Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
2086/23.0T8FAR.E1.S1
Nº Convencional: 2.ª SECÇÃO
Relator: FERNANDO BAPTISTA
Descritores: CONTRATO DE MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA
DIREITO À RETRIBUIÇÃO
PAGAMENTO ANTECIPADO
CONTRATO-PROMESSA DE COMPRA E VENDA
CONTRATO DEFINITIVO
OBRIGAÇÃO DE RESTITUIÇÃO
INTERPRETAÇÃO DA LEI
INTERPRETAÇÃO DE DECLARAÇÃO NEGOCIAL
TEORIA DA IMPRESSÃO DO DESTINATÁRIO
AUTONOMIA PRIVADA
Data do Acordão: 02/13/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Sumário :
I. No contrato de Mediação Imobiliária, o direito da mediadora à remuneração só nasce com a conclusão e perfeição do negócio visado, em conformidade com a regra ínsita na primeira parte do n.º 1 do art.º 19.º da lei nº 15/2013, de 08.02 (RJAMI).

II. Daí que a conclusão do contrato visado com a mediação não só marca o momento em que a remuneração é devida, como também é o facto constitutivo do direito da empresa à retribuição acordada.

III. Em caso de celebração de contrato-promessa, podem as partes acordar na antecipação do pagamento, total ou parcial, para o momento da sua celebração, no reconhecimento de que se trata de um marco relevante no iter negocial que se reporta ao momento, à “fase”, do pagamento da remuneração e não à aquisição ou constituição do direito da mediadora à remuneração, assinalando a vinculação das partes à celebração do contrato prometido, situação a que respeita a previsão da 2.ª parte do citado n.º 1 do art.º 19.º.

IV. Ou seja, o artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto estabelece apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase, na expectativa de que, em condições normais e com grande probabilidade, ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido. Daqui não resultando, portanto, que se tenha constituído o direito da mediadora à remuneração, o qual continua dependente da conclusão e perfeição do negócio definitivo.

V. Assim, se, apesar de ter sido convencionada aquela antecipação do pagamento da remuneração, o contrato definitivo não se vier a realizar, a mediadora deve restituir ao cliente as quantias a esse título recebidas.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça, Segunda Secção Cível


I – RELATÓRIO

AA instaurou contra Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda. a presente acção declarativa de condenação, a seguir a forma única do processo comum, pedindo a final a condenação da Ré no pagamento da quantia de €118.080,00, acrescida de juros de mora contados da citação à taxa legal para as dívidas de natureza comercial.

Em fundamento alegou, em síntese, ter celebrado com a ré, em 25 de Janeiro de 2022, um contrato de mediação imobiliária, no âmbito do qual fez entrega a esta, aquando da celebração de contrato promessa com interessado que pela demandada havia sido angariado, da quantia de €118 080,00, correspondente ao total da remuneração acordada, acrescida do respectivo IVA.

Sucede, porém, que o negócio prometido não chegou a concretizar-se, pelo que a remuneração não é devida, recusando-se a ré a restituir a quantia recebida a título de mero adiantamento, como resulta do acordo entre as partes celebrado, o que justifica a presente acção.

Citada, a ré veio apresentar contestação, pela na qual sustentou ser-lhe devida a remuneração paga porque assim foi convencionado nos termos do contrato celebrado com a A., defendendo a improcedência da acção logo em sede de despacho saneador.

Cautelarmente, requereu a intervenção principal da Una Seguros, SA, companhia com a qual celebrou contrato mediante o qual transferiu para esta a responsabilidade dos danos causados a terceiros no exercício da sua actividade imobiliária até ao montante de €150 000,00.

Admitida a intervenção principal provocada da seguradora, veio esta oferecer contestação na qual impugnou, por desconhecida, a factualidade impugnada, defendendo em todo o caso o direito da ré à remuneração.


*


Teve lugar audiência prévia e nela, frustrada a tentativa de conciliação, acordaram as partes em reconhecer que o contrato prometido não se realizará, devendo a causa ser decidida à luz da norma contida no n.º 1 do art.º 19.º da Lei 15/2013 de 8 de Fevereiro.

Tendo o Tribunal anunciado o conhecimento antecipado do mérito, foi cumprido o disposto no n.º 3 do art.º 3.º do CPCiv.

Foi de seguida proferida sentença com o seguinte dispositivo:

“Em face do exposto, julga-se totalmente procedente a ação e, em consequência, decide-se condenar, solidariamente, as Rés a pagarem à Autora AA a quantia de € 118.080,00, acrescida de juros de mora desde a citação até integral pagamento, às taxas sucessivamente em vigor para os juros comerciais.”

Inconformada, apelou a ré, vindo a Relação de Évora, em acórdão, a “julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré Máscarazul, mediação imobiliária, Lda., condenando-a no pagamento dos juros vencidos e vincendos à taxa supletiva legal em vigor prevista na Portaria 291/2003, de 8 de Abril, confirmando-se quanto ao mais a sentença recorrida.”.


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De novo inconformada, vem a Ré/Recorrente, MÁSCARAZUL MEDIAÇÃO IMOBILIÁRIA, LDA., “interpor recurso de revista excepcional, nos termos dos Artigos 671.º, n.º 3 e 672.º, n.º 1, al. a) e c) do CPC”, revista essa que foi admitida pela Formação.

A Recorrente apresentou alegações que remata com as seguintes

CONCLUSÕES1

«(…)

II) Da questão substantiva:

M) – O acórdão recorrido violou o disposto na 2.ª parte do n.º 1 do Art.º 19.º da Lei 15/2013, ao sustentar que a remuneração ali prevista é uma mera antecipação do pagamento que fica dependente, para se tornar efectiva, de realização do contrato definitivo.

N) – A 2.ª parte do n.º 1 do Art.º 19.º comporta uma excepção à regra-base contida na 1.ª parte desse número (de que a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio) pelo que a remuneração ali prevista (2.ª parte) é devida logo que ocorra a celebração do contrato promessa, pois como se diz no acórdão-fundamento, “Em tais circunstâncias o direito à remuneração é adquirido pela mediadora (total ou parcialmente, conforme estipulado no contrato de mediação) com a celebração do contrato promessa, sendo indiferente o cumprimento deste”.

O) – O argumento que o acórdão recorrido pretende retirar da estipulação do n.º 3 da Cláusula 5.ª do CMI dos autos é irrelevante para a questão em análise, porque tal estipulação é tão-somente uma manifestação da vontade das partes expressa no CMI e de cuja aplicação poderá resultar o pagamento total, parcial ou nenhum pagamento da remuneração no acto da outorga do contrato promessa.

P) – Também o entendimento do acórdão recorrido segundo o qual só no caso do n.º 2 do Art.º 19.º o legislador admitiu a possibilidade da remuneração ser devida, sem ficar dependente da conclusão do negócio não tem acolhimento na letra da lei, pois percorrendo os n.os 1, 2 e 3 do preceito, verifica-se que o legislador utiliza a expressão “remuneração” e “devida” no n.º 1, 1.ª parte (“A remuneração é devida …), no n.º 1, 2.ª parte (“… é igualmente devida a remuneração …”) e no n.º 2 (“… é igualmente devida a remuneração …”), mas já no n.º 3 utiliza uma terminologia diferente e fala, pela primeira vez, “em quantias a título de adiantamento por conta de remuneração acordada”.

Q) – Se a intenção do legislador, no tocante à remuneração referida na 2.ª parte do n.º 1 fosse a de a qualificar como adiantamento, por conta da remuneração, tê-lo-ia dito, com a clareza com que o fez no n.º 3 para a situação ali prevista.

R) – Não o tendo feito e dizendo ser devida a remuneração, logo que ocorra a celebração do contrato promessa, o legislador colocou no mesmo plano esta previsão relativamente às outras duas, sendo por isso, claro que a previsão da 2.ª parte só faz depender o pagamento da retribuição da estipulação no CMI e da celebração do contrato promessa e não já da conclusão do negócio prometido, cuja verificação só tem aplicação na 1.ª parte do n.º 1.

S) – O texto da lei (Art.º 19.º) é preciso, claro e coerente em todas as situações em que se refere ao pagamento da remuneração devida, significando sempre tal expressão, vencida e exigível, por disposição legal na 1.ª parte do n.º 1 e no n.º 2 e por convenção das partes no CMI, na 2.ª parte do n.º 1.

T) – E por isso, ao contrário do expendido no acórdão recorrido, a par dos casos do n.º 2 do Art.º 19.º, também nas situações previstas na 2.ª parte do n.º 1, a mediadora tem direito à remuneração, sem a concretização do negócio visado.

U) – E também não colhe o argumento expendido no acórdão recorrido, segundo o qual a remuneração só seria devida (definitivamente) se no CMI estivesse prevista uma remuneração autónoma e “ad hoc” apenas pela celebração do contrato promessa, porquanto a remuneração de que trata o CMI é sempre e só a remuneração contratualmente fixada.

V) – E o Art.º 19.º, cuja epígrafe é precisamente a “Remuneração da empresa”, só se refere nos n.os 1 e 2 à remuneração contratualmente estipulada pelas partes no CMI e, consequentemente, a remuneração devida de que trata a 2.ª parte do n.º 1 é a remuneração contratualmente fixada no CMI que, na hipótese ali contemplada, se vence e deve ser paga logo que ocorra a celebração do contrato promessa.

W) – Assim sendo, as estipulações da Cláusula 5.ª do CMI válidas e como a A. veio a celebrar um contrato promessa com cliente angariado pela R., do qual recebeu um sinal equivalente a 12% do preço, deverá concluir-se que a remuneração estipulada (6%) no CMI era devida e exigível na totalidade quando ocorreu a celebração do contrato promessa, face ao estatuído no CMI (Cl. 5.ª, n.os 1, 2 e 3, alínea a e 19.º, n.º 1, 2.ª parte da Lei 15/2013).

X) – Pelo que a acção deverá ser julgada improcedente e a R. absolvida do pedido.

