Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 1.ª SECÇÃO | ||
Relator: | JORGE LEAL | ||
Descritores: | RECURSO DE REVISÃO REVELIA RÉU REVEL ÓNUS DA PROVA CITAÇÃO PESSOAL CITAÇÃO POR VIA POSTAL PESSOA SINGULAR ACESSO AO DIREITO IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO MODIFICABILIDADE DA DECISÃO DE FACTO LIVRE APRECIAÇÃO DA PROVA PROVA TABELADA PROVA TESTEMUNHAL DECLARAÇÕES DE PARTE | ||
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Data do Acordão: | 07/02/2024 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA | ||
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Sumário : |
I. No recurso de revisão de sentença, assente na revelia do réu, recai sobre o recorrente o ónus da prova de que não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável. II. Não é admissível a revista, na parte que tem por objeto o inconformismo do recorrente quanto à avaliação que a Relação fez de meios de prova sujeitos a livre apreciação pelo tribunal (depoimentos de testemunhas e declarações de parte não confessórias). III. Para o efeito referido em II, é irrelevante a circunstância de a Relação ter atuado como primeira instância. | ||
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Decisão Texto Integral: |
Acordam os juízes no Supremo Tribunal de Justiça I. RELATÓRIO 1. Em 24.10.2022 AA interpôs recurso extraordinário de revisão contra a decisão proferida nos autos de revisão de sentença estrangeira apensos, contra a recorrida Landis Rath Cobb, Llc. Para tanto, alegou, em síntese, que foi citado por Agente de Execução no âmbito de uma ação executiva que corre em ..., tendo por base o acórdão proferido nos autos apensos de revisão de sentença estrangeira. Segundo o recorrente, nunca foi citado para aquela ação de revisão de sentença estrangeira. O recorrente terminou pedindo que, verificada a falta da sua citação no aludido processo, fosse determinada a anulação dos termos do processo posteriores à citação do réu e ordenado que este fosse citado para a causa, nos termos previstos pelo art.º 701.º, n.º 1, alínea c) do CPC. Subsidiariamente, requereu que se desse provimento ao fundamento constante na subalínea ii) do art.º 696.º do CPC, máxime por que o réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe era imputável. 2. Foi proferido despacho a determinar a notificação da recorrida, nos termos do disposto no n.º 2 do art.º 699.º do CPC, para no prazo de 20 dias responder. 3. A recorrida respondeu, pugnando pela improcedência do recurso. 4. Realizaram-se diligências instrutórias. 5. Em 29.03.2023 foi proferida decisão singular, em que se julgou o recurso improcedente. 6. O recorrente reclamou para a conferência, e em 16.5.2023 foi proferido acórdão, que confirmou a decisão reclamada, julgando o recurso improcedente. 7. O recorrente interpôs revista do acórdão, formulando as seguintes conclusões: “1. O presente Recurso de Revista tem por objecto o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa e notificado em 19/06/2023. 2. O qual indeferiu a pretensão exposta no Recurso de Revisão e que tem por fundamento o disposto no art.696.º, al. e), subalíneas i e ii), do CPC. 3. Afigurando-se admissível, uma vez que o disposto no n.º 1 do art.671.º, do CPC, deve ser interpretado no sentido de abranger, igualmente, as causas em que a Relação haja actuado como 1ª instância – v. o mencionado Acórdão do STJ, de 9/01/2021 (Proc. n.º146/20.9...); estando preenchidos os demais pressupostos gerais. 4. Não obstante a reclamação, anteriormente formulada, contra a decisão singular prolatada, o Acórdão sub judice mais não é do que a reprodução dessa decisão contra que se reagiu fundamentadamente. 5. Acrescendo-lhe breves considerações genéricas e acríticas, na parte final do mesmo. 6. Inexistindo pronúncia quanto ao suscitado e, consequente, falta de fundamentação. 7. Estando, assim, fulminado do vício de nulidade, nos termos e para efeitos do disposto no art.615.º, n.º1, als. d) e b), ex vi legis art.666.º, ambos do CPC – e que configura fundamento específico da revista (art.674.º, n.º1, al. c), do CPC). 8. Devendo tal ser declarado, com legais consequências. Paralelamente, 9. Vimos que a decisão recorrida assenta em inúmeras e notórias insuficiências e ilogicidades quanto à fixação e decisão dos factos materiais da causa. 10. Do que se destaca: mais do que saber se certos termos do processo foram expedidos pelo Tribunal, importa saber em que data, se foram ou não recepcionados e por quem (v. pontos 3, 6 e 10 da matéria de facto provada). 11. Ademais, quando está prescrita a forma escrita para tais actos (v.g.art.172.º, n.º3, do CPC). 12. O mesmo se diga quanto ao ponto 13 da matéria de facto provada; relevando saber qual a decisão que recaiu sobre o pedido de consulta dos autos executivos, em 8/03/2021. 13. O que havia sido, licitamente, requerido pelo Recorrente (requerimento de 23/01/2023). 14. E sobre o qual, o Tribunal a quo nada disse ou justificou. 15. Violando o direito à prova do Recorrente e os deveres a que ex oficio estava adstrito – v.g. arts. 3.º, n.º3, 436.º, 411.