Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 7.ª SECÇÃO | ||
Relator: | NUNO ATAÍDE DAS NEVES | ||
Descritores: | PODERES DA RELAÇÃO RECURSO DA MATÉRIA DE FACTO ALTERAÇÃO DOS FACTOS NULIDADE DE ACÓRDÃO EXCESSO DE PRONÚNCIA ERRO DE JULGAMENTO DIVORCIO SEM CONSENTIMENTO SEPARAÇÃO DE FACTO VIDA EM COMUM DOS CÔNJUGES DEVERES CONJUGAIS | ||
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Data do Acordão: | 09/15/2022 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA | ||
Decisão: | NEGADA | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - Verifica-se a nulidade da decisão por excesso de pronúncia (art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC) quando o tribunal aprecia questões de facto ou de direito que não tenham sido invocadas pelas partes ou que não sejam de conhecimento oficioso. II - Procedendo a Relação, no âmbito do recurso da matéria de facto, à apreciação do momento a partir do qual um dos cônjuges deixou de ter qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum do casal, e sendo este momento controvertido nos autos, não se verifica excesso de pronúncia quando delimita temporalmente esse mesmo momento, considerando provado que tal ocorreu, “pelo menos” a partir da propositura da ação de anulação do casamento. Trata-se de mera alteração do facto, inequivocamente consentida pelo leque de poderes atribuído ao tribunal da Relação pelo art. 662.º, n.º 1, do CPC. III - Também não se verifica excesso de pronúncia pelo facto de a Relação considerar provado determinado facto que, sendo instrumental ou complementar da relação jurídica material constitutiva da causa de pedir e com interesse para a melhor decisão da causa, e que, embora não tenha sido expressamente alegada em sede de petição inicial, foi invocada em sede de recurso de apelação, tendo sobre a mesma ocorrido debate entre as partes. IV - Chamada a Relação a ponderar e decidir se, perante os factos provados, é possível concluir pela “rutura definitiva do casamento”, nos termos do art. 1781.º, al. d), do CC, e concluindo a Relação pela afirmativa, não pode o cônjuge insatisfeito com tal conclusão reagir sob a perspetiva da nulidade da decisão por excesso de pronúncia, pois tal reação pertine sim com o eventual erro de julgamento, tanto quanto é evidente que a Relação se limitou a apreciar a questão colocada pelas partes em sede de recurso de apelação. V - O conceito de “rutura definitiva do casamento” ínsito na al. d) do art. 1781.º do CC consagra uma cláusula geral objetiva que, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges na sua constatação, pressupõe uma conjuntura de facto, de cujos contornos objetivos e também subjetivos não possa retirar-se outra conclusão se não a de que o casamento já não tem salvação possível, sendo inequívoca a sua ruína e o seu fim. VI - Não podendo a separação de facto por sete meses consecutivos relevar para efeitos da al. b) do art. 1781.º do CC, que exige que a mesma perdure por mais de um ano, não deixa tal inexistência de contactos entre os cônjuges de relevar para efeitos de preenchimento da cláusula geral da rutura definitiva do casamento (al. d) do mesmo normativo), quando articulada ou acompanhada da circunstância subjetiva inerente à firme vontade de um ou ambos os cônjuges de não reatar(em) vida em comum, revelando-se incumpridos e violados os deveres conjugais de coabitação e assistência, independentemente da culpa de qualquer dos cônjuges, ficando absolutamente bloqueada a possibilidade de vir o casamento e recuperar qualquer vitalidade, assim se constatando preenchida a al. d) do art. 1781.º do CC. | ||
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Decisão Texto Integral: | Relatório AA, entretanto, falecido, instaurou a presente ação especial de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, contra BB, residente na Praceta ..., ..., ..., ..., pedindo que se declare dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado entre ambos. Para tanto alega, em síntese, ter celebrado casamento com a Ré em 31/12/2012, sem convenção antenupcial; Em 18/12/2015, instaurou ação pedindo que o casamento fosse anulado, encontrando-se essa ação a correr termos na ... secção do Tribunal de Família e Menores ..., Juiz ..., sob o n.º 6095/15....; Logo no primeiro dia do casamento, a Ré negou-se a beijar o Autor e, nessa mesma noite, negou-se a dormir com ele; No segundo dia de casamento, a Ré saiu de casa, onde não regressou durante dois dias;
Por ação e por omissão, a Ré negou qualquer afeto e intimidade ao Autor, com quem nunca manteve relações sexuais; Sai de casa e raras vezes volta para nela pernoitar e, das raras vezes em que pernoitou em casa, recusa-se a dormir no mesmo quarto em que dorme o Autor; A Ré nunca confecionou refeições ao Autor e não lhe presta qualquer auxílio, apesar deste ser já idoso e estar cada vez mais debilitado; Trata o Autor com indiferença, chamando-o de “velho” e “pés a rasto”, em frente de qualquer pessoa; A Ré conseguiu convencer o Autor para que passasse a figurar como titular nas contas bancárias deste e para que fosse ela a administrar a reforma daquele e apoderou-se de diversas quantias que se encontravam depositadas nessas contas (que concretiza), sem o conhecimento e o consentimento do Autor, e sem que este conheça o uso que aquela deu a esse dinheiro; Acresce que poucos dias após o casamento, a Ré passou a manter relacionamento sexual com outra pessoa, com quem coabita no apartamento daquela e com quem mantinha relacionamento sexual, inclusivamente, quando o Autor se encontrava nesse apartamento, sendo este obrigado, durante a noite, a ouvir os gemidos e ruídos da Ré em atos sexuais com o amante; Conclui que, face a este circunstancialismo, não existe comunhão de vida entre Autor e Ré e que nunca houve qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal. Notificou-se o Autor para explicitar a aparente contradição decorrente de ter instaurado a presente ação de divórcio, quando alega ter instaurada uma outra, tendente a obter a declaração de invalidade desse casamento, ação essa que alega encontrar-se ainda pendente. O Autor respondeu sustentando que não existe contradição alguma nesse seu procedimento e que entre a presente ação e aquela outra não existe qualquer nexo de prejudicialidade, dado que intentou a presente ação de divórcio com vista a salvaguardar-se contra a eventualidade daquela outra vir a improceder. No entanto, sustenta que, na sua perspetiva, é pertinente que a presente ação de divórcio aguarde a prolação de decisão, transitada em julgado, a proferir no âmbito daquela outra ação. Por despacho de 23/11/2016, oficiou-se ao Processo n.º 6095/15...., no sentido de informar se nele já tinha sido proferida sentença, transitada em julgado. Por requerimento entrado em juízo em .../06/2017, CC, filho do Autor, informou que este faleceu em .../.../2017 e requereu que a presente ação de divórcio prosseguisse os seus termos legais, para efeitos patrimoniais, com os herdeiros do falecido Autor. Em 11/10/2017, foi junta aos presentes autos certidão do acórdão proferido por esta Relação em 14/06/2017, com nota do respetivo trânsito em julgado, que confirmou a sentença proferida pela 1ª Instância, no âmbito do Proc. n.º 6095/15...., que julgou essa ação totalmente improcedente e absolveu a aí (e aqui) Ré do pedido. Em 01/02/2018, o identificado CC instaurou incidente de habilitação dos sucessores do falecido Autor, requerendo que fossem julgados habilitados os herdeiros deste, a fim de prosseguirem na presente ação, ocupando a posição jurídico-processual que antes era ocupada pelo falecido. Por sentença proferida em .../.../2018, entretanto transitada em julgado, foram habilitados como sucessores do falecido Autor, CC e DD, filhos do falecido, a fim de prosseguirem a presente ação, ocupando a posição jurídica-processual que antes era ocupada pelo falecido. Por despacho de 23/09/2020, ordenou-se a notificação da Ré (já citada no incidente de habilitação de herdeiros), para contestar, querendo, a presente ação. A Ré não contestou.
Em 04/12/2020, proferiu-se despacho saneador tabelar, fixou-se o valor da presente causa em 30.000,01 euros, o objeto do litígio e os temas da prova, que não foram alvo de reclamação, conheceu-se do requerimento probatório apresentado pelo Autor e designou-se data para a realização de audiência final. Realizada a audiência final, em 25/06/2021, foi proferida sentença que julgou a ação totalmente improcedente e absolveu a Ré do pedido.
Inconformados com o assim decidido, os herdeiros habilitados do falecido Autor interpuseram recurso de apelação, vindo a ser proferido Acórdão que julgou a apelação procedente, com o seguinte dispositivo: “ A - introduzem as alterações supra identificadas ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância; B - revogam a sentença recorrida e substituem a decisão de mérito nela proferida por outra em que, na procedência da presente ação, declaram, para efeitos exclusivamente patrimoniais, dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado em .../.../2013, entre o falecido AA e a apelada, BB.”
