Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | MARIA DE DEUS CORREIA | ||
Descritores: | ADMISSIBILIDADE DE RECURSO DIREITO AO RECURSO DUPLO GRAU DE JURISDIÇÃO INCONSTITUCIONALIDADE PRINCÍPIO DO ACESSO AO DIREITO E AOS TRIBUNAIS DUPLA CONFORME PRESSUPOSTOS PENHORA | ||
Data do Acordão: | 11/14/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | INDEFEIDA A RECLAMAÇÃO | ||
Sumário : | I - O direito ao recurso não é um direito ilimitado. II - Atenta a natural escassez dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a necessidade da sua racionalização contende com a admissibilidade ilimitada de recursos que, aliás, não encontra sustentação no texto constitucional. Por isso a jurisprudência constitucional vem expressando o entendimento de que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso ou o chamado duplo grau de jurisdição | ||
Decisão Texto Integral: | Acordam, em conferência, na 7.ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça: I - RELATÓRIO AA e MAIS ALÉM, TURISMO NO ESPAÇO RURAL, UNIPESSOAL, LDA vieram, por apenso à execução que contra elas foi instaurada por Caixa Geral de Depósitos S.A. deduzir os presentes embargos de executado e oposição à penhora, pedindo que seja declarada extinta a execução e que seja cancelada a penhora efetuada. Para tanto alegaram, em suma, que: -O requerimento executivo é inepto, porquanto para se constituir dívida é necessário a demonstração do incumprimento e a competente alegação, o que não se verifica no caso concreto, bastando-se a exequente com a alegação genérica que as executadas deixaram de cumprir as prestações a que estavam obrigadas no contrato em 02/09/2019; - Verificando-se falta de elementos para calcular a obrigação, caso a mesma existisse, não existindo em concreto o valor em dívida no título o que conduz à nulidade do título executivo o que determina a absolvição da instância. - Mais alegam que a prova de incumprimento não existe nos autos e apesar da exequente alegar que as executadas foram interpeladas, a verdade é que estas não receberam nenhumas comunicações; - A sociedade executada, desde março de 2020, e devido à pandemia encontra-se numa situação económica e financeira bastante complicada e, como tal, incapacitada do cumprimento de tal obrigação; - O contrato de mútuo celebrado deveria estar a coberto de um seguro que previsse uma situação como a presentemente vivenciada e a entidade bancária deveria prever e prevenir, como entidade que tem conhecimento direto da atividade, situações como esta e celebrar um seguro que protegesse os consumidores, e sobretudo as entidades bancárias. - Estamos perante uma exceção prevista no artigo 729º, alínea a), do CPC, devendo ser verificada a exceção de inexequibilidade do título- contrato de mútuo- com a consequente absolvição das executadas e extinção da execução. - A executada AA é parte ilegítima na ação executiva, já que a mesma não beneficiou da quantia mutuada e tais circunstâncias eram conhecidas da exequente pelo que temos um negócio simulado, em que as partes verdadeiramente pretenderam realizar outro, no caso tratava-se de um contrato celebrado e reestruturado com a executada “Mais Além”, e o valor mutuado foi transferido de imediato para a “Mais Além”. Sendo a simulação absoluta, deve o negócio de mútuo ser declarado nulo com a absolvição da executada do pedido formulado - Sendo a executada AA devedora subsidiária e não solidária, já que foi fiadora num contrato de mútuo com hipoteca, fiança e renúncia, ficando convencida que em caso de incumprimento seria primeiro acionada a devedora principal, a sociedade, e só subsidiariamente a sua posição; - Tendo sido penhorado o prédio urbano sito no ..., ao qual foi atribuído o valor total de 161.476,20 €, o seu valor é muito superior ao valor a quantia exequenda, sendo a penhora inadmissível, razão pela qual deverá ser cancelada de imediato. A EXEQUENTE contestou os embargos, alegando em síntese, o seguinte: - Persiste a dívida nos termos e moldes peticionados aquando do requerimento executivo, e é líquida e exigível, já que a quantia peticionada a título de capital, é fruto da resolução operada por força do incumprimento, bem como o valor devido a título de juros nos termos dos cálculos