Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
Processo: |
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Nº Convencional: | 6.ª SECÇÃO | ||
Relator: | LUÍS ESPÍRITO SANTO | ||
Descritores: | INSOLVÊNCIA PROCESSO ESPECIAL COMPETÊNCIA MATERIAL JUÍZO CÍVEL TRIBUNAL DE COMPETÊNCIA GENÉRICA TRIBUNAL DE COMÉRCIO INTERPRETAÇÃO DA LEI ADMISSIBILIDADE DE RECURSO RECURSO DE REVISTA OPOSIÇÃO DE JULGADOS | ||
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Data do Acordão: | 09/08/2021 | ||
Votação: | UNANIMIDADE | ||
Texto Integral: | S | ||
Privacidade: | 1 | ||
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Meio Processual: | REVISTA (COMÉRCIO) | ||
Decisão: | NEGADA A REVISTA. | ||
Indicações Eventuais: | TRANSITADO EM JULGADO | ||
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Sumário : | I - A competência dos juízos centrais cíveis restringe-se ao conhecimento dos processos de natureza comum e de valor superior a € 50 000,00, nos termos do art. 117.º, n.os 1 e 2, da LOSJ. II - Tratando-se de acções de natureza especial, ou de valor não superior a € 50 000,00, não assiste aos juízos centrais cíveis competência material para delas conhecer. III - Logo, não existindo na comarca juízos especializados de comércio, a competência para o conhecimento dos processos especiais de insolvência encontra-se deferida aos juízos locais cíveis ou aos juízos de competência genérica, nos termos gerais do art. 130.º, n.º 1, da LOSJ, dado o seu carácter residual. IV - A previsão do n.º 2 do art. 117.º da LOSJ apenas se aplica às acções da competência dos juízos de comércio, nos termos do art. 128.º do mesmo diploma legal, que não revistam natureza de acção especial, como é o caso das acções de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; as relativas ao exercício de direitos sociais e as de anulação de deliberações sociais, em conformidade com a previsão das als. b), c) e d) do art. 128.º da LOSJ, e desde que o respectivo valor seja superior a € 50 000,00. | ||
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Decisão Texto Integral: | Revista nº 40/21.6T8ODM-A.E1.S1 Acordam no Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção). I - RELATÓRIO. Ares Lusitani – STC, S.A., instaurou no Juízo de Competência Genérica ….… acção especial de insolvência contra Multiparques A Céu Aberto e Caravanismo em Parques, S.A. Nomeado o administrado provisório, veio a requerida Multiparques A Céu Aberto e Caravanismo em Parques, S.A., contestar, excepcionando a incompetência do tribunal em razão da matéria, face à competência dos juízos centrais cíveis - que diz verificar-se - para o conhecimento do presente processo especial de insolvência. Concluiu pela sua absolvição da instância e, em qualquer caso, pela improcedência da acção. Foi proferido, em 1ª instância, despacho que conheceu da excepção de incompetência absoluta do tribunal, julgando-a improcedente. A requerida recorreu desta decisão para o Tribunal da Relação …., o qual, através do acórdão proferido em 29 de Abril de 2021, julgou a apelação improcedente, confirmando assim a decisão recorrida. A requerida apresentou, então, recurso de revista para o Supremo Tribunal de Justiça, com fundamento na existência de contradição de julgados (artigo 14º, nº 1, 2ª parte, do CIRE). Concluiu nos seguintes termos: I. Por força do art.º 117.º, n.º 2 da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário), a competência global dos Juízos do Comércio, estabelecida no art.º 128.º, n.º 1, alínea a), em bloco, é transferida para os Juízos Centrais Cíveis, cabendo, necessariamente, na previsão da alínea d) do n.º 1 daquele primeiro, que estabelece, que os Juízos Centrais Cíveis exercem “as demais competências conferidas por lei”; II. Os Juízos de Competência Genérica em comarcas onde não se encontre instalado um Juízo de Comércio são absolutamente incompetentes para conhecer de um processo de insolvência, ainda mais quando de valor superior a € 50.000,00. III. Tal incompetência absoluta em razão da matéria determina e deveria ter determinado a absolvição da instância da Requerida. IV. O acórdão recorrido viola assim o n.