Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 2.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | ISABEL SALGADO | ||
| Descritores: | DECISÃO SINGULAR RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA ARGUIÇÃO DE NULIDADES FALTA DE FUNDAMENTAÇÃO OMISSÃO DE PRONÚNCIA ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE ACÓRDÃO DA RELAÇÃO DESPACHO SOBRE A ADMISSÃO DE RECURSO REJEIÇÃO DE RECURSO TRIBUNAL DA RELAÇÃO RECURSO DE APELAÇÃO AÇÃO EXECUTIVA CONTRADIÇÃO DE JULGADOS PRESSUPOSTOS REVISTA EXCECIONAL | ||
| Data do Acordão: | 05/28/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECLAMAÇÃO - ARTº 643 CPC | ||
| Decisão: | INDEFERIDA | ||
| Sumário : | I. O acórdão da Relação que em conferência confirma a decisão do relator de não admissão do recurso de apelação, em princípio, não comporta revista. II. O disposto no artigo 652º, nº5, al) b) do CPC “recorrer nos termos gerais” não tem aplicação à decisão final tomada em Conferência, inserida no incidente da reclamação, estando aquele vocacionado, nos termos gerais do artigo 671º, para as decisões proferidas no âmbito do artigo 652º, nº 3, do CPC. III. O legislador ordinário dispõe de um amplo poder de conformação dos regimes de impugnação recursiva, desde que não se estabeleçam mecanismos arbitrários ou desproporcionados de compressão ou negação do direito à prática desses actos. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em Conferência os Juízes na 2ªSecção do Supremo Tribunal de Justiça I. Relatório 1. No âmbito dos autos de execução para pagamento de quantia certa que o Banco de Investimento Imobiliário, S.A impetrou contra, AA e BB, aquela executada e, CC, Credor Reclamante de alimentos do segundo Executado, apresentaram o seguinte requerimento: “[..]reiterando o requerimento apresentado em 19.01.2024, requerer a V. Exa. se digne pronunciar quanto ao requerido em 13.10.2023, a que corresponde a referência ......93, completado com o requerimento de 14.10.2023, com a referência ......18, deferindo, considerando, não apenas a legitimidade e fundamento no peticionado, mas ainda, perante o cumprimento do despacho de fls…, de 15.11.2023, a ausência de pronuncia, legal e tempestiva, por parte do IL. Mandatário do Exequente e do Exmo. Senhor Agente de Execução, mais se reiterando o teor do requerimento apresentado em 04.12.2023, a que corresponde à referência ......50. Pelo que, quer de facto, quer de direito, impõe-se assim o deferimento do pedido de determinação da entrega, urgente, à Executada e ao Credor Reclamante de alimentos do Executado BB, dos montantes que se encontram à ordem dos presentes autos e que lhes pertencem.” O requerimento foi indeferido por despacho de 17.04.2024 que tem o seguinte teor: «“REFª: ......93 REFª: ......93 Face ao teor das decisões do Tribunal da Relação de Lisboa proferidas em 12.05.2022 e 27.09.2022 (Apenso B) e de 27.09.2022 (Apenso C), o despacho de 28.09.2021 transitou em julgado e nada mais existe a apreciar nesta sede. O requerimento REFª: ......73 do Sr. Agente de Execução foi apresentado em resposta à notificação do Tribunal derivada do despacho de 15.11.2023, pelo que deverá ficar nos autos. Notifique, sendo o Agente de Execução com cópia das decisões do Tribunal da Relação de Lisboa.» 2. Inconformados, interpuseram recurso de apelação que o tribunal a quo não admitiu. 3. Discordantes, apresentaram reclamação nos termos do artigo 643º do CPC. No Tribunal da Relação, por decisão da Senhora Desembargadora relatora, e subsequente acórdão confirmativo, prolatado em conferência, a reclamação improcedeu e não foi admitido o recurso de apelação. 4. Mantendo-se inconformados, interpuseram recurso de revista. Em fundamento da revista que apelidam de “excecional”, alegaram que a apreciação das questões suscitadas, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito, bem como pelo facto de estarem em causa interesses de particular relevância social; e mais adiante, no corpo e conclusões, alegam que a decisão está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.05.2009, no domínio do Proc. nº 48-B/1998.L1-1, tudo nos termos das als. a) e b) c) do nº 1 do art. 672º do CPC. A sua motivação encerra com as conclusões que se transcrevem em síntese útil: « [..] MMM Assim, não é efectivamente de mero expediente o despacho recorrido, de fls…, de 17.03.2024, uma vez que o Tribunal a quo não só omite pronúncia devida, como refere não apreciar os requerimentos apresentados pelos Reclamantes, alegando a decisão anterior transitada em julgado (reportando para um mero despacho, de 28-09-2021, destituído de qualquer fundamento legal e em total violação/ contradição com a Conta Final/ Liquidação Final do AE, de 30-06-2020, previamente transitada em julgado). NNN) É inequívoco que o Tribunal a quo, no despacho recorrido, não regulou ao andamento normal do processado, antes fez, também, uma apreciação sobre o trânsito em julgado duma decisão, o que é, necessariamente, passível de impugnação pelas partes, veja-se neste sentido o Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.05.2009. [..]RRR) Emitida, notificada e não reclamada a conta/ nota final discriminativa e justificativa do Exmo. Senhor AE, a execução extingue-se com o pagamento às partes, credores reclamantes, e a distribuição, a quem de direito, do que resultar excedente