Inconformada com esta decisão, dela veio a Ré interpor recurso de revista para este Supremo Tribunal, oferecendo as suas alegações, cujas conclusões são as seguintes: I - Tratando-se de revista excecional, competirá à distinta formação de Juízes Conselheiros a verificação dos pressupostos de admissibilidade do presente recurso. II - Salvo o devido respeito, que é muito, pelo(a)(s) Senhor(a)(e)(s) Juízes Desembargadores, e pela instituição que é um Tribunal da Relação, que prolataram o Douto Acórdão recorrido, que alterou, sem voto de vencido, a douta sentença proferida na 1.ª instância, alterando um dos factos não provados, nomeadamente facticidade da alínea ee), anteriormente com a seguinte redação “não existe qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal”, passando então a constar dos factos não provados a seguinte redação “ Não existe qualquer vontade ou propósito da Ré de reatar a vida em comum com AA”, e ainda, aditou ao elenco dos factos provados aseguinte factualidade “ Desde pelo menos 18/12/2015 e até ao seu falecimento, AA não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até ao seu falecimento”
Mais se apurou que desde pelo menos, 18/12/2015 e até ao seu falecimento, AA não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até à sua morte (ponto 7º dos factos apurados). A presente ação de divórcio foi instaurada em 20/07/2016, quando se encontravam decorridos pelo menos sete meses sobre o início da separação do casal constituído pelo falecido AA e pela Ré e em que, consequentemente, não se mostrava decorrido o prazo legal mínimo fixado na al. a) do art. 1781 do CC para que ficasse conferido a AA o direito potestativo de se divorciar da Ré, beneficiando da presunção inilidível de rutura do casamento de ambos fixada nesse preceito legal.
No entanto, a causa de pedir em que o falecido AA fundou o seu pedido de divórcio da Ré (apelada) não é a separação de facto, mas antes a rutura definitiva do seu casamento, isto é, na al. d) do art. 1781º do CC. Conforme já enunciado, a rutura definitiva do casamento pode ter por base a violação dos deveres conjugais, ainda que tal violação seja imputável ao próprio cônjuge, requerente do divórcio. (sublinhado e negrito nosso). Acresce que em 18/12/2015 o falecido AA instaurou a ação n.º 6095/15...., pedindo que o casamento que celebrou com a Ré fosse declarado inválido.
A instauração dessa ação não pode deixar de significar uma violação grave do dever de respeito de AA para com a Ré, na medida em que respeitar o outro cônjuge é, além do mais, não lesar a sua integridade física ou moral, sendo ofensivos da integridade moral quaisquer palavras ou atos que ofendam a honra do outro – a honra em geral e aquela honra especial ligada ao casamento – ou ainda a sua reputação e a consideração social de que goza20 e não deixa de ser profundamente desrespeitoso da honra devida pelo falecido AA para com a sua cônjuge (Ré) instaurar uma ação pedindo que o casamento de ambos seja invalidado, deixando perante o público em geral o seu firme propósito de não pretender manter esse casamento, mas antes, pelo contrário, a sua aversão à Ré era de tal ordem que o mesmo pretendia que o casamento que celebrou com a mesma fosse invalidado, sendo, portanto, eliminado, ab initio, da ordem jurídica. (sublinhado e negrito nosso)
Essa atitude do falecido AA para com a Ré, para além de ser objetivamente e em elevado grau desrespeitosa para com a última, quando considerada na sua verdadeira e plena dimensão, apenas pode significar uma rutura definitiva e irreversível da relação matrimonial entre os cônjuges.
Os identificados comportamentos (fundados ou infundados) do falecido AA perante a Ré, além de consubstanciarem uma violação grave e reiterada dos deveres conjugais de coabitação, assistência e respeito, que à data da propositura da presente ação, perduravam, como dito, há pelo menos sete meses, quando objetivamente considerados, não podem ter outra significância que não seja que, à data em que instaurou, em .../.../2016, a presente ação de divórcio, já não existia entre ele e a Ré, em termos definitivos e objetivos, qualquer réstia de comunhão de vida, que é própria da instituição matrimonial, inexistindo entre eles, de modo irreversível, casamento.
Resulta do que se vem dizendo, que não se perfilha da decisão de mérito proferida pela 1ª Instância, quando considera não estarem preenchidos os requisitos legais para o decretamento do divórcio entre o falecido AA e a Ré, previstos na al. d) do art. 1779º do CC, antes pelo contrário, conforme se acaba de demonstrar, esses requisitos encontram-se plenamente preenchidos, impondo-se julgar procedente a presente apelação e, em consequência, revogar a sentença recorrida
III - E assim com este entendimento acima transcrito o Tribunal “A quo” decretou o divórcio entre as partes, pelo que, afigura-se ao Recorrente que, em relação à decisão proferida nos presentes autos: (i) está em causa questões cuja apreciação, pela sua relevância jurídica, é claramente necessária para uma melhor aplicação do direito, sendo elas, DUAS questões essenciais, que a ora Recorrente pretende que os Venerandos Conselheiros se pronunciem.
IV - A primeira prende-se com o facto do Tribunal recorrido pronunciar-se sobre o período temporal em que ocorreu a separação de facto do casal, uma vez que este facto não vem alegado na petição inicial, sendo este um requisito essencial quando versa sobre o divórcio sem consentimento, nem tão pouco consta das conclusões do recurso apresentado pelo Autor/Recorrente a invocação da separação para efeitos de preenchimento da alínea a) ou d) do artigo 1781.º do Código Civil (CC).
V - Considerando assim que o douto Acórdão Recorrido ao aditar aos factos provados o seguinte texto “ Desde pelo menos 18/12/2015 e até ao seu falecimento, AA não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até ao seu falecimento”, viola o disposto na legislação, pois como se sabe o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC, ora, como entende a recorrente a separação de facto para efeitos de preenchimento da alínea a) ou d) do artigo 1781.º do C.C, nunca foi ao longo dos autos elencado pelo Autor Recorrente, por outro lado, tal matéria não tange as questões de conhecimento oficioso pelo Tribunal, nesta medida ao conhecer da questão e alterar os factos provados com fundamento nesta matéria, incorre o Tribunal “A quo”, no excesso de pronúncia. Nos termos do disposto nos artigos 674.º n.º 1 al. c) Ex vi art. 615.º n.º 1 al. c) ambos do C.P.C. Ao nosso entendimento o excesso de pronúncia ocorre pelo menos duas vezes na decisão que se pretende revogar, incidindo sempre sobre factos essências para se aferir pela manutenção ou dissolução do casamento.
Do excerto acima transcrito e destacado por nós com sublinhado e negrito, se verifica que o Acórdão recorrido considerou existir violação dos deveres conjugais suficientes para demonstrar a ruptura definitiva do casamento, não pela Ré como alegou o autor em seus articulados (Petição Inicial e Recurso de apelação), mas sim pelo Autor, sendo este o momento em que ocorre o excesso de pronúncia.
VI - Verificando-se novamente o excesso de pronúncia, no momento em que conhece sobre factos não alegados, que não são de conhecimento oficioso, factos que são essenciais quando incidentes sobre a matéria do divórcio sem consentimento do outro cônjuge, pelo que, implica a nulidade do Acórdão que a Recorrente pretende ver declarada.
VII - A segunda questão a apreciar e com especial relevância para o caso, é o facto do Acórdão recorrido considerar que o autor ao intentar duas ações contra a ré, sendo uma de anulação do casamento, proc. 6095/15...., do ..., Juiz ...,e outra de divórcio sem consentimento, processo 3395/16...., Juízo de Família e Menores ... - Juiz ..., que deu origem ao presente recurso, são bastantes para demonstrar a ruptura definitiva do casamento, nos termos da alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil (CC), pois como bem se entende ao bastar a vontade de se divorciar, assente através da propositura das ações, remete-nos ao divórcio pedido, que não é reconhecido no nosso ordenamento jurídico.
VIII - Destarte, dos factos provados em sede da primeira instância e mantidos pela Relação, não se assaca qualquer outro requisito suficiente para se decretar o divórcio, além da rutura definitiva do casamento nos termos da alínea d) do artigo 1781.º do CC, que ficou demonstrada segundo o entendimento da Relação pela propositura das referidas ações. E ao ser assim, com todo o respeito que nos é devido por aquele Tribunal Superior e salvo melhor entendimento, não se encontram preenchidos os requisitos da alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil.
IX - O Acórdão recorrido encontra-se em contradição com um outro ou outros Acórdãos, já transitados em julgado, como exemplo o proferido pelo Tribunal da Relação de Évora de 19/12/2013, no âmbito do proc. n.º 4690/11.0TBPTM.E1, cujo relator foi o Ex.mo Sr. Juiz Desembargador BERNARDO DOMINGO, sob os descritores: “DIVÓRCIO SEM CONSENTIMENTO DE UM DOS CÔNJUGES, SEPARAÇÃO DE FACTO, CAUSA DEPEDIR, ALTERAÇÃO DA CAUSA DE PEDIR”, disponível em www.dgsi.pt disponível no link Anexo I , e ainda, junto através de certidão como Acórdão Fundamento. X - E Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Coimbra, de 21/01/2020, processo 139/18.T8LMG.C1. XI - Assim como o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 139/18.6T8LMG.C2.S1, datado de 29-10-2020. XII- Dispõe, no entanto, a alínea a) do n.º 1 do art. 672.º do C.P.C, que tal recurso de revista, em princípio não admitido, poderá caber quando “esteja em causa uma questão cuja apreciação, pela sua relevância jurídica seja claramente necessária para uma melhor apreciação do direito. XIII - E, ainda, dispõe a alínea c) do mesmo preceito, que cabe tal recurso de revista quando “O acórdão da Relação esteja em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido por qualquer Relação ou pelo Supremo Tribunal de Justiça, no domínio da mesma legislação e sobre a mesma questão fundamental de direito. XIV- Em súmula, estribou nestes autos o Recorrente a sua convicção para efeitos do preenchimento da previsão da alínea d) do art.º. 1781 do CC “Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento”, que da matéria de facto provada deverá resultar retratada uma determinada situação objectiva em que os factos, pela sua gravidade ou reiteração, mostrem a ruptura definitiva do casamento, não bastando que os factos traduzam um mero acto de vontade de um dos cônjuges, visto o divórcio “a-pedido” por razões subjectivas, não haver sido acolhido nas novas disposições da lei sobre o divórcio. XV- Ora, como consta do Acórdão recorrido não logrando o Autor recorrente fazer prova de mais nenhum facto que demonstre a rutura do casamento, a exceção de ter intentando uma ação de anulação de casamento e outra de divórcio não se mostram bastantes/suficientes perante ao ordenamento jurídico para se decretar o divórcio com fundamento na rutura definitiva do casamento conforme o disposto no art.º 1781.º al d) do CC.
