Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça | |||
| Processo: |
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| Nº Convencional: | 3.ª SECÇÃO | ||
| Relator: | MARIA MARGARIDA ALMEIDA | ||
| Descritores: | RECURSO PER SALTUM REGIME ESPECIAL PARA JOVENS PENA ÚNICA MEDIDA CONCRETA DA PENA | ||
| Data do Acordão: | 10/01/2025 | ||
| Votação: | UNANIMIDADE | ||
| Texto Integral: | S | ||
| Privacidade: | 1 | ||
| Meio Processual: | RECURSO PENAL | ||
| Decisão: | PROVIDO EM PARTE | ||
| Sumário : | I. A aplicação do regime especial para jovens delinquentes, não sendo de aplicação automática, constitui um poder-dever do juiz, que o deve aplicar sempre que se mostrarem reunidos os respectivos pressupostos. II. Terá de ser realizado um juízo quanto à verificação da existência ou inexistência dos pressupostos legais (sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado), sendo que tal juízo tem de estar alicerçado em factos concretos que apontem neste sentido ou no precisamente inverso. III. Na determinação da pena única haverá que atender-se ao conjunto dos factos dados como provados, pois estes fornecem o quadro que permite avaliar a gravidade do ilícito global cometido, mostrando-se especialmente valiosa para a sua apreciação a verificação de qual o tipo de conexão que ocorre entre os factos concorrentes. IV. Pese embora a pessoalidade da pena, existindo co-autores, por razões de equidade, proporcionalidade e igualdade de tratamento, ter-se-á também de ter em consideração a ponderação quanto aos mesmos realizada. | ||
| Decisão Texto Integral: |
Acordam em conferência na 3ª Secção do Supremo Tribunal de Justiça I – relatório 1. Por acórdão de 20 de Janeiro de 2025, foi o arguido AA condenado nos seguintes termos: a. Pela prática de um crime de violação, p. e p. no artigo 164º nº 2 al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; b. Como co-autor, de quatro crimes de roubo, p. e p. no artigo 210º nº 1 do Código Penal, nas penas de 18 (dezoito) meses de prisão (vítima BB); 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão (vítima CC); 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão (vítima DD); 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão (vítima EE) c. Como co-autor, de um crime de extorsão, p. e p. no artigo 223º nº 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão; d. Como co-autor, de um crime de furto, p. e p. no artigo 203º do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; e. Em cúmulo jurídico, na pena única de 6 (seis) anos de prisão; Foram ainda condenados outros co-arguidos, dos crimes enunciados em b. a d. 2. Inconformado, interpôs o arguido AA recurso, invocando as seguintes questões de direito: Erro da decisão, por não aplicação da atenuação especial prevista na Lei dos Jovens Delinquentes; Erro da decisão, no que toca à tipologia e dosimetria da pena única imposta. 3. O MºPº junto do tribunal “a quo” pronunciou-se no sentido de que o recurso não merece provimento. 4. Neste tribunal, o Sr. Procurador-Geral Adjunto apresentou parecer no sentido da procedência do recurso. II – questões a decidir. Questão prévia – da rectificação de lapsos de escrita. A. Da atenuação especial das penas impostas, por força do disposto no Regime para Jovens Delinquentes. B. Errada dosimetria e tipologia da pena única imposta. iii- fundamentação. Questão prévia. 1. Suscita o Exº PGA, no seu parecer, a seguinte questão prévia: 2. 5.1 - Da retificação do dispositivo do acórdão recorrido Lê-se na alínea b) do dispositivo do acórdão: «IX - Decisão: Nos termos expostos, o Tribunal Colectivo decide: a) (...); b) Condenar AA pela prática de um crime de violação, p. e p. no artigo 164.º n.º 2 al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; (...)» Resulta, todavia, da factualidade provada (factos provados 1 a 15) e das páginas 28, 29, 33 e 36 do ficheiro pdf do acórdão, que o arguido AA foi condenado pela prática de um crime de violação da forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.º, 23.º 73.º e 164.º, n.º 2, alínea b), do Código Penal. Donde que deva ordenar-se a retificação do dispositivo do acórdão nos termos do artigo 380.º, n.ºs 1, alínea b), e 2, do Código de Processo Penal por forma a que do mesmo passe a constar: «IX - Decisão: Nos termos expostos, o Tribunal Colectivo decide: a) (...); b) Condenar AA pela prática de um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 164.º n.º 2 al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; 2. Assiste-lhe efectivamente razão. Estamos perante um manifesto lapso de escrita, na parte dispositiva que, ao abrigo do disposto no artº 380 nº1 al. b) e nº2, do C.P.Penal, cumpre rectificar, uma vez que não importa qualquer modificação essencial ao decidido. Assim, terá de se proceder, no local próprio, à rectificação do dispositivo do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, aí se passando a ler, na al. b), o seguinte: b) Condenar AA pela prática de um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 164.º n.º 2 al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; A. Da atenuação especial das penas impostas, por força do disposto no Regime para Jovens Delinquentes. 1. O tribunal “a quo” deu como assente a seguinte matéria fáctica: NUIPC 568/22.0 P8LSB 1. No dia 8 de Outubro de 2022, cerca das 01H00, o arguido AA, juntamente com um outro indivíduo de identidade não apurada, encontravam-se no Largo 1, em Lisboa, quando verificaram que ali caminhava sozinha a ofendida BB, pelo que o segundo dirigiu-se à mesma e questionou-lhe se estaria interessada em adquirir-lhe estupefacientes. 2. Como a ofendida respondesse negativamente e continuasse o seu destino, o arguido AA aproximou-se da mesma por trás, agarrou-a, tapou-lhe a boca e arrastou-a para uma viela. 3. Nessa ocasião, AA retirou-lhe a bolsa que continha um porta-moedas que acondicionava 20€, em numerário e o indivíduo mais novo tirou-lhe o telemóvel de marca “Xiaomi Mi 11tPro”, no valor declarado de 900€, que a ofendida tinha consigo. 4. No decurso de tal procedimento, o telemóvel caiu ao chão e partiu-se. 5. De seguida o arguido AA envolveu as mãos no pescoço da ofendida e empurrou-a contra a parede de um prédio. 6. O arguido AA colocou então as suas mãos nos seios da ofendida que acariciou, bem como o corpo da ofendida, que embora pressionada contra a parede, se debatia. 7. Redobrando esforços, o arguido desferiu pancadas no corpo da ofendida e empurrou-a para o chão. 8. A ofendida ficou estendida no solo, de barriga para baixo, enquanto AA se sentava em cima dela, imobilizando-a com o peso do seu corpo, enquanto lhe retirava as calças e as cuecas, lhe afastava as pernas e abria o fecho das suas próprias calças. 9. A ofendida gritou e em seu auxílio foram FF e GG que por ali passavam, o que fez com que o arguido cessasse de imediato a sua conduta. 10. Ali, após o arguido ter largado a ofendida, FF e GG fizeram-no devolver o telemóvel antes referido e a mala e carteira da ofendida. 11. O arguido e quem o acompanhava verificando que já não se encontravam sozinhos, abandonaram o local para parte incerta, levando consigo os 20€ retirados à ofendida 12. Em consequência directa e necessária da conduta do arguido, a ofendida sofreu diversos hematomas, arranhões no pescoço, dores nas costas e viu a sua blusa rasgada e o telemóvel partido. 13. O arguido e quem o acompanhava agiram em comunhão de esforços e de vontades com o propósito de se apoderarem do telemóvel e dos 20€ em numerário, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de sua dona, objectivo que apenas lograram relativamente à importância monetária, já que o telemóvel lhes foi retirado pelas testemunhas. 14. O arguido AA ao pressionar a ofendida contra a parede, evitando que esta se opusse eficazmente aos seus intentos libidinosos e, nessa situação, acariciar-lhe os seios, agiu com o propósito de satisfazer os seus próprios impulsos sexuais contra a vontade desta, o que quis. 15. O arguido AA ao pretender penetrar a vagina da ofendida com o seu pénis pela força, contra a vontade da mesma, aproveitando-se da sua superioridade física, já que a mantinha manietada e pressionada contra o solo, quis satisfazer os seus instintos libidinosos, o que não conseguiu em virtude da intervenção de terceiros. NUIPC 72/22.7 SHLSB 16. No dia 5 de Agosto de 2022, cerca das 04H00, os arguidos HH, II, JJ, AA e KK, acompanhado do menor de 15 anos de idade LL encontravam-se no Jardim ..., em Lisboa, quando verificaram que ali, sentados num banco se encontrava o ofendido DD, juntamente com a sua namorada, pelo que formularam o propósito de se apoderarem dos bens e valores que aqueles tivessem consigo. 