Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça
Processo:
20/21.1GACCH.E1.S1
Nº Convencional: 5.ª SECÇÃO
Relator: JOSÉ PIEDADE
Descritores: RECLAMAÇÃO PARA A CONFERÊNCIA
PENA PARCELAR
IRRECORRIBILIDADE
DECISÃO SUMÁRIA
REJEIÇÃO
INDEFERIMENTO
Data do Acordão: 10/09/2025
Votação: UNANIMIDADE
Texto Integral: S
Privacidade: 1
Meio Processual: RECURSO PENAL
Decisão: NEGADO PROVIMENTO
Sumário :
Rejeição de recurso por o seu objecto se circunscrever à condenação por tráfico de estupefacientes na pena parcelar de 7 anos e 9 meses de prisão, nenhuma questão se suscitando quanto ao crime — em concurso — de receptação ou à pena única;
Decisão Texto Integral:

Acordam, em Conferência, os Juízes desta 5ª Secção Criminal do Supremo Tribunal de Justiça

No Tribunal Judicial da Comarca de Santarém – Santarém – JC Criminal – Juiz 2, processo supra referido, foi julgado AA — conjuntamente com BB, CC, DD e EE —, tendo sido proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos e pelo exposto decide-se:

1. Absolver CC da prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto Lei 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexa àquele diploma.

2. Absolver DD da prática de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231º, nº 1 Código Penal

3. Condenar AA pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto Lei 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B anexa àquele diploma, na pena de 7 (sete) anos e 9 (nove) meses de prisão e pela prática de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231º, nº 1 Código Penal na pena de 2 (dois) anos de prisão

4. em cúmulo das penas referidas em 3 condenar AA na pena única de 8 (oito) anos e 3 (três) meses de prisão.

5. condenar BB pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelo artigo 21º, nº 1 do Decreto Lei 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A, I-B e I-C anexa àquele diploma, na pena de 5 (cinco) anos e 9 (nove) de prisão

6. Condenar CC pela prática de um crime de tráfico de estupefacientes previsto e punido pelos artigos 21º, nº 1 e 25º, alínea a) do Decreto Lei 15/93, de 22.01, por referência às tabelas I-A e I-B anexa àquele diploma, na pena de 1 (um) ano e 9 (nove) meses de prisão, suspensa na sua execução por 2 (dois) anos e 3 (três) meses, sujeita a regime de prova a delinear pela DGRSP (artigos 50º, nºs 1, 2 e 5, 53º e 54º Código Penal).

7. Condenar EE pela prática de um crime de receptação, previsto e punido pelo artigo 231º, nº 1 Código Penal na pena de 275 (duzentos e setenta e cinco) dias de multa, à taxa diária de € 8,5 (oito euros e cinquenta cêntimos), num total de € 2.200 (dois mil e duzentos euros), convertível, em caso de incumprimento, nos termos do disposto no artigo 49º, nº 1 Código Penal em 183 (cento e oitenta e três) dias de prisão subsidiária.

8. declarar perdidos a favor do estado nos termos do disposto nos artigos 35º e 36º do Decreto Lei 15/93, de 22.01:

a) Todo o produto estupefaciente apreendido nos autos;

b) Todos os telemóveis apreendidos;

c) A balança de precisão;

d) As quantias monetárias apreendidas num total de € 37.885,23 (trinta e sete mil oitocentos e oitenta e cinco euros e vinte e três cêntimos)

9. Determinar Que AA E BB aguardem os ulteriores termos do processo sujeitos à medida de coacção prisão preventiva (artigos 193º, 196º, 201º, 204º, 213º, nº1, alínea b), 215º, nºs 1, alínea d) e 2 e 375º, nº4, do Código Processo Penal).

10. condenar, os arguidos nas custas do processo, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UC e nos demais encargos previstos na lei (artigos 513º, 514º Código de Processo Penal, 8º, nº 9 e 16º do Regulamento Custas Processuais e Tabela III anexa)”.

