr. as respostas aos pontos 15º, 16º e 17º da b.i.).

Não há, pois, que falar em nulidade, por simulação absoluta, do negócio celebrado em 1977, e, consequentemente, em nulidade por permuta a non domino.

Não se provou, assim, o factualismo alegado pelos réus para justificar a invocada nulidade e falsidade da escritura pública de 1986.

Haverá, deste modo, que reconhecer o direito de propriedade da autora sobre o prédio reivindicado, atenta a matéria de facto dada como provada.

Caso em que, nos termos do citado nº2, do art.1311º, a restituição só pode ser recusada nos casos previstos na lei.

O que significa que têm os réus o ónus de provar que são titulares de um direito (real ou de crédito) que legitime a recusa da restituição.

Ónus esse que os réus não cumpriram, pelo que a restituição não pode ser recusada, uma vez que há reconhecimento do direito de propriedade.

Procedem, pois, os dois primeiros pedidos formulados na acção de reivindicação, tal como se havia decidido quer na 1ª instância, quer na Relação.

Resta saber se o terceiro pedido aí formulado - pedido de indemnização do valor do uso - deve proceder, como se decidiu no acórdão recorrido, ou improceder, como se decidiu na 1ª instância, com o apoio dos ora recorrentes.

Na 1ª instância desenvolveu-se a seguinte argumentação:

«No que diz respeito a eventuais prejuízos, apenas ficou provado que a cedência a terceiros do uso e fruição da de parte do edifício aludido em 4, que os réus vêm ocupando permitiria obter uma contrapartida monetária diária não inferior a Esc. 20.000$00, por referência a Novembro de 2000.

Porém, tal factualismo, por si só, não permite concluir que a autora sofreu em concreto qualquer prejuízo, concreto prejuízo que, aliás, não alegou.

Com efeito, não basta alegar e provar que se viu privada do uso da parte do edifício em causa, impondo-se que tivesse alegado e provado que tal privação lhe causou prejuízos, o que não fez (por exemplo, alegando e provando que tinha interessados em arrendar, por í. aquele ou outro valor, aquela metade do edifício e que não o fez por estar ocupado).     

Não assiste, pois, à autora o direito a receber qualquer indemnização dos réus».

No acórdão recorrido considerou-se que o pedido de indemnização procede parcialmente, raciocinando-se nos seguintes termos:

«No caso em apreço, vale a causa virtual do que poderia ter acontecido, não constituindo causa de inibição da reconstituição do valor da renda sequer o caso extremo em que se demonstrasse que a autora não teria arrendado a casa Poente se tivesse tido inteira disponibilidade dela em 27/11/2000.

A autora era livre de dar o destino que quisesse à casa Poente em 27/11/2000 – mesmo mantê-la fechada e dela não retirar qualquer benefício económico ou meramente funcional –, uma vez que o art. 1305 do CC estabelece que “o proprietário goza de modo pleno e exclusivo os direitos de uso, fruição e disposição das coisas que lhe pertencem […]”.

Os réus têm de indemnizar a autora em função daquilo que não poderiam ter feito a partir de 27/11/2000, precisamente deixar de conferir à autora o exercício da faculdade de ela fazer com a casa Poente o que quisesse.

A responsabilidade em causa nem é responsabilidade por facto ilícito, nem é responsabilidade por incumprimento contratual, antes sendo o disposto no art. 1271 do CC uma fonte autónoma de responsabilidade patrimonial destinada a ressarcir a privação da faculdade de gozo exclusivo que o art. 1305 do CC confere ao proprietário, acrescendo que essa responsabilidade se baseia em causa virtual e não na demonstração positiva daquilo que o dono faria se tivesse tido a inteira disponibilidade do bem».

A nosso ver, tem razão a 1ª instância.