º 1, alínea d) e n.º 2 do art.º 117.º da Lei n.º 62/2013, de 26 de agosto (Lei da Organização do Sistema Judiciário) e os art.º 97.º e 99.º do CPC. V. Deve, assim, ser revogado o acórdão recorrido, absolvendo-se a Requerida da instância. Contra-alegou a requerente, apresentando as seguintes conclusões: 1. O recurso ora sob resposta vem interposto do acórdão proferido pelo Tribunal da Relação ……, em 29 de Abril de 2021, que confirmou a decisão então recorrida, julgando improcedente a excepção de incompetência absoluta do Juízo de Competência Genérica ….. para julgar o presente processo de insolvência. 2. Além do recurso apresentado ser manifestamente improcedente – por carecer de qualquer fundamento – a verdade é que o mesmo é inadmissível, devendo ser liminarmente rejeitado, por dois motivos. 3. Em primeiro lugar, não obstante a admissibilidade do presente recurso assentar na existência de oposição de julgados, as conclusões do recurso da RECORRENTE nem sequer fazem referência à contradição de julgados, o que obsta a que tal contradição seja ponderada e valorada pelo Supremo Tribunal de Justiça. 4. Em segundo lugar, estando em causa um recurso de revista excepcional – interposto ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 14.º, do CIRE – incumbe à RECORRENTE o ónus de demonstrar que o(s) acórdão(s)-fundamento que invoca transitaram em julgado, devendo, para esse efeito, juntar a respectiva certidão do trânsito, o que não logrou fazer. 5. Consequentemente, a RECORRENTE não cumpriu com o ónus de alegação que lhe era exigível, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado ou, caso assim não se entenda, ser a RECORRENTE convidada a aperfeiçoar as respectivas conclusões, sob pena de rejeição do presente recurso. 6. Em qualquer caso, no que concerne ao objecto do presente recurso – responder à questão de saber a que instância (central ou local) compete a tramitação de um processo de insolvência quando inexiste um juízo de comércio numa determinada Comarca – diga-se que andou muito bem o Tribunal da Relação ao decidir que o Juízo de Competência Genérica ...... é competente para tramitar o presente processo de insolvência, atendendo à inexistência de um Juízo de Comércio na Comarca ………. 7. É que norma do artigo 117.º, n.º 1, da LOSJ, é uma norma de competência especializada, encontrando-se a competência dos juízos centrais delimitada tendo por base (i) a natureza da acção e (ii) o seu valor. 8. Nestes termos, a extensão da competência prevista no n.º 2 do artigo 117.º da LOSJ apenas se aplica às acções declarativas de processo comum, previstas no artigo 128.º da LOSJ, que tenham um valor superior a € 50.000,00. 9. Isso mesmo resulta da letra da lei, a qual não faz uma remissão em bloco da competência para julgar as acções originalmente sujeitas dos juízos de comércio para os juízos centrais cíveis, antes mandando aplicar a previsão normativa do n.º 1 do artigo 117.º da LOSJ – que delimita a competência tendo por base a natureza da acção e o seu valor – a tais acções e processos. 10. Não cabe aos juízos centrais o julgamento de acções e processos previstos no artigo 128.º da LOSJ que tenham natureza especial, como é o caso do presente processo de insolvência. 11. O Supremo Tribunal de Justiça já se pronunciou expressamente sobre o alcance do disposto no n.º 2 do artigo 117.º da LOSJ e a competência para conhecer de processos de insolvência, na ausência de juízo de comércio na respectiva comarca, 12. tendo, após ponderação dos vários entendimentos, dissipado quaisquer dúvidas que pudesse existir, no sentido de que, nesses casos, a competência pertence aos juízos locais, por força da competência residual atribuída no citado artigo 130.