17. Para tanto, aproximaram-se do banco onde aqueles se encontravam sentados e sentaram-se ou permaneceram de pé à volta do banco. 18. De seguida, um deles retirou de um dos bolsos da roupa que o ofendido envergava, o telemóvel iPhone, modelo 8, com o IMEI .............18, no valor declarado de 150€. 19. Na posse do telemóvel que fizeram seu e integraram no seu património, os arguidos abandonaram o local. 20. Os arguidos agiram em comunhão de esforços e de vontades com o propósito de se apoderarem do telemóvel antes descrito, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de seu dono, o que quiseram 21. Nesse mesmo dia, cerca das 04H10, no antedito jardim, os arguidos verificaram que num outro banco, se encontravam sentados os ofendidos CC e MM, pelo que também formularam o propósito de se apoderarem de bens e valores que os mesmos tivessem consigo. 22. Para tanto, aproximaram-se dos mesmos e rodearam-nos. 23. De seguida, um deles retirou um telemóvel de marca, modelo e valor desconhecidos dos bolsos do ofendido CC e outro retirou-lhe dos bolsos a carteira com € 5,00 no interior. 24. Após, viraram-se para o ofendido MM e retirou-lhe do bolso dos calções, o telemóvel iPhone XR, de marca “Apple”, que de imediato devolveram, após verificar que o mesmo tinha o visor partido. 25. Instado pelos arguidos e por temer o que naquelas circunstâncias lhe pudesse acontecer, o ofendido acompanhou-os arguidos até ao parque de estacionamento de trotinetas da marca “BIRD e pagou cerca de € 2,00 pelo aluguer de trotinetas. 26. Os arguidos e o menor agiram de forma conjunta, em articulação de esforços e de vontades, no deliberado e concretizado propósito de se apoderarem do 6,90€ em numerário, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de seu dono. 27. Sabiam aqueles que se apresentando perante o ofendido CC da forma que o fizeram, criariam uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre o mesmo e que dessa forma o impediriam, como impediram, de reagir aos seus intentos apropriativos, o qual tolhido pelo medo não esboçou qualquer reacção nesse sentido. 28. Os arguidos estavam cientes de agir sem consentimento e em prejuízo do ofendido CC e estavam igualmente cientes de que o mesmo não se dispunha voluntariamente a pagar-lhes o valor do aluguer das trotinetas que pagou, nem a tal estava por qualquer motivo obrigado. 29. Ainda nesse dia, no mesmo local, após as 04H30 os arguidos e o menor verificaram que ali, num banco, dormia o ofendido NN e que este tinha consigo, num dos bolsos, um iPhone 12Pro, da marca “Apple”, no valor 900,00€, pelo que decidiram apropriar-se do mesmo. 30. Para tanto, um deles, colou a mão no referido bolso e dali retirou aquele equipamento. 31. Na sua posse, os arguidos e o menor abandonaram o local. 32. Após ter dado pela falta do telemóvel e convencido de que o perdera, o ofendido dirigiu-se aos arguidos e ao menor que ainda se encontravam no Jardim e perguntou-lhes se tinham porventura encontrado aquele equipamento. 33. Os arguidos e o menor agiram em comunhão de esforços e de vontades, no propósito de se apoderarem do telemóvel, bem sabendo que o mesmo não lhes pertencia e que agiam contra a vontade do ofendido. 34. Nesse mesmo dia, decorrente do alerta de CC e MM, elementos da Polícia de Segurança Pública interceptaram os arguidos e o menor. 35. Na posse do arguido JJ foi encontrado o telemóvel Iphone 8, com o IMEI .............18, retirado ao ofendido DD. 36. Por sua vez, foi encontrado o telemóvel Iphone 12 Pro, com o IMEI .............19 retirado a NN numa viatura policial que apenas tinha transportado AA. 37. Já na posse do arguido HH foi encontrado 6,90€, em numerário retirado da carteira do ofendido CC. NUIPC 1259/22.8 P8LSB 38. No dia 29 de Julho de 2022, cerca de 02H35, os arguidos AA e JJ, juntamente com outros indivíduos de identidades não apuradas, encontravam-se na Avenida 2, em Lisboa, quando verificaram que ali, num recanto, se encontrava o ofendido EE a urinar, pelo que de imediato formularam o propósito de se apoderarem de bens e valores que o mesmo tivesse consigo, com recurso à violência física se a tanto fosse necessário. 39. Assim, dirigiram-se ao ofendido e posicionaram-se por trás do mesmo. 40. Logo que o ofendido terminou de satisfazer as suas necessidades fisiológicas, um dos elementos do grupo que os arguidos integravam ordenou que aquele se virasse de frente e entregasse todos os bens e valores que tivesse consigo. 41. De seguida, ainda que o ofendido os tentasse demover de tal propósito, o arguido JJ colocou as mãos nos bolsos dos calções que aquele envergava e dali retirou uma carteira, que acondicionava os seguintes documentos: cartão de cidadão, cartão de débito emitido da Caixa de Crédito Agrícola, cartão europeu de saúde, todos estes emitidos em nome do ofendido; uma máquina de tabaco da marca “IQOS”, no valor declarado de 30€; um telemóvel de marca “Samsung”, modelo “A70”, no valor declarado de 400€; e 40€, em numerário, enquanto os demais elementos grupo se mantinham posicionados em frente do ofendido, a observar. 42. Os arguidos e quem os acompanhava agiram de forma conjunta, em articulação de esforços e de vontades, no deliberado e concretizado propósito de se apoderarem da mencionados bens e valores, bem sabendo que não lhes pertencia e que o faziam contra a vontade de seu dono. 43. Sabias aqueles que se apresentando perante o ofendido da forma que o fizeram, criariam uma situação de superioridade numérica e de ascendente físico sobre o mesmo e que dessa forma o impediriam, como impediram, de reagir aos seus intentos apropriativos, o qual tolhido pelo medo não esboçou qualquer reacção nesse sentido. Registo Criminal: 44. AA não regista condenações em procedimento criminal. 45. No proc. n.º 315/22.7PBOER, foi proferida sentença pelo ICC de Lisboa Oeste, J3, transitada em julgado em 8 de Junho de 2022, condenando JJ pela prática, em 17 de Fevereiro de 2022, de 2 crimes de roubo, previstos no artigo 210.º, n.º 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por 2 anos, com regime de prova, beneficiando do regime especial para jovens delinquentes nos termos do artigo 4.º do Decreto-Lei n.º 401/82, de 23 de Setembro. A 28 de Junho de 2024, a pena foi julgada extinta. 46. No proc. n.0 8346/19.8T9SNT, foi aplicada em 5 de Dezembro de 2022, medida Tutelar Educativa pelo TFM de Lisboa Oeste, Juízo de Família e Menores de Sintra, J4, aplicando a JJ pela prática, em 15 de Outubro de 2019, de 1 crime de ameaça, previsto no artigo 153.0 do Código Penal, a medida de internamento em centro educativo em regime fechado, pelo período de 2 anos. A 21 de Março de 2024 esta medida foi substituída por internamento em centro educativo em regime semiaberto, pelo período de 8 meses e 15 dias. 47. No proc. n.0 1068/22.4T9SNT, foi aplicada em 12 de Setembro de 2023, medida tutelar educativa pelo TFM de Lisboa Oeste, Juízo de Família e Menores de Sintra, J3, aplicando a JJ pela prática, em 10 de Maio de 2021, de 1 crime de roubo, previsto no artigo 210.0, n.0 1, do Código Penal, a medida de acompanhamento educativo pelo período de 1 ano, nos termos dos artigos 16.0, 136.0, n.0 1, alínea c), e 138.0, n.0 1, alínea c), da Lei Tutelar Educativa. 48. No proc. n.0 428/22.5PCSNT, foi proferido acórdão pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, ICC de Sintra, J1, transitado em julgado a 5 de Junho de 2024, condenando HH pela prática, em 24 de Março de 2022, de 1 crime de roubo, previsto e punido pelos artigos 210.0, n.0s 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.0, n.0 1, alínea b), e n.0 2, alínea f), do Código Penal, na pena de 4 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova. 49. No proc. n.0 330/23.3PCSNT, foi proferido acórdão pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, ICC de Sintra, J3, transitado em julgado em 30 de Abril de 2024, condenando HH pela prática, em 16 de Fevereiro de 2022, de 2 crimes de roubo, previstos e punidos pelo artigo 210.0, n.0 1, do Código Penal; de 1 crime de roubo qualificado, previsto e punido pelo artigo 210.0, n.0s 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.0, n.0 1, alínea b), do Código Penal; de 1 crime de roubo na forma tentada, previsto e punido pelos artigos 22.0, 23.0 e 210.0, n.0 1, do Código Penal; e de 1 crime de ofensa à integridade física simples, previsto e punido pelo artigo 143.0, n.0 1, do Código Penal. Foi aplicada a pena única de 5 anos de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, direccionada para o reforço das qualificações escolares e profissionais do arguido, bem como para dotar o condenado de competências para lidar com frustração, contrariedades e resolução de problemas. 