da mesma, quanto a entregas/pagamentos devidos, tem de ser cumprido, de acordo com o que constar da referida nota discriminativa e justificativa emitida, notificada e não reclamada, como decorre da aplicação do art. 849º, nº1, als. a) e b) do CPC. SSS) A conta/nota final discriminativa e justificativa apresentada por AE, tem o mesmo valor que uma decisão judicial. TTT) Pelo que, proferida a nota/conta final discriminativa e justificativa, e transitada em julgado, não é possível proferir qualquer decisão posterior que a contrarie, estando os autos vinculados à mesma. UUU) Face à conta/nota final discriminativa e justificativa apresentada pelo Exmo. Senhor AE a 30.06.2020, estava vedado ao Tribunal a quo, por força do caso julgado formado pela mesma (entenda-se o mesmo como formal ou material, a solução jurídica não se altera), proferir qualquer decisão em sentido contrário, à referida conta/nota final e da ordem de penhora emanada do proc. nº 3603/10.1... VVV) Pelo que, proferir, posteriormente, qualquer outra decisão contrária àquela, é decidir contra legem, cfr. arts. 619º, nº 1 e 620º, nº 1, ambos do CPC. WWW) Não poderia o Tribunal a quo fazer tábua rasa daquelas, entenda-se, da conta/nota final do Exmo.Senhor AE e da ordem de penhora do Proc. nº 3603/10.1..., ignorando-as, assim como os seus efeitos, tendo em conta que é um acto vinculado, transitado, e que, por isso, formou caso julgado. […] pronunciou sobre tais factos, e é igualmente evidente que o (inválido, ilegal, contraditório, contrário e ineficaz) despacho de fls…, de 28.09.2021 jamais poderia, sequer hipoteticamente, consubstanciar uma resposta a tal, porque estão em causa actos posteriores. FFFF) E muito menos se pode considerar que um despacho que versa sobre tais pedidos, mesmo não os decidindo e remetendo para decisão anterior, é de mero expediente. […] » 5. O Tribunal da Relação atestou os requisitos gerais de recorribilidade e revista interposta como excecional, remeteu os autos ao Supremo Tribunal. 6. Neste tribunal por decisão da relatora não foi admitida a revista. 7. Notificados, os ora reclamantes, com o apoio do disposto no artigo 652º, nº3, do CPC, requerem que seja proferido acórdão: As conclusões que apresentam nesta peça são as seguintes: «A) Os ora Reclamantes consideram-se absolutamente prejudicados pela decisão singular proferida pelo Venerando Juiz Conselheiro Relator, de fls…, de 27.03.2025, que não admitiu o recurso interposto do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, razão pela qual os Reclamantes requerem que sobre a matéria da decisão singular recaía Acórdão, que defira a reclamação, e consequentemente, admita o recurso de revista interposto, apreciando-o, com a consequente decisão de provimento do mesmo. B) Na medida em que, além das nulidades que inquinam a decisão singular, afecta os seus direitos e interesses, de forma gravosa, concretamente, mas não só, por se manter, ilegal e infundadamente, há mais de seis anos, a recusa do pagamento/entrega imediata dos € 40.984,25 e dos € 16.500,00, a título de crédito de alimentos, respectivamente à Recorrente/Reclamante AA e ao Recorrente/Reclamante CC, verbas essas de que carecem urgentemente para sobreviver condignamente e honrar os seus compromissos e responsabilidades, incluindo a amortização do crédito à habitação da sua casa de morada de família, encerrando assim a decisão singular a possibilidade de sindicância da bondade, legalidade e validade da decisão recorrida, cuja recorribilidade é admissível. Com efeito, C) Como se alcança pela decisão colocada em crise, a verificação da admissibilidade do recurso de revista interposto foi apreciada por apenas um Venerando Conselheiro, e não por uma formação constituída por três Juízes Conselheiros, como determina e impõe o nº 3 do art. 672º do CPC. D) Logo, está a decisão singular inquinada de nulidade, o que se invoca, tudo com as legais consequências. E) Por outro lado, sem prejuízo, está igualmente a decisão singular impugnada ferida de nulidade, por ausência de fundamentação, o que igualmente se invoca, tudo com as legais consequências, F) Na medida em que a decisão singular limita-se, tão só, a concluir que não se mostram verificados os pressupostos da admissibilidade do recurso, quer nos termos gerais, quer de revista excepcional, mas sem explicitar. G) Porquanto, na realidade, a decisão singular sub judice contém apenas conclusões, sem que seja perceptível o inter lógico-racional do Venerando Juiz Conselheiro. H) O que não permite escrutinar e compreender os fundamentos da decisão singular proferida. I) Não está devidamente fundamentada a decisão singular proferida, o que se invoca, tudo com as legais consequências. J) Mesmo que se considere, o que não se concede, que a decisão singular está fundamentada, a mesma é manifesta, notória e gravemente insuficiente, o que equivale a falta de fundamentação, cfr. Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães, de 02.11.2017, disponível em www.dgsi.pt. K) Pelo que, quer de uma forma, quer de outra, a decisão singular é nula, o que se invoca, tudo com as legais consequências. L) Sem conceder, não obstante os Recorrentes/Reclamantes terem invocado a interposição de revista, excepcional, ao abrigo do disposto no nº 1 do art. 672º do CPC, como bem assinalou o despacho do Tribunal da Relação de Lisboa, de fls…, de 13.02.2025, porquanto os Recorrentes/Reclamantes invocaram, e demonstraram, a contradição jurisprudencial, sempre será admissível o recurso de revista interposto, atento o disposto na al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC. M) Com efeito, a decisão recorrida, de fls…, de 19.12.2024, que, indeferiu a reclamação, e manteve o despacho que não admitiu o recurso, está em manifesta e absoluta contradição com outro Acórdão, também do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.05.2009, no domínio do Proc. nº 48-B/1998.L1-1, disponível em www.dgsi.pt, e cuja cópia foi junta, nos termos e para os efeitos do cumprimento do ónus plasmado na al. c) do nº 2 do art. 672º do CPC. N) No Acórdão-fundamento, tal como no Acórdão recorrido, está em causa a reclamação de uma decisão que não admitiu o recurso de um despacho, por ter sido considerado, pela 1ª Instância, como de mero expediente, na medida em que apenas reiterava o já decidido em despachos anteriores, já transitados em julgado. O), mas, no Acórdão-fundamento, o Tribunal conclui que o despacho recorrido, não pode ser considerado de mero expediente, porque não se limita a regular o andamento normal do processado, antes faz apreciação sobre o trânsito em julgado de decisão, o que é passível de recurso. P) Inversamente, no Acórdão recorrido, o Tribunal a quo conclui em sentido absolutamente oposto, considerando o despacho da 1ª Instância de 17.03.2024 de mero expediente, logo irrecorrível, por considerar que o Tribunal de 1ª Instância se limitou a remeter para decisões anteriores, já transitadas em julgado. Q) É assim evidente que estamos no âmbito da apreciação de uma mesma questão de direito, a definição de despacho de mero expediente, e ainda, de forma igualmente idêntica, um despacho, quer nestes autos, quer no caso do Acórdão-fundamento, que, além de considerar o despacho objecto de recurso de mero expediente, faz ainda referência a que as questões suscitadas já foram apreciadas e/ou resolvidas por anteriores decisões transitadas em julgado. R) Pelo que, perante uma mesmíssima questão: recurso de um despacho que se recusa a decidir o requerido pelas partes, sob a égide de decisões anteriores já transitadas em julgado, temos duas decisões contraditórias, estando o Acórdão recorrido em oposição com o Acórdão-fundamento. S) A apontada contradição jurisprudencial não se reporta ao despacho do Tribunal de 1ª Instância, mas sim ao Acórdão a quo, que, por seu turno, confirma e mantém aquele. T) É efectivamente a decisão patente no Acórdão recorrido que se encontra em contradição com o decidido no Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.05.2009, citado supra e cuja cópia foi junta. U) Assim, o recurso interposto é admissível, seja por força do disposto na al. d) do nº 2 do art. 629º, seja ao abrigo do disposto da al. c) do nº 1 do art. 672º, ambos do CPC. V) Mesmo entendendo-se que o Acórdão a quo é uma decisão interlocutória, é igualmente admissível o recurso, por força da al. a) do nº 2 e primeira parte do nº 3, ambos do art. 671º, ex vi art. 629º, nº 2, al. d), ambos do CPC. W) Na medida em que é sempre admissível o recurso do acórdão da Relação que esteja em contradição com outro, dessa ou de diferente Relação, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito, e do qual não caiba recurso ordinário por motivo estranho à alçada do tribunal, salvo se tiver sido proferido acórdão de uniformização de jurisprudência com ele conforme., cfr. al. d) do nº 2 do art. 629º do CPC. X) Pelo que estão verificados todos os pressupostos de admissibilidade do recurso interposto. Y), mas mais, ainda sem conceder, nos termos da al. b) do nº 5 do art. 652º do CPC, está, também, inequivocamente prevista a possibilidade de recorrer do acórdão da Conferência, proferido na sequência de reclamação nos termos do nº 3, como é o caso. Z) E, repita-se, os Recorrentes invocaram, expressamente, como fundamento do recurso interposto, as als. a), b) e c) do nº 1 do art. 672º do CPC. AA) Sendo certo que, mesmo que haja divergência quanto aos fundamentos invocados, não está o Tribunal de recurso limitado ou vinculado ao enquadramento jurídico dado pelas partes, concretamente os aqui Recorrentes/Reclamantes, cfr. art. 5º, nº 3 do CPC. BB) Tanto assim é que a lei expressamente prevê e estabelece que mesmo sendo interposto recurso de revista excepcional, se se entender que, apesar de não se verificarem os pressupostos da revista excepcional, nada obsta à admissibilidade da revista nos termos gerais, a formação prevista no nº 3 determina que esta seja apresentada ao relator, para que proceda ao respetivo exame preliminar, cfr. nº 5 do art. 672º do CPC. CC) Pelo que, é indubitável a admissibilidade do recurso de revista interposto. DD) Por fim, sem conceder, apesar dos Recorrentes/Reclamantes terem invocado a violação, pelo Acórdão recorrido, dos arts. 2º, 4º, nº 3, 6º, nº 1, 7º, 19º, nº 1, e 49º, todos do Tratado da União Europeia, dos arts. 1º, 3º, 17º, nº 1, 41º, 47º, 51º e 52º da Carta dos Direitos Fundamentais da União Europeia e ainda dos arts. 1º, 6º, 7º, 13º e 17º da Convenção Europeia dos Direitos do Homem, e terem requerido o reenvio, a título prejudicial, da apreciação da questão para o Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do art. 267º do