elaborados pela exequente. - Competia às executadas a prova de pagamentos, ou o cumprimento do contrato. - Em 19/02/2021 a exequente enviou cartas e, persistindo a mora, foi remetida carta de interpelação às executadas em 11/03/2021, cujo teor foi reforçado em 16/03/2021 e 10/08/2021, mas nenhuma das cartas foi levantada, facto que só às executadas se pode imputar com a legais consequências, tendo-se por válidas e eficazes as interpelações dirigidas às executadas, dado que as cartas foram enviadas para o domicílio constante do contrato. - Com essas cartas procurou a exequente instar as executadas a liquidar os valores em dívida, dando-lhes uma última oportunidade para regularizarem a mora em que incorreram, mas o valor então em dívida não foi regularizado dentro do prazo concedido, nem posteriormente, pelo que se operou a rescisão contratual por incumprimento definitivo. - Ocorreram ainda inúmeras tentativas de negociação que se revelaram sempre goradas e, até à presente data, as executadas não efetuaram o pagamento do valor em dívida à exequente. - Não carece a dívida de qualquer liquidação, já que está claro e patente no requerimento executivo que o valor peticionado corresponde ao somatório do capital e respetivos juros remuneratórios e de mora. - Constituindo a atuação das executadas verdadeiro abuso de direito, já que celebraram o contrato com a exequente sem nunca questionarem o valor e validade das Cláusulas Contratuais quer particulares quer gerais, pretendendo agora eximir-se das suas responsabilidades, apresentando a exequente um título executivo pleno e válido (escritura pública); - Resulta inquestionável a celebração do mútuo e hipoteca e fiança prestada, garantindo o imóvel hipotecado o cumprimento das obrigações emergentes do contrato de mútuo, entendendo-se que a causa de pedir na ação executiva é constituída pela factualidade essencial de onde emerge o direito, refletida no próprio título executivo. -Decorre da petição de embargos que as executadas interpretaram convenientemente o requerimento executivo, bem sabendo que o que está em causa é o incumprimento do contrato, pelo que deve improceder a invocada ineptidão do requerimento executivo, resultando do artigo 752º do Código de Processo Civil que executando-se dívida com garantia real que onere bens pertencentes ao devedor, a penhora inicia-se pelos bens sobre que incida a garantia, e atenta a hipoteca outorgada, legitimada está a penhora registada sobre o imóvel oferecido em garantia e ademais a executadas não demonstram as razões do alegado excesso de penhora, prova que lhes competia. - Termina a exequente pedindo que os embargos de executado e a oposição à penhora sejam julgados totalmente improcedentes, prosseguindo a instância executiva, com vista à satisfação integral do crédito da exequente. Considerando que o estado do processo permitia a apreciação total do pedido, sem necessidade de mais provas, foi proferido saneador sentença que decidiu: a)Julgar os embargos de executado totalmente improcedentes por não provados e, em consequência, a execução deverá prosseguir os seus trâmites normais, o que se determinou: b)Julgar a oposição à penhora totalmente improcedente por não provada e, em consequência, mantém-se a penhora incidente sobre o prédio urbano sito em ..., freguesia e concelho de ..., descrito na Conservatória do Registo Predial de ... sob o nº ...75/......03 e inscrito na matriz sob o artigo ...18; c) Condenar as Embargantes/executadas «Mais Além-Turismo no Espaço Rural, Unipessoal, Lda» e AA no pagamento das custas e demais encargos com o processo. Inconformadas com esta decisão, as Executadas interpuseram recurso de apelação que foi julgado improcedente pelo Tribunal da Relação, confirmando a sentença recorrida, por acórdão datado de 20-02-2024. Ainda assim, inconformadas, as Embargantes MAIS ALÉM TURISMO RURAL, UNIPESSOAL, LDA. E AA vieram interpor recurso de REVISTA EXCEPCIONAL, nos termos do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a) e c) do Código de Processo Civil, para este Supremo Tribunal de Justiça Afigurando-se não ser admissível o recurso, foi proferido despacho em que se determinou a audição das partes, nos termos do disposto no art.º 655.