50. II não regista condenações em procedimento criminal. 51. No proc. n.0 397/21.9PHSNT, foi proferido acórdão pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, ICC de Sintra, J4, transitado em julgado em 28 de Março de 2022, condenando KK pela prática, em 14 de Maio de 2021, de 1 crime de detenção de arma proibida, previsto e punido pelos artigos 2.0, n.0 1, alínea m), 3.0, n.0s 1 e 2, alínea b), e 86.0, n.0 1, alínea d), da Lei n.0 5/2006, de 23 de Fevereiro, e de 5 crimes de roubo qualificado, previstos e punidos pelos artigos 210.0, n.0s 1 e 2, alínea b), por referência ao artigo 204.0, n.0 2, alínea f), ambos do Código Penal. Foi aplicada a pena única de 4 anos de prisão, suspensa por 5 anos, com regime de prova, sendo as penas parcelares especialmente atenuadas ao abrigo do Decreto-Lei n.0 401/82, de 23 de Setembro. 52. No proc. n.0 41/21.4PCSNT, foi proferida sentença pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, ICC de Sintra, J1, transitada em julgado em 8 de Julho de 2022, condenando KK pela prática, em 15 de Janeiro de 2021, de 1 crime de roubo, previsto e punido pelo artigo 210.0, n.0 1, do Código Penal, na pena de 1 ano e 6 meses de prisão, suspensa por igual período, com regime de prova, sob a condição de efectuar o pagamento de 250,00 €. Em despacho proferido em 14 de Março de 2024, foi declarada extinta a pena suspensa. 53. No proc. n.0 756/22.0PCSNT, foi proferido acórdão pelo Tribunal Judicial da Comarca de Lisboa Oeste, ICC de Sintra, J3, transitado em julgado em 11 de Outubro de 2024, condenando KK pela prática, em 25 de Maio de 2022, de 1 crime de tráfico de estupefacientes, previsto e punido pelo artigo 21.0, n.0 1, do Decreto-Lei n.0 15/93, de 22 de Janeiro, por referência às tabelas I-B e I-C anexas ao mesmo diploma legal, na pena de 5 anos de prisão. Relatórios Sociais: 54. Em relatório social de 15-03-2005, escreveu-se sobre AA: Á data dos alegados factos constantes nos autos, o arguido era menor e residia integrado no agregado familiar composto também pelos três irmãos e por uma prima, que assegurava as actividades de vida diárias e escolares na ausência do progenitor que, por motivos de trabalho, estava ausente, mantendo-se emigrado por diversos países, nomeadamente, Inglaterra, Dinamarca e em França. Foi referido que, por dificuldade na obtenção de documentação, a progenitora permaneceu na ... mantendo um contacto regular com os filhos. 55. Actualmente, e desde o mês de Agosto de 2024, o arguido alterou a sua morada, encontrando-se a residir na zona da ..., integrado num clube de futebol da Associação Desportiva .... Pese embora a confirmação da integração no clube de futebol, não foi possível aferir a morada da residência actual do arguido. AA referiu, que apesar da distância geográfica, mantem um contacto regular com os familiares. 56. À data dos factos, foi referido que se encontrava a frequentar o 8.º ano de escolaridade na Escola Secundária ..., mas apenas concluiu o 7.º ano de escolaridade, tendo sido descrito um percurso escolar pautado por dificuldades de aprendizagem, desmotivação e consequente falta de assiduidade, estando também associado à relação com pares com comportamento desviante. Actualmente não se encontra inserido em contexto escolar, referindo o desejo de ser jogador de futebol profissional. À data dos factos, AA, subsistia do apoio financeiro do progenitor ao agregado familiar, que disponibiliza o cartão de débito, e que era utilizado pelos irmãos mais velhos, para gestão das despesas correntes, das despesas educação dos menores e despesas de manutenção da habitação. 57. Actualmente, e desde que se encontra a residir na zona da ..., AA referiu dispor de um salário que considera suficiente para as suas despesas pessoais, não tendo disponibilizado a informação sobre o valor exacto. Acrescentou que, existindo despesas extra e sendo necessário, recorre ao apoio financeiro do progenitor. 58. Em termos sociais, e à data dos factos, tinha por hábito se ausentar de casa e da escola, passar o seu tempo com os amigos, também colegas de escola, situação que se veio a alterar, após a instrução do presente processo, com a sua inscrição, no mês de Março de 2023, no Grupo Desportivo de ..., ..., tendo iniciado os treinos regulares e a prática futebol. Por indicação do seu agente desportivo, alterou o seu comportamento, deixando de sair com os amigos, referindo que reorganizou o seu tempo, incluindo, para além dos treinos no clube, as corridas matinais e diárias. Actualmente, e após a passagem por outros clubes desportivos, encontra-se, desde o mês de Agosto de 2024, integrado no clube da Associação Desportiva de .... 59. O arguido apresenta antecedentes de contacto com o sistema judicial, no âmbito de Processo Tutelar Educativo com acompanhamento por estes serviços. As repercussões decorrentes da existência do presente processo judicial, parecem ter tido impacto no próprio, no que se refere às eventuais consequências, mostrando-se preocupado com eventual desfecho do mesmo, nomeadamente com a possibilidade de ser condenado a uma pena de prisão efectiva, o que impossibilita de manter a sua integração desportiva e a possibilidade de construir uma carreira desportiva como jogador de futebol profissional. 60. Face ao exposto, e do que foi possível apurar, o arguido aparenta um enquadramento familiar organizado, em que as figuras parentais, apesar de distantes geograficamente, procuraram acompanhar o seu quotidiano e sempre com apoio financeiro. Situação que parece manter-se, nesta fase em que o arguido procura um futuro profissional, através da prática de futebol. 61. Actualmente, desde o mês de Agosto de 2024, AA encontra-se integrado no clube de futebol da Associação Desportiva de ..., no entanto, pese embora a confirmação da integração no clube de futebol, não foi possível aferir a morada da residência actual do arguido. 62. Em termos sociais, o convívio em contexto marginal e potencialmente delituoso, poderá estar parcialmente mitigado pelo impacto da presente situação jurídica, assim como pela sua integração no clube desportivo. 63. O discurso do arguido manifesta aparente preocupação e consciência crítica sobre o desvalor da conduta delituosa, considerando-se, em caso de condenação, existirem condições pessoais e sociais suficientes para a eventual execução de uma medida penal na comunidade. Medida essa que deverá ter em consideração, como principal necessidade de intervenção, a reflexão crítica do arguido perante as circunstâncias que originou o presente processo, o desenvolvimento de competências sociais e laborais. (…) 2. Alega o recorrente, em sede de conclusões, o seguinte: 1 - Constitui objecto do presente recurso o acórdão proferido nos autos que condenou o recorrente, pela prática de um prática de um crime de violação, p. e p. no artigo 164.º nº 2 al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; pela prática, como co-autor, de quatro crimes de roubo, p. e p. no artigo 210º nº 1 do Código Penal, nas penas de 18 (dezoito) meses de prisão; 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; 1 (um) ano e 2 (dois) meses de prisão; 1 (um) ano e 5 (cinco) meses de prisão; pela prática, como co-autor, de um crime de extorsão, p. e p. no artigo 223º nº 1 do Código Penal, na pena de 6 (seis) meses de prisão e pela prática, como co-autor, de um crime de furto, p. e p. no artigo 203º do Código Penal, na pena de 10 (dez) meses de prisão; que em cúmulo jurídico, resultou na pena única de 6 (seis) anos de prisão, restringindo o objecto do recurso a matéria de direito – não aplicação da atenuação especial da pena prevista no Artigo 4º, do Regime Especial para Jovens, consagrado no Decreto-Lei N.º 401/82, de 23 de Setembro e, à medida da pena. 2 – A condenação do recorrente resultou dos factos que o Tribunal a quo considerou provados e respectiva fundamentação do acórdão. 3 - O recorrente nasceu no dia 15 de Maio de 2005 pelo que tinha à data da prática dos factos 16 anos de idade. 4 - De acordo com o estabelecido no artigo 9.º, do Código Penal, “Aos maiores de 16 anos e menores de 21 são aplicáveis normas fixadas em legislação especial.”. 5 - Por seu turno, estabelece o artigo 4º, do Decreto–Lei N.