Termos em que deve ser admitido o recurso de revista excepcional e o mesmo julgado procedente, revogando-se o acórdão recorrido e a sentença da 1.ª instância e proferindo-se decisão de mérito que julgue a acção improcedente, absolvendo a R. do pedido..».

Contra-alegou a Autora/recorrida, pugnando pela improcedência do recurso.

Colhidos os vistos, cumpre apreciar e decidir.


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II – DELIMITAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Nada obsta à apreciação do mérito da revista.

Com efeito, a situação tributária mostra-se regularizada, o requerimento de interposição do recurso mostra-se tempestivo (artigos 638º e 139º do CPC) e foi apresentado por quem tem legitimidade para o efeito (art.º 631º do CPC) e se encontra devidamente patrocinado (art.º 40º do CPC). Para além de que tal requerimento está devidamente instruído com alegação e conclusões (art.º 639º do CPC).


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Considerando que o objecto do recurso (o “thema decidendum”) é estabelecido pelas conclusões das respectivas alegações, sem prejuízo daquelas cujo conhecimento oficioso se imponha, atento o estatuído nas disposições conjugadas dos artigos 663º nº 2, 608º nº 2, 635º nº 4 e 639º nºs 1 e 2, todos do Código de Processo Civil (CPC), a questão a decidir é a seguinte:

Interpretação e aplicação do Art.º 19.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro – designadamente, saber se a remuneração/retribuição paga à mediadora aquando da celebração do contrato promessa e prevista no contrato de mediação imobiliária (CMI) é definitiva (vencida e exigível com a celebração do contrato-promessa) ou é apenas uma antecipação da retribuição, caso em que deverá ser restituída se não houver lugar à conclusão e perfeição do negócio definitivo (o prometido).


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III – FUNDAMENTAÇÃO

III. 1. FACTOS PROVADOS

É a seguinte a matéria de facto provada (na 1ª instância, sem impugnação em recurso):

1. A Autora AA tem inscrita a seu favor pela Ap. ..78 de 02-04-2015, a aquisição por doação da fração autónoma para habitação correspondente ao Apartamento n.º 801, 8.º Andar, composto de habitação com sala comum, 4 quartos, cozinha, despensa, 3 casas de banho e varanda, sito no Edifício ..., freguesia de ..., inscrita na matriz sob o artigo urbano ...46° e descrita na Conservatória do Registo Predial de ... sob o n° ..93/......31, tal como resulta do documento 1 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

2. A Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda. é uma sociedade comercial que, no âmbito do seu objeto social, se dedica à mediação imobiliária e é titular da Licença AMl n° ..04 emitida pelo IMPIC.

3. Por escrito datado de 25 de Janeiro de 2022, a Autora AA, como 2.ª outorgante, e a Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda., como 1.ª outorgante, celebraram "Contrato de Mediação Imobiliária", no âmbito do qual a Ré obrigou-se a diligenciar, em regime de exclusividade, no sentido de conseguir interessados na compra do prédio propriedade da Autora, sendo que nos termos convencionados, as partes acordaram no seguinte:

“Cláusula 4.ª

“Regime de contratação”

“2. (…)

b) Será devida à MEDIADORA a remuneração acordada na cláusula seguinte quando o negócio visado no CMl não se venha a concretizar por causa imputável ao(s) SEGUNDO(S) OUTORGANTES(S), bem como no reembolso das despesas efetuadas, nomeadamente comercialização e divulgação, mediante apresentação dos respetivos comprovativo"

Cláusula 5.ª

"1- A remuneração só será devida à MEDIADORA se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede Portugal Sothebys International Realty conseguirem interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no art.º 19.º da Lei/15/2013, de 08 de fevereiro.

2- O(s) SEGUNDO(S) CONTRAENTE(S) obriga-se a pagar à MEDIADORA a título de remuneração a quantia de 6% (seis) por cento) calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3- A remuneração da MEDIADORA será paga da seguinte forma:

a. O total da remuneração aquando da celebração do CPCV, quando o valor do sinal entregue pelo cliente comprador for igualou superior a 12% (doze por cento) do valor da venda;

b. 50% (cinquenta por cento) do total da remuneração aquando da celebração do CPCV, sempre que o sinal entregue seja superior a 6% (seis por cento) e inferior a 12% (doze por cento) do valor da venda sendo os restantes 50% (cinquenta por cento) aquando da celebração da escritura publica de compra e venda;

c. Aquando da celebração da escritura pública de compra / venda sempre que o sinal entregue for inferior a 6% (seis por cento) do valor da venda ou na inexistência no CPCV ( ... )", tal como resulta do documento 2 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

(…)”.

4. No dia 22 de setembro 2022, na sequência dos serviços de mediação diligenciados pela Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda., a Autora celebrou e assinou um contrato promessa de compra e venda, nos termos do qual:

i. a Autora obrigou-se a vender a fração autónoma a BB e CC, casados no regime da comunhão de adquiridos, pelo preço de 1.600.000,00€, tendo recebido a quantia de 192 000€ a título de sinal e princípio de pagamento, correspondente a 12% do preço e a escritura pública deveria ser outorgada até ao dia 31.01.2023 no cartório notarial do Dr. DD, em ..., podendo o prazo ser objeto de prorrogação por mais 60 dias, por impossibilidade de uma das partes;

ii. a marcação da escritura competia aos Segundos Contratantes, Promitentes Compradores, e

iii. consta da sua cláusula 11.ª a intervenção da Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda., na qualidade de mediadora imobiliária, tal como resulta do documento 3 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. A Autora pagou à Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda, após a celebração do contrato-promessa referido em 4), a quantia de €96.000,00 mais IVA, no total de €118.080,00.

6. O contrato definitivo objeto do contrato promessa referido em 4) não será2 realizado.

7. A Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda transferiu para a Ré Una Seguros, SA a responsabilidade civil da sua atividade de mediadora imobiliária por contrato de seguro titulado pela apólice n.º ....32.

8. Os promitentes compradores instauraram contra a aqui A. e também contra a Máscarazul, mediação imobiliária, Lda., acção declarativa, a qual se encontra pendente no mesmo Juízo Central Cível de ... com o n.º3513/23.2..., na qual pedem a condenação solidária dos RR no pagamento da quantia de €384 000,00, correspondente ao dobro do sinal passado e indemnização por danos infligidos, acrescida dos juros, conforme consta da certidão de fls.59 a 83 dos autos (facto aditado nos termos dos art.ºs 607.º, n.º 4 ex vi do n.º 3 do art.º 663.º do CPCiv).


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III. 2. DO MÉRITO DO RECURSO

Interpretação e aplicação do Art.º 19.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro: a remuneração/retribuição paga à mediadora aquando da celebração do contrato promessa e prevista no contrato de mediação imobiliária (CMI) é definitiva (vencida e exigível com a celebração dessa promessa) ou é apenas uma antecipação da retribuição – caso em que deverá ser restituída se não houver lugar à conclusão e perfeição do negócio definitivo (o prometido)?

Em causa está, portanto, aferir se a Ré, mediadora imobiliária, e a sua seguradora devem ser condenadas a restituir à Autora o valor da comissão paga por esta àquela mediadora na sequência da celebração de um contrato-promessa de compra e venda do imóvel (propriedade da Autora e referenciado em 1) dos factos provados) que celebrou com terceiro, mas sem que tenha havido celebração do contrato definitivo.

Do elenco da factualidade assente, ressalta com especial interesse para a decisão de meritis, a seguinte3:

- Autora e Ré – Mediadora Imobiliária – celebraram (em 2022) o "Contrato de Mediação Imobiliária" junto aos autos, pelo qual a Ré se obrigou a diligenciar, em regime de exclusividade, no sentido de conseguir interessados na compra do prédio da Autora, tendo sido ali acordado, designadamente (para o que aqui importa):

“Cláusula 4.ª

“Regime de contratação”

“2. (…)

b) Será devida à MEDIADORA a remuneração acordada na cláusula seguinte quando o negócio visado no CMl não se venha a concretizar por causa imputável ao(s) SEGUNDO(S) OUTORGANTES(S), (…)"

Cláusula 5.ª

"1 - A remuneração só será devida à MEDIADORA se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede Portugal Sothebys International Realty conseguirem interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no art.º 19.º da Lei/15/2013, de 08 de fevereiro.

2 - O(s) SEGUNDO(S) CONTRAENTE(S) obriga-se a pagar à MEDIADORA a título de remuneração a quantia de 6% (seis) por cento) calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3 - A remuneração da MEDIADORA será paga da seguinte forma:

d. O total da remuneração aquando da celebração do CPCV, quando o valor do sinal entregue pelo cliente comprador for igualou superior a 12% (doze por cento) do valor da venda;

(…)”.

4. No dia 22 de setembro 2022, na sequência dos serviços de mediação diligenciados pela Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda., a Autora celebrou e assinou um contrato promessa de compra nos termos do qual:

i. a Autora obrigou-se a vender a fração autónoma a BB e CC, casados no regime da comunhão de adquiridos, pelo preço de 1.600.000,00€, tendo recebido a quantia de 192 000€ a título de sinal e princípio de pagamento, correspondente a 12% do preço e a escritura pública deveria ser outorgada até ao dia 31.01.2023 no cartório notarial do Dr. DD, em ..., podendo o prazo ser objeto de prorrogação por mais 60 dias, por impossibilidade de uma das partes;

ii. a marcação da escritura competia aos Segundos Contratantes, Promitentes Compradores, e

iii. consta da sua cláusula 11.ª a intervenção da Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda., na qualidade de mediadora imobiliária, tal como resulta do documento 3 da petição inicial, cujo teor se dá por integralmente reproduzido.

5. A Autora pagou à Ré Máscarazul - Mediação Imobiliária, Lda, após a celebração do contrato-promessa referido em 4), a quantia de €96.000,00 mais IVA, no total de €118.080,00.

6. O contrato definitivo objeto do contrato promessa referido em 4) não foi realizado.


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Apreciando.

À situação dos autos é aplicável o regime jurídico da actividade de mediação imobiliária consagrado na Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto, em vigor à data dos factos (ut artigo 12º do Código Civil).