TFUE, a decisão singular ora colocada em crise é absolutamente omissa neste domínio. EE) Tal omissão de pronúncia, inquina assim, também por esta via, de nulidade a decisão singular sub judice. FF) E nem sequer está na disponibilidade do Tribunal submeter ou não a apreciação da questão, ao Tribunal de Justiça da União Europeia, a título prejudicial, particularmente quando decide que o recurso de revista interposto não é admissível. GG) Porquanto o art. 267º do TFUE expressamente determina a obrigatoriedade dessa submissão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, “Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal.”, sublinhado e realçado nosso. HH) Assim, atendendo às alegações de recurso, e ao previsto no art.267º do TFUE, impõe-se o reenvio, a título prejudicial, para o Tribunal de Justiça da União Europeia. II) Em função do supra exposto, porquanto a decisão singular impugnada prejudica gravemente os Recorrentes/Reclamantes, em mais de € 57.484,25, acrescidos dos respectivos juros (do total ainda existente à ordem destes autos, em contas do IGFIJ, de 64.498,64 €), obstando à apreciação do recurso interposto, deverá recair Acórdão sobre a matéria da decisão singular colocada em causa, o que se requer, pugnando-se pela admissibilidade e procedência do recurso apresentado, tudo com as legais consequências.» * Não foi junta resposta. * Corridos os Vistos, cabe decidir se é admissível a revista interposta do acórdão da Relação que em conferência confirmou o despacho do relator de não admissão do recurso da apelação incidente sobre a decisão de primeira instância em referência. II. Fundamentação A. Os Factos Relevam para a decisão as ocorrências processuais constantes do relatório. B. O mérito da reclamação 1. Questão prévia Evidencia a análise comparativa do conteúdo das alegações de revista e da presente reclamação submetida à conferência, que os recorrentes pretendem recentrar a argumentação inicial e aditar fundamentos em sustento da admissão da interposta revista. Sendo no requerimento de interposição que o recorrente deve indicar e motivar os fundamentos da revista excecional, a apreciação atenderá aos precisos termos dessa peça, que se reproduz “…. a apreciação das questões suscitadas, pela sua relevância jurídica, é necessária para uma melhor aplicação do direito, bem como pelo facto de estarem em causa interesses de particular relevância social; e mais adiante, no corpo e conclusões, alegam que a decisão está em contradição com o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.05.2009, no domínio do Proc. nº 48-B/1998.L1-1, tudo nos termos das als. a) e b) c) do nº 1 do art. 672º do CPC.” 1.1. Discordantes da decisão singular, os reclamantes começam por apontar-lhe as nulidades que assim descrevem – a admissão da revista excecional é da competência da Formação (nulidade inominada?); a falta de fundamentação e a omissão de pronúncia. A reclamação para a conferência do despacho do relator - artigo 652º, nº3, do CPC - constitui um meio reclamatório especial, correspondendo a um “instrumento”, pelo qual a parte visa obter a alteração da decisão singular, por outra, que lhe seja favorável, a proferir pelo colectivo1. O colectivo decide em conferência sobre o objecto da reclamação em plena autonomia e por maioria, do que poderá resultar a confirmação, substituição ou alteração da decisão anterior do relator. Donde, o colectivo em conferência não tem de pronunciar-se sobre os argumentos dos reclamantes em impugnação autónoma acerca da regularidade e mérito da decisão singular, alegadamente proferida em seu prejuízo; outrossim, o colectivo é convocado para conhecer do tema decisório e apreciar a matéria2. Apesar de tal irrelevância, ditada pela especificidade da reclamação para a conferência, adiante se voltará a tal argumentação, se necessário ao mérito demonstrativo da decisão do colectivo. 2. A questão objecto da decisão singular e sobre a qual a conferência se tem de pronunciar é apenas uma – o acórdão da Relação que confirmou a não admissão do recurso de apelação da decisão proferida pelo tribunal a quo admite revista com os fundamentos invocados pelos recorrentes? 2.1. Antecipamos que a reclamação não pode proceder. Acolhendo o sentido e razões expostas para a não admissão da revista na decisão singular que em economia de meios, se reproduz na parte relevante: «(…) Desde logo, o acórdão recorrido, objecto da impugnação perante o Supremo Tribunal de Justiça, configura ele próprio uma decisão de natureza interlocutória, e não admite, em princípio, revista, em aplicação conjugada dos artigos 671º, nº2 ex vi artigo 629º, nº2 do CPC3. Isto é, a sindicância do Supremo Tribunal de Justiça nos casos dos acórdãos da Relação proferidos nas circunstâncias processuais descritas, apenas se poderá admitir em casos especiais, reconduzíveis às situações taxativas enunciadas nas alíneas do nº2 do artigo 629º do CPC. No caso em análise, não vindo invocado fundamento de qualquer uma das situações previstas naquele normativo, que acolhe a admissibilidade do recurso de revista (especial também denominada extraordinária), sendo manifesto que não se mostram verificados os requisitos previstos no artigo 629º, nº 1 ou nº 2, nem do artigo 671º, nº1, do CPC, o recurso de revista não é admissível. E, não se diga em contrário, que os recorrentes