º 401/82, de 23 de Setembro, que se for aplicável pena de prisão deve o juiz atenuar especialmente a pena, nos termos dos artigos 73º e 74º, do Código Penal (actualmente artigos 72º e 73º) quando tiver sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado. 6 - A decisão posta em crise, para não proceder à aplicação deste regime arrima-se no argumento de que “AA contava 16 anos quando praticou os ilícitos e é o único dos arguidos que não possui antecedentes criminais, ou tutelares educativos. Porém, foi autor de actos praticados com extrema violência contra pessoas, assume a qualidade de autor ou co-autor em todos os ilícitos, e cada um dos crimes foi perpetrado, pelo menos com algum grau de intimidação. Acresce que, é o único arguido que pratica factos contra a autodeterminação sexual de terceiros. O elevado grau de ilicitude e a persistência na prática de actos ilícitos, bem como a fraca capacidade de contenção familiar, leva-nos a concluir que a aplicação de atenuação especial da pena não é adequada a motivar a sua reinserção social.”. 7 - Tudo para justificar que não estão verificados os pressupostos exigíveis para aplicação de tal regime especial. 8 - Não é tal o nosso entendimento, sufragado aliás, por inúmera Jurisprudência nesse mesmo sentido contrário à douta decisão em crise. 9 - De facto, para além da particular aptidão de que, por força da sua idade, presentemente e à data da prática dos factos, presuntivamente dispõe para se integrar socialmente, o recorrente conta com um conjunto de estruturas relacionais consabidamente vocacionadas para promover esse reingresso na comunidade como sejam os laços familiares que nunca se quebraram e a ausência de problemática de saúde de natureza aditiva. 10 - Impõe-se ainda referir que o recorrente tem consciência que cometeu crimes gravíssimos de consequências irreversíveis. 11 – Pese embora, atente-se que todos os ofendidos recuperaram no próprio dia da prática dos referidos ilícitos, os bens materiais dos quais foram lesados. 12 - Assim, e sem mais, entendemos que o recorrente, pese embora o tipo de crimes em causa, reúne condições favoráveis que justificam um juízo de prognose positivo, favorável, quanto às expectativas da sua reinserção e nessa medida dever-lhe-ia ter sido aplicada a atenuação especial da pena. 3. O tribunal “a quo” pronunciou-se, no âmbito de tal questão, nos seguintes termos: Da aplicação do regime de jovens adultos: Os arguidos contavam menos de 21 anos à data dos factos. Nessa medida, há que equacionar, para cada um deles, a aplicabilidade do regime especial decorrente do artigo 4º do Decreto-lei nº 401/82, de 23 de Setembro, que prevê atenuação especial da pena aplicável, quando o agente conta entre 16 a 21 anos à data dos factos e existam razões para crer que da atenuação resultem vantagens para a reinserção social do mesmo. AA contava 16 anos quando praticou os ilícitos e é o único dos arguidos que não possui antecedentes criminais, ou tutelares educativos. Porém, foi autor de actos praticados com extrema violência contra pessoas, assume a qualidade de autor ou co-autor em todos os ilícitos, e cada um dos crimes foi perpetrado, pelo menos com algum grau de intimidação. Acresce que, é o único arguido que pratica factos contra a autodeterminação sexual de terceiros. O elevado grau de ilicitude e a persistência na prática de actos ilícitos, bem como a fraca capacidade de contenção familiar, leva-nos a concluir que a aplicação de atenuação especial da pena não é adequada a motivar a sua reinserção social. II tinha 17 anos à data da prática dos factos. Segundo a DGRS, já havia sido alvo de medida de internamento em Centro Educativo. Não tem antecedentes criminais. Não está inserido laboralmente e não estuda. A inserção familiar (avó, mãe, irmão) não se tem revelado eficaz. II é já pai de um menino, nascido em ... de 2024, não obstante a sua frágil capacidade económica e autonomia pessoal. Atenta a natureza, frequência e sequência dos ilícitos, contra bens pessoais e patrimoniais, cremos que a aplicação do regime de jovens não é adequada à sua reinserção. JJ (16 anos), HH (16 anos) e KK (18 anos), todos registam antecedentes criminais e tutelares educativos, cfr. ficou exarado nos factos provados, por crimes com violência contra pessoas (nomeadamente roubo, roubo agravado, ofensas, ameaça); JJ e KK beneficiaram, inclusivamente, de pena suspensa na sua execução, transitada em momento anterior à prática dos factos. HH, por seu turno, regista duas condenações em pena suspensa com trânsito posterior aos factos em apreciação. Sopesada a natureza dos crimes, fraca integração e pluralidade de ilícitos praticados, entende-se não ser de aplicar o regime legal citado, também a estes arguidos, por não se nos afigurar dissuasor da prática de novos factos. 4. Apreciando. O arguido requer que lhe seja aplicado o regime especial para jovens delinquentes, consignado no Dec. Lei nº 401/82, em concreto o vertido no seu artº 4, que estipula a possibilidade de atenuação especial da pena a impor a arguidos de idades inferiores a 21 anos. O recorrente tinha 17 anos de idade à data da prática dos factos (nasceu em D-M-2005), o que lhe torna potencialmente aplicável tal regime. Todavia, para poder haver lugar à sua aplicação, haverá desde já que adiantar que não basta a idade do arguido ser inferior a 21 anos, é ainda necessário que se mostre possível formular o juízo de prognose favorável previsto no artº 4º do mencionado diploma legal; isto é, é necessário que se conclua existirem sérias razões para crer que da atenuação especial da pena aí prevista, resultem vantagens para a reinserção do jovem condenado. 5. De facto, a aplicação do regime especial para jovens delinquentes, não sendo de aplicação automática, constitui um poder-dever do juiz, que o deve aplicar sempre que se mostrarem reunidos os respectivos pressupostos. E que pressupostos são estes? Como bem sintetiza o Ac. do STJ de 31-03-2011, 3ª secção, proc. nº169/09.9SYLSB.S1: “I - Todos estão, porém, de acordo em que a atenuação especial ao abrigo do regime visando os jovens adultos: - não é de aplicação necessária e obrigatória; - nem opera de forma automática, sendo de apreciar casuisticamente; - é de conhecimento oficioso; - a consideração da sua aplicação não constitui uma mera faculdade do juiz, - mas antes um poder-dever vinculado que o juiz deve (tem de) usar sempre que se verifiquem os respectivos pressupostos, sendo de concessão vinculada; - de aplicar sempre que procedam sérias razões para crer que da atenuação resultam vantagens para a reinserção social do jovem condenado, sendo a aplicação em tais circunstâncias, obrigatória e oficiosa, - havendo a obrigação, ou pelo menos, não se dispensando a equacionação da pertinência ou inconveniência da sua aplicação; - justificando-se a opção ainda que se considere inaplicável o regime, isto é, devendo ser fundamentada a não aplicação” 6. Isto significa que terá de ser realizado um juízo quanto à verificação da existência ou inexistência de tais pressupostos. Mas tal juízo tem de estar alicerçado em factos concretos que apontem neste sentido ou no precisamente inverso. Efectivamente, é com base na análise da matéria factualmente assente, que será possível concluir ser ou não possível realizar “uma análise favorável do seu processo de ressocialização” (Ac. TRP de 12-09-2007, proc. nº0742175), designadamente, se a realidade que os autos evidenciam, se traduz numa situação “em que o cometimento do crime constitui um episódio isolado na vida do jovem” (Ac. TRP, proc. nº 0543659, de 12-10-2005). “2. Para esse desiderato importa averiguar a conduta do arguido anterior e posterior ao crime, as suas condições pessoais, familiares e profissionais, para se poder avaliar da sua inserção social, familiar e profissional e ainda conhecer a sua personalidade, para se poder aferir, além do mais, se é ou não sensível à aceitação dos valores dominantes e tutelados pelo direito penal, se é ou não dotado de capacidade auto-censura, elementos factuais que são também imprescindíveis para o julgador se habilitar a poder ajuizar sobre a suspensão da execução de pena de prisão não superior a três anos.” (Ac. TRL, Proc. nº 10719/06-9, de 15-03-2007). 7. Haverá ainda que ponderar a natureza e a gravidade do crime, bem como o seu modo de execução, a que se aliarão todas as demais circunstâncias factuais acima referidas, em especial as condições pessoais e a personalidade do jovem condenado. E, finalmente, teremos de atender a todos os fins das penas, pois o próprio REJD não as afasta ou exclui, já que, compulsado o referido diploma se constata que, pese embora a preponderância dada ao fim ressocializador, não é este apenas o aí atendido, bem como que a sua relevância, para efeitos de ponderação da aplicação do mencionado diploma, depende em grande medida da própria moldura penal legalmente prevista (o que decorre da circunstância de esta reflectir a maior ou menor gravidade do ilícito a que se reporta). 