Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
802/13.8TTVNF.P1.G1.S1
Nº Convencional: 4ª. SECÇÃO
Relator: ANA LUÍSA GERALDES
Descritores: NULIDADE DE ACÓRDÃO
OMISSÃO DE PRONÚNCIA
IMPUGNAÇÃO DA MATÉRIA DE FACTO
DILIGÊNCIAS DE INVESTIGAÇÃO
PROCEDIMENTO DISCIPLINAR
PODERES DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Data do Acordão: 07/07/2016
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGADA
Área Temática:
DIREITO DO TRABALHO - CONTRATO DE TRABALHO / CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO / DESPEDIMENTO POR INICIATIVA DO EMPREGADOR.
DIREITO PROCESSUAL LABORAL - RECURSOS.
DIREITO PROCESSUAL CIVIL - PROCESSO DE DECLARAÇÃO / SENTENÇA ( NULIDADES ) / RECURSOS / IMPUNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO / RECURSO DE REVISTA / FUNDAMENTOS DA REVISTA.
DIREITO CIVIL - RELAÇÕES JURÍDICAS / PROVAS.
Doutrina:
- Alberto dos Reis, “Código de Processo Civil” Anotado, Volume V, Reimpressão, 1981, 143.
- António dos Santos Abrantes Geraldes, Recursos no Novo Código de Processo Civil, Almedina, 2.ª Edição, 2014, 235 e ss., 365 e ss..
- José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, “Código de Processo Civil” Anotado, Vol. 2.º, Coimbra Editora, 645 e ss..
- Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3.ª edição, p. 182-183.
Legislação Nacional:
CÓDIGO CIVIL (CC): - ARTIGOS 366.º, 396.º.
CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL (NCPC): - ARTIGOS 5.º, 607.º, N.ºS 4 E 5, 615.º, N.º1, AL. D), 662.º, 666.º, N.º1, 671.º, N.º3, 674.º N.º 1, ALÍNEAS A) E B), N.º3, 682.º, N.ºS 2 E 3.
CÓDIGO DE PROCESSO DO TRABALHO (CPT): - ARTIGO 77.º, N.º1.
CÓDIGO DO TRABALHO (CT) / 2009: - ARTIGOS 3.º, N.º1, 339.º, 353.º, N.º1, 354.º, 355.º, N.º1, 356.º, N.º5.
LEI N.º 7/2009, DE 12 DE FEVEREIRO: - ARTIGOS 7.º, N.ºS 1 E 5, AL. C).
Jurisprudência Nacional:
ACÓRDÃOS DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA:

-DE 17/04/2007, PROCESSO N.º 472/07 - 1.ª SECÇÃO, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 12/02/2009, PROCESSO N.º 08S3965, EM 12.02.2009, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
-DE 14/01/2016, PROCESSO N.º1391/13.9TTCBR.C1.S1, DISPONÍVEL EM WWW.DGSI.PT .
Sumário :

I- Nos termos do art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC (norma aplicável à 2.ª Instância como decorre do art. 666.º, n.º 1 do mesmo diploma legal), é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento, nulidade que decorre do incumprimento do disposto no n.º 2 do art. 608.º do mesmo Código, nos termos do qual o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras.
II- Se perante a questão colocada pela apelante, no sentido de ver alterada a redacção de determinado facto dado como provado, o Tribunal da Relação, apreciando-a, concluiu que “nenhuma modificação se impõe”, não se verifica nenhuma omissão de pronúncia.
III- Do regime jurídico previsto no Código do Trabalho respeitante ao processo disciplinar não se extrai que todas as diligências realizadas no processo disciplinar tenham de obedecer à forma escrita.
IV- Apesar da lei laboral prever que determinados procedimentos devem ser reduzidos a escrito (cf. artigos 353.º, n.º 1, 354.º, 355.º, n.º 1, 356.º, n.º 5 e 357.º, n.º 6, todos do Código do Trabalho de 2009), certo é que não exige a forma escrita para todo o processo disciplinar, mais concretamente para todas as diligências de investigação/instrução realizadas no seu âmbito.
V- Em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, nos termos conjugados dos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, do Novo Código de Processo Civil, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 deste último preceito legal.
VI- Não cabe nos poderes cognitivos do Supremo Tribunal de Justiça pronunciar-se sobre se a Relação deveria ou não ter tido em conta na fundamentação do Acórdão as diligências que a Recorrente queria ver aditadas, ao abrigo do disposto no n.º 2 do artigo 5.° do Código de Processo Civil, quando estas nem sequer foram devidamente alegadas.
Decisão Texto Integral:

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA

I – 1. AA apresentou requerimento visando a impugnação judicial da regularidade e licitude da decisão de despedimento proferida pela sua empregadora EDP Soluções Comerciais, S.A.

2. A Ré empregadora apresentou articulado a motivar o despedimento pugnando pela respetiva licitude, alegando para o efeito que:

O A./trabalhador, aproveitando o acesso ao sistema de leituras de consumo por via do exercício da sua profissão, alterou as leituras reais existentes e relativas ao contrato de que era titular, de modo a proceder a um pagamento inferior de consumo de energia eléctrica, assim lesando patrimonialmente a empregadora.

3. O Autor apresentou articulado com contestação e pedido reconvencional no qual invocou, em resumo:

1. Em sede de contestação:
a) A prescrição do exercício do poder disciplinar, em relação às infracções relativas ao período de 2006 a 2012;
b) A caducidade / prescrição da acção disciplinar; e para o caso de se entender que existiu procedimento prévio de inquérito, a não interrupção do prazo de caducidade / prescrição;
d) A ineficácia da decisão de aplicação de sanção disciplinar por ter sido ultrapassado o prazo de 60 dias para conclusão do procedimento disciplinar;
e) A violação do direito de contraditório do trabalhador, por constar da nota de culpa a violação de padrões éticos de desempenho e comportamento que os valores, princípios e regras explicitados no Código de Ética e no Código de Conduta da empregadora lhe impõem, mas sem se especificar quais sejam esses deveres, em violação do disposto no art. 353º, nº 1, do Código do Trabalho;
f) A violação do direito à prestação efectiva de trabalho, pois o seu afastamento do local de trabalho por 129 dias, antes da notificação da nota de culpa, consubstancia tal violação, correspondendo o procedimento disciplinar a uma lógica de pressão e perseguição do trabalhador;
g) A existência de diferenciação de tratamento pela empregadora entre o trabalhador/Autor e outro em que por factos idênticos foi sancionado com sanção disciplinar conservatória que não pôs fim ao vínculo laboral;
h) A inexistência de qualquer infracção disciplinar, alegando que todas as alterações que introduziu no sistema de leituras dos contadores de electricidade visaram corrigir os erros das leituras introduzidas pelos leitores e que não eram verdadeiras pois que não correspondiam a leituras reais.

3.2. Em reconvenção, pediu a condenação da Ré:
a) Na sua reintegração, sem prejuízo da opção pela indemnização, que deve ser fixada em montante não inferior a 45 dias de retribuição base, considerando para este cálculo o valor de € 3.117,04;
b) No pagamento de todas as retribuições (incluindo retribuição de férias, subsídios de férias e de Natal), que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, sendo as vencidas de € 7.273,09;
c) No pagamento de uma indemnização por danos não patrimoniais resultante da cessação do contrato de trabalho, no valor de € 10.000,00.

4. A R. respondeu à contestação-reconvenção deduzida pelo A., sustentando a improcedência das excepções invocadas pelo A., impugnando os factos alegados e defendendo a improcedência do pedido reconvencional.

5. Realizada a audiência de julgamento foi proferida sentença que terminou com o seguinte dispositivo:


«Nestes termos, o Tribunal julga a acção improcedente e a reconvenção parcialmente procedente e, consequentemente:
a) absolve o trabalhador AA do pedido formulado pela empregadora EDP – Soluções Comerciais SA no sentido da declaração da licitude do despedimento;
b) declara ilícito o despedimento efectuado pela referida EDP por verificação da excepção de caducidade do procedimento disciplinar, condenando a mesma:
- a reintegrar o trabalhador;
- a pagar ao mesmo trabalhador todas as retribuições vencidas, desde o dia 20/11/2013, e que se vençam até ao trânsito em julgado desta decisão, a liquidar ulteriormente, deduzindo-se as quantias que tenha recebido com a cessação do contrato de trabalho e que não teria recebido se não fosse o despedimento, bem como as quantias que o trabalhador tenha recebido a título de subsídio de desemprego, sendo a quantia respectiva entregue pela empregadora à segurança social;
- a pagar juros de mora nos termos fixados nesta decisão.
c) no mais, absolve a empregadora.»

5. Inconformada, a R. interpôs recurso de apelação principal, impugnando de facto e de direito.

6. O A., por seu turno, interpôs recurso de apelação subordinado.

7. O Tribunal da Relação de Guimarães, por Acórdão datado de 14 de Maio de 2015, julgou improcedente o recurso de apelação principal interposto pela R. e declarou prejudicado o conhecimento do recurso de apelação subordinado interposto pelo A., confirmando a sentença recorrida.

 

8. Irresignada, a Ré EDP interpôs recurso de revista, no qual concluiu, em síntese, nos seguintes termos:

«I. O Acórdão da Relação é nulo por ter omitido pronúncia em relação à questão suscitada pela EDP nas alegações do seu recurso de apelação sobre o teor/formulação do proémio do ponto 6 dos "factos provados", atento o respectivo carácter conclusivo e tendo por referência questão essencial de direito discutida nos autos relacionada com a efetiva existência de um procedimento prévio de inquérito.

II. O Acórdão da Relação é igualmente nulo por ter omitido pronúncia em relação à questão suscitada pela EDP nas alegações do seu recurso de apelação sobre a relevância da documentação constante dos autos e do processo disciplinar para determinar a alteração/ampliação da matéria de facto provada.

III. Consequentemente, declaradas as nulidades, deverá mandar-se baixar o processo a fim de se fazer a reforma da decisão anulada sobre, nomeadamente:
(i) o caráter conclusivo da formulação do proémio do ponto 6 da fundamentação de facto;
(ii) a prova documental indicada nas alegações do recurso de apelação da EDP como fundamento para a modificação do ponto 6 dos "factos provados".

IV. Andou mal a Relação ao ter entendido que, por força do disposto no artigo 392° do CC e no artigo 4°, nº 5, do Anexo VI do IRCT aplicável, a prova das diligências de investigação levadas a cabo pela EDP era vinculada, tendo de ser feita documentalmente (através de redução a escrito e rubrica de todos os actos processuais).

V. Esta disposição do IRCT pretende tão só regular o formalismo do próprio processo disciplinar e não estabelecer uma qualquer proibição ou limitação quanto aos meios de prova admissíveis, designadamente em sede judicial, para efeitos de demonstração das diligências efectuadas no seu âmbito.

VI. Inexiste fundamento legal que impeça a EDP de demonstrar as diligências efetivadas de investigação prévia à nota de culpa, através de qualquer meio de prova legítimo, designadamente a prova testemunhal, a qual nos termos do artigo 396° do CC será “apreciada livremente pelo Tribuna!”.

VII. Tanto mais que as diligências cuja realização foi invocada pela EDP têm suporte documental no processo disciplinar e os depoimentos indicados perante a Relação incidiram, sobretudo, na interpretação do contexto desse suporte documental, o que, atento o disposto no n° 3 do artigo 393° do CC, sempre tornaria admissível o recurso à prova testemunhal e imporia a sua apreciação e valoração para efeitos de aplicação do direito.

Acresce que:

VIII.   O Código do Trabalho (cf. artigos 351° a 358°) estabelece expressamente quais os actos que, no âmbito do procedimento disciplinar (e do procedimento prévio de inquérito) têm de obedecer à forma escrita (cf. artigos 353°, n° 1, 354°, 355°, nº 1, 356°, nº 5 e 357°, nº 6), nos quais não se incluem as diligências de investigação.

IX. O regime jurídico constante do Código do Trabalho deve servir, desde logo, como elemento de interpretação do artigo 4°, nº 5, do Anexo VI do IRCT aplicável (em articulação com o artigo 392° do CC), afastando a vinculação exclusiva da prova documental.

X. Em matéria de cessação do contrato de trabalho, apenas as matérias previstas nos nºs 2 e 3, do artigo 339°, do CT, podem ser reguladas por IRCT, o que não é o caso das formalidades inerentes ao procedimento disciplinar (artigos 351 ° a 358° do CT), em particular as relativas à forma dos actos.