Em específico, está a interpretação e aplicação do Art.º 19.º, n.º 1, 2.ª parte, da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, discutindo-se nos autos se a Autora pode exigir a devolução da remuneração que, nos termos previstos no contrato de mediação, pagou à Ré mediadora quando foi celebrado o contrato-promessa de compra e venda com o interessado obtido por esta, uma vez que o contrato definitivo de compra e venda visado pela mediação não veio a ser celebrado4.

O contrato de mediação aqui em causa estipulava que se o vendedor e o interessado na compra celebrassem um contrato-promessa com entrega de um sinal igual ou superior a 12% do valor da venda, a remuneração seria paga da forma ali consignada: o total acordado, de 6% do valor da venda, no momento da celebração do contrato-promessa.

Assim, tendo a Autora recebido “a quantia de 192 000€ a título de sinal e princípio de pagamento, correspondente a 12% do preço” prometido vender, pagou à Ré Máscara Azul - Mediação Imobiliária, Lda, após a celebração do contrato-promessa referido em 4), o total da remuneração acordada, no montante de € 96.000,00 mais IVA, no total de € 118.080,00 (facto 5).

Mas terá mesmo a Ré mediadora direito a fazer seu esse montante que da Autora recebeu, a título de retribuição pela angariação do cliente com quem foi celebrado o contrato-promessa, apesar de não se ter concretizado o negócio definitivo de venda do imóvel?

O que nos remete, desde logo, para o artº 19º da citada lei 15/2013, de 8 de Fevereiro.

Reza este normativo:

«Artigo 19.º

Remuneração da empresa

1 - A remuneração da empresa é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação ou, se tiver sido celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra.

2 - É igualmente devida à empresa a remuneração acordada nos casos em que o negócio visado no contrato de mediação tenha sido celebrado em regime de exclusividade e não se concretize por causa imputável ao cliente proprietário ou arrendatário trespassante do bem imóvel.

(…)»5.

A interpretação deste artº 19º, nº1, não é (de todo) despida de dúvidas.

Se o preceito começa por dizer que a remuneração apenas “é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado, acrescenta, porém, que a mesma também é “devida logo” que seja celebrado contrato-promessa e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase.

Convenhamos que aquela redação do legislador, maxime atenta a redacção que as partes, ao abrigo da liberdade contratual, deram ao contrato de mediação imobiliária que, livremente, celebraram, não nos fornece uma solução estável, segura, para a questão suscitada. Permanecendo sempre a dúvida em saber se, para haver lugar à remuneração – independentemente do destino do negócio visado (i.e., sendo ou não celebrada a escritura definitiva prometida) – bastará que tenha lugar a outorga do contrato promessa (caso, então, em que se consolidaria, sem mais, o direito da mediadora à retribuição), ou se, ao invés, para que tal direito da mediadora se concretize é necessário que (e de forma perfeita, diz a lei) se concretize o negócio visado.

Adiantando solução, cremos que do transcrito artigo 19º, n.º 1 da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto, se pode e deve extrair que a expressão “a remuneração (…) é devida” (ou seja, se confere à Mediadora, definitivamente, o direito a haver o respectivo montante acordado no contrato de Mediação Imobiliária), se reporta sempre (e só) à conclusão e perfeição do negócio visado com o contrato de mediação. Só a conclusão do contrato visado confere à mediadora o direito a exigir a remuneração acordada.

O mesmo é dizer, portanto, que o pagamento da remuneração no momento da celebração do contrato-promessa não atribui à mediadora direito definitivo à mesma. Isto é, não basta que tenha lugar a celebração do contrato-promessa para que se preencham os pressupostos do direito a essa remuneração, antes nos parecendo que a constituição desse direito continua sempre dependente da conclusão e perfeição do negócio visado (1ª parte do nº 1 daquele preceito legal) e só preenchida ou verificada esta circunstância é que a remuneração se tornará juridicamente exigível (só então será “devida”).

Assim, portanto, caso o negócio visado não chegue a ser concluído, a remuneração não será devida, independentemente das razões desse desfecho, i.e., mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam frustradas as suas exigências nas negociações com o interessado angariado pelo mediador. O mesmo é dizer que, nesta interpretação do aludido preceito (artº 19º nº1), mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado activamente na busca de interessados na conclusão do negócio e (como ocorreu no presente caso) tenha logrado conseguir esse interessado, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial.

Não olvidamos que a parte final daquele nº 1 do artº 19º vem lançar a dúvida (séria) quanto ao direito à retribuição em caso de ocorrência de contrato-promessa, na medida em que, após afirmar que a mesma (só) é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado, vem aditar que, tendo sido celebrado contrato-promessa de compra e venda: “e no contrato de mediação imobiliária estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase, é a mesma devida logo que tal celebração ocorra”.

Como tal, a interpretação literal do preceito pode-nos levar a “cair” para outra interpretação.

Continuemos.

Dada a dificuldade interpretativa do preceito, a sua susceptibilidade de gerar alguma “confusão” (leia-se, a forma como está redigido), impõe-se, então, e antes de mais, saber a que elementos interpretativos devemos recorrer. O que nos transporta para a determinação da regulamentação jurídica (ou regulação) aplicável ao contrato de mediação imobiliária.

Escreve, a propósito, FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, in Manual da Mediação Imobiliária6:

« (…) trata-se de um contrato legalmente típico7 (cfr. Lei 15/2013, de 8.2)8;

Aplica-se-lhe a seguinte regulamentação jurídica:

1º - O diploma específico que o prevê (Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro, enquanto legislação especial – cfr. artº 16º);

2º - O que ressalta das estipulações contratuais das partes (liberdade contratual);

- À falta ou insuficiência das referidas estipulações contratuais ou normas legais, aplicam-se, subsidiariamente, as regras do contrato de prestação de serviços - a que são extensíveis as disposições sobre o mandato,....com as necessárias adaptações (artº 1156º CCiv)9, 10 (sem prejuízo, é claro, da atenção às regras gerais das obrigações)11».

Ora bem.

Impondo-se, em primeira linha, recorrer ao estatuído no diploma específico que rege sobre o contrato de mediação imobiliária (Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro – enquanto legislação especial, ut artº 16º), mas (como dito) não fornecendo o mesmo uma solução inequívoca, estável, sobre a questão decidenda – como bem reflectem as decisões das instâncias e posições das partes –, ter-se-á de recorrer ao referido “segundo patamar” da regulamentação jurídica deste tipo contratual, ou seja, às estipulações contratuais das partes, desta forma trazendo à liça um dos princípios angulares do Direito Civil: o da liberdade contratual ou autonomia da vontade.

Antes de mais, é bom que se clarifique que no ordenamento jurídico português (considerando o que sobre ele tem sido escrito na doutrina e na jurisprudência), o contrato de mediação tem claramente natureza contratual.

Entre outros, escreve CARLOS BARATA12: “a mediação é, em geral, uma figura atípica, no Direito português. A liberdade contratual (artigo 405º, n º 1 C.C.) explica e justifica o vínculo de mediação. Mas, no quadro dos factos voluntários constitutivos de relações obrigacionais, só ao contrato, neste caso, pode ser reconhecida aptidão para fundar a vinculação”. Ao contrário do que ocorre no negócio unilateral, sujeito ao princípio da tipicidade, estabelecido no artigo 457º do Código Civil.

Obviamente que no que tange ao contrato de mediação imobiliária, a sua natureza contratual não parece merecer reservas, até porque assim vem tipificado na legislação que expressamente o regula13.

O que reza, então, o contrato, inter partes outorgado, que nos possa ajudar a sair deste “dilema” interpretativo?

Vale aqui, naturalmente, o plasmado na Cláusula 5ª, que, como visto, reza assim:

«Cláusula 5.ª

1- A remuneração só será devida à MEDIADORA se esta ou se uma das sociedades de mediação que integram a Rede Portugal Sothebys International Realty conseguirem interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato, nos termos e com as excepções previstas no art.º 19.º da Lei/15/2013, de 08 de fevereiro.

2- O(s) SEGUNDO(S) CONTRAENTE(S) obriga-se a pagar à MEDIADORA a título de remuneração a quantia de 6% (seis) por cento) calculada sobre o preço pelo qual o negócio é efetivamente concretizado, acrescida de IVA à taxa legal em vigor.

3- A remuneração da MEDIADORA será paga da seguinte forma:

e. O total da remuneração aquando da celebração do CPCV, quando o valor do sinal entregue pelo cliente comprador for igualou superior a 12% (doze por cento) do valor da venda;

(…)”.


*


O que nos remete para as regras atinentes à interpretação da declaração negocial.

Ora, como é sabido, na celebração e execução dos contratos, as partes visam a satisfação dos respectivos interesses e não tanto obedecer a esquemas conceptuais de índole técnico jurídica.

Descobrir a exacta regulação prevista pelas partes para a eventualidade de determinado acontecimento futuro impõe a interpretação das manifestações de vontade em conformidade com os critérios estabelecidos nos artigos 236.° a 238.°, do Código Civil.

Assim, no que concerne à interpretação da declaração negocial reza o art. 236º do Código Civil:

"1. A declaração negocial vale com o sentido que um declaratário normal, colocado na posição do real declaratário, possa deduzir do comportamento do declarante, salvo se este não puder razoavelmente contar com ele.

2. Sempre que o declaratário conheça a vontade real do declarante, é de acordo com ela que vale a declaração emitida".

De facto, neste normativo do C.C., consignam-se as regras de interpretação da declaração negocial, plasmando-se no nº 1 a chamada doutrina da impressão do declaratário, que consagra a interpretação objectivista ou normativa da declaração negocial.

A este propósito, escreve VAZ SERRA14 que não parece bastar, para que seja aplicável o critério objectivista ou normativo do n.º 1 do art.º 236º que a declaração não tenha sido entendida pelo declaratário, com o sentido querido pelo declarante. O declaratário é obrigado pela boa fé a, baseando-se nas circunstâncias por ele conhecidas ou cognoscíveis por um declaratário normal, colocado na sua posição concreta, procurar determinar o sentido querido pelo declarante.