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Deste Acórdão interpuseram recurso — em requerimentos separados —, para o Tribunal da Relação de Évora, os arguidos/condenados AA e BB, tendo sido proferido Acórdão com o seguinte dispositivo:

“Nestes termos, acordam, em conferência, os Juízes que integram a 2.ª Subsecção criminal do Tribunal da Relação de Évora, em negar provimento aos recursos interposto pelos arguidos AA e BB e, consequentemente, confirmar o douto acórdão recorrido.

Custas a cargo dos recorrentes, fixando-se a taxa de justiça em 4 (quatro) UCs (art.ºs 513.º e 514.º, ambos do Código de Processo Penal, e art.º 8.º, n.º 9, e Tabela III do Regulamento das Custas Processuais)”.

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Do Acórdão da Relação, em representação do arguido/condenado AA, foi interposto recurso para este Supremo Tribunal.

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No seu Parecer neste Tribunal, o M.º P.º defendeu a rejeição do recurso por inadmissibilidade legal, invocando os art.ºs 432.º, n.º 1, al.ª b), 400.º, n.º 1, al.ªs e) e f), 414.º, n.ºs 2 e 3, e 420.º, n.º 1, al.ª b), do CPP.

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Esse recurso foi rejeitado, por a decisão ser irrecorrível na parte que constitui o objecto do recurso, em Decisão Sumária com o seguinte teor (na parte que interessa):

“Nas conclusões — que definem e delimitam o objecto do recurso — começa-se por invocar a nulidade do Acórdão com a seguinte asserção: “o Tribunal da Relação não fundamentou a decisão limitando-se a emitir um juízo conclusivo nesse sentido sem fundamentar factualmente tal conclusão, ferindo de nulidade a decisão proferida por franca falta de fundamentação” (sic),

Em seguida, pretende colocar-se em causa a qualificação jurídica do crime de tráfico de estupefacientes, escrevendo-se que se “cometeu um erro de direito ao subsumir o comportamento do Recorrente ao artigo 21º nº1 do Decreto-Lei nº15/93 de 22.01, devendo à semelhança de outros-co-arguidos ter sido condenado pelo artigo 25º do mesmo diploma legal”.

Afirmando-se depois que “estando os factos enquadrados em qualificação jurídica de tráfico de menor gravidade, art. 25º lei 15/93 de 22.01, os limites da pena a aplicar são os previstos na alínea a) do art. 25º que refere que a pena a aplicar é de um a cinco anos de prisão”.

Com base nessa premissa, pretende-se colocar em causa a pena aplicada ao crime de tráfico de estupefacientes, defendendo-se que deve ser aplicada “uma pena inferior”, e a suspensão da sua execução, porque “à semelhança de todos os co-arguidos presentes nos autos também é possivel fazer um juízo de prognose postiva sobre a ressocialização do recorrente, sendo que a simples censura do facto e a ameaça de prisão serão determinantes para o mesmo determinar a sua vida em sociedade de acordo com a lei”.

Por último, procura-se, colocar em causa a declaração de perdimento a favor do Estado das “quantias pecuniárias apreendidas” em casa do recorrente, afirmando-se “não existir fundamento legal para tal”.

(…)

O recorrente está condenado pela prática — em concurso real — de:

— um crime de tráfico de estupefacientes, na pena de 7 anos e 9 meses de prisão;

— um crime de receptação na pena de 2 anos de prisão.

Está condenado na pena única de 8 anos e 3 meses de prisão.

A decisão condenatória da 1ª Instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação.

No recurso para este Tribunal, partindo-se da premissa — notoriamente errada (o que daria lugar a uma rejeição por manifesta improcedência, se não existisse circunstância que obstasse ao conhecimento do recurso) — de que estaria preenchido o tipo privilegiado do art. 25º, do DL 15/93, a pena que se impugna é a parcelar imposta pelo crime de tráfico de estupefacientes.

Assim, com base na moldura penal desse tipo que pune o tráfico de menor gravidade, pretende-se que a pena seja inferior a 5 anos de prisão, e a subsequente suspensão da sua execução (esquecendo-se, também, que a mesma é apenas parcelar e se integra num concurso real com um crime de receptação, de que se não efectua a mínima avaliação, nem nas conclusões, nem na motivação).