º, n.º 1, da LOSJ. 13. Em face de todo o exposto, é forçoso conclui que, nas comarcas onde não foram criados juízos de comércio, como é o caso da Comarca …. …., a competência para a preparação e julgamento dos processos de insolvência, por serem processos especiais e atento o critério de competência residual consagrado no artigo 130.º, da LOSJ, encontra-se cometida aos juízos locais, in casu, ao Juízo de Competência Genérica de ….. II – FACTOS PROVADOS. Os indicados no RELATÓRIO supra. III – QUESTÕES JURÍDICAS ESSENCIAIS DE QUE CUMPRE CONHECER. 1 – Admissibilidade da presente revista, fundada na contradição de julgados sobre a mesma questão jurídica em discussão, nos termos do artigo 14º, nº 1, 2ª parte, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE). 2 – Competência material para a tramitação e conhecimento dos processos especiais de insolvência nas comarcas em que não existam juízos especializados de comércio. Atribuição dessa competência aos juízos locais cíveis. Passemos à sua análise: 1 – Admissibilidade da presente revista, fundada na contradição de julgados sobre a mesma questão jurídica em discussão, nos termos do artigo 14º, nº 1, 2ª parte, do Código da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE). A recorrida pugnou pela inadmissibilidade da presente revista e consequente rejeição, alegando para o efeito: As conclusões do recurso não fazem referência à contradição de julgados, o que obsta a que tal contradição seja ponderada e valorada pelo Supremo Tribunal de Justiça. Estando em causa um recurso de revista excepcional – interposto ao abrigo do disposto no n.º 1, do artigo 14.º, do CIRE – incumbe à RECORRENTE o ónus de demonstrar que o(s) acórdão(s)-fundamento que invoca transitaram em julgado, devendo, para esse efeito, juntar a respectiva certidão do trânsito, o que não logrou fazer. Consequentemente, a recorrente não cumpriu com o ónus de alegação que lhe era exigível, devendo o recurso ser liminarmente rejeitado ou, caso assim não se entenda, ser convidada a aperfeiçoar as respectivas conclusões, sob pena de rejeição do presente recurso. Apreciando: Não assiste razão à recorrida. Nas alegações do recurso de revista encontra perfeitamente identificada a apontada contradição de julgados que justifica a respectiva interposição, com a expressa e inequívoca indicação do acórdão-fundamento, proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa em 12 de Fevereiro de 2019, no processo nº 3396/17.1T8PDL-B.L1, de que foi relator o então Juiz Desembargador Rijo Ferreira. Atendendo à clara indicação dos arestos contraditórios em confronto, bem como à exacta e concreta definição da questão jurídica controversa, em análise e debate, não se nos afigura curial exigir ainda ao recorrente a repetição formal (desnecessária e absolutamente supérflua), em sede de conclusões de recurso, da identificação do acórdão fundamento, não se suscitando, de resto, a menor dúvida quanto à sua existência, sentido e alcance. Apenas um exacerbado e inusitado formalismo explicaria a pretensa rejeição do recurso de revista com tal motivação, que não é de acolher. Por outro lado, após a notificação que lhe foi dirigida, a recorrente fez juntar aos autos a nota de trânsito em julgado do acórdão fundamento, dissipando qualquer eventual dúvida a este respeito, pelo que cumpre concluir que nada obsta à apreciação da presente revista, sendo manifesta a contradição de julgados verificada que, nos termos do artigo 14º, nº 1, 2ª parte, do CIRE, habilita a interposição do presente recurso de revista. 2 – Competência material para a tramitação e conhecimento dos processos especiais de insolvência nas comarcas em que não existam juízos especializados de comércio. Atribuição dessa competência aos juízos locais cíveis. Havendo sido instaurada acção especial de insolvência contra a requerida, a qual deu entrada no juízo de competência genérica da comarca ……., veio esta suscitar a incompetência material deste juízo para o conhecimento da causa, invocando a competência do juízo central cível face à inexistência na comarca ..