Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
26854/19.9T8LSB.L1.S1
Nº Convencional: 1ª. SECÇÃO
Relator: ISAÍAS PÁDUA
Descritores: CENTRO COMERCIAL
CONTRATO ATÍPICO
CONTRATO DE UTILIZAÇÃO
INCUMPRIMENTO DO CONTRATO
REGIME APLICÁVEL
RESOLUÇÃO DO NEGÓCIO
DEVER DE INDEMNIZAR
LUCRO CESSANTE
DANO EMERGENTE
INTERESSE CONTRATUAL POSITIVO
CÁLCULO DA INDEMNIZAÇÃO
PRINCÍPIO DA DIFERENÇA
ÓNUS DA PROVA
DANO
CRITÉRIO DE QUANTIFICAÇÃO
Nº do Documento: SJ
Data do Acordão: 04/12/2023
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: REVISTA
Decisão: NEGAR A REVISTA
Sumário : I - Os contratos de utilização de uma loja integrada num centro comercial (vulgarmente designados por shopping centers) celebrados entre o seu utilizador (lojista) e o proprietário/administrador do mesmo, são, em regra, contratos atípicos ou inominados, aos quais são aplicáveis, para além daquilo que for neles expressamente convencionado/clausulado na sua outorga, os princípios gerais que regem a disciplina dos contratos e da responsabilidade civil a eles inerentes.
II - O incumprimento contratual por parte do proprietário/gestor do centro comercial, que (sem justa causa) fizer cessar o contrato antes do prazo convencionado, constitui-o na obrigação/dever de indemnizar o lojista não só pelos denominados danos emergentes (damnum emergens), como também os designados lucros cessantes (lucrum cessans).

III - Em tal situação, a indemnização pedida pelo lojista pelos lucros cessantes advenientes da indevida cessação antecipada do contrato apresenta-se na veste da violação do interesse contratual positivo, pois que visa colocá-lo na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido exata ou pontualmente cumprido.

IV - Dano esse, reportado aos lucros cessantes, que deve ser encontrado através da aplicação de teoria da diferença consagrada no n.º 2 do art. 566.º do CC, medindo-se o mesmo pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, sendo para o encontro desse dano legítimo o recurso a critérios de probabilidade ou previsibilidade, e a que se reportam os arts. 563.º e 564.º, n.º 2, daquele mesmo diploma legal.

V - Inserindo-se tal dano num dos pressupostos legais que impõem, em termos de responsabilidade civil (neste caso contratual), ao lesante/incumpridor a obrigação de indemnizar o lesado, é sobre este que impende o ónus de prova da realidade factual de onde se possa extrair a existência/ocorrência desse dano (reportado aos lucros cessantes).

VI - Prova essa que não se confunde com a ausência de prova relativa à quantificação do referido dano.

Decisão Texto Integral:

Acordam no Supremo Tribunal de Justiça

I- Relatório



1. A autora, ELAMEIAS – COMÉRCIO DE LINGERIE, S.A., instaurou (10/02/2019) a presente ação declarativa, com forma de processo comum, contra o réu, NOVIMOVEST – FUNDO DE INVESTIMENTO IMOBILIÁRIO ABERTO pedindo a condenação deste a pagar-lhe a quantia de € 108.042,35, acrescida dos respetivos juros moratórios entretanto vencidos e vincendos até efetivo e integral pagamento.

Para o efeito, e em síntese, alegou:

Ter celebrado com o réu, um contrato de utilização de uma loja que se integra no centro comercial de que mesmo é proprietário e administra, nas condições que descreve no articulado da sua petição, e que foi entretanto objeto das alterações que igualmente ali refere.

Entre essas alterações introduzidas destaca-se a alteração de cláusula que passou a prever um novo período de duração do contrato, bem como a possibilidade de revogação unilateral do mesmo, sem necessidade da invocação de qualquer fundamento para o efeito, e desde os seus efeitos ocorressem ou se produzissem a partir de finais de dezembro de 2019.

Acontece que o réu, servindo-se dessa alteração, em inícios os daquele ano comunicou-lhe a decisão de que revogara o dito contrato, com a produção de efeitos a partir logo de 30/04/2019, impedindo-a, a partir daí de continuar a utilizar/explorar a referida loja, pelo menos até finais de dezembro daquele mesmo ano.

Situação, contratualmente ilícita, essa que que acarretou para a A. diversos prejuízos, quer ao nível de danos emergentes (no montante de total de € 50.093,65), quer ao nível de danos futuros/lucros cessantes (no montante de total de € 57.948,70), que atingiram o montante global acima peticionado, e que o R. se vem recusando a pagar-lhe, ressarcindo-a desse modo de tais prejuízos.

2. Contestou o R., negando, em síntese, que a A. tenha sofrido os invocados danos, em consequência daquela sua revogação unilateral do contrato, e daí ter pedido a improcedência da ação, com a sua absolvição do pedido.

3. Saneado o processo, os autos prosseguiram para audiência de discussão e julgamento.

4. Seguiu-se a prolação (20/01/2022) da sentença, com a seguinte parte dispositiva final:

« Pelo exposto, decido julgar parcialmente procedente a presente ação, condenando o Réu a pagar à Autora a quantia de 17.993,50, acrescida de juros de mora, à taxa supletiva legal, devidos desde a citação até integral pagamento, absolvendo-a do mais peticionado. Custas pela Autora e pelo Réu na proporção do decaimento. »

5. Inconformados com tal sentença decisória, dela apelaram o Réu (recurso independente) e a Autora (recurso subordinado).

Recursos esses que que restringiram apenas à parte da sentença que decidiu e fixou o montante a pagar pelo R. à A. relativamente aos lucros cessantes: o R. defendendo a sua absolvição de tal pedido (e que ali foi condenada a pagar à A., no montante de € 17,285,44, reportando-se o restante montante da condenação, € 708,06, aos danos emergentes), e a A. defendendo que a condenação do R. reportada a tais danos/lucros cessantes se deveria cifrar no montante indemnizatório de € 52.99,83 (conformando-se com o montante fixado pela sentença relativamente à indemnização pelos danos emergentes).

6. Na apreciação desse recurso, o Tribunal da Relação de Lisboa (TRL), por acórdão de 14/07/2022, decidiu no final:

a) Negar provimento ao recurso subordinado da A.;

b) Conceder provimento ao recurso do R. e, em consequência, “revogar a sentença recorrida na parte em que condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €17.993,50 (dezassete mil e novecentos e noventa e três euros e cinquenta cêntimos) que se substitui pelo presente acórdão que condena a Ré a pagar à Autora a quantia de €708,06 (setecentos e oito euros e seis cêntimos), mantendo-se no mais (isto é, na condenação em juros de mora e em custas) a sentença recorrida.”

7. Irresignada como tal acórdão decisório, a Autora dele interpôs recurso de revista, cujas respetivas alegações concluiu nos seguintes termos (respeitando-se a ortografia nelas adotada):

« 1. O Acórdão recorrido optou por se abster de apreciar o Recurso de Apelação interposto pela Autora, então Recorrente Subordinada, sob a justificação de que esta, alegadamente se terá abstido de impugnar a matéria de facto.