XI. Nunca poderia, assim, também por este motivo, prevalecer a posição adotada pela Relação, por violação de lei substantiva consubstanciada em erro de interpretação, de aplicação e de determinação da norma aplicável, concretamente do disposto nos artigos 339°, 353° a 358° do CT e dos artigos 392º e 396º do CC, que têm aqui plena aplicação.

XII. Sendo que a demonstração da realização das diligências de investigação em causa releva, desde logo, para:
a. Afastar o conhecimento da infração, pela Administração da EDP, aquando do seu despacho de 10 de Maio de 2013;
b. Demonstrar a ocorrência de um verdadeiro procedimento prévio de inquérito, necessário para fundamentação da nota de culpa e, nessa medida, suscetível de determinar a interrupção dos prazos previstos no nº 2 do artigo 329º do CT (cf. artigo 352º do CT).

XIII. Considerando o exposto no ponto 11.1.2 a 11.1.6 das alegações da apelação apresentadas pela EDP, relativamente às diligências de investigação levadas a cabo previamente à elaboração da nota de culpa e seus resultados, facilmente se conclui que, na referida data, a Administração da EDP não tinha um conhecimento suficiente das alterações introduzidas pelo Trabalhador no sistema de leituras, estando tão-só indiciadas as irregularidades.

XIX. Concretamente, no dia 10 de maio de 2013, a Administração da EDP não tinha conhecimento sobre:
• Se tinha efectivamente ocorrido ocultação de consumo de energia por parte do Trabalhador;
• Se as irregularidades imputadas ao Trabalhador não se enquadrariam numa fraude com um âmbito mais extenso do que se veio a apurar, nomeadamente envolvendo outros colaboradores e terceiros;
• Se as modificações às leituras tinham causado prejuízos;
• Qual o montante destes eventuais prejuízos;
• Se o ponto de medição da instalação do Trabalhador (em particular o contador) estava a funcionar regularmente;
   • Se as leituras constantes do sistema de leituras da EDP tinham sido efectivamente registadas pelos leitores contratados pela EDP;
• Se, e em que medida, a conduta do Trabalhador se enquadrava num conjunto mais alargado de outros casos de trabalhadores da EDP que tinham efetuado operações nos respectivos contratos cliente; e,
• E o que o Trabalhador teria a dizer formalmente sobre os factos entretanto apurados.

XV. Tivesse a Relação ponderado o processo disciplinar junto aos autos (cf. de fls. 2 a 9 do processo disciplinar) e a demais prova testemunhal e documental exaustivamente submetida pela EDP à sua apreciação, teria forçosamente concluído que, à data da instauração do processo, estavam tão-só indiciadas irregularidades e que estas irregularidades foram subsequentemente investigadas, evidenciando o procedimento disciplinar, por escrito, a sua realização e, em particular, as conclusões das diligências levadas a cabo pelas diversas áreas da EDP envolvidas no âmbito da investigação.

XVI. Aferir da realização das diligências invocadas afigurava-se, assim, essencial para a decisão de direito a tomar, em especial no que se refere à eventual caducidade do procedimento disciplinar, pelo que deverá ser ordenado que o processo volte ao Tribunal da Relação para apreciação da prova testemunhal e documental oportunamente invocada nas alegações da apelação (por referência ao ponto 6 dos "factos provados"), com a necessária ampliação da matéria de facto (cf. artigo 682°, n° 3 do CPC).

Por sua vez:

XVII. Ao ter entendido que a prova testemunhal não era apta a fazer prova da factualidade pretendida (efetivação de diligências de prova no âmbito da investigação levada a cabo pela EDP) e que, pelo contrário, por força do artigo 4°, nº 5, do Anexo VI do IRCT, a prova era vinculada, a Relação afastou liminarmente a admissibilidade e força probatória da prova testemunhal, fixadas pelos artigos 392° e 396° do CC e, por essa via, recusou a sua apreciação.

XVIII. Tal entendimento consubstancia ofensa às referidas disposições legais (artigo 392° e 396° do CC) que fixam a admissibilidade e força probatória da prova testemunhal.

Sem prejuízo,

XIX. A Relação não explica ou fundamenta a referência que faz à alegada circunstância de as diligências cujo aditamento é pretendido pela EDP não terem sido invocadas no articulado motivador do despedimento e de resposta à contestação do Trabalhador.

XX. No articulado do empregador apenas é admissível invocar os factos e fundamentos da decisão de despedimento (cf. nº 1 do artigo 98°-J do CPT) nos quais não se integram as diligências efectuadas previamente à elaboração da nota de culpa mas tão só os factos imputados ao Trabalhador, ainda que naturalmente podendo o seu conhecimento ter resultado dessas diligências.

XXI. Na resposta à contestação, a EDP referenciou, nos seus pontos 33° a 39°, a realização de um conjunto de diligências de investigação prévias à nota de culpa – que o Tribunal em primeira instância tomou parcialmente em consideração –, as quais estavam, de resto, evidenciadas documentalmente no próprio processo disciplinar que foi junto aos autos.

XXII. Quer essas diligências, quer as demais alegadas pela EDP e não consideradas pela primeira instância, são factos instrumentais que se afiguram pertinentes, conforme supra se concluiu, para aferir do efetivo conhecimento e valoração, pela Administração da EDP, das concretas imputações constantes da nota de culpa. De tais factos, entre os mais relacionados, se conclui igualmente que decorreu efectivamente aturada actividade de investigação suscetível de consubstanciar um procedimento prévio de inquérito.

XXIII. Ainda que assim não se entendesse, no que não se concede, as referidas diligências consubstanciam o desenvolvimento/concretização dos factos alegados na resposta à contestação (cf. artigos 33° a 39°) e que resultaram da instrução da causa, tendo as partes tido oportunidade de sobre eles se pronunciar (porquanto cabiam, desde logo, no ponto 27° dos temas da prova, devidamente retificado).

XXIV. E também assim, atento o disposto no n° 2 do artigo 5° do CPC, tais diligências podiam e deviam ter sido tidas em conta na fundamentação do Acórdão.

XXV. Concluindo-se assim pela ofensa às referidas disposições legais (artigos 392° e 396° do CC) que fixam a admissibilidade e força probatória da prova testemunhal, deverá, também com este fundamento, ser ordenado que o processo volte ao Tribunal da Relação para apreciação da prova testemunhal oportunamente invocada nas alegações da apelação (cf. ponto 11.1.2 a 11.1.6 e as correspondentes conclusões 5 a 14), com a necessária ampliação da matéria de facto (cf. artigo 682°, n° 3, do CPC).

Outrossim:

XXVI. Não existe qualquer suporte legal que permitisse à Relação concluir, como concluiu, que a circunstância de o procedimento disciplinar ter sido iniciado a 10.05.2013, implicaria que, aquando da notificação da nota de culpa, a 18.09.2013, o direito de agir disciplinarmente tinha caducado.

XXVII. O início da contagem do prazo de caducidade do direito do empregador agir disciplinarmente contra um trabalhador é determinado pelo conhecimento da infração pelo órgão com competência disciplinar, e não pela instauração do procedimento disciplinar (cf. artigo 84°, nº 3 do IRCT aplicável e artigo 329°, nº 2, do CT).

XXVIII. Acresce que o Trabalhador não fez prova da data do conhecimento da infração pelo órgão com competência disciplinar, prova esta que lhe competia fazer, uma vez que se tratava de facto constitutivo do seu direito (caducidade do procedimento disciplinar).

XXIX. Não podia a Relação pretender suprir esta falta de prova, presumindo o conhecimento da infração na data da deliberação do Conselho de Administração da EDP.

XXX. Na verdade, decorre da matéria de facto dada como provada, eventualmente reforçada pelas diligências que necessariamente deverão acrescer ao seu ponto 6, que, à data da instauração do processo disciplinar, estavam tão-só indiciadas as alterações dos registos de leitura levadas a cabo pelo Trabalhador, as quais foram subsequentemente investigadas.

XXXI. Pelo que, aquando da notificação da nota de culpa (em 18.09.2013), não se mostrava excedido o prazo para instauração e ou promoção do processo disciplinar.

XXXII. Tanto mais que o artigo 6° do Anexo VI, do ACT-EDP, prevê uma fase de instrução prévia ao envio da nota de culpa, para cuja duração não estabelece prazo.

XXXIII. Sendo que o Código do Trabalho, no nº 2 do seu artigo 339°, estabelece expressamente que os prazos de procedimento podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

XXXIV. Ora, tendo resultado demonstrado, por via das diligências de investigação levadas a cabo pela EDP, previamente à nota de culpa, que a referida fase de investigação (instrução) foi desencadeada, só tendo sido possível, finda esta fase, o apuramento dos factos imputados ao Trabalhador na nota de culpa, não pode igualmente proceder a excepção de caducidade do processo disciplinar.

Acresce ainda que,

XXXV. A cláusula 87° do IRCT aplicável denota a clara intenção das partes contratantes de regular, global e exaustivamente, através desse IRCT, o processo disciplinar, substituindo, assim, o regime previsto no Código do Trabalho (artigos 351° a 358°).

XXXVI. A cláusula 84°, nº 3, do mesmo IRCT, dispõe que o procedimento disciplinar deve ter início num dos 30 dias subsequentes àquele em que a entidade com poder disciplinar teve conhecimento da infração e do possível infractor.

XXXVII. Assim, será de admitir – porque válida e eficazmente estipulado entre os contratantes do IRCT ao abrigo do artigo 339°, nº 2, do CT – a não aplicabilidade do disposto no nº 3 do artigo 353° do CT, no sentido de apenas a notificação da nota de culpa ao Trabalhador interromper o prazo de caducidade da ação disciplinar.

XXXVIII. E não se concedendo que o conhecimento da infração tenha ocorrido no dia 10.05.2013, a verdade é que, ainda que assim se entendesse, nessa mesma data foi iniciado o processo disciplinar, por via da deliberação da Administração da EDP, comunicada ao Trabalhador no dia 13.05.2013 (cf. fls. 1 do processo disciplinar), tendo sido, por essa via, cumprido o referido prazo.

Sem prejuízo também,

XXXIX. Sempre teria de se entender que a instrução levada a cabo previamente à nota de culpa, porque necessária à respetiva fundamentação, consubstanciou, para os efeitos previstos no artigo 352° do CT, um procedimento prévio de inquérito.

XL. Afigura-se, em qualquer caso, irrelevante o nome dado às diligências de investigação/instrução levadas a cabo pela EDP, sendo antes materialmente determinante que, conforme se demonstrou nos autos, as mesmas tenham existido e se afigurem necessárias para a fundamentação da nota de culpa, como foi o caso.

XLI. Assim se concluindo que, em qualquer dos cenários, não se verificou a caducidade do procedimento disciplinar.

XLII. E não se verificando a excepção de caducidade da ação disciplinar e tendo o Tribunal em primeira instância, entendido – e muito bem – que existia in casu justa causa para o despedimento do Trabalhador, deveria o recurso de apelação interposto pela EDP ter sido julgado procedente.

XLIII. Ao decidir de modo diferente violou a Relação o disposto nas cláusulas 84ª e 87ª e nos artigos 4° e 6° do Anexo VI, do IRCT aplicável, nos artigos 342°, nº 1, 392°, 393°, nº 3 e 396° do CC, e nos artigos 329°, n° 2, 339°, 352°, e353° a 358°, todos do CT.»

Concluiu a Ré EDP pela procedência do presente recurso e, consequentemente, a revogação do Acórdão recorrido.

 

9. O A. apresentou contra-alegações defendendo, por um lado, a inadmissibilidade legal da revista por entender existir dupla conformidade entre as decisões das Instâncias.

No mais, defendeu a improcedência do recurso e a manutenção do Acórdão recorrido.

10. Pelo Tribunal da Relação de Guimarães foi proferido Acórdão, datado de 09 de Julho de 2015, julgando improcedentes as nulidades invocadas pela Recorrente (cf. fls. 1648 a1648-vº, do 9º Vol.).

11. Na mesma data, o Tribunal da Relação de Guimarães proferiu despacho de não admissão do recurso de revista interposto (cf. fls. 1651, do 9º Vol.), com fundamento no disposto no art.º 671.º, n.º 3, do CPC, o qual foi objecto de reclamação pela Recorrente nos termos do disposto nos arts 641.º, n.º 6 e 643.º, do NCPC.

12. Nesta Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, foi admitido o recurso de revista interposto pela R., por despacho da ora Relatora, confirmado pela Conferência, mediante Acórdão proferido em 28 de Janeiro de 2016 (cf. fls. 1672-1687, do 9º Vol.).