8. Assim, é o próprio legislador que sistemicamente dá maior ou menor preponderância ao factor ressocialização, na ponderação da aplicação do REJD, uma vez que estabelece patamares diversos, fundados na acima mencionada moldura penal. Note-se, por exemplo, que a aplicação das chamadas “medidas de correcção” apenas é possível em crimes a que corresponda, abstractamente, moldura penal de até 2 anos de prisão - vide arts. 5º e 6º do RJEF. 9. Ultrapassando o ilícito cometido a barreira desse limite máximo (pena de prisão até 2 anos), haverá então apenas de equacionar se pode ou não haver lugar à atenuação especial da pena, nos termos consignados no artº 4º desse diploma legal. Mas não só tal atenuação não é de aplicação obrigatória, como já se referiu (o que igualmente fornece elementos quanto à circunstância de o próprio legislador ter entendido que, pese embora o seu relevo acrescido em crimes praticados por jovens delinquentes, a ressocialização se não mostra o único fim das penas a considerar) como casos haverá em que uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade determinará o forçoso afastamento da aplicação deste regime, como resulta do ponto 7 do preâmbulo do mencionado REJD (7. As medidas propostas não afastam a aplicação - como ultima ratio - da pena de prisão aos imputáveis maiores de 16 anos, quando isso se torne necessário, para uma adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade, e esse será o caso de a pena aplicada ser a de prisão superior a 2 anos.) 10. Prosseguindo. Expostos que se mostram os princípios orientadores da análise que terá de ser realizada no que a esta questão se reporta, haverá agora que apurar os elementos de facto dados como assentes nos autos, a partir dos quais se terá de concluir pela aplicação - ou não - do regime penal dos jovens adultos ao recorrente. 11. Como resulta da sua motivação e das conclusões das mesmas extraídas, essencialmente o recorrente alega: - que conta com um conjunto de estruturas relacionais consabidamente vocacionadas para promover o reingresso na comunidade, como sejam os laços familiares que nunca se quebraram e a ausência de problemática de saúde de natureza aditiva. - que tem consciência que cometeu crimes gravíssimos de consequências irreversíveis. 12. Salvo o devido respeito, não lhe assiste razão. Desde logo, porque as razões que levaram ao afastamento da aplicação do REJD não se reconduziram aos que avançou, mas antes à seguinte conjugação de factores: Terem os actos sido praticados com extrema violência contra pessoas; - a assumpção da qualidade de autor ou co-autor em todos os ilícitos; - o facto de cada um dos crimes ter sido perpetrado, pelo menos, com algum grau de intimidação, - A circunstância de ter sido o arguido o único que pratica factos contra a autodeterminação sexual de terceiros. - O elevado grau de ilicitude e a persistência na prática de actos ilícitos, - a fraca capacidade de contenção familiar. Foi com base nesta conjuntura que o tribunal “a quo” concluiu que a aplicação de atenuação especial da pena não é adequada a motivar a sua reinserção social. 13. Ora, o silêncio do recorrente quanto a este conjunto de argumentos - seguramente de grande relevo, para a formulação do juízo de prognose ressocializador que a lei impõe que seja alcançado, para que possa tal regime ser aplicado – é ensurdecedor. Na verdade e em bom rigor, o que alega nem sequer se mostra demonstrado, uma vez que o entorno familiar já existia à data da prática dos factos e não serviu de dissuasão, por um lado e, por outro, em julgamento, o arguido não prestou qualquer declaração sobre os factos, pelo que ignora o tribunal, por recolha directa e por imediação, qual a sua postura em relação aos actos que cometeu. 14. Para além do mais, não estamos aqui perante crimes de reduzida gravidade, nem de um único ilícito, mas antes perante vários crimes, cometidos ao longo de vários meses, pelo que não podemos considerar estarmos perante um episódio único, potenciado pela imaturidade do arguido e irrepetível nos seus contornos. 15. A forma como os ilícitos foram cometidos revelam elevada ilicitude e culpa e o modo de execução em todos eles é de assinalável violência. Assim, o que decorre da singela e crua descrição dos factos, é uma desconformidade, no que se reporta à personalidade do arguido, às regras do viver em sociedade, que não pode nem deve ser atribuída a mais ninguém senão a si mesmo. E essa desconformidade (demonstrativa de uma ausência de integração das normas básicas que nos regem enquanto cidadãos e que a todos vinculam) que resulta inequivocamente da sua personalidade - que se mostra espelhada nos actos que praticou e na forma como o fez - impede, desde logo, a formulação de qualquer juízo de prognose que seja favorável a poder entender-se que, caso a pena a impor lhe fosse especialmente atenuada, estaríamos a contribuir para a sua ressocialização. Concluímos, pois, que no caso, inexiste aqui qualquer culpa mitigada – que é elemento essencial para ponderar a solução de atenuação - bem como inexistem razões sérias para se acreditar que da mesma resultará uma actuação futura, por parte do arguido, conforme ao direito. 16. Face a tudo o que se deixa exposto há que concluir que os elementos carreados para os autos não são de molde a permitir concluir mostrar-se preenchida a condição prevista no artº 4 do mencionado Regime, ou seja, não é possível realizar-se, em relação a este arguido (como, aliás, também o não foi, no que toca a todos os restantes co-arguidos, que nem sequer foram co-autores no crime de violação tentada, pelo qual apenas o recorrente foi condenado), o juízo de prognose favorável à aplicação de uma pena especialmente atenuada que esse diploma impõe, já que não estamos, flagrantemente, perante numa situação em que o cometimento do crime constituiu um episódio isolado na vida do jovem e potencialmente irrepetível, antes se entendendo que o abrandamento da pena (resultante de tal atenuação especial), não irá ajudar o arguido a ressocializar-se, no sentido de proceder a uma verdadeira e radical mudança de rumo de vida, sendo certo que, infelizmente – dada a juventude do recorrente – a adequada e firme defesa da sociedade e prevenção da criminalidade impõe, ao inverso, a não aplicação dessa atenuação. A idade do arguido será assim de considerar apenas na determinação da pena como atenuante de carácter geral, como o foi pelo tribunal “a quo”. Assim sendo, não merece censura o acórdão na parte em que se pronunciou pela inaplicabilidade de tal diploma legal. Improcede, nesta parte, o recurso interposto. B. Errada dosimetria e tipologia da pena única imposta. 1. O acórdão proferido pelo tribunal “a quo” pronunciou-se, a este propósito, nos seguintes termos: O crime de violação p. e p. no artigo 164º nº 2 al. b) do Código Penal é punido com pena de prisão de 3 a 10 anos. Na forma tentada (artigos 73º e 74º do Código Penal) a moldura penal aplicável é de 7 meses e 10 dias a 6 anos e 8 meses. O crime de roubo p.e p. no artigo 210º nº 1 do Código Penal é punível com pena de prisão de 1 a 8 anos – artigo 210º nº 1 do Código Penal. O crime de extorsão p. e p. no artigo 223º nº 1 do Código Penal é punido com pena de prisão até 5 anos. O crime de furto 203º nº 1 do Código Penal é punido com pena de prisão até 3 anos, ou pena de multa. Considerando o contexto em que foi cometido – prática sucessiva de crimes de roubo, ao longo de uma noite e em co-autoria – entende-se que sendo de optar entre a pena de multa e de prisão, apenas esta última acautela de forma suficiente as necessidades da punição – artigo 70º do Código Penal. (…) *** Na determinação da pena aplicável, deve o juiz fazer aplicação dos critérios consagrados nos artigos 40º, 71º e 72º do Código Penal. Caber-nos-á, pois, ponderar das necessidades de prevenção geral e especial, as quais delimitam o limite mínimo da pena a aplicar e da culpa do agente, cujo grau determina, em absoluto, o limite máximo da sanção cominável. Ponderaremos: NUIPC 568/22.0P8LSB No caso concreto, o grau de ilícito é médio, no que concerne o valor dos bens. O modo de execução é de gravidade elevada, pois que é empregue violência física desproporcionada e até gratuita: pancadas, arremessar ao chão; a tentativa de violação, de moldura agravada pela violência empregue, tem um nível de agressividade médio-alto: pressão sobre o pescoço, pancadas no