alegaram a existência de “contradição de jurisprudência” elegível como fundamento da revista nos termos previstos no nº2, al) a) do artigo 671º ex vi 629º, nº2, al) d) do CPC4. Na verdade, a apontada contradição não respeita ao acórdão em recurso, outrossim incide sobre o despacho do tribunal de execução impugnado na apelação não admitida –cfr. “NNN. É inequívoco que o Tribunal a quo, no despacho recorrido, não regulou ao andamento normal do processado, antes fez, também, uma apreciação sobre o trânsito em julgado duma decisão, o que é, necessariamente, passível de impugnação pelas partes, veja-se neste sentido o Acórdão desse Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.05.20095.” Acresce que, conforme jurisprudência reiterada pelo Tribunal Constitucional, o regime regra da irrecorribilidade para o Supremo Tribunal – com a exceção da recorribilidade do acórdão de conferência limitada aos casos previstos no artigo 629.º, n.º 2, do CPC – não contraria o artigo 20.º da CRP. Por fim, em mero exercício argumentativo, a interposta revista “excecional” também não é admissível, pressupondo o preenchimento dos requisitos de admissão da revista ordinária, que não confluem no caso, como se disse. Na esteira do entendimento estabilizado neste tribunal e como já decidido em situações paralelas, v.g., no Acórdão do STJ de 14.03.2024: «I. O Acórdão da Relação proferido em conferência, que confirme o despacho do relator, que rejeitou o recurso de apelação, não admite, em princípio, recurso de revista, não se subsumindo a qualquer das situações previstas no artigo 671.º, n.º 1e, no nº2, ou, no artigo 673º do CPC. II. Corolário aplicável seja em sede de reclamação nos termos do artigo 643º do CPC, ou por idêntica razão na hipótese de rejeição liminar da apelação pelo Relator. IV. A admissão da revista excepcional supõe o preenchimento prévio dos requisitos gerais de admissibilidade do recurso de revista, pelo que não estando verificado o requisito geral de admissibilidade da revista, que diz respeito ao conteúdo da decisão, é de rejeitar logo o recurso, sem necessidade de apreciação do(s) requisito(s) específicos(s) previsto na alínea a) do nº1 do 672ºdo CPC6.» Obiter dictum, situando-nos no domínio de processo de execução, vale a regra da limitação da revista aos processados contemplados no artigo 854º do CPC, com excepção das situações em que é sempre admissível revista, e como se expôs, não configuradas in casu. 7. Tendo presente o que se acabou de expor, concluindo-se que a revista não é admissível, visto o disposto no artigo 652º, nº1, al) b) ex vi artigo 679º do CPC, decide-se não conhecer do recurso do acórdão da Relação interposto.» * 3. De qualquer modo, em esforço de exposição. Sabemos que não admite recurso de revista normal, o acórdão da Relação que confirma a decisão de 1.ª instância, sem voto de vencido e com fundamentação substancialmente idêntica - artigo 671º, n.º 3, do CPC. A Senhora Juiz de 1ª instância não admitiu o recurso de apelação interposto pelos reclamantes do despacho transcrito e, a Relação confirmou o despacho do relator de rejeição, através do acórdão ora impugnado, em unanimidade e fundamentação não diferenciada. Convém ainda referir que no situamos no processo executivo, pelo que, atento o disposto no artigo 854.º do Código de Processo Civil, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução. A decisão impugnada foi proferida no processo principal de execução, posterior à liquidação e qualificada como despacho de mero expediente, fundamento (principal) em que ambas as instâncias assentaram a não admissão do recurso de apelação. Nessa perspectiva a revista é, em princípio, inadmissível, com a ressalva de em concreto ser passível de se subsumir a uma das situações extraordinárias tipificadas no artigo 629.º, nº2, do CPC, em que o recurso ordinário será sempre admissível independentemente do valor da causa e da sucumbência. A decisão de não admissão do recurso de apelação proferida na primeira instância, sujeita a reclamação para o Tribunal da Relação ao abrigo do artigo 643.º do CPC, confirmada em decisão singular, seguida de acórdão em conferência no mesmo sentido, dele não cabe reclamação, nem recurso para o Supremo Tribunal de Justiça, salvo as situações em que o recurso é sempre admissível7. Em clareza de raciocínio postula o Acórdão do STJ de 10.11.2015: «(..) o incidente da reclamação prevista no artigo 643.º do CPC apresenta-se como um expediente de impugnação que versa sobre a não admissão de recurso e visa em exclusivo o efeito adjectivo-processual de modificação pelo tribunal ad quem do despacho de não admissão do recurso pelo tribunal a quo; uma vez proferido acórdão em Conferência, por efeito de nova reclamação da decisão do Relator que confirmara o despacho de 1.ª instância de não admissão do recurso de Apelação, de acordo com o previsto nos arts. 643º, 4, 2.ª parte, e 652º, 3, do CPC, estamos perante decisão definitiva e insusceptível de qualquer outra impugnação;(...).8» Na situação em juízo tem, pois, plena aplicação a regra vinda do disposto nos artigos 643º, nº4 e 652.º, n.º 3, do CPC, ou seja, o acórdão da Relação prolatado em conferência que incide sobre a decisão da 1.ª instância que não admitiu o recurso de apelação, decide em definitivo sobre a inadmissibilidade (ou da subida) do recurso de apelação. 