XVI - Ainda mais grave no caso dos autos, temos os factos não considerado pela Relação, onde foi o alegado pela ora Recorrente que a separação de facto, embora se verificou por parcos meses, apenas se deu mormente as condições físicas, mentais e saúde do Autor que eram de tal forma débeis, que como se apurou, veio o A. a falecer no decorrer da instância.
XVII - Assim, parece-nos de extrema importância que este Supremo Tribunal possa clarificar ou delimitar quais os casos em que o pedido de divórcio é suficiente para demostrar a rutura definitiva do casamento e assim preencher o fundamento da alínea d) do artigo 1781 do CC.
XVIII - Assim como é de suma importância, clarificar se o Tribunal da Relação no âmbito das suas competências poderá se pronunciar sobre factos que não são de conhecimento oficioso e não venham alegados na petição inicial e nas alegações de recurso, nos exatos termos do Acórdão recorrido.
XIX - Não obstante, ter-se sentenciado na decisão proferida em 1.ª instância que “não se logrou a demonstração de que a R. violou quaisquer deveres conjugais ou que ocorreram outros factos demonstrativos da ruptura definitiva do casamento. Não se tendo feito essa demonstração, a presente acção terá necessariamente de improceder.” Opinião que a ora Recorrente perfilha na integra, sendo certo, que a prova testemunhal produzida em sede de audiência de julgamento em nada abona a tese defendida pelo Autor falecido. XX - Considera a Recorrente que embora se tenha apurado que existiu separação de facto desde dezembro de 2015 até a data da morte do Autor ( facto que a recorrente não concorda e por isso impugna, melhor nas Alegações), este argumento não consta da decisão do Acórdão recorrido como fundamento de direito utilizado pelos Venerandos Desembargadores para se decretar o divórcio. Neste prisma o período em que houve separação de facto não é fundamento para a decisão do Acórdão recorrido, e mesmo que fosse, vem impugnado pela Recorrente nas presentes alegações, por se entender que se trata de excesso de pronúncia conforme acima referido. XXI - Quanto a violação dos deveres conjugais pelo cônjuge autor do divórcio já se falou que é descabida de qualquer sentido, e mesmo que assim não se entenda, também vem impugnado pela Recorrente por versar sobre factos que o Tribunal “A quo” não poderia se pronunciar. XXII - Aqui chegados, só podemos concluir que o único facto relevante para a decisão proferida no Acórdão recorrido, resulta apenas do facto do autor intentar duas ações contra a Ré demonstrando-se assim a rutura definitiva do casamento. XXIII - Entendeu aquela instância superior que com a propositura da presente ação de divórcio, assistia-se a uma violação reiterada dos deveres conjugais de coabitação e de assistência entre o falecido AA e a Ré, a qual já perdurava há pelo menos sete meses, como consequência houve a violação dos deveres conjugais, e o divórcio deve ser decretado.
XXIV- Isto é, perfilham o entendimento de que o divórcio-pedido está comtemplado no regime legal nacional, designadamente na alínea d) do art. 1781º do CC.
XXV- A questão dotada de relevância jurídica cuja apreciação de V. Exªs se pretende, esta relacionada com a necessária clarificação sobre em que situações? ou em que casos?, se verifica preenchido o requisito/pressuposto do rutura definitiva do casamento, quando apenas se comprova que o A. intentou duas ações, uma de anulação de casamento, outra de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, tendo vista a dissolução do casamento, não se comprovando outro facto suscetível de demonstrar a fim do casamento.
XXVI - Por outro lado, importa também fazer notar a importância social da apreciação desta questão, devemos aqui referenciar ao Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, Processo n.º 8992/14.6T8LSB.L1.S1, Data do documento 09 de janeiro de 2018, Relator Pedro De Lima Gonçalves, relevância social.
Até porque se está perante problema, cuja solução é de enorme dificuldade e complexidade jurídicas, tanto mais, que a referida alínea d), do art°. 1781°, do Cód. Civil, é inovadora no quadro do nosso sistema jurídico de divórcio, alínea que contem uma total indeterminação conceptual que importa densificar por Vossas Excelências, alínea ainda que já foi susceptibilizada por interpretações doutrinárias e jurisprudenciais divergentes que põem em causa a boa aplicação do direito, e ainda, a certeza e segurança jurídicas; A alínea d), do art°. 1781°, do C.C., leva, rectius, tem levado - como no presente processo e como vem de se demonstrar - a decisão(ões) jurídica(s) que colide(m) com valores sócio-culturais dominantes, como os inerentes ao casamento e à Família dele decorrente, devendo tal(ais) decisão(ões) jurídica(s) ser orientada(s) à luz daqueles valores sócio-culturais, por forma a não suscitarem alarme social e profundos sentimentos de inquietação e insegurança que minem a tranquilidade do casamento e da Família, de maneira a não ficar em causa a eficácia do direito e a sua credibilidade, em casos que têm um invulgar impacto na situação de vida de milhares e milhares de Famílias, sabendo-se que a norma jurídica em questão visa regular o divórcio, existindo assim um interesse geral da comunidade - para além do das aqui partes processuais - que, pela sua peculiar importância, justifica a admissão do presente recurso de Revista excecional, dado que, os interesses em jogo ultrapassam muito significativamente os limites do presente caso concreto;”
XXVII - Presente, pois, no modesto entendimento da Recorrente, o requisito da alínea a) do n.° 1 do artigo 672.º do Código de Processo Civil, já que perante uma questão de interesse e ordem pública (porque compreende a generalidade dos cidadãos), deve atribuir-se-lhe relevância jurídica, nos termos e para os efeitos do preceito citado.
XXVIII - Sem prejuízo de tudo quanto se deixou antecedentemente expendido, a admissibilidade da presente REVISTA excecional tem, acrescidamente, por fundamento a circunstância de o acórdão recorrido estar em contradição com outro, já transitado em julgado, proferido pela Relação ou Supremo Tribunal de Justiça no domínio da mesma legislação, sobre a mesma questão fundamental de direito.
XXIX- A oposição entre o acórdão recorrido e o acórdão-fundamento (identificado supra), não poderia ser mais frontal, conforme mais ao diante se explicitará.
XXX - Com efeito, no acórdão-fundamento proferido pelo Tribunal da Relação de Évora apreciou-se a seguinte questão:
1ª - Saber se ao decretar o divórcio o tribunal, conheceu de factos que lhe era vedado conhecer, modificando oficiosamente a causa de pedir da acção e violando o princípio do contraditório; 2ª – Se era lícito ao Tribunal, fazendo uso do disposto no art.º 663º do CPC, tomar em consideração factos que resultaram da discussão da causa, mas que não foram alegados pelo A. e que foram decisivos para a procedência da acção. –Se apesar de a R. não ter dado causa ao divórcio, podia ser condenada em custas.
XXXI- Como se antevê, a questão fundamental de direito tratada no acórdão recorrido e no acórdão-fundamento, e que se demonstrou essencial para determinar o resultado numa e noutra decisões ali proferidas, consistiu em aquilatar os requisitos da rutura definitiva do casamento, suportados pela vontade de um dos cônjuges exteriorizada APENAS pelo pedido de divórcio é suficiente para preencher os requisitos do artigo 1781 al d) do CC.
XXXII- Pois se no Acórdão Fundamento temos que desde novembro de 2008, está separado da R., vivendo em casas separadas, que desde então não voltou a habitar com a R. , nem tem intenção de o voltar a fazer e também não partilhou nem cama , nem mesa, com a R. e não tem intenção de o voltar a fazer nem de conviver com ela». No exercício do contraditório puro, sem dedução de qualquer pedido reconvencional e opondo-se ao pedido do A., veio a R. alegar factos que contrariavam os invocados pelo A., designadamente que até Novembro de 2012, (data da propositura da acção) A. e R. continuaram a conviver, a tomar refeições juntos, a dormir juntos e ter relações sexuais. Mas alegou também que a partir de Janeiro de 2012, o R, mostrou desinteresse na manutenção da vida em comum com a R., porquanto passou a viver com outra mulher com quem encetara uma relação. Na elaboração da base instrutória, incompreensivelmente, porque irrelevante para a decisão da causa, este último facto, alegado pela R., que diga-se não quer o divórcio e não formulou qualquer pedido, foi inserido naquela base para ser objecto de prova. E no final, veio a ser dado como provado. Dos factos materiais, constitutivos da causa de pedir invocada pelo A. para fundamentar o pedido de divórcio, todos levados à base instrutória, nenhum se provou !!! O pedido teria pois, forçosamente de improceder, por manifesta falta de prova dos seus fundamentos de facto, por parte de quem tinha o ónus de o fazer, o AUTOR. Ora o A. apenas logrou provar que «não pretende voltar a partilhar com a Ré a mesma casa, a mesma mesa e a mesma cama». Este facto, não passa de uma mera declaração de vontade, sem materialização em quaisquer factos que tenham sido alegados pelo A. e consequentemente tal declaração não tem, nem pode ter, a virtualidade de integrar o fundamento de divórcio previsto na al. d) do art.º 1781 do CC. Se assim fosse bastaria o simples acto de intentar a acção de divórcio, para fundamentar a sua procedência com fundamento na previsão da al. d) do art.º 1781. Ora o “divórcio a pedido”, apesar de equacionado na reforma do regime do divórcio, não mereceu acolhimento no texto legal.