Brevitatis causa — como bem afirma o M.º P.º no seu Parecer, e corresponde ao unânime em matéria de Recursos pra o STJ —, verificando-se a denominada “dupla conforme”, não é admissível recurso do Acórdão da Relação tendo como objecto as penas parcelares não superiores a 8 anos (assim como o não seria, no caso de pena única com esse limite).

É isso o que resulta da interpretação, conjugada, dos art.ºs 432 (recurso para o STJ), n.º 1, al.ª b), (“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (…) de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”), 400 (Decisões que não admitem recurso), n.º 1, al.ª f), “não é admissível recurso (…) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

A irrecorribilidade, no caso, das penas parcelares abrange todas as questões que lhes dizem respeito, incluindo a qualificação jurídica, a medida da pena, perdimento de bens, ou, a anteceder, questões formais, (remete-se a esse respeito, a título de exemplo, para os Acórdãos do STJ de 23/03/22, 14/03/2018, 17/02/22, todos acessíveis em www.dgsi.pt, citados pelo M.º P.º).

Nos termos do artº 417º, nº 6, do CPP, será proferida Decisão Sumária — entre outros casos — se alguma circunstância obstar ao conhecimento do recurso (al.º a), aqui se incluindo o presente caso de irrecorribilidade da Decisão.

A Decisão Sumária é de rejeição, como decorre do art.º 420 (rejeição do recurso), n.º 1, alª b): caso se verifique causa que devia ter determinado a sua não admissão nos termos do n.º 2 do artigo 414.º.

Nos termos desse art.º 414 (admissão do recurso), n.º 2, do CPP, o recurso não deveria ser admitido quando a decisão é irrecorrível.

A decisão que, na Relação de Évora, admitiu o recurso, não vincula este Tribunal – artº 414º, nº3.

Pelo exposto, e nos termos dos arts.º 417.º, n.º 6, al. a), 432 n.º 1, al.ª b), 400, n.º 1, al.ª f), do CPP, rejeita-se o recurso interposto em representação do AA, por a decisão ser irrecorrível na parte que constitui o objecto do recurso”.

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Desta decisão sumária foi interposta Reclamação para a Conferência com as seguintes conclusões:

“A. Foi proferida Decisão Sumária nos presentes autos onde julgou pela inadmissibilidade do Recurso apresentado pelo arguido.

B. Ora, é referido da douta Decisão Sumária para sustentar a inadmissibilidade que o arguido foi condenado na pena única de 8 anos e 3 meses de prisão e que a decisão condenatória da 1ª instância foi confirmada pelo Tribunal da Relação.

C. A irrecorribilidade, no caso, das penas parcelares abrange todas as questões que lhe dizem respeito, incluindo a qualificação jurídica, a medida da pena, perdimento de bens ou a anteceder questões formais”.

D. Pelo que foi proferida Decisão Sumária nos termos do artigo 417/6º do CPP, de rejeição do recurso, nos termos do previsto no artigo 420/1/bº pois se conclui que o mesmo não deveria ter sido admitido.

E. Perante tal, não pode o arguido conformar-se com tal decisão sumária, pelo que considera que o recurso interposto reúne todos os requesitos impostos pela lei para a sua admissão e para a sua consequente avaliação.

F. Encontra-se taxado no artigo 400º f) De acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos;

G. Regra que é aplicável, quer se trate de penas singulares, aplicadas pela prática de um único crime, quer se trate de penas que em caso de concurso de crimes, sejam aplicadas a cada um dos crimes em concuros (penas parcelares) ou de penas conjuntas aplicadas aos crimes em concurso.

H. Quanto ao recurso para o Supremo Tribunal de Justiça está previsto no artigo 432º do CPP o seguinte: “1 - Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça:

b) De decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º.