º, do CPC. 16. Ignorando o Tribunal a quo, de todo o modo, a regra basilar constante do disposto no art.164.º, n.º1, n.º2, al. c), do CPC, do que se extrai que os processos de execução só podem ser facultados aos executados e respectivos mandatários após a citação; e no caso concreto, tal só ocorreu em 7/07/2022. 17. Questões estas que urge resolver à luz e com fundamento no disposto nos arts.674.º, n.º1, al. b) e 682.º, n.º3, 674.º, n.º3, do CPC. 18. Sem olvidar, ainda, que tendo – no recurso de revisão – operado o Tribunal a quo como 1ª instância, qualquer restrição neste domínio da matéria de facto se tem como atentatória do direito a uma tutela jurisdicional efectiva, do direito ao recurso. 19. E por isso inconstitucional, para efeito do disposto no art.20.º da CRP. 20. Giza o Acórdão recorrido, não ter o recorrente ilidido a presunção que sobre si impedia. 21. Arrancando, com o devido respeito, com base em argumentação ilógica e insuficiente. 22. Designadamente, afirmando que a testemunha BB não se recorda de ter oportunamente transmitido a citação ao aqui Recorrente. 23. Quando, porém, este admitiu, com elevada probabilidade, que tal não acontecera e justificando com elevada carga de trabalho; o que nos merece absoluta credibilidade para o juízo positivo da questão. Além de que, e não obstante, estar devidamente instruído pelo Recorrente quanto a questões desta natureza, rectius da pronta transmissão de qualquer carta ou comunicação. 24. Sendo que qualquer outra questão lateral ou instrumental, não pode obnubilar tal evidência. 25. Sob pena de absoluta impossibilidade probatória. 26. O Recorrente não tinha, nem tem qualquer interesse na sua indefesa. 27. Não podendo ser prejudicado por acto negligente de Terceiro, nem por qualquer dúvida irrazoável. 28. O Terceiro tinha um dever (art.228.º, do CPC), que não logrou cumprir. 29. E mesmo ante a dúvida expressa pelo Tribunal a quo, sempre se revela preferível a repetição da citação, de modo a garantir um julgamento equitativo do litígio, nos termos da Jurisprudência supra sublinhada. 30. Tudo conjugado, entende o Recorrente assistir-lhe razão quanto verificação dos pressupostos de que depende a procedência do recurso de revisão. 31. O Tribunal a quo violou as normas e princípios subjacentes aos artigos: 20.º, da CRP; 6.º CEDH; 3.º, n.º3, 4.º, 410.º, 411.º, 413.º, 436.º, 607.º, 608.º, n.º2, 164.º, 219.º e sgs., 225.º, 228.º, 233.º, 247.º e sgs., do CPC. 32. Deve, pois, a decisão recorrida ser revogada da ordem jurídica. Nestes termos, e nos melhores de direito que V.Exas. doutamente suprirão, deve o presente recurso ser julgado procedente, com legais consequências.” 8. Não houve contra-alegações. 9. Foram colhidos os vistos legais. II. FUNDAMENTAÇÃO 1. Este recurso tem por objeto as seguintes questões: se o acórdão recorrido enferma de nulidade; se foi violado o direito do recorrente à prova; se deve proceder a revisão pretendida. 2. Primeira questão (nulidade do acórdão) O recorrente alega que, tendo reclamado para a conferência da decisão singular que julgou a revisão improcedente, o acórdão que julgou a reclamação não se pronunciou acerca das questões constantes na reclamação e, além disso, mais não é do que a reprodução da anterior decisão singular – o que, no entender do recorrente, acarreta a nulidade daquele aresto, nos termos do art.º 615.º, n.º 1, alínea d), 1.ª parte, e al. b), do CPC. Vejamos. As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo deverão ser sempre fundamentadas (n.º 1 do art.º 154.º do CPC). Trata-se, de resto, de um imperativo constitucional (art.º 205.º n.º 1 da CRP). Consonantemente, as sentenças e os despachos não fundamentados padecem de nulidade (artigos 613.º n.º 3 e 615.º n.º 1 al. b) do CPC). Por outro lado, o art.º 607.º n.º 2 do CPC estipula que “[o] juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” O juiz deve conhecer de todas as questões que lhe sejam submetidas, isto é, de todos os pedidos deduzidos, de todas as causas de pedir e de todas as exceções invocadas, assim como de todas as exceções de que oficiosamente lhe cabe conhecer (cfr. José Lebre Freitas e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil anotado, volume 2.º, 3.ª edição, 2017, Almedina, p. 737). Como já notava Alberto dos Reis, tal exigência não é desrespeitada se o tribunal não se ocupar com todas as considerações, argumentos ou razões produzidas pelas partes para sustentarem a sua pretensão. O que importa é que o tribunal decida a questão posta (Código de Processo Civil anotado, volume V, Reimpressão, 1984, Coimbra Editora, p. 143; na jurisprudência, v.g., STJ, 02.7.2020, 167/17.9YHLSB.L2.S2, consultável, bem como todos os adiante citados, em www.dgsi.pt). A omissão de pronúncia sobre questão que deveria ser apreciada, acarreta a nulidade da sentença, nos termos da primeira parte da alínea d) do n.º 1 do art.º 615.º do CPC. O acima exposto deve ser analisado à luz do procedimento em que se enquadra a decisão ora alvo de censura. Ora, a reclamação para a conferência visa possibilitar que o coletivo de juízes do tribunal ad quem reaprecie a impugnação que foi alvo da decisão singular do relator (tudo nos termos do art.