Aí se decidiu, em sede de reclamação, por Acórdão transitado em julgado, que não ocorre dupla conforme nos casos (…) “em que é imputado ao Acórdão da Relação a violação de normas de direito adjectivo no que concerne à apreciação da impugnação da decisão da matéria de facto proferida pela 1ª instância, nomeadamente as previstas nos arts. 640º e 662º, ambos do NCPC”, porquanto, “em tais circunstâncias, ainda que simultaneamente a Relação tenha confirmado a decisão recorrida no que respeita à matéria de direito, não se verifica uma situação de dupla conformidade no que concerne ao modo como foi reapreciada a matéria de facto – cf. pontos III e IV do sumário, sublinhado nosso.

Podendo ainda ler-se, em tal Acórdão, o seguinte:


-A R. imputa à Relação vícios decisórios, na medida em que não terá consignado determinados factos que, no seu entender, seriam decisivos para se obter uma resposta diversa quanto à caducidade do procedimento disciplinar.
   Na sua perspectiva, se tais factos tivessem sido considerados provados, haveria uma conclusão diversa quanto à apreciação dessa caducidade”.

- Ou seja: existirá dupla conforme quando não houver inovação ou modificação dos fundamentos jurídicos aduzidos no Acórdão recorrido relativamente aos utilizados na sentença apelada, com suporte no segmento decisório, no pedido e na causa de pedir.
   E essa dupla conformidade não se consubstancia em qualquer regra de forma, tendo antes a ver com a substância das decisões proferidas nos autos, delimitando o acesso ao STJ, em revista normal, em função da identidade essencial das decisões e respectivos fundamentos, proferidas anteriormente nos autos, vedando o acesso a um terceiro grau de jurisdição nos casos em que a coincidência fundamental do decidido na 1ª instância e na Relação torna plausível a adequação e legalidade substantiva da solução normativa alcançada para o litígio” – sublinhado nosso.

- Ou seja: na matéria da aplicação do direito o Acórdão do Tribunal da Relação de Guimarães confirmou, integralmente, e sem qualquer voto de vencido e, com fundamentação idêntica, a decisão proferida em primeira instância.
   Idêntica quanto ao núcleo essencial da sua fundamentação jurídica, remetendo, inclusivamente, para o conteúdo da decisão da 1ª instância” – sublinhado nosso.

- 4.5.3. No caso concreto, apreciando as decisões no exclusivo segmento da aplicação do direito, verifica-se, conforme se referiu, que ambas as instâncias decidiram pela procedência da excepção de caducidade com base no mesmo enquadramento jurídico.
Não relevando para tal argumentos jurídicos marginais, a emissão de uma resposta não inteiramente coincidente a uma determinada questão jurídica ou a introdução de alguma questão que apenas sirva para reforçar o resultado alcançado.
Na verdade, conforme se extrai de tais decisões, ambas consideraram que procedia a excepção da caducidade e que o subsídio de alimentação era parte integrante das retribuições intercalares devidas ao trabalhador, com a consequente condenação da Recorrente.

Quer isto dizer que, o regime jurídico que serviu de suporte às decisões proferidas em ambas as instâncias é exactamente o mesmo, não se vislumbrando o tratamento de alguma questão que possa ser entendida como divergente nos termos do enquadramento jurídico que foi efectuado– sublinhado nosso.

Para se concluir:

- Mas sendo embora verdade tal questão, no que concerne à matéria de direito, já no que respeita à matéria de facto essa conformidade não existe” – sublinhado nosso.

-  Nesta estrita medida, uma vez que as questões foram suscitadas pela primeira vez perante a Relação, no âmbito do recurso de apelação, invocando a violação de preceitos de natureza adjectiva e de natureza substantiva no que concerne à delimitação dos factos provados e não provados, não se pode afirmar que, relativamente a esse segmento do Acórdão recorrido, se verifique, para já, uma situação de dupla conformidade.
   Ou seja, o recurso de revista que foi interposto pela Ré é de admitir na exclusiva medida em que nele é invocada a violação de lei adjectiva ou substantiva, no que concerne à impugnação da decisão da matéria de facto, matéria esta que, conforme se explicitou em pontos anteriores ,não está abarcada pela situação de dupla conformidade” – sublinhado nosso.

13. O Exmº Procurador-Geral Adjunto neste Tribunal formulou Parecer sustentando a improcedência da revista, argumentando, em síntese que:

* O Acórdão recorrido não padece de qualquer nulidade por omissão de pronúncia e não violou qualquer norma de natureza substantiva ou adjectiva, no que concerne à impugnação da matéria de facto deduzida na apelação, devendo por isso ser confirmado.

14. A este Parecer, apenas a Recorrente EDP respondeu, concluindo como nas suas alegações de recurso.

15. Preparada a deliberação, cumpre apreciar as questões suscitadas nas conclusões da alegação da Recorrente, exceptuadas aquelas cuja decisão se mostre prejudicada pela solução entretanto dada a outras, nos termos preceituados nos arts. 608.º, n.º 2 e 679º, ambos do Código de Processo Civil.

Salienta-se, contudo, que não se confundem com tais questões todos os argumentos invocados pelas partes, aos quais o Tribunal não está obrigado a responder.[1]

II – QUESTÕES A DECIDIR        

- Estão em causa, em sede recursória, as seguintes questões:


1. Da nulidade do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia, nos termos dos artigos 615.º, n.º 1, alínea d) e 666.º, do CPC;
 2. Da violação de lei adjectiva ou substantiva, quanto à impugnação da matéria de facto deduzida no recurso de apelação;
 3. Da caducidade do procedimento disciplinar.

III – FUNDAMENTAÇÃO

I – DE FACTO

- Os factos materiais fixados pelas instâncias foram os seguintes:

1. A empregadora não tem comissão de trabalhadores.

2. Foi deliberada, em 10-05-2013, pelo Conselho de Administração do empregador, a instauração de procedimento disciplinar e a imediata suspensão preventiva do trabalhador.

3. No dia 13-05-2013 foi entregue ao trabalhador, por mão própria, comunicação da qual constava a decisão do empregador de instauração de procedimento disciplinar e a deliberação da imediata suspensão preventiva do mesmo.

4. Foi nesse documento comunicada a nomeação, como instrutores, do Dr. BB e da Dra. CC, Advogados.

5. Esta comunicação foi efectivamente recebida pelo trabalhador no próprio dia 13-05-2013.

6. No âmbito da instrução do processo disciplinar, foram praticados os seguintes actos até à elaboração do relatório de instrução:
- foi junto em data indeterminada relatório de vistoria técnica às instalações eléctricas do trabalhador, datada de 13-05-2013;
- comunicação por email com conhecimento, entre outros, ao Administrador da empregadora DD, datada de 13-05-2013, relativa a esta vistoria técnica, com envio de fotografias;
- comunicação por email com conhecimento, entre outros, ao referido Administrador, solicitando a realização dos actos que constam de fls. 52 dos autos e a resposta às questões colocadas;
- comunicação por email dirigida ao mesmo Administrador, datada de 24-05-2013, reportando uma nova vistoria já realizada às instalações eléctricas e com as respostas às questões colocadas, referindo que iria proceder-se à substituição do contador;
- comunicação por email dirigida ao referido Administrador, datada de 12-06-2013, de nota relativa aos leitores do local de consumo, constante de fls. 56, que aqui se considera reproduzida, e datada de 11-06-2013;
- comunicação dirigida por esse Administrador ao instrutor, com a mesma data, remetendo a nota recebida quanto aos leitores;
- comunicação por email da Dr.ª EE – Directora de Recursos Humanos -, datada de 17-06-2013, dirigida ao instrutor do processo, enviando o ficheiro de avaliação do trabalhador nos anos de 2010 a 2012;
- comunicação por email de FF – responsável pela facturação - datada de 09-07-2013 – dirigida ao instrutor do processo, referindo que tinha estado ausente, do dia 04 até esse dia, e que o email anteriormente enviado teria sido devolvido por endereço errado, reportando o envio do ficheiro com a liquidação dos valores que deveriam ter sido facturados ao trabalhador e aqueles que o foram efectivamente, estando junto o referido ficheiro, que aqui se considera reproduzido, de fls. 60 e 61;
- gráfico das leituras introduzidas pelos leitores em sistema e pelo trabalhador, com indicação das respectivas datas, sem inclusão da data da sua elaboração, nos termos de fls. 62, que aqui se consideram reproduzidos;
- comunicação por email de GG, datada de 29-08-2013, a informar da disponibilidade para a inquirição do trabalhador em 03-09-2013, no seguimento de conversa anterior;
- comunicação por email do instrutor do processo, datada de 30-08-2013, dirigida àquele GG a agendar a inquirição do trabalhador para 03-09.

7. No dia 03-09-2013, o trabalhador foi ouvido no âmbito do processo disciplinar, não tendo emitido qualquer afirmação que infirmasse os factos que lhe eram imputados, porquanto se limitou a dizer que não pretendia “prestar declarações sobre os factos denunciados, reservando-se a possibilidade de o fazer com o prosseguimento do processo e o conhecimento concreto da factualidade que, nomeadamente, constará da nota de culpa”.

8. Foi elaborado, no dia 06-09-2013, um documento, denominado de “relatório de instrução”, nos termos de fls. 18 e 19, cujo teor aqui se dá por reproduzido, no qual o instrutor concluiu que:
a. “A factualidade circunstanciada na “nota de culpa” em anexo ao mesmo, relacionada com a manipulação dos registos de consumo de energia eléctrica pelo Trabalhador e consequente subfacturação dos valores efectivamente devidos no longo período considerado, consubstanciava a violação pelo mesmo dos seus deveres de realizar o seu trabalho com zelo e diligência e de guardar lealdade ao Empregador e, nessa medida, o Trabalhador em causa poderia ficar sujeito a aplicação de sanção disciplinar proporcional e adequada às infracções correspondentes, incluindo o despedimento com justa causa, através do competente processo disciplinar; e que,
b. Considerando o enquadramento específico dos factos constantes da “nota de culpa” e no âmbito restrito da responsabilização do aludido Trabalhador com base nesses factos, não seriam necessárias quaisquer diligências instrutórias adicionais que cumprisse fazer, não se justificando, por isso, o prolongamento da instrução, mas, antes, o prosseguimento do processo disciplinar com aquele fim, nos termos do regulamento disciplinar aplicável”.

9. A nota de culpa, cujo teor aqui se considera reproduzido, foi enviada ao trabalhador, por carta registada com aviso de recepção, no dia 16-09-2013, tendo sido transmitido ao trabalhador que este dispunha, nos termos e para os efeitos do artigo 8º do Regulamento Disciplinar, Anexo VI, do Acordo Colectivo de Trabalho, publicado no Boletim do Trabalho e Emprego, 1ª Série, n.º 28, de 29 de Julho de 2000, do prazo de 15 dias para, se assim o entendesse, consultar o processo disciplinar, e responder à nota de culpa, devendo apresentar todos os elementos de prova, o rol de testemunhas e requerer as diligências convenientes.

10. Mais se comunicou ao trabalhador a intenção do empregador de proceder ao seu despedimento com justa causa, nos termos e para os efeitos do aludido artigo 8º do Regulamento Disciplinar, Anexo VI, do Acordo Colectivo de Trabalho e do artigo 353º do Código do Trabalho.

11. Esta comunicação e a respetiva nota de culpa anexa foram efectivamente recepcionadas pelo trabalhador no dia 18-09-2013.

12. No dia 09-10-2013, o trabalhador apresentou, em tempo, resposta escrita à nota de culpa, cujo teor aqui se considera reproduzido, na qual concluiu pelo arquivamento do procedimento disciplinar, tendo junto aos autos 5 documentos e requerido a inquirição de seis testemunhas.

13. Foi designado o dia 22-10-2013, para inquirição das testemunhas arroladas pelo trabalhador, tendo prestado depoimento as seis testemunhas arroladas.

14. Posteriormente, veio a ser elaborado relatório final do procedimento disciplinar, subscrito em 04-11-2013, propondo a aplicação da sanção de despedimento com justa causa, nos termos de fls. 137 a 148, cujo teor aqui se considera integralmente reproduzido.

15. No dia 06-11-2013, o instrutor do processo, Dr. BB, remeteu, por carta registada com aviso de recepção, cópia integral do processo disciplinar ao Sindicato Nacional da Indústria e da Energia, a qual foi efectivamente recebida por este no dia seguinte.

16. Tendo o Sindicato Nacional da Indústria e da Energia enviado parecer, no dia 14-11-2013, no qual concluiu pelo arquivamento do processo disciplinar.