….. de juízo especializado de comércio. A questão jurídica em apreço tem a ver portanto, por um lado, com o alcance da competência residual atribuída aos juízos locais cíveis, tal como se encontra prevista no artigo 130º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, e, por outro e de forma intrinsecamente conjugada, com a delimitação da competência dos juízos centrais cíveis resultante do disposto no artigo 117º do mesmo diploma legal, tendo-se em especial consideração a análise do no nº 2 desta última disposição, onde se prevê: “Nas comarcas onde não haja juízo de comércio, o disposto no número anterior é extensivo às acções que caibam a esses juízos”. A este propósito, entende a recorrente que o segmento deste nº 2 do artigo 117º da Lei da Organização do Sistema Judiciário tem por efeito imediato e necessário, face à inexistência na comarca de juízos especializados de comércio, que todos os processos previstos no artigo 128º, nº 1, do mesmo diploma legal, devam ser então tramitados e conhecidos pelos juízos centrais cíveis, independentemente dos respectivos valor e natureza. Tal interpretação do dito segmento legal determinará assim o conhecimento do processo de insolvência pelos juízos centrais cíveis, conferindo-lhes a inerente competência material, independentemente do valor da causa e da natureza especial desta acção (sendo certo que, na situação sub judice tal valor supera os € 50.000,00). No acórdão-fundamento que está na base da interposição da presente revista, e no qual se expressa a frontal e indubitável contradição de julgados nos termos e para os efeitos do artigo 14º, nº 1, 2ª parte, do Código Especial da Insolvência e da Recuperação de Empresas (vulgo CIRE), do Tribunal da Relação de Lisboa de 12 de Fevereiro de 2019, proferido no processo nº 3396/17.1T8PDL-B.L1, em que foi relator Rijo Ferreira, decidiu-se pela competência dos juízos centrais cíveis para o conhecimento da acção especial de insolvência, no caso da inexistência de juízos especializados de comércio, expondo para esse efeito o seguinte argumentário essencial: 1º - O artigo 117º, nº 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário constitui uma norma específica que se destina a regular a situação de inexistência de juízo de comércio. 2º - O que significa que a mesma visa estabelecer coisa diferente daquilo que já resultava da aplicação da lei sem tal norma específica. 3º - Segundo o artigo 128º da Lei Orgânica do Sistema Judiciário as acções aí elencadas foram elevadas à categoria de “instância central”, reconhecendo-se o seu maior grau de dificuldade técnica e a presumível melhor preparação e amadurecimento dos juízos dos tribunais de comércio. 4º - A expressão “(...) é extensivo às acções que caibam a esses juízos” constante do artigo 117º, nº 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, revela, da parte do legislador, duas intenções: a inexistência de distinção, em função da forma de processo e do valor entre as acções referidas; um acréscimo da competência atribuída ao juízo central, na esteira do permitido pela alínea d) do nº 1 do artigo 117º. 5º - Não é incompatível com a unidade do sistema a existência de regra própria para a atribuição de competência no caso de inexistência de juízo de comércio e a existência de uma outra regra para a atribuição de competência no caso de inexistência de outros tipos de juízo especializado. Pelo que o dito aresto concluiu que, em caso de inexistência de juízos especializados de comércio, todas as acções elencadas no artigo 128º da Lei Orgânica do Sistema Judiciário, independentemente da sua forma (comum ou especial) e do seu valor, passariam a ser da competência do juízo central cível. (Corroborando no essencial tal posição, vide