º do CPC. Após, foi proferida decisão singular, datada de 25 de Setembro de 2024 que não admitiu o recurso de revista excepcional. Inconformados com esta decisão, os Recorrentes vêm reclamar da mesma, requerendo a apreciação pela Conferência, a fim de que sobre a matéria da decisão singular recaia um acórdão, nos termos do disposto no artigo 652.º, n.º 3 por remissão do artigo 643.º do CPC. Para tanto dizem o seguinte: “O presente recurso de revista excecional é interposto ao abrigo do disposto no artigo 672.º, n.º 1, alínea a) e c) do Código de Processo Civil. Em primeiro lugar porquanto finalidade objetiva do presente recurso prende-se com o facto de estar em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, seja claramente necessária para uma melhor aplicação do Direito. Como é o caso da prolação de despacho saneador-sentença sem produção de prova e sem que a prova documental junta aos autos seja confirmada ou infirmada. Ao que acresce que o acórdão recorrido encontra-se em contradição com outro já transitado em julgado, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora no domínio da mesma legislação e da mesma questão fundamental de direito. A decisão singular viola assim o disposto no art.º 672.º, n.º1, alínea a) e c) do Código de Processo Civil e os preceitos constitucionais, nomeadamente dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 4, 202.º n.º 2 e 204.º da nossa Constituição. A interpretação dada pela decisão singular que ora se impugna à norma contida na alínea a) do artigo 672.º, n.º 1 do CPC no sentido de que não foram indicadas razões concretas e objectivas, reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes, quando o recurso de revista excepcional apresentado pelas recorrentes inicia justamente com essa explicação, é inconstitucional por violação do direito ao recurso e dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 4, 202.º, n.º 2 e 204.º da nossa Constituição. E a interpretação dada pela decisão singular que ora se impugna à alínea c) do artigo 672.º, n.º 1 do CPC no sentido de que as recorrentes não indicaram na alegação “os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada é inconstitucional por violação do direito ao recurso e dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 4, 202.º, n.º 2 e 204.º da nossa Constituição. Invocando-se desde já a inconstitucionalidade da interpretação das supra mencionadas normas para efeitos de interposição de recurso para o Tribunal Constitucional. Termos em que deverá a decisão sumária ora impugnada ser sujeita à apreciação da conferência e consequentemente deverá ser proferido acórdão que julgue totalmente procedente o recurso de revista excepcional apresentado revogada e consequentemente, seguindo os autos os seus ulteriores termos.” Cumpre, pois, apreciar: II - O DIREITO 1 - Admissibilidade do recurso relativamente aos embargos à execução: Tendo sido o interposto recurso de revista excepcional, nos termos do disposto no art.º 672.º do CPC1, por se verificar a situação de dupla conforme, prevista no art.º 671.º n.º3, cabe previamente, aferir da admissibilidade “ordinária” da revista2, proferindo despacho, nos termos do art.º 652.º do CPC. As Recorrentes invocam a contradição de julgados, juntando como acórdão fundamento, aquele que foi proferido pelo Tribunal da Relação de Évora em 12-10-2023, no Processo n.º 521/06.1TBLLE-B.E2. Ora a dupla conforme não é impeditiva da possibilidade de recurso, nos casos em que “o recurso é sempre admissível”, como é ressalvado no art.º 671 n.º 3, 1.ª parte. Se estivermos perante um caso em que o recurso é sempre admissível, então não será necessário lançar mão dos motivos que fundamentam a revista excepcional. Estabelece o art.º 629.º n.º2 os casos em que “é sempre admissível o recurso”, designadamente na alínea d) “ do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho á alçada do Tribunal, salvo de tiver sido proferido acórdão uniformizador de jurisprudência com ele conforme.” Ora, é pressuposto da aplicabilidade desta alínea, a existência de norma especial que vede o acesso ao Supremo Tribunal de Justiça no caso a que respeita tal acórdão. Pelo contrário, o disposto no art.º 854.