corpo, imobilização no chão e contra a parede, rasgar de roupa. Os ilícitos foram cometidos de noite, em lugar escuso, contra vítima vulnerável, sozinha e de menor força física; o crime contra a propriedade foi consumado em conjugação de esforços com outrem. O dolo é intenso, renovado e persistente, revelado no escalamento das agressões à vítima, em acto contínuo de ofensa à propriedade e integridade física para ofensa à sua autodeterminação sexual. A culpa é elevada, ante a menor capacidade de resistência da vítima seleccionada, da sua solidão e indefesa. Como atenuante, apenas a extrema juventude de AA, que contava apenas 16 anos São elevadíssimas as necessidades de prevenção geral, face ao alarme social e insegurança que é tributado por ilícitos desta natureza. NUIPC 72/22.7SHLSB e 1259/22.8PBLSB: A ilicitude é média baixa, na vertente do valor dos bens objecto de roubo ou furto, ou quantia extorquida (€ 2,00). Os arguidos agiram sempre em conjugação de esforços, intimidando as vítimas (roubo e extorsão) pelo número de agentes, constrangimento físico (revista dos bolsos, cerco pelos membros do grupo), ou com ameaça de arma, que não era exibida. De notar que os arguidos agiam a coberto da noite, ou nas primeiras horas da madrugada, procurando vítimas jovens, ou em lugares esconsos e situação de indefesa (NN dormia num banco de jardim; EE estava a urinar entre prédios). O dolo é directo e persistente, pois ao longo de uma noite, os arguidos renovam o propósito de se apropriarem de bens de terceiros, por roubo, furto ou extorsão. A culpa é elevada pela vulnerabilidade das vítimas. São elevadas as necessidades de prevenção geral, em particular relativamente ao ilícito de roubo, pela significativa frequência com que ocorre e alarme social que provoca. As necessidades de prevenção especial de cada um dos arguidos é transversal a todos os ilícitos praticados. AA merece um menor grau de prevenção especial em razão da sua idade (16 anos à data dos factos) e ausência de antecedentes criminais. Porém, a escassa capacidade contentora do seu agregado familiar, consistente em uma tia e irmãos e frágil integração laboral não contrabalançam de forma bastante a extrema violência associada aos comportamentos que assumiu ao longo de quatro meses. (…) *** Pelo exposto, considera-se adequada a satisfazer as necessidades da punição as penas: AA: 2 anos e 3 meses de prisão pelo crime de violação agravada, na forma tentada. 18 meses de prisão pelo crime de roubo de que foi vítima BB (NUIPC 568/22.0P8LSB) 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou CC; 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou DD; 6 meses de prisão pelo crime de extorsão; 10 meses de prisão pelo crime de furto. 1 ano e 5 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou EE; Em cúmulo jurídico, ponderadas todas as razões de ilicitude, culpa, dolo, prevenção geral e especial já enunciadas, vai condenado na pena única de 6 anos de prisão; JJ: 1 ano e 3 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou CC; 1 ano e 3 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou DD; 7 meses de prisão pelo crime de extorsão; 11 meses de prisão pelo crime de furto. 1 ano e 5 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou EE; Em cúmulo jurídico, ponderadas todas as razões de ilicitude, culpa, dolo, prevenção geral e especial já enunciadas, vai condenado na pena única de 2 anos e 6 meses de prisão; Suspende-se a pena aplicada, por se entender, face à idade do arguido e escasso registo criminal (uma condenação à data dos factos), ser de equacionar que a ameaça de punição baste para acautelar a prática de novos ilícitos. Á suspensão aplicar-se-á regime de prova, por 5 anos – artigos 50° e 53° do Código Penal. HH: 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou CC; 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou DD; 6 meses de prisão pelo crime de extorsão; 10 meses de prisão pelo crime de furto. Em cúmulo jurídico, ponderadas todas as razões de ilicitude, culpa, dolo, prevenção geral e especial já enunciadas, vai condenado na pena única de 1 ano e 10 meses de prisão; Suspende-se a pena aplicada por 2 anos, por se entender, face à idade do arguido e inexistência de condenações à data dos factos (sendo certo que regista condenações por roubos de 2022, transitadas posteriormente), ser de equacionar que a ameaça de punição baste para acautelar a prática de novos ilícitos– artigos 50° do Código Penal. II: 1 ano de prisão pelo crime de roubo que vitimou CC; 1 ano de prisão pelo crime de roubo que vitimou DD; 4 meses de prisão pelo crime de extorsão; 8 meses de prisão pelo crime de furto. Em cúmulo jurídico, ponderadas todas as razões de ilicitude, culpa, dolo, prevenção geral e especial já enunciadas, vai condenado na pena única de 1 ano e 6 meses de prisão. Suspende-se a pena aplicada por igual período, por se entender, face à idade do arguido e inexistência de antecedentes criminais, ser de equacionar que a ameaça de punição baste para acautelar a prática de novos ilícitos. KK: 1 ano e 10 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou CC; 1 ano e 10 meses de prisão pelo crime de roubo que vitimou DD; 9 meses de prisão pelo crime de extorsão; 1 ano de prisão pelo crime de furto. Em cúmulo jurídico, ponderadas todas as razões de ilicitude, culpa, dolo, prevenção geral e especial já enunciadas, vai condenado na pena única de 3 ano e 8 meses de prisão. Entendemos não ser de suspender a pena aplicada, na medida em que o ilícito foi praticado no período de suspensão de duas outras penas de prisão, por crimes de igual natureza, sendo que o arguido acumula já condenações criminais e não possui inserção laboral, ou familiar estruturante. 2. A este propósito, apresenta o recorrente as seguintes conclusões: 13 – No mais, deveria ter sido aplicada ao arguido uma pena suspensa na sua execução, sob a égide de um regime de prova. MEDIDA DA PENA 14 - Caso V. Exas. entendam não ser de aplicar ao recorrente o referido regime especial entendemos ser de reduzir a pena aplicada por excessiva. Vejamos, 15 – Nas penas de 2 anos e 3 meses de prisão pelo crime de violação agravada, na forma tentada; 18 meses de prisão pelo crime de roubo; 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de roubo; 1 ano e 2 meses de prisão pelo crime de roubo; 6 meses de prisão pelo crime de extorsão; 10 meses de prisão pelo crime de furto e 1 ano e 5 meses de prisão pelo crime de roubo, em cúmulo jurídico, ponderadas todas as razões de ilicitude, culpa, dolo, prevenção geral e especial, o acórdão recorrido julgou justa e adequada a pena única de 6 (seis) anos de prisão. 16 – Trataram-se de actos ímpares e isolados na vida do recorrente que, seguramente, não se voltarão a repetir. 17 - É o primeiro contacto do recorrente com o Sistema de Justiça Penal. 18 - Tinha 16 anos à data da prática dos factos e actualmente tem 19 anos de idade. 19 - O recorrente tem forte apoio familiar conforme se pode concluir dos factos dados como provados. 20 – Todas as vítimas recuperaram os bens materiais de que foram lesadas, tendo lhes sido devolvidos no próprio dia da prática dos factos. 21 - Face a estas circunstâncias a aplicação ao recorrente de uma pena de 6 (seis) anos de prisão parece-nos manifestamente excessiva por inadequada e desproporcional. 22 - Na verdade, a imposição de uma tão longa pena de prisão para além de originar uma prolongada e contraproducente exposição ao contágio, potencialmente criminógeno, do meio prisional, provocará uma ruptura, senão irreversível, pelo menos dificilmente recuperável com as actuais estruturas de integração do recorrente, designadamente no âmbito familiar, podendo inclusivamente dar lugar, perante a persperctiva de uma prolongada reclusão, à apatia e indiferença que tendem a associar-se à habituação ao modo de vida institucionalizado. 23 - Assim, e em suma entendemos dever a pena aplicada ao recorrente ser substancialmente reduzida e suspensa na sua execução. 