XXXIII - No Acórdão recorrido temos o seguinte, Apesar dos apelantes, sucessores de AA, falecido em .../.../2017, não terem logrado fazer prova da generalidade da facticidade que vem alegada, na petição inicial, apurou-se que o falecido AA instaurou contra a aqui Ré (apelada), em 18 de dezembro de 2015, uma ação que correu termos sob o n.º 6095/15...., do Juízo de Família e Menores ..., Juiz ..., em que pedia que o casamento que celebrou com a Ré fosse declarado inválido, a qual veio a ser julgada improcedente por sentença proferida em 23/11/2016, já transitada em julgado (ponto 1º dos factos apurados).
XXXIV - Mais se apurou que desde pelo menos, 18/12/2015 e até ao seu falecimento, AA não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até à sua morte (ponto 7º dos factos apurados).
XXXV - A presente ação de divórcio foi instaurada em 20/07/2016, quando se encontravam decorridos pelo menos sete meses sobre o início da separação do casal constituído pelo falecido AA e pela Ré e em que, consequentemente, não se mostrava decorrido o prazo legal mínimo fixado na al. a) do art. 1781º do CC para que ficasse conferido a AA o direito potestativo de se divorciar da Ré, beneficiando da presunção inilidível de rutura do casamento de ambos fixada nesse preceito legal.
XXXVI - No entanto, a causa de pedir em que o falecido AA fundou o seu pedido de divórcio da Ré (apelada) não é a separação de facto, mas antes a rutura definitiva do seu casamento, isto é, na al. d) do art. 1781º do CC.
XXXVII - Os identificados comportamentos (fundados ou infundados) do falecido AA perante a Ré, além de consubstanciarem uma violação grave e reiterada dos deveres conjugais de coabitação, assistência e respeito, que à data da propositura da presente ação, perduravam, como dito, há pelo menos sete meses, quando objetivamente considerados, não podem ter outra significância que não seja que, à data em que instaurou, em .../.../2016, a presente ação de divórcio, já não existia entre ele e a Ré, em termos definitivos e objetivos, qualquer réstia de comunhão de vida, que é própria da instituição matrimonial, inexistindo entre eles, de modo irreversível, casamento.
XXXVIII - De resto, como se disse e apurou, à data em que instaurou a presente ação, há pelo menos sete meses que o falecido AA não tinha qualquer vontade de reatar vida em comum com a Ré, de quem se encontrava separado de facto há pelo menos sete meses, posto que desde, pelo menos, 18/12/2015 nunca mais com ela contactou e o mesmo persistiu nesse seu propósito e na ausência de contactos com a Ré até falecer, o que não deixa de corroborar essa rutura definitiva do casamento de ambos que se verificava já à data da propositura da presente ação de divórcio.
XXXIX - Em suma no Acórdão fundamento, temos o A. que pede o divórcio sem consentimento o outro cônjuge com fundamento na alínea a) do artigo 1781.º do CC, separação de facto por mais de um ano, e por não haver qualquer propósito de vida em comum, inclusive já por se encontrar a viver com outra pessoa. Nestas circunstâncias foi decretado do divórcio com fundamento na alínea d) do artigo 1781.º do CC, por ser entender que estão demonstrados a rutura definitiva do casamento.
XL - Por seu turno o Tribunal da Relação de Évora conclui que embora demonstrados factos que impliquem a rutura do casamento, os mesmos não são alegados no pedido e demonstram apenas a vontade de se divorciar do A., ora como a vontade do autor, de per si, não é suficiente para demonstrar a rutura definitiva do casamento por não se permitido o divórcio pedido ação proferida pela primeira instância deve ser revogada e assim decidiriam os Venerandos Desembargadores de Évora.
XLI - Em oposição encontra-se o Acórdão recorrido que veio entender que embora não alegado pelo A. a separação de facto, a mesma é manifesta, ao qual acresce o facto do autor intentar ação de divórcio, demonstrando assim o elemento objetivo e subjetivo do divórcio.
Não constando dos factos provados quaisquer factos que possam preencher os requisitos das alíneas a) ou d) do artigo 1781.º do CC, a basta para demonstrar a rutura definitiva o facto do autor intentar as ações. Pelo que, segundo o entendimento do Acórdão recorrido o divórcio pedido é permitido no ordenamento Juridico nacional.
XLII - O presente recurso de revista excecional vem interposto do Acórdão prolatado pelo Tribunal da Relação de Guimarães, que julgou a presente apelação procedente, e como consequência introduziu alterações ao julgamento da matéria de facto realizado pela 1ª Instância, assim como, revogou a sentença recorrida e substitui a decisão de mérito nela proferida por outra em que, na procedência da presente ação, declarou, para efeitos exclusivamente patrimoniais, dissolvido, por divórcio, o casamento celebrado em .../.../2013, entre o falecido AA e a apelada, BB.
XLIII - O recurso ora presente tem como fundamento o erro na interpretação da norma aplicável artigo 674.º n.º1 al. a) e as nulidades previstas nos artigos 615.º n.º 1 al. d) ambos os artigos do C.P.C.
XLIV - Discordando a Ré Recorrente da decisão proferida no Acórdão recorrido, vem interpor recurso por considerar que a decisão enferma de erro na interpretação da norma aplicável, nomeadamente a alínea d) do artigo 1781.º do Código Civil (CC), na medida em que considera demonstrado a ruptura definitiva do casamento, nos termos do referido artigo apenas pelo facto do Autor ter intentado duas ações contra a Ré, uma tendo em vista a anulação do casamento julgado improcedente no âmbito do processo 6095/15...., do Juízo de Família e Menores ..., Juiz ..., e ainda, a ação de divórcio objeto do presente recurso de revista.
XLV - A recorrente considera que não existindo no Acórdão recorrido outro fundamento que demonstre a rutura do casamento, além da vontade do A. demonstrada ao intentar duas ações contra ré, estamos perante o “divórcio pedido”, que ao contrário do divórcio ruptura, não é vigente no ordenamento jurídica nacional, pelo que, não deveria ser utilizado este fundamento para se decretar o divórcio, caso o contrário é manifestamente violado a lei substantiva nos termos do artigo 674 n.º 1 al a) do Código de Processo Civil (CPC).
XLVI - Outra questão que o Recorrente coloca em causa, prende-se com a verificação do excesso de pronúncia quando a Relação conhece sobre duas questões essenciais para se averiguar se estão ou não preenchidos os requisitos essências do divórcio, nomeadamente a “ separação de facto”, quando este facto não foi alegado pelo A. recorrente, na petição inicial, nem em fase de recurso nas sua alegações, nem sequer, são factos de conhecimento oficioso pelo Tribunal.
XLVII - Ora, semelhante pronúncia implica nulidade por excesso de pronúncia, prevista na al. d) do n.º 1 do art. 615.º do CPC, por remissão do artigo 674.º n.º 1 al c) do CPC.
XLVIII - No entanto, sem prescindir do excesso de pronúncia que se invoca, não se alcança que da prova produzida e da carreada para os autos, seja possível concluir com certeza, como acordaram os Venerandos Desembargadores que desde de 18/12/ 2015 até a data da sua morte, jamais o A. contactou com a Ré.
XLIX- Parece-nos que ao conhecer factos não alegados e através deles alterar a fundamentação de facto da sentença, incorre o Acórdão na nulidade do excesso de pronúncia.
L - O que se repete quando o Tribunal “A quo”, considera que existe violação dos deveres conjugais por partes do Autor e não da Ré, como foi peticionado em sede de petição inicial e Recurso de Apelação, ambos articulados intentados pelo A.
LI - A decisão conhece de factos não constante dos autos que são controversos a versão apresentada pelo A. mas que ao fim servem de fundamento para a pretensão do mesmo que no caso seria ver decretado o divórcio.
LII - Em suma entende a Recorrente que o Acórdão recorrido, foi assertivo em todos os fundamentos aduzidos, referente aos factos alegados. Pecando aos nossos olhos apenas por se pronunciar sobre factos não alegados, assim como, por aceitar que odivórcio pedido é suficiente para demonstrar arutura definitiva do casamento.
LIII - Porque embora a Recorrente pretenda ver apreciada a questão do excesso de pronúncia, a verdade é que embora provado que a separação de facto perdurou por mais de uma ano, o Acórdão recorrido não fundamenta a decisão de decretar o divórcio com referência a este facto.
LIV - Destarte, independentemente do falecido AA dispor ou não de razões objetivas (que, contudo, não logrou demonstrar nos presentes autos) para que desde, pelo menos, 18/12/2015 e até à data do seu falecimento, em .../.../2017, não ter qualquer vontade ou propósito de reatar a vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde, pelo menos, 18/12/2015 até ao seu falecimento, o certo é que, à data da propositura da presente ação de divórcio, assistia-se a uma violação reiterada dos deveres conjugais de coabitação e de assistência entre o falecido AA e a Ré, a qual já perdurava há pelo menos sete meses.