2. Cumpre recordar, que a matéria assente na Sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª instância, não foi negada a existência de lucro cessante, apenas não tendo ficado provado determinado montante específico – facto não provado g) da Sentença recorrida.

3. Resulta claro do teor das alegações e respectivas conclusões do Recurso Subordinado interposto pela Autora, que o que se alegou foi a aplicação e interpretação errónea da norma plasmada no artigo 564.º do Código Civil, tendo a Autora ora Recorrente, invocando a violação da lei substantiva na vertente de erro sobre a interpretação e aplicação da norma aplicável (in casu, o n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil).

4. Nesta sede, considera a Autora, então Recorrente, que ficou claro que o objecto do Recurso de Apelação foi a impugnação da interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil, tendo o objecto do Recurso de Apelação versado apenas sobre o quantum indemnizatório a título de lucros cessantes e o respectivo modo de cálculo.

5. Para o efeito, cumpre relembrar o teor do Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 17/11/2021 proferido no âmbito do processo n. º 8344/17.6T8STB.E1. S1, com o relator Tibério Nunes da Silva onde se refere que:

“Numa impugnação da decisão da matéria de facto deve constar das conclusões a indicação dos concretos pontos de facto tidos por incorretamente julgados. Não se impõe que se indiquem os números dos pontos impugnados, mas que, com clareza, resulte identificada a matéria que se quer pôr em causa.”.

6. Considera a ora Recorrente que estas considerações relativas à não impugnação específica da matéria de facto são aplicáveis mutatis mutandis à impugnação de direito, reconhecendo a ora Recorrente que no Recurso Subordinado de Apelação não utilizou a expressão “A norma jurídica violada foi o art. 564.º do Código Civil”. Artigo esse que tem como epígrafe “Cálculo da indemnização” e tendo logrando a ora Recorrente, no seu entender, demonstrar em que sentido deveria ter sido aplicada o referido preceito legal.

7. Para o que releva, o Recurso Subordinado impugnou a forma de cálculo utilizada pelo Tribunal de 1.ª instância na atribuição da indemnização por lucros cessantes, no que às facturações expectáveis diz respeito. A Sentença recorrida fez uso da teoria da diferença, com o que se concorda, tendo-se impugnado a parcela relativa à projecção das vendas para o período em causa.

8. Considera a ora Recorrente, s.m.o., que resulta claro do Recurso Subordinado por si entreposto, que o que esteve em sindicância foi a forma de cálculo da indemnização, nomeadamente no que se refere à segunda parte do n.º 1 do art. 564.º do Código Civil. Fica versado em todo o Recurso Subordinado, que o que se impugnou foi a aplicação/interpretação do artigo 564.º, n.º 1 do Código Civil.

9. No Recurso Subordinado [conclusões e) a u)], foi impugnada a parte da Sentença recorrida que atribui a indemnização por lucros cessantes.

10. Ficou claramente pasmado, nomeadamente nas conclusões o), q) e s) do Recurso Subordinado, que se impugnava a parcela das facturações expectáveis para o período em causa (uma das parcelas que compõe a teoria da diferença).

11. Aliás, o Tribunal de 1.º instância ao apreciar a prova (para a atribuição de uma indemnização a título de lucros cessantes), teve em conta o documento 16 junto à Petição Inicial e a prova produzida em audiência de julgamento. O que se contestou foi o juízo valorativo feito a essa prova para efeito da aplicação de uma norma jurídica, razão que sustentou a reapreciação da prova gravada, nomeadamente do depoimento do legal representante da Autora, Sr. AA e da testemunha arrolada pela Autora, Sr. BB, contabilista certificado.

12. Relativamente à suposta não prova das despesas em que a Autora incorreu (como se refere o douto Acórdão recorrido), o que não se provou em sede de julgamento [facto não provado f) da Sentença recorrida], foi que a Autora teve um prejuízo correspondente à parte das despesas em que já tinha incorrido e que eram especificamente adstritas à loja cujo CUL foi ilicitamente rescindido.

13. A Autora, ora Recorrente, suportou efectivamente as despesas elencadas no facto não provado f) da Sentença recorrida, o que não logrou foi provar quais dessas despesas poderia não ter tido se soubesse que a Ré, ora Recorrida, ia cessar ilicitamente o contrato a 31.12.2019.

14. Com efeito, e tal como suportado pela Sentença recorrida, para o cálculo do lucro cessante apenas relevam as despesas em que a Elameias iria incorrer caso o contrato tivesse sido integralmente cumprido, que corresponderiam à retribuição mensal e contribuições nas despesas comuns, bem como os proveitos que iria obter e não obteve por cessação ilícita do CUL.

15. Em resumo, a teoria da diferença reporta-se à diferença entre faturações que a Autora, ora Recorrente, esperava obter naquele período, calculadas com recurso à taxa de crescimento médio anual, tendo como referências aos exercícios de 2017 e 2018, bem como os primeiros 4 meses de 2019 e as despesas que a Autora não suportou (mas suportaria caso o contrato não tivesse sido ilicitamente revogado).

16. Em contraponto com a conclusão emanada do douto Acórdão Recorrido, de que não foi feita prova relativa ao lucro cessante, é necessário remeter, para o efeito, ao exposto nas Alegações de Recurso Subordinado interposto pela Elameias, bem como pela reapreciação da prova gravada, feita nessa sede.

17. A interpretação feita pelo Tribunal da Relação, merece total censura. A confusão entre lucro cessante e lucro financeiro/contabilístico é gritante. O lucro cessante corresponde, no entendimento da doutrina e jurisprudência maioritárias, aos ganhos que se frustraram da esfera do lesado, em consequência da lesão. Foi dado como provado e nunca contestado nos presentes autos que a Ré, ora Recorrida, incumpriu ilícita e culposamente o contrato celebrado com a Autora, com isso impedindo a Autora de desenvolver a sua actividade até 31 de Dezembro de 2019, a qual tinha a legítima expectativa jurídica de o vir fazer.

18. Por esse motivo, a Novimovest, torna-se responsável pelos prejuízos causados na esfera das Elameias, por incumprimento contratual, ao abrigo do disposto no artigo 798.º do Código Civil.

19. Ainda a este respeito, compete à Autora afirmar que, o lucro cessante compreende uma expectativa que se alicerça na normal evolução dos acontecimentos tidos como prováveis, daí o recurso ao critério da taxa de crescimento médio. Só através desse critério se pode atingir uma projecção de vendas mais aproximada e correcta do ponto de vista económico/contabilístico, pois a mesma baseia-se em acontecimentos passados para projectar acontecimentos futuros.

20. Como tal, a Autora, ora Recorrente, vem impugnar a aplicação/interpretação da norma do n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil.