Como se refere no sumário do Acórdão do STJ, de 26/5/09 (Relator: Conselheiro Moreira Alves), in www.dgsi.pt, competindo ao lesado provar o dano ou prejuízo que quer ver ressarcido, não chega a prova da privação da coisa, pura e simples, mostrando-se ainda necessário que o autor demonstre que pretende usar a coisa, ou seja, que dela pretende retirar as utilidades (ou alguma delas) que a coisa normalmente lhe proporcionaria se não estivesse dela privado pela actuação ilícita do lesante.

Mais se refere que, sendo a coisa em questão um prédio urbano, será suficiente demonstrar que se destinava a ser colocado no mercado de arrendamento ou que o seu destino era a habitação própria, se pudesse dispor dele em condições de normalidade.

Mas será dispensável, acrescenta-se naquele sumário, a prova efectiva que estava já negociado um concreto contrato de arrendamento e a respectiva renda acordada ou os prejuízos efectivos de o não poder, desde logo, habitar.

Por seu turno, no sumário do Acórdão do STJ, de 8/5/07 (Relator: Conselheiro Sebastião Póvoas), diz-se expressamente que «A mera privação (do uso) da fracção reivindicada, impedindo, embora, o proprietário do gozo pleno e exclusivo dos direitos de uso, fruição e disposição nos termos do art.1305º do CC, só constitui dano indemnizável se alegada e provada, pelo dono, a frustração de um propósito real, concreto e efectivo de proceder à sua utilização, os termos em que o faria e o que auferiria, não fora a ocupação-detenção, pelo lesante» (cfr., ainda, os Acórdãos do STJ, de 6/5/08 e de 10/7/08, em que foi relator, igualmente, o Conselheiro Sebastião Póvoas, todos disponíveis in www.dgsi.pt).

Ora, no caso dos autos, apenas se provou que «A cedência a terceiros do uso e fruição da casa Poente permitiria obter uma contrapartida monetária diária de € 78,04, por referência a 27/11/2000» (cfr. a resposta ao ponto 14º da b.i.).

Isto é, não está, sequer, alegado e provado que aquela casa se destinava a ser colocada no mercado de arrendamento ou que o seu destino fosse a habitação própria, caso se pudesse dispor dela.

Assim, por um lado, não demonstrou a autora que pretendia usar a casa reivindicada ou retirar dela qualquer outra utilidade, sendo que, por outro lado, não se pode dizer que a mera privação dela, sem mais, constitua dano indemnizável ou tenha gerado prejuízos na sua esfera jurídica.

E dúvidas não restam que competia à autora o ónus da prova do dano ou prejuízo.

Sendo certo que, sem dano não chega a pôr-se qualquer problema de responsabilidade civil.

Haverá, deste modo, que concluir que a acção devia ser julgada parcialmente procedente, nos termos em que o foi na 1ª instância, por se verificarem os pressupostos da acção de reivindicação e dos dois primeiros pedidos aí formulados.

Consequentemente, haverá que revogar o acórdão recorrido, na parte em que julgou a apelação da autora parcialmente procedente e condenou os réus no pagamento de uma indemnização à autora.

2.4.2.2. No que respeita ao pedido de restituição com base em enriquecimento sem causa, formulado pelos réus em sede de reconvenção, prevenindo a hipótese de não ser reconhecida à ré a propriedade da Casa Poente, o mesmo foi julgado improcedente em ambas as instâncias.

Assim, na 1ª instância considerou-se que, tendo-se concluído pela procedência dos dois primeiros pedidos formulados na acção de reivindicação, fica prejudicado o conhecimento do pedido de restituição com base no enriquecimento sem causa.

Salientou-se, ainda, que a autora cedeu metade da HH e que o factualismo em que a ré/reconvinte fez assentar aquele pedido não resultou provado.

No acórdão recorrido, entendeu-se que «Não existe enriquecimento sem causa da autora à custa da ré que se consubstancie na entrega da casa Poente por esta àquela, uma vez que a permuta não prejudicou economicamente a ré: já se referiu que em data tão recuada como 12/11/1986 os réus sabiam que só a quota de metade que a autora tinha na parte rústica da HH valia mais do que as outras duas quotas de compropriedade que a ré lhe transmitiu, provando-se isso mesmo ao consumar-se a alienação pelos réus da parte rústica da HH a terceiros».