LV - Acresce que em 18/12/2015 o falecido AA instaurou a ação n.º 6095/15...., pedindo que o casamento que celebrou com a Ré fosse declarado inválido.
A instauração dessa ação não pode deixar de significar uma violação grave do dever de respeito de AA para com a Ré, na medida em que respeitar o outro cônjuge é, além do mais, não lesar a sua integridade física ou moral, sendo ofensivos da integridade moral quaisquer palavras ou atos que ofendam a honra do outro – a honra em geral e aquela honra especial ligada ao casamento – ou ainda a sua reputação e a consideração social de que goza20 e não deixa de ser profundamente desrespeitoso da honra devida pelo falecido AA para com a sua cônjuge (Ré) instaurar uma ação pedindo que o casamento de ambos seja invalidado.
LVI - Os identificados comportamentos (fundados ou infundados) do falecido AA perante a Ré, além de consubstanciarem uma violação grave e reiterada dos deveres conjugais de coabitação, assistência e respeito, que à data da propositura da presente ação, perduravam, como dito, há pelo menos sete meses, quando objetivamente considerados, não podem ter outra significância que não seja que, à data em que instaurou, em .../.../2016, a presente ação de divórcio, já não existia entre ele e a Ré, em termos definitivos e objetivos, qualquer réstia de comunhão de vida, que é própria da instituição matrimonial, inexistindo entre eles, de modo irreversível, casamento.
LVII- Na transcrição do excerto do Acórdão Recorrido, em que si fundamento a decisão, temos os seguintes três critérios orientadores:
A violação dos deveres conjugais pelo Autor, e não pela Ré como seria expectável, resulta que o A. não logrou fazer prova de que a Ré tenha efetivamente violado os seus deveres matrimoniais. Ora, mesmo que se entenda que os deveres conjugais foram violados pelo autor, estes factos não são alegados em momento algum pelo autor. Acresce ainda que se objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo o Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC. Não sendo alegado, nem tão pouco de conhecimento oficioso, parece-nos que excedeu os poderes a Relação ao concluir que houve violação dos deveres conjugais pelo autor.
LVIII - Mas sempre pautados pela cautela, e considerando que os Venerandos Conselheiros não partilhem da tese aqui desenvolvida, cumpre sempre referir, que é entendimento maioritário na jurisprudência, no sentido de que compete ao cônjuge autor, demonstrar osfactos que suportem a violação dos deveres conjugais pelo cônjuge (Réu), conforme o disposto no artigo 1781 do C.C.
LIX - Da análise dos fundamentos extraídos do excerto acima, não restam dúvidas que estamos perante o “divórcio pedido”, em que não são demonstrados factos que possam suportar a ruptura do casamento, bastando apenas a exteriorização da vontade de cônjuge em intentar o divórcio, e como tantas vezes já dito, fundamento não compatível com o ordenamento jurídico nacional. LX - Por outro lado, é verdade que a Relação não indica apenas a vontade do cônjuge em se divorciar, alega ainda que existia separação de facto há pelo menos 07 meses, assim como defende ter ocorrido a violação dos deveres conjugais pelo Autor. LXI - Estes argumentos não podem proceder por esta razão vêm impugnados. LXII - Quanto a separação por pelo menos 7 meses, não tendo sido alegado em momento algum por qualquer uma das partes, quer na primeira instância quer em sede de recurso, não deveria sequer ser valorado para efeitos de prova, por extrapolar os poderes concedidos aquele Superior Tribunal.
LXIII - Cumpre ainda acrescentar que não se percebe com fundamento na prova produzida e constante dos autos como, pode a Relação considerar que desde dezembro de 2015 não há qualquer contacto entre os cônjuges ou propósito de vida em comum.
LXIV- O mesmo raciocínio se aplica a factualidade constante da violação dos deveres conjugais pelo Autor, não sendo alegado e não sendo de conhecimento oficioso, não pode a relação conhecer, muito menos se pronunciar.
LXVI - Concluímos, pois do exposto, que o regime português do divórcio, consagrado na dita d) do art. 1781º do CC, não acolhe um sistema de divórcio-pedido, isto é, alínea d) é uma cláusula geral objectiva, consagrando-se aí a concepção do divórcio-ruptura, pelo que o cônjuge que pretende o divórcio terá de alegar factos objectivos, passíveis de comprovação, e que demonstrem a ruptura definitiva do casamento.
LXVII - Aqui e apenas considerando este quesito já se mostra suficiente para que se assim entendem os Venerandos Conselheiros devendo ser procedente a revista.
LXVIII - Porquanto, já referido ao longo do presente recurso, o Tribunal “A quo” após análise da prova produzida julgou como provado que desde 18 de dezembro de 2015 que A.e R. não mantiveram qualquer contacto. E como consequência foi aditado aos factos provados o seguinte factualidade “ b- adita-se ao elenco dos factos provados na sentença recorrida, a seguinte facticidade, que se julga provada: “7 - Desde pelo menos 18/12/2015 e até ao seu falecimento, AA não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até ao seu falecimento”.
LXIX - Entende a Recorrente que ao se pronunciar sobre o período temporal o Tribunal “a quo” viola as competências que lhe são atribuídas. E assim comecemos por enunciar que a separação de facto não foi alegada pelo falecido autor, nem na primeira instância, nem em sede de recurso, ora, sendo este um facto não alegado, extrema importância no âmbito do divórcio sem consentimento de outro cônjuge, considerando ainda que o facto não foi alegado nem para efeitos de preenchimento do al a) ou d) do artigo 1781.º do CC.
LXX - Daí se extrai que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação dos apelantes, não podendo aquele Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso - cfr. artigos 635.º, nº 4 e 639.º, nºs 1 e 2, do CPC.
LXXI- Ora, não sendo oficioso o conhecimento da matéria em questão, só nos resta pedir aos Venerandos Conselheiros que seja declarada a nulidade do Acórdão por excesso de pronúncia, mantendo-se a decisão proferida na primeira instância.
LXXII - O mesmo desenvolvimento constante do artigo anterior é aplicável nos precisos termos a parte do Acórdão Recorrido em que a Relação considera que o comportamento do A. demonstra uma violação dos deveres conjugais perante a Ré. e que por si só são demonstrativos da rutura definitiva do casamento.
LXXIII- Em boa verdade, trata-se de factos não alegados, contrários a tese do autor, factos cujo conhecimento não é oficioso.
LXXIV- Se por um lado não se admite que o Acórdão recorrido possa se pronunciar sobre factos não constantes das alegações e com esses mesmos factos aditar aos factos provados, conforme impugnado acima. Por outro lado, não se reconhece que a separação se tenha dado por vontade própria do A., pois como se defendeu no as alegações da Ré Recorrida, os motivos da separação de facto se deveram pela imposições dos filhos do A. e por sua vez o autor não podia reagir devido a sua fragilidade física e psíquica. O que foi confirmado pelo testemunho da Sra. EE em sede de audiência de julgamento.
LXXV- Conclui assim a Recorrente que o Acórdão recorrido enferma de vícios, como o excesso de pronúncia sobre os seguintes factos:
Período temporal que incide sobre a separação de facto entre o A. e a R.
Violação dos deveres conjugais por parte do A.;
LXVI - Assim como considera errada interpretação da lei quando a Relação considera como válido o divórcio pedido, na medida em que considera haver preenchimento do requisito da alínea d) do artigo 1781.º do CC. “ruptura definitiva do casamento”.
LXXVII - Pelo que, requer-se aos Venerandos Conselheiros que o Acórdão recorrido proferido pela Relação de Guimarães seja revogado e substituído por decisão que mantenha o casamento celebrado entre a R. Recorrente e o A. recorrido.
Não foram produzidas contra-alegações. Foi proferido novo Acórdão pelo Tribunal da Relação de Guimarães que julgou “improcedentes as nulidades do acórdão proferido, por excesso de pronúncia, suscitadas pela recorrente BB e, em consequência se menteve “inalterado esse acórdão antes proferido em 16 de dezembro de 2021.” -------------------------------------------------------------------- I - Da admissibilidade do recurso Tenha-se presente que o Acórdão recorrido conheceu do mérito da causa, revogando a sentença proferida na 1ª instância. Assim, tendo em consideração o valor da causa (€ 30 000,01), da sucumbência (em valor equivalente ao valor da causa), a legitimidade da recorrente, não se vislumbra quailquer obstáculo à admissibilidade do recurso de revista normal (cfr. art. 671.º, n.º 1, do CPC), uma vez que não se verificou dupla conforme entre as decisões das instâncias, não havendo que remeter os autos à Formação. Assim, admite-se o presente recurso como revista “normal”. ----------------------------------------------------------------- Cumpre, pois, decidir, tendo presente que são as conclusões das alegações recursivas que delimitam o objeto do recurso, estando vedado ao tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, com excepção daquelas que são de conhecimento oficioso (cfr. art. 635º nº 4, 639º nº 1, 608º nº 2, ex vi art. 679º, todos do CPC).