3. Apreciando. Cabe começar por realçar que, a respeito da determinação da pena (seja esta a pena parcelar ou única), rege o princípio da pessoalidade. Tal princípio impõe que a pena seja aplicada de um modo individualizado, tendo em conta a situação pessoal, económica, social específica da pessoa visada, bem como a apreciação crítica de todo o seu circunstancialismo actuativo. Assim, a pessoalidade e individualização da pena são uma consequência do princípio da culpa e valem para qualquer sanção penal. As penas devem ser impostas atendendo a três vértices fundamentais, designadamente: - adequação - a pena deve ser apropriada para atingir os fins pretendidos pela lei, como prevenção, repressão ou ressocialização; - necessidade - a opção punitiva deverá recair pela medida menos gravosa que ainda seja capaz de atingir o objectivo pretendido; - e proporcionalidade - que constitui um limite ao poder punitivo do Estado, protegendo a dignidade humana e os direitos fundamentais do próprio arguido. Assim, a pena deve ser proporcional ao mal causado pelo crime, mas não pode exceder a culpa do agente. Importa igualmente atender às exigências de prevenção geral e especial, que regem igualmente os fins das penas. Na prevenção geral utiliza-se a pena para dissuadir a prática de crimes pelos cidadãos - prevenção geral negativa – e para incentivar a convicção na sociedade, de que as normas penais são válidas, eficazes e devem ser cumpridas, – prevenção geral positiva. Na prevenção especial, a pena é utilizada no intuito de dissuadir o próprio delinquente de praticar novos crimes e com o fim de auxiliar a sua reintegração na sociedade. 4. Na determinação da pena única haverá que atender-se ao conjunto dos factos dados como provados, pois estes fornecem o quadro que permite avaliar a gravidade do ilícito global cometido, mostrando-se especialmente valiosa para a sua apreciação a verificação de qual o tipo de conexão que ocorre entre os factos concorrentes. No que se refere à avaliação da personalidade do agente, esta deve debruçar-se sobre se, face ao conjunto dos factos praticados, estaremos perante uma tendência criminosa ou tão-só, perante uma pluriocasionalidade que não radica na personalidade. Esta distinção tem revelo porque, no primeiro caso, terá de se considerar que o cometimento de uma pluralidade de crimes constitui uma agravante em sede da moldura penal conjunta. Como refere Souto Moura (A jurisprudência do STJ sobre Fundamentação e Critérios de Escolha e Medida da Pena, comunicação proferida em acção de formação do CEJ que teve lugar na Faculdade de Direito do Porto em 4 de Março de 2011, acessível em www.stj.pt/ficheiros/estudos), a propósito da pena conjunta aplicável ao concurso de crimes, ponderar em conjunto os factos é atender, fundamentalmente, à ilicitude global de toda a conduta do agente em análise (….) A conexão entre os factos, e a abordagem destes, independentemente de quem os praticou, releva sobretudo para efeitos de prevenção geral. A gravidade dos vários crimes cometidos, a frequência com que eles ocorrem na comunidade e o próprio impacto que têm nessa comunidade, terão, pois, que ser tidos em conta. 5. Temos pois, em breve síntese, que a pena a impor deverá, por um lado, atender à tutela dos bens jurídicos, na medida do possível à reinserção do agente na comunidade e o seu limite mostra-se tabelado pela culpa do agente (artº 40 do C.Penal), o que bem se entende, uma vez que qualquer pena corresponde a uma sanção, uma acção punitiva do Estado, que se tem de revelar adequada, necessária e proporcional. E a baliza máxima da culpa, referida pelo legislador, não tendo por fim a imposição de um mal ou sofrimento equivalente ao mal cometido ou sofrimento causado (como refere o Prof. Cavaleiro de Ferreira, in Direito Penal Português, II, Lisboa, 1982, pgs. 309 e 310), é, todavia, a expressão de que a punição que o Estado pode impor a um seu cidadão, não pode exceder a própria culpa com que este actuou. A entender-se de outro modo – isto é, que outros fins das penas, designadamente a nível de prevenção geral ou especial, se sobrepusessem a esse limite máximo de culpa própria – estar-se-ia a viabilizar que, por eventual pressão societária, se mostrasse possível cercear um direito fundamental do cidadão, o direito à liberdade, sem imposição de um limite constitucional e ético, dentro dos padrões que regem a nossa vida em sociedade; isto é, viabilizar-se-ia a imposição de uma sanção, que tem um efeito punitivo associado, já que restringe os direitos consagrados no nº1 do artº 27 da CRP, desproporcional à culpa com a qual o agente actuou. 6. De facto e em última análise, é a existência de culpa geradora de um comportamento violador de um bem juridicamente tutelado, em sede criminal – manifeste-se esta na forma de dolo ou de negligência – que viabiliza, que legitima, num estado de direito, que o Estado possa assumir um direito punitivo sobre um seu cidadão. Esse direito punitivo assume a característica de uma sanção, de uma pena, cujo cumprimento forçado é imposto ao agente causador de um mal, que atentou contra bens jurídicos alvos de tutela legal. E é precisamente dentro deste contexto, de uma actuação que provoca culposamente um mal ilegítimo, que se sustém e funda a legitimidade de o Estado poder, por seu turno, vir a sancionar o agente prevaricador, com a imposição de algo que, em última análise, é também ele um mal, já que a imposição de uma pena cerceia sempre, em alguma medida, algum dos direitos, liberdades e garantias constitucionalmente estabelecidos. 7. Acresce que, consubstanciando-se o instituto do recurso num remédio jurídico, no sentido de permitir a colmatação de eventuais erros de apreciação, imputáveis aos tribunais hierarquicamente inferiores, daqui decorre que a alteração das penas que se mostram já definidas só deverá ocorrer se, de facto, um erro assinalável, a reclamar reparação, se venha a constatar existir. A este respeito veja-se, por todos, o acórdão do STJ, processo nº19/08.3PSPRT, 3ª secção, relator Raúl Borges, de 14-05-2009, disponível em www.dgsi.pt: Figueiredo Dias, Direito Penal Português, As Consequências Jurídicas do Crime, 1993, págs. 196/7, § 255, após dar conta de que se revela uma tendência para alargar os limites em que a questão da determinação da pena é susceptível de revista, afirma estarem todos de acordo em que é susceptível de revista a correcção do procedimento ou das operações de determinação, o desconhecimento pelo tribunal ou a errónea aplicação dos princípios gerais de determinação, a falta de indicação de factores relevantes para aquela, ou, pelo contrário, a indicação de factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis. Defende ainda estar plenamente sujeita a revista a questão do limite ou da moldura da culpa, assim como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, e relativamente à determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto de pena, esta será controlável no caso de violação das regras da experiência ou se a quantificação se revelar de todo desproporcionada. A intervenção do Supremo Tribunal em sede de concretização da medida da pena, ou melhor, do controle da proporcionalidade no respeitante à fixação concreta da pena, tem de ser necessariamente parcimoniosa, sendo entendido de forma uniforme e reiterada que “no recurso de revista pode sindicar-se a decisão de determinação da medida da pena, quer quanto à correcção das operações de determinação ou do procedimento, à indicação dos factores que devam considerar-se irrelevantes ou inadmissíveis, à falta de indicação de factores relevantes, ao desconhecimento pelo tribunal ou à errada aplicação dos princípios gerais de determinação, quer quanto à questão do limite da moldura da culpa, bem como a forma de actuação dos fins das penas no quadro da prevenção, mas já não a determinação, dentro daqueles parâmetros, do quantum exacto da pena, salvo perante a violação das regras de experiência, ou a sua desproporção da quantificação efectuada”- cfr. acórdãos de 09-11-2000, in Sumários, de 30-10-2003, CJSTJ 2003, 3, 208, de 11-12-2003, processo 3399/03-5ª, de 04-03-2004, processo 456/04-5ª, in CJSTJ 2004, tomo 1, 220, de 07-12-2005 e de 15-12-2005, CJSTJ 2005, tomo 3, 229 e 235, de 15-11-2006, 2555/06-3ª, de 14-02-2007, processo 249/07-3ª, de 08-03-2007, processo 4590/06-5ª, de 12-04-2007, processo 1228/07-5ª, de 19-04-2007, processo 445/07-5ª, de 10-05-2007, processo 1500/07-5ª. E, mais recentemente, em idêntico sentido, o acórdão deste STJ, de 29.02.2024, no processo 122/20.1PAVPV.L1.S1: Na operação de escrutínio sobre o processo de apreciação da escolha e da medida da pena, em sede de recurso, é pacífico que a intervenção do tribunal superior assume um carácter essencial de “remédio jurídico”, impondo-se, especialmente, identificar incorrecções ou erros manifestos atinentes ao processo hermenêutico-aplicativo das normas constitucionais, convencionais e legais mobilizáveis, por parte da instância recorrida. Só nessa medida é legítimo ao tribunal de recurso proceder à alteração do quantum da pena. Assim, não pode proceder-se como se não existisse decisão anteriormente proferida – designadamente, neste caso, a do tribunal de primeira instância –, a qual, tendo respeitado aqueles procedimentos hermenêuticos e aplicativos, não legitima a intervenção do tribunal de recurso em termos de modificar, para mais ou para menos, a medida concreta da(s) pena(s) aplicada(s). 