º 652.º n.º 3 do CPC). Essa reapreciação terá como objeto as mesmas questões suscitadas na impugnação sobre a qual o relator se debruçou, como se a impugnação fosse apreciada, pela primeira vez, pelo coletivo. Conforme pondera Abrantes Geraldes, em nota ao art.º 652.º do CPC, “[m]ais do que encarar o requerimento da parte no sentido da convocação da conferência como uma forma de impugnação da decisão singular do relator, trata-se de um instrumento que visa a substituição dessa decisão por uma outra com intervenção do coletivo, passo fundamental para que possa ser interposto recurso de revista nos termos gerais” (Recursos em Processo Civil, 7.ª edição, 2022, Almedina, p. 303). Daí que na reclamação não podem ser suscitadas questões novas ou apresentados novos argumentos (cfr. Abrantes Geraldes, ob. cit., p. 304; José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, 2022, Almedina, p. 149; STJ, 17.10.2019, processo n.º 8756/16.1T8LSB.L1.S2, consultável em www.dgsi.pt). Tudo sem prejuízo da apreciação de questões que sejam de conhecimento oficioso. Assim, por meio da reclamação para a conferência o coletivo será chamado a substituir-se ao juiz singular, apreciando a questão que este havia decidido sozinho. Isto é, in casu, o coletivo foi chamado a apreciar o recurso de revisão que o recorrente havia interposto. Ou seja, a conferência deverá julgar o recurso de revisão, à luz das respetivas alegações. Não cabendo, pois, ao coletivo, avaliar as críticas ora apontadas ao juízo singular emitido sobre o recurso. Tais críticas, que se saldam na discordância quanto ao julgamento da decisão singular em relação a alguns pontos de facto, constituirão objeto da revista que, após, se queira interpor contra o acórdão proferido pela conferência, na medida em que a conferência mantenha o conteúdo e o sentido da decisão singular. Na sequência do assim exposto resulta que a conferência, após analisar o teor da alegação do recurso de revisão interposto, assim como a respetiva contra-alegação e, também, o resultado das diligências instrutórias realizadas, pode formular um juízo totalmente concordante com o do relator. E, por conseguinte, a conferência pode limitar-se a emitir esse juízo, traduzindo-se o acórdão da conferência na simples reiteração da fundamentação aduzida na decisão singular do relator – sem que daí resulte qualquer vício de falta de fundamentação ou de omissão de pronúncia. Ora, foi o que ocorreu no caso dos autos. Julgando o recurso de revisão, a conferência concordou integralmente com o juízo expressado pelo relator na decisão singular, o que se consignou no acórdão. O acórdão recorrido não enferma, pois, das nulidades que lhe são assacadas. Nesta parte, a revista improcede. 2. Segunda questão (se foi violado o direito do recorrente à prova) O tribunal a quo deu como provada a seguinte Matéria de facto 1- Landis, Rath & Cobb, Llc., intentou no Tribunal da Relação de Lisboa, acção especial de revisão e confirmação de sentença estrangeira contra, AA, CC e DD. 2- Por decisão Sumária proferida em 5-9-2019 foi julgada procedente a pretensão de revisão da sentença estrangeira. 3- Tal decisão foi notificada. 4- Por Acórdão proferido em Conferência, datado de 12-11-2019, foi confirmada a decisão Sumária que julgou procedente a pretensão de Revisão da Sentença Estrangeira condenatória, atinente aos requeridos AA e DD. 5- A requerente desistiu do pedido relativamente à requerida CC. 6- O Acórdão foi notificado. 7- O Acórdão proferido transitou em julgado a 18-12-2019. 8- Na acção de Revisão de Sentença Estrangeira, consta a fls. 301 dos autos que o então requerido, AA foi citado por carta registada com aviso de recepção, na morada «Av.ª ...». 9- Do aviso de recepção, datado de 15-10-2018, consta a assinatura de BB. 10- Com data de 22-10-2018, o Oficial de Justiça deste Tribunal enviou notificação ao requerido, nos termos do disposto no art. 233º do CPC., advertindo-o de que se considerava citado na pessoa e na data da assinatura do aviso de recepção de que se juntava cópia, que recebeu a citação e duplicados legais. 11- O recorrente deduziu o presente recurso de revisão em 24-10-2022. 12- O recorrente foi citado, para a acção executiva nº. 11538/20.3..., pendente no Tribunal de ..., em 7-7-2022. 13- Em 8-3-2021, o recorrente requereu naqueles autos de execução, que lhe fosse facultada a consulta do mesmo, juntando ainda procuração a favor de Mandatária constituída. No acórdão recorrido enunciaram-se os seguintes Factos não provados: a) - O ora recorrente só conheceu a existência e termos do Processo nº. 1995/18.3... aquando da citação para a acção executiva com o nº de Processo 11538/20.3... b) -Após a referida citação para a execução, o recorrente tomou conhecimento de que nos autos de RSE, havia sido citado, via postal, mediante terceira pessoa – BB, na Av. .... c) Este terceiro nunca deu conhecimento desse facto ao ora recorrente. d) Desconhecendo o recorrente o porquê de tal suceder. 3. O Direito O recorrente alega que o tribunal a quo violou o seu direito à prova (artigos 3.º n.