O legislador optou aqui por uma posição objectivista em sede de hermenêutica negocial, consagrando a teoria da impressão do destinatário, segundo a qual o sentido relevante é aquele que seria considerado por uma pessoa normalmente diligente, sagaz e experiente em face dos termos da declaração e de todas as circunstâncias situadas dentro do horizonte concreto do declaratário, isto é, em face daquilo que o concreto destinatário da declaração conhecia e daquilo até onde ele podia conhecer15.

São circunstâncias atendíveis, para efeitos de interpretação negocial, à título exemplificativo, os termos do negócio, os interesses que nele estão em jogo (e a consideração de qual seja o seu mais razoável tratamento); a finalidade prosseguida pelo declarante; as negociações prévias; as precedentes relações negociais entre as partes; os hábitos do declarante (de linguagem ou outros); os usos da prática em matéria terminológica (ou de outra natureza que possa interessar), bem como os modos de conduta por que, posteriormente, se prestou observância ao negócio concluído.

Neste âmbito, as grandes directrizes devem ser as ideias de normalidade e de equilíbrio contratual.

De normalidade, conquanto o sentido da declaração de vontade se fixa, em primeiro lugar, atendendo ao que desta resulta para a impressão de um declaratário normal; não interessa, de facto, tanto saber aquilo que o real declaratário interpretou como correspondendo à vontade do declarante, mas, sim, saber qual a interpretação razoável na perspectiva da pessoa média.

Normalidade ainda, conquanto o sentido a retirar objectivamente da declaração deve atender não só às circunstâncias relevantes e cognoscíveis pelo declaratário, mas também ao próprio sentido com que o declarante, também objectivamente, podia contar, não permitindo que uma declaração de vontade possa valer com um conteúdo completamente desprendido das circunstâncias concretas nas quais o declarante actua.

Releva ainda uma ideia de equilíbrio contratual, na medida em que, em caso de dúvida irredutível quanto ao sentido de uma declaração se atende, no caso de negócios onerosos, àquele que melhor garanta uma distribuição harmoniosa dos sacrifícios por ambas as partes.

Atente-se que nos não devemos limitar à mera significação lógico-gramatical do texto através do qual as partes se exprimiram: esta raramente é unívoca, para além de que o que importa verdadeiramente é estabelecer o sentido de uma actuação concreta, o mais próximo possível do que foi livremente aceite por ambas as partes.

Assim sendo, na interpretação, há sempre que partir das circunstâncias do caso, situando as declarações no seu ambiente, no complexo de interesses no negócio compreendidos e no seu mais razoável tratamento, às negociações preliminares e aos usos eventualmente atendíveis. As circunstâncias a ter em conta podem ser anteriores à conclusão do negócio ou mesmo posteriores, importando especialmente os modos de conduta por que praticamente se prestou observância ao negócio concluído16.

Ora, transparece à evidência no contrato dos autos que: i) num primeiro momento, as partes clausularam que a remuneração da mediadora apenas seria devida se a mesma conseguisse interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato”. Isto é, caso ou se o contrato visado fosse concretizado (a compra e venda fosse, efectivamente, levada a cabo). Que não bastaria, portanto, a mera celebração do contrato promessa de compra e venda (que, como é sabido, tem apenas eficácia obrigacional17); ii) num segundo momento – mas sem descurar, obviamente, aquela “regra geral”, contratualmente plasmada e livremente aceite – , veio-se esclarecer, mas tão somente, a “forma” de pagamento da retribuição em caso de existência de CPCV: que, sendo celebrado contrato, seria pago o total da remuneração aquando da celebração do CPCV, desde que o valor do sinal entregue pelo cliente comprador fosse igual ou superior a 12% (doze por cento) do valor da venda o que, como visto, se veio a verificar. O que não significa, porém, que a remuneração fosse “devida” sem que tivesse lugar a ulterior celebração da escritura de compra e venda. Isto é, o nº 3 da cláusula 5ª, porque (como dela, expressamente, se fez constar) apenas respeitante à “forma” do pagamento da remuneração devida, não afasta a proposição ínsita no nº1 da mesma cláusula (existência de “interessado que concretize o negócio visado”), no que tange ao efectivo direito à remuneração.

Esta é, de facto, a nosso ver, a interpretação mais razoável e que se nos afigura resultar da normalidade das coisas, nestas situações, sendo a interpretação da declaração plasmada no contrato a que um declaratário normal teria quando colocado na posição do declaratário real (a Autora, comitente). É a interpretação razoável na perspectiva da pessoa média. Até porque não podemos olvidar que, sendo as empresas mediadoras comerciantes, exercendo uma actividade comercial numa economia de mercado, é aí que têm de viver e é nesse pressuposto que desempenham a sua actividade, daí que tenham de viver com o risco normal, a álea que é inerente a essa actividade. O que significa que, não sendo o contrário plasmado no contrato, de forma clara e inequívoca, o direito à remuneração se verifica ou estabiliza com a concretização do negócio visado no contrato de mediação imobiliária.

O que está em perfeita sintonia com a própria natureza da obrigação do mediador18.

Com efeito, se os dois regimes imediatamente anteriores ao RJAMI (2004 e 1999) descreviam e classificavam a obrigação típica do mediador imobiliário – independentemente de as partes poderem concretizar as suas obrigações de forma diferente – como obrigação de meios19, agora (após a vigência do RJAMI – Lei 15/2013), em que se estipula um vasto leque de negócios visados pelo contrato de mediação imobiliária (cfr. artº 2º/120), a prestação do mediador passou a ser entendida de forma diferente: tal “actividade de mediação imobiliária “consiste na procura, por parte das empresas, .....de destinatários para a realização de negócios...” (cit artº 2º - destaque nosso). Obriga-se, portanto, a diligenciar no sentido de procurar interessado no negócio visado no contrato, alguém com quem se concretize o negócio visado no contrato de mediação.

A actividade do mediador deixou, assim, de ficar “reduzida” a uma simples obrigação, passando a ter bem maior amplitude. O mediador desenvolverá a actividade pretendida pelo seu cliente no interesse de ambos, sabendo que só será remunerado se for bem sucedido na procura e se, na sequência disso, o cliente vier a celebrar o contrato desejado, celebração que se mantém na disponibilidade deste. A faculdade do mediador tem como contraponto a liberdade do cliente relativamente à celebração do contrato desejado – sem prejuízo de casos especiais, como o contrato com cláusula de exclusividade ou o contrato de leilão, e da proibição do abuso de direito21.

Esta é a regra.

Regra essa que as partes, naturalmente, ao abrigo da liberdade contratual, sempre podem afastar.

Com efeito, não se olvida que a autonomia privada é uma ideia fundamental do Direito Civil. É ela que corresponde à ordenação espontânea (não autoritária) dos interesses das pessoas, consideradas como iguais, na sua vida de convivência — ordenação autoformulada que é a zona reservada do direito privado.

Assim, as partes deixam plasmado no contrato o que querem, aquilo a que se querem vincular. E o que Autora e Ré mediadora deixaram dito no contrato dos autos é bem claro: que o pagamento da retribuição à mediadora só seria “devido” caso o negócio visado se concretizasse e, outrossim, que, havendo prévio contrato-promessa de compra e venda, a retribuição acordada seria entregue nos termos que também ali clausularam (i.e., aquando da outorga desse CPCV). O que, percute-se, nada tem a ver com o direito à retribuição, pois, seguramente, não teria estado na mente do comitente (nem de qualquer declaratário normal colocado na posição daquele) pagar à Mediadora a avultada quantia de € 96.000,00 mais IVA, no total de € 118.080,00 (facto 5) para, a final, ficar com uma “mão cheia de nada” (pela não realização da escritura de compra e venda do imóvel prometido vender)!

Assim, portanto, impõe-se que no caso sub judice seja aplicada a referida regra, de que o direito da mediadora à remuneração só nasce com a conclusão e perfeição do negócio querido pelo cliente, suportando a empresa o risco de, a final, correrem por sua conta e sem qualquer contrapartida as despesas em que incorreu no exercício da sua actividade – risco que justifica, de algum modo, as elevadas remunerações que, via de regra, são cobradas.


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Ainda sobre o artº 19º do RJAMI (saber quando é devida a retribuição à mediadora), e no apontado sentido, escreve FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA22:

«V. 2.3.3.1.A regra

Adiante-se, desde já, que a regra exposta, no tocante à prestação do cliente, não afasta a possibilidade de as partes, querendo, poderem acordar em sentido contrário, designadamente prevendo uma indemnização mesmo na eventualidade de o negócio não se chegar a concretizar.

I. A remuneração é devida aquando da conclusão e perfeição23 do negócio visado pelo exercício da mediação24-25-26.

II. Não basta à mediadora a “procura, (...) de destinatários para a realização de negócios” (artº 2º/1 do RJAMI).

III. Nem, sequer, que o contrato visado seja, de facto, levado a efeito.

IV. ….... exigindo-se, agora – para além da conclusão do negócio27 – , ainda, que o negócio (concluído) esteja perfeito (ut artº 19º/1 do RJAMI), isto é, que seja....eficaz (v.g., não ferido ab initio de qualquer invalidade absoluta ou pendente de condição suspensiva28 ou em que se venha a verificar a condição resolutiva de que estava dependente)29.

V. O direito à remuneração não é minimamente afectado pelo ulterior desfecho do negócio visado que, efectivamente, foi celebrado30.

Com efeito, em matéria de direito à retribuição, o momento relevante é o da constituição do contrato promovido, pelo que as ocorrências supervenientes que incidam sobre a execução ou o conteúdo do contrato serão, em regra, indiferentes31.».


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Como referido, a possibilidade de antecipação da remuneração ou de parte dela para o momento da celebração do contrato-promessa é frequente.

Como ocorreu no caso sub judice.

Mas a exposta regra respeitante à aquisição do direito à comissão/retribuição correspondente ao exercício da mediação não é, no caso presente, afastada sob a égide da previsão contida no referido nº 1 do artº 19º da Lei nº 15/2013. Até, como supra referimos, face às dúvidas que essa alínea suscita, obrigando-nos, então, a remeter para o clausulado no contrato, interpretado de acordo com as regras de interpretação dos contratos.