Thema decidendum Tendo por base as conclusões do recurso, são as seguintes as questões a decidir: I) Nulidade do acórdão por excesso de pronúncia, nos termos do disposto no art. 615.º, n.º 1, al. d), do CPC; II) Erro de direito na interpretação da al. d) do n.º 1 do art. 1781.º do CC. Antes do mais, apontemos a factualidade julgada provada pelas instâncias: 1) O Autor intentou contra a Ré, em .../.../2015, uma ação declarativa de condenação/anulação de casamento, cujos autos correram os seus termos sob o processo n.º 6095/15...., deste Juízo de Família e Menores, Juízo ..., a qual veio a ser julgada improcedente por sentença proferida em 23/11/2016, já transitada em julgado (art.º 1.º da p.i.); 2) O A. e a R. contraíram casamento civil, sem convenção antenupcial, no dia ... de dezembro de 2013, na Conservatória do Registo Civil ... (art.º 2.º da p.i.); 3) A morada de residência do Autor situava-se em ..., ... (art.º 3.º da p.i.); 4) O Autor havia ficado viúvo em ... de fevereiro de 2009, por óbito da sua cônjuge, na altura, FF, com quem fora casado desde .../.../1957 (art.º 14.º da p.i.); 5) A Ré chegou a levar o Autor para o apartamento que detinha em ... (art.º 28.º da p.i.); 6) O A. faleceu em .../.../2017. 7) Desde pelo menos 18/12/2015 e até ao seu falecimento, AA não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até ao seu falecimento. (facto julgado provado pela Relação) Para integral compreensão da presente decisão, reproduzimos ainda o facto julgado não provado: ee) Não existe qualquer vontade ou propósito da Ré de reatar a vida em comum com AA. A) NULIDADE POR EXCESSO DE PRONÚNCIA: A recorrente invoca excesso de pronúncia por parte do Tribunal da Relação ..., no âmbito da alteração da matéria de facto a que aquele procedeu, consubstanciada na alteração da redação do facto constante da al. ee) não provado (que acima ficou transcrito), bem como no aditamento de segmento fáctico não alegado pelas partes. Entende, ainda, a recorrente que o Tribunal recorrido excedeu a pronúncia requerida ao ter equacionado, como relevante, a violação de deveres conjugais por parte do autor, nomeadamente com a propositura da ação de anulação do casamento e da ação de divórcio. Vejamos: Dispõe o art. 615.º, n.º 1, al. d) do CPC que “é nula a sentença quando: o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não podia tomar conhecimento”. Ora, a nulidade por excesso de pronúncia está relacionada com o comando normativo ínsito no n.º 2, do art. 608.º do CPC que dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras”. Bem se afirmou no Acórdão deste Supremo Tribunal de Justiça de 17-02-2022, proc. n.º 23/09.4TBSSB.E2.S1 (em www.dgsi.pt), que “nos casos em que não haja previsão legal de conhecimento ex officio, verifica-se [excesso de pronúncia] quando a sentença (ou acórdão) conheça de questão que nenhuma das partes tenha submetido à apreciação do juiz” Para melhor compreensão do alegado pela recorrente quanto à alteração da matéria de facto operada pelo Tribunal da Relação, cumpre salientar que as razões de discordância daquela se prendem com o seguinte facto: ee) Não existe qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal (art.º 39.º da p.i.) (facto dado como não provado pela 1.ª instância e impugnado em sede de recurso de apelação interposto pelo autor). Em relação a esta matéria, a Relação considerou não provado que “ee- Não existe qualquer vontade ou propósito da Ré de reatar a vida em comum com AA”, e provado que “7 - Desde pelo menos 18/12/2015 e até ao seu falecimento, AA não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até ao seu falecimento”. No que especificamente diz respeito à delimitação temporal levada a cabo pela Relação (“pelo menos desde 18-12-2015”), temos por evidente que com isso não extravasou os seus poderes de cognição, uma vez que na sua apreciação se limitou a conhecer das questões colocadas pelo apelante em sede de recurso. Efetivamente, o então apelante Autor sustentou que o facto constante da al. ee) devia transitar para a matéria de facto provada, indicando, então, os meios de prova que, em seu entender, justificavam tal alteração. Com base no alegado, a Relação limitou-se, como se lhe impunha, a reapreciar os meios de prova produzidos para dar como demonstrado que, pelo menos desde 18-12-2015 e até ao seu falecimento, o autor não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré. Entendeu a Relação que a circunstância de o Autor ter intentado uma ação de anulação do casamento (facto n.º 1 provado) e, posteriormente, a presente ação de divórcio sem consentimento do outro cônjuge, era suficiente, em face dos de tais elementos de prova, para alcançar a conclusão de que, pelo menos desde 18-12-2015, o Autor não pretendia reatar a relação com a Ré. Por outro lado, como resulta do acórdão recorrido, a Relação considerou que inexistia prova quanto à ausência de vontade de reatar a relação conjugal por parte da Ré, razão pela qual considerou não provado que ee) Não existe qualquer vontade ou propósito da Ré de reatar a vida em comum com AA. Ora, como ensina Abrantes Geraldes que “fazendo incidir tais meios probatórios os deveres e os poderes legalmente consagrados e que designadamente emanam dos princípios da livre apreciação (art. 607.º, n.º 5) ou da aquisição processual (art. 413.º), a Relação deve reponderar a questão de facto em discussão e expressar de modo autónomo o seu resultado: confirmar a decisão, decidir em sentido oposto ou, num plano intermédio, alterar a decisão no sentido restritivo ou explicativo” (Recurso em Processo Civil, Almedina, 6.ª edição, p. 336). A este propósito, pronunciou-se este STJ no acórdão de 19-10-2021, no proc. n.º 323/17.0T8SRT.C1.S1 (in www.dgsi.pt), afirmando que “As respostas à matéria de facto não têm necessariamente de ser afirmativas ou negativas, podendo ser restritivas ou explicativas (consubstanciando juízos delimitativos ou até mesmo elucidativos da situação nelas descrita) exigindo-se, apenas, que se mantenham no enquadramento da matéria de facto indicada na acção por uma das partes.” No caso sob análise, o Tribunal da Relação delimitou, em termos temporais, o momento a partir do qual, em seu entender, era seguro afirmar que o Autor não mais quis permanecer na relação conjugal e que correspondia, de minimis, no entendimento da Relação, ao momento da propositura da ação de anulação do casamento proposta. Trata-se, sem dúvida atendível, de mera alteração do facto, inequivocamente consentida pelo leque de poderes atribuído ao Tribunal da Relação no âmbito da requerida reapreciação da matéria de facto. Assim, o percurso seguido pelo Tribunal da Relação não configura, como é evidente, qualquer nulidade por excesso de pronúncia, até porque tal vício nunca ocorre “quando se aprecie a impugnação da decisão da matéria de facto suscitada em recurso” (ac. do STJ, de 17-02-2022, proc. n.º 23/09.4TBSSB.E2.S1(in www.dgsi.pt). Temos como certo, ante o exposto, que não assiste razão à recorrente, não se verificando a nulidade por excesso de pronúncia pela mesma suscitada. ----------------------------------------------------- Questão diversa é a que se prende com a introdução, na redação do facto nº 7 provado, do seguinte segmento: com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até ao seu falecimento. No caso que nos ocupa, o apelante impugnou a matéria de facto na parte ora em discussão, considerando que resultava da prova produzida que o primitivo Autor deixou de contactar com a Ré, a partir do momento em que foi viver com o seu filho até à data do seu falecimento. Alegou então que “Em face dos concretos meios probatórios aqui identificados, humildemente entende a recorrente que os factos constantes do ponto EE) dado como provado deveria ser alterado no sentido de que de facto, Não existe qualquer vontade ou propósito de vida em comum entre o casal. A testemunha D. GG é clara no seu depoimento dizendo que o finado AA voltou para casa dos filhos e nunca mais por lá viu a ré aqui recorrida. Foi mais longe a testemunha, a indicar que o finado AA, muito fraquinho, acabou acamado e por falecer e nunca mais viu a recorrida. O Tribunal não valorou a mesma quando esta, pessoa de idade, se apresentou com um depoimento despegado de interesse.” (cfr. p. 9 do recurso de apelação). Ora, resulta evidente, que tal matéria fáctica, muito embora não tenha sido expressamente alegada em sede de petição inicial, foi invocada em sede de recurso de apelação, tendo a então recorrida apelada (ora recorrente) tido a possibilidade de se pronunciar sobre tal matéria. Também de salientar que a então recorrida, ora recorrente, deixou expresso nas suas contra-alegações da apelação que “(…) o espaço temporal compreendido entre o período em que o Recorrente Falecido, ficou retido na casa do filho, e a data do seu óbito, a Recorrida apenas não logrou contactá-lo em virtude da proibição, limitações e imposições estabelecidas unilateralmente pelos filhos deste. (…) Por esta razão, não houve contacto entre a recorrida e o Recorrente falecido nos meses anteriores a sua morte, sendo certo, que aquele se encontrava na casa do filho e nora. (…) Desde a data em que o Recorrente AA, deixou de coabitar e conviver com a recorrida, passando então a não ter nenhum contacto com esta, até a data do seu óbito decorreram poucos meses.”. Não se trata, assim, de matéria atinente à eventual nulidade por excesso de pronúncia, porquanto, como vimos, a pronúncia sobre aquele facto concreto foi requerida pelo apelante. Trata-se, sim, já o dissemos, de matéria inerente aos poderes da Relação no âmbito da reapreciação da matéria de facto, cuja amplitude é semelhante à da 1ª instância. Como muito claramente se refere no acórdão deste STJ, de 29-04-2021, no proc. n.