º 3 e 436.º do CPC) e, bem assim, os deveres a que oficiosamente se encontrava obrigado (art.º 411.º do CPC). Tal alegação diz respeito ao dado como provado sob o n.º 13 da matéria de facto, na sua interligação com o antecedente n.º 12 da matéria de facto: “12- O recorrente foi citado, para a acção executiva nº. 11538/20.3..., pendente no Tribunal de ..., em 7-7-2022. 13- Em 8-3-2021, o recorrente requereu naqueles autos de execução, que lhe fosse facultada a consulta do mesmo, juntando ainda procuração a favor de Mandatária constituída”. O n.º 12 da matéria de facto diz respeito ao alegado pelo recorrente. Por sua vez, o n.º 13 reproduz o que fora alegado pela recorrida na sua contra-alegação ao requerimento de recurso de revisão: nos artigos 30.º e 31.º da contra-alegação a recorrida alegou que no âmbito da execução foram penhorados bens imóveis pertencentes ao recorrente/executado e, nessa sequência, em 08.3.2021, o recorrente, após ter tomado conhecimento da existência de tais penhoras, veio requerer nos autos de execução que lhe fosse facultada a consulta do identificado processo executivo. Tal pedido revelava, conforme alega a recorrida, que o recorrente teve conhecimento dos autos em momento anterior àquele que indicou. Juntamente com a contra-alegação, a recorrida juntou um documento n.º 4, que consiste em cópia de um requerimento, apresentado em nome do executado, ora recorrente, por uma ilustre advogada, em que esta requer a junção aos autos de execução de uma procuração forense e, bem assim, requereu que lhe fosse facultada a consulta do processo. Verifica-se que o recorrente apresentou resposta à contra-alegação e, nessa resposta, requereu que o tribunal oficiasse ao Juízo de Execução de ... – Juiz ..., nos autos de execução suprarreferidos, a fim de que este juízo informasse acerca da decisão que recaiu sobre o aludido requerimento de consulta do processo. Verifica-se que por despacho de 24.02.2023 o tribunal a quo despachou no sentido da realização das diligências instrutórias tidas por pertinentes. Com efeito, nos termos do disposto no art.º 700.º n.º 1 do CPC, “logo em seguida à resposta do recorrido ou ao termo do prazo respetivo”, o tribunal “conhece do fundamento da revisão, precedendo as diligências consideradas indispensáveis”. De entre as diligências instrutórias determinadas pelo tribunal a quo não consta o envio de ofício ao Juízo de Instrução, requerido pelo recorrente. Ora, das duas uma: o recorrente, que foi notificado do aludido despacho instrutório, ou considerava que o aludido despacho enfermava de nulidade, por não se ter pronunciado sobre o seu requerimento, e arguia esse vício, no prazo de 10 dias (artigos 199.º e 149.º n.º 1 do CPC); ou entendia que o despacho continha um indeferimento implícito da prova requerida, e recorria do aludido despacho, nos termos do art.º 644.º n.º 2 alínea d) do CPC. O recorrente nada fez - pelo que ficou precludida a possibilidade de reação à omissão do envio de tal ofício. De todo o modo, sempre se dirá que: a) Conforme resulta do texto legal, na regulação do recurso de revisão o legislador pretende um procedimento célere e simples, que desemboque rapidamente numa decisão, apenas antecedida das diligências instrutórias que se considere serem indispensáveis; a) No aludido requerimento probatório o recorrente nada alegou no sentido da relevância do seu requerimento; b) Estando em causa a resposta a um requerimento que havia sido apresentado pelo próprio recorrente (o aludido pedido de consulta do processo de execução), o recorrente não esclareceu por que razão não juntou ele próprio o comprovativo do despacho que terá incidido sobre esse requerimento. De resto, o cerne do recurso é a eventual omissão de citação do recorrente na ação declarativa, irrelevando, salvo o devido respeito por opinião contrária, em que data é que o recorrente consultou o processo executivo. Aliás, essa questão da consulta do processo de execução não assumiu (nem assume) qualquer relevância na decisão do recurso de revisão. Conclui-se, assim, que nesta parte a revista é, também, improcedente. 4. Terceira questão (procedência do recurso de revisão) Como é sabido, à luz do recurso extraordinário de revisão a paz jurídica alcançada com o trânsito em julgado da decisão proferida pelo tribunal em ordem a resolver o litígio que lhe fora apresentado pode ser questionada em casos excecionais, taxativamente enunciados no art.º 696.º do CPC, em que se considera que a justiça foi ou pode ter sido seriamente afetada por vícios atinentes ao julgador (a decisão resulta de crime praticado pelo juiz no exercício das suas funções), à tramitação processual (o processo correu indevidamente à revelia do réu), às partes (nulidade ou anulabilidade de confissão, desistência ou transação em que a decisão se fundou; o litígio assenta sobre ato simulado das partes, sem que o tribunal se tivesse apercebido da fraude), à prova produzida (a decisão foi determinada por documento, ato judicial, depoimento, declarações de peritos ou árbitros que se revelou serem falsos, sem que essa matéria tenha sido alvo de discussão no processo em que a decisão foi proferida; a decisão foi proferida sem que se tivesse levado em consideração, por não ter sido apresentada perante o tribunal, documento de que a parte não tinha conhecimento ou de que não pôde fazer uso no processo em que foi proferida a decisão a rever e que, por si só, seria suficiente para modificar a decisão em sentido mais favorável à parte vencida), é inconciliável com decisão definitiva de uma instância internacional de recurso vinculativa para o Estado Português, ou resulta de erro jurisdicional suscetível de responsabilizar civilmente o Estado Português. O recurso deve ser interposto no tribunal que proferiu a decisão a rever (n.