I. É ainda nas palavras de Paulo Pinto de Albuquerque no seu comentário do código de processo penal ao artigo 432º referido o seguinte: “Cabe recurso para o STJ das decisões do TR proferidas em recurso, que não sejam irrecorríveis nos termos do artigo 400º. Em face da consagração da regra do triplo grau de jurisdição pela Lei 48/2007, de 29/8 é admissível recurso para o STJ dos acórdãos do TR proferidos, em recurso, em processo crime a que seja aplicada pena de prisão, com exceção das condenações em prisão até 8 anos

confirmadas pelas Relações. “

J. Ora, o Recorrente foi condenado numa pena única de oito anos e três meses.

K. Tal pena permite o Recurso para o Supremo Tribunal de justiça, de acordo com a leitura conjugada dos artigos supra mencionados, a contrario.

L. Pelo que tal Recurso interposto pelo arguido deveria ter sido admitido e avaliado, não podendo o Recorrente concordar com a decisão sumária que foi proferida nos presentes autos.

M. Requerendo pela presente reclamação, a avaliação por parte da conferência das questões suscitadas e consequentemente a avaliação do Recurso que foi interposto junto do Supremo Tribunal de Justiça”.

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Colhidos os Vistos, efectuada a Conferência, cumpre apreciar e decidir.

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O recurso foi rejeitado por o seu objecto — como resulta da síntese efectuada na decisão sumária supratranscrita — se circunscrever à condenação por tráfico de estupefacientes na pena parcelar de 7 anos e 9 meses de prisão, nenhuma questão se suscitando quanto ao crime de receptação ou à pena única.

Com efeito, o que se pretendia era a punição pela prática do crime de tráfico de menor gravidade — art.º 25 da Lei 15/93 (o que motivaria uma rejeição por manifesta improcedência, se fosse apreciado o seu mérito).

E, com base nessa premissa a diminuição da pena parcelar aplicada ao tráfico de estupefacientes, contestando-se, também, a declaração de perdimento a favor do Estado das quantias apreendidas em consequência da prática desse crime de tráfico de estupefacientes.

Verificava-se (verifica-se) dupla conforme, tendo a decisão condenatória da 1ª Instância sido confirmada pelo Tribunal da Relação, em tudo quanto respeita ao objecto do recurso, circunscrito ao crime cuja pena parcelar é de 7 anos e 6 meses de prisão.

É o que resulta — repete-se — dos art.ºs 432 (recurso para o STJ), n.º 1, al.ª b), (“Recorre-se para o Supremo Tribunal de Justiça (…) de decisões que não sejam irrecorríveis proferidas pelas relações, em recurso, nos termos do artigo 400.º”), art.º 400 (Decisões que não admitem recurso), n.º 1, al.ª f), “não é admissível recurso (…) de acórdãos condenatórios proferidos, em recurso, pelas relações, que confirmem decisão de 1.ª instância e apliquem pena de prisão não superior a 8 anos”.

Basicamente o que se faz na reclamação é ignorar toda essa fundamentação da decisão sumária e insistir-se em que o interposto recurso é admissível.

Pois bem, não é.

E isso abrange todas as questões correlacionadas com a pena parcelar em causa, reafirmando-se o que a esse respeito se referiu na decisão sumária:

A irrecorribilidade, no caso, das penas parcelares abrange todas as questões que lhes dizem respeito, incluindo a qualificação jurídica, a medida da pena, perdimento de bens, ou, a anteceder, questões formais, (remete-se a esse respeito, a título de exemplo, para os Acórdãos do STJ de 23/03/22, 14/03/2018, 17/02/22, todos acessíveis em www.dgsi.pt, citados pelo M.º P.º).

Improcede a reclamação apresentada.

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Nos termos relatados, decide-se indeferir a reclamação formulada pelo AA, mantendo-se a respectiva decisão sumária de rejeição do recurso por a decisão ser irrecorrível na parte que constitui o objecto do recurso.

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Custas pelo reclamante, fixando-se a Taxa de Justiça em 3 UC’s.

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Lisboa, 09/11/25

José Piedade (Relator)

Jorge Jacob

Ernesto Nascimento