º prevê a possibilidade de revista dos acórdãos da Relação proferidos em recurso de decisões sobre “oposição deduzida contra a execução”. No caso em apreço, não se verifica, pois, tal pressuposto legal. Não se verifica, claramente, qualquer das outras situações previstas nas restantes alíneas do art.º 629.º n.º 2. Não estamos, pois, perante um caso em que seja sempre admissível o recurso. Porém, o recurso de revista excepcional pressupõe o preenchimento dos requisitos gerais de admissibilidade da revista, designadamente dos requisitos relacionados com o conteúdo da decisão recorrida – art.º 671.º n.º1 -, com a alçada e a sucumbência- art.º 629.º n.º1 – com a legitimidade dos recorrentes – art.º 631.º- e com a tempestividade do recurso – art.º638.º 3 Assim, para se determinar se é de admitir a revista excepcional deve começar-se por se apurar se, no caso concreto, estão preenchidos os requisitos gerais da admissibilidade da revista, rejeitando-se o recurso, sem necessidade de apreciação dos requisitos específicos, se se concluir que não se mostram verificados tais requisitos. Ora, da análise desses requisitos gerais, de acordo com o disposto nos supra citados preceitos legais, admite-se que estão verificados os requisitos gerais da admissibilidade da revista, quanto aos embargos. Assim, importa analisar os requisitos específicos da admissibilidade da revista excepcional, previstos no artigo 672.º n.º 2 alíneas a), b) e c) Com efeito, nos termos daquele preceito legal, “o requerente deve indicar, na sua alegação, sob pena de rejeição4: a) as razões pelas quais a apreciação da questão é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito.” Decorre, pois, daquele preceito que o Recorrente tem o ónus de indicar na sua alegação, sob pena de rejeição, tais razões. Não basta a alegação genérica de que pretende interpor recurso de revista excepcional com fundamento no disposto no art.º 672.º n.º 2 a) 5. Devem ser indicadas razões concretas e objectivas, reveladoras de eventual complexidade ou controvérsia jurisprudencial ou doutrinária da questão, com a consequente necessidade de uma apreciação excepcional com o objetivo de encontrar uma solução orientadora de casos semelhantes”6. Ora, é manifesto que, no caso em apreço, os Recorrente não deram o mínimo cumprimento a esse ónus de indicar as razões pelas quais é necessária a intervenção deste STJ. Seria sobre tais razões que a Formação haveria de pronunciar-se, nos termos do disposto no art.º 672.º n.º3, caso as mesmas tivessem sido alegadas. Assim não tendo ocorrido, resta concluir pela rejeição do recurso de revista excepcional por força do disposto no n.º2 daquele preceito. * Os recorrentes vêm ainda invocar como fundamento da revista excepcional o previsto na alínea c) do art.º 672.º n.1, ou seja, a alegada contradição entre o acórdão da Relação ora recorrido, e outro, já transitado em julgado, proferido também pelo Tribunal da Relação de Évora, sobre a mesma questão fundamental de direito e no domínio da mesma legislação. Também a propósito deste fundamento, recai sobre o recorrente, sob pena de rejeição o ónus de indicar na alegação “os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada”. Ora, relativamente a esta matéria, os recorrentes alegam assim: «Caso assim não se entenda e sem prescindir, o acórdão recorrido encontra-se em contradição com outro já transitado em julgado, proferido pelo Venerando Tribunal da Relação de Évora no domínio da mesma legislação e da mesma questão fundamental de direito, nomeadamente com o acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, datado de 12-10-2023, processo n.º 521/06.1TBLLE-B.E2, conforme documento que ora se junta e aqui se dá por integralmente reproduzido. Resulta do sumário do acórdão fundamento que: “Só a prova plena, por confissão ou por documentos, dos factos que integram a causa de pedir ou dos factos em que se funda a exceção perentória, permitem conhecer do mérito da causa no despacho saneador.”. E do acórdão recorrido resulta que: “Saber se os autos permitem o imediato conhecimento de mérito, sem necessidade de mais provas, depende da concreta situação que se apresenta ao julgador, levando em conta as regras de direito probatório formal e material aplicáveis ao caso, nomeadamente as regras que disciplinam o ónus da prova. - Uma vez comunicada às partes essa pretensão de conhecimento imediato, para que não constitua decisão-surpresa (art. 3º/3 CPC), a ponderação cabe ao juiz no âmbito dos seus poderes de boa gestão processual (art. 6º/1 CPC).”