Salazar Casanova, in “Notas Breves sobre a Lei da Organização do Sistema Judiciário (Lei nº 62/2013, de 26 de Agosto)”, publicado in Revista da Ordem dos Advogados, Ano 73, Volumes II/III (Abril-Setembro de 2013), página 268; Bruno Bom Ferreira, in “Revista Julgar Online”, de 11 de Outubro de 2015, artigo subordinado ao título “Insolvências: Central ou Local – Eis a questão”; o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 2 de Junho de 2016 (relator Ezaguy Martins), proferido no processo nº 2210/15.7T8PDL.L1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 26 de Março de 2015 (relatora Catarina Arêlo Manso), proferido no processo nº 702/14.4T8PDL.L1, publicado in www.dgsi.pt; o acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 30 de Junho de 2015 (relator Orlando Nascimento), proferido no processo nº 431/15.1T8PDL.L1, publicado in www.dgsi.pt, onde porém, em termos mais circunscritos, se estabelece como condição para a competência material dos juízos centrais cíveis em matéria de processos especiais de insolvência que estes tenham valor superior a € 50.000,00). Apreciando: Discordamos do entendimento sufragado no acórdão-fundamento, perfilhando-se antes a interpretação constante do acórdão recorrido. Na esteira do que constitui o entendimento do Supremo Tribunal de Justiça expresso nos acórdãos desta 6ª Secção (à qual se encontra legalmente deferida a apreciação dos recursos nas matéria referidas no artigo 128º da Lei da Organização do Sistema Judiciário) de 4 de Julho de 2019 (relatora Maria Olinda Garcia), proferido no processo nº 291/18.0T8AGH.L1.S2 e de 17 de Outubro de 2019 (relatora Graça Amaral), proferido no processo nº 2687/18.9T8PDL.S1, ambos publicados in www.dgsi.pt, considera-se que, não existindo na comarca juízos especializados de comércio, a competência material para conhecer de um processo de insolvência pertencerá às instâncias locais cíveis – e nesta situação ao juízo de competência genérica da comarca de …. -, uma vez que se trata de um processo de natureza especial, o que resulta da correcta e adequada interpretação dos artigos 117º, nº 1 e nº 2, e 130º da Lei da Organização do Sistema Judiciário. Esta posição assenta nos seguintes fundamentos essenciais: 1º - A competência atribuída aos juízos centrais cíveis encontra-se delimitada, em termos genéricos, no artigo 117º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, que exclui do seu âmbito a competência para o conhecimento das acções de natureza especial. Ou seja, este preceito é claro e inequívoco no sentido de restringir a competência dos juízos centrais cíveis às acções de natureza comum e que tenham valor superior a € 50.000,00. Com efeito, estes dois elementos (natureza comum da acção e valor superior a € 50.000,00) constituem exigências legais próprias e específicas, devendo ser considerados cumulativamente, enquanto critério para aferir da competência material dos juízos centrais cíveis. Foi este o exacto figurino que o legislador reservou, em termos de delimitação da sua competência material, para os juízos centrais cíveis, sem estabelecer excepções ou ressalvas. Assim, nas comarcas em que não existam juízos especializados de comércio só se verifica a competência dos juízos centrais cíveis em relação às acções referenciadas no artigo 128º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, no caso de estarmos perante processos de natureza comum e cujo valor seja superior a € 50.000,00. Ao invés e logicamente, tratando-se de acções de natureza especial ou de valor não superior a € 50.000,00, não assiste competência aos juízos centrais cíveis para o respectivo conhecimento. Estas últimas acções incluem-se, portanto, no âmbito da competência residual dos juízos locais cíveis estabelecida, de forma genérica e abrangente, no artigo 130º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário. 2º - Não há dúvidas de que o processo de insolvência, constituindo