º 1 do art.º 697.º do CPC). Será esse tribunal que verificará da admissibilidade do recurso, indeferindo-o quando não tenha sido instruído nos termos previstos no art.º 698.º do artigo anterior ou quando reconheça de imediato que não há motivo para revisão. Se entender que nada obsta à admissão do recurso, o tribunal ordena a notificação do recorrido para responder no prazo de 20 dias e, depois, seguir-se-á a tramitação que ao caso couber, culminando na prolação da decisão que julgue o recurso (art.º 700.º do CPC). Trata-se da fase rescindente, destinada a afastar ou “rescindir” a decisão transitada em julgado (cfr., v.g., José Lebre de Freitas, Armando Ribeiro Mendes e Isabel Alexandre, Código de Processo Civil Anotado, volume 3.º, 3.ª edição, 2022, p. 302). Se o recurso for julgado procedente, proferir-se-á nova decisão ou realizar-se-ão os atos necessários a novo julgamento (art.º 701.º do CPC). No caso da alínea h) (responsabilidade civil do Estado por danos no exercício da função jurisdicional) o recorrente será notificado para, no prazo de 30 dias, formular o pedido de indemnização contra o Estado, continuando o processo em termos a definir pelo juiz. Esta fase, subsequente à fase rescindente, é a fase rescisória, que visa retomar o processo e aí obter uma decisão que substitua a rescindida ou anulada (cfr., v.g., José Lebre de Freitas e outros, ob. cit., p. 302). Da descrita tramitação resulta que este procedimento tem estrutura e natureza especial, que o distancia dos recursos ordinários. Desde logo, o recurso não corre perante tribunal superior ao que proferiu a decisão recorrida, mas sim perante o tribunal que proferiu a decisão a rever. Isto é, o tribunal competente para tramitar e julgar o recurso extraordinário de revisão é o tribunal que proferiu a decisão a rever (v.g., José Lebre de Freitas e outros, ob. cit., p. 320). In casu, o recurso funda-se na previsão da alínea e) do art.º 696.º do CPC, em primeira linha na subalínea i) e, subsidiariamente, na subalínea ii). Isto é, está em causa decisão proferida em processo que correu à revelia do recorrente. Nos termos da alínea e), subalíneas i) e ii), a decisão transitada em julgado pode ser objeto de revisão quando: “Tendo corrido o processo à revelia, por falta absoluta de intervenção do réu, se mostre que: i) Faltou a citação ou que é nula a citação feita; ii) O réu não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável (…)”. O direito de acesso aos tribunais, consagrado no art.º 20.º da CRP, não radica apenas no autor, mas também no réu. No âmbito da defesa em face do direito de ação contra ele exercido, o réu aparece, no outro polo da relação jurídica processual, como titular do direito de defesa, igualmente integrador do direito à jurisdição. Implicando o chamamento do réu a juízo (art.º 3.º, n.º 1, do CPC: “O tribunal não pode resolver o conflito de interesses que a ação pressupõe sem que a resolução lhe seja pedida por uma das partes e a outra seja devidamente chamada para deduzir oposição”), o direito de defesa postula o conhecimento efetivo do processo instaurado. É através do ato da citação que o réu é chamado para se defender. Art.º 219.º do CPC: “Funções da citação e da notificação 1 - A citação é o ato pelo qual se dá conhecimento ao réu de que foi proposta contra ele determinada ação e se chama ao processo para se defender; emprega-se ainda para chamar, pela primeira vez, ao processo alguma pessoa interessada na causa. 2 - A notificação serve para, em quaisquer outros casos, chamar alguém a juízo ou dar conhecimento de um facto. (…)”. Nos termos do art.º 188.º, n.º 1, do CPC, há falta de citação: “a) Quando o ato tenha sido completamente omitido; b) Quando tenha havido erro de identidade do citado; c) Quando se tenha empregado indevidamente a citação edital; d) Quando se mostre que foi efetuada depois do falecimento do citando ou da extinção deste, tratando-se de pessoa coletiva ou sociedade; e) Quando se demonstre que o destinatário da citação pessoal não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe seja imputável”. A citação deve fazer-se perante o réu. Até 1985, a citação era feita por contacto pessoal entre o funcionário de justiça e o réu, fosse este pessoa singular ou pessoa coletiva (o contacto era efetuado com o representante legal, ou, em certas circunstâncias, com um empregado). Só se o citando residisse no estrangeiro é que se admitia a citação por via postal, salvo convenção ou tratado em sentido contrário (art.