17. Em 19-11-2013, o Conselho de Administração do empregador proferiu a decisão do procedimento disciplinar, cujo teor aqui se considera reproduzido, tendo aplicado ao Trabalhador a sanção de despedimento com justa causa, ao abrigo e nos termos do disposto no artigo 16º, do Anexo VI, do Acordo Colectivo de Trabalho e no artigo 328º, nº 1, alínea f), do Código do Trabalho, nos termos que constam de fls. 173 a 201, que aqui se consideram integralmente reproduzidos.

18. Através de carta registada com aviso de recepção, datada e expedida em 19-11-2013, foi o trabalhador notificado da decisão do procedimento disciplinar, com cópia do respectivo relatório final, recebida em 20-11-2013.

19. Na referida data de 19-11-2013, foi também enviado ao Sindicato Nacional da Indústria e da Energia cópia da decisão do procedimento disciplinar e do respectivo relatório.

20. O trabalhador está integrado no quadro de pessoal da empregadora desde 01-11-1984, sendo a sua antiguidade reportada a 18-09-1972, data esta na qual foi admitido ao serviço de outra entidade que veio a fazer parte do Grupo EDP.

21. Tinha ultimamente a categoria profissional de “Chefe de Secção – III“, categoria que manteve desde 01-10-1993, e desenvolvia as suas funções na Direcção de Gestão de Canais – Loja de ….

22. Não tem antecedentes disciplinares.

23. O trabalhador é titular do contrato nº …501 (EDP SU) para fornecimento de energia eléctrica ao local sito na Rua …, ….

24. Este contrato nº …501 é facturado em regime denominado “conta certa”, nos termos do qual o titular liquida mensalmente um valor certo acordado e anualmente o eventual acerto entre o valor total devido nesse período, a título de fornecimento de energia eléctrica e respectivos acréscimos e o valor certo mensal liquidado pelo titular no mesmo período.

25. Neste enquadramento, com referência a este contrato nº …501, foi facturado o fornecimento/consumo de energia eléctrica com base em leitura introduzida no sistema pelo trabalhador, em 07-02-2006, de 19.120kWh.

26. Em 13-07-2006, foi introduzida no sistema pelos leitores contratados pela EDP (SGL) uma leitura como sendo real de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 14.597kWh.

27. Na mesma data (13-07-2006), o trabalhador introduziu no sistema uma alteração a essa leitura introduzida pelos leitores de fornecimento/consumo de energia eléctrica efectuada em 13-07-2006, pela EDP (SGL) de 14.597kWh para 21.416kWh.

28. Em 12-01-2007, foi facturado o fornecimento/consumo de energia eléctrica com base em leitura real efectuada pela EDP (SGL) de 25.215kWh.

29. Em 16-05-2007, o trabalhador introduziu no sistema uma leitura de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 27.110kWh.

30. Em 11-07-2007, foi introduzida no sistema pelos leitores contratados pela EDP (SGL) uma leitura como sendo real de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 38.684kWh.

31. Em 15-11-2007 e 06-02-2008, o trabalhador introduziu no sistema leituras de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 31.345kWh e 32.460kWh, respectivamente.

32. Em 08-05-2008, foi facturado o fornecimento/consumo de energia eléctrica com base em leitura introduzida nessa data no sistema pelo trabalhador de 33.820kWh.

33. Em 10-07-2008, 06-10-2008, 09-01-2009 e 08-04-2009, foram introduzidas no sistema pelos leitores contratados pela EDP (SGL) leituras como sendo reais de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 62.820kWh, 64.567kWh, 75.113kWh e 84.010kWh, respectivamente.

34. Em 16-06-2009, foi facturado o fornecimento/consumo de energia eléctrica com base em leitura introduzida nessa data no sistema pelo trabalhador de 42.697kWh.

35. Em 06-10-2009, 11-01-2010, 07-07-2010 e 11-10-2010, foram introduzidas no sistema pelos leitores contratados pela EDP (SGL) leituras como sendo reais de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 89.054kWh, 97.398kWh, 11.427kWh e 13.322kWh, respectivamente.

36. Em 04-04-2011, foi facturado o fornecimento/consumo de energia eléctrica com base em leitura introduzida nessa data no sistema pelo trabalhador de 60.501kWh.

37. Em 03-06-2011, o trabalhador introduziu no sistema uma leitura de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 61.012kWh.

38. Em 06-07-2011, 07-10-2011 e 09-04-2012, foram introduzidas no sistema pelos leitores contratados pela EDP (SGL) leituras como sendo reais de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 34.681kWh, 36.751kWh e 65.510kWh, respectivamente.

39. Em 10-01-2013, foi facturado o fornecimento/consumo de energia eléctrica com base em leitura introduzida nessa data no sistema pelo trabalhador de 73.634kWh.

40. Em 07-02-2013 e 08-04-2013, foi facturado o fornecimento/consumo de energia eléctrica com base em leituras introduzidas naquelas datas no sistema pelo trabalhador de 72.483kWh e 79.259kWh, respectivamente.

41. Em 13-05-2013 e 02-06-2013, foi facturado o fornecimento/consumo de energia eléctrica com base em leituras indicadas como sendo reais pelos leitores contratados pela EDP (SGL) de 80.654kWh e 81.015kWh, respectivamente.

42. Em resultado da indicação dos valores efectuada pelo trabalhador no sistema da empregadora, quanto ao fornecimento/consumo de energia eléctrica efectuada, os montantes facturados foram inferiores aos que seriam devidos com base nos valores introduzidos pelos leitores contratados pela EDP, como sendo reais, em 100.000kWh, correspondendo, no período compreendido entre 2006 e 2012, a um montante total não liquidado de 7.675,07€, sendo:

- ano 2006 – 14/07 a 31/12: 316,79 €;

- ano 2007 – 01/01 a 31/12: 1.185,54 €;

- ano 2008 – 01/01 a 31/12: 574,59 €;

- ano 2009 – 01/01 a 31/12: 1.459,35 €;

- ano 2010 – 01/01 a 31/12: 814,97 €;

- ano 2011 – 01/01 a 31/12: 1.142,28 €; e

- ano 2012 – 01/01 a 31/12: 2.181,53 €.

43. O trabalhador procedeu da forma atrás descrita aproveitando o acesso ao sistema que decorre das funções profissionais que lhe estão atribuídas e os conhecimentos e a experiência profissionais adquiridas, procurando obter benefícios patrimoniais que bem sabia não terem fundamento, nomeadamente por virtude da relação comercial.

44. Entre as funções do trabalhador, contava-se a de gerir os dados de consumo de electricidade.

45. O trabalhador tinha acesso ao sistema geral de leituras.

46. Entre as funções que desempenha ao serviço da empregadora contam-se as funções de correcção de erros verificados ao nível de contagens introduzidas no sistema.

47. O Conselho de Administração da empregadora, entidade com competência disciplinar da mesma, tinha, em 10 de Maio de 2013, conhecimento das alterações que tinham sido introduzidas pelo trabalhador no sistema de leituras.

48. Do sistema geral de leitura referente ao contrato nº …501, de que era titular o trabalhador, verifica-se que a empregadora detectou anomalias, em relação às contagens daquele, nas datas seguintes: 11-07-2007, 03-06-2008 e 03-‑04-2010.

49. A empregadora, através de prestadores de serviços denominados de “leitores”, procede periodicamente à leitura dos contadores dos seus consumidores.

50. Para o efeito, os leitores deslocam-se à casa dos consumidores do serviço fornecido pela empregadora, procedendo à verificação dos contadores e assinalando a contagem indicada naqueles.

51. Tais contadores podem situar-se no exterior das habitações ou, noutros casos, como no caso do contador do trabalhador, podem estar no interior das mesmas.

52. Neste último caso, apenas se poderá efectuar uma contagem efectiva caso os consumidores estejam em casa e permitam o acesso ao contador pelos leitores.

53. Os leitores são retribuídos por cada leitura efectivamente levada a cabo.

54. Se se deslocarem a determinada residência e não tiverem possibilidade de aceder, de facto, ao contador que esteja no interior da mesma, este tempo despedido não origina qualquer contrapartida financeira para os leitores.

55. O leitor, a cada nova contagem que leva a cabo, não tem conhecimento da contagem efectuada por si anteriormente ou por leitor diverso.

56. Por vezes, as leituras introduzidas no sistema por estes leitores não são consentâneas com os reais consumos dos clientes da empregadora.

57. Os clientes da empregadora, quando constatam que as leituras constantes das facturas como sendo efectuadas pela empresa não correspondem à realidade, solicitam a correcção das mesmas.

58. Reportando, elas próprias, os valores que entendem correctos.

59. O trabalhador residia, àquela data, apenas com a sua mulher e um filho que somente se encontrava no local ao fim-de-semana.

60. Em dias de trabalho ou de estudo, a habitação encontrava-se vazia durante o dia, pois quer o trabalhador, quer a sua mulher, exerciam actividade profissional que os obrigava a permanecer fora da habitação, desde as 8h da manhã até ao fim da tarde.

61. Em 03-06-2008, foi introduzida no sistema pelos leitores contratados pela EDP (SGL) uma leitura como sendo real de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 35.020 KWh.

62. Em 03-04-2010, foi introduzida no sistema pelos leitores contratados pela EDP (SGL) uma leitura como sendo real de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 88.103 KWh.

63. Em 09-01-2012, foi introduzida no sistema pelos leitores contratados pela EDP (SGL) uma leitura como sendo real de fornecimento/consumo de energia eléctrica de 67.640 KWh.

64. Em 03-06-2013, data do levantamento do contador do trabalhador, foi verificada uma leitura real de 81.015 KWh.

65. E desde essa data até Março de 2014, o trabalhador apresentou um consumo médio diário de 23,6 KWh.

66. Na habitação do trabalhador existem pelo menos os seguintes equipamentos: 1 frigorifico, 1 forno, 1 fogão, 1 esquentador a gás, 1 máquina de lavar roupa e 1 máquina de secar roupa.

67. A empregadora instaurou contra HH, procedimento disciplinar pelos factos que constam da nota de culpa de fls. 394 a 398, que aqui se consideram integralmente reproduzidos, por alterações introduzidas ao sistemas de leituras, notificada por carta datada de 24-05-2013, tendo este apresentado a resposta de fls. 320 a 326, também aqui integralmente reproduzida, assumindo os actos praticados, invocando ter sido motivado por dificuldades económicas, e assumindo a reparação dos prejuízos, concluindo o instrutor pela aplicação da sanção disciplinar de suspensão do trabalho com perda de retribuição e antiguidade ou a transferência compulsiva, nos termos da decisão de fls. 327 a 334, que aqui se considera reproduzida.

68. O referido Sr. HH é, também, trabalhador da empregadora há cerca de 30 anos.

69. O referido HH é técnico comercial.

70. O trabalhador auferia ao serviço da empregadora: remuneração base mensal: 2.253,00 €; subsídio de alimentação: 4,27 €, por cada dia de trabalho prestado, + 6,44 € por cada dia de trabalho prestado; remuneração mensal de antiguidade: 493,23 €; prémio de assiduidade: 99,13 € e complemento de prémio de assiduidade: 25,35 €.

71. Com a cessação do contrato de trabalho, o trabalhador viu-se confrontado com uma situação de desemprego, sentindo-se abalado psíquica e moralmente, e triste.

72. O trabalhador está a auferir subsídio de desemprego desde 26/12/2013, no valor diário de 34,94 € até 25/06/2014, e de 31,45 € até 25/02/2017.

II - DE DIREITO

1. Enquadramento normativo:

Atenta a data da propositura da acção – 28 de Novembro de 2013 - e considerando que o Acórdão recorrido foi proferido em 14 de Maio de 2015, à presente revista é subsidiariamente aplicável o regime processual previsto no Novo Código de Processo Civil (NCPC), na versão conferida pela Lei n.º 41/2013, de 26 de Junho, atento o disposto no art. 7.º, n.º 1, da referida Lei.

Em termos substantivos, estando em causa a cessação de contrato de trabalho ocorrida através de procedimento iniciado na vigência do Código do Trabalho de 2009 (CT), é aplicável o regime jurídico acolhido naquele Código, por força do disposto no art. 7º, n.ºs 1 e 5, al. c), da Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro.

2. Das invocadas nulidades do Acórdão recorrido por omissão de pronúncia:

2.1. A primeira questão que importa dirimir, atento o objecto do recurso, incide sobre a alegada existência de nulidades do Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Guimarães, por violação da alínea d), do n.º 1, do art. 615º do NCPC, norma aplicável à 2.ª Instância conforme decorre do art. 666º, n.º 1, do mesmo diploma legal.