Assim, portanto, se no que tange ao contrato-promessa a jurisprudência se tem pronunciado acerca da possibilidade de antecipação da remuneração do mediador imobiliário, ou de parte dela, para o momento da sua celebração32, tal não significa que a remuneração seja devida (haja, definitivamente, lugar a ela) com a simples outorga do contrato-promessa.

O que, diga-se, está em sintonia com o que, ali de forma expressa, já se dispunha no arº 18º do Dec.-lei nº 211/2004, de 20.08

“Remuneração

1 - A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

2 - Exceptuam-se do disposto no número anterior:

a) (…)

b) Os casos em que tenha sido celebrado contrato-promessa relativo ao negócio visado pelo contrato de mediação, nos quais as partes podem prever o pagamento da remuneração após a sua celebração.”.

Assim, ser devida a remuneração e prever-se o seu pagamento não é a mesma coisa – como ocorreu, como vimos, na situação sub judice, atento o clausulado na clªa 5ª do contrato (onde se fala, expressamente, na forma do pagamento, havendo CPCV).

Isso mesmo – se bem que, na altura, sob a égide do DL n.º 211/2004, de 20-08 já este Supremo Tribunal de justiça acentuara no Ac. STJ de 19-05-2009, Revista n.º 5339/06.9TVLSB - 6.ª Secção (SILVA SALAZAR), « I - Na al. b) do n.º 2 do art. 18.º do DL n.º 211/2004, de 20-08, que regula a actividade de mediação imobiliária, consagra-se apenas a faculdade das partes de preverem o pagamento da remuneração após a celebração do contrato promessa, e não o direito da mediadora à remuneração, que se mostra consagrado apenas na excepção indicada na al. a) do mesmo artigo para a hipótese de não concretização do negócio visado por causa imputável ao cliente da mediadora, e não ao terceiro como é a hipótese dos autos. Isto é, aquela al. b) apenas se refere ao momento do pagamento da comissão, e não ao momento da constituição do direito à mesma.

II - Assim, embora tenha sido celebrado o contrato promessa, como a angariação de interessado pressupõe, para este ser considerado como tal para efeitos do disposto no art. 2.° do referido DL, a celebração do contrato visado pela mediação, que aqui não é o contrato promessa mas o prometido, tem de se concluir que a actividade de mediação não se restringe à celebração daquele contrato-promessa, tendo a empresa mediadora de prosseguir a sua actividade por forma a manter o interesse do terceiro angariado até à celebração do contrato visado, que era como se disse o contrato prometido, pelo que, não tendo este sido celebrado, não se pode dizer que a empresa mediadora tenha conseguido obter interessado para os efeitos do art. 2.° referido, não se podendo igualmente, por isso, sustentar que esta tenha adquirido definitivamente direito a comissão correspondente ao exercício da mediação.

Entendimento que não deixa de valer face à actual lei nº 15/2013 e tendo presente a forma como as partes se expressaram no contrato que celebraram, onde quiseram deixar, e deixaram, (bem) vertida a sua vontade real.

Portanto, uma coisa é a faculdade que às partes assiste de preverem no contrato de mediação o pagamento da remuneração após a celebração do contrato promessa; outra coisa – bem diferente – é que seja adquirido nesse momento o direito (em definitivo) da mediadora à retribuição, já que este apenas se adquire se e quando o negócio visado vier a ser concretizado – no caso presente, caso viesse a ser (que não foi) outorgada a escritura de venda definitiva do imóvel referenciado no contrato-promessa.

Não pode, a nosso ver, ser de outra forma.

A não ser que no contrato de mediação imobiliária se tivesse clausulado que o direito da mediadora à comissão se adquiria, sem mais, e desde logo, com a outorga do contrato-promessa.

Mas não foi isso que ali se clausulou. Pelo contrário: na clª 5ª, nº1, começou-se por dizer que “a remuneração só será devida à MEDIADORA se esta conseguir interessado que concretize o negócio visado pelo presente contrato (…)”, deixando-se para o ponto 2. a “forma” de pagamento que não, portanto, o direito à remuneração.

Vontade soberana das partes que tem de ser respeitada, não podendo deixar de aqui imperar.

E note-se que a remuneração devida, a sua forma de cálculo e forma de pagamento, com indicação da taxa de IVA aplicável, têm de constar obrigatoriamente do contrato, sob pena de nulidade (nulidade atípica, estando vedada a sua invocação à empresa de mediação), como resulta do disposto no art.º 16, n.º 2, al. c) e n.º 5 do RJAMI. Daí que as partes tivessem tido o cuidado de deixar isso ali vertido: que a remuneração só será devida à MEDIADORA caso se concretize o negócio visado, porém, sendo a remuneração paga da forma ali estipulada em caso de haver lugar à celebração de CPCV (clª 5ª). Paga dessa forma, é certo, mas, apenas e sempre,devida ou definitivamente exigível caso se concretize o negócio visado.

Em reforço, pode citar-se, ainda, o Ac. TRC de 23.03.200433:

«No contrato de mediação imobiliária, se nada for convencionado em contrário, o pagamento da comissão só é devido com a conclusão e perfeição do negócio visado com a mediação (contrato de compra e venda) e não com a simples outorga do contrato promessa de compra e venda» - “o pagamento” que aqui se reporta ao direito à retribuição que não à mera forma da sua realização.

E de forma mais incisiva, o acórdão Ac. RL de 07.02.201734:

« Permite-se, pois, às partes partilharem o risco de insucesso da actividade mediadora nos termos que entendam mais adaptados à economia da sua convenção pela fixação de condições remuneratórias referentes a dois momentos temporais, mas não se admite (como antes se admitia) que pura e simplesmente se estabeleça uma antecipação de pagamento da prestação devida pela concretização do negócio que não atenda ao carácter prematuro no momento da celebração da promessa, na lógica da mediação imobiliária.

(…).

…. com a entrada em vigor deste novo diploma, foram parcialmente alteradas as condições remuneratórias das empresas de mediação imobiliária, definindo uma moldura legal de carácter injuntivo (impassível de derrogação por vontade das partes, ex vi artigo 280º do CC e, por oposição, artigo 405º do mesmo diploma) que introduz maior temperamento e equilíbrio à relação de mediação, isto face ao regime pregresso, que revogou, constante do Decreto-Lei nº 211/2004 de 20.08.

Assim, nos termos do artigo 19º/1 da Lei nº 15/2013 de 08.02, continua a constituir princípio base central que a remuneração acertada pela mediação apenas é devida com a concretização e perfeição do negócio mediado e continua a admitir-se a possibilidade de a mediadora vir a ser remunerada aquando da celebração de contrato promessa referente a esse mesmo negócio, mas introduz-se uma importante especialidade, moderadora do regime anterior: a remuneração devida com a celebração da promessa tem de ter sido especificamente acordada e, para além disso, deve ter sido prevista especificamente para essa situação, não se identificando com a remuneração devida pela concretização do negócio ou com o efeito de antecipação do pagamento antes admitido.

O espaço de liberdade para estipular conteúdos contratuais que se oferece aos contratantes é, hoje, sensivelmente mais restrito, já que não é possível convencionar que a remuneração pela concretização do negócio seja devida logo na outorga da promessa (com sucedia no domínio do Decreto-Lei nº 211/2004 de 20.08) mas, apenas, que pode ser estabelecida uma remuneração especifica para quando exista sucesso na obtenção de uma promessa de compra e venda vinculativa respeitante ao negócio mediado»35.


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Nestes termos, afigura-se que o acórdão recorrido razão.

Na verdade, podem as partes estipular que é devida uma remuneração, autónoma, pela celebração do contrato promessa e tal até satisfazer o interesse do cliente36, então se constituindo o direito da mediadora à retribuição acordada. Porém, esta situação é diferente daqueloutra em que, sendo a remuneração devida, como é regra, apenas com a celebração do contrato visado com a mediação – no caso sub judice, a venda do imóvel – , as partes acordam em antecipar esse pagamento, parcial ou totalmente, para o momento em que é celebrado o contrato promessa, no reconhecimento de que se trata inequivocamente de um marco relevante no iter negocial, assinalando a vinculação das partes à celebração do contrato prometido. A esta última situação se reporta a previsão da 2.ª parte do transcrito n.º 1 do art.º 19.º, “sob pena do quase total esvaziamento da regra geral: veja-se que a antecipação do pagamento da comissão, parcial ou até integral, tendo por referência o momento da celebração do contrato promessa, vem prevista no modelo de contrato aprovado pela Portaria 228/2018, de 13 de Agosto (no qual, de resto, se inspirou claramente o celebrado pelas partes nestes autos), potenciando a sua inclusão na esmagadora maioria dos contratos celebrados. Assim, tal como a Relação – que assim secundou o entendimento expresso na sentença recorrida – , tem-se como correcta a interpretação de que o acordo a que se refere a lei no segmento final do preceito que se analisa reporta-se “exclusivamente ao momento, à “fase” em que é devido o pagamento, e não à aquisição ou constituição do direito à remuneração própria do contrato de mediação37, interpretação que, encontrando expressão na letra da lei, é aquela que salvaguarda o princípio que o legislador entendeu erigir em regra38.

Assim sendo, temos que a conclusão do contrato visado com a mediação não só marca o momento em que a remuneração é devida, como constitui também o facto constitutivo do direito da empresa a ser remunerada. Por isso, só para os casos em que foi convencionada a exclusividade o legislador previu excepcionalmente, no n.º 2 daquele artº 19º da Lei 15/2013, que a empresa mediadora tenha direito à remuneração sem a concretização do negócio visado, exigindo, porém, a prova de que a não concretização se ficou a dever a causa imputável ao cliente proprietário (ou arrendatário trespassante) do bem imóvel. “Entendimento diverso, permitindo ao mediador que fizesse sua a remuneração recebida aquando da celebração do contrato promessa nos casos em que o contrato visado não se viesse a concretizar, seria fazer depender a aquisição do direito à remuneração da concretização daquele contrato, e não do contrato visado com a celebração do acordo de mediação39, transferindo para o cliente “a álea caracterizadora da actividade do mediador (…) ainda em fase anterior à celebração do contrato visado, o que o tipo não parece admitir (…)4041.