º 244.º do CPC de 1961). A partir de 1985 (Dec.-Lei n.º 242/85, de 09.7) passou a admitir-se que a citação das pessoas coletivas se fizesse por carta registada com aviso de receção (art.º 238.º-A do CPC). A partir de 1996, com a reforma introduzida no CPC de 1961 pelo Dec.-Lei n.º 329-A/95, de 12.12 e pelo Dec.-Lei n.º 180/96, de 25.9, a citação pela via postal generalizou-se a todos os réus, abrangendo as pessoas singulares. Primeiramente tentava-se a citação postal e, frustrando-se esta, proceder-se-ia à citação mediante contacto pelo funcionário judicial (artigos 233.º e 239.º) A partir de 2003, com a profunda reforma instituída na ação executiva, que passou a ser concretizada, não pelos funcionários judiciais, mas por um agente exterior, o então chamado solicitador de execução, os contactos pessoais destinados à citação passaram a ser efetuados primordialmente pelo solicitador de execução, em detrimento do funcionário judicial (artigos 233.º, n.º 2, al. b) e 239.º CPC 1961, com a redação introduzida pelo Dec.-Lei n.º 38/2003, de 8.3). Atualmente a denominação solicitador de execução foi substituída pela de agente de execução (art.º 225.º, n.º 2, alínea c) do CPC). A citação de pessoa singular por via postal faz-se nos termos previstos no art.º 228.º do CPC, dos quais se transcrevem aqui, por pertinentes, os quatro primeiros números: “1 - A citação de pessoa singular por via postal faz-se por meio de carta registada com aviso de receção, de modelo oficialmente aprovado, dirigida ao citando e endereçada para a sua residência ou local de trabalho, incluindo todos os elementos a que se refere o artigo anterior e ainda a advertência, dirigida ao terceiro que a receba, de que a não entrega ao citando, logo que possível, o faz incorrer em responsabilidade, em termos equiparados aos da litigância de má fé. 2 - A carta pode ser entregue, após assinatura do aviso de receção, ao citando ou a qualquer pessoa que se encontre na sua residência ou local de trabalho e que declare encontrar-se em condições de a entregar prontamente ao citando. 3 - Antes da assinatura do aviso de receção, o distribuidor do serviço postal procede à identificação do citando ou do terceiro a quem a carta seja entregue, anotando os elementos constantes do cartão do cidadão, bilhete de identidade ou de outro documento oficial que permita a identificação. 4 - Quando a carta seja entregue a terceiro, cabe ao distribuidor do serviço postal adverti-lo expressamente do dever de pronta entrega ao citando”. Nos termos do n.º 1 do art.º 230.º, “[a] citação postal efetuada ao abrigo do artigo 228.º considera-se feita no dia em que se mostre assinado o aviso de receção e tem-se por efetuada na própria pessoa do citando, mesmo quando o aviso de receção haja sido assinado por terceiro, presumindo-se, salvo demonstração em contrário, que a carta foi oportunamente entregue ao destinatário”. Quando a citação não foi efetuada na pessoa do citando, há ainda que levar em consideração o disposto no art.º 233.º do CPC: “Advertência ao citando, quando a citação não haja sido na própria pessoa deste Sempre que a citação se mostre efetuada em pessoa diversa do citando, em consequência do disposto no n.º 2 do artigo 228.º e na alínea b) do n.º 2 do artigo anterior, ou haja consistido na afixação da nota de citação nos termos do n.º 4 do artigo anterior, é ainda enviada, pelo agente de execução ou pela secretaria, no prazo de dois dias úteis, carta registada ao citando, comunicando-lhe: a) A data e o modo por que o ato se considera realizado; b) O prazo para o oferecimento da defesa e as cominações aplicáveis à falta desta; c) O destino dado ao duplicado; e d) A identidade da pessoa em quem a citação foi realizada.” A certeza de que o réu toma conhecimento efetivo do processo só pode ter lugar quando a citação é feita por contacto direto entre ele e o agente de execução ou funcionário judicial (ou ainda o mandatário judicial, ou alguma das pessoas indicadas no art.º 237.º – pessoa indicada pelo mandatário para a efetuação da citação) ou quando o aviso de receção é assinado pelo próprio réu. Nos outros casos (utilização de intermediários na citação postal ou na citação com hora certa; citação por afixação da nota de citação; citação edital; citação por depósito da carta ou aviso, no caso de domicílio convencionado), a certeza do conhecimento é substituída pela presunção do conhecimento e, então, a garantia do direito à jurisdição exige que, para compensar a perda das garantias formais do ato, se admita, depois dele praticado, que o réu seja reposto no estado anterior e admitido a defender-se quando se apresenta, fora do prazo para contestar, a ilidir a presunção. Caberá ao citando o ónus de ilidir a presunção da citação (art.º 344.º n.º 1 do Código Civil). Isto é, se for o caso, caberá ao citando demonstrar que não chegou a ter conhecimento do ato, por facto que não lhe é imputável (alínea e) do art.º 188.