21. Em estrito cumprimento do princípio da economia processual, e para efeitos de simplificação, a Autora, ora recorrente, remete para as Alegações feitas em sede de Recurso Subordinado, a explicação da forma de cálculo utilizada para o cálculo das projecções de facturações para o período compreendido entre Maio e Dezembro de 2019 (inclusive).

22. Cumpre ainda aludir, na opinião da Autora, por tudo o que já foi explanado nas presentes conclusões, à nulidade prevista na alínea d) do n.º 1 do artigo 615.º, do CPC, consubstanciando esta, também, fundamento de Recurso de Revista, ao abrigo do disposto na alínea c), do n.º 1 do artigo 674.º, do CPC. O Tribunal da Relação de Lisboa, absteve-se de apreciar as impugnações de direito feitas em sede de Recurso Subordinado.

23. Mesmo que colhessem os argumentos do tribunal da Relação de Lisboa, no que ao não conhecimento do Recurso Subordinado diz respeito, deveria aquele douto Tribunal, convidar a Autora ao aperfeiçoamento, ao abrigo do disposto no n.º 3 do artigo 639.º do CPC, o que não fez.

24. Finalizando, cumpre reforçar, que o que está em discussão é o valor indemnizatório atribuído a título de lucros cessantes e sua forma de cálculo. Cumpre referir que o documento 16 junto à Petição Inicial não foi contestado em juízo, tendo sido dado como matéria assente.

25. Sendo este documento, juntamente com a prova testemunhal da qual se requereu reapreciação, a base para o cálculo do valor a que a Autora teria direito a título de lucro cessante. A Sentença recorrida optoupela teoriada diferença (e bem), oque se impugna e impugnou é uma das parcelas dessa teoria, as projecções de vendas.

26. Como tal, a Autora, ora Recorrente impugna a interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil, no que ao cálculo do lucro cessante diz respeito, o que também constitui fundamento de Revista nos termos do disposto no art. 674.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.

27. Pelo exposto, peticiona a Autora que seja concedida a Revista e, em consequência, revogado o douto Acórdão recorrido na parte em que é dado provimento ao Recurso interposto pela Ré, mantendo-se no mais (condenação da Ré a indemnizar a Autora a título de danos emergentes no valor de 708,06€), e condenando a Ré Novimovest – Fundo de Investimento Imobiliário a pagar à Autora, Elameias – Comércio de Lingerie, S.A., uma indemnização a título de lucros cessantes no valor de 52.997,93€ (cinquenta e dois mil novecentos e noventa e sete euros e noventa e três cêntimos), pelo prejuízos causados pela cessação ilícita do contrato de utilização de loja celebrado entre as partes, acrescida de juros de mora à taxa supletiva legal, devidos desde a citação até ao integral pagamento. »

8. Não foram apresentadas contra-alegações ao recurso.

9. Cumpre-nos, agora, apreciar e decidir.


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II- Fundamentação



1. Do objeto do recurso.

Como é sabido, e constitui hoje entendimento pacífico, é pelas conclusões das alegações dos recorrentes que se afere, fixa e delimita o objeto dos recursos, não podendo o tribunal de recurso conhecer de matérias ou questões nelas não incluídas, a não ser que sejam de conhecimento oficioso (cfr. artºs. 635º, nº. 4, 639º, nº. 1, 608º, nº. 2, ex vi 679º do CPC).

Como vem, também, sendo dominantemente entendido, o vocábulo “questões” a que se reporta o citado artº. 608º, e de que o tribunal deve conhecer, não abrange os argumentos, motivos ou razões jurídicas invocadas pelas partes.

1.1 Ora, calcorreando as conclusões das alegações do sobredito recurso da A. verifica-se que as questões que se nos impõe aqui apreciar e decidir são as seguintes:

a) Da nulidade do acórdão (por violação do artº. 615, nº. 1 al. d), do CPC);

b) Da (in)existência dos lucros cessantes e do seu quantum.


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2. Dos Factos.

Pelas instâncias foram dados como provados os seguintes factos (mantendo-se os termos da sua descrição, a ordem, a numeração, e a ortografia tal como que constam da sentença e do acórdão recorrido):

1. Aos 23 de novembro de 2010, a Autora e o Réu outorgaram um contrato de utilização de loja em centro comercial relativamente à Loja n.º 1.39 sita no Piso 1 do Centro Comercial “...”.

2. Com a entrega da posse da loja, a Autora começou a exercer a sua atividade de comércio a retalho de lingerie, o que fez a partir de 1 de janeiro de 2011.

3. A 27 de dezembro de 2016, mantendo o interesse na relação contratual que mantinham entre si, a Autora e o Réu celebraram uma adenda ao referido contrato.

4. Uma das alterações contratuais foi a que incidiu sobre a cláusula quinta, passando a prever novo período de duração do contrato, bem como a possibilidade de “revogação unilateral” sem necessidade de invocação de qualquer fundamento desde que os seus efeitos ocorressem a partir de 31 de dezembro de 2019 e com uma antecedência mínima de seis meses.

5. A Autora sempre contou poder exercer a sua atividade na identificada loja, pelo menos, até ao final do ano de 2019.

6. Tendo, por isso, organizado toda a logística necessária e indispensável à prossecução da sua atividade em loja, seja a nível de stock, de recursos humanos, e de objetivos comerciais.

7. Esta era uma de seis lojas, sendo quatro lojas em centros comerciais, em que a Autora exerce a sua atividade comercial.

8. O Réu decidiu fazer obras de “reformulação” no piso onde se situava a loja e, unilateralmente, que o contrato cessaria os seus efeitos a partir de 30 de abril de 2019.

9. No início de 2019 foi a Autora informada que, por causa daquelas obras, deveria abandonar a loja a 30 de abril de 2019.

10. Facto que foi posteriormente formalizado por carta enviada pelo Réu, a 18 de março de 2019, nos termos da qual é dito que: “o NOVIMOVEST é forçado, por esta via, a rescindir antecipadamente o contrato que está em vigor com V. Exas., com efeitos reportados ao próximo dia 30 de abril de 2019”.

11. Em resposta, a Autora informou o Réu que não aceitava a rescisão antecipada e sem fundamento por este pretendida, dizendo que estaria disposta a uma relocalização de loja, desde que tal não implicasse custos para si.

12. Em resposta, por carta datada de 27 de março de 2019, informou o Réu:

- não ter dúvidas que não precedeu à revogação antecipada prevista no número dois da cláusula quinta do CUL, mas sim à rescisão antecipada do contrato sem fundamento nele previsto;

- não ter dúvidas que a Autora terá de entregar a posse da loja no dia 30 de abril de 2019; e

- não ter dúvidas que é responsável pelo ressarcimento de todos os prejuízos que a Autora comprovadamente tiver, manifestando abertura para a celebração de um acordo entre as partes que permitisse à Autora a mudança para outra loja do mesmo centro comercial.

13. As negociações foram feitas (estando na data já em andamento) com CC, responsável pelo centro comercial, não tendo sido possível chegar a acordo.