Assim, portanto, tendo as partes convencionado a antecipação do pagamento da remuneração, parcial ou total, fazendo-o coincidir com a celebração do contrato promessa, não tendo ocorrido o contrato definitivo, não parece restar outra solução que não seja impor à Ré/empresa mediadora a restituição à Autora, sua cliente, das quantias a este título recebidas42.

Como flui do já cima exposto e é salientado no acórdão recorrido, “A solução que resulta da interpretação do citado art.º 19.º não resulta contrariada quando se analise o acordo celebrado nos autos.

(…)

Nos negócios formais, como é o caso, não pode a declaração valer com um sentido que não tenha um mínimo de correspondência no texto do respectivo documento, ainda que imperfeitamente expresso.

No caso, estipula-se na al. a) do n.º 3 da dita cláusula 5.ª) do acordo de mediação que se o vendedor e o interessado na compra celebrassem um contrato-promessa com entrega de um sinal igual ou superior a 12% do valor da venda, a remuneração do mediador, fixada em 6% do preço, seria devida, na sua totalidade, no momento da celebração daquele contrato, tendo sido em cumprimento do assim estipulado que a A. fez entrega à Ré mediadora da quantia de €118 000,00, correspondente à remuneração integral, acrescida do IVA. No entanto, em parte alguma da cláusula que se analisa se prevê que seja devida uma remuneração (autónoma) apenas pela celebração do contrato promessa, valendo ainda aqui a regra geral que as partes fizeram constar do n.º 1 da qual, por via da remissão para o antes citado art.º 19.º, só se exceptuando os casos em que foi convencionada a exclusividade e o negócio se não conclui por causa imputável ao cliente (cf. o n.º 2 do preceito).

Mas também o teor do n.º 3 da cláusula que se analisa, conjugada com os números precedentes, indica que estamos apenas perante uma antecipação do pagamento da remuneração, que só com a celebração do contrato visado será devida. Assim, tendo as partes convencionado que nos casos em que o sinal prestado fosse superior a 12% do preço convencionado o pagamento integral da remuneração coincidia com a celebração do contrato promessa, naqueles em que o sinal atingisse 6% do preço da venda (sendo, no entanto, inferior a 12%), deveria ser paga apenas metade da remuneração, com diferimento do restante para o momento da celebração do contrato definitivo. Finalmente, quando o sinal passado fosse inferior a 6%, o pagamento da remuneração ocorreria apenas com a celebração do contrato visado com a mediação, de tudo resultando que não estamos perante a derrogação da regra geral, expressamente consagrada no n.º 1 da cláusula em referência – a remuneração, em qualquer um dos casos, era devida apenas pela celebração do contrato definitivo –, estando antes em causa a previsão do pagamento antecipado e eventualmente faseado da mesma, em função da maior disponibilidade financeira que os sinais previstos nos contratos promessa celebrados propiciassem aos comitentes.”43.

O que se conforma com o que fora vertido na sentença: “quer o artigo 19.º da Lei 15/2013, de 8 de Fevereiro, na redação introduzida pelo DL 102/2017, de 23 de Agosto, quer a cláusula do contrato em causa nos autos, estabelecem apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase na expectativa de que, em condições normais e com grande probabilidade, ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido.”44 No entanto, daqui não resulta que se tenha constituído o direito da mediadora à remuneração, o qual continua dependente da conclusão e perfeição do negócio definitivo, tal como ficou a constar do n.º 1 da mesma cláusula, sentido que um destinatário normal, colocado na situação da autora, destinatária real, retiraria da estipulação em apreço, na articulação dos seus diversos números e alíneas, e ainda por via da remissão para as excepções consagradas no art.º 19.º da Lei 15/2013.

Ocorre, porém, que, conforme resultou demonstrado nos autos por acordo das partes, o contrato definitivo não se irá celebrar, pelo que a ré agora apelante não tem direito a haver para si a título de remuneração a quantia que lhe foi adiantada pela autora, com a consequência de se encontrar obrigada a restituí-la.”.


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IV. DECISÃO

Face ao exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso e, consequentemente, negar a revista, mantendo-se o decidido no Acórdão da Relação.

Custas da revista a cargo da Recorrente.

Lisboa, 13 de Fevereiro de 2025

Fernando Baptista de Oliveira (Juiz Conselheiro Relator)

Isabel Salgado (Juíza Conselheira 1º adjunto)

Orlando dos Santos Nascimento (Juiz Conselheiro 2º Adjunto)

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1. Importam, aqui, apenas, obviamente, as conclusões respeitantes à “questão substantiva”, ou seja, as ínsitas nas alíneas M) e segs (pois as conclusões A) a L) reportam-se (exclusivamente) à “admissibilidade de revista excepcional”, esta, como dito, que foi admitida pela Formação).

2. Como dito, é lapso evidente, pois querer-se-ia dizer “não foi realizado”.

3. Os destaques são da nossa autoria

4. Estando ainda por apurar, no âmbito de outro processo judicial, de quem é a responsabilidade pela não celebração do contrato definitivo.

5. Destaque nosso.

6. Almedina, 3ª Reimpressão (2024), pp 41-42.

7. Sendo, embora, um contrato estruturalmente idêntico ao tipo social do contrato de mediação geral: apenas divergem nos respectivos objectos.

8. Como supra observámos, foi com o Dec.-Lei nº 285/92, de 19 de Dezembro que se instituiu um tipo contratual legal, passando a partir daí a ser regulado de forma explícita o contrato de mediação imobiliária. A Lei nº 15/2013, de 8 de Fevereiro (RJAMI) – actualmente em vigor (que revogou o Dec.-Lei nº 211/2004, de 20 de Agosto, alterado pelo Dec.-Lei nº 69/2011, de 15.06 – cfr. a norma revogatória contida no artº 43º) – , veio, como dito, conformar o respectivo regime jurídico com as alterações promovidas pelo Decreto-Lei n.º 92/2010, de 26 de Julho, estabelecendo o novo regime jurídico do acesso e exercício da actividade de mediação imobiliária.↩︎

9. Estabelece o artigo 3º do Código Comercial que se “as questões sobre direitos e obrigações comerciais não puderem ser resolvidas, nem pelo texto da lei comercial nem pelo seu espírito, nem pelos casos análogos nela prevenidos, serão decididos pelo direito civil”.

  Por sua vez, o artigo 10º do Código Civil também estabelece que “1- Os casos que a lei não preveja são regulados segundo a norma aplicável aos casos análogos. 2- Há analogia sempre que no caso omisso procedam as razões justificativas da regulamentação do caso previsto na lei. 3- (…)” (a este propósito ensina J. BAPTISTA MACHADO, Introdução ao Direito e ao Discurso Legitimador, Almedina, 1995, p. 202, que “Nos termos do artigo 10º, n º1 do Código Civil o julgador deverá aplicar (por analogia) aos omissos as normas que diretamente contemplem casos análogos – e só na hipótese de não encontrar no sistema uma norma aplicável a casos análogos é que deverá proceder de acordo com o n º3 do mesmo artigo. Dois casos dizem-se análogos quando neles se verifique um conflito de interesses, paralelo, isomorfo ou semelhante – de modo a que o critério valorativo adotado pelo legislador para compor esse conflito de interesses num dos casos, seja por igual ou maioria de razão aplicável ao outro (n º2 do artigo 10º) (…) O recurso à analogia como primeiro meio de preenchimento das lacunas justifica-se por uma razão de coerência normativa ou de justiça relativa (principio da igualdade: casos semelhantes ou conflitos de interesses semelhantes devem ter um tratamento semelhante), a que acresce ainda uma razão de certeza do direito: é muito mais fácil obter a uniformidade de julgados pelo recurso à aplicação com as devidas adaptações, da norma aplicável a casos análogos do que remetendo o julgador para critérios de equidade ou para princípios gerais do Direito (…)”).

10. Há jurisprudência que rejeita, de todo, a aplicação subsidiária ao contrato de mediação imobiliária das normas de alguns contratos como a prestação de serviços e, dentro desta, o mandato (cfr. Acórdão do STJ de 4 de Março de 1980, BMJ 295, p. 356 e seguintes: “a aproximação (do contrato de mediação) com o contrato de mandato é arredada porque se o mandatário é encarregado de cuidar dos interesses de um dos contraentes, tendo por meta a realização do negócio jurídico, o mediador no contrato é, quando muito, intermediário nas propostas contratuais, sendo alheio à conclusão do contrato”.

  Face ao que dissemos, cremos tratar-se de jurisprudência um tanto peregrina.

11. MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, O Contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Scientia Iuridica, Janeiro-Abril, Tomo LXII, Número 331, obra citada, p. 77 e seguintes, a propósito da aplicação subsidiária das regras dos contratos análogos, e estando em causa (como está na mediação imobiliária) um contrato comercial, sustenta que a resolução das questões não tem de fazer-se exclusivamente recorrendo ao direito comercial, pois pode perfeitamente sê-lo recorrendo ao direito civil sem que haja qualquer precedência formal a favor das normas mercantis. O que importa é, sim, encontrar a solução mais adequada ao caso: “(…o intérprete estará autorizado a recorrer às normas de um ou do outro contrato, consoante o aspeto de regime que se apresente omisso: se, na situação a regular, o conflito de interesses apresentar maior similitude com aquele a que o legislador pretendeu dar resposta ao regular um destes outros contratos, o de mandato ou o de agência, é das regras desse outro que o intérprete deve socorrer-se para resolver a questão que lhe é colocada”).

12. Contrato de Mediação – Estudos do Instituto de Direito do Consumo, Vol. I, Amedina, 2002, p 225.

13. Assim, v.g., o artigo 3º, n º1 do da Lei 15/2013 de 08/02 reza que “A atividade de mediação imobiliária só pode ser exercida em território nacional por empresas de mediação imobiliária e mediante contrato, percutindo o artigo 16º n º1 do mesmo diploma que “O contrato de mediação imobiliária (…)”.