º do CPC). O requerimento de revisão da sentença (ou do acórdão) obedecerá a uma estrutura semelhante à da petição inicial, designadamente no que concerne à alegação da matéria de facto e de direito que sustenta a pretensão de revisão. Quanto aos fundamentos referidos na alínea e) do art.º 696.º, deverá o recorrente alegar as razões de facto e de direito que demonstrarão a invocada falta de citação. In casu, sobre o recorrente recai o ónus da demonstração de que, por razões que não lhe são imputáveis, não chegou a tomar conhecimento da citação que lhe era destinada. O recorrente invoca, na revista, o teor do acórdão da Relação de Évora, datado de 04.10.2007, proferido no processo n.º 966/07-3, no qual se exarou que “havendo dúvida razoável sobre a regularidade da citação, é sempre preferível mandar repetir o acto, de modo a garantir um julgamento equitativo do litígio”. Ora, convirá realçar que tal aresto foi proferido em relação a citação praticada (ou omitida) num processo em que não havia sentença transitado em julgado. A falta de citação era o fundamento do recurso ordinário interposto da sentença proferida no respetivo processo. De todo o modo, conforme resulta do acórdão citado, provou-se que, entregue a citação postal a terceiro, a ulterior notificação ao citando, atualmente prevista no art.º 233.º do CPC, foi enviada para endereço inexistente. E, daí, no citado acórdão da Relação de Évora extraiu-se a seguinte conclusão: “tendo sido remetidas para morada que não existia as cartas registadas enviadas aos requeridos, nos termos do citado normativo, a citação não foi completada, por inobservância das formalidades prescritas na lei, o que constitui nulidade da citação, sendo que a falta prejudicou gravemente a defesa dos requeridos, obstando a que pudessem deduzir oposição - art. 198° nºs 1 e 4 do CPC [art.º 191.º do atual CPC]”. Ora, nestes autos de recurso de revisão provou-se que na ação declarativa em referência foi enviada citação postal para o endereço do citando, ora recorrente, tendo essa citação sido recebida por terceiro (n.ºs 8 e 9 dos factos provados). Mais se provou que foi enviada a notificação postal ao citando, advertindo-o do ato de citação em causa (n.º 10 dos factos provados). Por outro lado, não se provou que o aludido terceiro não deu conhecimento da citação ao ora recorrente (alínea d) dos factos não provados). O tribunal a quo fundamentou pela seguinte forma a sua convicção, acerca da matéria de facto (na sua vertente negativa, que é que aqui mais releva): “Os factos dados como não provados de a) a d), resultaram da total ausência de demonstração em sentido afirmativo. Com efeito, as declarações prestadas pelo próprio recorrente não lograram convencer o julgador da sua ocorrência. O recorrente admitiu que a morada para onde foi enviada a sua carta para citação, correspondia efectivamente ao seu domicílio profissional em Portugal e tem sido sempre a mesma. O recorrente aludiu receber muita correspondência, mas que sobre esta citação em concreto nada sabia. Também não logrou esclarecer qual a razão pela qual, no dia 8-3-2021 requereu a consulta dos autos de execução e juntou procuração a Mandatária. A tónica dominante da argumentação do recorrente, incide sobre a sua condenação no pagamento, materializada por sentença proferida nos Estados Unidos, onde também refere nunca ter tido conhecimento da mesma e nada dever. O recorrente é amigo e tem negócios com o requerido DD, o qual é co-requerido no processo de revisão de sentença estrangeira, mas aludiu nunca terem tido qualquer conversação entre ambos sobre este assunto. A testemunha BB, mencionou ter como seu patrão, o ora recorrente, o qual já conhece desde 2004. A testemunha exerce a sua actividade no local correspondente à morada profissional fornecida pelo próprio recorrente. A testemunha está no mesmo espaço desde 2014, ou seja, na morada para onde foi enviada a citação. A testemunha foi confrontada com o aviso de recepção junto a fls. 301 dos autos apensos, nenhuma dúvida tendo sobre ser da sua autoria a assinatura ali aposta. A mesma mencionou não ter presente a razão pela qual assinou o aviso, mas admitiu que colocou a carta no sítio onde se guarda a correspondência, na sequência de um procedimento normal. Mais mencionou não constar que alguma vez se tivesse perdido ali qualquer correspondência. Se deu conhecimento ou não do ocorrido ao recorrente, é algo de que não se recorda. A testemunha EE, na qualidade de Agente de Execução, sobre este caso em concreto nada sabia, na medida em que, apenas acompanhou o respeitante ao requerido DD. Ora, o que se acaba de enunciar não permite formular a convicção de que o recorrente não tivesse tido conhecimento da existência do Processo de Revisão de Sentença Estrangeira, mormente, ausência ou falta de citação, ou sequer nulidade de citação. Efectivamente, compulsados os autos, são muitas as notificações que ali constam. A revisão de Sentença Estrangeira foi deduzida contra outros requeridos e nenhum deles deixou de ser citado. Houve desistência do pedido relativamente à requerida CC, mas o requerido DD exerceu o seu contraditório, ou seja, sempre esteve ciente da existência dos autos. O ora recorrente conhece aquele