3.1. Os reclamantes acrescentam agora que a revista (também) é de admitir, considerando o disposto no artigo 652º, nº5, al) b) do CPC “recorrer nos termos gerais.” Sem razão. Á decisão final tomada em Conferência, inserida no incidente da reclamação, não se aplica aquele dispositivo, dirigido nos termos gerais do artigo 671ºdo CPC, para as decisões proferidas no âmbito do artigo 652º, nº 3, do CPC. Neste contexto salienta ABRANTES GERALDES - «(…) o preceituado no nº2 do art.671º que condiciona a admissibilidade do recurso de revista a pressupostos específicos abarca unicamente os acórdãos da Relação que incidirem sobre decisões interlocutórias de 1ª instância que apreciaram questões de ordem formal, sem que esses acórdãos determinem a extinção total ou parcial da instância, uma vez que, nestes casos, é seguida a regra geral prevista no nº1.9» 3.2. Contradição de jurisprudência Insistem os reclamantes que o recurso de revista é admissível por existir contradição entre o acórdão recorrido e o acórdão fundamento quanto à mesma questão fundamental de direito -“Com efeito, a decisão recorrida, de fls…, de 19.12.2024, que, indeferiu a reclamação, e manteve o despacho que não admitiu o recurso, está em manifesta e absoluta contradição com outro Acórdão, também do Tribunal da Relação de Lisboa, de 27.05.2009, no domínio do Proc. nº 48-B/1998.L1-1, disponível em www.dgsi.pt, e cuja cópia foi junta, nos termos e para os efeitos do cumprimento do ónus plasmado na al. c) do nº 2 do art. 672º do CPC. Como se procurou demonstrar na decisão singular, de acordo com o disposto no artigo 854.º do Código de Processo Civil, apenas cabe revista, nos termos gerais, dos acórdãos da Relação proferidos em recurso nos procedimentos de liquidação não dependente de simples cálculo aritmético, de verificação e graduação de créditos e de oposição deduzida contra a execução. Estando em causa, como vimos, um incidente de comunicabilidade de dívida a revista é, em princípio, inadmissível o recurso de revista. A única possibilidade de admissão do recurso de revista depende de este concreto recurso poder ser enquadrado numa das situações constantes do artigo 629.º do Código de Processo Civil em que o recurso ordinário será sempre admissível independentemente do valor da causa e da sucumbência. Ora, os reclamantes alegam existir contradição entre o acórdão recorrido e o “acórdão” fundamento, que afinal é uma decisão do Senhor Desembargador Vice-Presidente da Relação de Lisboa (de 27.05.2009), proferida no âmbito da sua competência funcional no domínio da vigência do Código de Processo Civil anterior, sem paralelo no actual diploma, e do qual persistem, em vão,10extrair sentido favorável à sua tese, por simples colagem à inclusa expressão “ despacho de mero expediente”11! Do que decorre não se mostrar representada contradição entre o acórdão recorrido e o identificado como acórdão fundamento por versarem situações processuais distintas, no domínio de diferente legislação e de consequente diverso sentido decisório. Por conseguinte é manifesto que não estamos em presença de contradição de jurisprudência que alicerce a admissão da revista à luz do artigo 629º, nº2 al) d) do CPC. 3.3. Continuando. É duvidoso que os recorrentes tenham satisfeito em suficiência mínima o ónus de alegação quanto aos invocados fundamentos de revista excecional - artigo 672º, nº2, do CPC-que tanta bastaria para a sua rejeição liminar e dispensa de intervenção da Formação para a respectiva análise substantiva. De todo em todo, reafirma-se que a admissão da revista excecional depende em primeira linha, da verificação dos requisitos de admissão da revista ordinária, que tenha como único obstáculo a dupla conforme, o que não sucede no caso. 3.4. No tocante à alegada afronta do artigoº 20.º da Constituição da República Portuguesa. Pelas razões indicadas no despacho singular, no caso, a não admissão do recurso de apelação, não limita injustificadamente ou comprime a tutela jurisdicional efectiva garantida pela Lei Fundamental. São inúmeros os arestos tirados pelo Tribunal Constitucional que atestam a legitimidade do legislador ordinário na conformação do regime de recursos, entendimento também aceite na doutrina da especialidade. O legislador ordinário dispõe de um amplo poder de conformação dos regimes de impugnação recursiva, desde que não se estabeleçam mecanismos arbitrários ou desproporcionados de compressão ou negação do direito à prática desses actos. Com efeito, a tutela jurisdicional efectiva garantida pela Constituição não coincide com a apreciação pelo Supremo Tribunal de Justiça das questões submetidas a juízo e já apreciadas por um ou mais tribunais. O due process positivado na Constituição não comporta a garantia do duplo grau de jurisdição ou tampouco o direito ao recurso em segunda instância, com ressalva do processo penal (artigo 32º, nº1, da CRP); apenas estando vedado ao legislador ordinário uma redução intolerável ou arbitrária do conteúdo do direito ao recurso de actos jurisdicionais. No caso em apreciação. Á decisão da Senhora Juiz de 1ª instância que não admitiu a apelação, seguiu-se a decisão da Senhora Desembargadora relatora na reclamação, submetida ainda ao escrutínio do colectivo em conferência, transmitindo segurança na confirmação do julgado, que no quadro