º 684/17.0T8ABT.E1.S1, disponível em www.dgsi.pt, “O art. 662.º do CPC confere à Relação o poder – rectius o poder-dever – de reapreciar e, por conseguinte, de alterar o teor, eliminar ou aditar pontos à decisão sobre a matéria de facto, independentemente da iniciativa das partes.” Sobre esta matéria, também se pronunciaram, entre outros, os acórdãos de 12-02-2021 (proc. n.º 1307/14.5T8PDL.L1.S1), de 08-02-2022 (proc. n.º 656/20.8T8PRT.L1.S1), disponíveis em www.dgsi.pt, assim como o de 06-05-2021 (proc. n.º 394/17.9T8VNG.P1.S1), que assevera que “a reapreciação da matéria de facto pela Relação, como tribunal de instância, tem a mesma amplitude do julgamento da 1.ª instância, não estando aquela impedida de sindicar a decisão desta, ainda que assente em prova produzida oralmente, que tenha ficado gravada, desde que considere que os elementos recolhidos o permitem”. De mencionar ainda, por pertinente, o acórdão de 08-02-2018 (proc. n.º 633/15.1T8VCT.G1.S19, segundo o qual “Os tribunais de instância podem e, aliás, devem, considerar os factos instrumentais que resultem da instrução da causa, bem como os factos complementares ou concretizadores que provenham dessa actividade e integrem a relação jurídica material devidamente individualizada pela causa de pedir, conquanto seja observado o contraditório (cfr. als. a) e b) do n.º 2 do art. 5.º do CPC).” Assim, para além de tal matéria ser meramente complementar da matéria alegada em sede de articulados (artigos 37, 38 e 39 da petição inicial), houve debate entre as partes a tal respeito, a ora recorrente pronunciou-se sobre a mesma em sede de contra-alegações, deixando expresso que deixou de contactar com o autor, entretanto falecido, alguns meses antes da data do óbito. Por outro lado, cumpre salientar que a constatação da separação de facto por um período inferior a um ano, com referência à data da propositura da ação, embora não possa enquadrar-se na al. b) do art. 1781º do CC, como causa objectiva de divórcio, deve considerar-se abrangida pela causa de pedir invocada pelo autor, dela fazendo parte integrante, e que se reconduz ao disposto na al. d) do art. 1781.º do CC, não sendo, por esse motivo, estranha à causa de pedir delineada pelo autor. Como sintetiza o referido acórdão, “III - Enquanto a demonstração dos casos típicos previstos nas als. a), b) e c) do art. 1781.º do CC faz presumir, iuris et de iure, a rutura definitiva do casamento, já o fundamento configurado na respetiva al. d), sob a fórmula de uma cláusula geral objetiva, implica a prova efetiva dessa rutura, independentemente das circunstâncias específicas exigidas naquelas primeiras alíneas, nomeadamente o vetor de duração temporal mínima.” – sublinhado nosso (ac. do STJ, de 25-02-2021, proc. n.º 1299/16.6T8TMR.E2.S1, in www.dgsi.pt). Entendemos, pois, que o Tribunal da Relação, como tribunal de 2ª instância que é, não extravasou os poderes de cognição que emergem do disposto no art. 662º do CPC, do mesmo modo que não proferiu qualquer decisão surpresa, uma vez que tal matéria foi invocada e sujeita a debate entre as partes em sede de recurso de apelação e por ser meramente complementar dos factos invocados pelo autor no seu articulado inicial. ------------------------------------------------------------------ Ainda neste segmento, invoca a recorrente que o tribunal da Relação excedeu a pronúncia requerida, ao ter ponderado a violação, por parte do Autor, dos deveres de respeito e cuidado, concretamente, por ter o mesmo proposto ação de anulação do casamento e ação de divórcio contra a Ré sua mulher. Porém, adiantemo-lo já, porquanto, analisado o recurso de apelação interposto, resulta evidente que ao Tribunal da Relação foi colocada a questão de saber se, perante os factos provados, era possível concluir pela rutura definitiva do casamento. O tribunal da Relação respondeu afirmativamente à questão colocada, ponderando, igualmente, a atuação do autor, como, igualmente, incumpridora dos deveres conjugais. Ora, saber, neste segmento, se o tribunal da Relação decidiu bem ou mal, não é enquadrável sob a perspetiva da invocada nulidade da decisão por excesso de pronuncia, pois que tal questão pertine sim com o eventual erro de julgamento, sendo evidente que o tribunal da Relação se limitou a apreciar a questão colocada pelas partes em sede de recurso de apelação. Não se verifica, pois, também neste segmento, a invocada nulidade por excesso de pronúncia ---------------------------------------------------------------------- II) Por fim, apreciemos se o Acórdão recorrido incorreu em erro de direito na interpretação da al. d) do n.º 1 do art. 1781.º do CC, tal como sustenta o recorrente. Vejamos: Dispõe a al. d) do art. 1781.º do CC que “São fundamento do divórcio sem consentimento de um dos cônjuges: d) Quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a rutura definitiva do casamento.” No nosso caso, com relevância para a apreciação em causa, resultou demonstrado que “Desde pelo menos 18/12/2015 e até ao seu falecimento, AA não tinha qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, com quem nunca mais contactou desde pelo menos 18/12/2015 até ao seu falecimento” (facto 7) De onde, pelo menos 18-12-2015, o autor deixou de querer reatar a vida conjugar com a ré, tendo deixado de com a mesma contactar por um período de cerca de 7 meses antes da data da propositura da presente ação (.../.../2016), situação de perdurou até à data do falecimento do autor. Vejamos: Sobre o conceito de “rutura definitiva do casamento”, este Supremo Tribunal vem propugnando o entendimento de que a norma ínsita na al. d) do art. 1781º do CC consagra uma cláusula geral objetiva que pressupõe a demonstração inequívoca da rutura definitiva do casamento, independentemente das circunstâncias a que aludem as als. a) a c) do mesmo dispositivo legal. Entre outros, podemos apontar, com especial realce: - O Acórdão de 03-10-2013 (proc. n.º 2610/10.9TMPRT.P1.S1), in www.dgsi.pt, que afirma que: I - A cláusula geral e objectiva da ruptura definitiva do casamento – enquanto fundamento de divórcio, previsto na al. d) do art. 1781.º do CC – não exige, para a sua verificação, qualquer duração mínima, como sucede com as restantes causas que impõem um ano de permanência. II - A demonstração da ruptura definitiva – presumida no caso das alíneas a), b) e c) do art. 1781.º do CC ao fim de um ano – implicará a prova da quebra grave dos deveres enunciados no art. 1672.º do CC e da convicção de irreversibilidade do rompimento da comunhão própria da vida conjugal. III - No contexto da causa de pedir enunciada na al. d) do art. 1781.º do CC – «quaisquer outros factos que, independentemente da culpa dos cônjuges, mostrem a ruptura definitiva do casamento» – o tempo ou a duração desses factos releva como elemento de prova da cessação duradoura e irreversível da comunhão conjugal, podendo e devendo ser considerada pelo tribunal ao abrigo do disposto no art. 264.º, n.º 2, do CPC (factos instrumentais que resultem da instrução e discussão da causa).” - o Acórdão de 18-09-2018 (proc. n.º 4247/16.0T8VCT.G1.S1, que assevera o seguinte: III - “Na alínea d) do citado normativo o legislador adoptou um conceito indeterminado: “ruptura definitiva do casamento”, como fundamento residual do divórcio. Pode, pois, ser o caso de tendo ocorrido separação de facto, por menos de um ano, esse facto objectivo – separação de facto – mostrar, evidenciar, ruptura definitiva do casamento. IV - A ruptura definitiva deve assentar numa conduta que, apreciada objectivamente, implique um comportamento grave, intencional, que tornando inviável a vida em comum, infringe os deveres do casamento, enquanto contrato, que não deixam de ser os de sempre, previstos no art. 1672.º do CC, “Os cônjuges estão reciprocamente vinculados pelos deveres de respeito, fidelidade, coabitação, cooperação e assistência”. V - O melindre da ponderação radica em saber se o conceito “ruptura definitiva” implica a apreciação da gravidade do comportamento, apenas sendo de decretar o divórcio se, pela intensidade da violação, for de concluir que, a todas as luzes, a relação afectiva conjugal cessou e, como tal, o divórcio deve ser decretado, como remédio e não como sanção para pôr termo a uma relação conjugal definitivamente inviável. VI - A objectividade do comportamento, dependendo de uma actuação, não confere, por si só, inexoravelmente, a concessão do divórcio, pois, de outro modo, teríamos o que alguns consideram ser a consagração da modalidade “divórcio a pedido”, que afronta a dignidade pessoal, porque próxima do repúdio conjugal.” - O Acórdão de 25-02-2021 (proc. n.º 1299/16.6T8TMR.E2.S1, in www.dgsi.pt, que mereceu o seguinte sumário: I - O fundamento do divórcio litigioso previsto na al. d) do art. 1781.º do CC traduz-se num tipo de cláusula geral, em torno do conceito indeterminado de “rutura definitiva do casamento”, o qual poderá ser preenchido por “quaisquer factos” reveladores dessa rutura. II - A rutura definitiva do vínculo matrimonial deve ser consubstanciada em factos objetivos que, pela sua gravidade ou reiteração, impliquem, em conformidade com as regras da experiência comum, uma situação consolidada de rompimento da vida conjugal, sem qualquer propósito de restabelecimento por parte dos cônjuges, independentemente das respetivas culpas, não se bastando com factos banais ou esporádicos nem tão pouco com razões ou sentimentos de índole meramente subjetiva de qualquer dos consortes. III - Enquanto a demonstração dos casos típicos previstos nas als. a), b) e c) do art. 1781.