requerido, são amigos, não sendo plausível que nunca tivessem comentado entre si a existência do Processo de Revisão de Sentença Estrangeira, quando até havia uma condenação solidária de ambos no pagamento decretado por uma sentença da justiça dos Estados Unidos. A testemunha BB tem como sua entidade patronal o próprio recorrente, não negando que não tivesse dado conhecimento do recebimento da carta, mas antes, refugiando-se no não ter presente ou não se recordar. Assim, não logrou o recorrente ilidir a presunção que sobre si pendia, atenta a fragilidade da sua prova. A invocação pelo terceiro que assina o aviso, de que não se recorda de ter oportunamente disso ter dado conhecimento ao destinatário, não equivale à prova no sentido da ausência de entrega ou de não recebimento da correspondência, por motivo não imputável ao citando”. O recorrente manifesta discordância com o juízo da Relação, quanto à matéria de facto. Ora, em regra, o STJ não interfere na fixação da matéria de facto. Na Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei n.º 62/2013, de 26.8) anuncia-se que “[f]ora dos casos previstos na lei, o Supremo Tribunal de Justiça apenas conhece de matéria de direito” (art.º 46.º). Com efeito, estipula o n.º 3 do art.º 674.º do CPC que “[o] erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objeto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova”. Em consonância, no julgamento da revista o STJ aplica definitivamente o regime jurídico que julgue adequado “[a]os factos materiais fixados pelo tribunal recorrido” (n.º 1 do art.º 682.º do CPC) e, reitera-se no n.º 2 do art.º 682.º, “[a] decisão proferida pelo tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excecional previsto no n.º 3 do artigo 674.º”. À Relação, como tribunal de segunda instância e em caso de impugnação da matéria de facto, caberá formular o seu próprio juízo probatório acerca dos factos questionados, de acordo com as provas produzidas constantes nos autos e à luz do critério da sua livre e prudente convicção, nos termos do disposto nos artigos 663.º n.º 2 e 607.º n.ºs 4 e 5 do CPC. Nos termos do disposto no n.º 662.º n.º 4 do CPC, das decisões da Relação tomadas em sede de modificabilidade da decisão de primeira instância sobre matéria de facto não cabe recurso ordinário de revista para o STJ. O STJ apenas interferirá nesse juízo se tiverem sido desrespeitadas as regras que exijam certa espécie de prova para a prova de determinados factos, ou imponham a prova, indevidamente desconsiderada, de determinados factos, assim como quando, no uso de presunções judiciais, a Relação tenha ofendido norma legal, o seu juízo padeça de evidente ilogismo ou assente em factos não provados (neste sentido, cfr., v.g., acórdãos do STJ de 08.11.2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-A.E1.S1, 30.11.2021, proc. n.º 212/15.2T8BRG-B.G1.S1 e de 14.07.2021, proc. 1333/14.4TBALM.L2.S1). Efetivamente, nesses casos estará em causa exclusivamente uma questão de direito, isto é, a aplicação e interpretação de regras jurídicas que regem a prova. E não é exceção a circunstância de a Relação ter intervindo, nesta matéria, em primeira instância. Ora, a decisão de facto da Relação assentou na livre apreciação da prova pessoal produzida, isto é, na ponderação das declarações do recorrente e, bem assim, do depoimento das testemunhas ouvidas. Trata-se de meios de prova sujeitos à livre apreciação do tribunal (art.º 466.º n.º 3 do CPC e art.º 396.º do Código Civil). E, assim sendo, a este STJ não se oferece o uso dos excecionais poderes de intervenção, em matéria de facto, delimitados pelo disposto no art.º 682.º n.º 2, parte final, do CPC. Face ao quadro factual acima descrito, concorda-se com a apreciação que a Relação fez do recurso sub judice, que se transcreve: “No caso vertente, constatamos que o tribunal adoptou os procedimentos legais aplicáveis à citação, ou seja, enviou carta registada com aviso de recepção e, ainda como formalidade complementar, atento o recebimento por terceiro, enviou nos termos do disposto no art. 233º do CPC., uma outra carta ao citando, comunicando-lhe que se considerava citado. Porém, o ora recorrente não logrou demonstrar, como lhe incumbia, que a carta de citação não lhe foi oportunamente entregue pelo terceiro que a recebeu e assinou, nem que o não conhecimento do acto de citação não lhe seja imputável. Assim sendo, nos termos de i) e ii) do art. 696º do CPC., não ficou apurado que faltou a citação ou que a feita é nula, bem como, não ficou demonstrado que o recorrente não teve conhecimento da citação por facto que não lhe é imputável. Destarte, não assiste razão ao recorrente, decaindo o presente recurso, quer quanto ao pedido principal, quer quanto ao pedido subsidiário”. A revista é, assim, improcedente. III. DECISÃO Pelo exposto, nega-se provimento à revista e, consequentemente, mantém-se a decisão recorrida. As custas da revista, na modalidade de custas de parte, são a cargo do recorrente, que nela decaiu (artigos 527.º n.ºs 1 e 2 e 533.º do CPC). Lx, 02.07.2024 Jorge Leal (Relator) Pedro de Lima Gonçalves Jorge Arcanjo |