  Natureza contratual esta que, aliás, já vem desde o DL 285/92 de 19 de Dezembro (artigo 2º) – entendimento que os diplomas posteriores reiteraram (cfr. artigo 3º, n º 1 do DL 77/99 de 16 de Março e artigo 2º do DL 211/2004 de 20 de Agosto).

14. RLJ, 111º, Pág. 220.

15. Cfr., a este propósito, MOTA PINTO, "Teoria Geral do Direito Civil", 3a edição, págs. 444 a 458.

16. Cfr., RUI DE ALARCÃO, "Interpretação e Integração dos Negócios Jurídicos, in B.M.J., n.° 84, pp 329 a 345.

17. Efectivamente, sendo o contrato-promessa a convenção pela qual alguém se obriga a celebrar um determinado contrato, gera-se, por isso e apenas, uma obrigação de facto positivo, um «facere», sendo que na promessa bilateral de compra e venda, os outorgantes obrigam-se a outorgarem, respectivamente, como comprador e como vendedor, num futuro contrato de compra e venda (o contrato-prometido o contrato definitivo).

  Assim, como decorre do princípio da eficácia relativa dos contratos (artº 406º, nº2 CC), também os efeitos do contrato-promessa em princípio apenas se produzem entre as partes contratantes. As obrigações emergentes do contrato vinculam quem o celebrou – sendo certo, porém, que as partes podem, querendo, atribuir eficácia real ao contrato promessa (artº 413º CC), pela qual se estendem os efeitos do contrato-promessa para fora do âmbito das partes contratantes, tornando, então, já oponível contra terceiros o direito ao contrato definitivo.

18. Desenvolvidamente, ver FERNANDO BAPTISTA DE OLIVEIRA, Manual da Mediação Imobiliária, cit., pp 93 ss (Do Conteúdo do contrato – Dos direitos e obrigações das partes).

19. De facto, era o entendimento ínsito nos arts. 2º/1 do DL 211/2004 e 3º/1 do DL 77/99, de 16 de Março (que estipulavam que “a actividade de mediação imobiliária é aquela em que, por contrato, uma empresa se obriga a diligenciar no sentido de conseguir interessado na realização de negócio que visado....”).

20. Que reza: A actividade de mediação imobiliária «consiste na procura, por parte das empresas, em nome dos seus clientes, de destinatários para a realização de negócios que visem a constituição ou aquisição de direitos reais sobre bens imóveis, bem como a permuta, o trespasse ou o arrendamento dos mesmos ou a cessão de posições em contratos que tenham por objecto bens imóveis».

21. Cfr. HIGINA O. CASTELO, O Contrato de Mediação, Almedina, pp 401. Destaque nosso.

  Neste sentido, inter alios:

  - Ac. STJ de 1.4.2014, proc. 894/11.4TBGRD.C1.S1: « II - Para que ocorra uma mediação basta que, como consequência dos actos de promoção e facilitação envidados pelo mediador, se perfeccione o contrato a que as mesmas tendem, através da concorrência da oferta realizada por uma das partes e a consequente aceitação pela outra, não se exigindo a sua posterior consumação, pois que este resultado é independente da vontade do mediador, a não ser que se haja responsabilizado expressamente de o obter, através de um pacto especial de garantia no qual assuma o bom fim da operação.».

  - «Não constitui obrigação fundamental do mediador concluir o contrato; a sua obrigação essencial é a de conseguir interessado para certo negócio que ele próprio, raramente, conclui, sendo indiferente que este intervenha na fase final do negócio» - Ac. TRG de 23.10.2014, proc. 49320/12.9YIPRT.G1.

  - «O contrato de mediação imobiliária é um contrato bilateral e oneroso: o mediador obriga-se a procurar interessado e a aproximá-lo do comitente para a realização do negócio no sector imobiliário e este último obriga-se a remunerá-lo pelo serviço prestado» (Ac. STJ de 12.12.2013, proc. 135/11.4TVPRT.G1.S1).↩︎

22. Manual…, cit., pp 119 ss.↩︎

23. Nos termos do disposto nos artigos 224º a 226º do Código Civil, a perfeição da declaração negocial corresponde ao momento da sua eficácia, pois aquela torna-se perfeita quando alcança a sua plena eficácia.

24. Ou aquando da outorga do contrato-promessa – mas, neste caso, apenas se no contrato de mediação estiver prevista uma remuneração à empresa nessa fase.

  O que significa que a remuneração é devida, não apenas pelo exercício da atividade de mediação, designadamente pelas diligências levadas a cabo pela empresa mediadora com o propósito de encontrar destinatário para o negócio visado, nem pela obtenção de tal destinatário, mas com a celebração do negócio visado (seja o contrato definitivo ou o contrato-promessa na eventualidade de ser este o negócio estipulado).

  Veja-se que desde o DL 77/99 de 16/03 (cfr. artigo 19º, n º1: “A remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação” – redação esta que foi mantida no artº 18º nº1 do DL 211/2004 de 20/08).

25. Salvo, pensamos, acordo expresso em sentido contrário (as partes outorgantes são livres de acordar, querendo, uma indemnização .....mesmo que o negócio não se venha a concretizar). Não vale, porém, a mera vontade presumida nesse sentido.

  Sobre este aspecto, trazemos à colação a jurisprudência suíça, na qual à perguntava se pode o contrato estipular que a comissão é devida logo que o mediador apresente uma contraparte apta e disposta a concluir o contrato nas condições anunciadas pelo cliente, mesmo que o seu trabalho não seja bem sucedido, a resposta tem sido positiva.

  A justificação é esta: as cláusulas que visam tal propósito são o que ali se designa de "garantias de provisão "em sentido estrito (esta denominação é por vezes utilizada em sentido genérico englobando os diversos tipos de cláusulas permitindo ao mediador reforçar o deu direito à comissão). Elas são, em si, lícitas na medida em que não violam qualquer regra imperativa. Assim, o Tribunal Federal já decidiu que o art. 413 CO (Código das Obrigações) tem natureza dispositiva, de modo que as partes são livres de acordar uma garantia de provisão assegurando os “honorários” ao comitente, mesmo se o caso não foi bem sucedido (cfr. Arrêt du TF 4C.278/2004 du 29 décembre 2004, c. 2.3.). No entanto, observa-se que essas cláusulas tendem a afastar o contrato de mediação do mandato. Isso mesmo já foi decidido pelo Tribunal federal. Assim, numa decisão de 2005, onde se escreveu que "o contrato que não subordina a remuneração do mediador ao sucesso de sua intervenção, mas fixa-a, por exemplo, de acordo com o tempo que ele dedicou ao caso e os esforços que fez, de modo que os honorários são devidos, mesmo que o resultado desejado não tenha sido alcançado, não pode ser qualificado como um contrato de mediação, mas antes como um mandato ordinário (ATF 131 III 268, c. 5.1.2, SJ 2005 I 403. O Tribunal federal entendeu ali que a vontade presumida das partes era de ligar a remuneração do mediador à conclusão do contrato principal).

26. Ou seja, que a comissão do mediador apenas é devida quando a sua actividade tenha contribuído, de forma determinante, para a celebração (e perfeição) do negócio, por via da aproximação do comitente com terceiros, para o efeito.

  Portanto, (em princípio) não concretizado o negócio, não há que pagar qualquer remuneração; se assim não fosse, então o dono do imóvel ver-se-ia na contingência de remunerar a mediadora por cada interessado (2, 5 ou...20) que aquela lhe indicasse! Era injustificada e sem qualquer sentido esta posição, a qual, a vingar, levaria a que ninguém procurasse as empresas de mediação (que assim veriam os seus “negócios” a definhar...) para angariação de potenciais clientes sabendo que teria de pagar comissão mesmo que tal intervenção não levasse à concretização do negócio visado!

  É, de facto, pacífico na doutrina e na jurisprudência que no contrato de mediação imobiliária a remuneração, em regra, só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação.

  Assim, v.g.

  (…).

  (…)

  Do explanado se conclui, portanto, a contrario, que mesmo que a mediadora se tenha empenhado imenso na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial – ressalvadas, porém, as excepções prevista no artº 19º da Lei 15/2013.↩︎

27. Compra e venda, arrendamento, trespasse, etc…

  Como também se tem acentuado na jurisprudência suíça, não basta a mera possibilidade conferida ao comitente de concluir um contrato (ATF 113 II 49, c.1.). É, antes, necessário que o contrato seja concluído e que seja válido perante a lei vigente.

28. Caso em que a remuneração só será devida se tal condição (imprópria…) se verificar.

  Sobre a inserção de condição suspensiva nesta relação contratual, a solução é a mesma noutros ordenamentos jurídicos.

  Assim, em Itália, de acordo com o art. 1757 c.c. o direito à comissão surge logo que a condição se verifica. Assim, v.g., se as partes contratantes subordinarem a eficácia da proposta de venda à concessão do empréstimo bancário em favor do comprador, o agente imobiliário só poderá reclamar a comissão se e quando o banco tiver concedido o financiamento.

  Assim também em Espanha.

  Como referem, entre outras, as Sentenças do Tribunal Supremo (sessões de 13/06/2006, 30/03/2007 e 13/10/2011) “…dicho contrato está supeditado, en cuanto al devengo de honorarios, a la condición suspensiva de la celebración del contrato pretendido, salvo pacto expreso. Lo cual no alcanza a la consumación del mismo y si posteriormente se resuelve, se anula o, por cualquier razón pierde su validez o eficacia, el contrato de mediación queda incólume; esto es, desde el momento en que se perfecciona en el contrato objeto de la mediación, el mediador ha cumplido y agotado su actividad intermediaria”.