Na verdade, cumprindo o disposto no art. 77.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho, a Recorrente veio arguir a nulidade do Acórdão da Relação por omissão de pronúncia por entender que o Tribunal da Relação não se pronunciou:

a) Sobre o teor da formulação do ponto 6) da matéria de facto provada, atento o seu carácter conclusivo;

b) Sendo igualmente omisso sobre a referência à impugnação das diligências de prova e relevância da documentação constante dos autos e do processo disciplinar que, na opinião da Recorrente EDP, determinam a alteração/ampliação da matéria de facto provada.

Pronunciando-se sobre esta pretensão, a Relação, em Conferência, considerou que o Tribunal se pronunciou “detalhadamente” sobre toda a “matéria concernente à impugnação da matéria de facto” e, por tal motivo, acordou em indeferir as invocadas nulidades.

Analisando:

2.2. Nos termos do art. 615º, n.º 1, al. d), do NCPC (norma aplicável à 2ª Instância como decorre do art.º 666º, n.º 1, do mesmo diploma legal), é nula a sentença quando: «O juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento».

Esta nulidade decorre do incumprimento do disposto no n.º 2 do artigo 608.º do mesmo Código, nos termos do qual «o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, exceptuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras», prevendo ainda aquele dispositivo que o juiz não «pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras».

Importa salientar contudo que, conforme estipula o art.º 5.º, n.º 3, do NCPC, o Juiz não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação e aplicação das regras de direito.

Sobre esta matéria permanece actual o ensinamento de Alberto dos Reis[2], citado abundantemente a este propósito, ao explicitar que:

«(…) Uma coisa é o Tribunal deixar de pronunciar-se sobre questão que devia apreciar, outra invocar razão, boa ou má, procedente ou improcedente, para justificar a sua abstenção.

São, na verdade, coisas diferentes: deixar de conhecer a questão de que devia conhecer-se, e deixar de apreciar qualquer consideração, argumento ou razão produzida pela parte.

Quando as partes submetem ao Tribunal determinada questão, socorrem-se, a cada passo, de várias razões ou fundamentos para fazer valer o seu ponto de vista; o que importa é que o Tribunal decida a questão posta; não lhe incumbe apreciar todos os fundamentos ou razões em que elas se apoiam para sustentar a sua pretensão».

Entendimento que é corroborado, há muito, pela Jurisprudência que sempre o acolheu defendendo que a não apreciação de um ou mais argumentos aduzidos pelas partes não constitui omissão de pronúncia, porquanto o Juiz não está obrigado a ponderar todas as razões ou argumentos avocados nos articulados para decidir certa questão de fundo. Mas tão só a pronunciar-se “sobre questões que devesse apreciar” ou “conhecer de questões de que não podia deixar de tomar conhecimento”.

Quer isto dizer que ao Tribunal cabe o dever de conhecer do objecto do processo, definido pelo pedido deduzido e respectiva causa de pedir. Terá, assim, de apreciar e decidir as questões processuais trazidas aos autos pelas partes – pedidos formulados, excepções deduzidas, … – e todos os factos em que assentam, mas já não está obrigado a pronunciar-se sobre todos os argumentos esgrimidos pelas partes nos autos.

Tão pouco lhe assiste o dever de complementar o acervo fáctico trazido pelas partes aos autos com os elementos que os articulados não contemplam.

Os argumentos convocáveis para se decidir certa questão não se identificam necessária e coincidentemente com a própria questão a decidir, em si mesma considerada.

E só existe omissão de pronúncia nos termos do art. 615º, nº 1, alínea d), do NCPC, quando o Tribunal deixa de apreciar questões submetidas pelas partes à sua apreciação e não quando deixa tão só de apreciar os argumentos invocados a favor da versão por eles apresentada ou por insuficiência da matéria alegada.

2.3. No caso vertente, a Ré começa por referir que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a questão suscitada nas alegações do seu recurso de apelação sobre «o teor/formulação do proémio do ponto 6 dos "factos provados", atento o respectivo carácter conclusivo e tendo por referência questão essencial de direito discutida nos autos relacionada com a efectiva existência de um procedimento prévio de inquérito».

Analisado o recurso de apelação interposto pela Ré, verifica-se que a propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, aquela fez ali constar, sob as conclusões 2, 3 e 4, o seguinte:

«(…)

O Tribunal a quo, em sede de fundamentação de facto da sua Sentença:
(i) Recorreu a formulações conclusivas e claramente indutoras da decisão sobre as questões jurídicas objecto dos autos;

(…)
2. O proémio do ponto 6. da fundamentação de facto enquadra, por via da formulação conclusiva que adopta, os actos praticados pela EDP previamente à elaboração da Nota de Culpa, no âmbito do processo disciplinar, o que induz a conclusão no sentido de não ter ocorrido um procedimento prévio de inquérito, cuja existência (ou não) é uma das questões de direito objecto dos presentes autos.
3. Assim, e para que a solução jurídica das questões de direito objecto dos presentes autos não seja determinada, de forma apriorística, por uma deficiente (conclusiva) formulação da matéria de facto, o referido proémio deverá passar a ter a seguinte redacção: “No âmbito da investigação levada a cabo, pela EDP, previamente à elaboração da nota de culpa, foram realizadas as seguintes diligências:”. (…)»  - sublinhado nosso.

A propósito desta questão, o Tribunal da Relação pronunciou-se nos seguintes termos:

«Pretende a Recrte., quanto ao ponto 6, que o respectivo proémio encerra uma formulação conclusiva, propondo, em sua substituição o uso da seguinte expressão: “No âmbito da investigação levada a cabo pela EDP, previamente à elaboração da nota de culpa, foram realizadas as seguintes diligências:”

Cabe às partes a alegação dos factos essenciais que constituem a causa de pedir (art. 5º/1 do CPC), sendo que ao juiz apenas é lícito fundar a sua decisão de facto nos factos alegados, sem prejuízo de outros que sejam apenas instrumentais ou complemento ou concretização do que tiver sido alegado (nº 2).

Ora, a decisão agora impugnada fundou-se na alegação que, a este propósito, foi efectuada pela própria Recrte. no art. 34º do seu articulado motivador, não cabendo ao Tribunal introduzir qualquer modificação que supere o alegado.

Ora, o que ali se alegou muito concretamente foi que “no âmbito da instrução do processo disciplinar foram efectuadas diversas diligências… (cf. fls. 2 a 15 e 18 a 22 do processo disciplinar”.

Assim, fundando-se o proémio da resposta do Tribunal recorrido na alegação efectuada, nenhuma censura merece.» - sublinhado nosso.

Atento o transcrito, forçoso é concluir que o Tribunal da Relação apreciou a sobredita questão suscitada pela Recorrente.

E fê-lo para concluir que a redacção dada pela 1.ª instância ao proémio do ponto 6), dos factos provados, teve por base o alegado pela própria Apelante EDP no art. 34.º, do respectivo articulado de motivação do despedimento, razão pela qual considerou ser a mesma de manter.

Ou seja, o Acórdão recorrido pronunciou-se efectivamente acerca da questão suscitada pela Apelante nas suas conclusões n.ºs 2, 3 e 4, dizendo em síntese que, no seu entender, não merece censura a resposta do Tribunal da 1.ª instância dada ao ponto 6) do elenco dos factos provados, na medida em que a mesma se funda na alegação efectuada nos autos pela própria apelante.

Não se verifica, assim, nenhuma omissão de pronúncia por parte do Tribunal da Relação, o qual, conforme já referimos supra, não estava vinculado a analisar a argumentação fáctico-jurídica que a parte tivesse invocado em abono da sua posição e sem o necessário suporte fáctico emergente dos articulados.

2.4. Alega também a Ré que o Tribunal da Relação não se pronunciou sobre a questão suscitada nas alegações do seu recurso de apelação acerca da relevância da documentação constante dos autos e do processo disciplinar para determinar a alteração/ampliação da matéria de facto provada sob o ponto 6).

Analisado o recurso de apelação interposto pela Ré EDP verifica-se que, a propósito da impugnação da decisão sobre a matéria de facto, aquela fez ali constar, sob as conclusões 5 a 13, o seguinte:

“(…)
4. No ponto 6. da fundamentação de facto, ao proceder à descrição das diligências de investigação levadas a cabo pela EDP, o Tribunal a quo limitou-se a dar como provada a junção aos autos do “Auto de Vistoria do Ponto de Medição” (fls. 2 do processo disciplinar) e do gráfico com as leituras introduzidas em sistema pelos leitores e pelo Trabalhador (cf. fls. 62), bem como a realização das comunicações ali referidas.
5. Sucede que da prova produzida nos autos[3] resultou também, e sobretudo, provada a efectiva realização das diligências documentadas pelos ditos autos, gráfico e comunicações, bem como os seus resultados.
6. Designadamente, o Tribunal a quo omitiu a realização da vistoria técnica de 13.05.2013, a subsequente emissão de ordem de serviço para verificação do equipamento de contagem, a realização, no dia 16.05.2013, de nova vistoria técnica à instalação, a realização de reunião (em data compreendida entre o dia 13.05.2013 e 21.05.2013), entre a EDP e o instrutor do processo, com vista a definir diligências de investigação a serem realizadas, a audição (entre o dia 21.05.2013 e o dia 24.05.2013) dos executantes da avaria de 03.02.2013 e da Ordem de Serviço de substituição do DCP, a substituição do contador da instalação eléctrica do Trabalhador no dia 31.05.2013 e a audição, em Junho de 2013, dos leitores que efetuavam leituras à instalação do Trabalhador. 
7. O Tribunal a quo omitiu, também, os resultados das referidas diligências, em particular os da Vistoria do Ponto de Medição constantes do respectivo Auto, os quais indiciavam a manipulação da instalação eléctrica (DCP e contador) do Trabalhador e o fornecimento de energia a terceiros e determinaram a realização de diligências de investigação adicionais, com vista a um melhor esclarecimento dos factos.
8. O Tribunal a quo omitiu, ainda, apesar de ter igualmente resultado provado nos autos[4], que o departamento de facturação da EDP (na pessoa da Dra. FF), previamente ao envio da comunicação de 9 de Julho[5], levou a cabo uma análise detalhada e minuciosa, de todas as leituras constantes do sistema informático, no período compreendido entre Fevereiro de 2006 e Junho de 2013, que lhe permitiu apurar o prejuízo sofrido pela EDP com a conduta do Trabalhador.
9. E que também na Área de Gestão de Energia e Unidade de Combate à Fraude da EDP (na pessoa do seu responsável, Sr. Engenheiro II) se procedeu à análise dos consumos do Trabalhador. [6]
10. O Tribunal a quo omitiu, igualmente, a junção aos autos do processo disciplinar da ficha pessoal / dados biográficos do Trabalhador, com data de 19.07.2013, o qual consta do próprio processo. [7]
11. Por fim, o Tribunal a quo ignorou a auditoria efectuada pelo Departamento de Auditoria Interna, bem como a inclusão do caso do Trabalhador no âmbito da mesma[8], apesar da relevância da mesma, porquanto permitiu:
(i) Por um lado, uma análise detalhada da actuação do Trabalhador, pelo Departamento de Auditoria Interna da EDP que, pela natureza das suas funções, está particularmente vocacionado para a realização deste tipo de análise; e,
(ii) Por outro lado, estabelecer uma comparação, em termos de gravidade, entre a actuação do Trabalhador e a de outros trabalhadores, cujos contratos de fornecimento de energia eléctrica apresentavam igualmente irregularidades e, por essa via, proceder ao correcto e necessário enquadramento disciplinar da conduta daquele.
12. De resto, e sem prejuízo de existir no processo disciplinar suporte escrito relativo à realização da dita Auditoria (designadamente no relatório de instrução, de fls. 18 e 19 do processo), a sua ocorrência, teor e resultados foram demonstrados em sede de audiência de julgamento, pelo que sempre deveria ter sido considerada pelo Tribunal a quo (cf. Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 12.02.2009 [9])”.

A propósito desta questão, o Tribunal da Relação pronunciou-se nos seguintes termos:

“(…)

Por outro lado, pretende ainda a Recrte. que se aditem diligências às que constam do ponto 6, fundando-se em diversos depoimentos.