. Estamos, assim, perante duas situações exactamente iguais, em que foram deduzidos embargos de terceiros, foi proferido saneador-sentença e no âmbito da mesma questão fundamental de direito decidiram de forma diferente. Devendo ser revogado o acórdão ora recorrido por se encontrar em contradição com acórdão do Venerando Tribunal da Relação de Évora, datado de 12-10-2023, processo n.º 521/06.1TBLLE-B.E2». Independentemente de não ter sido apresentada prova do trânsito em julgado do acórdão fundamento, pressuposto essencial para que tal decisão possa ser considerada definitiva, parece evidente que também desta vez os Requerentes não cumpriram o ónus de indicar “os aspectos de identidade que determinam a contradição alegada”. E tanto basta para, nessas circunstâncias o recurso dever ser rejeitado. De resto, seria praticamente impossível aos Requerentes indicarem esses “aspectos de identidade”. Na verdade, a decisão sobre a existência de elementos suficientes para conhecer de mérito sem necessidade de produção de mais provas, nos termos do disposto no art.º595.º n.º1 alínea b), depende da apreciação , caso a caso, do estado do processo e, por conseguinte, da circunstância de se encontrarem provados os factos necessários e suficientes para decidir de mérito. De qualquer modo, apenas no caso de os Recorrentes terem invocado e descrito o paralelismo fáctico que deu origem alegadamente a decisões opostas é que seria possível à Formação proceder à análise deste pressuposto específico da revista excepcional. Não o tendo feito, impõe-se a rejeição do recurso também quanto a este fundamento. Os argumentos constantes da decisão singular mantém-se inteiramente válidos, não tendo sido trazidos novos argumentos que importe rebater a não ser a alegada inconstitucionalidade da interpretação das normas constantes do art.º 672 n.º 2 alíneas a) e c). Segundo os Reclamantes, teriam sido violados os preceitos constantes dos artigos 2.º, 13.º, 20.º, n.º 4, 202.º, n.º 2 e 204.º da nossa Constituição. Na verdade, não se vislumbra em que medida é que a rejeição de um recurso de revista excepcional, em estrito cumprimento das normas processuais aplicáveis colide com algum dos preceitos constitucionais mencionados. O direito ao recurso não é um direito ilimitado. Como se pode ler no acórdão deste STJ de 19-05-20167, “atenta a natural escassez dos meios disponibilizados para administrar a Justiça, a necessidade da sua racionalização contende com a admissibilidade ilimitada de recursos que, aliás, não encontra sustentação no texto constitucional. Por isso a jurisprudência constitucional vem expressando o entendimento de que, em matéria cível, o direito de acesso aos tribunais não integra forçosamente o direito ao recurso ou o chamado duplo grau de jurisdição.8 Também tem sido assumido que tal direito não é necessariamente decorrente do que se dispõe na Declaração Universal dos Direitos do Homem ou na Convenção Europeia dos Direitos do Homem.” O direito ao recurso, como na generalidade dos ordenamentos jurídicos contemporâneos, não se apresenta com natureza absoluta, convivendo sempre com preceitos que fazem depender a multiplicidade de graus de jurisdição de determinadas condições objectivas ou subjectivas.9 Com efeito, se podemos afirmar que estará vedado ao legislador suprimir em bloco a recorribilidade ou fazê-la depender de circunstâncias que traduzam a violação do princípio da proporcionalidade, tal não determina, porém, que toda e qualquer restrição a um ou mais graus de jurisdição traduza violação de regras ou de princípios constitucionais.10 “As limitações derivam, em última análise, da própria natureza das coisas, da necessidade imposta por razões de serviço e pela própria estrutura da organização judiciária de não sobrecarregar os Tribunais Superiores com a eventual reapreciação de todas as decisões proferidas pelos restantes tribunais”. 