29. De facto, se é pacífico que, em regra, no contrato de mediação imobiliária a remuneração só é devida com a conclusão e perfeição do negócio visado pelo exercício da mediação, a verdade, também, é que não há unanimidade no que tange à qualificação jurídica do direito à remuneração no contrato de mediação, antes há divergências na doutrina e na jurisprudência, que estão directamente ligadas à qualificação do contrato de mediação como sujeito a condição (ensina Mota Pinto, Teoria Geral do Direito Civil, 4ª edição, p. 561: “As noções de condição suspensiva e condição resolutiva constam do artigo 270º: subordinação pelas partes a um acontecimento futuro e incerto, ou da produção dos efeitos do negócio jurídico (condição suspensiva) ou da resolução dos mesmos efeitos (condição resolutiva)”) e aleatório (igualmente ensina Mota Pinto, obra citada, p. 403, que “Nos contratos aleatórios as partes submetem-se a uma álea, a uma possibilidade de ganhar ou perder. A onerosidade consiste na circunstância de ambas estarem sujeitas ao risco de perder, embora, no final de contas, só uma venha a ganhar. Pode haver uma só prestação, dependendo de um facto incerto a determinação de quem a realizará (aposta, certos tipos de jogo), pode haver uma prestação certa e outra incerta, de maior montante do que aquele (seguro de responsabilidade civil, de incêndio, etc), pode haver duas prestações certas na sua existência sendo uma delas incerta no seu quantum (seguro de vida)”).

  Efectivamente, alguns autores, como Carlos Lacerda Barata (Contrato de Mediação – Estudos do Instituto de Direito do Consumo, vol I, Almedina, pp 202-203) referem que “O direito à retribuição depende da celebração do contrato promovido, embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificação de um resultado útil - a realização do negócio – da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata. Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio” (no mesmo sentido, entre outros: o Acórdão do STJ de 19/01/2004, CJSTJ, 2004, I, p. 27; Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 11/11/2004, Pº 5439/2004-8, disponível, in, www.dgsi.pt.; Acórdão da Relação de Coimbra de 23/03/2004, Pº 102/04, igualmente disponível, in, www.dgsi.pt).

  Também Maria de Fátima Ribeiro (in O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração, Scientia Iuridica, Janeiro-Abril 2013, Tomo LXII, Número 331, pp 93-99) refere que “(…) para que se torne devida a remuneração acordada, não basta que o mediador tenha desenvolvido todos os esforços para a produção desse resultado, sendo ao invés necessário que esses esforços tenham conduzido à celebração do negócio visado e que o negócio assim celebrado tenha resultado diretamente dessa atividade do mediador (…) Por outro lado, se o mediador conseguir interessar um terceiro no negócio, mas o comitente decidir que não quer celebrar o contrato assim promovido, deve entender-se que o mediador não tem direito à remuneração (…) Daqui decorre que este contrato costuma ser qualificado como aleatório, pois o direito à remuneração depende da verificação de um facto eventual: ele depende não apenas do facto de o mediador conseguir interessar um terceiro no negócio pretendido, mas também da vontade do comitente de celebrar o contrato proposto ou indicado pelo mediador, pelo que, este corre o risco de não ser remunerado pela atividade desenvolvida – aliás, este risco é caraterístico do contrato de mediação e é ele que justifica, economicamente, os elevados montantes fixados como remuneração na generalidade dos contratos”.

30. Se é certo que (em princípio) a remuneração apenas é devida com a conclusão (e perfeição) do negócio visado – salvo na situação excepcional prevista no nº 2 do artº 19º – , se o negócio visado (o contrato) que, efectivamente, foi celebrado posteriormente à celebração do contrato de mediação imobiliária, não foi (por uma ou ambas as partes) correcta ou inteiramente cumprido ou executado, isso em nada atinge o direito da mediadora. De facto, são realidades bem distintas a conclusão do contrato e o seu cumprimento, ou execução.

  Por isso mesmo, a propósito da qualificação jurídica da remuneração no contrato de mediação, Higina Orvalho Castelo (ob cit., p 122) escreve que “A conclusão do contrato visado perfeito não marca apenas o momento em que a remuneração é devida, sendo, mais que isso, uma circunstância sem a qual não nasce para o mediador o direito à remuneração”. Porém, como bem refere a mesma autora, se atendermos ao sentido técnico-jurídico da condição, o contrato de mediação não pode ser entendido como condicional, pois o mesmo “é plenamente eficaz desde o momento da celebração e não tem a sua eficácia ameaçada por qualquer ocorrência futura e incerta” (Ob cit., p 126). E acrescenta: “o que nele se passa é que um dos seus efeitos, o nascimento do direito a uma das prestações, concretamente, a remuneração do mediador está dependente de um evento futuro e incerto: a celebração do contrato visado”.

31. Cfr. Acórdão do STJ, de 28-04-2009 (FONSECA RAMOS).

  Escreveu-se neste Aresto:

  «O comitente só fica constituído na obrigação de remunerar o mediador se o negócio tido em vista pelo incumbente for concretizado em virtude da actividade do mediador, ou seja, a obrigação de meios que lhe incumbe há-de desembocar no resultado pretendido – a celebração do negócio para que foi mandatado o mediador – sob pena de se considerar que o contrato não almejou a perfeição e, não surtindo efeito útil a actividade do mediador – o risco, a álea negocial –, não há lugar à remuneração (comissão), nem ao pagamento de despesas se o contrato for celebrado pelo incumbente com terceiro, que não se interessou pelo negócio por causa da actuação do mediador.»?. Neste aresto, citando-se CARLOS LACERDA BARATA, acrescentou-se: «O direito à retribuição depende da celebração do contrato prometido embora seja independente do cumprimento do mesmo. Só com a verificação de um “resultado útil” – a realização do negócio – da actuação do mediador, este ganha o direito à retribuição. Está em causa mais do que a mera exigibilidade; é da própria constituição do direito que se trata. Pode-se, assim, afirmar que o direito à retribuição está sujeito a condição suspensiva: a celebração do negócio. Naturalmente, que só o negócio cuja celebração advenha (exclusivamente ou não) da actuação do mediador relevará, para este efeito. A prestação do mediador terá de ser causal, em relação ao negócio celebrado entre o comitente e o terceiro…. Em matéria de direito à retribuição, o momento relevante é o da constituição do contrato promovido, pelo que as ocorrências supervenientes que incidam sobre a execução ou o conteúdo do contrato serão, em regra, indiferentes” – destaques nossos.

32. Cfr., entre outros, os acórdãos do TRE de 17/03/2005, proc. 873/04-2 e do TRP de 15/02/2012, proc. 1988/09.1TBPFR.P1.

33. Proc. 102/04 (Jorge Arcanjo).

34. Proc. 2287716.8YIPRT.L1-7 (Alziro Cardoso).

35. Destaques nossos.

36. Considere-se, por hipótese, o caso de o contrato promessa ser considerado pelas partes como o acto conclusivo, por ter eventualmente ocorrido pagamento integral do preço acompanhada da traditio do imóvel prometido vender, ou ainda, como parece ter-se verificado no caso julgado pelo STJ no acórdão de 1/4/1964, em que as partes terão considerado a situação “firme e definida” pela mera celebração do contrato promessa, anotado por MANUEL SALVADOR no seu “Contrato de Mediação”, citado por MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, em “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in Revista de Direito Comercial, acessível em https://static1.squarespace.com/static/58596f8a29687fe710cf45cd/t/5b03df1670a6adb23e887769/1526980376093/2017-08.pdf., notas 37 e 38.

37. MARIA DE FÁTIMA REIBEIRO, citado “O contrato de mediação e o direito do mediador à remuneração”, in Revista de Direito Comercial.

38. Diz-se, e bem, a nosso ver, no acórdão recorrido.

39. Assim, e acompanhada de perto, Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação….”

40. Maria de Fátima Ribeiro, “O contrato de mediação…”.

41. Remata a Relação.

42. Assim, também, MARIA DE FÁTIMA RIBEIRO, na obra citada, e ainda os acórdãos do TRP de 30/6/2022 (processo 12308/21.7T8PRT.P1), TRL 25/11/2021 (processo 8971/20.4T8SNT.C1-8, com referência a outros arestos) e acórdão do TRE de 27/10/2022 (processo 760/19.5T8FAR.E1), todos disponíveis em www.dgsi.pt.

43. Destaque nosso.

44. Com efeito, e como se assinala no aresto do TRP citado na nota anterior, que versou sobre caso com base factual idêntica, “Muito embora a norma e a cláusula do contrato que a reproduz usem a expressão «ser devido», em bom rigor o pagamento da remuneração aquando da celebração do contrato-promessa não significa que baste a celebração desse contrato para que se preencham os pressupostos do direito à remuneração. Em qualquer caso, a constituição desse direito continua dependente da conclusão e perfeição do negócio visado e só se esta circunstância se verificar é que a remuneração se torna juridicamente exigível (devida). Se o negócio visado não chegar a ser concluído de forma eficaz (perfeita), a remuneração não é devida, independentemente das razões desse desfecho, ou seja, mesmo que o cliente haja decidido desistir do negócio ou sejam as suas exigências a fazer frustrar as negociações com o interessado proporcionado pelo mediador. Mesmo que a empresa de mediação se tenha empenhado activamente na busca de interessados na conclusão do negócio, se o negócio não se concretizar, não haverá lugar a remuneração, suportando, então, o mediador o risco da sua actividade comercial. O que a norma em causa e a cláusula do contrato em causa estabelecem por referência a um momento em que o negócio ainda não se concretizou é apenas o vencimento antecipado da remuneração no caso de o vendedor e o interessado celebrarem um contrato-promessa (um contrato cujo efeito jurídico é a constituição da obrigação de celebração do negócio visado) e o contrato de mediação prever o pagamento da remuneração logo nessa fase. Na expectativa de que em condições normais e com grande probabilidade ao contrato-promessa se seguirá a celebração do contrato prometido, as partes no contrato de mediação imobiliária podem indexar o pagamento da remuneração (o vencimento) ao momento da celebração do contrato-promessa, apesar do que, se o contrato prometido não vier a ser celebrado, haver casos em que o direito à remuneração se constitui e casos em que ele não chega sequer a constituir-se, daí resultando que o pagamento antecipado se torna supervenientemente inexigível e dever ser repetido.(…)”.