Segundo os recorrentes, a inclusão da Casa Poente – ou de metade indivisa da Casa do ... – na escritura de troca e a sua adjudicação à autora não foi acompanhada de qualquer contrapartida financeira, tendo-a recebido de graça, sem que nada o justificasse.

Verifica-se, no entanto, que foi dado como provado que a ré sabia, em 12/11/86, que o valor da HH era superior ao valor da Quinta do ... (resposta ao ponto 8º da b.i.).

E que a parte rústica da HH obteve uma grande valorização, a qual não era prevista em 7/7/77, mas já era conhecida pela autora e pela ré antes da celebração da escritura de troca de 12/11/86 (resposta ao ponto 111º da b.i.).

Sendo que a parte rústica da HH passou a ser utilizada pela ré, designadamente nos termos constantes das als. OO a SS dos factos assentes.

Por outro lado, não lograram os recorrentes demonstrar os factos que alegaram no sentido de não se ter pretendido, com a escritura de permuta de 12/11/86, que a autora se tornasse proprietária única da Quinta do ... (cfr. as respostas dadas aos pontos 75º a 89º e 98º a 102º da b.i.).

O que se provou foi que aquela escritura foi lida em voz alta, na presença da autora e da ré, tendo-lhes sido explicado o seu conteúdo pelo notário (al.M dos factos assentes).

E, também, que a autora e a ré procederam ao registo predial das aquisições aludidas na referida escritura (als. N e O dos factos assentes).

E, ainda, que a ré procedeu ao loteamento, para venda, do prédio rústico que integrava a HH (al. Q dos factos assentes).

Segundo Pires de Lima e Antunes Varela, in Código Civil, Anotado, vol.I, pág.399 e segs., que seguiremos muito de perto, a obrigação de restituir fundada no enriquecimento sem causa ou locupletamento à custa alheia pressupõe a verificação cumulativa de três requisitos:

a) é necessário, em primeiro lugar, que haja um enriquecimento;

b) em segundo lugar, que o enriquecimento careça de causa justificativa - ou porque nunca a tenha tido ou porque, tendo-a inicialmente, entretanto a haja perdido;

c) finalmente, que o enriquecimento tenha sido obtido à custa de quem requer a restituição.

Acrescentam aqueles autores que o enriquecimento consiste na obtenção de uma vantagem de carácter patrimonial, seja qual for a forma que essa vantagem revista.

Umas vezes a vantagem traduzir-se-á num aumento do activo patrimonial (preço da alienação de coisa alheia; lucro da edição de obra alheia ou da representação de peça alheia; recebimento de prestação não devida, porque a obrigação nunca existiu ou já havia sido cumprida ou fora cedida entretanto; bens adquiridos ou benfeitorias realizadas pelo gestor; etc.); outras, no uso ou consumo de coisa alheia ou no exercício de direito alheio, quando estes actos sejam susceptíveis de avaliação pecuniária (instalação em casa alheia; apascentação do rebanho próprio em prédio de outrem; consumo de alimentos pertencentes a terceiro; utilização da assinatura de outrem no teatro ou no ópera; etc.); outras, ainda, na poupança de despesas (A, por exemplo, alimenta o descendente de B, porque julga erroneamente tratar-se do seu filho).

Quanto à falta de causa justificativa, poder-se-á dizer que esta se traduz na inexistência de uma relação ou de um facto que, à luz dos princípios aceites no sistema, legitime o enriquecimento.

No que respeita à correlação entre a situação do enriquecido e do empobrecido, a mesma traduz-se, em regra, no facto de a vantagem patrimonial alcançada pelo primeiro resultar do sacrifício económico correspondente suportado pelo segundo.

É pacífico na doutrina e na jurisprudência o entendimento de que cabe àquele que pretende beneficiar do instituto do enriquecimento sem causa a prova dos factos, positivos ou negativos, que integram tal instituto.