Contudo, os depoimentos testemunhais não são aptos à prova de tal factualidade, dado o disposto no art. 392º do CC. É que, no que ao procedimento disciplinar respeita, a prova é vinculada conforme decorre do que se dispõe na Clª 4ª/5 do Anexo VI do IRCT aplicável às partes, que obriga à redução a escrito e rubrica de todos os actos processuais. Quer isto dizer, que do próprio procedimento hão-de emergir os actos ali levados a cabo e é apenas e tão só com base naquilo que o próprio procedimento revela que se há-de concluir nesta matéria.

Donde, não tem cabimento legal a apreciação de depoimentos para aquilatar de actos procedimentais.

Por outro lado, compaginado o articulado motivador e a resposta à contestação, também não se vê que tais diligências tivessem sido alegadas.

Deste modo, e quanto ao ponto 6, nenhuma modificação se impõe”.

Uma vez mais, atento o trecho citado, temos de concluir que também nesta parte não assiste razão à Recorrente, porquanto perante a questão colocada pela apelante no sentido de ver alterada a redacção do ponto 6 dos factos provados, o Tribunal da Relação apreciou-a e concluiu que “quanto ao ponto 6, nenhuma modificação se impõe”.

 

E estribou o seu entendimento em duas ordens de razão:

- Por um lado, considerou que a prova testemunhal invocada não era apta a provar a factualidade pretendida pela Recorrente, atento o disposto no art. 392.º, do CC, conjugado com a cláusula 4ª/5 do Anexo VI, do IRCT aplicável;

- E, por outro, considerou que os factos que a Recorrente pretendia que passassem a constar da matéria de facto não foram alegados nem no articulado motivador, nem na resposta à contestação.

Ou seja, ainda que de forma algo perfunctória, o Acórdão recorrido pronunciou-se efectivamente acerca da questão suscitada pela apelante, nas conclusões n.ºs 5 a 13 da apelação, ao referir que nenhuma modificação se impõe ao ponto 6 dos factos provados, não só porque os depoimentos testemunhais são para o efeito inaptos, como também porque a modificação pretendida visa o aditamento de factos não alegados, argumento que, como é evidente, tornou despicienda, por prejudicada, a análise à prova documental também invocada pela Recorrente.

Não se verifica, assim, nenhuma omissão de pronúncia também neste âmbito, sendo certo que, conforme já acima referenciámos, o Tribunal da Relação não estava obrigado a analisar todos os argumentos invocados pela parte para sustentar a sua pretensão.

Termos em que se julgam improcedentes as invocadas nulidades - (conclusões I a III).

3. Da alegada violação de lei adjectiva ou substantiva:

3.1. Nos termos do art. 674º nº 1, alíneas a) e b), do NCPC, são fundamento do recurso de revista a violação ou errada aplicação da lei do processo (cf. alínea b)) e a violação de lei substantiva, que pode consistir tanto no erro de interpretação ou de aplicação, como no erro de determinação da norma aplicável (cf. alínea a)).

No âmbito do recurso de apelação, a Ré invocou a violação de preceitos de natureza adjectiva e de natureza substantiva e imputou à Relação diversos vícios decisórios. Alegação que reitera em sede de revista.

Com efeito, na apelação que interpôs junto do Tribunal da Relação, a R., ora Recorrente, requereu que, com base na reapreciação da prova testemunhal e documental que enunciou, fossem aditadas ao ponto n.º 6 dos factos provados as diligências de investigação que, alegadamente, levou a cabo, fazendo-o previamente à elaboração da nota de culpa, assim como os seus resultados.

Mais concretamente, a Recorrente veio pedir que, em face dos meios de prova que indicou, fosse dado como provado, no âmbito do ponto 6 da fundamentação de facto, o seguinte:

No âmbito da investigação levada a cabo pela EDP previamente à elaboração da nota de culpa, foram realizadas as seguintes diligências:

- realização, no dia 13.05.2013, pelos Senhores JJ e PP, de uma vistoria técnica à instalação eléctrica do trabalhador;

- junção, em data indeterminada, de relatório de vistoria técnica à instalação eléctrica do trabalhador, datado de 13-05-2013 (fls. 2 do processo disciplinar, cujo teor se dá por reproduzido);

- no âmbito da vistoria técnica à instalação eléctrica do trabalhador, verificaram os referidos técnicos que o contador estava desselado na placa de bornes, bem como o limitador de potência, tetrapolar, com calibres de 2x32 A e 1x 40 A, encontrando-se este último queimado e juntado;

- os resultados da vistoria técnica à instalação eléctrica do trabalhador indiciavam modificações manuais ao DCP e ao contador, cuja autoria a EDP, à data, desconhecia;

- comunicação, por email, com conhecimento, entre outros, ao Administrador da empregadora DD, datada de 13-05-2013, relativa a esta vistoria técnica, com envio de fotografias (fls. 6 e 7 do processo disciplinar, cujo teor se dá por reproduzido);

- emissão de ordem de serviço para verificação do equipamento de contagem;

- realização, no dia 16.05.2013, de nova vistoria técnica à instalação eléctrica do trabalhador;

- reunião, em data compreendida entre o dia 13/05/2013 e o dia 21/05/2013, entre a EDP e o instrutor do processo, com vista a definir diligências de investigação a serem realizadas; 

- comunicação, por email, com conhecimento, entre outros, ao referido Administrador, datada de 21.05.2013, solicitando a realização dos actos que constam de fls. 52 dos autos e resposta às questões colocadas, cujo teor se dá aqui por reproduzido; 

- audição, entre os dias 21.05.2013 e 24.05.2013, dos executantes da avaria de 03.02.2013 e da Ordem de Serviço de substituição do DCP, realizada em 07.02.2013, para os efeitos e com os resultados constantes das comunicações de fls. 3, 4 e 5, do processo disciplinar, que se dão aqui por reproduzidos;

- comunicação, por email, dirigida ao mesmo Administrador, datada de 24-05-2013, reportando uma nova vistoria, já realizada, à instalação eléctrica e com as respostas às questões colocadas, referindo que iria proceder-se à substituição do contador (fls. 3 e 4 do processo disciplinar, cujo teor se dá por reproduzido);

- substituição do contador da instalação eléctrica do trabalhador, no dia 31.05.2013;

- audição, em Junho de 2013, junto à residência do Trabalhador, de três leitores que, à data, ainda se mantinham no centro de leitura e que efetuavam leituras às instalações daquele;

- comunicação, por email, dirigida ao referido Administrador, datada de 12-06-2013, de nota relativa aos leitores do local de consumo, constante de fls.56, que aqui se considera reproduzida e datada de 11-06-2013;

- comunicação dirigida por esse Administrador ao instrutor, com a mesma data, remetendo a nota recebida quanto aos leitores;

- comunicação, por email, da Dra. EE – Directora de Recursos Humanos -, datada de 17-06-2013, dirigida ao instrutor do processo, enviando o ficheiro de avaliação do trabalhador, nos anos de 2010 a 2012.  

- análise pelo Departamento de Facturação da EDP, na pessoa da Dra. FF, das leituras constantes do sistema informático, por referência às instalações eléctricas do Trabalhador; 

- comunicação, por email, de FF – responsável pela facturação – datada de 09-07-‑2013 – dirigida ao instrutor do processo, referindo que tinha estado ausente, do dia 04 até esse dia, e que o email anteriormente enviado teria sido devolvido por endereço errado, reportando o envio do ficheiro com a liquidação dos valores que deveriam ter sido facturados ao trabalhador e aqueles que o foram efectivamente, estando junto do referido ficheiro, que aqui se considera reproduzido, de fls. 60 e 61;

- gráfico das leituras introduzidas pelos leitores em sistema e pelo trabalhador, com indicação das respectivas datas, sem inclusão da data da sua elaboração, nos termos de fls. 62, que aqui se consideram reproduzidos;  

- análise pela Área de Gestão de Energia e Combate à Fraude da EDP, na pessoa do Senhor Engenheiro II, das leituras constantes do sistema informático por referência às instalações eléctricas do Trabalhador;

- junção aos autos do processo disciplinar do documento de fls. 15 (ficha pessoal / dados Biográficos do Trabalhador), com data de 19.07.2013, cujo teor se reproduz;

- em finais de Junho de 2013, a EDP solicitou ao Departamento de Auditoria Interna que abrangesse, no âmbito de uma auditoria que estava a ser levada a cabo, os indícios de irregularidades num conjunto de utilizadores (que através da análise de um indicador de auditoria contínua foram identificados, como tendo efectuado operações nos respectivos contratos de cliente), o caso do Trabalhador”;

- foi apresentado e discutido um primeiro relatório da Direcção de Auditoria Interna (RL/13/DAI, de 09/07/2013), em 24/07/2013 (CA da EDP SC), e um segundo relatório complementar (em versão preliminar), em 28/08/2013”;

- comunicação, por email, de GG, datada de 29-08-2013, a informar da disponibilidade para a inquirição do trabalhador, em 03-09-2013, no seguimento de conversa anterior;

- comunicação, por email, do instrutor do processo, datada de 30-08-2013, dirigida àquele GG a agendar a inquirição do trabalhador para 03-09.»

Defende a Recorrente que a realização das invocadas diligências são essenciais para a decisão de direito a tomar no que se refere à eventual caducidade do procedimento disciplinar.

E argumenta reiterando que a demonstração efectiva de todas as diligências de investigação levadas a cabo pela EDP relevam para os seguintes efeitos:

«- afastar o conhecimento da infracção, pelo Conselho de Administração da EDP, aquando do seu despacho de 10 de Maio de 2013;

- demonstrar a existência de um verdadeiro procedimento prévio de inquérito necessário à fundamentação da nota de culpa e, nessa medida, susceptível de determinar a interrupção dos prazos previstos no n.º 2, do artigo 329.º, do CT.»

Conforme já se referiu supra, aquando da análise às invocadas nulidades do Acórdão recorrido, em resposta à pretensão da Recorrente, no sentido de que fossem aditadas diligências às que constam do ponto 6, do elenco dos factos provados, com base em diversos depoimentos testemunhais, a Relação considerou que estes «(…) não são aptos à prova de tal factualidade, dado o disposto no art. 392º do CC».

Acrescentando que:

«(…) No que ao procedimento disciplinar respeita, a prova é vinculada conforme decorre do que se dispõe na Clª 4ª/5 do Anexo VI, do IRCT, aplicável às partes, que obriga à redução a escrito e rubrica de todos os actos processuais. Quer isto dizer, que do próprio procedimento hão-de emergir os actos ali levados a cabo e é apenas e tão só com base naquilo que o próprio procedimento revela que se há-de concluir nesta matéria.

Donde, não tem cabimento legal a apreciação de depoimentos para aquilatar de actos procedimentais.

Por outro lado, compaginado o articulado motivador e a resposta à contestação, também não se vê que tais diligências tivessem sido alegadas.

Deste modo, e quanto ao ponto 6, nenhuma modificação se impõe.»

      

É contra este entendimento que a Recorrente se insurge, em sede de revista, alegando a este propósito que a Relação incorreu em violação de lei substantiva consubstanciada em erro de interpretação, de aplicação e de determinação da norma aplicável, concretamente do disposto nos artigos 339.°, 353.° a 358.° do CT e dos artigos 392º e 396º do CC.

Mais concretamente, diz a Recorrente que:

«Andou mal a Relação ao ter entendido que, por força do disposto no artigo 392° do CC e no artigo 4°, nº 5, do Anexo VI, do IRCT aplicável, a prova das diligências de investigação levadas a cabo pela EDP era vinculada, tendo de ser feita documentalmente (através de redução a escrito e rubrica de todos os actos processuais)» na medida em que «esta disposição do IRCT pretende tão só regular o formalismo do próprio processo disciplinar e não estabelecer uma qualquer proibição ou limitação quanto aos meios de prova admissíveis, designadamente em sede judicial, para efeitos de demonstração das diligências efectuadas no seu âmbito», acrescentando inexistir «fundamento legal que impeça a EDP de demonstrar as diligências efectivadas de investigação prévia à nota de culpa, através de qualquer meio de prova legítimo, designadamente a prova testemunhal».