14. No dia 1 de maio de 2019, a Autora, através das suas funcionárias, diligenciou pela abertura da loja em causa.

15. Porém, o Segurança do centro comercial tinha ordens da Administração do Centro para transmitir que não era permitida a abertura da loja ao público.

16. A Autora intentou um procedimento cautelar de restituição provisória da posse, processo que correu termos no Tribunal Judicial da Comarca de..., Juízo Central Cível, Juiz ..., com o n.º 9251/19.3...

17. Como o Réu, entretanto, avançou com as obras, veio a ser proferida decisão, datada de 23 de julho de 2019, julgando a instância extinta por inutilidade superveniente da lide.

18. As partes agendaram uma reunião que teve lugar no dia 19 de setembro de 2019, na qual a Autora comunicou ao Réu quais os danos alegadamente sofridos e qual o montante de indemnização correspondente, tendo ficado combinado que a documentação que servia de suporte ao pedido seria posteriormente enviada por correio postal.

19. O que veio a ser feito por carta datada de 1 de outubro de 2019.

20. O Réu, em resposta, recusou o valor apresentado pela Autora.

21. A Autora, para o exercício da sua atividade (toda), celebrou contratos de trabalho e contratos de fornecimento de bens e/ou serviços com diversas entidades.

22. Alguns desses contratos tiveram por base o funcionamento de seis lojas da Autora, sendo quatro em centros comerciais, onde se inclui a que foi objeto do contrato celebrado entre as partes.

23. A Autora despendeu em serviços não prestados (em consequência do fecho da loja) entre maio e dezembro de 2019: - com “Câmaras – CCTV”, pelo trimestre de 1 de abril a 30 de junho de 2019, o valor de € 771,69; - com “Seguro relativo às Câmaras”, para o ano de 2019, o valor de € 290,40.

24. A Autora adquiriu toda a coleção do ano de 2019 a contar (também) com o funcionamento da loja do ... até (pelo menos) 31 de dezembro de 2019, o que fez com uma antecedência de um ano.

25. Entre janeiro e abril de 2019, conforme comunicado pela Autora ao Réu, a faturação média mensal da loja foi de € 4.148,76.

26. Durante todo o dia 1 de maio de 2019, as funcionárias da Autora não abriram a porta ao público mas permaneceram dentro da loja, entraram e saíram da mesma sempre que entenderam.

27. Nos dias 2 e 3 de maio de 2019, nenhuma das funcionárias da Autora se dirigiu à loja, permanecendo esta encerrada.

28. O Réu não mudou a fechadura da porta da loja, não colocou nenhum tapume ou taipal na mesma, não colocou nenhum vigilante à entrada da loja, nada fez que fisicamente impedisse o acesso da Autora à loja, nem ameaçou fazê-lo.

29. No dia 8 de maio de 2019, o empreiteiro contratado para realizar a obra começou a colocar à volta da “ilha” a ser intervencionada o tapume de proteção, pelo que, uma vez que a loja deixava de ter visibilidade exterior, o Réu teve que a selar, de forma a assegurar que nenhum dos subempreiteiros ou seus trabalhadores aí entrasse indevidamente.

30. A partir de 8 de maio de 2019, o Réu facultou à Autora armazém para tudo o que estava na sua loja e esta foi regularmente buscar bens ao local em que se encontravam, tendo sempre o Réu facilitado para esse efeito o acesso às trabalhadoras e colaboradoras da Autora.

31. Só em 2 de outubro de 2019 é que a Autora acabou de levantar do centro comercial do Réu o resto final dos seus pertences que anteriormente de encontravam na loja que aí explorou.

32. Nos termos da Cláusula Sétima, número 7, do contrato, na redação introduzida pela sua primeira adenda, a remuneração mínima mensal garantida pela cedência da utilização da loja (a partir de 2017, no valor de € 1.401,79 + IVA) devia ser paga pela Autora ao Réu até ao dia 5 de cada mês.

33. Nos termos da Cláusula Oitava, número 3, do contrato, a comparticipação nas despesas e encargos com o funcionamento do Centro Comercial e com a sua promoção (a partir de 2017, no valor de € 354,86 + IVA) também devia ser paga pela Autora ao Réu até ao dia 5 de cada mês.

34. O Réu não faturou à Autora a retribuição mensal pelo uso da loja no mês de maio nem a comparticipação nas despesas comuns de funcionamento do centro comercial respeitantes ao mês de maio.

35. A Autora não pagou ao Réu a retribuição mensal pelo uso da loja nos meses de maio a dezembro de 2019, nem a comparticipação nas despesas comuns de funcionamento do centro comercial respeitantes aos meses de maio a dezembro de 2019.

36. Uma das alterações introduzidas pela Adenda ao Contrato de Utilização de Loja em Centro Comercial que estava em vigor entre a Autora e o Réu foi a modificação da sua Cláusula Sétima, no sentido de deixar de ser cobrada apenas uma retribuição mensal fixa pela utilização da loja e passar também a ser cobrada uma retribuição mensal variável, consoante o volume de faturação da Autora.

37. Para que o Réu pudesse calcular e cobrar a referida retribuição mensal variável, a Autora obrigou-se a enviar-lhe mensalmente a informação relativa à faturação de cada mês, o que a Autora sempre fez.

38. O volume de faturação mensal comunicado pela Autora em 2017, 2018 e 2019 nunca atingiu o montante suficiente para o Réu lhe poder cobrar qualquer retribuição mensal variável, que aquela acabou por nunca pagar.

39. A Autora transferiu a totalidade do seu stock que se encontrava na loja do centro comercial do Réu para as suas outras lojas, onde terá vendido, pelo menos, parte.

40. Entre 1 de janeiro de 2017 e 30 de abril de 2019, a Autora pagou ao Réu as retribuições mensais pelo uso da loja e as comparticipações nas despesas comuns de funcionamento do centro comercial.

41. Entre 1 de janeiro de 2017 e 30 de abril de 2019, as despesas que a Autora teve que suportar para pagar encargos com salários, subsídios, Segurança Social, seguros, retribuições mensais pelo uso da loja e as comparticipações nas despesas comuns, foram superiores às receitas geradas pela loja.