processual vigente, deixa sem justificação novo recurso sobre a matéria para o Supremo Tribunal. Ao concluir-se, à luz dos normativos processuais citados não ser admissível o recurso de revista interposto, não ocorre violação de norma constitucional, mormente os princípios do acesso ao direito e à tutela jurisdicional efectiva contemplados no artigo 20º da CRP. 3.5. Por último, o suscitado reenvio prejudicial da questão ao Tribunal de Justiça da União Europeia, ao abrigo do artigo 267º do TFUE. Prosseguindo a jurisprudência e a doutrina dominantes, o pronunciamento pelo tribunal incidirá apenas sobre as questões colocadas pelas partes e não sobre todos os argumentos que tenham sido invocados e não abrangidos no objeto do processo, para o efeito de aferir de eventual omissão de pronúncia, nem a determinação da lei aplicável, de competência oficiosa. Justamente, a questão suscitada pelos reclamantes, s. d.r, não tem cabimento, ou tampouco respaldo legal na situação que se ajuíza. O envio prejudicial, previsto no artigo 267º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE), é um mecanismo que permite aos tribunais nacionais solicitar ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) uma interpretação ou decisão sobre a validade de um ato da União Europeia. Este mecanismo visa garantir a aplicação uniforme do direito da União em todos os Estados-membros. Assim, de acordo com o artigo 267.º do Tratado sobre o Funcionamento da União Europeia (TFUE): “O Tribunal de Justiça da União Europeia é competente para decidir, a título prejudicial: a) Sobre a interpretação dos Tratados; b) Sobre a validade e a interpretação dos atos adotados pelas instituições, órgãos ou organismos da União.” Já os números 2 a 4 deste artigo estabelecem que: “Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada perante qualquer órgão jurisdicional de um dos Estados-Membros, esse órgão pode, se considerar que uma decisão sobre essa questão é necessária ao julgamento da causa, pedir ao Tribunal que sobre ela se pronuncie. Sempre que uma questão desta natureza seja suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional cujas decisões não sejam suscetíveis de recurso judicial previsto no direito interno, esse órgão é obrigado a submeter a questão ao Tribunal. Se uma questão desta natureza for suscitada em processo pendente perante um órgão jurisdicional nacional relativamente a uma pessoa que se encontre detida, o Tribunal pronunciar-se-á com a maior brevidade possível.” Sobre a matéria discorre LUÍSA LOURENÇO 12: «[…]Assim, qualquer órgão jurisdicional pode fazer uso do pedido de apreciação prejudicial, dispondo de uma “faculdade ilimitada de recorrer ao Tribunal de Justiça, se considerarem que um processo neles pendente suscita questões relativas à interpretação ou à apreciação da validade de disposições do direito comunitário com base nas quais têm de decidir.[...]Relativamente à apreciação da necessidade do reenvio prejudicial, cumpre relembrar que esta cabe ao juiz nacional e nunca às partes do litígio, embora estas últimas possam requerer perante aquele o reenvio. Contudo, é o juiz quem, em última análise, aprecia a necessidade da decisão prejudicial para a resolução do litígio, bem como as questões a colocar […].» Assim, face ao enquadramento normativo do reenvio prejudicial, facultativo (artigo 267º, nº1 e nº2) ou vinculativo (nº3 estando em causa decisão irrecorrível) – o seu funcionamento pressupõe como requisito primevo, que a questão submetida a reenvio ao Tribunal de Justiça respeite à interpretação ou a validade de disposições do direito da União Europeia de aplicação suscitada na decisão. Como assinala aquela autora a propósito - «[…] Com efeito, o Tribunal de Justiça não assume, nestes casos, as funções de um tribunal de recurso; pelo contrário, o acórdão dirigir-se-á única e exclusivamente à jurisdição de reenvio, não se referindo à interpretação ou aplicação do direito nacional. O reenvio prejudicial assume, pois, a faceta de incidente desenvolvido exclusivamente entre juízes, com um “caráter ternário”: a questão é colocada pelo juiz nacional ao Tribunal de Justiça, a interpretação é dada por este último e a aplicação da decisão prejudicial ao caso concreto será feita novamente pelo órgão jurisdicional nacional.» […] Uma ressalva deve ser feita relativamente à aplicação da Carta de Direitos Fundamentais (“Carta”). Este instrumento, dotado de força jurídica de direito primário, é aplicável apenas quando a situação em apreço esteja dentro do âmbito de aplicação de direito da União. Com efeito, o artigo 51.º da Carta estabelece claramente que as disposições deste instrumento se dirigem às “instituições, órgãos e organismos de União, (...) bem como [a]os Estados-Membros, apenas quando apliquem direito da União.” O número 2 desta norma reitera, com efeito, que a Carta não estende nem modifica o âmbito de aplicação do direito da União, algo que é afirmado já no número 2 do artigo 6.