uma acção especial nos termos gerais dos artigos 546º, 548º e 549º, nº 1, do Código de Processo Civil, rege-se pelas regras próprias e pelas disposições gerais e comuns, sendo que, nos termos do artigo 17º, nº 1, do CIRE: “Os processos regulados no presente diploma regem-se pelo Código de Processo Civil, em tudo o que não contrarie as disposições do presente Código”. Pelo que tais acções especiais não se integram na previsão do artigo 117º, nº 1 e 2, da Lei da Organização do Sistema Judiciário, verificando-se tal exclusão independentemente do valor atribuído ao processo de insolvência em causa (isto é, ainda que seja superior a € 50.000,00), que aliás, em função do disposto no artigo 15º do CIRE, é sempre passível de correcção durante a pendência dos autos, uma vez verificada a divergência entre o valor indicado pelo devedor e o valor real. A sua natureza de acção especial (do processo especial de insolvência) afasta-o, desde logo, liminarmente, da subsunção na previsão do artigo 117º, nº 1, da Lei da Organização do Sistema Judiciário. 3º - Cumpre ainda concluir que a previsão do nº 2 do artigo 117º da Lei da Organização do Sistema Judiciário apenas se aplica às acções da competência dos juízos de comércio, nos termos do artigo 128º do mesmo diploma legal, mas que não revistam natureza especial, como é o caso das acções de declaração de inexistência, nulidade e anulação do contrato de sociedade; as relativas ao exercício de direitos sociais e as de anulação de deliberações sociais, em conformidade com a previsão das alíneas b), c) e d) do artigo 128º da Lei da Organização do Sistema Judiciário, e desde que o respectivo valor seja superior a € 50.000,00. Tal interpretação confere significado útil e aplicação prática ao estipulado no nº 2, do artigo 117º, sem colocar em crise a configuração essencial conferida pelo legislador ao nº 1, do mesmo preceito: reservar para os juízos centrais cíveis apenas o conhecimento das acções de natureza comum e de valor superior a € 50.000,00. A invocada e pretensa vantagem resultante de, segundo o acórdão-fundamento, a competência dos juízos centrais cíveis em matéria insolvencial expressar o reconhecimento do seu maior grau de dificuldade técnica e da presumível melhor preparação e amadurecimento dos juízes respectivos, é contraditória com a circunstância objectiva de o legislador não se haver preocupado, até hoje, em criar juízos especializados de comércio em todo o território nacional, sendo que nada na lei permite afirmar que estes juízos equivalem a verdadeiros juízos centrais, uma vez que, pelo menos formalmente, não são qualificados e considerados como tal. (Adoptando o entendimento por nós propugnado, vide Salvador da Costa e Luís Lameiras, in “Lei da Organização do Sistema Judiciário”, Almedina 2017, 3ª edição, a página 188; Miguel Teixeira de Sousa in IPPC (Blogue), Jurisprudência (79); António Alberto Vieira Cura in “Curso de Organização Judiciária”, 2ª edição, Coimbra Editora, 2014, páginas 187 a 188; acórdão do Tribunal da Relação de Évora de 15 de Janeiro de 2015 (relator Mário Serrano), proferido no processo nº 469/14.6TBPTG-A.E1, publicado in www.dgsi.pt; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22 de Junho de 2017 (relatora Ondina Alves), proferido no processo nº 548/17.8T8PDL.L1, publicado in www.dgsi.pt.; acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 23 de Outubro de 2018 (relatora Ana Rodrigues da Silva), proferido no processo nº 291/18.0T8AGH.L1, publicado in www.dgsi.pt). Nega-se, portanto, a revista, confirmando-se o acórdão recorrido. IV – DECISÃO. Pelo exposto, acordam os juízes do Supremo Tribunal de Justiça (6ª Secção) em negar a revista. Custas pela recorrente. Lisboa, 8 de Setembro de 2021. Luís Espírito Santo. (Relator) Ana Paula Boularot. Pinto de Almeida. V – Sumário elaborado pelo relator nos termos do artigo 663º, nº 7, do Código de Processo Civil. |