42. A Autora tinha 3 funcionárias afetas à loja, as quais foram mantidas como trabalhadoras da empresa (que já eram).


Factos Não Provados


Não se provou que:

a) cada dia de encerramento da loja em causa representa para a Autora um prejuízo nunca inferior a € 250,00;

b) as funcionárias da Autora foram “coercivamente” impedidas, pelo Segurança do Centro Comercial, de abrir a porta da loja;

c) as funcionárias da Autora sentiram-se intimidadas pelo segurança, não tendo ousado “confrontá-lo fisicamente”;

d) tendo-se sentido “moralmente coagidas” a não desobedecer e a manter as portas da loja fechadas;

e) os contratos de trabalho celebrados pela Autora tiveram por base um período mínimo de funcionamento das lojas, correspondente ao prazo de duração mínima dos contratos de utilização de loja;

f) a Autora despendeu em serviços não prestados (em consequência do fecho da loja) entre maio e dezembro de 2019: - com os “Recursos Humanos” afetos à loja (Três trabalhadoras/Medicina do Trabalho/Formação/Seguro de Acidentes no Trabalho): €12.468,20; €238,40 (montante proporcional) e €171,10 (montante proporcional), respetivamente; - com os “Seguros das Lojas” Montante Proporcional: €202,00; - com “Megasites” Montante Proporcional: 73,30€; - com “Telecomunicações” – Montante Proporcional: 396,20€; - com “Ar Condicionado” Montante Proporcional: 137,80€; - com “Assessoria informática de software e hardware”, Montante Proporcional: 621,70€; - com “Contabilidade” Montante Proporcional: 2.066,70€; - com o “ROC” Montante Proporcional: 666,70€; - com a “Gestão Administrativa” Montante Proporcional: 2 886,40€; - com o “Vitrinista” €880,00.

g) com o encerramento da loja em 30 de abril de 2019, a Autora deixou de faturar (até ao fim desse ano) o valor estimado de €57.948,70;

h) em média o valor das existências finais é igual a 50% da faturação anual, pelo que, aplicando-se este racional para a loja em causa, para a Autora poder vender mercadorias no valor de €57.948,70, seria necessário que no final do ano sobrassem € 28.974,35 em mercadoria não vendida, a qual, por sua vez, seria vendida na coleção seguinte;

i) com o encerramento da loja torna-se impossível escoar (toda) a mercadoria sobrante.


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3. Quanto à 1ª. questão.

- Da nulidade do acórdão recorrido.

Invoca a A./recorrente a nulidade do acórdão da Relação, por violação do artº. 615, nº. 1 al. d), do CPC.

Nulidade essa que fundamenta no facto de ora tribunal a quo se ter abstido de apreciar as impugnações de direito feitas em sede de Recurso Subordinado (cfr. conclusão nº. 22).

Apreciando

Como é sabido, as nulidades da sentença (leia-se aqui acórdão, pois que tal dispositivo legal é também aplicável às decisões da 2ª. instância, ou seja, da Relação, e também aos próprios acórdãos do STJ – cfr. artºs. 666º, nºs. 1 e 2, e 685º do CPC) encontram-se taxativamente previstas no artº. 615º CPC e, conforme entendimento prevalecente, têm a ver com vícios estruturais ou intrínsecos da sentença/acórdão, também conhecidos por erros de atividade ou de construção da própria sentença/acórdão, que não se confundem com eventual erro de julgamento de facto e/ou de direito.

Preceitua o citado artº. 615º, nº. 1 al. d), do CPC que é nula a sentença quando o juiz deixe de pronunciar-se sobre questões que devesse apreciar ou conheça de questões de que não poderia tomar conhecimento”. (sublinhado nosso)

Decorre de tal norma que o vício que afeta a decisão advém de uma omissão (1º. segmento da norma, aqui em causa) ou de um excesso de pronúncia (2º. segmento da norma).

Preceito legal esse que deve ser articulado com o nº. 2 no artº. 608º do CPC, onde se dispõe que “o juiz deve resolver todas as questões que as partes tenham submetido à sua apreciação, excetuadas aquelas cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras; não pode ocupar-se senão das questões suscitadas pelas partes, salvo não se a lei lhe permitir ou impuser o conhecimento oficioso de outras.” (sublinhado nosso)

Impõe-se ali um duplo ónus ao julgador, o primeiro (e que está aqui em causa) traduzido no dever de resolver todas as questões que sejam submetidas à sua apreciação pelas partes (salvo aquelas cuja decisão vier a ficar prejudicada pela solução dada antes a outras), e o segundo (que aqui não está em causa) traduzido no dever de não ir além do conhecimento dessas questões suscitadas pelas partes (a não ser que a lei lhe permita ou imponha o seu conhecimento oficioso).

Constitui communis opinio que o conceito de “questões”, a que ali se refere o legislador, deve somente ser aferido em função direta do pedido e da causa de pedir aduzidos pelas partes ou da matéria de exceção capaz de conduzir à inconcludência/improcedência da pretensão para a qual se visa obter tutela judicial, ou seja, abrange tão somente as pretensões deduzidas em termos do pedido ou da causa de pedir ou as exceções aduzidas capazes de levar à improcedência desse pedido, delas sendo excluídos, como já deixámos acima expresso, os argumentos ou motivos de fundamentação jurídica esgrimidos/aduzidos pelas partes (vide, por todos, Lebre de Freitas e Isabel Alexandre, in “Código de Processo Civil Anotado, Vol. 2º., 3ª. ed., Almedina, págs. 713/714 e 737”; Abrantes Geraldes, in “Recursos em Processo Civil, 6ª. ed. Atualizada, Almedina, pág. 136.” e Ac. do STJ de 14/07/2020, processo n.º 2359/18.4T8GMR.G1.S1, disponível em www.dgsi.pt).

Tal como já ressalta daquilo que acima já se deixou expresso, no caso dos recursos as questões que se impõe ao tribunal ad quem conhecer/apreciar são aquelas que são colocadas pelas partes recorrentes nas conclusões das alegações dos seus recursos.

Por outro lado, importa ainda ter presente que na apreciação dessas questões o tribunal não está sujeito às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação e aplicação de regras jurídicas (cfr. artº. 5º, nº. 3 do CPC).

Tendo presentes tais conceitos/considerações, reportemo-nos ao caso em apreço.

Como se deixou logo no início exarado, a recorrente fundamenta a invocada nulidade no facto de tribunal da Relação, ora a quo, se ter abstido de apreciar as impugnações de direito feitas em sede de recurso subordinado de apelação (cfr. conclusão nº. 22).

Importa ainda ter presente, a esse respeito, o teor do antes alegado pela recorrente nas conclusões antecedentes, e nomeadamente o teor das conclusões nºs. 3 e 4 que aqui se voltam, enfatizando, a transcrever:

3. Resulta claro do teor das alegações e respectivas conclusões do Recurso Subordinado interposto pela Autora, que o que se alegou foi a aplicação e interpretação errónea da norma plasmada no artigo 564.º do Código Civil, tendo a Autora ora Recorrente, invocando a violação da lei substantiva na vertente de erro sobre a interpretação e aplicação da norma aplicável (in casu, o n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil).”

“4. Nesta sede, considera a Autora, então Recorrente, que ficou claro que o objecto do Recurso de Apelação foi a impugnação da interpretação e aplicação do n.º 1 do artigo 564.º do Código Civil, tendo o objecto do Recurso de Apelação versado apenas sobre o quantum indemnizatório a título de lucros cessantes e o respectivo modo de cálculo.”

É, assim, patente que a recorrente sustenta/fundamenta a invocada nulidade num alegado erro de julgamento de direito.