Ora, é manifesto que, no caso dos autos, os réus, ora recorrentes, não lograram fazer prova de factos que justifiquem a conclusão de que ocorreu um enriquecimento da autora, sem causa justificativa, à custa da ré.

Aliás, procedendo a acção de reivindicação quanto aos dois primeiros pedidos formulados (reconhecimento do direito de propriedade da autora e restituição do que lhe pertence), não se vê como poderiam verificar-se os aludidos requisitos do enriquecimento sem causa ou qualquer situação de abuso de direito.

Na verdade, os factos alegados pelos recorrentes nesse sentido não lograram demonstração, pelo que o pedido de restituição com base em enriquecimento sem causa não podia deixar de ser, como foi, julgado improcedente em ambas as instâncias.

Quanto ao pedido de indemnização por benfeitorias, também formulado pelos réus em sede de reconvenção, prevenindo a hipótese de não ser reconhecido à ré a propriedade da Casa Poente, o mesmo foi julgado improcedente na 1ª instância e parcialmente procedente no acórdão recorrido.

Para o efeito, naquele acórdão, desenvolveu-se a seguinte argumentação:

«a ré pediu que a autora fosse condenada a pagar-lhe a quantia de 13.500.000 escudos (67.337,72€), acrescida de juros à taxa legal, contados desde a notificação à autora da contestação.

É correcta a absolvição da autora na parte do ressarcimento à ré do valor de obras que esta realizou na casa Poente antes da permuta de 12/11/1986.

Com efeito, por esse negócio a autora recebe o que há e o que então há inclui todas as obras que a ré tinha realizado na casa Poente.

O mesmo é dizer que com a permuta a autora adquire todas as obras que a ré tinha feito à sua custa na casa Poente.

Mas existiram obras feitas pela ré após 12/11/1986, assim caracterizadas nos factos provados:

155 Em 1981 e em 1995, a ré procedeu à reparação e pintura geral de todas as portas e janelas exteriores da casa Poente [120 da base instrutória].

156 Despendendo para o efeito a quantia de 990.000 escudos [resposta a 121 da base instrutória].

159 Em 1980, a ré instalou na casa Poente um monta-cargas da cozinha, no rés-do-chão, para a sala de jantar, no segundo andar, tendo em 1999 sido feita a sua electrificação [124 da base instrutória].

160 Tendo o seu custo sido de 62.000 escudos quanto à instalação em 1980 e de 462.651 escudos quanto à electrificação em 1999 [resposta a 125 da base instrutória].

163 Em 1997, a ré construiu no terreiro da casa Poente um anexo para garagem, com capacidade para quatro automóveis [128 da base instrutória].

164 Tendo o seu custo sido de 1.200.000 escudos [129 da base instrutória].

165 Em 1999, a ré procedeu à remodelação de uma sala, um quarto de banho, um corredor e uma salinha, tudo no rés-do-chão da ala Poente [130 da base instrutória].

166 Quanto ao quarto de banho, implicou a substituição de canalizações, azulejos e louças sanitárias e a pintura de tectos e paredes [131 da base instrutória].

167 Quanto às restantes dependências, a remodelação consistiu na pintura de tectos e paredes, polimento e envernizamento dos soalhos e, na salinha, a instalação de um recuperador [132 da base instrutória].

168 Tendo despendido para o efeito a quantia de 2.000.000 de escudos [133 da base instrutória].

169 Ao longo dos anos a ré procedeu a diversos consertos do telhado da casa Poente, que implicaram a substituição de telhas e cumes, ripas, caibros e beiral [134 da base instrutória].

170 O custo destas reparações foi de 300.000 escudos [135 da base instrutória].

171 Ao longo dos anos a ré procedeu à pintura de todas as dependências da casa Poente [136 da base instrutória].

172 O custo destas pinturas foi de 1.500.000 escudos [137 da base instrutória].

175 No decurso do ano de 2000, a ré colocou pavimento em granito à entrada do portão principal [146 da base instrutória].