Invoca, ainda, que: «o regime jurídico constante do Código do Trabalho deve servir, desde logo, como elemento de interpretação do artigo 4°, nº 5, do Anexo VI, do IRCT aplicável (em articulação com o artigo 392° do CC), afastando a vinculação exclusiva a prova documental», e que, «em matéria de cessação do contrato de trabalho, apenas as matérias previstas nos nºs 2 e 3 do artigo 339° do CT podem ser reguladas por IRCT, o que não é o caso das formalidades inerentes ao procedimento disciplinar (artigos 351 ° a 358° do CT), em particular as relativas à forma dos actos», pelo que «ao ter entendido que a prova testemunhal não era apta a fazer prova da factualidade pretendida (efectivação de diligências de prova no âmbito da investigação levada a cabo pela EDP) e que, pelo contrário, por força do artigo 4°, nº 5, do Anexo VI do IRCT, a prova era vinculada, a Relação afastou liminarmente a admissibilidade e força probatória da prova testemunhal, fixadas pelos artigos 392° e 396° do CC e, por essa via, recusou a sua apreciação», concluindo que «tal entendimento consubstancia ofensa às referidas disposições legais (artigo 392° e 396° do CC), que fixam a admissibilidade e força probatória da prova testemunhal».

Vejamos se lhe assiste razão.

3.2. O art. 3º, n.º 1, do Código do Trabalho (CT), estabelece que as normas legais reguladoras do contrato de trabalho podem ser afastadas por Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho, salvo quando delas resultar o contrário.

Por seu turno, o art. 339.º do mesmo diploma estabelece, a propósito da imperatividade do regime de cessação do contrato de trabalho, o seguinte:

«1 - O regime estabelecido no presente capítulo não pode ser afastado por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por contrato de trabalho, salvo o disposto nos números seguintes ou em outra disposição legal.

2 - Os critérios de definição de indemnizações e os prazos de procedimento e de aviso prévio consagrados neste capítulo podem ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.

3 - Os valores de indemnizações podem, dentro dos limites deste Código, ser regulados por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho.»

Trata-se da consagração do princípio da inderrogabilidade, elemento característico da disciplina jurídica da cessação do contrato de trabalho, mediante o qual está vedada, por regra, a consagração de soluções diferentes das da Lei nesta matéria, por convenção colectiva ou por contrato individual de trabalho, salvo nos casos estabelecidos no próprio Código.

A saber: os valores e critérios de definição de indemnizações e os prazos de procedimento e de aviso prévio.

 

O Acórdão recorrido fundamentou, como referimos, a não reapreciação da prova testemunhal pedida pela Recorrente com base no que resulta do ACT publicado no BTE, 1.ª série, n.º 28, de 29-07-2000.

Sob a epígrafe “Processo disciplinar”, a cláusula 87.ª do aludido ACT, estabelece que:

“O processo disciplinar desenvolve-se segundo as normas de regulamento próprio, anexo VI deste ACT, que dele faz parte integrante”.

Este Anexo IV dispõe sobre o “Regulamento Disciplinar” sendo que, a propósito dos actos processuais que integram o processo disciplinar, o n.º 5 do respectivo art. 4º, estatui que:

“Todos os actos processuais deverão ser reduzidos a escrito, assinados e rubricados pelos respectivos intervenientes, não prejudicando a sua validade a recusa comprovada da assinatura dos mesmos por algum deles”.

Ora, do disposto art. 4º, n.º 5, do Anexo VI do ACT, não se extrai uma qualquer proibição ou limitação ao nível dos meios de prova admissíveis para a demonstração das diligências de investigação/instrução efectuadas no âmbito do processo disciplinar, para efeitos de apuramento dos factos que irão ser imputados ao trabalhador na nota de culpa.

E faz sentido que assim seja, na medida em que, como refere Pedro Furtado Martins[10] «o procedimento disciplinar laboral nada prova», porquanto «não serve sequer para dispensar ou aligeirar a posição processual do empregador, que terá de realizar em Tribunal todas as diligências necessárias para provar os factos que invocou para fundamentar o despedimento, ainda que essas diligências instrutórias tenham sido realizadas no decurso do procedimento».[11]

E continua o mesmo Autor:

O legislador não reconheceu ao procedimento disciplinar «especial valor probatório (…) e, por isso mesmo, se exige que o empregador realize de novo a prova em sede judicial, de nada valendo a que tiver sido produzida em sede de procedimento».

E tanto assim é que, do regime jurídico previsto no Código do Trabalho respeitante ao processo disciplinar, não se extrai que todas as diligências realizadas no processo disciplinar tenham de obedecer à forma escrita.

Ou seja, pese embora a lei laboral estabelecer que determinados procedimentos devem ser reduzidos a escrito – cf. arts 353.º, n.º 1 (nota de culpa), 354.º (suspensão preventiva de trabalhador), 355.º, n.º 1 (resposta à nota de culpa), 356.º, n.º 5 (instrução) e 357.º, n.º 6 (decisão de despedimento por facto imputável ao trabalhador) – certo é que não exige a forma escrita para todo o processo disciplinar, mais concretamente, para todas as diligências de investigação/instrução realizadas no seu âmbito.

Neste sentido se pronunciou já esta Secção, do Supremo Tribunal de Justiça, no Acórdão invocado pela Recorrente, proferido no âmbito do processo 08S3965, em 12.02.2009, Relatado por Bravo Serra e disponível em www.dgsi.pt.

Onde se pode ler, nomeadamente o seguinte:
(…)
“VI - Do regime jurídico aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, designadamente dos seus arts. 10.º a 12.º, não se extrai que todas as diligências realizadas no processo disciplinar (e no precedente processo de inquérito se a este houver lugar) tenham de obedecer à forma escrita e, bem assim, que toda a factualidade que é trazida à nota de culpa deva ser esteada em escritos constantes do processo, não se surpreendendo qualquer prescrição normativa da qual decorra a impossibilidade de, no processo disciplinar, poder ser efectuada remissão para documentos existentes no processo de inquérito.
VII - Não sendo exigível a forma escrita para todo o processo disciplinar (recte, para todas as diligências aí realizadas, ainda que com a finalidade de obtenção de prova), não é possível sustentar que a demonstração de determinadas realidades em juízo só é possível de ser levada a efeito, se desse processo constarem os respectivos dados escritos” - sublinhado nosso.

Assim sendo, e considerando também que as formalidades inerentes ao processo disciplinar, em particular as relativas à forma dos actos, não integram as matérias previstas no n.º 2, do citado art. 339.º, que excepcionalmente podem ser reguladas por Instrumento de Regulamentação Colectiva de Trabalho (critérios de definição de indemnizações, prazos de procedimento e de aviso prévio), não poderá o disposto no art. 4º, n.º 5, do Anexo VI, do ACT, invocado pela Ré Recorrente EDP, ser interpretado no sentido de impor a forma escrita para todas as diligências de investigação/instrução realizadas no âmbito do procedimento disciplinar instaurado contra o trabalhador.

Razão pela qual, nesta parte, não podemos subscrever o entendimento do Tribunal da Relação quando o mesmo defende não haver cabimento legal para a apreciação de depoimentos testemunhais para aquilatar dos actos ou diligências de investigação praticados no decurso do processo disciplinar instaurado contra trabalhador/Autor.

Ao contrário do que a Relação argumenta, a prova testemunhal é indispensável neste domínio – como em quase todos aqueles para os quais não se exija outro meio de prova com força probatória plena - para aferição e conhecimento dos factos que foram praticados e que servem para fundamentar quer os factos constitutivos do direito de quem o invoca e se arroga seu titular, quer os factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado.

Sendo embora verdade o que antecede, não se pode daí extrair, sem mais, as consequências pretendidas pela Ré Recorrente.

Vejamos porquê.

3.3. Sucede porém que, a Relação, para além de defender a inaptidão da prova testemunhal para dar como provadas as diligências de investigação pretendidas pela R. - entendimento que, conforme ressalta do ponto anterior, não podemos sufragar – invocou também no Acórdão recorrido que, as diligências que a Recorrente pretende ver aditadas ao elenco descrito no ponto 6, não foram alegadas nem no articulado motivador, nem na resposta à contestação, pelo que, também por esse motivo, deveria manter-se inalterada a respectiva redacção.

Com efeito, pode ler-se no Acórdão recorrido o seguinte:

Por outro lado, compaginado o articulado motivador e a resposta à contestação, também não se vê que tais diligências tivessem sido alegadas.

Deste modo, e quanto ao ponto 6, nenhuma modificação se impõe”.

A este propósito, a Recorrente veio invocar que:

“A Relação não explica ou fundamenta a referência que faz à alegada circunstância de as diligências cujo aditamento é pretendido pela EDP não terem sido invocadas no articulado motivador do despedimento e de resposta à contestação do Trabalhador”, e defende que “atento o disposto no n° 2 do artigo 5° do CPC, tais diligências podiam e deviam ter sido tidas em conta na fundamentação do Acórdão”.

Esta questão prende-se com a fixação dos factos materiais e com o julgamento da matéria de facto.

 

Ora, decorre do disposto no art. 662.º, n.º 1, do CPC, que a Relação pode alterar a decisão proferida sobre a matéria de facto fixada pela 1.ª instância, se os factos tidos como assentes, a prova produzida ou um documento superveniente impuserem decisão diversa.

E o n.º 2 desta norma estabelece que a Relação poderá também, ex officio:
“a) Ordenar a renovação da produção da prova quando houver dúvidas sérias sobre a credibilidade do depoente ou sobre o sentido do seu depoimento;
b) Ordenar, em caso de dúvida fundada sobre a prova realizada, a produção de novos meios de prova;
c) Anular a decisão proferida na 1.ª instância, quando, não constando do processo todos os elementos que, nos termos do número anterior, permitam a alteração da decisão proferida sobre a matéria de facto, repute deficiente, obscura ou contraditória a decisão sobre pontos determinados da matéria de facto, ou quando considere indispensável a ampliação desta;
d) Determinar que, não estando devidamente fundamentada a decisão proferida sobre algum facto essencial para o julgamento da causa, o Tribunal de 1.ª instância a fundamente, tendo em conta os depoimentos gravados ou registados”.

Nos termos do citado preceito legal, a decisão do Tribunal de 1.ª instância sobre a matéria de facto pode ser alterada pela Relação, atribuindo-se a esta o poder de proceder não só à reponderação da decisão recorrida, como também ao reexame da causa, determinando a renovação dos meios de prova produzidos pela 1.ª instância ou, inclusivamente, a produção de novos meios de prova, nas circunstâncias ali previstas.

A determinação dos factos pela Relação, após a reapreciação da prova, deve decorrer da análise crítica dos elementos probatórios para o efeito apreciados, de acordo com a própria convicção que a Relação sobre eles forma, sem quaisquer limitações, a não ser as impostas pelas regras de direito probatório material, ou seja, pelas regras que atribuem força probatória plena a determinados meios de prova e/ou pelas que impõem que a prova de determinado facto se faça por certo meio probatório.

Como explicita Abrantes Geraldes[12], importa ponderar que:

«(…) Sendo a decisão do Tribunal a quo o resultado da valoração de meios de prova sujeitos à livre apreciação (…) a Relação, assumindo-se como verdadeiro Tribunal de instância, está em posição de proceder à sua reavaliação, expressando, a partir deles, a sua convicção com total autonomia. Afinal nestes casos, as circunstâncias em que se inscreve a sua actuação são praticamente idênticas às que existiam quando o Tribunal de 1ª instância proferiu a decisão impugnada, apenas cedendo nos factores da imediação e oralidade.

Fazendo incidir sobre tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º) deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: conformar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo.»

Estes amplos poderes de reapreciação da matéria de facto conferidos à Relação não são, no entanto, extensíveis ao Supremo Tribunal de Justiça, o que bem se compreende num contexto em que é atribuída a este último Tribunal competência privilegiada para apreciar questões de direito, deixando para as instâncias a circunscrição dos factos.

Efectivamente, em sede de revista, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça, no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante, é residual e destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, nos termos conjugados dos artigos 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, do NCPC, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 deste último preceito legal.

Na verdade, dispõe o n.º 3 do referido art. 674.º que, o erro na apreciação das provas e na fixação dos factos materiais da causa não pode ser objecto de recurso de revista, salvo havendo ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Por seu lado, preceitua o n.º 2 do citado art. 682.º que, a decisão proferida pelo Tribunal recorrido quanto à matéria de facto não pode ser alterada, salvo o caso excepcional previsto no n.º 3 do artigo 674º.

É que, com a ressalva do condicionalismo exceptivo decorrente da ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o Supremo Tribunal de Justiça, enquanto Tribunal de revista, não pode alterar a matéria de facto fixada nas instâncias recorridas.