Ora, como supra deixamos expresso, os vícios de nulidade previstos no citado artº. 615º do CPC, não se confundem, nada tendo a ver, com eventuais erros de julgamento, sejam eles de facto, sejam eles de direito (como se invoca no caso presente), e sendo assim, tanto basta para, desde logo, afastar (indeferir) a arguida nulidade do acórdão recorrido.

De qualquer modo, diga-se ainda, ser patente que não se está perante qualquer omissão de pronúncia por parte do ora tribunal a quo.

Na verdade, compulsando o acórdão recorrido, dele ressalta que o tribunal a quo, depois de elencar que a única questão a conhecer (face ao que resultava das respetivas alegações de recuso de apelação, quer da A. – recurso subordinado -, quer da R. - recurso independente), tinha a ver com o saber se, in casu, a A. tinha ou não direito a ser indemnizada pelos lucros cessantes que invocava ter sofrido, em consequência da revogação unilateral do contrato em causa levada a efeito pelo R., e, em caso afirmativo, em que medida (montante), veio depois a concluir, pelos fundamentos aí aduzidos, não haver, no caso, lugar a tal indemnização, tendo, em consequência, absolvido a R. desse pedido,

É, assim, também patente que não estamos perante qualquer omissão de pronúncia (vg. relativamente à questão da indemnização pelos lucros cessantes) por parte do tribunal a quo.

A recorrente pode discordar da decisão e do acerto da respetiva fundamentação aduzida para o efeito pelo tribunal a quo (que, como vimos, é livre no que toca à indagação, interpretação e aplicação de regras jurídicas, e da sua subsunção aos factos apurados) – que será abordada e analisada, na apreciação da questão seguinte e que tem a ver com o saber se houve não erro do julgamento de direito quanto ao mérito da sobredita questão -, mas não pode é apontar ao acórdão recorrido o aludido vício de nulidade.

Concluindo, não padece o acórdão recorrido do vício de nulidade que a recorrente lhe aponta, pelo que nessa parte improcede o recurso.


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4. Quanto à 2ª. questão.

- Da (in)existência dos lucros cessantes e do seu quantum (indemnizatório).

A A. instaurou a presente ação visando obter a condenação judicial do R. no sentido de ser ressarcida/indemnizada por esta pelos prejuízos que a mesma lhe causou ao ter, em desrespeito/inobservância do prazo que se encontrava contratualmente estipulado para o efeito, revogado/rescindindo unilateralmente o contrato que haviam outorgado e que permitia que a primeira utilizasse uma loja que se integra no centro comercial de que o segundo é proprietário e administrador.

Prejuízos esses que se reportavam a danos emergentes e a lucros cessantes.

O R. aceitou, desde o inicio, a sobredita violação da obrigação contratual que lhe era imputada pela A. (logista), pois que muito embora pudesse, segundo o estipulado contratual então em vigor, revogar o dito contrato unilateralmente, sem ter sequer necessidade de invocar o seu fundamento, todavia, esse direito potestativo tinha como pressuposto/condição (contratual) que fosse exercido com uma antecedência mínima de 6 meses e que os efeitos dessa revogação só se produzissem a partir de 31 de dezembro de 2019. Pressuposto esse que não se verificou, pois que o R. procedeu à revogação unilateral desse contrato com a produção de efeitos (cessação do contrato) a partir de 30/04/2019, sendo certo ainda que apenas informou a A. dessa sua intenção/decisão em inícios de mesmo ano de 2019, com a comunicação escrita feita depois por carta de 18/03/2019.

Violação contratual essa que, para além de ser aceite pelo réu, extrai-se claramente da matéria factual apurada (cfr., nomeadamente, pontos 4, 8, 9 e 10), e tal como se concluiu na sentença da 1ª. instância (e confirmada nessa parte também pelo acórdão recorrido).

Movemo-nos, assim, no domínio da responsabilidade civil contratual, emergente da violação do referido contrato (e mais concretamente pela ilicitude da sua revogação/cessação feita pelo réu, em afrontamento ao que, esse respeito, fora contratualizado).

Não se discutindo a qualificação ou a natureza jurídica do mesmo, diremos apenas que, na senda daquilo que vem constituindo a jurisprudência dominante neste Supremo Tribunal, estamos perante um contrato atípico ou inominado – tal como considerou a sentença da 1ª. instância -, ao qual são aplicáveis os princípios gerais que regem a disciplina dos contratos e da responsabilidade civil a eles inerentes, para além daquilo (e dentro do principio da liberdade contratual) que foi expressamente convencionado/clausulado na sua outorga, ficando, assim, afastada qualquer qualificação que o enquadre/considere, por exemplo, como contrato de arrendamento comercial, ou de cessação de exploração de estabelecimento comercial ou mesmo de contrato misto. (Neste sentido, vide, entre outos, Acs. do STJ de 20/05/2015, proc. nº. 6427/09.5TVLSB.L1.S1, de 19/11/2015, proc. nº. 884/12.0TVLSB.L1.S1, e de 01/07/2010, proc. nº. 4477/05.0TVLSB.L1.S1, disponíveis em www.dgsi.pt).

Fruto desse seu ilícito comportamento contratual culposo, na sentença 1ª. instância reconheceu-se que o R. causou prejuízos à A., traduzidos em danos emergentes e em lucros cessantes, tendo, em consequência, aquele sido condenado a indemnizar a última por pelos mesmos, nos montantes que se supra se deixaram exarados.

Na sequência da reação recursiva (acima assinalada) que ambas as partes tiveram - tão só na parte referente aos lucros cessantes (pois que no que concerne ao montante da indemnização pelos danos emergentes houve conformação com o decidido pela referida sentença a esse respeito e da sua condenação imposta ao R.) –, a 2ª. instância, através do acórdão de que ora se recorre, veio a absolver o R. do pedido indemnizatório contra si formulado pela A. no que concerne aos lucros cessantes, com o fundamento desse dano, traduzido na perda de lucros cessantes, não ter ficado provado, em detrimento da posição defendida pela última que pugnava pelo aumento do valor indemnizatório fixado, quanto aos mesmos, pela 1ª. instância.

E é precisamente por não se conformar como esse acórdão decisório, que a A. recorre de revista, defendendo não só a prova da perda desses lucros cessantes, como também o aumento do seu valor indemnizatório em relação àquele que foi fixado na 1ª. instância, com os fundamentos que melhor constam das conclusões das suas alegações de recurso que acima se deixaram transcritas.

Do que se deixou exposto, resulta que a única questão (de mérito) que aqui (neste recurso) está em discussão e em apreciação, traduz-se em saber, se em consequência daquele comportamento contratual ilícito culposo da R., a autora sofreu perda de lucros cessantes, isto é, deixou de auferir lucros cessantes e, em caso de resposta afirmativa, em que medida, ou seja, qual o seu quantum, pois que, a concluir-se pela sua existência, o R., não coloca, como nunca colocou, a sua obrigação de indemnizar também a A. por eles.

Apreciemos, pois, tal questão.