176 O custo dessa obra foi de 250.000 escudos [147 da base instrutória].

177 As obras aludidas em 149 a 176 ficaram integradas na casa Poente e nos seus anexos [resposta a 148 da base instrutória].

178 Com as obras aludidas em 149 a 176 indispensáveis à conservação da casa Poente e dos seus anexos – excepto tulha e adega –, na parte realizada depois de 12/11/1986, a ré gastou 2.495.000 escudos (12.445€) [resposta a 150 da base instrutória].

Esta última verba de 12.445€ nada tem a ver com as obras realizadas na tulha e adega pela sociedade JJ e não inclui a construção da garagem para quatro automóveis, garagem esta que não é benfeitoria útil ou necessária e cuja demolição não acarreta detrimento para a Quinta do ....

Porque o gasto de 12.445€ foi a parte correspondente às obras indispensáveis à conservação da casa Poente e dos seus anexos (excepto tulha e adega), a ré tem o direito a ser ressarcida dessa verba, nos termos do art. 1273 do CC, a título de benfeitorias úteis e necessárias que não podem ser removidas da casa Poente sem detrimento desta.

(…)

Acrescem juros a esses 12.445€, contados à taxa anual de 7% entre 13/1/2001 e 30/4/2003 e à taxa anual de 4% desde 1/5/2003 até integral pagamento».

Segundo os recorrentes, a indemnização devida à ré por benfeitorias deve ser fixada em € 21.358,52, porquanto também haverá que incluir as realizadas antes da escritura de permuta de 12/11/86, que atingem o valor de € 8.913,52 (12.445,00+8.913,520=21.358,52).

Refira-se, desde já, que não vem posto em causa, no presente recurso, o direito da ré à indemnização das benfeitorias úteis e necessárias que fez no prédio reivindicado, pelo que não pode este Supremo Tribunal alterar o assim decidido.

Direito esse que só pode ser exercido quando o proprietário reivindica triunfantemente a coisa, sendo como que um contradireito relativamente à pretensão reivindicatória (cfr. o art.1273º, do CC).

Assim, a única questão que vem colocada, a este propósito, tem a ver com o saber se também haverá que ter em conta as benfeitorias realizadas antes da escritura de permuta de 12/11/86.

Como referem as instâncias, tais benfeitorias terão sido feitas pela ré numa altura em que também seria dona, em comum e partes iguais com a autora, da Quinta do ....

Entretanto, com a aludida permuta, a autora adquire todas obras que a ré tenha feito, à sua custa, na chamada Casa Poente.

Deste modo, também entendemos que a ré só tem direito a ser indemnizada das benfeitorias necessárias e úteis que tenha realizado naquela casa após 12/11/86.

Não merece, pois, censura o acórdão recorrido, ao condenar a autora a pagar à ré a quantia de € 12.445,00, acrescida dos respectivos juros.

3 – Decisão.

Pelo exposto, na parcial procedência da revista, decide-se:

- alterar a decisão da matéria de facto quanto ao ponto 23º da base instrutória, o qual passará a integrar o elenco dos factos considerados provados;

- revogar o acórdão recorrido, na parte em que julgou a apelação da autora parcialmente procedente e condenou os réus a pagarem à autora a quantia de € 425.161,92 e de € 78,04 por cada dia que decorrer entre 29/10/15 e o dia em que efectivamente lhe entreguem a casa Poente da Quinta do ..., absolvendo-se, pois, os réus desse pedido;

- confirmar o demais decidido no acórdão recorrido, excepto quanto a custas, as quais, relativamente aos pedidos da autora, serão suportadas pela autora e pelos réus na proporção de um terço e de dois terços, respectivamente, e, relativamente aos pedidos da ré, pela ré e pela autora na proporção de quatro sétimos e de três sétimos, respectivamente;

- as custas do recurso ficam a cargo dos recorrentes e da recorrida, na proporção de cinco sextos e de um sexto, respectivamente.

Lisboa, 07 de março de 2017

Roque Nogueira – Relator

Alexandre Reis

Lima Gonçalves