11 E embora a este respeito não se identifique um critério formal delimitador dos poderes do legislador ordinário, pode afirmar-se que, dentro dos princípios enunciados, o legislador “poderá ampliar ou restringir os recursos civis, quer através da alteração dos pressupostos de admissibilidade, quer através da mera actualização dos valores das alçadas”.12 Não se vislumbra, pois, que da aplicação dos preceitos legais em análise de que resulta a inadmissibilidade do presente recurso que de algum modo esteja em causa qualquer direito ou princípio constitucionalmente consagrado. 2-Da admissibilidade do recurso de revista em relação à decisão que julgou a oposição à penhora totalmente improcedente. Os Recorrentes concluíram ainda nas suas alegações de recurso o seguinte: “13. Sem prescindir e apesar da omissão de pronúncia do acórdão recorrido por mera cautela de patrocínio invoca-se a violação do disposto no artigo 751.º, n.º 1 e artigo 784.º, n.º 1, alínea a) ambos do Código de Processo Civil. 14. Mais se requer ao abrigo do n.º 4 do artigo 704.º e do n.º 5 do artigo 733.º ambos do Código de Processo Civil que seja determinado que a venda do bem penhorado aguarde a decisão definitiva proferida nos presentes autos, atento a que essa venda é suscetível de causar prejuízo grave e dificilmente reparável às ora Recorrentes.” Está em causa a recorribilidade para o Supremo Tribunal de Justiça de uma decisão interlocutória que obteve conformidade decisória em ambas as instâncias. Como sublinha Abrantes Geraldes13, a invocação dos fundamentos excecionais do art. 672.º, n.º 1, está limitada aos casos em que, sendo admissível, em tese, recurso de revista, nos termos do n.º 1, se verifica o impedimento da dupla conformidade desenhado pelo n.º 3. Estão, pois, afastados do seu âmbito de aplicação os casos que se integrem no n.º 2 do art.º 671.º ou no n.º 2 do art. 629.º do CPC”. Ou seja, como tem vindo a ser entendimento da Jurisprudência deste STJ, não é admissível revista excepcional dos acórdãos da Relação que apreciem decisões interlocutórias, categoria em que se integra a decisão sobre a oposição à penhora. Assim, quanto a esta decisão, a revista só seria admissível nos termos do art.º 671.º n.º 2 e 629.º n.º2. Porém, não foram invocados quaisquer fundamentos ao abrigo dos quais fosse viável essa admissibilidade. É , pois, de todo, inadmissível o recurso de revista desta decisão, quer em termos gerais, quer excepcionais. III - DECISÃO Termos em que, face aos fundamentos supra mencionados, acordamos nesta 7.ª secção do Supremo Tribunal de Justiça em, indeferindo a reclamação, confirmar a decisão singular de não admissão do recurso de revista excepcional. Custas pelos Recorrentes. Lisboa, 14 de novembro de 2024 Maria de Deus Correia (relatora) Nuno Pinto Oliveira Maria de Fátima Gomes ______
1. Serão deste diploma todos os artigos que doravante forem citados sem indicação de proveniência. 2. Sendo certo que “a decisão que admita o recurso, (…) não vincula o Tribunal superior (…)”, conforme dispõe o art.º 641.º n.º 5 do CPC. 3. Vide Acórdão do STJ de 06-07-2023(NUNO PINTO OLIVEIRA), Processo 929/21.2T8VCD.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt e jurisprudência ali citada. 4. Destacado nosso. 5. Vide acórdão do STJ de 29-09-2021, Processo n.º2948/19.0T8PRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt 6. Idem. 7. Processo 122702/13.5YIPRT.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt 8. Cfr. Lopes do Rego, Comentários ao CPC, pág. 453, e “O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, em Estudos em Homenagem a Cunha Rodrigues, págs. 763 e segs., citando jurisprudência do Tribunal Constitucional, segundo a qual o que existe é um “genérico direito ao recurso de actos jurisdicionais, cujo conteúdo pode ser traçado pelo legislador ordinário, com maior ou menor amplitude”, ainda que seja vedada “a redução intolerável ou arbitrária” desse direito. 9. Amâncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 8.ª edição, p. 75. 10. Acórdão do STJ de 19-05-2016, já citado. 11. Lopes do Rego, “O direito fundamental do acesso aos tribunais e a reforma do processo civil”, inserido em “Estudos de Homenagem a Cunha Rodrigues”, p. 764. 12. Ribeiro Mendes, Recursos em Processo Civil, p.101 13. Recursos em Processo Civil, Almedina, 2020, pp. 431-432. |