Importa, antes de mais, deixar referido, em passant, que, como é sabido, em regra, apenas está cometida ao STJ a reapreciação de questões de direito (artº. 682º, nº. 1, do CPC), carecendo, por isso, de competência para apreciar as decisões proferidas sobre a matéria de facto, salvo nas situações de exceção previstas na 2ª. parte do nº. 3 do artº. 674º do CPC, ou seja, quando ocorra ofensa de disposição legal que exija certa espécie de prova para a existência do facto ou que fixe a força de determinado meio de prova, o que se traduz na violação do chamado direito probatório material.

Ora, encontrando-se no âmbito de factos não sujeitos prova vinculada, as instâncias são livres de apreciar/valorar a prova produzida sobre eles, formando a sua própria convicção, e nessa medida, mesmo que porventura de entendesse que a recorrente a impugnava (o que não se extrai, pelo menos de forma clara, das suas conclusões de recurso), estava estre Supremo Tribunal impedido de sindicar a decisão proferida sobre matéria de facto, por não ocorrer, in casu, nenhuma das situações de exceção a que se alude 2ª. parte do nº. 3 do citado artº. 674º, e daí que a referida questão (de direito) seja apreciada à luz dos factos dados como provados pelas instâncias (1ª. e 2ª.), que neste caso coincidem integralmente. (Sobre esta temática, e para maior desenvolvimento, que aqui não se impõe, vide, entre muitos outros, os Acs. do STJ de 08/11/2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-AE1.S1, de 16/11/2021, proc. n.º 2534/17.9T8SRTR.E2.S1, 14/07/2021, proc. nº. 1333/14.4TBALM.L2:S1, de 14/07/2021, proc. nº. 4961/16.0T8LSB.L1.S1, de 13/04/2021, proc. nº. 3006/15.1T8LRA.C1.S1, de 28/01/2021, proc. nº. 1790/17.7T8VFX.L1.S1, 17/10/2019, proc. nº. 1703/16, de 29/09/2016, proc. nº. 286/10, de 14/07/2016, proc. nº. 377/09, de 08/09/2021, proc. nº. 1721/17.4T8VIS-A.C1.S1, e de 08/11/2022, proc. nº. 5396/18.5T8STB-AE1.S1 todos disponíveis em www.dgsi.pt, e ainda Abrantes Geraldes, in “Ob. cit., págs. 462/469”).

Posto isto, avancemos no sentido de dar resposta à questão acima colocada, que nos cumpre apreciar e decidir.

Depois de no artº. 798º do CC estatuir que “O devedor que falta culposamente ao cumprimento da obrigação torna-se responsável pelo prejuízo que causar ao credor”, dispõe-se no artº. 564º, nº. 1, do mesmo diploma que “o dever de indemnizar compreende não só o prejuízo causado, como os benefícios que o lesado deixou de obter em consequência da lesão” (sublinhado nosso)

Extrai-se, assim, da conjugação de tais normativos legais, e sobretudo do último, que a obrigação/dever de indemnizar abrange não só os denominados danos emergentes (damnum emergens), como também os designados lucros cessantes (lucrum cessans).

Na distinção clássica que deles se faz, enquanto os primeiros correspondem aos prejuízos sofridos que importam a perda ou a diminuição do património já existente do lesado, já os segundos correspondem/reportam-se aos ganhos ou benefícios que se frustraram ou deixaram de ser obtidos, ou seja, aos prejuízos que advieram para o lesado por, devido à lesão (in caso traduzida no incumprimento contratual), não ter aumentado o seu património. (Cfr. a propósito, entre outros, os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Código Civil Anotado, Vol. I, 3ª. ed., revista e actualizada, pág. 548.” e Mário Júlio de Almeida Costa, in “Direito das Obrigações, 10ª. edição reelaborada, Almedina, pág. 596).

Pelas razões que se deixaram expressas, são tão somente os segundos, os lucros cessantes, que aqui estão em discussão, pois que relativamente aos primeiros (danos emergentes) as partes conformaram-se com a indemnização que, quanto a eles, foi fixada pela sentença da 1ª. instância.

Dano esse (referente aos lucros cessantes) que aqui apresenta na veste da violação do interesse contratual positivo, pois que a indemnização peticionada pela A., a esse propósito, visa colocá-la na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido exata ou pontualmente cumprido, ou seja, no caso se o contrato apenas tivesse cessado no final do ano de 2019, conforme o que resultava do estipulado no clausulado contratual, e não a partir de 30 de abril desse mesmo ano, como procedeu a R., em violação do estipulado contratualmente. (Vide, por todos, a propósito de tal conceptualização e em confronto com a violação do interesse contratual negativo, o prof. Mário Júlio de Almeida Costa, in “Ob. cit., pág. 598”).

E daí que reportando-se esse dano aos lucros cessantes ou benefícios que o lesado não obteve mas que deveria teria obtido, se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido, se venha entendendo que ele deve ser encontrado através da aplicação da teoria da diferença consagrada no nº. 2 do artº. 566º do CC, medindo-se o mesmo pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, sendo para o encontro desse dano legítimo o recurso a critérios de probabilidade ou previsibilidade, e a que se reportam os artºs. 563º e 564º, nº. 2, do CC. (Apontando nesse sentido, vide os profs. Pires de Lima e A. Varela, in “Ob. cit., pág. 549”, e os Acs. do STJ de 05/02/2015, proc. nº. 4747/07.2TVLSB.L1.S1, de 03/10/2013, proc. nº. 1261/07.0TBOLHE.E1.S1, e de 30/06/2009, proc. nº. 288/09.1YFLSB, disponíveis em www.dgsi.pt).

Portanto, e como ressalta do que se deixou exposto, o referido “dano” pressupõe que o lesado deixou de auferir/obter lucros ou benefícios que teria obtido, pelo menos com toda a probabilidade/previsibilidade, se o contrato tivesse sido pontualmente cumprido.

Como vimos, no caso destes autos esse “dano”, que a A. invoca cuja indemnização peticiona, reporta-se aos lucros que a mesma teria auferido se o contrato se tivesse mantido até ao final do ano de 2019, e que deixou de obter devido do facto de a R., ilicitamente, ter posto termo ao contrato (fazendo-o cessar) a partir de 30 de abril desse mesmo ano.

E o que como relevância nos diz, a esse respeito, a matéria facto apurada?

Dela ressalta, desde logo, por um lado, que entre janeiro e abril de 2019 (período desse ano em que o contrato se manteve em vigor e a loja se manteve aberta), conforme comunicado pela Autora ao Réu, a faturação média mensal da loja foi de € 4.148,76 (ponto 25).