º do CC faz presumir, iuris et de iure, a rutura definitiva do casamento, já o fundamento configurado na respetiva al. d), sob a fórmula de uma cláusula geral objetiva, implica a prova efetiva dessa rutura, independentemente das circunstâncias específicas exigidas naquelas primeiras alíneas, nomeadamente o vetor de duração temporal mínima. IV - Nessa medida, poderá a demonstração da rutura definitiva do casamento resultar de um núcleo fáctico único ou mais singular, desde que dotado de intensidade suficientemente reveladora de uma situação e intencionalidade que, à luz do consenso social, se mostrem inequívocas no sentido da emergência dessa rutura definitiva.” GUILHERME DE OLIVEIRA ensina, em “A nova lei do divórcio”, Coimbra Editora, pp. 13 e ss., que “a lei nova adoptou mais claramente a ideia do divórcio-ruptura ao afirmar o princípio de que a dissolução do casamento pode sempre fundar-se na ruptura definitiva do matrimónio, e de que esta ruptura pode ser demonstrada através da prova de quaisquer factos (alínea d)). Dito de outro modo, a ruptura do casamento não é relevante apenas quando se provam as “causas determinadas” pela lei (das alíneas a), b) e c)), mas também noutras situações que não são especificadamente previstas. (…) estes motivos relevantes não costumam ser explicitados como “causas de divórcio”, mas são usados na jurisprudência para fundamentar o “irretrievable breakdown” do casamento (a ruptura irremediável do casamento), ou cabem numa norma especial que permite a dissolução mais rápida do que os prazos normais de separação de facto autorizariam, ou sem que seja necessário iniciar uma separa de facto, com fundamento numa “especial onerosidade” (exceptional hardship) para o autor.” Conclui o referido autor que “No âmbito da alínea d), o tribunal ganha uma margem de apreciação que as anteriores alíneas não lhe conferem. Assim, o tribunal fica com a liberdade indispensável para reconhecer quando é que certos factos (não previstos na lei), mostram a ruptura definitiva do casamento; e o juiz não tem um elenco de factos relevantes, nem um prazo mínimo de duração, que o possa guiar no seu juízo. Nestas condições, certos factos muito graves chegam bem para sustentar a conclusão sobre a ruptura, sem que tenham que repetir-se ou prolongar-se no tempo; e sem que seja concebível exigir que um cônjuge se separe e espere um ano, pata se divorciar. Outros factos - menos graves mas reiterados - podem fundamentar a mesma conclusão sobre a ruptura, desde que forneçam uma prova tão clara como a que resulta da separação de facto por um ano”. EVA DIAS COSTA (in Código Civil Anotado, Livro IV – Direito da Família, Coord. Maria Clara Sottomayor, Almedina, 1.ª edição, p. 541) afirmou, neste âmbito, que “na ótica do divórcio constatação da rutura a que aderiu o legislador, ninguém deve permanecer casado contra sua vontade ou quando considerar que houve quebra do laço afetivo”. Como é sabido, o conceito de ruptura definitiva do casamento tem vindo a acompanhar e a sofrer mutações em consequência da própria evolução da sociedade no tocante ao significado do casamento e à primazia da individualidade e liberdade de escolha dos cônjuges. A este propósito, pronunciou-se o Acórdão de 23-02-2021, no processo nº 3069/19.0T8VNG.P1.S1, disponível em www.dgsi.pt), afirmando que “… não pode, nesta sede, descurar-se a alteração do sistema de divórcio que decorre, em último recurso, da metamorfose sofrida pelo próprio conceito de casamento. Na verdade, a evolução do direito civil da família tem sido no sentido de uma progressiva emancipação do indivíduo no seio do grupo familiar, com as consequentes permeabilidade do direito a volições individuais e compressão das exigências da família enquanto formação social. Trata-se da afirmação do primado da liberdade do indivíduo. Uma pretensão de incremento de autenticidade e de felicidade conduziram como que a uma absolutização da afetividade, como que a uma redução do vínculo jurídico a um aliquid voluntatis. No direito da família, em geral e, em particular, no âmbito das crises familiares, o legislador depara-se com a dificuldade representada pelas delicadas mediações ideológicas e sociais que lhe são exigidas numa sociedade complexa e caracterizada por fenómenos de permanente e célere alteração. Verificou-se assim a sucessão de várias intervenções legislativas. Aqui se manifesta também o embaraço do intérprete chamado a descortinar, a interpretar e a conformar segundo a ideia de Direito a dinâmica dos dados institucionais face aos movimentos da realidade social. A sociedade hodierna não aceita facilmente aquelas restrições à autonomia tradicionalmente implicadas pela celebração do casamento. A adoção do sistema de divórcio pura constatação da ruptura do casamento – o direito de livremente sair do casamento de que cada um dos cônjuges é titular – realça claramente a tentativa de proteção da autonomia no seio da relação conjugal. Entre os sistemas de divórcio-sanção, divórcio-remédio e divórcio pura constatação da ruptura do casamento, o legislador optou claramente pelo último. O princípio da liberdade de escolha dos cônjuges postula que ninguém deve permanecer casado contra sua vontade. A invocação da rutura definitiva da vida em comum é fundamento suficiente para que o divórcio seja decretado. A metamorfose do sistema de divórcio em vista da auto-realização insere-se num ethos de autonomia pessoal no domínio das relações de intimidade. “A estabilidade da família está nas mãos dos cônjuges”, não podendo o Direito garanti-la contra a vontade dos interessados. Na verdade, o significado jurídico do casamento mudou, especialmente neste século. O reconhecimento progressivo da individualidade humana resultou numa evolução do matrimónio de um estatuto virtualmente imutável para um facilmente dissolúvel.” (sublinhado nosso) Resulta assim evidente que, independentemente da culpa dos cônjuges, que não tem qualquer relevância no âmbito da análise que nos ocupa, o propósito de não reatar a vida em comum é causa ou, pelo menos, resultado do incumprimento de deveres conjugais. Compreende-se, por isso, a seguinte afirmação vertida no Acórdão de 12-03-2013 deste STJ, no processo nº 2046/09.4TBVCD.P2.S1 (in www.dgsi.pt): “Ao dispensar os motivos ou os factos concretos, materiais e reais que podem servir de fundamento do pedido de divórcio, “independentemente da culpa dos cônjuges”, o legislador não pode ter querido: a) que esses factos não tivessem o mínimo de atinência com factos objectivos susceptíveis de ser referenciados aos deveres conjugais [sublinhado nosso]; b) que esses factos não assumissem uma relevância jurídico-material que os alçapremasse à categoria de valor-fundamento sócio-familiar e que não assumissem um significado subjectivo e objectivo capaz de influir no conceito de vida em comum; c) que não obtivessem uma valoração societária susceptível de colher guarida no feixe de valores que estão ínsitos na ideia, ainda que bastante difusa e diluída, em certos sectores, da instituição social em que o casamento se transformou numa sociedade de raízes e valores prevalentemente judaico-cristãos.”
Assim, voltando ao nosso caso e centrados na factualidade apurada e supra descrita, o propósito de não reatar a vida em comum, em si tradutor da ruptura definitiva do casamento, resulta, a nosso ver, desde logo da propositura da ação de divórcio (em .../.../2016), quando já entre Autor e Ré não existia qualquer tipo de contacto desde 18-12-2015 (há cerca de 7 meses), sendo que desde tal data de separação não tinha o Autor qualquer vontade ou propósito de reatar vida em comum com a Ré, nunca mais se tendo verificado entre ambos qualquer contacto, situação de total afastamento que se manteve até ao decesso do Autor (facto 7). Assim, muito embora não se tenha verificado uma separação de facto por um ano, que poderia justificar o divórcio nos termos da al. b) do art. 1781º do CC, releva a mesma, embora verificada pelos ditos 7 meses, para efeitos da al. d) do mesmo normativo, para efeitos de preenchimento da cláusula geral da rutura definitiva do casamento. Isto porque ficou demonstrada a firme vontade do Autor de não reatar vida em comum com a Ré, circunstãncia esta que se revela absoluto bloqueio á possibilidade de, pese embora a separação de facto durante pelo menos 7 meses seguidos e ininterruptos, vir o casamento e recuperar qualquer vitalidade. Ou de outro modo, a inexistência de qualquer contacto entre Autor e Ré, pelo período de, pelo menos, 7 meses até à data da propositura da ação, acompanhada da firme vontade do Autor de não reatar vida em comum com a Ré, situação objectiva aquela e circunstância subjectiva esta, que perduraram até à data do falecimento do Autor, importam articuladamente, sem tecer quaisquer considerações sobre a culpa dos cônjuges, ou sem necessidade de apreciar quem incumpriu os deveres conjugais de coabitação e assistência, concluir que ficaram estes deveres clara e irreversivelmente comprometidos e violados, o que não pode deixar de evidenciar, de forma inequívoca, uma situação de rutura definitiva do casamento, assim se constatando preenchida a al. d) do art. 1871º do CC..
Haverá, assim, que concluir pelo acerto do Acórdão recorrido, cuja confirmação se impõe, improcedendo totalmente a revista.
ACÓRDÃO
Pelo exposto, Acordam os Juízes Conselheiros que integram a 1ª secção Cível deste Supremo Tribunal de Justiça em julgar a revista improcedente, confirmando-se o acórdão recorrido. Custas pelo recorrente.
Relator: Nuno Ataíde das Neves 1ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Maria dos Prazeres Beleza 2ª Juíza Adjunta: Senhora Conselheira Fátima Gomes |