º do TUE. Assim, quando se levantem questões relativas à violação de direitos fundamentais previstos neste instrumento, um pedido de decisão prejudicial será admissível apenas se a alegada violação for abrangida por outra norma de direito da União. Não basta, para tal, que o órgão jurisdicional de reenvio considere que o litígio no processo principal é abrangido pelo âmbito de aplicação de direito da União, na medida em que um dos direitos em questão seja reconhecido pela Carta; deve demonstrar-se, por outro, que há outro ato de direito da União para além da Carta que se aplica ao dito litígio[..]». Notando-se, por conseguinte, que o reenvio se destina a “evitar divergências na interpretação do direito comunitário, cuja aplicação cabe aos órgãos jurisdicionais nacionais”, o certo é que, a decisão de não admissão do recurso de apelação, nem tão pouco a decisão de não admissão da revista objecto da reclamação, convocam ou estão fundamentadas em direito da União. À margem deste elemento necessário de conexão entre a decisão impugnada e o direito da União, parece ociosa a oportunidade de apreciação do requerido reenvio prejudicial nos autos. * Em síntese, soçobram as razões dos reclamantes. III. Decisão Pelo exposto, improcede a reclamação e mantém-se a decisão de inadmissibilidade da revista. Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se em 3 UC a taxa de justiça. Lisboa, 28 de maio de 2025 Isabel Salgado (relatora) Emídio Francisco dos Santos Carlos Portela _____ 1. Cfr. RUI PINTO in julgar on line, maio de 2020, p.30; e ABRANTES GERALDES, in Recursos no Novo Código de Processo Civil, -anotação ao artigo 652º, 7ª edição, p.303. 2. Na mesma linha, também a admissão do requerimento do reclamante dirigido à conferência para que profira acórdão, não depende de justificação particular na defesa da posição contrária ao despacho do relator, conforme expressou o Tribunal Constitucional no Acórdão nº514/213. 3. Não se trata de um acórdão que conheça do mérito da causa, nem um acórdão que ponha termo ao processo, “absolvendo da instância o réu ou algum dos réus quanto a pedido ou reconvenção deduzidos”. Talqualmente consta do enunciado exaustivo do acórdão recorrido, os recorrentes, de forma pertinaz, vêm apelando, sem êxito, nos mesmos termos e conteúdo nos diversos apensos A, B e C. 4. Não se debatem nesta revista as questões relativas ao objecto concreto da apelação não admitida. 5. Apesar da inclusão no corpo das alegações e de forma pouco clara nas prolixas conclusões. 6. No proc. 8713/12.8TBVNG-C. P1.S1; e ainda, inter alia, os ACSTJ de 09-12-2021, e 5.5. 2022, nos proc. 290/09.4TJPRT-B. P, S1 e nº 932/17.7T8LSB.L1. S1, em www.dgsi.pt. 7. Cfr. Além dos arestos citados na decisão singular, também, com incidência no caso em juízo, v. os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 9.12.2021, 17.11.2021, e 8.03.2018, todos disponíveis inwww.dgsi.pt. 8. No proc. nº 2657/15.9T8LSB-S. L1-A. S1, in www.dgsi.pt. 9. In Recursos em Processo Civil, 7ª, p.413; com a ressalva das duas vias excecionais (artigo 671º, nº1, al) b e 629º, nº2). 10. A referência a um “acórdão” de um tribunal da Relação ou do STJ no sentido da solução sustentada pelo recorrente não é bastante para que se considere invocada a contradição jurisprudencial prevista no art. 629.º, n.º 2, al. d), do CPC. 11. A decisão que se transcreve - «Entende a reclamante que não poderia a Meritíssima Juíza não ter admitido o recurso em causa, até porque, como refere, no seu requerimento de interposição de recurso referiu expressamente que pretendia pôr em causa a decisão no que respeita à alegada existência de caso julgado.2. A questão que se mostra aqui em apreciação é tão só a de saber se o despacho de que a ora reclamante pretende recorrer é passível de recurso ou se assistia à Meritíssima Juíza o direito a não o admitir. Afigura-se-me que a resposta terá de ser no sentido de considerar que não terá a 1.ª Instância invocado qualquer razão legalmente válida para não admitir o recurso. Com efeito, pese embora tenha feito referência ao art.º 679.º do Código de Processo Civil, o que é facto é que é manifesto que o despacho de que a ora reclamante pretendia recorrer não pode ser considerado de mero expediente ou praticado no âmbito dum poder discricionário. Na definição de Alberto dos Reis (C.P.C. Anotado, vol. V, 240), despachos de mero expediente são “aqueles que se destinam a regular, de harmonia com a lei, os termos do processo, e que assim não são susceptíveis de ofender direitos processuais das partes ou de terceiros”. São os que “dizem respeito apenas à tramitação do processo, sem tocarem nos direitos ou deveres das partes”. O despacho em causa, como é simples de ver, não se limita a regular o andamento normal do processado, antes faz apreciação sobre o trânsito em julgado de decisão, o que é passível de ser impugnável pelas partes. Faz ainda a Meritíssima Juíza alusão ao n.º 3 do art.º 687.º do Código de Processo Civil, sendo certo, porém que não descortinamos qualquer situação enquadrável em tal normativo que possa conduzir à inadmissibilidade do recurso - o mesmo é tempestivo, a recorrente tem as necessárias condições para recorrer e não vimos que a decisão não possa ser dele susceptível pois que, como referimos já, não se trata de despacho de mero expediente. Desta forma, face a todo o exposto, entende-se que a reclamação deve proceder.3. Assim, face a todo o exposto, defere-se a reclamação, determinando-se a substituição do despacho reclamado, por outro que admita o recurso. Custas pela reclamada, com a taxa de justiça mínima. Notifique. Lisboa, 27 de Maio de 2009” 12. In O Reenvio prejudicial para o TJUE…, Revista Julgar, 35º 2018. |