Importa, desde já, referir que o conceito de faturação não corresponde ao conceito de lucro (e naturalmente estamos a referir-nos ao lucro líquido, que para o caso interessa considerar), representado ambos realidades económico-financeiras (e mesmo contabilísticas/fiscais) diferentes, ou, melhor, não coincidentes. Na verdade, enquanto a faturação corresponde, grosso modo (isto é, sem a preocupação de grande rigor técnico), ao valor de vendas/transações feitas, normalmente por empresa no exercício da sua atividade ou mesmo também por uma pessoa singular, durante um período de tempo determinado, já o lucro (líquido) corresponde ao valor final obtido (por essa mesma empresa, ou pela pessoa singular) nesse mesmo período de atividade, depois de subtraídas as despesas das suas receitas, ou seja, corresponde ao valor final obtido nesse mesmo período temporal de atividade depois de deduzidos todos encargos ou despesas suportados durante esse período, vulgarmente designados como “custos de produção”. Donde resulta a natural conclusão de que o valor do lucro (líquido) é sempre inferior ao valor da faturação, podendo mesmo acontecer que este não dê lugar àquele (vg. caso o valor dos custos de produção seja superior ao do valor da faturação).

Por outro lado, dessa mesma matéria factual ressalta também que entre 1 de janeiro de 2017 e 30 de abril de 2019, as despesas que a Autora teve que suportar para pagar encargos com salários, subsídios, Segurança Social, seguros, retribuições mensais pelo uso da loja e as comparticipações nas despesas comuns, foram superiores às receitas geradas pela loja. (ponto 41)

O que significa que quer nos dois anos imediatamente anteriores (tomados integralmente), quer no 1º quadrimestre do ano de 2019 (e que corresponde ao período de tempo durante o qual o contrato em causa se manteve em vigor e a loja se manteve aberta) o valor das despesas/custos de produção que a A./recorrente teve de suportar com a utilização da referida loja (integrada no sobredito centro comercial, vulgarmente também conhecidos por “shopping centers”) foi sempre superior ao valor às receitas (entendendo-se estas em sentido amplo ou restrito do conceito de faturação) geradas por essa mesma loja.

Donde que perante tais factos (sem que haja outros que os contradigam), e tendo presentes as considerações de cariz teórico-técnico que supra se deixaram expendidas a esse propósito, facilmente, a nosso ver, somos conduzidos à conclusão de que a A./recorrente não logrou demonstrar, como lhe competia (artº. 342º, nº. 1, do CC), a existência ou ocorrência do invocado “dano”, mesmo que tão só em termos de probabilidade ou previsibilidade, ou seja, de que se o contrato em causa se tivesse mantido em vigor partir de 30 de abril de 2019 até ao final do mesmo ano, a abertura da loja proporcionar-lhe-ia um lucro, isto é, e por outras palavras, a A./recorrente não logrou demonstrar, em termos de realidade factual, que com o encerramento da loja durante aquele período temporal deixou de poder obter/auferir um lucro, independentemente do seu montante concreto.

Na verdade, a prova da ocorrência desse frustrado lucro, consubstanciaria em si o reclamado dano, na veste ou modalidade de lucro cessante. Não pode confundir-se a falta de prova de obtenção de um lucro (ainda que futuro), em que se traduzia aqui o dano, com a falta de prova do seu quantum, ou seja, do seu valor/montante. Esta última falta de prova não impediria a respetiva condenação indemnizatória, levando tão só a que essa quantificação fosse relegada para incidente posterior de liquidação (cfr. artºs. 609º, nº. 2, e 358º, nº. 2, do CPC), ou mesmo, porventura, que fosse, desde logo, calculado com recurso à equidade (cfr. artºs. 566º, nº. 3, e 4º al. a), do CC), já a primeira falta de prova, a que se aludiu, conduz inexoravelmente à improcedência da respetiva pretensão indemnizatória por falta de prova de um dos pressupostos da responsabilidade civil que imporia ao R. (enquanto entidade incumpridora/devedora/lesante) a obrigação de a satisfazer: a existência/ocorrência do respetivo dano (vide, a propósito, Ac. do STJ, de 24/04/2009, proc. nº. 08B0782, disponível em www.dgsi.pt). Pressuposto esse que, impõe a obrigação de indemnizar no domínio da responsabilidade contratual, a par dos demais – com exceção da culpa, que se presume (iuris tantum), nos termos do artº. 799º, nº. 1, do CC, ser do lesante/devedor –, cujo ónus de prova, como deixámos já referido, impendia sobre a A. (artº. 342º, nº. 1, do CC).

Refira-se ainda, por último, que as três funcionárias da A. que estavam afetas à loja, continuaram a trabalhar para aquela, mas agora numa das demais cinco 5 lojas que a mesma possui noutros locais (tal como ressalta da conjugação dos pontos 42 e 23), sem que daí resulte, assim, só por si, e quanto a essa situação, sequer a prova de um aumento despesas para ela em consequência do sobredito comportamento do R. .

Em suma, à luz do que se deixou exposto, não nos merece censura o acórdão proferido pelo ora tribunal a quo, que, assim, se se decide manter, julgando-se, em consequência, improcedente a presente revista.


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III- Decisão



Assim, em face do exposto, acorda-se em julgar improcedente o recurso de revista, confirmando-se o acórdão recorrido.

Custas pela A./ recorrente (artº. 527º, nºs. 1 e 2, do CPC).


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Sumário

I- Os contratos de utilização de uma loja integrada num centro comercial (vulgarmente designados por shopping centers) celebrados entre o seu utilizador (logista) e o proprietário/administrador do mesmo, são, em regra, contratos atípicos ou inominados, aos quais são aplicáveis, para além daquilo que for neles expressamente convencionado/clausulado na sua outorga, os princípios gerais que regem a disciplina dos contratos e da responsabilidade civil a eles inerentes.

II- O incumprimento contratual por parte do proprietário/gestor do centro comercial, que (sem justa causa) fizer cessar o contrato antes do prazo convencionado, constitui-o na obrigação/dever de indemnizar o logista não só pelos denominados danos emergentes (damnum emergens), como também os designados lucros cessantes (lucrum cessans).

III- Em tal situação, a indemnização pedida pelo logista pelos lucros cessantes advenientes da indevida cessação antecipada do contrato apresenta-se na veste da violação do interesse contratual positivo, pois que visa colocá-lo na situação em que se encontraria se o contrato tivesse sido exata ou pontualmente cumprido.

IV- Dano esse, reportado aos lucros cessantes, que deve ser encontrado através da aplicação de teoria da diferença consagrada no nº. 2 do artº. 566º do C. Civil, medindo-se o mesmo pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano, sendo para o encontro desse dano legítimo o recurso a critérios de probabilidade ou previsibilidade, e a que se reportam os artºs. 563º e 564º, nº. 2, daquele mesmo diploma legal.

V- Inserindo-se tal dano num dos pressupostos legais que impõem, em termos de responsabilidade civil (neste caso contratual), ao lesante/incumpridor a obrigação de indemnizar o lesado, é sobre este que impende o ónus de prova da realidade factual de onde se possa extrair a existência/ocorrência desse dano (reportado aos lucros cessantes).

VI- Prova essa que não se confunde com a ausência de prova relativa à quantificação do referido dano.


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Lisboa, 2023/04/12


Relator: Cons. Isaías Pádua

Adjuntos:

Cons. Manuel Aguiar Pereira

Cons. Jorge Leal