8. Posto este intróito, cumpre apreciar. Lidas as conclusões acima transcritas conclui-se que, ultrapassada a questão da aplicação de atenuação especial, o recorrente insurge-se apenas no que toca à dosimetria e tipologia da pena única, entendendo-a excessiva, essencialmente por ausência de ponderação das seguintes circunstâncias: - Os actos por si praticados mostram-se ímpares e isolados na vida do recorrente e seguramente, não se voltarão a repetir. - É o primeiro contacto do recorrente com o sistema de Justiça Penal. - Tinha 16 anos à data da prática dos factos e actualmente tem 19 anos de idade. - Tem forte apoio familiar. - Todas as vítimas recuperaram os bens materiais de que foram lesadas, tendo-lhes sido devolvidos no próprio dia da prática dos factos. 9. Vejamos então. Tendo em atenção as penas singulares impostas, que neste momento se mostram definitivamente assentes - uma vez que apenas eram pelo recorrente impugnadas, caso houvesse lugar a atenuação especial - a moldura da pena única a impor situa-se entre 2 anos e 3 meses de prisão e 8 anos de prisão. O tribunal “a quo” fixou a mesma em 6 anos de prisão, isto é, situou-a na metade superior, cerca de 1 ano acima da sua linha média. E, neste ponto, entendemos assistir razão ao recorrente, quando entende existir excesso na sua determinação. Vejamos porquê. 10. Dentro da moldura balizada pelas penas singulares aplicadas, tendo em atenção os próprios elementos vertidos na decisão condenatória, no que concerne às considerações que expôs em termos de ilicitude e de culpa, haverá que entender-se que a pena fixada se mostra excessiva. Na verdade, mesmo atendendo às necessidades de prevenção geral e especial, que se verificam e são prementes, considera-se que a medida concreta alcançada deverá apenas ligeiramente ultrapassar o seu limite médio – que se situa em cerca de 5 anos de prisão - por se entender não só que extravasa os limites da culpa do agente, mas porque medida superior não contemplaria adequadamente a idade do recorrente à data da prática dos factos (praticamente no limiar da maioridade em termos de responsabilidade criminal), bem como a circunstância de não ter antecedentes criminais. Já não assim no que concerne à recuperação de bens pelos lesados (que ocorreu por razões totalmente alheias à vontade do recorrente), nem no que toca à circunstância de estarmos perante actos irrepetíveis, argumento que apreciaremos infra, para efeitos de suspensão da pena. 11. Não obstante e aqui chegados, cremos, pois, que neste conspecto (e, pese embora a pessoalidade da pena, a verdade é que, existindo co-autores, por razões de equidade, proporcionalidade e igualdade de tratamento, se terá também de ter em consideração a ponderação quanto aos mesmos realizada que, no caso, mesmo quando apresentam antecedentes criminais e ainda quando as penas singulares são superiores às impostas ao recorrente, a verdade é que as penas únicas impostas se mostram definidas abaixo ou na média), ponderando todas as exigências da punição e sopesando, em conjunto, os factos e a personalidade do agente, como determina o artº 77 do C. Penal, entende-se como adequada e proporcional a imposição de uma pena de 5 anos e 6 meses de prisão, tendo de se concluir que o tribunal “a quo” não sopesou devidamente as circunstâncias atenuantes que acima expusemos, pelo que cumpre rectificar tal erro. 12. Dispõe o artigo 50º, nº 1 do Código Penal que “o Tribunal suspende a execução da pena de prisão aplicada em medida não superior a cinco anos se, atendendo à personalidade do agente, às condições da sua vida, à sua conduta anterior e posterior ao crime e às circunstâncias deste, concluir que a simples censura do facto e a ameaça da prisão realizam de forma adequada e suficiente as finalidades da punição”. 13. Sendo certo que o arguido é condenado em pena única superior a 5 anos de prisão, não se mostra legalmente admissível a sua eventual suspensão, atento o limite máximo imposto pelo artº 50 do C.Penal. Não obstante, sempre se dirá que, ainda que assim não fosse, a verdade é que se teria de entender que não se verificavam os pressupostos da suspensão. Com efeito, não se mostra aqui possível concluir-se que ocorreu, da parte do recorrente, verdadeiro arrependimento ou real mudança do percurso de vida, que até hoje, e pese embora o entorno e apoio familiar de que sempre desfrutou, não tem servido de factor preventivo à sua actuação desconforme ao direito (em escassos meses, cometeu 6 crimes, todos eles de natureza violenta, com especial relevância para o crime de violação tentado, que é praticado no seguimento do crime de roubo e em relação à mesma vítima). Efectivamente, e pese embora no relatório social transcrito na decisão do tribunal “a quo”, se faça referência a uma sua ida para o norte e o desempenho das funções de futebolista, a verdade é que, ainda assim, a morada do recorrente não foi por este disponibilizada, entre outros elementos, que nos permitisse considerar ter ocorrido alguma verdadeira adesão a um novo plano de vida, de acordo com o direito. Tanto mais que tal mudança de residência terá ocorrido após a instauração deste processo e, não obstante, em sede de julgamento, o arguido optou por não prestar qualquer tipo de declarações, o que inviabiliza, pela ausência de elementos que as mesmas poderiam ter trazido a este processo, que se possa realizar um juízo sério de epifania redentora, da sua parte. 14. Na realidade, elemento essencial para o juízo de prognose favorável que o artº 50 impõe, é a postura do próprio arguido face aos actos por si praticados, nomeadamente, a capacidade que o mesmo demonstre de fazer um auto-juízo de censura sobre a sua actuação, revelador de se mostrar, no momento da condenação, perfeitamente ciente do desvalor do acto por si praticado e decidido a mudar de rumo de vida, demonstrando vontade de não voltar a praticar actos similares. Como se deixou já dito, no caso dos autos, essa “epifania” pessoal mostra-se por demonstrar. 15. Acresce que, tal como refere Figueiredo Dias (in As Consequências Jurídicas do Crime, Ed. Notícias, pág. 344), apesar da conclusão do tribunal por um prognóstico favorável – à luz … de considerações exclusivas de prevenção especial de socialização -, a suspensão da execução da prisão não deverá ser decretada se a ela se opuserem as necessidades de reprovação e prevenção do crime, pois estão aqui em questão não quaisquer considerações de culpa, mas exclusivamente considerações de prevenção geral sob a forma de exigências mínimas e irrenunciáveis de defesa do ordenamento jurídico. Só por estas se limita – mas por elas se limita sempre – o valor da socialização em liberdade que ilumina o instituto da suspensão. Por outras palavras; além de no caso nem se concluir pelo referido “prognóstico favorável” em termos de prevenção especial de socialização, impõe-se que o crime não compense, do que decorre a exigência social do cumprimento efectivo da pena pelo arguido, não realizando de forma adequada e suficiente as finalidades da punição a simples censura dos factos e a ameaça da prisão, especialmente tendo em atenção a natureza dos crimes praticados (em especial, violação tentada e roubos), a violência envolvida no seu cometimento e o grande alarme social que geram. Temos, pois, que se mostraria sempre inaplicável ao caso o disposto no artº 50 do C. Penal, pelo que a pena imposta ao arguido não pode ser suspensa na sua execução, improcedendo, nesta parte, o pedido formulado pelo recorrente. iv – decisão. Face ao exposto, acorda-se: 1. Em proceder à rectificação do dispositivo do acórdão proferido pelo tribunal “a quo”, aí se passando a ler, na al. b), o seguinte: b) Condenar AA pela prática de um crime de violação na forma tentada, p. e p. pelos artigos 22.º, 23.º, 73.º e 164.º n.º 2 al. b) do Código Penal, na pena de 2 (dois) anos e 3 (três) meses de prisão; 2. Julga-se parcialmente procedente o recurso interposto pelo arguido AA e, em consequência, mantendo-se a sua condenação pela prática dos crimes acima referidos e nas penas singulares estipuladas pelo tribunal “a quo”, altera-se a pena única imposta, que se fixa em 5 (cinco) anos e 6 (seis) meses de prisão. 3. No restante, mantém-se a decisão recorrida. Sem custas. Lisboa, 1 de Outubro de 2025 Maria Margarida Almeida (relatora) José Carreto António Augusto Manso |