Com efeito, sobre esta matéria já nos pronunciámos por diversas vezes, expressando o entendimento que pode ser recolhido, entre outros, no Acórdão desta Secção, datado de 14/01/2016, onde se pode ler, nomeadamente que[13]:


“I - Ao Supremo Tribunal de Justiça, em regra, apenas está cometida a reapreciação de questões de direito (art. 682º, nº 1, do NCPC), assim se distinguindo das instâncias encarregadas também da delimitação da matéria de facto e da modificabilidade da decisão sobre tal matéria.
II – Esta restrição não é absoluta, como decorre da remissão que o nº 2 do art. 682º faz para o art. 674º, nº 3, norma que atribui ao Supremo a competência para sindicar o desrespeito de lei no que concerne à violação de norma expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou à inatendibilidade de meio de prova dotado de força vinculada”.

Nestes termos, o Supremo Tribunal de Justiça, só pode alterar a decisão proferida pelo Tribunal recorrido no respeitante à matéria de facto quando, nessa fixação, tenha havido ofensa de uma disposição expressa de lei que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força probatória de determinado meio de prova.

Ou seja, quando tiver sido dado como provado determinado facto sem que tenha sido produzido o meio de prova de que determinada disposição legal faz depender a sua existência, quando determinado facto tenha sido dado como provado por ter sido atribuído a determinado meio de prova uma força probatória que a lei não lhe reconhece ou quando um facto tenha sido dado como não provado por não ter sido atribuído a determinado meio de prova a força probatória que a lei lhe confere.

3.4. Na situação dos autos, a Relação considerou que, independentemente da reapreciação da prova solicitada pela Recorrente, as diligências que esta pretende ver aditadas ao elenco descrito no ponto 6, não foram alegadas, pelo que foi também com base neste argumento que indeferiu a pretensão da Recorrente, mantendo inalterada a redacção dada pela 1.ª instância ao sobredito ponto 6.

E de facto assim é.

Cotejados os autos constata-se, conforme se expressou em ponto anterior, que as diligências que a Recorrente pretendia que fossem também dadas como provadas não foram alegadas – cf. arts. 33.º a 46.º do seu articulado, em resposta à excepção de caducidade da acção disciplinar invocada pelo trabalhador.

E os factos alegados nos artigos 36.º e 37.º da resposta à contestação, são factos que resultam do relatório de instrução constante de fls. 18 a 22, cujo teor foi dado como provado pela 1.ª instância, que o deu por reproduzido no ponto 8 dos factos provados, pelo que o seu aditamento sempre seria redundante.

Porém, a Recorrente alega ainda que, “atento o disposto no n° 2 do artigo 5° do CPC, tais diligências podiam e deviam ter sido tidas em conta na fundamentação do Acórdão”.

Conclusão que não podemos, contudo, corroborar, porquanto o invocado preceito, sob a epígrafe “ónus de alegação das partes e poderes de cognição do Tribunal”, dispõe nos seguintes termos:


“1 - Às partes cabe alegar os factos essenciais que constituem a causa de pedir e aqueles em que se baseiam as excepções invocadas.
2 - Além dos factos articulados pelas partes, são ainda considerados pelo juiz:
a) Os factos instrumentais que resultem da instrução da causa;
b) Os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa, desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar;
c) Os factos notórios e aqueles de que o Tribunal tem conhecimento por virtude do exercício das suas funções.(…)”.

Decorre do n.º 1, da citada norma, que impende sobre as partes o ónus da alegação dos factos principais da causa, ou seja, os que integram a causa de pedir, bem como aqueles em que se baseiam as excepções.

Trata-se de um dever interligado ao princípio do dispositivo, que se traduz no encargo para as partes de afirmarem os factos principais constitutivos ou integradores do seu direito ou da(s) excepção(ões) invocados.

Por seu turno, o n.º 2 do mesmo normativo prevê expressamente o dever que impende sobre o Juiz de tomar em consideração os factos que sejam complemento ou concretização dos que as partes hajam alegado e resultem da instrução da causa – factos complementares ou concretizadores - desde que sobre eles tenham tido a possibilidade de se pronunciar.

No caso dos autos, a Relação não ponderou, de facto, da eventual verificação, ou não, das condições necessárias à consideração dos factos alegados pela Recorrente nos termos do disposto no n.º 2, do citado art.º 5.º.

No entanto, essa opção assumida pela Relação está ligada quer ao poder de reapreciação da decisão da matéria de facto estabelecido no art.º 662.º, do NCPC, quer à liberdade de julgamento garantida pelo princípio da livre apreciação das provas, a que alude o art. 607.º, n.ºs 4 e 5, do NCPC, não sendo por isso sindicável por este Supremo Tribunal.

Assim sendo, o Supremo Tribunal de Justiça está impedido de apreciar a intervenção da Relação neste âmbito, não cabendo nos seus poderes cognitivos pronunciar-se sobre se a Relação deveria, ou não, ter tido em conta na fundamentação do Acórdão as diligências que a Recorrente queria ver aditadas, ao abrigo do disposto no n° 2 do artigo 5° do CPC.

É que, conforme já referimos supra, a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante destina-se exclusivamente a apreciar a observância das regras de direito material probatório, nos termos conjugados dos arts. 674.º, n.º 3 e 682.º, n.º 2, do CPC, ou a mandar ampliar a decisão sobre a matéria de facto, nos termos do n.º 3 deste último preceito legal.

Está, por isso, limitada à apreciação da observância das regras de direito probatório material (denominada prova vinculada), ficando fora do seu âmbito de competência a reapreciação da matéria de facto fixada pela Relação no domínio da faculdade prevista no art.º 662.º do NCPC.

Ora, no caso concreto, o fundamento usado pela Relação para manter inalterada a redacção do ponto 6), nos termos pretendidos pela Recorrente, não constitui inobservância de qualquer regra de direito probatório material, nem resulta da ofensa de lei expressa que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova.

Com efeito, não só a lei não exige determinada espécie de prova para demonstrar a existência dos factos que a Recorrente pretendia que fossem dados como provados, como também os meios de prova enunciados pela Recorrente – testemunhas e processo disciplinar - não são dotados de força probatória específica, ou especial, e, por consequência, encontram-se sujeitos à livre apreciação do julgador (arts. 366.º e 396° do CC), não constituindo, nessa medida, meios de prova vinculada, que deva ser, necessariamente, observada.

3.5. Temos presente que a intervenção do Supremo Tribunal de Justiça no âmbito do apuramento da matéria de facto relevante pode também ocorrer quando se entenda que a decisão de facto pode e deve ser ampliada, em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito, nos termos do n.º 3 do art.º 682.º, do CPC.

Mas para tal, exigia-se que os factos tivessem sido oportunamente alegados.

O que não foi o caso.

A este propósito, pode ler-se, em Abrantes Geraldes[14], que:

“Verificada a necessidade de ser ampliada a matéria de facto, por forma a permitir a correcta aplicação do direito, o Supremo determina a remessa dos autos à Relação para que nesta (ou, por determinação desta, na 1.ª instância) se apreciem os factos que, tendo sido oportunamente alegados, não foram objecto de decisão positiva ou negativa” - (sublinhado nosso).

Ou, conforme se sumariou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça, de 17.04.2007[15]:

O Supremo Tribunal de Justiça pode/deve ordenar oficiosamente a baixa do processo, quando, ao julgar do fundo ou mérito da causa, chegar à conclusão de que há matéria de facto articulada, controvertida e de grande relevância, carecida de investigação em ordem a constituir base suficiente para a decisão de direito” - (sublinhado nosso).

No entanto, no caso concreto, mostra-se inviável o reenvio do processo nos termos e para os efeitos previstos no art.º 682.º, n.º 3, do CPC, na medida em que os factos que a Recorrente pretende aditar ou não foram alegados, e/ou já resultam da decisão da matéria de facto proferida pelas instâncias.

Por conseguinte, conclui-se pela inocuidade da recusa do Tribunal da Relação em reapreciar a prova testemunhal com fundamento na sua inaptidão, por não ser possível extrair os efeitos probatórios pretendidos pela Recorrente.

Improcede, assim, o recurso de revista também nesta parte - (conclusões IV a XXV).

4. Da caducidade do procedimento disciplinar:

4.1. Nesta revista, a Recorrente vem igualmente insurgir-se contra o Acórdão recorrido na parte em que ali se julgou procedente a excepção de caducidade do procedimento disciplinar invocada pelo trabalhador na resposta à contestação.

Sucede, porém, que a improcedência do presente recurso, agora apreciado em sede de revista, relativamente à decisão sobre a matéria de facto, prejudica o conhecimento desta questão, na medida em que o decidido acerca da caducidade do procedimento disciplinaruma vez assente nos mesmos factos, porquanto se mantém a decisão proferida sobre a matéria de facto - encontra-se a coberto da dupla conformidade quanto à matéria de direito, face à confirmação existente entre as decisões proferidas pelas instâncias sobre esta matéria.

Sobre tal matéria já nos pronunciámos abundantemente no processo de reclamação, por Acórdão transitado em julgado, para cuja fundamentação se remete e se mostra transcrita, na parte mais relevante, no relatório deste Acórdão, no seu ponto 12), a págs. 7 e segts.

E a ocorrência de dupla conformidade de julgados, nos termos assinalados, é circunstância que obsta ao seu conhecimento por parte deste Supremo Tribunal, por força do preceituado no n.º 3, do artigo 671.º, do Novo Código de Processo Civil.

4.2. Assim sendo, decide-se não conhecer do presente recurso de revista nesta parte - (conclusões XXVI a XLIII).

IV – DECISÃO:

- Termos em que se acorda:


a) Não conhecer do recurso na parte respeitante à excepção de caducidade do procedimento disciplinar;

b) Negar a revista quanto ao demais, mantendo-se o Acórdão recorrido com os presentes fundamentos.

- Custas a cargo da R., parte vencida.

- Anexa-se sumário do presente Acórdão.

Lisboa, 07 de Julho de 2016.

Ana Luísa Geraldes (Relatora)

Ribeiro Cardoso

Pinto Hespanhol



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[1] Cf. neste sentido, por todos, José Lebre de Freitas, Montalvão Machado e Rui Pinto, in “Código de Processo Civil Anotado”, Vol. 2º, Coimbra Editora, págs. 645 e segts., reiterando a posição anteriormente expressa por Alberto dos Reis, in “CPC Anotado”, Vol. V, pág. 143, e que se mantém perfeitamente actual nesta parte, em face dos preceitos correspondentes e que integram o Novo CPC.
[2] Cf. Alberto dos Reis, in “Código de Processo Civil Anotado”, Volume V, Reimpressão, 1981, p. 143.
[3] Cf. email anónimo de 08.05.2013 (junto aos autos por requerimento de 07.04.2014); Vistoria ao Ponto de Medição (fls. 2 do processo disciplinar); email de 13.05.2014 (fls. 6 e 7 do processo disciplinar); email de 21.05.2013 (fls. 5 do processo disciplinar); comunicação de 24.05.2013 (fls. 3 e 4 do processo disciplinar); nota relativa à informação obtida junto dos leitores (fls. 8 e 9 do processo disciplinar); depoimentos parcialmente transcritos, nas alegações supra, do Senhor Administrador DD e das testemunhas II (responsável pela Gestão de Energia e Combate à Fraude), JJ (técnico), KK (técnico), LL (técnico), MM (leitor) e NN (leitora).
[4] Cf. fls. 13 e 14 do processo disciplinar; o depoimento da Dra. FF, parcialmente transcrito nas alegações supra.
[5] Cf. fls. 12 do processo disciplinar.
[6] Cf. o depoimento da testemunha II (Responsável pela Área de Gestão de Energia e na Unidade de Combate à Fraude), parcialmente transcrito nas alegações supra.
[7] Cf. fls. 15 do processo disciplinar.
[8] Cf. relatório (Instrução) de fls. 18 e segts. do processo disciplinar; o depoimento de parte do Senhor Administrador da EDP, Dr. DD, parcialmente transcrito nas alegações supra; o depoimento do Dr. OO (Direcção de Auditoria Interna).
[9] In www.dgsi.pt.
[10] Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3.ª edição, p. 182-183.
[11] Sublinhado nosso.
[12] Neste sentido, cf. António dos Santos Abrantes Geraldes, in “Recursos no Novo Código de Processo Civil”, Almedina, 2.ª Edição, 2014, págs. 235 e segts.
[13] Neste sentido o Acórdão do STJ, desta Secção, proferido no Âmbito do processo nº1391/13.9TTCBR.C1.S1, Relatado pela aqui Relatora e disponível em www.dgsi.pt.
[14] Neste sentido, António Santos Abrantes Geraldes, Ibidem, págs. 365 e segts.
[15] Cf. Acórdão proferido no âmbito da Revista n.º 472/07 - 1.ª Secção, Relator Faria Antunes e disponível em www.dgsi.pt.